Processo:6888/05.1TBVNG.P1
Data do Acordão: 16/11/2009Relator: CANELAS BRÁSTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

Reputa-se de justo e adequado — à dor e ao dano — o valor de 22.000,00 euros de indemnização por danos não patrimoniais, a arbitrar a um cidadão que, sem nenhuma culpa, vê embater o motociclo que tripula num outro veículo que inopinadamente lhe corta a linha de marcha, em consequência do que sofre ferimentos sérios no fémur direito e traumatismo crâneo-encefálico, e é atingido nos ouvidos, ficando a sofrer de vertigem e diminuição acentuada do olfacto — consabidas ainda as dores de que é passível tal localização das lesões.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
CANELAS BRÁS
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO INDEMNIZAÇÃO DANOS NÃO PATRIMONIAIS
No do documento
Data do Acordão
11/17/2009
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
CONFIRMADA A DECISÃO.
Sumário
Reputa-se de justo e adequado — à dor e ao dano — o valor de 22.000,00 euros de indemnização por danos não patrimoniais, a arbitrar a um cidadão que, sem nenhuma culpa, vê embater o motociclo que tripula num outro veículo que inopinadamente lhe corta a linha de marcha, em consequência do que sofre ferimentos sérios no fémur direito e traumatismo crâneo-encefálico, e é atingido nos ouvidos, ficando a sofrer de vertigem e diminuição acentuada do olfacto — consabidas ainda as dores de que é passível tal localização das lesões.
Decisão integral
RECURSO Nº. 6888/05.1 – APELAÇÃO (VILA NOVA de GAIA)


Acordam os juízes nesta Relação:


A recorrente “B………., S.A.”, com sede na ………., n.º …, ………., no Porto vem interpor recurso da douta sentença que foi proferida no Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Gaia, na presente acção declarativa de condenação, na forma ordinária, emergente de acidente de viação, que aí lhe instaurou o recorrido C………, residente na Rua ………., n.º .., ………., Vila Nova de Gaia, pedindo que se altere agora a sentença da 1ª instância que julgou parcialmente procedente a acção e a condenou a pagar ao Autor “a quantia de 24.399,85 (vinte e quatro mil, trezentos e noventa e nove euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, devidos desde a citação até integral pagamento e o montante que se fixar em liquidação de sentença pelo facto de ter ficado a padecer de uma incapacidade permanente geral de 10%”, alegando, para tanto e em síntese, que não concorda com o valor que foi atribuído a título de danos não patrimoniais (de 22.000,00 euros, antes devendo ser fixados em 10.000,00 euros), com o facto de ter sido relegado para liquidação de sentença o montante da indemnização a atribuir-lhe pela incapacidade parcial permanente (de 10%) de que o Autor ficou a padecer, como este peticionara (que logo a deveria ter liquidado na petição e não o fez, apesar de ter todos os elementos para isso, pelo que deve ser a apelante agora absolvida deste pedido), quer, por fim, quanto ao início da contagem dos juros relativos aos danos não patrimoniais (para serem devidos a partir da prolação da sentença e não da citação, pois o valor fixado já está actualizado à data da sentença). Razões para que a douta sentença recorrida deva ser agora alterada de acordo com esses três aspectos apresentados.
O apelado C………. vem contra-alegar, para dizer, também em síntese, que não assiste razão à recorrente, pois que a indemnização por danos não patrimoniais ‘não peca por excesso’, atentos os danos que sofreu e que vão desde dores, ao dano estético e à perda da alegria de viver e constante boa disposição. Depois, quanto à liquidação ordenada dos danos por I.P.P. para mais tarde, a ser agora revogada, nunca poderia ter por consequência, como se pretende, a absolvição desse pedido, mas a condenação da apelante num pedido líquido. Por fim, em relação ao início da contagem dos juros, ele terá de situar-se na data da citação, pois que esta indemnização se reporta à altura dos “factos fundamentadores da responsabilidade”. Tudo razões para que se deva agora negar provimento ao recurso e manter-se inalterada a douta decisão impugnada.
*
Vêm dados por provados os seguintes factos:  

