Processo:13/05.6TBMCN.P1
Data do Acordão: 22/02/2010Relator: GUERRA BANHATribunal:trp
Decisão: Meio processual:

Prevendo a lei que a indemnização por danos não patrimoniais seja fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias do caso concreto e os valores fixados pela jurisprudência em situações semelhantes (arts. 496.°, n.° 3, e 8.°, n.° 3, do Código Civil), a quantia de 12.500,00€ mostra-se proporcionalmente ajustada a compensar os danos não patrimoniais sofridos pela lesada, que tinha à data 41 anos de idade e sofreu um quadro lesivo caracterizado por luxação do ombro direito com limitação da mobilidade entre os 90º e os 110º, um quantum doloris avaliado no grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade ascendente, 3 consultas hospitalares, tratamentos de fisioterapia por período não inferior a 2,5 meses e IPG de 1O%, que lhe exige maior esforço do braço esquerdo para desenvolver as mesmas tarefas que antes fazia.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
GUERRA BANHA
Descritores
DANOS NÃO PATRIMONIAIS INDEMNIZAÇÃO
No do documento
Data do Acordão
02/23/2010
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
ALTERADA A DECISÃO.
Sumário
Prevendo a lei que a indemnização por danos não patrimoniais seja fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias do caso concreto e os valores fixados pela jurisprudência em situações semelhantes (arts. 496.°, n.° 3, e 8.°, n.° 3, do Código Civil), a quantia de 12.500,00€ mostra-se proporcionalmente ajustada a compensar os danos não patrimoniais sofridos pela lesada, que tinha à data 41 anos de idade e sofreu um quadro lesivo caracterizado por luxação do ombro direito com limitação da mobilidade entre os 90º e os 110º, um quantum doloris avaliado no grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade ascendente, 3 consultas hospitalares, tratamentos de fisioterapia por período não inferior a 2,5 meses e IPG de 1O%, que lhe exige maior esforço do braço esquerdo para desenvolver as mesmas tarefas que antes fazia.
Decisão integral
Proc. n.º 13/05.6TBMCN.P1
Recurso de Apelação
Distribuído em 15-12-2009

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto.

I – RELATÓRIO
1. B………., residente em ………., Marco de Canaveses, instaurou, no Tribunal Judicial dessa comarca, acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, destinada a exigir a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra o FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, com sede na ………., em Lisboa, e C………., residente no ………., freguesia de ………., concelho de Marco de Canaveses.
Pediu a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a quantia de 43.326,01€, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que diz ter sofrido em consequência de acidente de viação ocorrido em 23-07-2000, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação dos réus até integral pagamento.
Os réus contestaram, invocando a prescrição do direito da autora e impugnando os factos relativos ao acidente e aos danos.
No despacho saneador foi decidida e julgada improcedente a excepção da prescrição.  
Realizada a audiência de julgamento e decidia a matéria de facto controvertida, foi proferida sentença, a fls. 270-285, que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu: 
a) condenar solidariamente os réus a pagarem à autora a quantia de 23.426,65€, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, a partir de 18-01-2005 até integral pagamento; 
b) condenar ainda o réu C………. a pagar à autora, para além da quantia referida em a), a quantia de 299,28€, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, a partir de 18-01-2005 até integral pagamento.

2. Desta sentença apelou o réu C………., que concluiu as suas alegações dizendo:
1.º - Os danos não patrimoniais podem ser compensados com a atribuição ao lesado de uma reparação ou satisfação adequada, que possa contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar as dores físicas e o sofrimento psicológico em que tais danos se traduzem 
2.º - Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, aferida em termos objectivos, mereçam a tutela do direito. 
3.º - O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, "segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização" e "aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência". 
4.º - As únicas lesões da autora situam-se no ombro direito, a dores são fixáveis no grau 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, a mesma sofreu aborrecimentos, tristeza, depressão e angústia e está afectada de uma IPG de 10%. 
5.º - A portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, não sendo uma fixação definitiva dos valores indemnizatórios, dá aos aplicadores do direito dados objectivos sobre a razoabilidade das indemnizações e como tal tem de relevar quando da fixação das indemnizações. 
6.º - A douta sentença do tribunal ad quo mostra-se inadequada por excesso e desalinhada com os critérios acolhidos pelos tribunais superiores ao fixar em 22.500€ a compensação por danos não patrimoniais. 
7.º - Atendendo à concreta factualidade apurada e aos mencionados critérios de equidade e proporcionalidade é mais ajustado fixá-la em 5.000€. 
8.º - A douta decisão violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 483.º, 494.º e 496.º do C. Civil e arts. 3.º e 4.º da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio. 
Contra-alegou a autora, concluindo pela improcedência do recurso e a confirmação da sentneça recorrida.

3. À tramitação e julgamento destes recursos é ainda aplicável o regime processual anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008. E por força do disposto no n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, o regime introduzido por este diploma legal não se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2008 (art. 12.º do mesmo decreto-lei).
De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o apelante extrai das suas alegações, desde que reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, in fine, do CPC). 
Nas conclusões formuladas pelo apelante compreende-se uma única questão oposta à sentença recorrida, que se refere ao montante fixado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora. O apelante considera que esse montante é desproporcionado por excesso relativamente aos danos efectivamente sofridos pela autora, tal como estão retratados nos factos provados, e pretende a sua redução para o montante de 5.000,00€. É, pois, esta a questão que cabe apreciar. 
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTOS DE FACTO
4. Na primeira instância foram julgados provados os factos seguintes:
a) O segundo Réu foi condenado, por sentença transitada em julgado, pelo crime de ofensas à integridade física por negligência, no âmbito do processo crime n.º …/01.1TAMCN, que correu os seus termos no Tribunal Judicial do Marco de Canaveses, no .º Juízo, conforme documento de folhas 64 a 76, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 
b) No dia 23 de Julho do ano de 2000, o Réu C………. circulava na estrada regional que liga a cidade do Marco de Canaveses à freguesia de ………. [resposta ao n.º 1 da base instrutória]. 
c) Conduzindo o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula ..-..-BO, de sua pertença, o qual não possuía seguro automóvel [resposta ao n.º 2 da base instrutória]. 
d) À sua frente e na mesma faixa de rodagem, seguia o veículo automóvel de matrícula RQ-..-.., conduzido por D………. [resposta ao n.º 3 da base instrutória]. 
e) No dia 23/07/2000, ocorreu um acidente de trânsito entre os veículos BO e RQ [resposta ao n.º 4 da base instrutória]. 
f) Momentos antes do acidente, ao chegar ao ………., em ………., Marco de Canaveses e quando o RQ pretendia efectuar a manobra de mudança de direcção à esquerda [resposta ao n.º 5 da base instrutória],  
g) … fazendo para o efeito o respectivo sinal de "pisca-pisca", assinalando a manobra [resposta ao n.º 6 da base instrutória],  
h) … o Réu C………., como conduzia a sua viatura de forma "distraída" e não guardando a distância necessária do veículo que seguia à sua frente [resposta ao n.º 7 da base instrutória],
i) … colidiu com a parte frontal da sua viatura na traseira do veículo de matrícula RQ, conduzido pelo referido D………., causando assim um acidente [resposta ao n.º 8 da base instrutória].
