Os valores indicados na Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho (que alterou a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio), sobre a indemnização do dano corporal em caso de sinistralidade automóvel, não substituem os critérios legais previstos no Código Civil.
Proc. nº 517/06.3GTAVR.P1 1ª Secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum Singular nº 517/06.3GTAVR.P1 que correu termos no .º Juízo do Tribunal Judicial de Ovar foi submetido a julgamento B………., ali identificado, tendo a final sido proferida sentença que condenou o arguido na pena de 18 meses de prisão suspensa por igual período de tempo, sujeitando-se a suspensão a regime de prova a consistir, além do mais, na frequência de um Curso de Sensibilização para a Segurança Rodoviária, com duração a determinar pela DGRS e a ser ministrado pela entidade administrativa competente, bem como a comparecer, com a periodicidade que a DGRS determinar, em Hospital ou Centro de Saúde com serviço de politraumatizados e serviço de doente resultante de sinistro rodoviário. No que respeita ao pedido de indemnização cível deduzido, foi absolvida a demandada C………., SA. e condenada a demandada D………., Companhia de Seguros, SA. a pagar aos demandantes a quantia de € 90.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora desde a data da sentença até integral pagamento. Não se conformando com a sentença condenatória, dela veio a demandada D………. interpor o presente recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes conclusões: 1. A recorrente não se conforma com a douta sentença do Tribunal a quo no que se refere à parte da sentença relativa ao pedido de indemnização civil, sendo que o recurso tem como fundamento, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – artº 410º nº 2 do C.P.P. e versa ainda o recurso sobre matéria de direito – artº 412º do C.P.P. 2. O acidente de viação em apreço nos autos ocorreu no decurso de uma corrida automóvel entre os veículos intervenientes, com início em Ovar/Sul e fim na rotunda de Ovar/Norte, e no decurso dessa corrida ambos os condutores praticaram uma condução perigosa e em manifesta violação das regras estradais; 3. De acordo com os factos provados, quer o arguido quer o condutor do veículo de matrícula ..-..-BZ, eram adeptos de “street racing”, participando, à data dos factos, numa corrida automóvel que se iniciara na saída Ovar/Sul da A 29 e terminaria na rotunda subsequente à saída Ovar/Norte da mesma auto-estrada; 4. A matéria de facto provada, com base na qual a recorrente foi condenada, é manifestamente insuficiente e conclusiva para sustentar a condenação exclusiva da recorrente, com base nos princípios orientadores da responsabilidade civil subjectiva; 5. No ponto 3º ficou provado que ambos os condutores visavam a saída no nó de Ovar, o qual se lhes deparava à vista a “poucas centenas de metros”, ficando por apurar, em concreto, a distância a que se encontrava a saída, se as referidas “poucas centenas de metros” são 300, 400, 500, 800 ou 900 metros; 6. Isto porque, apenas com base numa distância concretamente apurada é que seria possível extrair a conclusão se o arguido podia ou não efectuar a manobra de ultrapassagem em segurança, visto que entre a saída Ovar sul e Ovar Norte distam mais de 2000 metros, e o local do acidente configura uma recta com pelo menos 500 metros de extensão; 7. E no ponto 4º da matéria de facto provada, uma vez mais, recorreu-se a conceitos gerais e conclusivos tais como “sem que tivesse necessidade de o fazer”, “o acesso à saída estava à vista e próximo”, “sem se certificar que o poderia fazer e retomar a sua direita sem perigo de colidir com este”; 8. Para se extraírem as conclusões que melhor constam no ponto 4º da matéria de facto provada seria necessária apurar: (i) a que distância concreta estava a saída do nó de Ovar norte quando foi iniciada a ultrapassagem, (ii) a que distância do veículo conduzido pelo arguido estava o outro veículo quando foi iniciada a manobra de ultrapassagem e (iii) a que velocidade circulavam ambos os veículos; 9. Apenas com base nestes factos concretos, não apurados, é que se poderiam extrair as conclusões vertidas na sentença ora em crise e formular um juízo de condenação do condutor do veículo seguro na recorrente e da recorrente quanto ao pedido de indemnização civil; 10. A decisão quanto ao pedido civil, assenta assim em matéria manifestamente conclusiva e insuficiente para alicerçar uma condenação da recorrente com base nos princípios da responsabilidade civil subjectiva; 11. O condutor só pode efectuar uma manobra de ultrapassagem de forma a que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito – artº 35º do CE, e dispõe ainda o artº 38º nº 1 do CE que “o condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário”; 12. E refere ainda o nº 2 do artº 38º do CE que “o condutor deve, especialmente certificar-se de que a faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança” e que “pode retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitam”; 13. No caso concreto não foram apurados factos essenciais para avaliar a conformidade da manobra de ultrapassagem com as citadas disposições do CE e extrair as conclusões vertidas nos pontos supra referidos da matéria de facto provada; 14. O Tribunal a quo, na descoberta da verdade material, podia e devia ter ido mais longe, sendo que não investigou, não apurou, toda a matéria de facto relevante e essencial para a decisão tomada quanto ao pedido de indemnização civil; 15. A sentença recorrida padece assim do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada para a decisão de direito na medida em que do texto da decisão recorrida resulta que não foram provados os factos concretos, necessários e suficientes para alicerçar as conclusões do Mmo Juiz a quo quanto ao pedido de indemnização civil – artº 410º nº 2 al. a) do C.P.P.; 16. Por outro lado ambos os condutores praticavam uma condução perigosa uma vez que realizavam uma corrida, não podemos esquecer que era obrigação do condutor do veículo ultrapassado reduzir a velocidade a que seguia e facilitar a ultrapassagem, facto este que também não se apurou; 17. O artº 39º do C.E. reza que “todo o condutor deve, sempre que não haja obstáculo que o impeça, facultar a ultrapassagem, desviando-se o mais possível para a direita e não aumentando a velocidade enquanto não for ultrapassado; 18. Face à prova produzida é inquestionável que ocorreu uma colisão entre dois veículos, durante uma corrida automóvel que ocorreu entre o nó de Ovar Sul e Ovar Norte; 19. Porém, face à matéria de facto provada, não foi possível apurar em concreto as circunstâncias em que ocorreu a colisão entre ambas as viaturas; 20. Por conseguinte, há que definir a responsabilidade com base nos princípios da responsabilidade objectiva (artºs. 503º nº 1 e 506º nº 1 e nº 2 do Cód. Civil) e não com base nos princípios da responsabilidade subjectiva, como veio a decidir o Mmo. Juiz do Tribunal a quo; 21. Dispõe o artº 503º nº 1 do Código Civil que “aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação”; 22. A responsabilidade pela produção do acidente dos autos e dos danos deve ser atribuída a título de risco aos detentores dos veículos intervenientes no acidente dos autos e repartida entre ambos na proporção de 50% para cada um, o que já resultava aliás do disposto no artº 506º nº 2 o qual prevê que “em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores”; 23. Os montantes arbitrados na douta sentença no que se refere aos danos não patrimoniais a atribuir aos demandantes, pais da vítima mortal, estão manifestamente exagerados face aos padrões de indemnização geralmente adoptados pelos Tribunais Superiores; 24. Na opinião da recorrente é adequado o montante de € 10.000,00 para cada um dos demandantes, pais da vítima mortal do acidente dos autos; 25. A sentença em crise violou o disposto nos artºs. 129º do Cód. Penal, 410º do C.P.P. e 483º do C.Civ., devendo ter sido aplicados os artºs. 38º e 39º do C.E. e artºs. 503º nº 1 e 506º nºs 1 e 2 do Cód. Civil. Conclui pela revogação da sentença e pela sua substituição por acórdão que a condene e à recorrida, a título de risco, na proporção de 50% para cada uma, nos montantes de € 50.000,00 pela privação do direito à vida e € 10.000,00 para cada um dos demandantes no que se refere ao dano não patrimonial. *Os assistentes/demandantes E………. e F………. interpuseram recurso subordinado quanto ao pedido cível e responderam ao recurso da demandada D………., concluindo as suas motivações da seguinte forma: ● O bem da vida é fundador da existência e da personalidade física e moral de cada pessoa e sem o qual não se realizam as potencialidades inerentes à existência humana; ● Não perdendo de vista a dificuldade de medir um bem que por natureza é incomensurável, a indemnização da privação do direito à vida há-de, no entanto e sempre, de traduzir a relevância, do bem lesado de tal modo que, tomando como referência o valor dos bens mercantis, se possa aprender no valor indemnizatório fixado a grandeza do valor da vida; ● O filho dos demandantes, vítima mortal do acidente, tinha 27 anos de vida, vivia intensamente a vida, era saudável e forte fisicamente; ● Tendo em conta o teor das conclusões anteriores e que os tribunais superiores têm oscilado entre os valores de € 50.000,00 e € 70.000,00 na fixação do direito à vida, impõe-se no presente caso que seja fixada no valor de € 70.000,00 a indemnização da privação do direito à vida do filho dos demandantes; ● A morte repentina e trágica do filho que amavam profundamente fez mergulhar os demandantes numa dor, num sofrimento e num luto que ainda hoje se não atenuaram, sendo este dano de enorme magnitude, não se compadecendo com valores indemnizatórios que, à luz dos valores correntes dos bens mercantis, revelem desconsideração pela agressão moral de que os demandantes foram e são vítimas; ● Atenta a dimensão do sofrimento que tem avassalado os demandantes e dada a natureza simultaneamente compensatória e punitiva da indemnização, deverá esta ser fixada no valor de € 30.000,00 (certamente por lapso, referem 70.000,00 €) para cada demandante; ● A decisão recorrida violou o disposto nos artºs 483º e 496º do C.Civil; ● Os factos provados permitem estabelecer, quer directamente quer com recurso às presunções naturais ou “prima facie”, a culpa exclusiva do condutor do AU na produção do acidente.*A demandada C………., Companhia de Seguros, SA. Veio responder aos recursos anteriores, requerendo simultaneamente a ampliação do objecto do recurso, ao abrigo do disposto nos artºs. 4º, 402º nº 1 do C.P.P. e 684º-A do C.P.C., concluindo as suas motivações nos seguintes termos: ● Nem o recurso da co-demandada civil D………., nem o subordinado interposto pelos demandantes civis poderá afectar a ora recorrida; ● Isto, porque a primeira não tem a disponibilidade do pedido de indemnização que foi formulado demandantes civis e porque estes, na sua motivação de recurso, não abordam a questão da responsabilidade da recorrida; ● Ter-se-á, assim de considerar transitada em julgado a decisão que absolveu a co-Ré C………. Companhia de Seguros; ● Os factos demonstrados em audiência são suficientes para que se conclua pela total e exclusiva responsabilidade do arguido na produção do acidente; ● A condução perigosa e a violação das regras estradais a que se refere a recorrente, como consequência necessária do facto de o sinistro ter ocorrido no âmbito de uma prova de “street racing” são conclusões que seriam ou não retiradas dos factos demonstrados; ● Não se tendo provado que o condutor do BZ tivesse agido de forma negligente e ilícita, não se pode concluir essa mesma actuação só porque se provou que participava numa prova de “street racing”; ● Da conjugação do facto, demonstrado em audiência de julgamento, de que a ultrapassagem do AU ao BZ foi iniciada ao Km 25,100 com os elementos constantes dos autos, designadamente o auto de participação elaborado pela GNR e registos fotográficos do local, é possível concluir que a ultrapassagem foi iniciada, pelo menos, a não mais de 127 metros do início da faixa de desaceleração da saída de Ovar/Norte; ● Distância que, para todos os efeitos, se deve considerar insuficiente para a conclusão da manobra; ● A infracção causal do sinistro não foi, apenas, a ultrapassagem a escassa distância da saída; ● Foi, isso sim, o facto de o arguido ter executado a referida manobra sem que se tenha assegurado de que poderia retomar a metade direita da faixa de rodagem sem colidir no carro que pretendia ultrapassar; ● Provou-se que o arguido, no decurso da ultrapassagem, foi embater com a parte traseira lateral direita do veículo que conduzia na parte lateral esquerda dianteira do BZ, levando a que ambos perdessem o controlo das viaturas que tripulavam; ● Sendo que essa colisão, como se provou, ocorreu na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha de ambos, pela qual circulava o BZ; ● Ou seja, provou-se que, durante essa manobra de ultrapassagem, o arguido não guardou do carro que ultrapassava a distância lateral suficiente para evitar o risco de acidente, tendo mesmo permitido que ambos os carros colidissem; ● Independentemente do apuramento de outras circunstâncias mais ou menos esclarecedoras da dinâmica do acidente, temos como certo que um veículo (BZ) seguia na metade direita de uma via e que, a dado passo, foi embatido na respectiva mão de trânsito e na parte lateral esquerda dianteira, pela parte lateral direita traseira de um veículo que o ultrapassava; ● Este facto, por si só, permite concluir que essa ultrapassagem, fosse porque o seu condutor não guardou a distância lateral suficiente para evitar o risco de embate, fosse porque virou à sua direita, foi executada de forma contravencional e censurável; ● Esta última é, aliás, a conclusão que melhor se coaduna com os elementos constantes dos autos, nomeadamente do auto de participação elaborado pela GNR, onde se vê marcas de derrapagem dos veículos existentes na berma, todas direccionadas da esquerda para a direita, indiciando um movimento dos carros nesse sentido; ● Esta actuação será de considerar culposa e ilícita tenha o acidente ocorrido a 200, 300 ou 900 metros da saída, pelo que não tem relevância para a boa decisão da causa o apuramento concreto da distância a que o AU se encontrava da saída de Ovar/ Norte quando iniciou a ultrapassagem; ● Tão pouco é necessário apurar, pelas mesmas razões, a distância a que se encontrava o veículo conduzido pelo arguido do outro que pretendia ultrapassar no momento em que essa manobra foi iniciada, ou a velocidade a que as viaturas seguiam; ● Aliás, quanto à velocidade, não deixou de ser indagada em sede de julgamento, sem que se tivesse podido apurar o andamento de ambos os carros; ● De nada adianta à recorrente afirmar que era obrigação do condutor do BZ reduzir a velocidade a que seguia e facilitar a ultrapassagem, já que esse facto, apesar de alegado pela recorrente, não foi dado como provado; ● Não estamos perante uma situação de non liquet quanto à questão da culpabilidade; ● Foram demonstrados os factos necessários à imputação total e exclusiva do sinistro à conduta do arguido, que agiu de forma censurável e ilícita; ● Essa culpa, para efeitos de responsabilidade civil, deverá presumir-se, na medida em que se provou que o arguido agiu de forma ilícita, porque violadora do disposto nos artigos 35° e 38° do Código da Estrada (cfr. Douto acórdão do STJ de 04-04-2002, disponível no endereço da internet http://www.dgsj.pt); ● A prova da culpa de terceiro afasta a responsabilidade civil da ora respondente, a qual, de todo o modo, só poderia basear-se nos riscos próprios do veículo, face à total ausência de culpa do condutor do BZ (cfr artigo 505° do Código Civil); ● Aliás, como vem entendendo a nossa jurisprudência, nem é necessário, para que a responsabilidade objectiva prevista no artigo 503° do Código Civil seja afastada, a prova da culpa do lesado ou de terceiro bastando, apenas, que o sinistro seja devido, em termos de causalidade, a facto deste; ● Pelo que não tem aplicação, ao caso em análise, o disposto no artigo 506° do Código Civil, mas sim o que rege o artigo 505° do mesmo diploma; ● Ainda que assim não se entendesse, o que de forma alguma se concede, nunca a repartição de responsabilidade entre os intervenientes deveria ser igualitária, mas sim na proporção de, pelo menos, 70% para o AU e 30% para o BZ, já que, executando o condutor do primeiro desses veículos uma manobra de ultrapassagem, perigosa pela sua natureza, os riscos próprios do primeiro desse veículo contribuíram em grau superior para a ocorrência dos danos; ● Os danos morais dos demandantes civis foram sobrevalorizados, devendo fixar-se a sua compensação em não mais de 10.000€ para cada um; ● O dano da perda do direito à vida foi, equitativamente, quantificado na douta sentença sob censura; ● Face à matéria de facto provada, não acode aos demandantes civis o direito à indemnização cuja liquidação foi relegada para execução de sentença, respeitante a danos patrimoniais; ● A douta sentença sob censura, no que toca ao apuramento de responsabilidades, não violou qualquer disposição legal, tendo violado as normas dos artigos 496° e 566° e feito menos boa interpretação da norma do artigo 495° n.