1) No dia 20 de Julho de 2002, pelas 12 horas e 45 minutos, na Rua ………., junto ao ………., na freguesia de ………., concelho e comarca de Vila Nova de Gaia, ocorreu um acidente de viação (alínea A) da Especificação). 
2) Na referida artéria e sentido Nascente/Poente seguia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula nº ..-..-JR, sendo que em sentido contrário, ou seja Poente/Nascente, seguia o motociclo com a matrícula nº ..-..-PG (alínea B) da Especificação).
3) A referida Rua tinha 9,65 metros de largura, sendo o local do acidente uma recta de boa visibilidade (alínea C) da Especificação).
4) O tempo estava bom (alínea D) da Especificação).
5) O Autor nasceu em 19 de Março de 1985, como resulta do documento de fls. 16 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea E) da Especificação).
6) O proprietário do veículo JR, através da celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n.º 90/……, transferiu a responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo para a Ré (alínea F) da Especificação).
7) À data referida em 1), o motociclo ..-..-PG era conduzido pelo Autor que seguia na hemi-faixa de rodagem, sentido Poente/Nascente (respostas aos quesitos 1º e 2º). 
8) De repente, o veículo ..-..-JR, que seguia em sentido inverso, virou à esquerda, invadindo a hemi-faixa de rodagem por onde seguia o motociclo ..-..-PG, intersectando a passagem deste (resposta ao quesito 3º).
9) Fê-lo na diagonal (resposta ao quesito 6º). 
10) O condutor do ..-..-PG não conseguiu evitar o embate, que se deu entre a roda da frente do motociclo e o guarda-lamas esquerdo do ..-..-JR, prolongando-se pela sua parte lateral esquerda (resposta ao quesito 7º).
11) Tal aconteceu, pelo menos, em virtude do veículo ..-..-JR estar posicionado na diagonal (resposta ao quesito 8º).
12) O condutor do JR não se apercebeu da aproximação do PG (resposta ao quesito 9º). 
13) O JR seguia na hemi-faixa direita de rodagem, atento o seu sentido de marcha, sendo precedido por um veículo pesado (resposta ao quesito 10º). 
14) Pretendia virar à sua esquerda em direcção ao ………. (resposta ao quesito 11º). 
15) Iniciou a travessia da hemi-faixa esquerda de rodagem, sendo que quando se encontrava a efectuar essa manobra surge o ..-..-PG (respostas aos quesitos 15º e 16º). 
16) No local do acidente existem casas de ambos os lados (resposta ao quesito 18º).
17) Como consequência directa e necessária do acidente supra descrito, o Autor deu entrada no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de ………. e aí se manteve internado até 02-08-2002 (respostas aos quesitos 19º e 22º). 
18) Sofreu fractura do fémur direito, tendo sido operado na madrugada do dia 21 de Julho de 2002 (resposta ao quesito 23º).
19) Aquando da intervenção cirúrgica foi-lhe efectuada uma osteossíntese com placa e colocados 10 parafusos e foi suturado com 15 pontos (resposta ao quesito 26º). 
20) No serviço de urgência de otorrinolaringologia deu entrada com otorragia intensa à direita, apresentado aparentemente membrana timpânica íntegra, tendo-lhe sido diagnosticado traumatismo crânio encefálico com TAC revelando Hemosinus maxilar esquerdo e câmara direita do seio esfoidal com fractura da parede lateral desta estrutura; ainda fractura transversal do rochedo temporal direito com atingimento da mastóide (resposta ao quesito 27º). 
21) Realizou exame de audiometria a 23 de Agosto de 2002 apresentando os seguintes limiares auditivos: Ouvido direito – 40, 35, 15, 15 e 20 dB nos 250, 500, 1000, 2000 e 4000 Hz, respectivamente; Ouvido esquerdo – 30-25, 20, 15 e 20 dB nos 250, 500, 1000, 2000 e 4000 Hz, respectivamente (resposta ao quesito 28º).
22) Foi submetido a tratamento médico, mantendo-se a ser seguido na consulta de Otorrinolaringologia, sofrendo de vertigem e diminuição acentuada do olfacto (resposta ao quesito 29º).
23) Na olfactometria de 17 de Janeiro de 2003 apresentava Anosmia total (resposta ao quesito 30º). 
24) Em 3 de Fevereiro de 2003 foi realizado R.M.N que traduziu sequelas de contusão ao nível da região frontobasal esquerda e parassagital direita e novo temporal à esquerda (resposta ao quesito 31º). 
25) Manteve consultas no Serviço de Otorrino, tendo sido observado pela última vez em 15 de Setembro de 2003, apresentando nessa data Anosmia Total (resposta ao quesito 32º). 
26) Em consequência das lesões sofridas, o Autor ficou a padecer de uma incapacidade permanente geral de 10% (dez por cento) – (resposta quesito 33º). 
27) Necessitou para se locomover, além do apoio de familiares, do uso de duas canadianas até 30 de Outubro de 2002 e uma canadiana até 31 de Janeiro de 2003 (resposta ao quesito 34º). 
28) Estando 6 (seis) meses e 10 (dez) dias incapacitado para o trabalho (resposta ao quesito 35º). 
29) O Autor tem sofrido e continua a sofrer dores na perna, sobretudo quando está algum tempo de pé, mais acentuadas nos dias em que se faz sentir mais frio ou nevoeiro (resposta ao quesito 38º). 
30) À data do acidente o Autor gozava de boa saúde e não apresentava qualquer defeito físico (resposta ao quesito 40º).
31) Tinha grande alegria de viver e constante boa disposição, gostando de sair e conviver com os seus amigos (resposta ao quesito 41º). 
32) Viu-se privado de o fazer durante seis meses e dez dias (resposta ao quesito 42º). 
33) O Autor apresenta cicatriz na face lateral da coxa direita, com 16 cm. de comprimento (resposta ao quesito 43º). 
34) As lesões sofridas causaram ao Autor um dano estético de grau 1/7, o que o desgosta (resposta ao quesito 44º).
35) O Autor sofreu dores de grau 4/7 no momento do acidente e durante os tratamentos (resposta ao quesito 45º).
36) E, em consequência das lesões sofridas, o Autor não pode exercer profissões que exijam o olfacto (resposta ao quesito 48º).
37) À data do acidente o Autor era jardineiro, trabalhando para “D……….”, que lhe pagava o salário mensal de 350,00 (trezentos e cinquenta euros) – (resposta ao quesito 49º). 
38) Durante o período referido em 28) deixou de receber uma quantia de 2.266,00 (dois mil, duzentos e sessenta e seis euros) – (resposta ao quesito 50º). 
39) Em consequência do acidente viu as suas roupas (sapatilhas, camisola e calças) completamente destruídas, sendo que as mesmas valiam 133,85 (cento e trinta e três euros e oitenta e cinco cêntimos) – (resposta ao quesito 52º).
*
Ora, as questões que demandam apreciação e decisão deste Tribunal de recurso são as de saber se, efectivamente, o M.º Juiz a quo calculou bem ou mal na sentença o valor da indemnização por danos não patrimoniais, se fez bem em remeter para liquidação de sentença o cálculo da indemnização por I.P.P. e se fixou bem no momento da citação o termo inicial do cômputo dos juros – afinal, se decidiu de acordo ou ao arrepio dos factos e das normas legais que deveriam ter informado, nessa parte, a decisão tomada. É só isso que hic et nunc está em causa, como se vê das conclusões do recurso apresentado. 
E como o Tribunal ad quem está vinculado às questões que lhe suscitam as partes – nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 do Código Processo Civil (ainda no domínio do velho regime dos recursos anterior ao introduzido pelo Decreto-lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, por força dos seus artigos 11.º, n.º 1 e 12.º, n.º 1) –, outras se não debaterão aqui, nomeadamente, como se dirá, a própria liquidação da indemnização por Incapacidade Parcial Permanente de que ficou a padecer o A., afinal não pedida por ninguém nesta sede de recurso.
Mas vejamos as três questões que são objecto da apelação.