j) O Réu C………. não logrou imobilizar o BO no espaço livre e visível à sua frente, por forma a não embater no veículo RQ [resposta ao n.º 10 da base instrutória]. 
k) À data do acidente, a Autora era transportada como acompanhante/passageira do veículo conduzido pelo 2.º Réu [resposta ao n.º 11 da base instrutória]. 
l) Em consequência do acidente, a Autora sofreu lesões que a afectaram, nomeadamente, luxação do ombro direito com limitação da mobilidade entre os 90º e os 110º [resposta ao n.º 12 da base instrutória]. 
m) Em consequência do acidente e das lesões e sequelas dele emergentes a Autora ficou impedida de trabalhar no período referido em o) e ficou privada de alguns momentos de lazer e sofreu limitação na sua vida em sociedade, já que, após o acidente, foi, pelo menos, três vezes a consultas hospitalares e de Dezembro de 2000 até data não concretamente apurada e de 17/03 a 25/05/2005 fez tratamentos de fisioterapia em clínicas da especialidade [resposta ao n.º 13 da base instrutória]. 
n) As lesões referidas demandaram para a Autora um período de doença de 228 dias, com afectação da sua capacidade de trabalho por igual período de tempo [resposta ao n.º 14 da base instrutória]. 
o) Em consequência directa e necessária do acidente, lesões e sequelas dele emergentes, a Autora esteve impedida de trabalhar desde o dia 23-07-2000 a 07-10-2000 e de 14-12-2000 a 13-05-2001 [resposta ao n.º 15 da base instrutória]. 
p) À data do acidente e das lesões e sequelas dele emergentes, a Autora auferia o salário de 318,23 Euros, na firma "E………." [resposta ao n.º 16 da base instrutória]. 
q) Durante o período de baixa médica referido em o), a Autora tinha a oportunidade de ter ganho a quantia de 2.418,55 Euros, o que não aconteceu, devido às lesões que lhe foram provocadas [resposta ao n.º 17 da base instrutória]. 
r) Durante o tempo em que a Autora esteve de baixa médica, a Segurança Social pagou-lhe a quantia de 258.898$00 (1.291,38 Euros) [resposta ao n.º 18 da base instrutória].
s) Para levar a cabo o seu tratamento de fisioterapia, a Autora teve de despender, pelo menos, a quantia de 98,76 Euros [resposta ao n.º 19 da base instrutória]. 
t) As lesões que lhe foram infligidas pelo segundo Réu causaram à Autora dores fixáveis no grau 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, aborrecimentos, tristeza, depressão e angústia e a mesma nunca ficou totalmente recuperada já que apresenta uma IPG de 10% que a irá acompanhar até ao resto da sua vida [resposta ao n.º 20 da base instrutória]. 
U) A Autora tem necessidade de efectuar os trabalhos domésticos, assim como a sua actividade profissional, que a mesma tem de exercer para se sustentar a si e aos seus filhos [resposta ao n.º 21 da base instrutória]. 
v) Tendo sofrido lesões no braço direito, isso é motivo para que os trabalhos pesados e, bem assim, os trabalhos domésticos e na sua vida diária e profissional que exijam a mobilização do ombro direito, sejam efectuados com dificuldades e que tenha de desenvolver esforços suplementares com o braço esquerdo [resposta ao n.º 22 da base instrutória]. 
w) Já que teve necessidade de alterar a sua rotina diária, nomeadamente de tempo para atingir os mesmos resultados [resposta ao n.º 23 da base instrutória]. 
Estes factos não foram impugnados por nenhuma das partes, pelo que se têm por definitivamente fixados, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 684.º, n.ºs 2, 3 e 4, 690.º-A, n.º 1, e 712.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil.
Constata-se, no entanto, que dos documentos constantes dos autos a fls. 15 a 20, emitidos por serviços do Ministério da Saúde, juntos ao processo pela autora e já sujeitos ao contraditório dos réus, consta a data de nascimento da autora. Este facto permite uma apreciação mais rigorosa da dimensão dos danos não patrimoniais atinentes às sequelas de que a autora ficou afectada, e, neste contexto, é um facto instrumental com alguma relevância na fixação desta indemnização. O qual, todavia, não foi incluído nos factos provados, apesar de na fundamentação da sentença se dizer que a autora tinha, à data do acidente, 41 anos de idade. Por esse motivo, ao abrigo do disposto nos arts. 264.º, n.º 2, e 712.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil, adita-se aos factos provados o seguinte:
x) A autora nasceu no dia 19-01-1959.

III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
5. Como ficou acima enunciado, o apelante opõe à sentença recorrida uma única questão: o montante excessivo da indemnização fixada a título de danos não patrimoniais a favor da autora. 
Excesso que, segundo diz, decorre de três ordens de razões: 1) é inadequado à dimensão dos danos retratados nos factos provados; 2) é desajustado aos critérios da jurisprudência; 3) é também desproporcionado em relação aos valores previstos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio. Concluindo que o valor destes danos deverá ser fixado em 5.000,00€.
A sentença recorrida ponderou, para efeitos da fixação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, os seguintes aspectos: "atento o condicionalismo em que ocorreu o acidente, o facto de a Autora contar, à data do acidente, 41 anos de idade, e a natureza e extensão dos apontados danos morais, que são consideráveis, sobretudo atendendo à IPG de 10% com que ficou afectada, bem como os padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência, em particular pelo STJ, que a propósito do dano pela perda da vida (bem supremo e, por conseguinte, dano não patrimonial máximo que se pode infligir a um ser humano) tem fixado a compensação entre 50.000,00 e 70.000,00 Euros, entende-se ser justa e equitativa arbitrar à Autora a quantia de 22.500,00 Euros".
Não nos parece que a referência feita à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de indemnização pela perda da vida seja a mais adequada ao caso concreto, na medida em que tal dano não está, nem directa nem indirectamente, aqui em equação. Essa referência poderia fazer sentido se em causa estivesse um quadro lesivo de tal modo incapacitante que afectasse de forma grave a qualidade de vida da lesada. Caso em que a indemnização poderia equiparar-se, ou mesmo superar, os valores normalmente fixados para compensar a perda da vida, como expressámos no acórdão de 27-10-2009, proferido no processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/145006" target="_blank">6995/05.0TBVFR.P1</a> e disponível em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ (cfr. no mesmo sentido os acórdãos do STJ de 12-03-2009 e 20-01-2010, ambos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 08P3635 e 60/2002.L1.S1, respectivamente).
Não é manifestamente, e está muito longe dessa hipótese, o caso em apreciação nestes autos. E como recomenda o acórdão do STJ de 15-04-2009 (disponível em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 08P3704), na fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais deve ter-se em consideração "os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art. 8.º, n.º 3, do Código Civil, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito". Não havendo qualquer semelhança entre as duas situações, a referência aos valores fixados para compensar a perda da vida não faz aqui sentido.
Aparte essa observação, cremos que o montante fixado revela algum excesso perante o quadro lesivo retratado nos factos provados, que se configura de pequena gravidade, e por comparação com os montantes compensatórios fixados em situações equiparáveis de dano corporal. Mas, de modo algum, o ajustamento desse excesso comporta a redução pretendida pelo recorrente, de 22.500,00€ fixados na sentença para 5.000,00€.