° 3 do Código Civil quanto à quantificação dos danos. Conclui pela improcedência dos recursos interpostos ou, caso assim se não entenda, deverá a responsabilidade das Rés ser repartida na proporção de 70% para a Ré D………. e 30% para a Ré C………. Cª de Seguros, confirmando-se a indemnização pela perda do direito à vida e reduzindo-se a compensação pelos danos morais próprios dos demandantes para a verba de € 10.000,00 para cada um deles, absolvendo-se ambas as RR. do pedido por danos patrimoniais futuros.*O Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação limitou-se a apor o seu visto.*Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.* *II - FUNDAMENTAÇÃO A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos: (transcrição) “1. No dia 19 de Novembro de 2006, cerca das 01.20 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, serviço particular, de matrícula ..-..-AU, sua propriedade, pela A29, no sentido sul/norte. 2. No mesmo sentido, à sua frente, pela via de rodagem direita, no mesmo dia e hora e pela mesma auto-estrada, G………., conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, serviço particular, de matrícula ..-..-BZ, sua propriedade, levando como passageiro o falecido H……….., m. i. a fls. 30. 3. Ambos os condutores visavam, a saída da auto-estrada, no nó de Ovar Norte, o qual se lhes deparava à vista a poucas centenas de metros. 4. Ao chegar ao Km 25,100, área da comarca de Ovar, o arguido, sem que tivesse necessidade de o fazer, pois o acesso à saída estava à vista e próximo, iniciou a ultrapassagem ao BZ sem se certificar que o poderia fazer e retomar a sua direita sem perigo de colidir com este. 5. Assim, no decurso da referida ultrapassagem veio a embater com a parte traseira lateral direita do AU na parte frontal lateral esquerda do BZ, levando a que ambos perdessem o controlo dos veículos e que o AU viesse a imobilizar-se, várias dezenas de metros à frente, em cima da guarda metálica de retenção lateral direita da via, atento o sentido de marcha, e o BZ capotado no meio da faixa de rodagem, ainda mais à frente daquele. 6. Do embate, resultaram na pessoa da vítima H………., as lesões corporais descritas e examinadas no relatório de autópsia, constante de fls. 15/20, cujo teor aqui se dá por reproduzido, as quais foram directa e necessariamente determinantes da sua morte. 7. O embate do AU no BZ deu-se na via de trânsito do lado direito, na qual o BZ circulava. 8. O local do acidente é auto-estrada, com piso betuminoso em estado regular de conservação, com traçado de recta, com faixa de rodagem medindo 7,70 metros de largura, com duas faixas de tráfego no mesmo sentido, com a berma direita, atento o sentido de marcha dos veículos, medindo 3 metros e a esquerda com 0,70 metros. 9. Não havia obstáculos na via e o trânsito era reduzido. 10. O piso estava húmido devido aos chuviscos que caíam. 11. O acidente deveu-se ao comportamento descuidado do arguido que, não obstante saber não dever fazer a ultrapassagem naquele local sem tomar as devidas precauções para não colocar em perigo os veículos e as pessoas que circulavam na via, nomeadamente no retorno à via da direita, o fez. 12. Todavia, não obstante ter esse conhecimento, não atendeu, apesar de o poder fazer, a tal dever de cuidado, alheando-se das consequências que poderiam advir da sua conduta, conformando-se com elas. 13. Sabia que praticava actos proibidos e punidos por lei. 14. Quer o arguido, quer o condutor do veículo de matrícula ..-..-BZ eram adeptos de “street racing”, participando, à data dos factos, numa corrida automóvel que se iniciara na saída Ovar/Sul da A29 e terminaria na rotunda subsequente à saída Ovar/Norte da mesma auto-estrada. 15. O malogrado H………. seguia como passageiro no ..-..-BZ, bem sabendo estar a participar numa prova de “street racing”, estando plenamente consciente dos riscos inerentes a tal actividade. 16. Os demandantes F………. e mulher E………. são pais de H………., nascido em 08 de Junho de 1979, que foi vítima mortal do acidente “sub judice.” 17. O referido H………. faleceu no estado de solteiro, sem filhos e sem ter deixado testamento ou qualquer outra disposição de última vontade. 18. A saída de Ovar/Norte encontra-se assinalada pelo menos 2000 metros antes em placa vertical de grande formato, e depois, também, por placas verticais, estavam assinaladas, sucessivamente as distâncias de 300, 200 e 100 metros a percorrer para se entrar na saída Ovar/Norte. 19. A via, no local do acidente, formava uma recta de cerca de 500 metros. 20. Era noite e os dois veículos seguiam com as luzes dianteiras e traseiras ligadas. 21. A A29 está, no local do acidente, iluminada por candeeiros da rede de iluminação pública, que tornam visível quem circulasse na via. 22. A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação em que interviesse o veículo AU tinha sido transferida pelo seu proprietário B………. para a demandada Companhia de Seguros D………., S.A., através de contrato de seguro escrito titulado pela apólice n.º AU…….., que se encontrava em vigor à data do acidente. 23. A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação em que interviesse o veículo BZ tinha sido transferida para a C………., Companhia de Seguros, S.A., pelo seu proprietário G………. através de contrato de seguro escrito titulado pela apólice n.º ………, que se encontrava em vigor à data do acidente. 24. Como consequência directa e necessária da colisão entre os veículos AU e BZ, o passageiro do BZ, H………., filho dos demandantes, sofreu múltiplas lesões, designadamente as seguintes: hemorragia subaracnoidea occipital nas meninges; congestão e edema acentuado e hemorragia nos ventrículos laterais do encéfalo; fractura dos arcos costais à esquerda do 2.º ao 4.º anteriores à direita do 1.º e 2.º com infiltração sanguínea dos topos ósseos e tecidos moles adjacentes; laceração do lobo superior do pulmão esquerdo com extensas contusões parequimatosas. 25. As lesões traumáticas meningo-encefálicas e torácicas foram a causa directa e necessária da morte do filho dos demandantes. 26. O H………. amava a vida e vivia-a intensamente. 27. Era um jovem saudável e forte fisicamente. 28. Os demandantes tinham e têm dois filhos, o falecido H………. e I………., nascida a 16 de Novembro de 1984. 29. Os demandantes adoravam o seu filho H………., com quem tinham uma relação afectiva fortíssima e carinhosa, que o falecido H………. retribuía, tendo um grande amor a seus pais, ora demandantes, com quem tinha uma relação de muito carinho. 30. Os demandantes e os seus filhos formavam uma família feliz, vivendo os demandantes para os seus filhos, que apoiavam e acarinhavam. 31. Sempre os demandantes tiveram o apoio material, moral e afectivo do falecido H………., quando dele precisavam e sempre os demandantes deram o apoio material, moral e afectivo que o filho H………. precisava. 32. A morte do filho H………. deixou os demandantes mergulhados em dor e tristeza, sentindo-se inconsoláveis e tendo perdido a alegria de viver. 33. Os demandantes estão em luto profundo e sentem um vazio interior pela ausência do filho, que o tempo não permitiu ainda superar, continuando a comover-se até às lágrimas sempre que se lembram do filho ou sobre ele falam. 34. A demandante E………. é doméstica, não auferindo qualquer rendimento. 35. O demandante F………. é carpinteiro e exerce essa profissão na qualidade de emigrante, desde 1985, na África do Sul. 36. À data do seu falecimento, o filho dos demandantes exercia a actividade profissional por conta própria de distribuidor de tabaco, auferindo a quantia mensal de € 600,00 (seiscentos euros). 37. O demandante F………. nasceu em 28 de Julho de 1956. 38. A demandante E………. nasceu a 03 de Março de 1954. 39. O arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado de 30 de Junho de 2003, pela prática, em 04 de Janeiro de 2002, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €:3,00 (três euros). 40. As lesões traumáticas sofridas pelo malogrado H………. provocaram-lhe imediata e irreversível perda de consciência. 41. O arguido é metalúrgico, auferindo o salário mensal de € 430,00 (quatrocentos e trinta euros); vive com a mãe e uma irmã, contribuindo com a quantia mensal de € 200,00 (duzentos euros) para as despesas familiares; tem um filho, pagando a título de alimentos a quantia mensal de €:77,15 (setenta e sete euros e quinze cêntimos).*Foram considerados não provados os seguintes factos: - O H………. tenha tido consciência da gravidade das suas lesões e da iminência da morte; - O H………. tenha vivido no pânico de vir a morrer; - O H………. tenha sofrido dores horríveis; - O condutor do AU, algumas centenas de metros antes do local do acidente, em local em que as duas hemi-faixas de rodagem são divididas por uma linha longitudinal descontínua, tenha iniciado uma manobra de ultrapassagem aos veículos que circulavam na faixa da direita, nomeadamente ao BZ, utilizando para o efeito a hemi-faixa de rodagem esquerda; - Após concluir a ultrapassagem pela hemi-faixa de rodagem esquerda, o condutor do AU tenha tentado retomar, com cuidado e segurança, a hemi-faixa de rodagem da direita; - O condutor do BZ, ao aperceber-se da manobra de ultrapassagem do AU, tenha tentado impedir que esta se concretizasse e, para tanto, tenha imprimido ao seu veículo maior velocidade para dificultar/impedir a manobra de ultrapassagem do AU; - No preciso momento em que o condutor do AU estava a retomar a hemi-faixa de rodagem da direita, sem qualquer perigo de colidir com o BZ, o condutor deste último veículo tenha aumentado bruscamente a velocidade, imprimindo ao seu veículo uma velocidade superior a 150 Km/h, de modo a impedir que o veículo do arguido retomasse a hemi-faixa de rodagem direita à sua frente; - O condutor do BZ, ao aumentar bruscamente a velocidade, para impedir que o condutor do AU retomasse a hemi-faixa de rodagem da direita, não tenha dominado o BZ e tenha ido embater violentamente na traseira do AU, provocando o despiste do AU e, posteriormente, do próprio BZ, tendo em conta a velocidade e a violência com que ocorreu a colisão na traseira do AU. *O tribunal recorrido motivou a sua convicção nos seguintes termos: A fixação dos factos provados teve por base a globalidade da prova produzida, a qual foi analisada de um modo crítico, distinguindo-se, quanto às testemunhas, aquelas que tinham um conhecimento directo da factualidade, das que tinham um conhecimento indirecto, conforme passamos a relatar. Assim, foi ponderado o depoimento prestado pelas seguintes testemunhas: ● G………., condutor do veículo de matrícula ..-..-BZ, interveniente no acidente de viação e em que seguia, como passageiro, o malogrado H………., e que, por tal facto, revelou possuir um conhecimento directo e circunstanciado da dinâmica daquele. Respondeu, de forma pronta e segura, aos esclarecimentos que a sua versão dos factos foi suscitando; ● J……….., namorada do falecido H………., a qual, à data do acidente assistia, desde um terreno sobre a A 29, à corrida automobilística entre os veículos intervenientes no acidente de viação. Tal testemunha, após justificar a sua presença no local àquela hora, referiu que assistiu ao seguinte: -Num primeiro momento, avistou o veículo conduzido pela testemunha G………. na hemi-faixa de rodagem direita, seguido na mesma hemi-faixa pelo veículo tripulado pelo arguido; -Junto a uma ponte, sobre a A29, contígua ao terreno em que se encontrava, após se ter apercebido das luzes de travagem do veículo ..-..-BZ, viu o veículo do arguido a inicial a ultrapassagem ao veículo conduzido pela testemunha G………., tendo, quase de imediato, sentido o ruído e visto o clarão provocado pela colisão; -Referiu, igualmente, que a saída de Ovar Norte, em que os dois veículos pretendiam ingressar, se situa imediatamente após a ponte, local onde deixou de ver os veículos. Saliente-se que este depoimento mereceu total crédito por parte do Tribunal pela forma desinteressada e isenta como foi prestado, não se coibindo a testemunha de relatar factos desfavoráveis ao falecido namorado, e indirectamente aos demandantes, designadamente que os dois veículos participavam de uma corrida automobilística e que a falecida vítima estava consciente dos riscos que corria; ● K………., ex-mulher da testemunha G………., que acompanhando a testemunha anterior no dia dos autos prestou um depoimento em tudo idêntico ao daquela testemunha e congruente com a versão do acidente relatada pelo seu interveniente, a testemunha G……….; ● L………., militar da Guarda Nacional Republicana, subscritor do auto de notícia de fls. 3 e da participação de acidente de viação de fls. 62/66, cujo teor confirmou integralmente; ● M………., militar do Núcleo de Investigação Criminal da Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana, subscritor do relatório de fls. e segs., que elaborou, na sequência de investigação às causas do acidente; ● N………., médico do IML, que se deslocou ao local imediatamente após o acidente, subscritor da Ficha de observação médica do INEM de fls. 68 e da Ficha do Centro de Orientação de Doentes Urgentes do INEM de fls. 69, cujo teor confirmou integralmente. Referiu que, atenta a violência das lesões provocadas, o H………. não se apercebeu da sua morte iminente, tendo perdido, de imediato, a consciência; ● O………., perito médico legal, a prestar funções no Gabinete Médico-Legal de Santa Maria da Feira, subscritor do relatório de autópsia de fls. 16/21, cujo teor confirmou integralmente. Referiu que as lesões apresentadas pelo malogrado H………. são compatíveis com a morte imediata e com a ausência de qualquer sofrimento pós-embate; ● P………. e Q………., tias paternas do malogrado H………., e que, atenta a proximidade familiar e existencial quer com o falecido quer com os demandantes, demonstraram possuir um conhecimento directo e circunstanciado do modo de vida do H………. e das consequências do seu falecimento trágico na pessoa dos demandantes; ● S………. e T………., vizinhos dos demandantes, e pessoas das suas relações sociais, e que, por tal facto, revelaram possuir um conhecimento directo e circunstanciado da matéria a que foram inquiridas. Tais testemunhas depuseram de forma segura, prestando, prontamente, os esclarecimentos que a sua versão dos factos foi suscitando. Foi, também, ponderado o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente: - Auto de Notícia de fls. 3; - Certificado de óbito de fls. 7; - Relatório de Autópsia de fls. 16/21; - Participação de Acidente de Viação de fls. 62/66 (???); - Assento de Nascimento de fls. 30; - Ficha de observação médica do INEM de fls. 68; - Ficha do Centro de Orientação de Doentes Urgentes do INEM de fls. 69; - Relatório elaborado pelo Núcleo de Investigação Criminal da BT de Aveiro e respectivos fotogramas de fls. 160/180; - Assento de Nascimento de fls. 233; -“Recibos Verdes” de fls. 234/240; - Assento de nascimento de fls 241; - Assento de nascimento de fls. 242; - CRC de fls. 263/264; - Apólice de fls. 312; - Condições particulares e especiais de fls. 313/320; - Condições contratuais de fls. 321/355; - Fotograma de fls. 370. Quanto aos factos referentes à personalidade e condições pessoais do arguido, foram ponderadas as suas próprias declarações, as quais mereceram, quanto a este aspecto, total crédito por parte do Tribunal. Foi, também, ponderado o depoimento das testemunhas arroladas em sede de contestação, amigos do arguido, e que, por tal facto revelaram possuir um conhecimento directo e circunstanciado da personalidade e modo de vida daquela. Foi, por fim, ponderado o teor do Certificado de Registo Criminal de fls. 263/264. No que se refere aos factos não provados, estes resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos. Assim, a versão dos factos apresentada pela demandada D………., Companhia de Seguros, S.A, mostrou-se inverosímil, não tendo sustentação em qualquer elemento probatório credível”. * *III – O DIREITO O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes nas respectivas motivações, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2]. No caso em apreço, não se verificando qualquer dos vícios a que aludem as alíneas b) e c) do nº 2 do artº 410º do C.P.P., as questões suscitadas pelos recorrentes reconduzem-se em saber: - se se verifica o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; - se a indemnização arbitrada aos demandantes, quer a título do dano morte do seu filho, quer por danos não patrimoniais próprios daqueles, se mostra adequada. A recorrente D……… alega que a decisão quanto ao pedido cível assenta em matéria conclusiva e insuficiente para alicerçar a sua condenação com base nos princípios da responsabilidade civil subjectiva. Sustenta que, para se extraírem as conclusões constantes dos pontos 3º e 4º da decisão recorrida – “poucas centenas de metros”, “sem que tivesse necessidade de o fazer”, “o acesso à saída estava à vista e próximo” e “sem se certificar que o poderia fazer e retomar a sua direita sem perigo de colidir com