I. Quanto ao valor dos danos não patrimoniais, a douta sentença fixou-os em 22.000,00 euros – o Autor pedira 35.000,00 euros – e a recorrente quer vê-la agora reduzida para 10.000,00 euros.
“Quid Juris?”

Manda o artigo 496.º, n.º 1 do Cód. Civil que na fixação da indemnização se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 
Trata-se, pois, como é sabido, de prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta, então, uma satisfação mais do que uma indemnização, sem cunho ou feição reparatória, antes meramente compensatória (atribuição de uma soma em dinheiro com vista a proporcionar ao lesado satisfações que de alguma maneira o façam esquecer a dor ou o desgosto provenientes do acto ilícito que sofreu).

Para a fixação do montante indemnizatório destes danos a lei remete para juízos de equidade (vidé o artigo 496.º, n.º 3, Código Civil), tendo em atenção os factores referidos no seu artigo 494.º (o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso).
Entre os danos merecedores da tutela do direito inclui-se necessariamente o dano corporal em sentido restrito, caracterizado como o prejuízo de natureza não patrimonial que recai na esfera do próprio corpo, dano à integridade física e psíquica: as dores físicas, ‘o pretium ou quantum doloris’ possíveis de verificar através da extensão e gravidade das lesões e complexidade do seu tratamento clínico; e morais, traduzidas pelas aflições, desgostos, angústias e inquietações.

Ora, voltando ao caso sub judicio, não poderá deixar de entender-se que o quadro fáctico apurado é, neste ponto, particularmente claro no sentido de que o Autor sofreu o suficiente para dever ser agora ressarcido a esse título (e nem a recorrente o nega, antes intentando é que se baixe o valor dos 22.000,00 euros fixados para os 10.000,00 euros pretendidos).

Mas não cremos que tal valor seja agora de baixar, salva melhor opinião. 
O quadro fáctico aqui relevante diz-nos que o Autor, no momento em que circulava pela sua mão de trânsito, no seu motociclo, viu a sua linha de marcha repentinamente atravessada pelo veículo seguro na Ré, de tal maneira que nem teve tempo de se desviar desse veículo e evitar o embate, em consequência do que sofreu ferimentos sérios no fémur direito e traumatismo crâneo-encefálico; foi, de imediato, assistido no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar ………., onde permaneceu internado até 2 de Agosto de 2002; logo na madrugada de 21 de Julho de 2002 foi operado ao fémur direito, sendo-lhe aplicados 10 parafusos e suturado com 15 pontos; e foi seriamente atingido também nos ouvidos, tendo realizado exame de audiometria em 23 de Agosto de 2002, ficando submetido a tratamento médico e a ser seguido na consulta de Otorrinolaringologia, sofrendo de vertigem e diminuição acentuada do olfacto; em 03 de Fevereiro de 2003 foi realizado R.M.N. que traduziu sequelas de contusão na região frontobasal esquerda e parassagital direita e novo temporal à esquerda; manteve consultas no Serviço de Otorrino, tendo sido observado pela última vez a 15 de Setembro de 2003, apresentando nessa data Anosmia Total; e em consequência das lesões sofridas, o Autor ficou a padecer de uma incapacidade permanente geral de dez por cento (10%); necessitou para se locomover, além do apoio de familiares, do uso de duas canadianas até 30 de Outubro de 2002 e de uma canadiana até 31 de Janeiro de 2003, assim tendo estado seis meses e dez dias incapacitado para o trabalho; além de que tem sofrido e continua a sofrer dores na perna, quando está algum tempo de pé, mais acentuadas nos dias em que se faz sentir mais frio ou nevoeiro; à data do acidente o Autor gozava de boa saúde e não apresentava qualquer defeito físico; tinha grande alegria de viver e constante boa disposição, gostando de sair e conviver com os seus amigos do que se viu privado durante aquele período de tempo de seis meses e dez dias; apresenta ainda cicatriz na face lateral da coxa direita, com 16 cm de comprimento, sendo que as lesões sofridas lhe causaram um dano estético de grau 1/7, o que o desgosta; e o Autor sofreu dores de grau 4/7 no momento do acidente e durante os tratamentos; por fim e em consequência das lesões sofridas, o Autor não pode exercer profissões que exijam o olfacto.
Em face deste quadro – no qual a presença da dor física e psíquica não se poderá pôr em causa, menos ainda a sua respectiva intensidade, sendo até que a qualidade de vida do Autor ficará necessariamente abaixo da que fruía até ali –, não parece que se possa questionar o valor de uma compensação como a que foi fixada, para mais não tendo tido o Autor a mínima culpa no ocorrido.