Como se intui do que fica dito, a divergência do recorrente com a sentença recorrida não abrange nem os pressupostos da obrigação de indemnizar os danos não patrimoniais, nem, em abstracto, o critério de fixação do respectivo montante indemnizatório baseado na equidade conforme às circunstâncias relevantes do caso concreto. E também não questiona as várias vertentes compreendidas na lesão do direito à integridade física, enquanto expressão concreta da dimensão do dano corporal causado pelo facto lesivo. É tão só na avaliação em concreto da dimensão deste tipo de dano efectivamente sofrido pela autora e retratado nos factos provados que o apelante discorda da sentença recorrida, por considerar que a sua gravidade é bem menor do que o valor da indemnização traduz.
Vejamos, então. 

5.1. A indemnização por danos não patrimoniais está regulada no art. 496.º do Código Civil. Cujo n.º 1 prescreve que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito". 
Como convergentemente diz o apelante, "a gravidade do dano é um conceito relativamente indeterminado, carecido de preenchimento valorativo a fazer caso a caso, de acordo com a realidade fáctica apurada. Todavia, como refere o insigne Professor ANTUNES VARELA, não obstante dever essa apreciação ter em conta as circunstâncias de cada caso, a gravidade deverá medir-se por um padrão objectivo, e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria e embotada do lesado; e, por outro lado, deverá ser apreciada em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado". Pronuncia-se também neste sentido JOSÉ BORGES PINTO (advogado), "Notas sobre o Dano Corporal e Perícia Médico-Legal", disponível em www.verbojurídico.pt.
E entre os danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito e, por isso, indemnizáveis, inclui-se, necessariamente, o dano corporal, "caracterizado como o prejuízo de natureza não patrimonial que recai na esfera do próprio corpo", compreendendo as dores físicas (o pretium ou quantum doloris) possíveis de verificar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico, e as dores morais, traduzidas pelas aflições, desgostos, angústias e inquietações. 
Mas como também refere a Prof.ª TERESA MAGALHÃES (Directora da Delegação do Norte do Instituto Nacional de Medicina Legal, "Da Avaliação à Reparação do Dano Corporal", em www.trp.pt), "o objectivo principal da reparação é ajudar a vítima, de uma forma adaptada às particularidades do seu estado, de modo a repor a sua situação de vida tal como era antes do evento. Desta forma, o dano indemnizável deverá residir muito menos nas sequelas físicas do que nas suas múltiplas consequências no plano da vida quotidiana, da vida afectiva, familiar e da vida profissional ou de formação. De facto, os actos essenciais da vida não se limitam à satisfação das necessidades fisiológicas …; existem outras aspirações a nível da funcionalidade do ser humano, como a possibilidade de comunicar, de obter conhecimentos, de ter passatempos, que devem ser, também, tidas em consideração".
Para efeitos da quantificação desta compensação num montante indemnizatório, a lei remete para a equidade (cfr. art. 496.º, n.º 3, do Código Civil). O que se compreende, na medida em que se trata de danos causados em bens de natureza imaterial, insusceptíveis de valor económico. Daí que esta indemnização não tenha feição reparatória, mas meramente compensatória e sancionatória. Compensatória porque visa proporcionar ao lesado a satisfação de certas vantagens que de algum modo o possam compensar do sofrimento que lhe foi causado. Sancionatória, porque também visa punir a acção lesiva do agente.
Mas o critério da equidade não se confunde com arbitrariedade. Para obstar a essa equivoco e dar objectividade à sua aplicação, a lei manda atender às circunstâncias referidas no art. 494.º do Código Civil, ou seja, ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado, e a todas as circunstâncias relevantes atinentes ao caso concreto (cfr. art. 496.º, n.º 3, do Código Civil).
Na linguagem da ética e das ciências jurídicas, a equidade mais não é do que um critério residual de "justiça do caso concreto", apenas aplicável em situações excepcionais tipificadas na lei (art. 4.º do Código Civil), em que é necessário fazer a "adequação das leis humanas e do direito às necessidades sociais e às circunstâncias das situações singulares" (cfr. ac. do STJ de 07-07-2009, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 704/09.9TBNF.S1). É também nesse sentido que PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, p. 501), dizem que a equidade faz apelo a "todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida". E o acórdão do STJ de 24-09-2009 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 09B0037) conclui que "o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida atenção (às) circunstâncias (concretas de cada caso)". 
Ora, a justiça do caso concreto tem que basear-se, em primeiro lugar, nas circunstâncias concretamente retratadas nos factos provados. O que passa por ponderar que o caso concreto se refere a lesões corporais causadas por colisão de veículos provocada por condução negligente do réu/recorrente [cfr. als. h) e i) dos factos provados] e que a autora era passageira transportada gratuitamente no veículo conduzido pelo mesmo réu [cfr. al. k) dos factos provados], o que significa que aceitou assumir os riscos inerentes à perigosidade dessa actividade. 
Na que respeita à avaliação do prejuízo corporal concretamente sofrido, há que atender às várias dimensões em que se materializa esse dano, designadamente: 1) à natureza e gravidade das lesões efectivamente sofridas, aferida pela sua localização, extensão, caracterização e grau de danosidade para a vida, a saúde e a integridade física do lesado; 2) ao quantum doloris causado por essas lesões e pelos tratamentos clínicos necessárias à sua recuperação; 3) à natureza e extensão das sequelas físicas, funcionais e psíquicas deixadas por essas lesões e que podem compreender, entre outros: o prejuízo estético caracterizado por cicatrizes, deformações, dissimetria e mutilações, com afectação/diminuição da imagem e da beleza física; o prejuízo funcional traduzido na afectação/diminuição das capacidades físicas e mentais próprias do ser humano; o prejuízo sexual resultante de mutilações e impotência causadas por traumatismo nos órgãos sexuais; o prejuízo de auto-suficiência, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária; o prejuízo de auto-estima ou de afirmação pessoal, etc. 
Neste âmbito, os factos provados revelam o seguinte quadro lesivo: 
1) A única lesão corporal que a autora sofreu consistiu numa "luxação do ombro direito com limitação da mobilidade entre os 90º e os 110º" [cfr. al. l) dos factos provados]. O que se configura como uma lesão de pequena danosidade para a saúde e a integridade física da autora, que não exigiu internamento hospitalar nem qualquer intervenção cirúrgica, tendo sido tratada através sessões de fisioterapia [cfr. al. m) dos factos provados]. 
2) O quantum doloris foi avaliado no grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade ascendente [cfr. al. t) dos factos provados]. Esta avaliação terá sido influenciada pelo facto de a autora ter sofrido doença pelo período de 228 dias, com afectação da sua capacidade de trabalho por igual período de tempo [cfr. al. n) dos factos provados], e ter feito fisioterapia durante período de tempo não inferior a dois meses e meio (os factos provados não permitem determinar o período de tempo exacto desse tratamento) [cfr. al. m) dos factos provados]. 