este” – seria necessário apurar a que distância concreta estava a saída do nó de Ovar/norte quando foi iniciada a ultrapassagem; a que distância estavam os veículos um do outro quando foi iniciada a manobra de ultrapassagem e a que velocidade circulavam ambos os veículos. Tais factos não apurados pelo Tribunal, constituem no entender da recorrente, factos essenciais para avaliar da conformidade da manobra de ultrapassagem com as disposições do Código da Estrada e habilitar o tribunal a proferir a decisão de direito. Vejamos: Como se refere no Ac. do STJ de 18.12.2007[3] “Os factos genéricos e conclusivos não podem sustentar uma acusação e, muito menos, uma condenação, pois impedem que o arguido exerça o direito de defesa que lhe assiste e impossibilitam o Tribunal Superior de fiscalizar o acerto da decisão”. Ora, as expressões contidas nos pontos 3º e 4º da matéria de facto provada, que aliás foram transportadas da própria acusação pública (cfr. § 3º e 4º de fls. 188), em especial as expressões “poucas centenas de metros” e “o acesso à saída estava próximo”, constituem efectivamente conceitos genéricos e conclusivos, na medida em que só seria possível extrair tais conclusões, caso da matéria de facto (e previamente, da própria acusação) constasse a concreta distância a que se encontrava a referida saída da auto-estrada, quando o arguido iniciou a manobra de ultrapassagem ao veículo BZ, bem como a velocidade (ainda que aproximada) a que circulavam ambos os veículos. Estes concretos factos constituiriam o cerne da questão para que, quer o tribunal recorrido, quer este tribunal da Relação, pudesse qualificar a conduta do arguido e censurá-la criminalmente, se fosse caso disso. Refira-se ainda que a expressão contida no ponto 4º “sem que tivesse necessidade de o fazer”, bem como a expressão utilizada na matéria de facto provada sob o ponto 11º (também ela transportada da acusação) contém matéria de direito, inadmissível nesta sede, na medida em que dizer-se “o acidente deveu-se ao comportamento descuidado do arguido”, responde directamente à questão de direito da imputação da responsabilidade do acidente em causa ao arguido, confundindo-se com ela. Trata-se, em ambos os casos, de expressões que encerram juízos de valor só possíveis de alcançar mediante o recurso a critérios de ordem jurídico-normativa aplicados a realidades factuais, juízos esses que permitem determinar, directamente, se se verificam os pressupostos de que a lei faz depender a responsabilidade do arguido pela produção do acidente e, desse modo, contêm, em si, a solução jurídica do pleito. Por isso, as indicadas expressões hão-de ter-se por não escritas, nos termos do n.º 4 do artigo 646.º, aplicável por força do artº 4º do C.P.P., impondo-se por isso que as mesmas sejam eliminadas da matéria de facto provada, passando o artº 3º a ter a seguinte redacção: “Ambos os condutores visavam a saída da auto-estrada no nó de Ovar/Norte”. Por outro lado, o artº 4º ficará com a seguinte redacção: “Ao chegar ao Km 25,100, área da comarca de Ovar, o arguido iniciou a ultrapassagem ao BZ e ao retomar a sua direita, não se certificou que o poderia fazer sem perigo de colidir com este”. Necessário se torna também alterar a redacção do artº 11º da matéria de facto provada, a qual passará a ter a seguinte redacção: “Apesar de saber que não podia fazer a ultrapassagem naquele local, sem previamente se certificar que da sua realização não colocava em perigo os restantes veículos, nomeadamente no retorno à sua direita, o arguido fê-lo”.*Atentas as conclusões que a recorrente D………. extrai da eliminação daquelas expressões que apelidou de conclusivas (e como tal foram consideradas), vejamos se a matéria de facto assim delimitada, comporta a alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. A alteração da decisão recorrida com os fundamentos invocados, enunciados nas alíneas do n.º2 do art. 410º do C.P.P., tem o respectivo âmbito delimitado, desde logo, pelo texto do mesmo preceito: “desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência”. A insuficiência, para a decisão de direito, da matéria de facto provada, há-de também ela resultar do texto da própria decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum. Como referem Simas Santos/Leal Henriques[4], “Trata-se de uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher”. Tal verifica-se “quando a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta. Insuficiência que resulta de o tribunal não ter esgotado os seus poderes de indagação relativamente ao apuramento da matéria de facto essencial; no cumprimento do dever da descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais longe; não o tendo feito, ficaram por investigar factos essenciais, cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal e justa”[5]. Sendo certo que a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, que é coisa bem diferente[6]. Salienta-se ainda, como decidiu o Ac. STJ de 13.05.1998[7], que “O termo decisão, utilizado no art. 410º, n.º2, al. a) do CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – refere-se à decisão justa que devia ter sido proferida e não à decisão proferida”. O AC. STJ de 14.11.1998 acima referido coloca a questão nos termos em que se nos afigura que deve ser colocada, numa interpretação que articula sistematicamente o conceito de insuficiência não só com o poder/dever de investigar os factos submetidos a julgamento, bem como com o dever de fundamentação imposto ao tribunal, por forma a que a decisão apareça, como justa, dentro daquilo que ao tribunal era exigível que dilucidasse, em função da acusação e defesa e factos relevantes que resultem da decisão da causa, tendo como objectivo ultimo a descoberta da verdade material e a justa decisão do caso submetido à apreciação do tribunal. Ora, no caso em apreço, o tribunal apreciou todos os factos que constavam, quer da acusação, quer do pedido cível formulado pelos demandantes, quer da contestação da recorrente (já que o arguido se limitou a apresentar rol de testemunhas), considerando como não provada a versão da recorrente, designadamente o alegado nos artºs. 9º, 10º e 11º da contestação de fls. 304 e 305 – cfr. a matéria de facto não provada da sentença de fls. 586 e 587. Vejamos, porém, se a matéria de facto provada (despojada dos conceitos genéricos e conclusivos já acima assinalados) não constitui suporte suficiente para a decisão condenatória proferida, quer no que respeita à responsabilidade criminal do arguido, quer, essencialmente, relativamente à responsabilidade civil da recorrente, na medida em que para ela havia sido transferida a responsabilidade civil pela circulação do veículo conduzido por aquele. O arguido B………. foi condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. no artº 137.º nº1 do Código Penal. Em conformidade com a previsão incriminadora deste preceito “quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”. A estrutura do tipo em presença é aparentemente simples e pode linearmente sintetizar-se pela forma seguinte: o respectivo sujeito activo pode ser qualquer pessoa, tratando-se, pois, de um crime comum; a conduta típica consiste em, através do emprego de qualquer meio ou mecanismo, suprimir a vida de outrem; ainda em sede de tipo objectivo, é necessário que a morte (desvalor de resultado) seja objectivamente imputável (num critério teleológico-normativo) à conduta violadora do cuidado devido. Para que determinada conduta possa ser subsumida à materialidade objectiva do referido tipo incriminador é necessário que o agente tenha, por acção ou por omissão, realizado o resultado proibido por lei: a supressão da vida de outrem. Neste sentido e uma vez que o evento ocasionado se distingue, em termos fenomenológicos, da conduta que lhe dá causa, pode dizer-se que o crime de homicídio negligente é, do ponto de vista da actuação do agente sobre o bem jurídico protegido, um crime material ou de resultado. Tratando-se de responsabilidade negligente, o comportamento do agente haverá de configurar a violação de um dever objectivo de cuidado (cfr. art. 15.º do Cód. Penal), sendo este o elemento normativo nuclear em torno do qual se estrutura o ilícito típico em presença. O dever de cuidado é, “em termos dogmáticos, o ideal de um cânone de comportamento que a sociedade julga como o mais adequado à protecção de bens jurídico-penais”[8] e os crimes negligentes inscrevem-se, justamente em razão da imprecisão do conceito, na categoria dos chamados tipos abertos. O dever objectivo de cuidado não tem uma origem necessariamente formal, bastando a sua idoneidade, em abstracto, para, em face das concretas circunstâncias do caso, evitar o resultado proibido. Pese embora o que ficou dito, um esforço de sistematização é, todavia, possível, podendo reconduzir-se o dever objectivo de cuidado ou diligência aos usos e normas jurídicas associadas ao exercício de um certo ofício ou actividade, às normas ou regulamentos que visam prevenir perigos - como justamente sucede com as disposições do Código da Estrada - e, finalmente, aos usos e à experiência comum com vista à adopção de determinadas cautelas e cuidados a fim de evitar a produção do resultado[9]. Seja, qual for, pois, a fonte de que emane, são dois os planos em que, conforme vem sendo consensualmente entendido, se estrutura o dever objectivo de cuidado: postula por um lado, um cuidado interno, um dever de representar ou prever o perigo para o bem jurídico tutelado e de valorar correctamente esse perigo, o seu processo causal e as suas consequências, sendo certo que esse perigo só surge quando se ultrapassam os limites do risco permitido; manifesta-se, por outro lado, num cuidado externo, ou seja, num dever de adoptar uma conduta adequada a evitar esse perigo, quer omitindo acções perigosas, quer actuando prudentemente em situações que, pese embora perigosas, são toleradas pela ordem jurídica (risco permitido), quer munindo-se, aquando da adopção de uma conduta de risco, dos conhecimentos que permitam empreender essa conduta com segurança[10]. E, uma vez que o conceito de cuidado a que se refere o dever em causa é ele próprio objectivo, o padrão aferidor da diligência exigível deve procurar-se, através de um juízo ex ante, no cuidado que é requerido na vida de relação social relativamente ao comportamento em causa. O que supõe a formulação de um juízo normativo, resultante da comparação entre a conduta que devia ter adoptado um homem razoável e prudente, inserido no âmbito de actividade, munido dos conhecimentos específicos do agente e colocado na sua posição, e a conduta que este efectivamente observou[11]. Este juízo normativo é integrado por dois elementos: um elemento intelectual, segundo o qual é necessária a consideração de todas as consequências da acção que, num juízo razoável (objectivo), eram de verificação previsível (previsibilidade objectiva), e um outro, valorativo, segundo o qual só será contrária ao direito a conduta que vai além da medida socialmente adequada (risco permitido)[12]. O dever objectivo de cuidado, no caso das situações que envolvem condutas cometidas no exercício da condução, tem a sua fonte nas normas legais «positivamente estabelecidas em leis e regulamentos que disciplinam as situações de perigo mais comuns (…) que caracterizam as técnicas e as normas de cuidado que devem ser usadas na actividade correspondente para excluir os riscos que excedem a medida permitida»[13]. Como se sabe é o Código da Estrada e o seu regulamento que fixam a margem de risco permitida na condução e sobre a qual deve a ordem jurídica efectuar o juízo sobre o dever objectivo de cuidado que os condutores devem ter. O juízo sobre o dever objectivo de cuidado não é, no entanto, um juízo cego ou objectivamente fixado, mas deve em cada caso concreto ser analisado. Não é outra coisa o que refere Roxin quando diz que «o que em abstracto é perigoso pode deixar de o ser em concreto»[14]. O que se pretende sublinhar é que mesmo nos casos em que o dever objectivo de cuidado tem uma fonte normativa inequívoca pode, em concreto, verificar-se uma situação em que a conduta do agente, pese embora ter violado uma norma legal estabelecida não concorreu, em concreto para que se criasse ou aumentasse o risco permitido subjacente à norma violada, não se «concretizando in casu o perigo pressuposto pela mesma norma». Ora, no caso em apreço decorre à evidência que foi a manobra de ultrapassagem efectuada pelo arguido ao veículo BZ e a subsequente entrada na faixa direita da Auto-estrada, por onde aqueloutro circulava, sem tomar as cautelas necessárias impostas pelo artº 38º nºs 2 al. b) e 3 do Cód. da Estrada, ou seja, sem se ter certificado de que ao retomar a direita após concluir a ultrapassagem, o podia fazer sem criar perigo de colisão com os veículos que transitassem nessa via, neste caso com o veículo de matrícula BZ, que foi a causa única e adequada do acidente em apreço. O arguido efectuou a referida manobra de forma desatenta e mesmo temerária, sem se certificar, como podia e era sua obrigação, se podia retomar a faixa da direita em segurança e sem perigo para a circulação do veículo que acabava de ultrapassar, na medida em que um condutor só deverá retomar a hemi-faixa direita de rodagem desde que a distância percorrida após a conclusão daquela manobra, o permita fazer sem perigo de colisão com os veículos que nela transitem. Ou seja o perigo pressuposto na norma do artigo 38º do Código da Estrada que estabelece que o condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com o veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário, devendo especialmente certificar-se de que (nº 2 al. b) pode retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitam, foi posto em causa pela conduta do arguido. No caso, aquele dever foi efectivamente desprezado pelo comportamento do arguido na sua condução, daí tendo originado o embate no veículo BZ, onde era transportado o malogrado H………., provocando o despiste desse veículo. É assim manifesto que o comportamento do arguido violando as normas estradais referidas e o consequente dever de cuidado que se lhe impunha levou à produção do resultado conhecido, não existindo dúvidas de que foi esse seu comportamento que levou a esse resultado e não outro. A recorrente alega que ambos os condutores empreendiam uma condução perigosa, colocando em risco os próprios e os restantes utentes da via, em manifesta violação das regras estradais, sendo certo que resultou provado que eram ambos adeptos de street racing, participando, à data dos factos, numa corrida automóvel que se iniciara na saída Ovar/Sul da A29 e terminaria na rotunda subsequente à saída Ovar/Norte da mesma auto-estrada. Mais alega que era obrigação do veículo ultrapassado reduzir a velocidade a que seguia e facilitar a ultrapassagem, facto esse que não se apurou. Com efeito, a recorrente alegara na sua contestação que “o condutor do BZ, ao aperceber-se da manobra de ultrapassagem do AU, tentou impedir que a ultrapassagem do AU se concretizasse e para tanto imprimiu ao seu veículo maior velocidade para dificultar/impedir a manobra de ultrapassagem do AU; e, no preciso momento em que o condutor do AU estava a retomar a faixa de rodagem da direita, sem qualquer perigo de colidir com o BZ, o condutor do BZ aumenta bruscamente a velocidade, imprimiu ao seu veículo uma velocidade superior a 150 Km/hora, de modo a impedir que o condutor do AU retomasse a faixa da rodagem da direita à sua frente”. Contudo, a referida matéria de facto não logrou a adesão da prova, tendo o tribunal recorrido considerado não provada a versão do acidente apresentada pela ora recorrente. É certo que o “street racing” constitui uma modalidade de condução perigosa que se caracteriza por corridas de automóveis em vias públicas, em fins de semana e a horas em que o trânsito é mais reduzido, modalidade vulgarmente denominada de “picanço” ou “corrida da morte”, precisamente porque os respectivos praticantes atingem velocidades excessivas, em alguns casos superiores a 250 Km/hora. Porém, ainda que se esteja perante uma situação do género, a matéria de facto provada não permite atribuir ao condutor do BZ qualquer parcela de culpa na produção do evento danoso. Com efeito, os elementos que objectivamente delimitam a culpa são a previsibilidade e o dever de prever. No entanto, o concreto conteúdo e âmbito de tais elementos deve ser aferido, não em termos absolutos, mas sim de acordo com as regras gerais da experiência, ou de certo tipo de homem (pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso), pelo que existe dever de prever sempre que uma conduta em si, sem as necessárias cautelas e cuidados, seja adequada a produzir um evento. Como diz Eduardo Correia[15] “é um nexo de causalidade adequada que vem a fixar objectivamente os deveres de previsão, que, quando violados, podem dar lugar à negligência, ou seja, que vem dizer quando se deve prever um resultado como consequência duma conduta, em si ou na medida em que se omitem as cautelas e os cuidados adequados a evitá-lo”. Tais cuidados e cautelas