II. Depois, quanto à perda de capacidade de ganho (mais propriamente à remessa que foi feita na douta sentença para uma sua liquidação posterior) – na base de uma IPP de 10% e na sequência de pedido formulado nesse sentido pelo Autor na petição inicial –, não cremos, salva melhor opinião, que a pretensão da recorrente possa ter aqui acolhimento, no sentido de que a consequência de se não ter liquidado já a indemnização possa ser a da sua absolvição desse pedido.

Desde logo, a ora recorrente, ao contestar a acção, não se insurgiu contra o facto de o Autor não ter liquidado logo o valor dessa indemnização na petição inicial, por alegadamente já dispor então de todos os elementos para o fazer. Tal crítica só surge agora em sede de alegações de recurso – erigindo-se em questão nova e pondo este Tribunal ad quem na contingência de ter de se pronunciar em primeira linha e não em segunda, como instância de recurso que é.

Depois, ainda que a 1ª instância não tenha decidido de maneira correcta ao remeter a indemnização por IPP para posterior liquidação, conforme o Autor lhe havia peticionado, a consequência nunca poderia ser a da absolvição da Ré desse concreto pedido indemnizatório. Se remeteu isso mal para futuro, uma das saídas seria fazer já, ou ordenar, essa liquidação imediata. Nunca absolver a Ré do pedido, pois que se mostram devidos ao Autor, a título de lucros cessantes, segundo os termos do artigo 564.º, n.º 1, in fine do Código Civil, os benefícios que deixou de obter em consequência da lesão, sendo que pelo seu n.º 2 – como danos futuros, desde que previsíveis – é de integrar no cômputo indemnizatório o rendimento que o Autor/recorrido previsivelmente deixará de ter em virtude da incapacidade permanente de que ficou afectado (neste sentido, o “Direito das Obrigações” de Menezes Leitão, Vol. I, Almedina, 6.ª Edição, a páginas 402).

Por isso que improcede a apelação também na pretensão da Ré/recorrente de ser agora absolvida do pedido de indemnização por IPP. 
[É para notar que é exactamente nesses termos que a apelante apresenta este segmento do seu recurso, não peticionando em lado algum que o Tribunal da Relação proceda à liquidação do valor dessa indemnização que a 1ª instância remeteu para concretização posterior – a entender-se, naturalmente, que um tal diferimento não tenha sido correctamente ordenado. Por outro lado, a parte que mais interessada estaria em que a liquidação fosse feita de imediato – o Autor – nem sequer recorreu.] 

III. Por último, quanto ao cômputo do termo inicial da obrigação de juros na parte referente aos danos não patrimoniais, a douta sentença fixou-o na data da citação e a apelante pretende que seja a partir da decisão que os concede (“os juros de mora referentes à quantia destinada a ressarcir os danos referidos só se deverão contar a partir da data da sentença recorrida, já que esta, ao determinar tal quantia, fê-lo actualizando-a até à data da prolação da sentença”, aduz a recorrente para mostrar a sua discordância com o decidido).
Mas não lhe assiste razão, salva outra opinião, pois que a lei, ao mandar pagar juros desde a citação quando reportados a indemnização resultante de facto ilícito (“tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação”, dispõe o artigo 805.º, n.º 3, ‘in fine’, do Código Civil), não distingue entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, antes que o facto seja ilícito ou pelo risco – o que facilmente poderia ter feito pois que, quando quis, estabeleceu sempre um regime próprio para estes danos não patrimoniais (vidé também os artigos 804.º, n.º 1, 806.º, n.os 1 e 2 e 559.º, todos do Código Civil).
[Vidé, neste mesmo sentido, o douto Acórdão deste Tribunal da Relação e Secção, de 05 de Novembro de 2002, publicado pelo ITIJ e com a referência n.º 0221153 – escrito pelo sr. Desembargador Cândido de Lemos, que também subscreve o presente, onde se pode ler: “e para efeitos de mora o legislador não estabeleceu qualquer distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais, nem entre danos verificados antes da instauração da acção, ocorridos durante a sua pendência ou daqueles que são futuros e que previsivelmente só venham a verificar-se após a decisão”.] 

Assim, neste enquadramento fáctico e jurídico, nada há a alterar ao que se decidiu, mantendo-se intacta na ordem jurídica a douta sentença da 1.ª instância e improcedendo o recurso.