3) Em matéria de consequências e sequelas, os factos provados mostram que a autora apenas fez três deslocações a consultas hospitalares, ficou privada de alguns momentos de lazer e sofreu limitação na sua vida em sociedade [cfr. al. m) dos factos provados]; teve aborrecimentos, tristeza, depressão e angústia e ficou definitivamente afectada de incapacidade permanente geral (IPG) de 10% [cfr. al. t) dos factos provados], a qual lhe exige esforços suplementares com o braço esquerdo para desenvolver as mesmas tarefas que antes fazia [cfr. al. v) dos factos provados], tendo a autora, à data do acidente, 41 anos de idade.
Perante este quadro lesivo e por comparação com outros casos equiparáveis que a jurisprudência permite confrontar, parece-nos que o valor da compensação não deverá ir além de 12.500,00€. 

5.2. Com efeito, para além dos casos mencionados pelo apelante, em decisões mais recentes proferidas nestas Relação foram fixados os seguintes montantes indemnizatórios:
i) em acórdão de 02-06-2009, proferido no processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/145434" target="_blank">11/06.2TBLSD.P1</a> e publicado em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, foi considerado ajustado fixar em 35.000,00€ a indemnização por danos não patrimoniais a um jovem de 18 anos que ficou a padecer de IPG de 20% e que foi submetido a 4 intervenções cirúrgicas e a tratamentos e internamentos, durante os quais suportou dores e sofrimentos consideráveis; 
ii) no acórdão de 15-09-2009, proferido no proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/145198" target="_blank">2164/06.0TVPRT.P1</a> (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/), foi confirmado o montante de 25.000,00€ fixado na 1.ª instância para compensar uma jovem estudante que sofreu queda de um edifício, foi sujeita a longo período de internamento hospitalar e a intervenções cirúrgicas, teve perturbações no sono e no humor, alterações na personalidade e no relacionamento com outros, com um quantum doloris avaliado no grau 5 duma escala de 7 graus de gravidade crescente;
iii) no acórdão de 29-09-2009, proferido no proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/145138" target="_blank">6894/03.0TVPRT.P1</a> (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/) foi fixado o montante de 25.000,00€, para o caso de uma menor que ficou com cicatrizes e dificuldades em caminhar e efectuar os movimentos básicos necessários à actividade diária (como lavar-se, vestir-se, etc) que lhe determinaram uma IPP de 30%;
iv) em acórdão de 06-10-2009, proferido no proc. n.º 691/06.9TBAMT.P1 (que o ora relator subscreveu como adjunto), foi fixada a quantia de 30.000,00€ para uma criança de 10 anos de idade que sofreu acidente de viação em 2003 e ficou a padecer de "atrofia renal direita com diminuição marcada da função renal, com lesões corticais", que lhe determinavam uma IPG de 12%; 
v) no acórdão de 13-10-2009, também por nós relatado no proc. n.º 198/1998.P1 e disponível em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, foi confirmado o montante de 32.500,00€ fixada na 1.ª instância, para o caso de uma jovem de 16 anos de idade, que, em consequência de acidente de viação, ficou afectada de incapacidade permanente geral de 15%; 
vi) no acórdão de 17-11-2009,  proferido no proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/144911" target="_blank">1288/03.0TBLSD.P1</a> (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/) foi fixado o montante de 30.000,00€ para o caso de um lesado com 50 anos de idade, que sofreu traumatismo crâneo-encefálico e ficou em coma, insuficiência respiratória, hemoperitoneu, fractura da omoplata esquerda, fractura do baço, traumatismo toráxico com fractura de vários arcos costais à esquerda, pneumonia bilateral e insuficiência renal; o que lhe determinou 234 dias de internamento hospitalar e uma IPP de 15%, resultante de sequelas de síndroma pós-traumático com humor depressivo, cefaleias, parestesias nos ombros superiores, cansaço persistente, sequela ao nível de C7-8, artrose traumática, acrómio clavicular esquerdo com rigidez do ombro esquerdo e sintomatologia dolorosa persistente;
vii) no acórdão também de 17-11-2009, proferido no proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/144899" target="_blank">6888/05.1TBVNG.P1</a>, (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/), foi fixado o montante de 22.000,00€, para o caso de um jovem de 17 anos de idade que foi embatido por um veículo e sofreu traumatismo crâneo-encefálico, fractura do fémur direito, ferimentos nos ouvidos (otorragia intensa à direita) e fractura transversal do rochedo temporal direito com atingimento da mastóide, foi sujeito a intervenções cirúrgicas e a internamento hospitalar por 12 dias, e ficou a sofrer de vertigem e diminuição acentuada do olfacto, cicatriz na face lateral da coxa direita com 16 cm de comprimento (dano estético de grau 1/7), um quantum doloris de grau 4/7, e impossibilitado de exercer profissões que exijam o olfacto.
Como se vê, o caso da autora é incomparavelmente menos grave do que qualquer dos referidos, quer em termos de leões, quer em temos de consequências e sequelas, e quase todos respeitam a pessoas muito mais jovens. E se é verdade que em alguns dos casos referidos o valor da indemnização pode considerar-se abaixo do que seria expectável, perante a maior danosidade do respectivo quadro lesivo [como serão os casos referidos em vi) e vii)], e, portanto, o eventual défice ocorrido não deve constituir razão para fazer baixar a indemnização deste, não é menos verdade que o montante de 22.500,00€ aqui fixado se revela claramente desajustado, por excesso, ao valor-padrão que emerge da globalidade daquelas outras decisões e também desajustado à menor gravidade do seu quadro lesivo. 

5.3. No que respeita à aplicação dos valores e critérios previstos na Portaria n.º 377/2008, de 26-05, cabe dizer, em primeiro lugar, que esta Portaria nunca poderia ser aqui aplicável porque a sua vigência é muito posterior ao acidente causador dos danos a indemnizar.
Em segundo lugar, os critérios e valores ali previstos destinam-se a servir de orientação aos lesados no âmbito dos procedimentos obrigatórios para a regularização dos sinistros rodoviários, a que alude o Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, como se esclarece no preâmbulo da referida portaria. 
De qualquer modo, os valores aí propostos deverão ser entendidos como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências e critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios (cfr. o acórdão do STJ de 15-04-2009, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 08P3704). 
É que, como a este propósito refere JOSÉ BORGES PINTO (loc. citado), "há prejuízos funcionais genéricos (IPG) pouco consentâneos com uma percentagem" e por isso "a indemnização do dano corporal terá sempre de levar em consideração, o seguinte: (…) indemnizar o dano não patrimonial exclusivamente com base num juízo de equidade".
Pode, pois, concluir-se que os valores indicados na dita Portaria, sobre a fixação da indemnização pelo dano corporal em caso de sinistralidade automóvel, não substituem, não derrogam e não se sobrepõem ao critério previsto no Código Civil (cfr. ac. desta Relação de 16-12-2009, em www.dgsi.pt/jstrp.nsf/ proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/144764" target="_blank">517/06.3GTAVR.P1</a>).  

6. Concluindo:
i) Prevendo a lei que a indemnização por danos não patrimoniais seja fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias do caso concreto e os valores fixados pela jurisprudência em situações semelhantes (arts. 496.º, n.º 3, e 8.º, n.º 3, do Código Civil), a quantia de 12.500,00€ mostra-se proporcionalmente ajustada a compensar os danos não patrimoniais sofridos pela lesada, que tinha à data 41 anos de idade e sofreu um quadro lesivo caracterizado por luxação do ombro direito com limitação da mobilidade entre os 90º e os 110º, um quantum doloris avaliado no grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade ascendente, 3 consultas hospitalares, tratamentos de fisioterapia por período não inferior a 2,5 meses e IPG de 10%, que lhe exige maior esforço do braço esquerdo para desenvolver as mesmas tarefas que antes fazia.