tanto podem resultar, pois, de regras ou preceitos jurídicos (caso das regras de trânsito) como da adequação da conduta para produzir um resultado, desde que as regras comuns de experiência não sejam tomadas na devida conta. Assim, se segundo as regras gerais e experiência, uma conduta revela aptidão para produzir um resultado ilícito, ocorre violação do dever de diligência e, portanto, existe culpa, independentemente daquilo que pessoalmente o agente poderia prever como normal ou necessário.” Reportando-nos ao caso dos autos, cumpre destacar que um dos elementos objectivos do tipo de homicídio involuntário cujo preenchimento é altamente problemático é o da necessária imputação do desvalor do resultado (a supressão da vida), num critério teleológico – normativo à conduta objectivamente violadora do cuidado que seria devido, segundo a acusação. E isto por que no âmbito dos crimes de resultado não basta a verificação do resultado típico para que se possa considerar aquele que causou a sua verificação como autor do crime correspondente[16]. Para além disso, necessário é que a pessoa causante desse resultado possa considerar-se responsável por esse resultado, do ponto de vista jurídico - penal. Com efeito, nos termos do artº 10º, nº 1 do CP “Quando um tipo legal de crime compreenda um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo, como a omissão da acção adequada a evitá-lo...” Ou seja, para que estejam preenchidos os elementos do tipo objectivo de um crime de resultado é necessário, além do mais, que exista uma adequada relação causal entre a conduta e o resultado. Face ao normativo legal acabado de citar é hoje indiscutível a consagração legislativa em Portugal, em sede de Direito Criminal e no âmbito da imputação objectiva, da denominada teoria da causalidade, ou melhor, da chamada teoria da adequação[17]. “....para que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre um resultado e uma acção não basta que a realização concreta daquele se não possa conceber sem esta; é necessário que, em abstracto, a acção seja idónea para causar o resultado; que o resultado seja uma consequência normal típica da acção. O processo lógico deve ser o de uma prognose póstuma, ou seja de um juízo de idoneidade referido ao momento em que a acção de realiza, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, o de um juízo ex ante. Este juízo deve ser feito segundo as regras da experiência comum aplicadas às circunstâncias concretas da situação. Assim a idoneidade da acção para a produção do resultado de facto que o agente devia conhecer, mas segundo as regras da experiência normais e as circunstâncias concretas em geral, conhecidas, não se devendo porém abstrair para a sua determinação das circunstâncias que o agente efectivamente conhecia” (Maia Gonçalves, Código Penal Português, 4ª, pag. 86). Postas estas considerações e debruçando-nos sobre a posição da recorrente seguradora afigura-se-nos que ela assenta em dois pressupostos que não se verificam. Por um lado, não resultou provado que o condutor do BZ tenha aumentado a velocidade do seu veículo a fim de impedir a ultrapassagem do AU e, por outro, que a causa de um acidente de viação é a acção ou omissão normalmente idónea a produzi-la. Quanto ao primeiro aspecto, ainda que se admita que o BZ circulasse em excesso de velocidade objectivo (por muito superior aos limites fixados por lei), é sabido que não é a velocidade absoluta que se torna perigosa, mas sim velocidade relativa, pois que um automóvel pode ser absolutamente inofensivo a 120 km/h e constituir em certos casos um perigo a 20 km/h. No que respeita ao segundo, num acidente de viação não nos podemos limitar a analisar se a acção ou omissão é normalmente idónea a produzi-la, temos que ligar o facto, a actuação ao resultado (no caso a morte de uma pessoa). Por si só e em abstracto o excesso de velocidade não desencadeia necessariamente efeitos mortais, nem pode sem mais ser entendido como uma conduta negligente. Debruçando-nos sobre a factualidade dada como provada, podemos concluir que, quer em termos de improbabilidade quer de imprevisibilidade, o arguido se comportou culposamente, pois que, independentemente da velocidade a que circulava o BZ, foi o arguido que, após ter efectuado a manobra de ultrapassagem, retomou a faixa direita de rodagem por onde circulava o BZ, fazendo-o porém de forma descuidada, de tal forma que embateu com a parte traseira lateral direita do seu veículo na parte frontal lateral esquerda do BZ, levando a que ambos perdessem o controlo dos respectivos veículos e que, em consequência do despiste, o malogrado H………. viesse a sofrer as lesões que directa e necessariamente lhe provocaram a morte. Não fora a invasão da faixa direita de rodagem por parte do veículo AU conduzido pelo arguido e o embate que veio a provocar no veículo BZ, a velocidade a que este veículo circulava não era, só por si idónea a provocar o acidente que se veio a verificar. Concluindo-se pela culpa exclusiva de um dos intervenientes na ocorrência do sinistro, não há que fazer intervir as regras da responsabilidade pelo risco, como sustenta a recorrente.*Quanto ao montante indemnizatório: Na sentença recorrida fixou-se em € 50.000,00 a indemnização pela perda do direito à vida e em € 20.000,00 a indemnização devida a cada um dos demandantes pelo dano próprio sofrido com a perda do filho. Entende a recorrente D………. que este último valor é manifestamente exagerado face aos padrões de indemnização adoptado pelos tribunais superiores, devendo ser reduzido para o montante de € 10.000,00 para cada um dos demandantes. Estes últimos, porém, no recurso subordinado que interpuseram, pugnam pela fixação da indemnização em € 70.000,00 pela perda do direito à vida do seu filho e em € 30.000,00 a indemnização pelos danos morais próprios sofridos por cada um deles. Vejamos: Relativamente aos danos próprios sofridos pelos demandantes, conforme dispõe expressamente o art. 496º, n.º 3, do CC, os danos não patrimoniais sofridos por aqueles na qualidade de pais do falecido e titulares do direito à indemnização prevista no n.º 2 do mesmo preceito legal, são indemnizáveis. No caso dos autos, resultam provados danos não patrimoniais sofridos pelo pai e pela mãe do falecido merecedores da tutela do direito, dada a elevada gravidade dos mesmos - cfr. pontos 29 a 33 dos factos provados -, aliás típicos de quem vê perder um filho jovem, contra a natural sequência da vida. Relativamente à quantificação do valor dos danos em causa, face ao actual valor da moeda e custo de vida, entende o Tribunal que a compensação fixada pelo tribunal recorrido se mostra adequada ao caso concreto. De realçar que, no que respeita aos danos emergentes da sinistralidade automóvel, a Portaria 377/2008 de 26 de Maio refere no seu próprio preâmbulo que se trata de “critérios para os procedimentos de proposta razoável, em particular quanto à valorização do dano corporal. Parte significativa das soluções adoptadas nesta portaria baseia -se em estudos sobre a sinistralidade automóvel do mercado segurador e do Fundo de Garantia Automóvel e na experiência partilhada por este e pelas seguradoras representadas pela Associação Portuguesa de Seguradores, no domínio da regularização de processos de sinistros.” Finalidade esta repetida pelo preâmbulo da Portaria n.º 679/2009 de 25 de Junho que veio alterar aquela, referindo também que “Com a publicação da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, o Governo fixou, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 39.º do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, os critérios e valores orientadores, para efeitos de apresentação aos lesados por sinistro automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal.” Na verdade, o artigo 1º da Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio descreve o seu objecto: 1 — Pela presente portaria fixam -se os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto. E, o nº 2 do preceito expressamente consagra que: As disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos. Como resulta da mesma Portaria, “o regime relativo aos prazos e as regras de proposta razoável, agora também aplicáveis ao dano corporal, exige o apoio de normativos específicos que evidenciem, com objectividade, a transparência e justiça do modelo no seu conjunto e sejam aptos a facilitar a tarefa de quem está obrigado a reparar o dano e sujeito a penalizações, aliás significativas, pelo incumprimento de prazos ou quando for declarada judicialmente a falta de razoabilidade na proposta indemnizatória.” A Portaria, tem pois um âmbito institucional específico de aplicação, extrajudicial, sendo que, por outro lado, e, pela natureza do diploma que é, não revoga nem derroga lei ou decreto-lei, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais, é o definido pelo Código Civil.*De harmonia com o artigo 495º nº 1 do Código Civil: No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral. Nos termos do 496º nº 1 do Código Civil, relativamente a danos não patrimoniais: na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, segundo o nº 3 do preceito, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º, que alude ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso justificativas. O dano morte tem carácter autónomo, é um dano próprio pela mera privação da vida, que não se confunde com o dano não patrimonial. Quanto ao dano morte, como referia o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-09-2007, in www.dgsi.pt, sabe-se que a vida é o bem mais precioso da pessoa, que ele não tem preço, porque é a medida de todos os preços, e que a sua perda arrasta consigo a eliminação de todos os outros bens de personalidade. À míngua de outro critério legal, na determinação do concernente quantum compensatório importa ter em linha de conta, por um lado, a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais. E, por outro, conforme os casos, a vontade e a alegria de viver da vítima, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia a dia, designadamente a sua situação profissional e sócio-económica. A indemnização devida pelo dano morte é transmissível, bem como, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros descendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem – artº 496º nº 3 do Código Civil, sendo ainda indemnizáveis, por direito próprio, os danos não patrimoniais sofridos pelas pessoas referidas no preceito familiares da vítima, decorrentes, do sofrimento e desgosto essa morte lhes causou[18]. O direito à vida é o primeiro, o mais importante, dos direitos absolutos. É o bem supremo, cuja tutela é assegurada pelo art. 24º, da Constituição da República Portuguesa. E que a sua violação gera um dano susceptível de compensação, não se dúvida. A questão colocada é a de saber como fixar o quantitativo que compense a produção do dano. A regra é-nos dada pelo art. 496º, nº 3, do C. Civil: o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais será fixado equitativamente. O direito à vida, como direito absoluto inerente à condição humana que é, deve, em abstracto, obter sempre a mesma valoração absoluta isto é, todas as vidas se equivalem. Mas esta afirmação não significa que, em cada caso concreto e, precisamente por isso, por razões de equidade, não devam nem possam ser ponderados determinados factores que estabeleçam diferenças no montante indemnizatório a fixar. Na verdade, a justiça do caso concreto pode impor a consideração de elementos relativos à idade, à saúde, à integração e desempenho social da vítima, entre outros como factores de valoração do dano (Cfr. neste sentido, Acs. do STJ de 11 de Dezembro de 2008, proc. nº 08B2935, de 27 de Setembro de 2007, proc. nº 07B2737, ambos in, http://www.dgsi.pt, e de 25 de Março de 2004, CJ, S, XII, I, 140; e em sentido contrário, Ac. do STJ de 8 de Junho de 2006, proc. nº 06A1464, in, http://www.dgsi.pt). Em todo o caso, como nota o Cons. Sousa Dinis, estamos perante parâmetros genéricos que deixam a cada juiz um âmbito de decisão suficientemente elástico para que possam em cada caso, expressar a arte de minorar a supressão do direito à vida (CJ, S, IX, I, 7). Mas, a título meramente indicativo, não deixaremos de referir algumas decisões do nosso mais Alto Tribunal: assim, o acórdão de 4 de Novembro de 2003 (CJ, S, XI, III, 133) fixou o montante devido pelo dano morte em € 40.000, os acórdãos de 8 de Junho de 2006 (já identificado), de 24 de Outubro de 2006 (proc. nº 06A3021, in, http://www.dgsi.pt), 18 de Dezembro de 2007 (proc. nº 07B3715, in, http://www.dgsi.pt), e de 23 de Abril de 2008 (proc. nº 08P303, http://www.dgsi.pt), fixaram aquele montante em € 50.000, e os acórdãos de 30 de Outubro de 2008 (proc. nº 08B2989, in, http://www.dgsi.pt) e de 11 de Dezembro de 2008 (já identificado) fixaram o mesmo montante em € 60.000. Sendo a vítima um homem jovem, com apenas 27 anos de idade, saudável, amava a vida e vivia-a intensamente, exercia uma actividade profissional por conta própria, auferindo um rendimento mensal de € 600,00, era muito próximo dos seus progenitores, dúvidas não restam de que tinha diante de si um futuro longo, sobejando-lhe motivos para encarar de forma alegre e positiva o caminho a percorrer, que foi abruptamente interrompido pelo acidente de que o arguido e segurado da demandada é o único responsável. Por isso mesmo entendemos que o montante de € 60.000,00 para compensação do dano morte se mostra mais adequado, atenta a ponderação global daqueles factores, à realização da justiça do caso concreto.*Mantendo-se inalterada a decisão recorrida quanto à responsabilidade exclusiva do arguido na produção do evento, fica prejudicado o conhecimento do recurso interposto pela demandada C………. Companhia de Seguros, SA.*IV – DECISÃO: Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em: - negar provimento ao recurso interposto pela demandada D………. Companhia de Seguros, SA.; - conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos demandantes F………. e mulher E………., alterando para € 60.000,00 (sessenta mil euros) a indemnização devida pela perda do direito à vida do seu filho, mantendo-se no mais inalterada a decisão recorrida; - não conhecer do recurso interposto pela demandada C………. Companhia de Seguros, SA.*Custas do pedido cível por demandantes e demandada D………., na proporção de 1/6 para aqueles e de 5/6 para esta.* Porto, 16 de Dezembro de 2009 (Elaborado e revisto pela 1º signatária) Eduarda Maria de Pinto e Lobo Lígia Ferreira Sarmento Figueiredo _________________________ [1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada). [2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95. [3] Relatado pelo ilustre Cons. Santos Carvalho, disponível em www.dgsi.pt, com o nº convencional SJ20071018031585 [4] In Recursos em processo Penal, 7ª edª, 2008, pág. 72. [5] Cfr., Ac. do STJ de 14.11.1998, Proc. nº 588/98, citado por Simas Santos /Leal Henriques, Recursos, cit., p. 74, bem como outros citados no mesmo local e no CPP Anotado dos mesmos autores, 2ª ed., 2º vol., p. 743 a 760. [6] Cfr., entre outros, citados pelos mencionados autores, Ac. STJ de 13.02.1991, in AJ n.ºs 15/16, p. 7. [7] Publicado em CJAcs.STJ, Tomo II, 1998, pág. 199. [8] V. Faria Costa “O Perigo em Direito Penal”, Coimbra Editora, pág. 478. [9] Cfr. Eduardo Correia, “Direito Criminal”, Vol. I, 1971, págs. 425 e ss. [10] V., por todos, Jescheck, “Tratado de Derecho Penal”, pág. 525. [11] V., neste sentido, Ac. R. Évora de 04.02.1992, CJ, Tomo I, pág. 291. [12] Cfr. Muñoz Conde, Teoria General del Delito, 1984, pág. 68. [13] Cfr. António Latas, in “Descrição e Prova dos Factos nos crimes por negligência. Questões de ordem geral”, Revista do CEJ, nº 11, Setembro de 2009, pág. 58. [14] Apud António Latas, in ob. cit. pág. 58. [15] In Direito Criminal, Vol. I, págs. 424 e ss. [16] Cfr. JescheK, Tratdo de Derecho Penal, pags. 249 e250; Olayo Eduardo González Soler, “Homicídio y lesiones imprudentes de trabajo, La Imprudencia”, Consejo general Del Poder judicial, 1993, págs. 109,110, 224. [17] No sentido de que a teoria da adequação é já uma teoria de imputação objectiva e não uma teoria de causalidade oposta à teoria da “conditio sine qua non”, Jesheck Tratado de Derecho Penal, parte General. Comares, 4ª, pags. 256/257, Jakobs, Derecho Penal, parte General, Marcial Pons, 1995, pags. 238 segs.. No mesmos sentido, mas agora no âmbito do Direito Civil, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, pag. 860, nota 1. [18] V. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7ª ed., pág. 604 e segs.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed. pág. 500; Pereira Coelho, Direito das Sucessões, e Ac. do S.T.J. de 17/03/1971, B.M.J. 205, pág. 150; Leite Campos, A indemnização do dano da morte, Boletim da Faculdade de Direito, vol. 50, pág. 247 Galvão Telles, Direito das Sucessões, págs. 88 e segs.