E, em conclusão, dir-se-á:
Reputa-se de justo e adequado – à dor e ao dano – o valor que vem fixado de 22.000,00 euros de indemnização por danos não patrimoniais, a arbitrar a um cidadão que, sem nenhuma culpa, vê embater o motociclo que tripula num outro veículo que inopinadamente lhe corta a linha de marcha, em consequência do que sofre ferimentos sérios no fémur direito e traumatismo crâneo-encefálico, e é atingido nos ouvidos, ficando a sofrer de vertigem e diminuição acentuada do olfacto – consabidas ainda as dores de que é passível tal localização das lesões.
*
Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida. 
Custas pela Apelante.
Registe e notifique. 

Porto, 17 de Novembro de 2009
Mário João Canelas Brás
Manuel Pinto dos Santos 
Cândido Pelágio Castro de Lemos

RECURSO Nº. 6888/05.1 – APELAÇÃO (VILA NOVA de GAIA) Acordam os juízes nesta Relação: A recorrente “B………., S.A.”, com sede na ………., n.º …, ………., no Porto vem interpor recurso da douta sentença que foi proferida no Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Gaia, na presente acção declarativa de condenação, na forma ordinária, emergente de acidente de viação, que aí lhe instaurou o recorrido C………, residente na Rua ………., n.º .., ………., Vila Nova de Gaia, pedindo que se altere agora a sentença da 1ª instância que julgou parcialmente procedente a acção e a condenou a pagar ao Autor “a quantia de 24.399,85 (vinte e quatro mil, trezentos e noventa e nove euros e oitenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, devidos desde a citação até integral pagamento e o montante que se fixar em liquidação de sentença pelo facto de ter ficado a padecer de uma incapacidade permanente geral de 10%”, alegando, para tanto e em síntese, que não concorda com o valor que foi atribuído a título de danos não patrimoniais (de 22.000,00 euros, antes devendo ser fixados em 10.000,00 euros), com o facto de ter sido relegado para liquidação de sentença o montante da indemnização a atribuir-lhe pela incapacidade parcial permanente (de 10%) de que o Autor ficou a padecer, como este peticionara (que logo a deveria ter liquidado na petição e não o fez, apesar de ter todos os elementos para isso, pelo que deve ser a apelante agora absolvida deste pedido), quer, por fim, quanto ao início da contagem dos juros relativos aos danos não patrimoniais (para serem devidos a partir da prolação da sentença e não da citação, pois o valor fixado já está actualizado à data da sentença). Razões para que a douta sentença recorrida deva ser agora alterada de acordo com esses três aspectos apresentados. O apelado C………. vem contra-alegar, para dizer, também em síntese, que não assiste razão à recorrente, pois que a indemnização por danos não patrimoniais ‘não peca por excesso’, atentos os danos que sofreu e que vão desde dores, ao dano estético e à perda da alegria de viver e constante boa disposição. Depois, quanto à liquidação ordenada dos danos por I.P.P. para mais tarde, a ser agora revogada, nunca poderia ter por consequência, como se pretende, a absolvição desse pedido, mas a condenação da apelante num pedido líquido. Por fim, em relação ao início da contagem dos juros, ele terá de situar-se na data da citação, pois que esta indemnização se reporta à altura dos “factos fundamentadores da responsabilidade”. Tudo razões para que se deva agora negar provimento ao recurso e manter-se inalterada a douta decisão impugnada. * Vêm dados por provados os seguintes factos: 1) No dia 20 de Julho de 2002, pelas 12 horas e 45 minutos, na Rua ………., junto ao ………., na freguesia de ………., concelho e comarca de Vila Nova de Gaia, ocorreu um acidente de viação (alínea A) da Especificação). 2) Na referida artéria e sentido Nascente/Poente seguia o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula nº ..-..-JR, sendo que em sentido contrário, ou seja Poente/Nascente, seguia o motociclo com a matrícula nº ..-..-PG (alínea B) da Especificação). 3) A referida Rua tinha 9,65 metros de largura, sendo o local do acidente uma recta de boa visibilidade (alínea C) da Especificação). 4) O tempo estava bom (alínea D) da Especificação). 5) O Autor nasceu em 19 de Março de 1985, como resulta do documento de fls. 16 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido (alínea E) da Especificação). 6) O proprietário do veículo JR, através da celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n.º 90/……, transferiu a responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo para a Ré (alínea F) da Especificação). 7) À data referida em 1), o motociclo ..-..-PG era conduzido pelo Autor que seguia na hemi-faixa de rodagem, sentido Poente/Nascente (respostas aos quesitos 1º e 2º). 8) De repente, o veículo ..-..-JR, que seguia em sentido inverso, virou à esquerda, invadindo a hemi-faixa de rodagem por onde seguia o motociclo ..-..-PG, intersectando a passagem deste (resposta ao quesito 3º). 9) Fê-lo na diagonal (resposta ao quesito 6º). 10) O condutor do ..-..-PG não conseguiu evitar o embate, que se deu entre a roda da frente do motociclo e o guarda-lamas esquerdo do ..-..-JR, prolongando-se pela sua parte lateral esquerda (resposta ao quesito 7º). 11) Tal aconteceu, pelo menos, em virtude do veículo ..