IV – DECISÃO
Por tudo o exposto, julgando parcialmente procedente a apelação, decide-se:
1) Revogar parcialmente a sentença recorrida e reduzir para a quantia de 12.500,00€ (doze mil e quinhentos euros), o valor da indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela autora em consequência do acidente ocorrido em 23-07-2000. 
2) Manter em tudo o mais a sentença recorrida.
3) Custas da acção e do recurso na proporção do decaimento de cada uma das partes (art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.  *
Relação do Porto, 23-02-2010
António Guerra Banha
Anabela Dias da Silva
Sílvia Maria Pereira Pires

Proc. n.º 13/05.6TBMCN.P1 Recurso de Apelação Distribuído em 15-12-2009 Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto. I – RELATÓRIO 1. B………., residente em ………., Marco de Canaveses, instaurou, no Tribunal Judicial dessa comarca, acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, destinada a exigir a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, contra o FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL, com sede na ………., em Lisboa, e C………., residente no ………., freguesia de ………., concelho de Marco de Canaveses. Pediu a condenação solidária dos réus a pagarem-lhe a quantia de 43.326,01€, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que diz ter sofrido em consequência de acidente de viação ocorrido em 23-07-2000, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação dos réus até integral pagamento. Os réus contestaram, invocando a prescrição do direito da autora e impugnando os factos relativos ao acidente e aos danos. No despacho saneador foi decidida e julgada improcedente a excepção da prescrição. Realizada a audiência de julgamento e decidia a matéria de facto controvertida, foi proferida sentença, a fls. 270-285, que, julgando a acção parcialmente procedente, decidiu: a) condenar solidariamente os réus a pagarem à autora a quantia de 23.426,65€, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, a partir de 18-01-2005 até integral pagamento; b) condenar ainda o réu C………. a pagar à autora, para além da quantia referida em a), a quantia de 299,28€, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, a partir de 18-01-2005 até integral pagamento. 2. Desta sentença apelou o réu C………., que concluiu as suas alegações dizendo: 1.º - Os danos não patrimoniais podem ser compensados com a atribuição ao lesado de uma reparação ou satisfação adequada, que possa contribuir para atenuar, minorar e de algum modo compensar as dores físicas e o sofrimento psicológico em que tais danos se traduzem 2.º - Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, aferida em termos objectivos, mereçam a tutela do direito. 3.º - O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, "segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização" e "aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência". 4.º - As únicas lesões da autora situam-se no ombro direito, a dores são fixáveis no grau 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, a mesma sofreu aborrecimentos, tristeza, depressão e angústia e está afectada de uma IPG de 10%. 5.º - A portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, não sendo uma fixação definitiva dos valores indemnizatórios, dá aos aplicadores do direito dados objectivos sobre a razoabilidade das indemnizações e como tal tem de relevar quando da fixação das indemnizações. 6.º - A douta sentença do tribunal ad quo mostra-se inadequada por excesso e desalinhada com os critérios acolhidos pelos tribunais superiores ao fixar em 22.500€ a compensação por danos não patrimoniais. 7.º - Atendendo à concreta factualidade apurada e aos mencionados critérios de equidade e proporcionalidade é mais ajustado fixá-la em 5.000€. 8.º - A douta decisão violou, nomeadamente, o disposto nos artigos 483.º, 494.º e 496.º do C. Civil e arts. 3.º e 4.º da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio. Contra-alegou a autora, concluindo pela improcedência do recurso e a confirmação da sentneça recorrida. 3. À tramitação e julgamento destes recursos é ainda aplicável o regime processual anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008. E por força do disposto no n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, o regime introduzido por este diploma legal não se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2008 (art. 12.º do mesmo decreto-lei). De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o apelante extrai das suas alegações, desde que reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, in fine, do CPC). Nas conclusões formuladas pelo apelante compreende-se uma única questão oposta à sentença recorrida, que se refere ao montante fixado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora. O apelante considera que esse montante é desproporcionado por excesso relativamente aos danos efectivamente sofridos pela autora, tal como estão retratados nos factos provados, e pretende a sua redução para o montante de 5.000,00€. É, pois, esta a questão que cabe apreciar. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – FUNDAMENTOS DE FACTO 4. Na primeira instância foram julgados provados os factos seguintes: a) O segundo Réu foi condenado, por sentença transitada em julgado, pelo crime de ofensas à integridade física por negligência, no âmbito do processo crime n.º …/01.1TAMCN, que correu os seus termos no Tribunal Judicial do Marco de Canaveses, no .º Juízo, conforme documento de folhas 64 a 76, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. b) No dia 23 de Julho do ano de 2000, o Réu C………. circulava na estrada regional que liga a cidade do Marco de Canaveses à freguesia de ………. [resposta ao n.º 1 da base instrutória]. c) Conduzindo o veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula ..-..-BO, de sua pertença, o qual não possuía seguro automóvel [resposta ao n.º 2 da base instrutória]. d) À sua frente e na mesma faixa de rodagem, seguia o veículo automóvel de matrícula RQ-..-.., conduzido por D………. [resposta ao n.º 3 da base instrutória]. e) No dia 23/07/2000, ocorreu um acidente de trânsito entre os veículos BO e RQ [resposta ao n.º 4 da base instrutória]. f) Momentos antes do acidente, ao chegar ao ………., em ………., Marco de Canaveses e quando o RQ pretendia efectuar a manobra de mudança de direcção à esquerda [resposta ao n.º 5 da base instrutória], g) … fazendo para o efeito o respectivo sinal de "pisca-pisca", assinalando a manobra [resposta ao n.º 6 da base instrutória], h) … o Réu C………., como conduzia a sua viatura de forma "distraída" e não guardando a distância necessária do veículo que seguia à sua frente [resposta ao n.º 7 da base instrutória], i) … colidiu com a parte frontal da sua viatura na traseira do veículo de matrícula RQ, conduzido pelo referido D………., causando assim um acidente [resposta ao n.º 8 da base instrutória]. j) O Réu C………. não logrou imobilizar o BO no espaço livre e visível à sua frente, por forma a não embater no veículo RQ [resposta ao n.º 10 da base instrutória]. k) À data do acidente, a Autora era transportada como acompanhante/passageira do veículo conduzido pelo 2.º Réu [resposta ao n.º 11 da base instrutória]. l) Em consequência do acidente, a Autora sofreu lesões que a afectaram, nomeadamente, luxação do ombro direito com limitação da mobilidade entre os 90º e os 110º [resposta ao n.º 12 da base instrutória]. m) Em consequência do acidente e das lesões e sequelas dele emergentes a Autora ficou impedida de trabalhar no período referido em o) e ficou privada de alguns momentos de lazer e sofreu limitação na sua vida em sociedade, já que, após o acidente, foi, pelo menos, três vezes a consultas hospitalares e de Dezembro de 2000 até data não concretamente apurada e de 17/03 a 25/05/2005 fez tratamentos de fisioterapia em clínicas da especialidade [resposta ao n.