Proc. nº 517/06.3GTAVR.P1 1ª Secção Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO No âmbito do Processo Comum Singular nº 517/06.3GTAVR.P1 que correu termos no .º Juízo do Tribunal Judicial de Ovar foi submetido a julgamento B………., ali identificado, tendo a final sido proferida sentença que condenou o arguido na pena de 18 meses de prisão suspensa por igual período de tempo, sujeitando-se a suspensão a regime de prova a consistir, além do mais, na frequência de um Curso de Sensibilização para a Segurança Rodoviária, com duração a determinar pela DGRS e a ser ministrado pela entidade administrativa competente, bem como a comparecer, com a periodicidade que a DGRS determinar, em Hospital ou Centro de Saúde com serviço de politraumatizados e serviço de doente resultante de sinistro rodoviário. No que respeita ao pedido de indemnização cível deduzido, foi absolvida a demandada C………., SA. e condenada a demandada D………., Companhia de Seguros, SA. a pagar aos demandantes a quantia de € 90.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora desde a data da sentença até integral pagamento. Não se conformando com a sentença condenatória, dela veio a demandada D………. interpor o presente recurso, extraindo das respectivas motivações as seguintes conclusões: 1. A recorrente não se conforma com a douta sentença do Tribunal a quo no que se refere à parte da sentença relativa ao pedido de indemnização civil, sendo que o recurso tem como fundamento, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – artº 410º nº 2 do C.P.P. e versa ainda o recurso sobre matéria de direito – artº 412º do C.P.P. 2. O acidente de viação em apreço nos autos ocorreu no decurso de uma corrida automóvel entre os veículos intervenientes, com início em Ovar/Sul e fim na rotunda de Ovar/Norte, e no decurso dessa corrida ambos os condutores praticaram uma condução perigosa e em manifesta violação das regras estradais; 3. De acordo com os factos provados, quer o arguido quer o condutor do veículo de matrícula ..-..-BZ, eram adeptos de “street racing”, participando, à data dos factos, numa corrida automóvel que se iniciara na saída Ovar/Sul da A 29 e terminaria na rotunda subsequente à saída Ovar/Norte da mesma auto-estrada; 4. A matéria de facto provada, com base na qual a recorrente foi condenada, é manifestamente insuficiente e conclusiva para sustentar a condenação exclusiva da recorrente, com base nos princípios orientadores da responsabilidade civil subjectiva; 5. No ponto 3º ficou provado que ambos os condutores visavam a saída no nó de Ovar, o qual se lhes deparava à vista a “poucas centenas de metros”, ficando por apurar, em concreto, a distância a que se encontrava a saída, se as referidas “poucas centenas de metros” são 300, 400, 500, 800 ou 900 metros; 6. Isto porque, apenas com base numa distância concretamente apurada é que seria possível extrair a conclusão se o arguido podia ou não efectuar a manobra de ultrapassagem em segurança, visto que entre a saída Ovar sul e Ovar Norte distam mais de 2000 metros, e o local do acidente configura uma recta com pelo menos 500 metros de extensão; 7. E no ponto 4º da matéria de facto provada, uma vez mais, recorreu-se a conceitos gerais e conclusivos tais como “sem que tivesse necessidade de o fazer”, “o acesso à saída estava à vista e próximo”, “sem se certificar que o poderia fazer e retomar a sua direita sem perigo de colidir com este”; 8. Para se extraírem as conclusões que melhor constam no ponto 4º da matéria de facto provada seria necessária apurar: (i) a que distância concreta estava a saída do nó de Ovar norte quando foi iniciada a ultrapassagem, (ii) a que distância do veículo conduzido pelo arguido estava o outro veículo quando foi iniciada a manobra de ultrapassagem e (iii) a que velocidade circulavam ambos os veículos; 9. Apenas com base nestes factos concretos, não apurados, é que se poderiam extrair as conclusões vertidas na sentença ora em crise e formular um juízo de condenação do condutor do veículo seguro na recorrente e da recorrente quanto ao pedido de indemnização civil; 10. A decisão quanto ao pedido civil, assenta assim em matéria manifestamente conclusiva e insuficiente para alicerçar uma condenação da recorrente com base nos princípios da responsabilidade civil subjectiva; 11. O condutor só pode efectuar uma manobra de ultrapassagem de forma a que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito – artº 35º do CE, e dispõe ainda o artº 38º nº 1 do CE que “o condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário”; 12. E refere ainda o nº 2 do artº 38º do CE que “o condutor deve, especialmente certificar-se de que a faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança” e que “pode retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitam”; 13. No caso concreto não foram apurados factos essenciais para avaliar a conformidade da manobra de ultrapassagem com as citadas disposições do CE e extrair as conclusões vertidas nos pontos supra referidos da matéria de facto provada; 14. O Tribunal a quo, na descoberta da verdade material, podia e devia ter ido mais longe, sendo que não investigou, não apurou, toda a matéria de facto relevante e essencial para a decisão tomada quanto ao pedido de indemnização civil; 15. A sentença recorrida padece assim do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada para a decisão de direito na medida em que do texto da decisão recorrida resulta que não foram provados os factos concretos, necessários e suficientes para alicerçar as conclusões do Mmo Juiz a quo quanto ao pedido de indemnização civil – artº 410º nº 2 al. a) do C.P.P.; 16. Por outro lado ambos os condutores praticavam uma condução perigosa uma vez que realizavam uma corrida, não podemos esquecer que era obrigação do condutor do veículo ultrapassado reduzir a velocidade a que seguia e facilitar a ultrapassagem, facto este que também não se apurou; 17. O artº 39º do C.E. reza que “todo o condutor deve, sempre que não haja obstáculo que o impeça, facultar a ultrapassagem, desviando-se o mais possível para a direita e não aumentando a velocidade enquanto não for ultrapassado; 18. Face à prova produzida é inquestionável que ocorreu uma colisão entre dois veículos, durante uma corrida automóvel que ocorreu entre o nó de Ovar Sul e Ovar Norte; 19. Porém, face à matéria de facto provada, não foi possível apurar em concreto as circunstâncias em que ocorreu a colisão entre ambas as viaturas; 20. Por conseguinte, há que definir a responsabilidade com base nos princípios da responsabilidade objectiva (artºs. 503º nº 1 e 506º nº 1 e nº 2 do Cód. Civil) e não com base nos princípios da responsabilidade subjectiva, como veio a decidir o Mmo. Juiz do Tribunal a quo; 21. Dispõe o artº 503º nº 1 do Código Civil que “aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse, ainda que por intermédio de comissário, responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação”; 22. A responsabilidade pela produção do acidente dos autos e dos danos deve ser atribuída a título de risco aos detentores dos veículos intervenientes no acidente dos autos e repartida entre ambos na proporção de 50% para cada um, o que já resultava aliás do disposto no artº 506º nº 2 o qual prevê que “em caso de dúvida, considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada um dos condutores”; 23. Os montantes arbitrados na douta sentença no que se refere aos danos não patrimoniais a atribuir aos demandantes, pais da vítima mortal, estão manifestamente exagerados face aos padrões de indemnização geralmente adoptados pelos Tribunais Superiores; 24. Na opinião da recorrente é adequado o montante de € 10.000,00 para cada um dos demandantes, pais da vítima mortal do acidente dos autos; 25. A sentença em crise violou o disposto nos artºs. 129º do Cód. Penal, 410º do C.P.P. e 483º do C.Civ., devendo ter sido aplicados os artºs. 38º e 39º do C.E. e artºs. 503º nº 1 e 506º nºs 1 e 2 do Cód. Civil. Conclui pela revogação da sentença e pela sua substituição por acórdão que a condene e à recorrida, a título de risco, na proporção de 50% para cada uma, nos montantes de € 50.000,00 pela privação do direito à vida e € 10.000,00 para cada um dos demandantes no que se refere ao dano não patrimonial. *Os assistentes/demandantes E………. e F………. interpuseram recurso subordinado quanto ao pedido cível e responderam ao recurso da demandada D………., concluindo as suas motivações da seguinte forma: ● O bem da vida é fundador da existência e da personalidade física e moral de cada pessoa e sem o qual não se realizam as potencialidades inerentes à existência humana; ● Não perdendo de vista a dificuldade de medir um bem que por natureza é incomensurável, a indemnização da privação do direito à vida há-de, no entanto e sempre, de traduzir a relevância, do bem lesado de tal modo que, tomando como referência o valor dos bens mercantis, se possa aprender no valor indemnizatório fixado a grandeza do valor da vida; ● O filho dos demandantes, vítima mortal do acidente, tinha 27 anos de vida, vivia intensamente a vida, era saudável e forte fisicamente; ● Tendo em conta o teor das conclusões anteriores e que os tribunais superiores têm oscilado entre os valores de € 50.000,00 e € 70.000,00 na fixação do direito à vida, impõe-se no presente caso que seja fixada no valor de € 70.000,00 a indemnização da privação do direito à vida do filho dos demandantes; ● A morte repentina e trágica do filho que amavam profundamente fez mergulhar os demandantes numa dor, num sofrimento e num luto que ainda hoje se não atenuaram, sendo este dano de enorme magnitude, não se compadecendo com valores indemnizatórios que, à luz dos valores correntes dos bens mercantis, revelem desconsideração pela agressão moral de que os demandantes foram e são vítimas; ● Atenta a dimensão do sofrimento que tem avassalado os demandantes e dada a natureza simultaneamente compensatória e punitiva da indemnização, deverá esta ser fixada no valor de € 30.000,00 (certamente por lapso, referem 70.000,00 €) para cada demandante; ● A decisão recorrida violou o disposto nos artºs 483º e 496º do C.Civil; ● Os factos provados permitem estabelecer, quer directamente quer com recurso às presunções naturais ou “prima facie”, a culpa exclusiva do condutor do AU na produção do acidente.*A demandada C………., Companhia de Seguros, SA. Veio responder aos recursos anteriores, requerendo simultaneamente a ampliação do objecto do recurso, ao abrigo do disposto nos artºs. 4º, 402º nº 1 do C.P.P. e 684º-A do C.P.C., concluindo as suas motivações nos seguintes termos: ● Nem o recurso da co-demandada civil D………., nem o subordinado interposto pelos demandantes civis poderá afectar a ora recorrida; ● Isto, porque a primeira não tem a disponibilidade do pedido de indemnização que foi formulado demandantes civis e porque estes, na sua motivação de recurso, não abordam a questão da responsabilidade da recorrida; ● Ter-se-á, assim de considerar transitada em julgado a decisão que absolveu a co-Ré C………. Companhia de Seguros; ● Os factos demonstrados em audiência são suficientes para que se conclua pela total e exclusiva responsabilidade do arguido na produção do acidente; ● A condução perigosa e a violação das regras estradais a que se refere a recorrente, como consequência necessária do facto de o sinistro ter ocorrido no âmbito de uma prova de “street racing” são conclusões que seriam ou não retiradas dos factos demonstrados; ● Não se tendo provado que o condutor do BZ tivesse agido de forma negligente e ilícita, não se pode concluir essa mesma actuação só porque se provou que participava numa prova de “street racing”; ● Da conjugação do facto, demonstrado em audiência de julgamento, de que a ultrapassagem do AU ao BZ foi iniciada ao Km 25,100 com os elementos constantes dos autos, designadamente o auto de participação elaborado pela GNR e registos fotográficos do local, é possível concluir que a ultrapassagem foi iniciada, pelo menos, a não mais de 127 metros do início da faixa de desaceleração da saída de Ovar/Norte; ● Distância que, para todos os efeitos, se deve considerar insuficiente para a conclusão da manobra; ● A infracção causal do sinistro não foi, apenas, a ultrapassagem a escassa distância da saída; ● Foi, isso sim, o facto de o arguido ter executado a referida manobra sem que se tenha assegurado de que poderia retomar a metade direita da faixa de rodagem sem colidir no carro que pretendia ultrapassar; ● Provou-se que o arguido, no decurso da ultrapassagem, foi embater com a parte traseira lateral direita do veículo que conduzia na parte lateral esquerda dianteira do BZ, levando a que ambos perdessem o controlo das viaturas que tripulavam; ● Sendo que essa colisão, como se provou, ocorreu na metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha de ambos, pela qual circulava o BZ; ● Ou seja, provou-se que, durante essa manobra de ultrapassagem, o arguido não guardou do carro que ultrapassava a distância lateral suficiente para evitar o risco de acidente, tendo mesmo permitido que ambos os carros colidissem; ● Independentemente do apuramento de outras circunstâncias mais ou menos esclarecedoras da dinâmica do acidente, temos como certo que um veículo (BZ) seguia na metade direita de uma via e que, a dado passo, foi embatido na respectiva mão de trânsito e na parte lateral esquerda dianteira, pela parte lateral direita traseira de um veículo que o ultrapassava; ● Este facto, por si só, permite concluir que essa ultrapassagem, fosse porque o seu condutor não guardou a distância lateral suficiente para evitar o risco de embate, fosse porque virou à sua direita, foi executada de forma contravencional e censurável; ● Esta última é, aliás, a conclusão que melhor se coaduna com os elementos constantes dos autos, nomeadamente do auto de participação elaborado pela GNR, onde se vê marcas de derrapagem dos veículos existentes na berma, todas direccionadas da esquerda para a direita, indiciando um movimento dos carros nesse sentido; ● Esta actuação será de considerar culposa e ilícita tenha o acidente ocorrido a 200, 300 ou 900 metros da saída, pelo que não tem relevância para a boa decisão da causa o apuramento concreto da distância a que o AU se encontrava da saída de Ovar/ Norte quando iniciou a ultrapassagem; ● Tão pouco é necessário apurar, pelas mesmas razões, a distância a que se encontrava o veículo conduzido pelo arguido do outro que pretendia ultrapassar no momento em que essa manobra foi iniciada, ou a velocidade a que as viaturas seguiam; ● Aliás, quanto à velocidade, não deixou de ser indagada em sede de julgamento, sem que se tivesse podido apurar o andamento de ambos os carros; ● De nada adianta à recorrente afirmar que era obrigação do condutor do BZ reduzir a velocidade a que seguia e facilitar a ultrapassagem, já que esse facto, apesar de alegado pela recorrente, não foi dado como provado; ● Não estamos perante uma situação de non liquet quanto à questão da culpabilidade; ● Foram demonstrados os factos necessários à imputação total e exclusiva do sinistro à conduta do arguido, que agiu de forma censurável e ilícita; ● Essa culpa, para efeitos de responsabilidade civil, deverá presumir-se, na medida em que se provou que o arguido agiu de forma ilícita, porque violadora do disposto nos artigos 35° e 38° do Código da Estrada (cfr. Douto acórdão do STJ de 04-04-2002, disponível no endereço da internet http://www.dgsj.pt); ● A prova da culpa de terceiro afasta a responsabilidade civil da ora respondente, a qual, de todo o modo, só poderia basear-se nos riscos próprios do veículo, face à total ausência de culpa do condutor do BZ (cfr artigo 505° do Código Civil); ● Aliás, como vem entendendo a nossa jurisprudência, nem é necessário, para que a responsabilidade objectiva prevista no artigo 503° do Código Civil seja afastada, a prova da culpa do lesado ou de terceiro bastando, apenas, que o sinistro seja devido, em termos de causalidade, a facto deste; ● Pelo que não tem aplicação, ao caso em análise, o disposto no artigo 506° do Código Civil, mas sim o que rege o artigo 505° do mesmo diploma; ● Ainda que assim não se entendesse, o que de forma alguma se concede, nunca a repartição de responsabilidade entre os intervenientes deveria ser igualitária, mas sim na proporção de, pelo menos, 70% para o AU e 30% para o BZ, já que, executando o condutor do primeiro desses veículos uma manobra de ultrapassagem, perigosa pela sua natureza, os riscos próprios do primeiro desse veículo contribuíram em grau superior para a ocorrência dos danos; ● Os danos morais dos demandantes civis foram sobrevalorizados, devendo fixar-se a sua compensação em não mais de 10.000€ para cada um; ● O dano da perda do direito à vida foi, equitativamente, quantificado na douta sentença sob censura; ● Face à matéria de facto provada, não acode aos demandantes civis o direito à indemnização cuja liquidação foi relegada para execução de sentença, respeitante a danos patrimoniais; ● A douta sentença sob censura, no que toca ao apuramento de responsabilidades, não violou qualquer disposição legal, tendo violado as normas dos artigos 496° e 566° e feito menos boa interpretação da norma do artigo 495° n.