-..-JR estar posicionado na diagonal (resposta ao quesito 8º). 12) O condutor do JR não se apercebeu da aproximação do PG (resposta ao quesito 9º). 13) O JR seguia na hemi-faixa direita de rodagem, atento o seu sentido de marcha, sendo precedido por um veículo pesado (resposta ao quesito 10º). 14) Pretendia virar à sua esquerda em direcção ao ………. (resposta ao quesito 11º). 15) Iniciou a travessia da hemi-faixa esquerda de rodagem, sendo que quando se encontrava a efectuar essa manobra surge o ..-..-PG (respostas aos quesitos 15º e 16º). 16) No local do acidente existem casas de ambos os lados (resposta ao quesito 18º). 17) Como consequência directa e necessária do acidente supra descrito, o Autor deu entrada no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de ………. e aí se manteve internado até 02-08-2002 (respostas aos quesitos 19º e 22º). 18) Sofreu fractura do fémur direito, tendo sido operado na madrugada do dia 21 de Julho de 2002 (resposta ao quesito 23º). 19) Aquando da intervenção cirúrgica foi-lhe efectuada uma osteossíntese com placa e colocados 10 parafusos e foi suturado com 15 pontos (resposta ao quesito 26º). 20) No serviço de urgência de otorrinolaringologia deu entrada com otorragia intensa à direita, apresentado aparentemente membrana timpânica íntegra, tendo-lhe sido diagnosticado traumatismo crânio encefálico com TAC revelando Hemosinus maxilar esquerdo e câmara direita do seio esfoidal com fractura da parede lateral desta estrutura; ainda fractura transversal do rochedo temporal direito com atingimento da mastóide (resposta ao quesito 27º). 21) Realizou exame de audiometria a 23 de Agosto de 2002 apresentando os seguintes limiares auditivos: Ouvido direito – 40, 35, 15, 15 e 20 dB nos 250, 500, 1000, 2000 e 4000 Hz, respectivamente; Ouvido esquerdo – 30-25, 20, 15 e 20 dB nos 250, 500, 1000, 2000 e 4000 Hz, respectivamente (resposta ao quesito 28º). 22) Foi submetido a tratamento médico, mantendo-se a ser seguido na consulta de Otorrinolaringologia, sofrendo de vertigem e diminuição acentuada do olfacto (resposta ao quesito 29º). 23) Na olfactometria de 17 de Janeiro de 2003 apresentava Anosmia total (resposta ao quesito 30º). 24) Em 3 de Fevereiro de 2003 foi realizado R.M.N que traduziu sequelas de contusão ao nível da região frontobasal esquerda e parassagital direita e novo temporal à esquerda (resposta ao quesito 31º). 25) Manteve consultas no Serviço de Otorrino, tendo sido observado pela última vez em 15 de Setembro de 2003, apresentando nessa data Anosmia Total (resposta ao quesito 32º). 26) Em consequência das lesões sofridas, o Autor ficou a padecer de uma incapacidade permanente geral de 10% (dez por cento) – (resposta quesito 33º). 27) Necessitou para se locomover, além do apoio de familiares, do uso de duas canadianas até 30 de Outubro de 2002 e uma canadiana até 31 de Janeiro de 2003 (resposta ao quesito 34º). 28) Estando 6 (seis) meses e 10 (dez) dias incapacitado para o trabalho (resposta ao quesito 35º). 29) O Autor tem sofrido e continua a sofrer dores na perna, sobretudo quando está algum tempo de pé, mais acentuadas nos dias em que se faz sentir mais frio ou nevoeiro (resposta ao quesito 38º). 30) À data do acidente o Autor gozava de boa saúde e não apresentava qualquer defeito físico (resposta ao quesito 40º). 31) Tinha grande alegria de viver e constante boa disposição, gostando de sair e conviver com os seus amigos (resposta ao quesito 41º). 32) Viu-se privado de o fazer durante seis meses e dez dias (resposta ao quesito 42º). 33) O Autor apresenta cicatriz na face lateral da coxa direita, com 16 cm. de comprimento (resposta ao quesito 43º). 34) As lesões sofridas causaram ao Autor um dano estético de grau 1/7, o que o desgosta (resposta ao quesito 44º). 35) O Autor sofreu dores de grau 4/7 no momento do acidente e durante os tratamentos (resposta ao quesito 45º). 36) E, em consequência das lesões sofridas, o Autor não pode exercer profissões que exijam o olfacto (resposta ao quesito 48º). 37) À data do acidente o Autor era jardineiro, trabalhando para “D……….”, que lhe pagava o salário mensal de 350,00 (trezentos e cinquenta euros) – (resposta ao quesito 49º). 38) Durante o período referido em 28) deixou de receber uma quantia de 2.266,00 (dois mil, duzentos e sessenta e seis euros) – (resposta ao quesito 50º). 39) Em consequência do acidente viu as suas roupas (sapatilhas, camisola e calças) completamente destruídas, sendo que as mesmas valiam 133,85 (cento e trinta e três euros e oitenta e cinco cêntimos) – (resposta ao quesito 52º). * Ora, as questões que demandam apreciação e decisão deste Tribunal de recurso são as de saber se, efectivamente, o M.º Juiz a quo calculou bem ou mal na sentença o valor da indemnização por danos não patrimoniais, se fez bem em remeter para liquidação de sentença o cálculo da indemnização por I.P.P. e se fixou bem no momento da citação o termo inicial do cômputo dos juros – afinal, se decidiu de acordo ou ao arrepio dos factos e das normas legais que deveriam ter informado, nessa parte, a decisão tomada. É só isso que hic et nunc está em causa, como se vê das conclusões do recurso apresentado. E como o Tribunal ad quem está vinculado às questões que lhe suscitam as partes – nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 690.