º 13 da base instrutória]. n) As lesões referidas demandaram para a Autora um período de doença de 228 dias, com afectação da sua capacidade de trabalho por igual período de tempo [resposta ao n.º 14 da base instrutória]. o) Em consequência directa e necessária do acidente, lesões e sequelas dele emergentes, a Autora esteve impedida de trabalhar desde o dia 23-07-2000 a 07-10-2000 e de 14-12-2000 a 13-05-2001 [resposta ao n.º 15 da base instrutória]. p) À data do acidente e das lesões e sequelas dele emergentes, a Autora auferia o salário de 318,23 Euros, na firma "E………." [resposta ao n.º 16 da base instrutória]. q) Durante o período de baixa médica referido em o), a Autora tinha a oportunidade de ter ganho a quantia de 2.418,55 Euros, o que não aconteceu, devido às lesões que lhe foram provocadas [resposta ao n.º 17 da base instrutória]. r) Durante o tempo em que a Autora esteve de baixa médica, a Segurança Social pagou-lhe a quantia de 258.898$00 (1.291,38 Euros) [resposta ao n.º 18 da base instrutória]. s) Para levar a cabo o seu tratamento de fisioterapia, a Autora teve de despender, pelo menos, a quantia de 98,76 Euros [resposta ao n.º 19 da base instrutória]. t) As lesões que lhe foram infligidas pelo segundo Réu causaram à Autora dores fixáveis no grau 3 numa escala de 7 graus de gravidade crescente, aborrecimentos, tristeza, depressão e angústia e a mesma nunca ficou totalmente recuperada já que apresenta uma IPG de 10% que a irá acompanhar até ao resto da sua vida [resposta ao n.º 20 da base instrutória]. U) A Autora tem necessidade de efectuar os trabalhos domésticos, assim como a sua actividade profissional, que a mesma tem de exercer para se sustentar a si e aos seus filhos [resposta ao n.º 21 da base instrutória]. v) Tendo sofrido lesões no braço direito, isso é motivo para que os trabalhos pesados e, bem assim, os trabalhos domésticos e na sua vida diária e profissional que exijam a mobilização do ombro direito, sejam efectuados com dificuldades e que tenha de desenvolver esforços suplementares com o braço esquerdo [resposta ao n.º 22 da base instrutória]. w) Já que teve necessidade de alterar a sua rotina diária, nomeadamente de tempo para atingir os mesmos resultados [resposta ao n.º 23 da base instrutória]. Estes factos não foram impugnados por nenhuma das partes, pelo que se têm por definitivamente fixados, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 684.º, n.ºs 2, 3 e 4, 690.º-A, n.º 1, e 712.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil. Constata-se, no entanto, que dos documentos constantes dos autos a fls. 15 a 20, emitidos por serviços do Ministério da Saúde, juntos ao processo pela autora e já sujeitos ao contraditório dos réus, consta a data de nascimento da autora. Este facto permite uma apreciação mais rigorosa da dimensão dos danos não patrimoniais atinentes às sequelas de que a autora ficou afectada, e, neste contexto, é um facto instrumental com alguma relevância na fixação desta indemnização. O qual, todavia, não foi incluído nos factos provados, apesar de na fundamentação da sentença se dizer que a autora tinha, à data do acidente, 41 anos de idade. Por esse motivo, ao abrigo do disposto nos arts. 264.º, n.º 2, e 712.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil, adita-se aos factos provados o seguinte: x) A autora nasceu no dia 19-01-1959. III – FUNDAMENTOS DE DIREITO 5. Como ficou acima enunciado, o apelante opõe à sentença recorrida uma única questão: o montante excessivo da indemnização fixada a título de danos não patrimoniais a favor da autora. Excesso que, segundo diz, decorre de três ordens de razões: 1) é inadequado à dimensão dos danos retratados nos factos provados; 2) é desajustado aos critérios da jurisprudência; 3) é também desproporcionado em relação aos valores previstos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio. Concluindo que o valor destes danos deverá ser fixado em 5.000,00€. A sentença recorrida ponderou, para efeitos da fixação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, os seguintes aspectos: "atento o condicionalismo em que ocorreu o acidente, o facto de a Autora contar, à data do acidente, 41 anos de idade, e a natureza e extensão dos apontados danos morais, que são consideráveis, sobretudo atendendo à IPG de 10% com que ficou afectada, bem como os padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência, em particular pelo STJ, que a propósito do dano pela perda da vida (bem supremo e, por conseguinte, dano não patrimonial máximo que se pode infligir a um ser humano) tem fixado a compensação entre 50.000,00 e 70.000,00 Euros, entende-se ser justa e equitativa arbitrar à Autora a quantia de 22.500,00 Euros". Não nos parece que a referência feita à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em matéria de indemnização pela perda da vida seja a mais adequada ao caso concreto, na medida em que tal dano não está, nem directa nem indirectamente, aqui em equação. Essa referência poderia fazer sentido se em causa estivesse um quadro lesivo de tal modo incapacitante que afectasse de forma grave a qualidade de vida da lesada. Caso em que a indemnização poderia equiparar-se, ou mesmo superar, os valores normalmente fixados para compensar a perda da vida, como expressámos no acórdão de 27-10-2009, proferido no processo n.º 6995/05.0TBVFR.P1 e disponível em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ (cfr. no mesmo sentido os acórdãos do STJ de 12-03-2009 e 20-01-2010, ambos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 08P3635 e 60/2002.L1.S1, respectivamente). Não é manifestamente, e está muito longe dessa hipótese, o caso em apreciação nestes autos. E como recomenda o acórdão do STJ de 15-04-2009 (disponível em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 08P3704), na fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais deve ter-se em consideração "os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes, face ao que dispõe o art. 8.º, n.º 3, do Código Civil, fazendo-se a comparação do caso concreto com situações análogas equacionadas noutras decisões judiciais, não se perdendo de vista a sua evolução e adaptação às especificidades do caso sujeito". Não havendo qualquer semelhança entre as duas situações, a referência aos valores fixados para compensar a perda da vida não faz aqui sentido. Aparte essa observação, cremos que o montante fixado revela algum excesso perante o quadro lesivo retratado nos factos provados, que se configura de pequena gravidade, e por comparação com os montantes compensatórios fixados em situações equiparáveis de dano corporal. Mas, de modo algum, o ajustamento desse excesso comporta a redução pretendida pelo recorrente, de 22.500,00€ fixados na sentença para 5.000,00€. Como se intui do que fica dito, a divergência do recorrente com a sentença recorrida não abrange nem os pressupostos da obrigação de indemnizar os danos não patrimoniais, nem, em abstracto, o critério de fixação do respectivo montante indemnizatório baseado na equidade conforme às circunstâncias relevantes do caso concreto. E também não questiona as várias vertentes compreendidas na lesão do direito à integridade física, enquanto expressão concreta da dimensão do dano corporal causado pelo facto lesivo. É tão só na avaliação em concreto da dimensão deste tipo de dano efectivamente sofrido pela autora e retratado nos factos provados que o apelante discorda da sentença recorrida, por considerar que a sua gravidade é bem menor do que o valor da indemnização traduz. Vejamos, então. 