° 3 do Código Civil quanto à quantificação dos danos. Conclui pela improcedência dos recursos interpostos ou, caso assim se não entenda, deverá a responsabilidade das Rés ser repartida na proporção de 70% para a Ré D………. e 30% para a Ré C………. Cª de Seguros, confirmando-se a indemnização pela perda do direito à vida e reduzindo-se a compensação pelos danos morais próprios dos demandantes para a verba de € 10.000,00 para cada um deles, absolvendo-se ambas as RR. do pedido por danos patrimoniais futuros.*O Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação limitou-se a apor o seu visto.*Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.* *II - FUNDAMENTAÇÃO A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos: (transcrição) “1. No dia 19 de Novembro de 2006, cerca das 01.20 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, serviço particular, de matrícula ..-..-AU, sua propriedade, pela A29, no sentido sul/norte. 2. No mesmo sentido, à sua frente, pela via de rodagem direita, no mesmo dia e hora e pela mesma auto-estrada, G………., conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, serviço particular, de matrícula ..-..-BZ, sua propriedade, levando como passageiro o falecido H……….., m. i. a fls. 30. 3. Ambos os condutores visavam, a saída da auto-estrada, no nó de Ovar Norte, o qual se lhes deparava à vista a poucas centenas de metros. 4. Ao chegar ao Km 25,100, área da comarca de Ovar, o arguido, sem que tivesse necessidade de o fazer, pois o acesso à saída estava à vista e próximo, iniciou a ultrapassagem ao BZ sem se certificar que o poderia fazer e retomar a sua direita sem perigo de colidir com este. 5. Assim, no decurso da referida ultrapassagem veio a embater com a parte traseira lateral direita do AU na parte frontal lateral esquerda do BZ, levando a que ambos perdessem o controlo dos veículos e que o AU viesse a imobilizar-se, várias dezenas de metros à frente, em cima da guarda metálica de retenção lateral direita da via, atento o sentido de marcha, e o BZ capotado no meio da faixa de rodagem, ainda mais à frente daquele. 6. Do embate, resultaram na pessoa da vítima H………., as lesões corporais descritas e examinadas no relatório de autópsia, constante de fls. 15/20, cujo teor aqui se dá por reproduzido, as quais foram directa e necessariamente determinantes da sua morte. 7. O embate do AU no BZ deu-se na via de trânsito do lado direito, na qual o BZ circulava. 8. O local do acidente é auto-estrada, com piso betuminoso em estado regular de conservação, com traçado de recta, com faixa de rodagem medindo 7,70 metros de largura, com duas faixas de tráfego no mesmo sentido, com a berma direita, atento o sentido de marcha dos veículos, medindo 3 metros e a esquerda com 0,70 metros. 9. Não havia obstáculos na via e o trânsito era reduzido. 10. O piso estava húmido devido aos chuviscos que caíam. 11. O acidente deveu-se ao comportamento descuidado do arguido que, não obstante saber não dever fazer a ultrapassagem naquele local sem tomar as devidas precauções para não colocar em perigo os veículos e as pessoas que circulavam na via, nomeadamente no retorno à via da direita, o fez. 12. Todavia, não obstante ter esse conhecimento, não atendeu, apesar de o poder fazer, a tal dever de cuidado, alheando-se das consequências que poderiam advir da sua conduta, conformando-se com elas. 13. Sabia que praticava actos proibidos e punidos por lei. 14. Quer o arguido, quer o condutor do veículo de matrícula ..-..-BZ eram adeptos de “street racing”, participando, à data dos factos, numa corrida automóvel que se iniciara na saída Ovar/Sul da A29 e terminaria na rotunda subsequente à saída Ovar/Norte da mesma auto-estrada. 15. O malogrado H………. seguia como passageiro no ..-..-BZ, bem sabendo estar a participar numa prova de “street racing”, estando plenamente consciente dos riscos inerentes a tal actividade. 16. Os demandantes F………. e mulher E………. são pais de H………., nascido em 08 de Junho de 1979, que foi vítima mortal do acidente “sub judice.” 17. O referido H………. faleceu no estado de solteiro, sem filhos e sem ter deixado testamento ou qualquer outra disposição de última vontade. 18. A saída de Ovar/Norte encontra-se assinalada pelo menos 2000 metros antes em placa vertical de grande formato, e depois, também, por placas verticais, estavam assinaladas, sucessivamente as distâncias de 300, 200 e 100 metros a percorrer para se entrar na saída Ovar/Norte. 19. A via, no local do acidente, formava uma recta de cerca de 500 metros. 20. Era noite e os dois veículos seguiam com as luzes dianteiras e traseiras ligadas. 21. A A29 está, no local do acidente, iluminada por candeeiros da rede de iluminação pública, que tornam visível quem circulasse na via. 22. A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação em que interviesse o veículo AU tinha sido transferida pelo seu proprietário B………. para a demandada Companhia de Seguros D………., S.A., através de contrato de seguro escrito titulado pela apólice n.º AU…….., que se encontrava em vigor à data do acidente. 23. A responsabilidade civil emergente de acidentes de viação em que interviesse o veículo BZ tinha sido transferida para a C………., Companhia de Seguros, S.A., pelo seu proprietário G………. através de contrato de seguro escrito titulado pela apólice n.º ………, que se encontrava em vigor à data do acidente. 24. Como consequência directa e necessária da colisão entre os veículos AU e BZ, o passageiro do BZ, H………., filho dos demandantes, sofreu múltiplas lesões, designadamente as seguintes: hemorragia subaracnoidea occipital nas meninges; congestão e edema acentuado e hemorragia nos ventrículos laterais do encéfalo; fractura dos arcos costais à esquerda do 2.º ao 4.º anteriores à direita do 1.º e 2.º com infiltração sanguínea dos topos ósseos e tecidos moles adjacentes; laceração do lobo superior do pulmão esquerdo com extensas contusões parequimatosas. 25. As lesões traumáticas meningo-encefálicas e torácicas foram a causa directa e necessária da morte do filho dos demandantes. 26. O H………. amava a vida e vivia-a intensamente. 27. Era um jovem saudável e forte fisicamente. 28. Os demandantes tinham e têm dois filhos, o falecido H………. e I………., nascida a 16 de Novembro de 1984. 29. Os demandantes adoravam o seu filho H………., com quem tinham uma relação afectiva fortíssima e carinhosa, que o falecido H………. retribuía, tendo um grande amor a seus pais, ora demandantes, com quem tinha uma relação de muito carinho. 30. Os demandantes e os seus filhos formavam uma família feliz, vivendo os demandantes para os seus filhos, que apoiavam e acarinhavam. 31. Sempre os demandantes tiveram o apoio material, moral e afectivo do falecido H………., quando dele precisavam e sempre os demandantes deram o apoio material, moral e afectivo que o filho H………. precisava. 32. A morte do filho H………. deixou os demandantes mergulhados em dor e tristeza, sentindo-se inconsoláveis e tendo perdido a alegria de viver. 33. Os demandantes estão em luto profundo e sentem um vazio interior pela ausência do filho, que o tempo não permitiu ainda superar, continuando a comover-se até às lágrimas sempre que se lembram do filho ou sobre ele falam. 34. A demandante E………. é doméstica, não auferindo qualquer rendimento. 35. O demandante F………. é carpinteiro e exerce essa profissão na qualidade de emigrante, desde 1985, na África do Sul. 36. À data do seu falecimento, o filho dos demandantes exercia a actividade profissional por conta própria de distribuidor de tabaco, auferindo a quantia mensal de € 600,00 (seiscentos euros). 37. O demandante F………. nasceu em 28 de Julho de 1956. 38. A demandante E………. nasceu a 03 de Março de 1954. 39. O arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado de 30 de Junho de 2003, pela prática, em 04 de Janeiro de 2002, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €:3,00 (três euros). 40. As lesões traumáticas sofridas pelo malogrado H………. provocaram-lhe imediata e irreversível perda de consciência. 41. O arguido é metalúrgico, auferindo o salário mensal de € 430,00 (quatrocentos e trinta euros); vive com a mãe e uma irmã, contribuindo com a quantia mensal de € 200,00 (duzentos euros) para as despesas familiares; tem um filho, pagando a título de alimentos a quantia mensal de €:77,15 (setenta e sete euros e quinze cêntimos).*Foram considerados não provados os seguintes factos: - O H………. tenha tido consciência da gravidade das suas lesões e da iminência da morte; - O H………. tenha vivido no pânico de vir a morrer; - O H………. tenha sofrido dores horríveis; - O condutor do AU, algumas centenas de metros antes do local do acidente, em local em que as duas hemi-faixas de rodagem são divididas por uma linha longitudinal descontínua, tenha iniciado uma manobra de ultrapassagem aos veículos que circulavam na faixa da direita, nomeadamente ao BZ, utilizando para o efeito a hemi-faixa de rodagem esquerda; - Após concluir a ultrapassagem pela hemi-faixa de rodagem esquerda, o condutor do AU tenha tentado retomar, com cuidado e segurança, a hemi-faixa de rodagem da direita; - O condutor do BZ, ao aperceber-se da manobra de ultrapassagem do AU, tenha tentado impedir que esta se concretizasse e, para tanto, tenha imprimido ao seu veículo maior velocidade para dificultar/impedir a manobra de ultrapassagem do AU; - No preciso momento em que o condutor do AU estava a retomar a hemi-faixa de rodagem da direita, sem qualquer perigo de colidir com o BZ, o condutor deste último veículo tenha aumentado bruscamente a velocidade, imprimindo ao seu veículo uma velocidade superior a 150 Km/h, de modo a impedir que o veículo do arguido retomasse a hemi-faixa de rodagem direita à sua frente; - O condutor do BZ, ao aumentar bruscamente a velocidade, para impedir que o condutor do AU retomasse a hemi-faixa de rodagem da direita, não tenha dominado o BZ e tenha ido embater violentamente na traseira do AU, provocando o despiste do AU e, posteriormente, do próprio BZ, tendo em conta a velocidade e a violência com que ocorreu a colisão na traseira do AU. *O tribunal recorrido motivou a sua convicção nos seguintes termos: A fixação dos factos provados teve por base a globalidade da prova produzida, a qual foi analisada de um modo crítico, distinguindo-se, quanto às testemunhas, aquelas que tinham um conhecimento directo da factualidade, das que tinham um conhecimento indirecto, conforme passamos a relatar. Assim, foi ponderado o depoimento prestado pelas seguintes testemunhas: ● G………., condutor do veículo de matrícula ..-..-BZ, interveniente no acidente de viação e em que seguia, como passageiro, o malogrado H………., e que, por tal facto, revelou possuir um conhecimento directo e circunstanciado da dinâmica daquele. Respondeu, de forma pronta e segura, aos esclarecimentos que a sua versão dos factos foi suscitando; ● J……….., namorada do falecido H………., a qual, à data do acidente assistia, desde um terreno sobre a A 29, à corrida automobilística entre os veículos intervenientes no acidente de viação. Tal testemunha, após justificar a sua presença no local àquela hora, referiu que assistiu ao seguinte: -Num primeiro momento, avistou o veículo conduzido pela testemunha G………. na hemi-faixa de rodagem direita, seguido na mesma hemi-faixa pelo veículo tripulado pelo arguido; -Junto a uma ponte, sobre a A29, contígua ao terreno em que se encontrava, após se ter apercebido das luzes de travagem do veículo ..-..-BZ, viu o veículo do arguido a inicial a ultrapassagem ao veículo conduzido pela testemunha G………., tendo, quase de imediato, sentido o ruído e visto o clarão provocado pela colisão; -Referiu, igualmente, que a saída de Ovar Norte, em que os dois veículos pretendiam ingressar, se situa imediatamente após a ponte, local onde deixou de ver os veículos. Saliente-se que este depoimento mereceu total crédito por parte do Tribunal pela forma desinteressada e isenta como foi prestado, não se coibindo a testemunha de relatar factos desfavoráveis ao falecido namorado, e indirectamente aos demandantes, designadamente que os dois veículos participavam de uma corrida automobilística e que a falecida vítima estava consciente dos riscos que corria; ● K………., ex-mulher da testemunha G………., que acompanhando a testemunha anterior no dia dos autos prestou um depoimento em tudo idêntico ao daquela testemunha e congruente com a versão do acidente relatada pelo seu interveniente, a testemunha G……….; ● L………., militar da Guarda Nacional Republicana, subscritor do auto de notícia de fls. 3 e da participação de acidente de viação de fls. 62/66, cujo teor confirmou integralmente; ● M………., militar do Núcleo de Investigação Criminal da Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana, subscritor do relatório de fls. e segs., que elaborou, na sequência de investigação às causas do acidente; ● N………., médico do IML, que se deslocou ao local imediatamente após o acidente, subscritor da Ficha de observação médica do INEM de fls. 68 e da Ficha do Centro de Orientação de Doentes Urgentes do INEM de fls. 69, cujo teor confirmou integralmente. Referiu que, atenta a violência das lesões provocadas, o H………. não se apercebeu da sua morte iminente, tendo perdido, de imediato, a consciência; ● O………., perito médico legal, a prestar funções no Gabinete Médico-Legal de Santa Maria da Feira, subscritor do relatório de autópsia de fls. 16/21, cujo teor confirmou integralmente. Referiu que as lesões apresentadas pelo malogrado H………. são compatíveis com a morte imediata e com a ausência de qualquer sofrimento pós-embate; ● P………. e Q………., tias paternas do malogrado H………., e que, atenta a proximidade familiar e existencial quer com o falecido quer com os demandantes, demonstraram possuir um conhecimento directo e circunstanciado do modo de vida do H………. e das consequências do seu falecimento trágico na pessoa dos demandantes; ● S………. e T………., vizinhos dos demandantes, e pessoas das suas relações sociais, e que, por tal facto, revelaram possuir um conhecimento directo e circunstanciado da matéria a que foram inquiridas. Tais testemunhas depuseram de forma segura, prestando, prontamente, os esclarecimentos que a sua versão dos factos foi suscitando. Foi, também, ponderado o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente: - Auto de Notícia de fls. 3; - Certificado de óbito de fls. 7; - Relatório de Autópsia de fls. 16/21; - Participação de Acidente de Viação de fls. 62/66 (???); - Assento de Nascimento de fls. 30; - Ficha de observação médica do INEM de fls. 68; - Ficha do Centro de Orientação de Doentes Urgentes do INEM de fls. 69; - Relatório elaborado pelo Núcleo de Investigação Criminal da BT de Aveiro e respectivos fotogramas de fls. 160/180; - Assento de Nascimento de fls. 233; -“Recibos Verdes” de fls. 234/240; - Assento de nascimento de fls 241; - Assento de nascimento de fls. 242; - CRC de fls. 263/264; - Apólice de fls. 312; - Condições particulares e especiais de fls. 313/320; - Condições contratuais de fls. 321/355; - Fotograma de fls. 370. Quanto aos factos referentes à personalidade e condições pessoais do arguido, foram ponderadas as suas próprias declarações, as quais mereceram, quanto a este aspecto, total crédito por parte do Tribunal. Foi, também, ponderado o depoimento das testemunhas arroladas em sede de contestação, amigos do arguido, e que, por tal facto revelaram possuir um conhecimento directo e circunstanciado da personalidade e modo de vida daquela. Foi, por fim, ponderado o teor do Certificado de Registo Criminal de fls. 263/264. No que se refere aos factos não provados, estes resultaram da ausência de prova ou de prova convincente sobre os mesmos. Assim, a versão dos factos apresentada pela demandada D………., Companhia de Seguros, S.A, mostrou-se inverosímil, não tendo sustentação em qualquer elemento probatório credível”. * *III – O DIREITO O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes nas respectivas motivações, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar[1], sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P.