º, n.º 1 do Código Processo Civil (ainda no domínio do velho regime dos recursos anterior ao introduzido pelo Decreto-lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, por força dos seus artigos 11.º, n.º 1 e 12.º, n.º 1) –, outras se não debaterão aqui, nomeadamente, como se dirá, a própria liquidação da indemnização por Incapacidade Parcial Permanente de que ficou a padecer o A., afinal não pedida por ninguém nesta sede de recurso. Mas vejamos as três questões que são objecto da apelação. I. Quanto ao valor dos danos não patrimoniais, a douta sentença fixou-os em 22.000,00 euros – o Autor pedira 35.000,00 euros – e a recorrente quer vê-la agora reduzida para 10.000,00 euros. “Quid Juris?” Manda o artigo 496.º, n.º 1 do Cód. Civil que na fixação da indemnização se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Trata-se, pois, como é sabido, de prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta, então, uma satisfação mais do que uma indemnização, sem cunho ou feição reparatória, antes meramente compensatória (atribuição de uma soma em dinheiro com vista a proporcionar ao lesado satisfações que de alguma maneira o façam esquecer a dor ou o desgosto provenientes do acto ilícito que sofreu). Para a fixação do montante indemnizatório destes danos a lei remete para juízos de equidade (vidé o artigo 496.º, n.º 3, Código Civil), tendo em atenção os factores referidos no seu artigo 494.º (o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso). Entre os danos merecedores da tutela do direito inclui-se necessariamente o dano corporal em sentido restrito, caracterizado como o prejuízo de natureza não patrimonial que recai na esfera do próprio corpo, dano à integridade física e psíquica: as dores físicas, ‘o pretium ou quantum doloris’ possíveis de verificar através da extensão e gravidade das lesões e complexidade do seu tratamento clínico; e morais, traduzidas pelas aflições, desgostos, angústias e inquietações. Ora, voltando ao caso sub judicio, não poderá deixar de entender-se que o quadro fáctico apurado é, neste ponto, particularmente claro no sentido de que o Autor sofreu o suficiente para dever ser agora ressarcido a esse título (e nem a recorrente o nega, antes intentando é que se baixe o valor dos 22.000,00 euros fixados para os 10.000,00 euros pretendidos). Mas não cremos que tal valor seja agora de baixar, salva melhor opinião. O quadro fáctico aqui relevante diz-nos que o Autor, no momento em que circulava pela sua mão de trânsito, no seu motociclo, viu a sua linha de marcha repentinamente atravessada pelo veículo seguro na Ré, de tal maneira que nem teve tempo de se desviar desse veículo e evitar o embate, em consequência do que sofreu ferimentos sérios no fémur direito e traumatismo crâneo-encefálico; foi, de imediato, assistido no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar ………., onde permaneceu internado até 2 de Agosto de 2002; logo na madrugada de 21 de Julho de 2002 foi operado ao fémur direito, sendo-lhe aplicados 10 parafusos e suturado com 15 pontos; e foi seriamente atingido também nos ouvidos, tendo realizado exame de audiometria em 23 de Agosto de 2002, ficando submetido a tratamento médico e a ser seguido na consulta de Otorrinolaringologia, sofrendo de vertigem e diminuição acentuada do olfacto; em 03 de Fevereiro de 2003 foi realizado R.M.N. que traduziu sequelas de contusão na região frontobasal esquerda e parassagital direita e novo temporal à esquerda; manteve consultas no Serviço de Otorrino, tendo sido observado pela última vez a 15 de Setembro de 2003, apresentando nessa data Anosmia Total; e em consequência das lesões sofridas, o Autor ficou a padecer de uma incapacidade permanente geral de dez por cento (10%); necessitou para se locomover, além do apoio de familiares, do uso de duas canadianas até 30 de Outubro de 2002 e de uma canadiana até 31 de Janeiro de 2003, assim tendo estado seis meses e dez dias incapacitado para o trabalho; além de que tem sofrido e continua a sofrer dores na perna, quando está algum tempo de pé, mais acentuadas nos dias em que se faz sentir mais frio ou nevoeiro; à data do acidente o Autor gozava de boa saúde e não apresentava qualquer defeito físico; tinha grande alegria de viver e constante boa disposição, gostando de sair e conviver com os seus amigos do que se viu privado durante aquele período de tempo de seis meses e dez dias; apresenta ainda cicatriz na face lateral da coxa direita, com 16 cm de comprimento, sendo que as lesões sofridas lhe causaram um dano estético de grau 1/7, o que o desgosta; e o Autor sofreu dores de grau 4/7 no momento do acidente e durante os tratamentos; por fim e em consequência das lesões sofridas, o Autor não pode exercer profissões que exijam o olfacto. Em face deste quadro – no qual a presença da dor física e psíquica não se poderá pôr em causa, menos ainda a sua respectiva intensidade, sendo até que a qualidade de vida do Autor ficará necessariamente abaixo da que fruía até ali –, não parece que se possa questionar o valor de uma compensação como a que foi fixada, para mais não tendo tido o Autor