5.1. A indemnização por danos não patrimoniais está regulada no art. 496.º do Código Civil. Cujo n.º 1 prescreve que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito". Como convergentemente diz o apelante, "a gravidade do dano é um conceito relativamente indeterminado, carecido de preenchimento valorativo a fazer caso a caso, de acordo com a realidade fáctica apurada. Todavia, como refere o insigne Professor ANTUNES VARELA, não obstante dever essa apreciação ter em conta as circunstâncias de cada caso, a gravidade deverá medir-se por um padrão objectivo, e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria e embotada do lesado; e, por outro lado, deverá ser apreciada em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado". Pronuncia-se também neste sentido JOSÉ BORGES PINTO (advogado), "Notas sobre o Dano Corporal e Perícia Médico-Legal", disponível em www.verbojurídico.pt. E entre os danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito e, por isso, indemnizáveis, inclui-se, necessariamente, o dano corporal, "caracterizado como o prejuízo de natureza não patrimonial que recai na esfera do próprio corpo", compreendendo as dores físicas (o pretium ou quantum doloris) possíveis de verificar através da extensão e gravidade das lesões e da complexidade do seu tratamento clínico, e as dores morais, traduzidas pelas aflições, desgostos, angústias e inquietações. Mas como também refere a Prof.ª TERESA MAGALHÃES (Directora da Delegação do Norte do Instituto Nacional de Medicina Legal, "Da Avaliação à Reparação do Dano Corporal", em www.trp.pt), "o objectivo principal da reparação é ajudar a vítima, de uma forma adaptada às particularidades do seu estado, de modo a repor a sua situação de vida tal como era antes do evento. Desta forma, o dano indemnizável deverá residir muito menos nas sequelas físicas do que nas suas múltiplas consequências no plano da vida quotidiana, da vida afectiva, familiar e da vida profissional ou de formação. De facto, os actos essenciais da vida não se limitam à satisfação das necessidades fisiológicas …; existem outras aspirações a nível da funcionalidade do ser humano, como a possibilidade de comunicar, de obter conhecimentos, de ter passatempos, que devem ser, também, tidas em consideração". Para efeitos da quantificação desta compensação num montante indemnizatório, a lei remete para a equidade (cfr. art. 496.º, n.º 3, do Código Civil). O que se compreende, na medida em que se trata de danos causados em bens de natureza imaterial, insusceptíveis de valor económico. Daí que esta indemnização não tenha feição reparatória, mas meramente compensatória e sancionatória. Compensatória porque visa proporcionar ao lesado a satisfação de certas vantagens que de algum modo o possam compensar do sofrimento que lhe foi causado. Sancionatória, porque também visa punir a acção lesiva do agente. Mas o critério da equidade não se confunde com arbitrariedade. Para obstar a essa equivoco e dar objectividade à sua aplicação, a lei manda atender às circunstâncias referidas no art. 494.º do Código Civil, ou seja, ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado, e a todas as circunstâncias relevantes atinentes ao caso concreto (cfr. art. 496.º, n.º 3, do Código Civil). Na linguagem da ética e das ciências jurídicas, a equidade mais não é do que um critério residual de "justiça do caso concreto", apenas aplicável em situações excepcionais tipificadas na lei (art. 4.º do Código Civil), em que é necessário fazer a "adequação das leis humanas e do direito às necessidades sociais e às circunstâncias das situações singulares" (cfr. ac. do STJ de 07-07-2009, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 704/09.9TBNF.S1). É também nesse sentido que PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, p. 501), dizem que a equidade faz apelo a "todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida". E o acórdão do STJ de 24-09-2009 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 09B0037) conclui que "o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida atenção (às) circunstâncias (concretas de cada caso)". Ora, a justiça do caso concreto tem que basear-se, em primeiro lugar, nas circunstâncias concretamente retratadas nos factos provados. O que passa por ponderar que o caso concreto se refere a lesões corporais causadas por colisão de veículos provocada por condução negligente do réu/recorrente [cfr. als. h) e i) dos factos provados] e que a autora era passageira transportada gratuitamente no veículo conduzido pelo mesmo réu [cfr. al. k) dos factos provados], o que significa que aceitou assumir os riscos inerentes à perigosidade dessa actividade. Na que respeita à avaliação do prejuízo corporal concretamente sofrido, há que atender às várias dimensões em que se materializa esse dano, designadamente: 1) à natureza e gravidade das lesões efectivamente sofridas, aferida pela sua localização, extensão, caracterização e grau de danosidade para a vida, a saúde e a integridade física do lesado; 2) ao quantum doloris causado por essas lesões e pelos tratamentos clínicos necessárias à sua recuperação; 3) à natureza e extensão das sequelas físicas, funcionais e psíquicas deixadas por essas lesões e que podem compreender, entre outros: o prejuízo estético caracterizado por cicatrizes, deformações, dissimetria e mutilações, com afectação/diminuição da imagem e da beleza física; o prejuízo funcional traduzido na afectação/diminuição das capacidades físicas e mentais próprias do ser humano; o prejuízo sexual resultante de mutilações e impotência causadas por traumatismo nos órgãos sexuais; o prejuízo de auto-suficiência, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária; o prejuízo de auto-estima ou de afirmação pessoal, etc. Neste âmbito, os factos provados revelam o seguinte quadro lesivo: 1) A única lesão corporal que a autora sofreu consistiu numa "luxação do ombro direito com limitação da mobilidade entre os 90º e os 110º" [cfr. al. l) dos factos provados]. O que se configura como uma lesão de pequena danosidade para a saúde e a integridade física da autora, que não exigiu internamento hospitalar nem qualquer intervenção cirúrgica, tendo sido tratada através sessões de fisioterapia [cfr. al. m) dos factos provados]. 2) O quantum doloris foi avaliado no grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade ascendente [cfr. al. t) dos factos provados]. Esta avaliação terá sido influenciada pelo facto de a autora ter sofrido doença pelo período de 228 dias, com afectação da sua capacidade de trabalho por igual período de tempo [cfr. al. n) dos factos provados], e ter feito fisioterapia durante período de tempo não inferior a dois meses e meio (os factos provados não permitem determinar o período de tempo exacto desse tratamento) [cfr. al. m) dos factos provados]. 3) Em matéria de consequências e sequelas, os factos provados mostram que a autora apenas fez três deslocações a consultas hospitalares, ficou privada de alguns momentos de lazer e sofreu limitação na sua vida em sociedade [cfr. al. m) dos factos provados]; teve aborrecimentos, tristeza, depressão e angústia e ficou definitivamente afectada de incapacidade permanente geral (IPG) de 10% [cfr. al. t) dos factos provados], a qual lhe exige esforços suplementares com o braço esquerdo para desenvolver as mesmas tarefas que antes fazia [cfr. al. v) dos factos provados], tendo a autora, à data do acidente, 41 anos de idade. Perante este quadro lesivo e por comparação com outros casos equiparáveis que a jurisprudência permite confrontar, parece-nos que o valor da compensação não deverá ir além de 12.500,00€. 