[2]. No caso em apreço, não se verificando qualquer dos vícios a que aludem as alíneas b) e c) do nº 2 do artº 410º do C.P.P., as questões suscitadas pelos recorrentes reconduzem-se em saber: - se se verifica o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; - se a indemnização arbitrada aos demandantes, quer a título do dano morte do seu filho, quer por danos não patrimoniais próprios daqueles, se mostra adequada. A recorrente D……… alega que a decisão quanto ao pedido cível assenta em matéria conclusiva e insuficiente para alicerçar a sua condenação com base nos princípios da responsabilidade civil subjectiva. Sustenta que, para se extraírem as conclusões constantes dos pontos 3º e 4º da decisão recorrida – “poucas centenas de metros”, “sem que tivesse necessidade de o fazer”, “o acesso à saída estava à vista e próximo” e “sem se certificar que o poderia fazer e retomar a sua direita sem perigo de colidir com este” – seria necessário apurar a que distância concreta estava a saída do nó de Ovar/norte quando foi iniciada a ultrapassagem; a que distância estavam os veículos um do outro quando foi iniciada a manobra de ultrapassagem e a que velocidade circulavam ambos os veículos. Tais factos não apurados pelo Tribunal, constituem no entender da recorrente, factos essenciais para avaliar da conformidade da manobra de ultrapassagem com as disposições do Código da Estrada e habilitar o tribunal a proferir a decisão de direito. Vejamos: Como se refere no Ac. do STJ de 18.12.2007[3] “Os factos genéricos e conclusivos não podem sustentar uma acusação e, muito menos, uma condenação, pois impedem que o arguido exerça o direito de defesa que lhe assiste e impossibilitam o Tribunal Superior de fiscalizar o acerto da decisão”. Ora, as expressões contidas nos pontos 3º e 4º da matéria de facto provada, que aliás foram transportadas da própria acusação pública (cfr. § 3º e 4º de fls. 188), em especial as expressões “poucas centenas de metros” e “o acesso à saída estava próximo”, constituem efectivamente conceitos genéricos e conclusivos, na medida em que só seria possível extrair tais conclusões, caso da matéria de facto (e previamente, da própria acusação) constasse a concreta distância a que se encontrava a referida saída da auto-estrada, quando o arguido iniciou a manobra de ultrapassagem ao veículo BZ, bem como a velocidade (ainda que aproximada) a que circulavam ambos os veículos. Estes concretos factos constituiriam o cerne da questão para que, quer o tribunal recorrido, quer este tribunal da Relação, pudesse qualificar a conduta do arguido e censurá-la criminalmente, se fosse caso disso. Refira-se ainda que a expressão contida no ponto 4º “sem que tivesse necessidade de o fazer”, bem como a expressão utilizada na matéria de facto provada sob o ponto 11º (também ela transportada da acusação) contém matéria de direito, inadmissível nesta sede, na medida em que dizer-se “o acidente deveu-se ao comportamento descuidado do arguido”, responde directamente à questão de direito da imputação da responsabilidade do acidente em causa ao arguido, confundindo-se com ela. Trata-se, em ambos os casos, de expressões que encerram juízos de valor só possíveis de alcançar mediante o recurso a critérios de ordem jurídico-normativa aplicados a realidades factuais, juízos esses que permitem determinar, directamente, se se verificam os pressupostos de que a lei faz depender a responsabilidade do arguido pela produção do acidente e, desse modo, contêm, em si, a solução jurídica do pleito. Por isso, as indicadas expressões hão-de ter-se por não escritas, nos termos do n.º 4 do artigo 646.º, aplicável por força do artº 4º do C.P.P., impondo-se por isso que as mesmas sejam eliminadas da matéria de facto provada, passando o artº 3º a ter a seguinte redacção: “Ambos os condutores visavam a saída da auto-estrada no nó de Ovar/Norte”. Por outro lado, o artº 4º ficará com a seguinte redacção: “Ao chegar ao Km 25,100, área da comarca de Ovar, o arguido iniciou a ultrapassagem ao BZ e ao retomar a sua direita, não se certificou que o poderia fazer sem perigo de colidir com este”. Necessário se torna também alterar a redacção do artº 11º da matéria de facto provada, a qual passará a ter a seguinte redacção: “Apesar de saber que não podia fazer a ultrapassagem naquele local, sem previamente se certificar que da sua realização não colocava em perigo os restantes veículos, nomeadamente no retorno à sua direita, o arguido fê-lo”.*Atentas as conclusões que a recorrente D………. extrai da eliminação daquelas expressões que apelidou de conclusivas (e como tal foram consideradas), vejamos se a matéria de facto assim delimitada, comporta a alegada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. A alteração da decisão recorrida com os fundamentos invocados, enunciados nas alíneas do n.º2 do art. 410º do C.P.P., tem o respectivo âmbito delimitado, desde logo, pelo texto do mesmo preceito: “desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência”. A insuficiência, para a decisão de direito, da matéria de facto provada, há-de também ela resultar do texto da própria decisão recorrida, por si ou conjugado com as regras da experiência comum. Como referem Simas Santos/Leal Henriques[4], “Trata-se de uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher”. Tal verifica-se “quando a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta. Insuficiência que resulta de o tribunal não ter esgotado os seus poderes de indagação relativamente ao apuramento da matéria de facto essencial; no cumprimento do dever da descoberta da verdade material, o tribunal podia e devia ter ido mais longe; não o tendo feito, ficaram por investigar factos essenciais, cujo apuramento permitiria alcançar a solução legal e justa”[5]. Sendo certo que a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida, que é coisa bem diferente[6]. Salienta-se ainda, como decidiu o Ac. STJ de 13.05.1998[7], que “O termo decisão, utilizado no art. 410º, n.º2, al. a) do CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada – refere-se à decisão justa que devia ter sido proferida e não à decisão proferida”. O AC. STJ de 14.11.1998 acima referido coloca a questão nos termos em que se nos afigura que deve ser colocada, numa interpretação que articula sistematicamente o conceito de insuficiência não só com o poder/dever de investigar os factos submetidos a julgamento, bem como com o dever de fundamentação imposto ao tribunal, por forma a que a decisão apareça, como justa, dentro daquilo que ao tribunal era exigível que dilucidasse, em função da acusação e defesa e factos relevantes que resultem da decisão da causa, tendo como objectivo ultimo a descoberta da verdade material e a justa decisão do caso submetido à apreciação do tribunal. Ora, no caso em apreço, o tribunal apreciou todos os factos que constavam, quer da acusação, quer do pedido cível formulado pelos demandantes, quer da contestação da recorrente (já que o arguido se limitou a apresentar rol de testemunhas), considerando como não provada a versão da recorrente, designadamente o alegado nos artºs. 9º, 10º e 11º da contestação de fls. 304 e 305 – cfr. a matéria de facto não provada da sentença de fls. 586 e 587. Vejamos, porém, se a matéria de facto provada (despojada dos conceitos genéricos e conclusivos já acima assinalados) não constitui suporte suficiente para a decisão condenatória proferida, quer no que respeita à responsabilidade criminal do arguido, quer, essencialmente, relativamente à responsabilidade civil da recorrente, na medida em que para ela havia sido transferida a responsabilidade civil pela circulação do veículo conduzido por aquele. O arguido B………. foi condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. no artº 137.º nº1 do Código Penal. Em conformidade com a previsão incriminadora deste preceito “quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”. A estrutura do tipo em presença é aparentemente simples e pode linearmente sintetizar-se pela forma seguinte: o respectivo sujeito activo pode ser qualquer pessoa, tratando-se, pois, de um crime comum; a conduta típica consiste em, através do emprego de qualquer meio ou mecanismo, suprimir a vida de outrem; ainda em sede de tipo objectivo, é necessário que a morte (desvalor de resultado) seja objectivamente imputável (num critério teleológico-normativo) à conduta violadora do cuidado devido. Para que determinada conduta possa ser subsumida à materialidade objectiva do referido tipo incriminador é necessário que o agente tenha, por acção ou por omissão, realizado o resultado proibido por lei: a supressão da vida de outrem. Neste sentido e uma vez que o evento ocasionado se distingue, em termos fenomenológicos, da conduta que lhe dá causa, pode dizer-se que o crime de homicídio negligente é, do ponto de vista da actuação do agente sobre o bem jurídico protegido, um crime material ou de resultado. Tratando-se de responsabilidade negligente, o comportamento do agente haverá de configurar a violação de um dever objectivo de cuidado (cfr. art. 15.º do Cód. Penal), sendo este o elemento normativo nuclear em torno do qual se estrutura o ilícito típico em presença. O dever de cuidado é, “em termos dogmáticos, o ideal de um cânone de comportamento que a sociedade julga como o mais adequado à protecção de bens jurídico-penais”[8] e os crimes negligentes inscrevem-se, justamente em razão da imprecisão do conceito, na categoria dos chamados tipos abertos. O dever objectivo de cuidado não tem uma origem necessariamente formal, bastando a sua idoneidade, em abstracto, para, em face das concretas circunstâncias do caso, evitar o resultado proibido. Pese embora o que ficou dito, um esforço de sistematização é, todavia, possível, podendo reconduzir-se o dever objectivo de cuidado ou diligência aos usos e normas jurídicas associadas ao exercício de um certo ofício ou actividade, às normas ou regulamentos que visam prevenir perigos - como justamente sucede com as disposições do Código da Estrada - e, finalmente, aos usos e à experiência comum com vista à adopção de determinadas cautelas e cuidados a fim de evitar a produção do resultado[9]. Seja, qual for, pois, a fonte de que emane, são dois os planos em que, conforme vem sendo consensualmente entendido, se estrutura o dever objectivo de cuidado: postula por um lado, um cuidado interno, um dever de representar ou prever o perigo para o bem jurídico tutelado e de valorar correctamente esse perigo, o seu processo causal e as suas consequências, sendo certo que esse perigo só surge quando se ultrapassam os limites do risco permitido; manifesta-se, por outro lado, num cuidado externo, ou seja, num dever de adoptar uma conduta adequada a evitar esse perigo, quer omitindo acções perigosas, quer actuando prudentemente em situações que, pese embora perigosas, são toleradas pela ordem jurídica (risco permitido), quer munindo-se, aquando da adopção de uma conduta de risco, dos conhecimentos que permitam empreender essa conduta com segurança[10]. E, uma vez que o conceito de cuidado a que se refere o dever em causa é ele próprio objectivo, o padrão aferidor da diligência exigível deve procurar-se, através de um juízo ex ante, no cuidado que é requerido na vida de relação social relativamente ao comportamento em causa. O que supõe a formulação de um juízo normativo, resultante da comparação entre a conduta que devia ter adoptado um homem razoável e prudente, inserido no âmbito de actividade, munido dos conhecimentos específicos do agente e colocado na sua posição, e a conduta que este efectivamente observou[11]. Este juízo normativo é integrado por dois elementos: um elemento intelectual, segundo o qual é necessária a consideração de todas as consequências da acção que, num juízo razoável (objectivo), eram de verificação previsível (previsibilidade objectiva), e um outro, valorativo, segundo o qual só será contrária ao direito a conduta que vai além da medida socialmente adequada (risco permitido)[12]. O dever objectivo de cuidado, no caso das situações que envolvem condutas cometidas no exercício da condução, tem a sua fonte nas normas legais «positivamente estabelecidas em leis e regulamentos que disciplinam as situações de perigo mais comuns (…) que caracterizam as técnicas e as normas de cuidado que devem ser usadas na actividade correspondente para excluir os riscos que excedem a medida permitida»[13]. Como se sabe é o Código da Estrada e o seu regulamento que fixam a margem de risco permitida na condução e sobre a qual deve a ordem jurídica efectuar o juízo sobre o dever objectivo de cuidado que os condutores devem ter. O juízo sobre o dever objectivo de cuidado não é, no entanto, um juízo cego ou objectivamente fixado, mas deve em cada caso concreto ser analisado. Não é outra coisa o que refere Roxin quando diz que «o que em abstracto é perigoso pode deixar de o ser em concreto»[14]. O que se pretende sublinhar é que mesmo nos casos em que o dever objectivo de cuidado tem uma fonte normativa inequívoca pode, em concreto, verificar-se uma situação em que a conduta do agente, pese embora ter violado uma norma legal estabelecida não concorreu, em concreto para que se criasse ou aumentasse o risco permitido subjacente à norma violada, não se «concretizando in casu o perigo pressuposto pela mesma norma». Ora, no caso em apreço decorre à evidência que foi a manobra de ultrapassagem efectuada pelo arguido ao veículo BZ e a subsequente entrada na faixa direita da Auto-estrada, por onde aqueloutro circulava, sem tomar as cautelas necessárias impostas pelo artº 38º nºs 2 al. b) e 3 do Cód. da Estrada, ou seja, sem se ter certificado de que ao retomar a direita após concluir a ultrapassagem, o podia fazer sem criar perigo de colisão com os veículos que transitassem nessa via, neste caso com o veículo de matrícula BZ, que foi a causa única e adequada do acidente em apreço. O arguido efectuou a referida manobra de forma desatenta e mesmo temerária, sem se certificar, como podia e era sua obrigação, se podia retomar a faixa da direita em segurança e sem perigo para a circulação do veículo que acabava de ultrapassar, na medida em que um condutor só deverá retomar a hemi-faixa direita de rodagem desde que a distância percorrida após a conclusão daquela manobra, o permita fazer sem perigo de colisão com os veículos que nela transitem. Ou seja o perigo pressuposto na norma do artigo 38º do Código da Estrada que estabelece que o condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com o veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário, devendo especialmente certificar-se de que (nº 2 al. b) pode retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitam, foi posto em causa pela conduta do arguido. No caso, aquele dever foi efectivamente desprezado pelo comportamento do arguido na sua condução, daí tendo originado o embate no veículo BZ, onde era transportado o malogrado H………., provocando o despiste desse veículo. É assim manifesto que o comportamento do arguido violando as normas estradais referidas e o consequente dever de cuidado que se lhe impunha levou à produção do resultado conhecido, não existindo dúvidas de que foi esse seu comportamento que levou a esse resultado e não outro. A recorrente alega que ambos os condutores empreendiam uma condução perigosa, colocando em risco os próprios e os restantes utentes da via, em manifesta violação das regras estradais, sendo certo que resultou provado que eram ambos adeptos de street racing, participando, à data dos factos, numa corrida automóvel que se iniciara na saída Ovar/Sul da A29 e terminaria na rotunda subsequente à saída Ovar/Norte da mesma auto-estrada. Mais alega que era obrigação do veículo ultrapassado reduzir a velocidade a que seguia e facilitar a ultrapassagem, facto esse que não se apurou. Com efeito, a recorrente alegara na sua contestação que “o condutor do BZ, ao aperceber-se da manobra de ultrapassagem do AU, tentou impedir que a ultrapassagem do AU se concretizasse e para tanto imprimiu ao seu veículo maior velocidade para dificultar/impedir a manobra de ultrapassagem do AU; e, no preciso momento em que o condutor do AU estava a retomar a faixa de rodagem da direita, sem qualquer perigo de colidir com o BZ, o condutor do BZ aumenta bruscamente a velocidade, imprimiu ao seu veículo uma velocidade superior a 150 Km/hora, de modo a impedir que o condutor do AU retomasse a faixa da rodagem da direita à sua frente”. Contudo, a referida matéria de facto não logrou a adesão da prova, tendo o tribunal recorrido considerado não provada a versão do acidente apresentada pela ora recorrente. É certo que o “street racing” constitui uma modalidade de condução perigosa que se caracteriza por corridas de automóveis em vias públicas, em fins de semana e a horas em que o trânsito é mais reduzido, modalidade vulgarmente denominada de “picanço” ou “corrida da morte”, precisamente porque os respectivos praticantes atingem velocidades excessivas, em alguns casos superiores a 250 Km/hora. Porém, ainda que se esteja perante uma situação do género, a matéria de facto provada não permite atribuir ao condutor do BZ qualquer parcela de culpa na produção do evento danoso. Com efeito, os elementos que objectivamente delimitam a culpa são a previsibilidade e o dever de prever. No entanto, o concreto conteúdo e âmbito de tais elementos deve ser aferido, não em termos absolutos, mas sim de acordo com as regras gerais da experiência, ou de certo tipo de homem (pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso), pelo que existe dever de prever sempre que uma conduta em si, sem as necessárias cautelas e cuidados, seja adequada a produzir um evento. Como diz Eduardo Correia[15] “é um nexo de causalidade adequada que vem a fixar objectivamente os deveres de previsão, que, quando violados, podem dar lugar à negligência, ou seja, que vem dizer quando se deve prever um resultado como consequência duma conduta, em si ou na medida em que se omitem as cautelas e os cuidados adequados a evitá-lo”. Tais cuidados e cautelas tanto podem resultar, pois, de regras ou preceitos jurídicos (caso das regras de trânsito) como da adequação da conduta para produzir um resultado, desde que as regras comuns de experiência não sejam tomadas