a mínima culpa no ocorrido. II. Depois, quanto à perda de capacidade de ganho (mais propriamente à remessa que foi feita na douta sentença para uma sua liquidação posterior) – na base de uma IPP de 10% e na sequência de pedido formulado nesse sentido pelo Autor na petição inicial –, não cremos, salva melhor opinião, que a pretensão da recorrente possa ter aqui acolhimento, no sentido de que a consequência de se não ter liquidado já a indemnização possa ser a da sua absolvição desse pedido. Desde logo, a ora recorrente, ao contestar a acção, não se insurgiu contra o facto de o Autor não ter liquidado logo o valor dessa indemnização na petição inicial, por alegadamente já dispor então de todos os elementos para o fazer. Tal crítica só surge agora em sede de alegações de recurso – erigindo-se em questão nova e pondo este Tribunal ad quem na contingência de ter de se pronunciar em primeira linha e não em segunda, como instância de recurso que é. Depois, ainda que a 1ª instância não tenha decidido de maneira correcta ao remeter a indemnização por IPP para posterior liquidação, conforme o Autor lhe havia peticionado, a consequência nunca poderia ser a da absolvição da Ré desse concreto pedido indemnizatório. Se remeteu isso mal para futuro, uma das saídas seria fazer já, ou ordenar, essa liquidação imediata. Nunca absolver a Ré do pedido, pois que se mostram devidos ao Autor, a título de lucros cessantes, segundo os termos do artigo 564.º, n.º 1, in fine do Código Civil, os benefícios que deixou de obter em consequência da lesão, sendo que pelo seu n.º 2 – como danos futuros, desde que previsíveis – é de integrar no cômputo indemnizatório o rendimento que o Autor/recorrido previsivelmente deixará de ter em virtude da incapacidade permanente de que ficou afectado (neste sentido, o “Direito das Obrigações” de Menezes Leitão, Vol. I, Almedina, 6.ª Edição, a páginas 402). Por isso que improcede a apelação também na pretensão da Ré/recorrente de ser agora absolvida do pedido de indemnização por IPP. [É para notar que é exactamente nesses termos que a apelante apresenta este segmento do seu recurso, não peticionando em lado algum que o Tribunal da Relação proceda à liquidação do valor dessa indemnização que a 1ª instância remeteu para concretização posterior – a entender-se, naturalmente, que um tal diferimento não tenha sido correctamente ordenado. Por outro lado, a parte que mais interessada estaria em que a liquidação fosse feita de imediato – o Autor – nem sequer recorreu.] III. Por último, quanto ao cômputo do termo inicial da obrigação de juros na parte referente aos danos não patrimoniais, a douta sentença fixou-o na data da citação e a apelante pretende que seja a partir da decisão que os concede (“os juros de mora referentes à quantia destinada a ressarcir os danos referidos só se deverão contar a partir da data da sentença recorrida, já que esta, ao determinar tal quantia, fê-lo actualizando-a até à data da prolação da sentença”, aduz a recorrente para mostrar a sua discordância com o decidido). Mas não lhe assiste razão, salva outra opinião, pois que a lei, ao mandar pagar juros desde a citação quando reportados a indemnização resultante de facto ilícito (“tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação”, dispõe o artigo 805.º, n.º 3, ‘in fine’, do Código Civil), não distingue entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais, antes que o facto seja ilícito ou pelo risco – o que facilmente poderia ter feito pois que, quando quis, estabeleceu sempre um regime próprio para estes danos não patrimoniais (vidé também os artigos 804.º, n.º 1, 806.º, n.os 1 e 2 e 559.º, todos do Código Civil). [Vidé, neste mesmo sentido, o douto Acórdão deste Tribunal da Relação e Secção, de 05 de Novembro de 2002, publicado pelo ITIJ e com a referência n.º 0221153 – escrito pelo sr. Desembargador Cândido de Lemos, que também subscreve o presente, onde se pode ler: “e para efeitos de mora o legislador não estabeleceu qualquer distinção entre danos patrimoniais e não patrimoniais, nem entre danos verificados antes da instauração da acção, ocorridos durante a sua pendência ou daqueles que são futuros e que previsivelmente só venham a verificar-se após a decisão”.] Assim, neste enquadramento fáctico e jurídico, nada há a alterar ao que se decidiu, mantendo-se intacta na ordem jurídica a douta sentença da 1.ª instância e improcedendo o recurso. E, em conclusão, dir-se-á: Reputa-se de justo e adequado – à dor e ao dano – o valor que vem fixado de 22.000,00 euros de indemnização por danos não patrimoniais, a arbitrar a um cidadão que, sem nenhuma culpa, vê embater o motociclo que tripula num outro veículo que inopinadamente lhe corta a linha de marcha, em consequência do que sofre ferimentos sérios no fémur direito e traumatismo crâneo-encefálico, e é atingido nos ouvidos, ficando a sofrer de vertigem e diminuição acentuada do olfacto – consabidas ainda as dores de que é passível tal localização das lesões. * Decidindo. Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida. Custas pela Apelante. Registe e notifique. Porto, 17 de Novembro de 2009 Mário João Canelas Brás Manuel Pinto dos Santos Cândido Pelágio Castro de Lemos