5.2. Com efeito, para além dos casos mencionados pelo apelante, em decisões mais recentes proferidas nestas Relação foram fixados os seguintes montantes indemnizatórios: i) em acórdão de 02-06-2009, proferido no processo n.º 11/06.2TBLSD.P1 e publicado em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, foi considerado ajustado fixar em 35.000,00€ a indemnização por danos não patrimoniais a um jovem de 18 anos que ficou a padecer de IPG de 20% e que foi submetido a 4 intervenções cirúrgicas e a tratamentos e internamentos, durante os quais suportou dores e sofrimentos consideráveis; ii) no acórdão de 15-09-2009, proferido no proc. n.º 2164/06.0TVPRT.P1 (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/), foi confirmado o montante de 25.000,00€ fixado na 1.ª instância para compensar uma jovem estudante que sofreu queda de um edifício, foi sujeita a longo período de internamento hospitalar e a intervenções cirúrgicas, teve perturbações no sono e no humor, alterações na personalidade e no relacionamento com outros, com um quantum doloris avaliado no grau 5 duma escala de 7 graus de gravidade crescente; iii) no acórdão de 29-09-2009, proferido no proc. n.º 6894/03.0TVPRT.P1 (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/) foi fixado o montante de 25.000,00€, para o caso de uma menor que ficou com cicatrizes e dificuldades em caminhar e efectuar os movimentos básicos necessários à actividade diária (como lavar-se, vestir-se, etc) que lhe determinaram uma IPP de 30%; iv) em acórdão de 06-10-2009, proferido no proc. n.º 691/06.9TBAMT.P1 (que o ora relator subscreveu como adjunto), foi fixada a quantia de 30.000,00€ para uma criança de 10 anos de idade que sofreu acidente de viação em 2003 e ficou a padecer de "atrofia renal direita com diminuição marcada da função renal, com lesões corticais", que lhe determinavam uma IPG de 12%; v) no acórdão de 13-10-2009, também por nós relatado no proc. n.º 198/1998.P1 e disponível em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, foi confirmado o montante de 32.500,00€ fixada na 1.ª instância, para o caso de uma jovem de 16 anos de idade, que, em consequência de acidente de viação, ficou afectada de incapacidade permanente geral de 15%; vi) no acórdão de 17-11-2009, proferido no proc. n.º 1288/03.0TBLSD.P1 (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/) foi fixado o montante de 30.000,00€ para o caso de um lesado com 50 anos de idade, que sofreu traumatismo crâneo-encefálico e ficou em coma, insuficiência respiratória, hemoperitoneu, fractura da omoplata esquerda, fractura do baço, traumatismo toráxico com fractura de vários arcos costais à esquerda, pneumonia bilateral e insuficiência renal; o que lhe determinou 234 dias de internamento hospitalar e uma IPP de 15%, resultante de sequelas de síndroma pós-traumático com humor depressivo, cefaleias, parestesias nos ombros superiores, cansaço persistente, sequela ao nível de C7-8, artrose traumática, acrómio clavicular esquerdo com rigidez do ombro esquerdo e sintomatologia dolorosa persistente; vii) no acórdão também de 17-11-2009, proferido no proc. n.º 6888/05.1TBVNG.P1, (em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/), foi fixado o montante de 22.000,00€, para o caso de um jovem de 17 anos de idade que foi embatido por um veículo e sofreu traumatismo crâneo-encefálico, fractura do fémur direito, ferimentos nos ouvidos (otorragia intensa à direita) e fractura transversal do rochedo temporal direito com atingimento da mastóide, foi sujeito a intervenções cirúrgicas e a internamento hospitalar por 12 dias, e ficou a sofrer de vertigem e diminuição acentuada do olfacto, cicatriz na face lateral da coxa direita com 16 cm de comprimento (dano estético de grau 1/7), um quantum doloris de grau 4/7, e impossibilitado de exercer profissões que exijam o olfacto. Como se vê, o caso da autora é incomparavelmente menos grave do que qualquer dos referidos, quer em termos de leões, quer em temos de consequências e sequelas, e quase todos respeitam a pessoas muito mais jovens. E se é verdade que em alguns dos casos referidos o valor da indemnização pode considerar-se abaixo do que seria expectável, perante a maior danosidade do respectivo quadro lesivo [como serão os casos referidos em vi) e vii)], e, portanto, o eventual défice ocorrido não deve constituir razão para fazer baixar a indemnização deste, não é menos verdade que o montante de 22.500,00€ aqui fixado se revela claramente desajustado, por excesso, ao valor-padrão que emerge da globalidade daquelas outras decisões e também desajustado à menor gravidade do seu quadro lesivo. 5.3. No que respeita à aplicação dos valores e critérios previstos na Portaria n.º 377/2008, de 26-05, cabe dizer, em primeiro lugar, que esta Portaria nunca poderia ser aqui aplicável porque a sua vigência é muito posterior ao acidente causador dos danos a indemnizar. Em segundo lugar, os critérios e valores ali previstos destinam-se a servir de orientação aos lesados no âmbito dos procedimentos obrigatórios para a regularização dos sinistros rodoviários, a que alude o Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, como se esclarece no preâmbulo da referida portaria. De qualquer modo, os valores aí propostos deverão ser entendidos como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências e critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios (cfr. o acórdão do STJ de 15-04-2009, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 08P3704). É que, como a este propósito refere JOSÉ BORGES PINTO (loc. citado), "há prejuízos funcionais genéricos (IPG) pouco consentâneos com uma percentagem" e por isso "a indemnização do dano corporal terá sempre de levar em consideração, o seguinte: (…) indemnizar o dano não patrimonial exclusivamente com base num juízo de equidade". Pode, pois, concluir-se que os valores indicados na dita Portaria, sobre a fixação da indemnização pelo dano corporal em caso de sinistralidade automóvel, não substituem, não derrogam e não se sobrepõem ao critério previsto no Código Civil (cfr. ac. desta Relação de 16-12-2009, em www.dgsi.pt/jstrp.nsf/ proc. n.º 517/06.3GTAVR.P1). 6. Concluindo: i) Prevendo a lei que a indemnização por danos não patrimoniais seja fixada equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias do caso concreto e os valores fixados pela jurisprudência em situações semelhantes (arts. 496.º, n.º 3, e 8.º, n.º 3, do Código Civil), a quantia de 12.500,00€ mostra-se proporcionalmente ajustada a compensar os danos não patrimoniais sofridos pela lesada, que tinha à data 41 anos de idade e sofreu um quadro lesivo caracterizado por luxação do ombro direito com limitação da mobilidade entre os 90º e os 110º, um quantum doloris avaliado no grau 3 de uma escala de 7 graus de gravidade ascendente, 3 consultas hospitalares, tratamentos de fisioterapia por período não inferior a 2,5 meses e IPG de 10%, que lhe exige maior esforço do braço esquerdo para desenvolver as mesmas tarefas que antes fazia. IV – DECISÃO Por tudo o exposto, julgando parcialmente procedente a apelação, decide-se: 1) Revogar parcialmente a sentença recorrida e reduzir para a quantia de 12.500,00€ (doze mil e quinhentos euros), o valor da indemnização por danos não patrimoniais sofridos pela autora em consequência do acidente ocorrido em 23-07-2000. 2) Manter em tudo o mais a sentença recorrida. 3) Custas da acção e do recurso na proporção do decaimento de cada uma das partes (art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam. * Relação do Porto, 23-02-2010 António Guerra Banha Anabela Dias da Silva Sílvia Maria Pereira Pires