na devida conta. Assim, se segundo as regras gerais e experiência, uma conduta revela aptidão para produzir um resultado ilícito, ocorre violação do dever de diligência e, portanto, existe culpa, independentemente daquilo que pessoalmente o agente poderia prever como normal ou necessário.” Reportando-nos ao caso dos autos, cumpre destacar que um dos elementos objectivos do tipo de homicídio involuntário cujo preenchimento é altamente problemático é o da necessária imputação do desvalor do resultado (a supressão da vida), num critério teleológico – normativo à conduta objectivamente violadora do cuidado que seria devido, segundo a acusação. E isto por que no âmbito dos crimes de resultado não basta a verificação do resultado típico para que se possa considerar aquele que causou a sua verificação como autor do crime correspondente[16]. Para além disso, necessário é que a pessoa causante desse resultado possa considerar-se responsável por esse resultado, do ponto de vista jurídico - penal. Com efeito, nos termos do artº 10º, nº 1 do CP “Quando um tipo legal de crime compreenda um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo, como a omissão da acção adequada a evitá-lo...” Ou seja, para que estejam preenchidos os elementos do tipo objectivo de um crime de resultado é necessário, além do mais, que exista uma adequada relação causal entre a conduta e o resultado. Face ao normativo legal acabado de citar é hoje indiscutível a consagração legislativa em Portugal, em sede de Direito Criminal e no âmbito da imputação objectiva, da denominada teoria da causalidade, ou melhor, da chamada teoria da adequação[17]. “....para que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre um resultado e uma acção não basta que a realização concreta daquele se não possa conceber sem esta; é necessário que, em abstracto, a acção seja idónea para causar o resultado; que o resultado seja uma consequência normal típica da acção. O processo lógico deve ser o de uma prognose póstuma, ou seja de um juízo de idoneidade referido ao momento em que a acção de realiza, como se a produção do resultado se não tivesse ainda verificado, isto é, o de um juízo ex ante. Este juízo deve ser feito segundo as regras da experiência comum aplicadas às circunstâncias concretas da situação. Assim a idoneidade da acção para a produção do resultado de facto que o agente devia conhecer, mas segundo as regras da experiência normais e as circunstâncias concretas em geral, conhecidas, não se devendo porém abstrair para a sua determinação das circunstâncias que o agente efectivamente conhecia” (Maia Gonçalves, Código Penal Português, 4ª, pag. 86). Postas estas considerações e debruçando-nos sobre a posição da recorrente seguradora afigura-se-nos que ela assenta em dois pressupostos que não se verificam. Por um lado, não resultou provado que o condutor do BZ tenha aumentado a velocidade do seu veículo a fim de impedir a ultrapassagem do AU e, por outro, que a causa de um acidente de viação é a acção ou omissão normalmente idónea a produzi-la. Quanto ao primeiro aspecto, ainda que se admita que o BZ circulasse em excesso de velocidade objectivo (por muito superior aos limites fixados por lei), é sabido que não é a velocidade absoluta que se torna perigosa, mas sim velocidade relativa, pois que um automóvel pode ser absolutamente inofensivo a 120 km/h e constituir em certos casos um perigo a 20 km/h. No que respeita ao segundo, num acidente de viação não nos podemos limitar a analisar se a acção ou omissão é normalmente idónea a produzi-la, temos que ligar o facto, a actuação ao resultado (no caso a morte de uma pessoa). Por si só e em abstracto o excesso de velocidade não desencadeia necessariamente efeitos mortais, nem pode sem mais ser entendido como uma conduta negligente. Debruçando-nos sobre a factualidade dada como provada, podemos concluir que, quer em termos de improbabilidade quer de imprevisibilidade, o arguido se comportou culposamente, pois que, independentemente da velocidade a que circulava o BZ, foi o arguido que, após ter efectuado a manobra de ultrapassagem, retomou a faixa direita de rodagem por onde circulava o BZ, fazendo-o porém de forma descuidada, de tal forma que embateu com a parte traseira lateral direita do seu veículo na parte frontal lateral esquerda do BZ, levando a que ambos perdessem o controlo dos respectivos veículos e que, em consequência do despiste, o malogrado H………. viesse a sofrer as lesões que directa e necessariamente lhe provocaram a morte. Não fora a invasão da faixa direita de rodagem por parte do veículo AU conduzido pelo arguido e o embate que veio a provocar no veículo BZ, a velocidade a que este veículo circulava não era, só por si idónea a provocar o acidente que se veio a verificar. Concluindo-se pela culpa exclusiva de um dos intervenientes na ocorrência do sinistro, não há que fazer intervir as regras da responsabilidade pelo risco, como sustenta a recorrente.*Quanto ao montante indemnizatório: Na sentença recorrida fixou-se em € 50.000,00 a indemnização pela perda do direito à vida e em € 20.000,00 a indemnização devida a cada um dos demandantes pelo dano próprio sofrido com a perda do filho. Entende a recorrente D………. que este último valor é manifestamente exagerado face aos padrões de indemnização adoptado pelos tribunais superiores, devendo ser reduzido para o montante de € 10.000,00 para cada um dos demandantes. Estes últimos, porém, no recurso subordinado que interpuseram, pugnam pela fixação da indemnização em € 70.000,00 pela perda do direito à vida do seu filho e em € 30.000,00 a indemnização pelos danos morais próprios sofridos por cada um deles. Vejamos: Relativamente aos danos próprios sofridos pelos demandantes, conforme dispõe expressamente o art. 496º, n.º 3, do CC, os danos não patrimoniais sofridos por aqueles na qualidade de pais do falecido e titulares do direito à indemnização prevista no n.º 2 do mesmo preceito legal, são indemnizáveis. No caso dos autos, resultam provados danos não patrimoniais sofridos pelo pai e pela mãe do falecido merecedores da tutela do direito, dada a elevada gravidade dos mesmos - cfr. pontos 29 a 33 dos factos provados -, aliás típicos de quem vê perder um filho jovem, contra a natural sequência da vida. Relativamente à quantificação do valor dos danos em causa, face ao actual valor da moeda e custo de vida, entende o Tribunal que a compensação fixada pelo tribunal recorrido se mostra adequada ao caso concreto. De realçar que, no que respeita aos danos emergentes da sinistralidade automóvel, a Portaria 377/2008 de 26 de Maio refere no seu próprio preâmbulo que se trata de “critérios para os procedimentos de proposta razoável, em particular quanto à valorização do dano corporal. Parte significativa das soluções adoptadas nesta portaria baseia -se em estudos sobre a sinistralidade automóvel do mercado segurador e do Fundo de Garantia Automóvel e na experiência partilhada por este e pelas seguradoras representadas pela Associação Portuguesa de Seguradores, no domínio da regularização de processos de sinistros.” Finalidade esta repetida pelo preâmbulo da Portaria n.º 679/2009 de 25 de Junho que veio alterar aquela, referindo também que “Com a publicação da Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, o Governo fixou, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 39.º do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, os critérios e valores orientadores, para efeitos de apresentação aos lesados por sinistro automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal.” Na verdade, o artigo 1º da Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio descreve o seu objecto: 1 — Pela presente portaria fixam -se os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, nos termos do disposto no capítulo III do título II do Decreto -Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto. E, o nº 2 do preceito expressamente consagra que: As disposições constantes da presente portaria não afastam o direito à indemnização de outros danos, nos termos da lei, nem a fixação de valores superiores aos propostos. Como resulta da mesma Portaria, “o regime relativo aos prazos e as regras de proposta razoável, agora também aplicáveis ao dano corporal, exige o apoio de normativos específicos que evidenciem, com objectividade, a transparência e justiça do modelo no seu conjunto e sejam aptos a facilitar a tarefa de quem está obrigado a reparar o dano e sujeito a penalizações, aliás significativas, pelo incumprimento de prazos ou quando for declarada judicialmente a falta de razoabilidade na proposta indemnizatória.” A Portaria, tem pois um âmbito institucional específico de aplicação, extrajudicial, sendo que, por outro lado, e, pela natureza do diploma que é, não revoga nem derroga lei ou decreto-lei, situando-se em hierarquia inferior, pelo que o critério legal necessário e fundamental, em termos judiciais, é o definido pelo Código Civil.*De harmonia com o artigo 495º nº 1 do Código Civil: No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral. Nos termos do 496º nº 1 do Código Civil, relativamente a danos não patrimoniais: na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e, segundo o nº 3 do preceito, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artº 494º, que alude ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso justificativas. O dano morte tem carácter autónomo, é um dano próprio pela mera privação da vida, que não se confunde com o dano não patrimonial. Quanto ao dano morte, como referia o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-09-2007, in www.dgsi.pt, sabe-se que a vida é o bem mais precioso da pessoa, que ele não tem preço, porque é a medida de todos os preços, e que a sua perda arrasta consigo a eliminação de todos os outros bens de personalidade. À míngua de outro critério legal, na determinação do concernente quantum compensatório importa ter em linha de conta, por um lado, a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais. E, por outro, conforme os casos, a vontade e a alegria de viver da vítima, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia a dia, designadamente a sua situação profissional e sócio-económica. A indemnização devida pelo dano morte é transmissível, bem como, por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros descendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem – artº 496º nº 3 do Código Civil, sendo ainda indemnizáveis, por direito próprio, os danos não patrimoniais sofridos pelas pessoas referidas no preceito familiares da vítima, decorrentes, do sofrimento e desgosto essa morte lhes causou[18]. O direito à vida é o primeiro, o mais importante, dos direitos absolutos. É o bem supremo, cuja tutela é assegurada pelo art. 24º, da Constituição da República Portuguesa. E que a sua violação gera um dano susceptível de compensação, não se dúvida. A questão colocada é a de saber como fixar o quantitativo que compense a produção do dano. A regra é-nos dada pelo art. 496º, nº 3, do C. Civil: o montante da indemnização pelos danos não patrimoniais será fixado equitativamente. O direito à vida, como direito absoluto inerente à condição humana que é, deve, em abstracto, obter sempre a mesma valoração absoluta isto é, todas as vidas se equivalem. Mas esta afirmação não significa que, em cada caso concreto e, precisamente por isso, por razões de equidade, não devam nem possam ser ponderados determinados factores que estabeleçam diferenças no montante indemnizatório a fixar. Na verdade, a justiça do caso concreto pode impor a consideração de elementos relativos à idade, à saúde, à integração e desempenho social da vítima, entre outros como factores de valoração do dano (Cfr. neste sentido, Acs. do STJ de 11 de Dezembro de 2008, proc. nº 08B2935, de 27 de Setembro de 2007, proc. nº 07B2737, ambos in, http://www.dgsi.pt, e de 25 de Março de 2004, CJ, S, XII, I, 140; e em sentido contrário, Ac. do STJ de 8 de Junho de 2006, proc. nº 06A1464, in, http://www.dgsi.pt). Em todo o caso, como nota o Cons. Sousa Dinis, estamos perante parâmetros genéricos que deixam a cada juiz um âmbito de decisão suficientemente elástico para que possam em cada caso, expressar a arte de minorar a supressão do direito à vida (CJ, S, IX, I, 7). Mas, a título meramente indicativo, não deixaremos de referir algumas decisões do nosso mais Alto Tribunal: assim, o acórdão de 4 de Novembro de 2003 (CJ, S, XI, III, 133) fixou o montante devido pelo dano morte em € 40.000, os acórdãos de 8 de Junho de 2006 (já identificado), de 24 de Outubro de 2006 (proc. nº 06A3021, in, http://www.dgsi.pt), 18 de Dezembro de 2007 (proc. nº 07B3715, in, http://www.dgsi.pt), e de 23 de Abril de 2008 (proc. nº 08P303, http://www.dgsi.pt), fixaram aquele montante em € 50.000, e os acórdãos de 30 de Outubro de 2008 (proc. nº 08B2989, in, http://www.dgsi.pt) e de 11 de Dezembro de 2008 (já identificado) fixaram o mesmo montante em € 60.000. Sendo a vítima um homem jovem, com apenas 27 anos de idade, saudável, amava a vida e vivia-a intensamente, exercia uma actividade profissional por conta própria, auferindo um rendimento mensal de € 600,00, era muito próximo dos seus progenitores, dúvidas não restam de que tinha diante de si um futuro longo, sobejando-lhe motivos para encarar de forma alegre e positiva o caminho a percorrer, que foi abruptamente interrompido pelo acidente de que o arguido e segurado da demandada é o único responsável. Por isso mesmo entendemos que o montante de € 60.000,00 para compensação do dano morte se mostra mais adequado, atenta a ponderação global daqueles factores, à realização da justiça do caso concreto.*Mantendo-se inalterada a decisão recorrida quanto à responsabilidade exclusiva do arguido na produção do evento, fica prejudicado o conhecimento do recurso interposto pela demandada C………. Companhia de Seguros, SA.*IV – DECISÃO: Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em: - negar provimento ao recurso interposto pela demandada D………. Companhia de Seguros, SA.; - conceder parcial provimento ao recurso interposto pelos demandantes F………. e mulher E………., alterando para € 60.000,00 (sessenta mil euros) a indemnização devida pela perda do direito à vida do seu filho, mantendo-se no mais inalterada a decisão recorrida; - não conhecer do recurso interposto pela demandada C………. Companhia de Seguros, SA.*Custas do pedido cível por demandantes e demandada D………., na proporção de 1/6 para aqueles e de 5/6 para esta.* Porto, 16 de Dezembro de 2009 (Elaborado e revisto pela 1º signatária) Eduarda Maria de Pinto e Lobo Lígia Ferreira Sarmento Figueiredo _________________________ [1] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, "Curso de Processo Penal" III, 2ª ed., pág. 335 e jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada). [2] Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95. [3] Relatado pelo ilustre Cons. Santos Carvalho, disponível em www.dgsi.pt, com o nº convencional SJ20071018031585 [4] In Recursos em processo Penal, 7ª edª, 2008, pág. 72. [5] Cfr., Ac. do STJ de 14.11.1998, Proc. nº 588/98, citado por Simas Santos /Leal Henriques, Recursos, cit., p. 74, bem como outros citados no mesmo local e no CPP Anotado dos mesmos autores, 2ª ed., 2º vol., p. 743 a 760. [6] Cfr., entre outros, citados pelos mencionados autores, Ac. STJ de 13.02.1991, in AJ n.ºs 15/16, p. 7. [7] Publicado em CJAcs.STJ, Tomo II, 1998, pág. 199. [8] V. Faria Costa “O Perigo em Direito Penal”, Coimbra Editora, pág. 478. [9] Cfr. Eduardo Correia, “Direito Criminal”, Vol. I, 1971, págs. 425 e ss. [10] V., por todos, Jescheck, “Tratado de Derecho Penal”, pág. 525. [11] V., neste sentido, Ac. R. Évora de 04.02.1992, CJ, Tomo I, pág. 291. [12] Cfr. Muñoz Conde, Teoria General del Delito, 1984, pág. 68. [13] Cfr. António Latas, in “Descrição e Prova dos Factos nos crimes por negligência. Questões de ordem geral”, Revista do CEJ, nº 11, Setembro de 2009, pág. 58. [14] Apud António Latas, in ob. cit. pág. 58. [15] In Direito Criminal, Vol. I, págs. 424 e ss. [16] Cfr. JescheK, Tratdo de Derecho Penal, pags. 249 e250; Olayo Eduardo González Soler, “Homicídio y lesiones imprudentes de trabajo, La Imprudencia”, Consejo general Del Poder judicial, 1993, págs. 109,110, 224. [17] No sentido de que a teoria da adequação é já uma teoria de imputação objectiva e não uma teoria de causalidade oposta à teoria da “conditio sine qua non”, Jesheck Tratado de Derecho Penal, parte General. Comares, 4ª, pags. 256/257, Jakobs, Derecho Penal, parte General, Marcial Pons, 1995, pags. 238 segs.. No mesmos sentido, mas agora no âmbito do Direito Civil, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, pag. 860, nota 1. [18] V. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 7ª ed., pág. 604 e segs.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed. pág. 500; Pereira Coelho, Direito das Sucessões, e Ac. do S.T.J. de 17/03/1971, B.M.J. 205, pág. 150; Leite Campos, A indemnização do dano da morte, Boletim da Faculdade de Direito, vol. 50, pág. 247 Galvão Telles, Direito das Sucessões, págs. 88 e segs.