I - Mostra-se equilibrada a fixação da quantia de € 50.000,00 para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, que tinha à data 16 anos de idade, perante um quadro fáctico revelador de que: sofreu, entre outras lesões de menor gravidade, traumatismo crânio-encefálico grave com contusão temporal direita, de que resultou estado de coma pelo período de 9 dias e iminente perigo de vida; foi sujeito a vários internamentos hospitalares, a três intervenções cirúrgicas e a prolongados e dolorosos tratamentos de fisioterapia; sofreu um quantum doloris físico e psíquico de grau elevado; ficou com sequelas, incluindo uma IPP de 35%, que afectam, em grau significativo, a sua capacidade de trabalho, a sua qualidade de vida, a sua personalidade, a sua juventude e a sua auto-estima e afirmação social. II - Tem-se por equilibrada a quantia de € 93.000,00 para indemnizar o dano patrimonial inerente à perda da capacidade de ganho, em que o lesado tinha 16 anos, ficou afectado com uma incapacidade permanente geral de 35% e auferia à data do acidente a retribuição mensal de € 573,01 x 12 meses, tendo ainda em conta, como referenciais da dimensão desse dano, o limite da capacidade de trabalho nos 70 anos, a taxa de capitalização de 3% e o coeficiente de actualização salarial de 2%.
Proc. n.º 6995/05.0TBVFR.P1 Recurso de Apelação Distribuído em 11-09-2009 Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto. I – RELATÓRIO 1. B………., residente em ………., Santa Maria da Feira, instaurou, no Tribunal Judicial da comarca de Santa Maria da Feira, acção declarativa de condenação, destinada a exigir a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, com processo comum ordinário, contra a COMPANHIA DE SEGUROS C………., S.A., com sede na ………., em Lisboa. Pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 402.125,78, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que diz ter sofrido em consequência de acidente de viação ocorrido em 09-02-2002, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação da ré. Justifica a demanda da ré alegando, em síntese, que seguia como passageiro no ciclomotor com a matrícula 2-OAZ-..-.., propriedade de D………. e por este conduzido, quando foi embatido pelo veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-..-TE, pertencente à sociedade E………., Lda, e conduzido por F………. por conta e sob a direcção daquela sociedade, que, ao executar uma manobra de viragem à esquerda, invadiu a hemifaixa de rodagem contrária, por onde circulava o ciclomotor, embatendo-o e derrubando-o; estando a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com o veículo ..-..-TE transferida para a ré, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 02-………. . A ré contestou a acção, aceitando a culpa do condutor do veículo do seu segurado e declarando que já tinha efectuado diversos pagamentos ao autor, a entidades hospitalares e outros, relacionadas com este acidente, e apenas impugnou, por desconhecimento, alguns dos factos relativos aos danos sofridos pelo autor. Realizada a audiência de julgamento e decidia a matéria de facto controvertida, nos termos do despacho a fls. 364-372, foi proferida sentença, a fls. 374-401, que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 147.607.59, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. 2. Desta sentença apelou a ré e, subordinadamente, também o autor. Tanto a ré como o autor limitaram o objecto dos seus recursos aos montantes indemnizatórios fixados por danos não patrimoniais e danos patrimoniais futuros, os quais consideraram, a ré, excessivos, e o autor, insuficientes, tendo a ré também discordado do montante fixado a título de salários perdidos. Deste modo, a ré rematou as suas alegações, a fls. 409-418, com a formulação das conclusões seguintes (as quais, por não observarem a forma sintética exigida pelo art. 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, se resumem nesta súmula): 1.º - A douta sentença recorrida condenou a Apelante a pagar ao Apelado, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais, a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros). 2.º - Ora, a Recorrente entende que, dados os factos provados, o montante arbitrado na sentença recorrida excede o dano que efectivamente se pretende ressarcir. 3.º - Considerando que o Apelado não foi afectado em termos de autonomia e independência, na medida em que continua a poder exercer sua actividade profissional habitual; que a principal sequela do acidente baseia-se numa «limitação moderada da mobilidade do joelho esquerdo», que, verdadeiramente, não afecta a marcha do apelado, que se faz de forma normal, sem apoio nem claudicação; e que o dano vida – bem supremo – é indemnizável em quantia que ronda os € 50.000,00; entende a Apelante que, atendendo aos padrões adoptados pela jurisprudência, a compensação fixada na sentença, a título de dano não patrimonial, deve ser reduzida para € 25.000,00. 4.º - De acordo com a matéria de facto provada, o Apelado ficou a padecer de uma Incapacidade Permanente Parcial para o trabalho de 30%, à qual acresce mais 5%, a título de dano futuro, conforme referido pelo relatório do IML. 5.º - Dúvidas não restaram de que o Apelado pode exercer a sua actividade profissional, se bem que tal implique, na prática, a realização de esforços suplementares decorrentes de uma redução de cerca de 30% da sua capacidade profissional. 6.º - Entende a ora Apelante que a contabilização, em geral, da justa indemnização do dano futuro, porque orientada por parcelas objectivas (idade + salário + grau de incapacidade), deverá ser norteada por critérios também eles objectivos, em si mesmos, matematicamente comprováveis. 7.º - De referir também que a indemnização atribuída pela sentença em recurso terá necessariamente de ser reduzida, porquanto o Meritíssimo Juiz a quo na atribuição desta teve por base os valores da retribuição mensal acrescido ainda dos valores atribuídos a título de bónus de assiduidade e repartição de gorjetas. As quais, por não terem carácter fixo, nem estável, não podem ser englobados na remuneração auferida pelo Apelado, a fim de determinar uma remuneração global a partir da qual se calcula a indemnização. Ou seja, não podia o Tribunal a quo partir do pressuposto de que o Apelado auferia a quantia mensal de 515,01€. 8.º - Assim sendo, in casu, partindo do tempo de vida útil do Apelado – 49 anos de vida activa (16 anos à data do acidente e trabalhando até aos 65 anos de idade) – do grau de incapacidade para o trabalho de 35% e ainda do salário mensal dado como provado (€ 365,01), é curial a aplicação de um coeficiente determinado, com recurso a uma tabela financeira de capitalização, tendo por base a taxa de juro de 3%. 9.º - Partindo destes dados objectivos e com recurso às regras supra explanadas, chegamos ao valor de € 45.610,96. Ao qual, deverá ser deduzida a óbvia vantagem de dispor imediatamente e na globalidade daquela verba. Podendo, atento o supra exposto, atribuir-se equitativamente um montante pela perda do bónus de assiduidade e das gorjetas. 10.º - Assim, ponderado o valor de € 45.610,96 obtido, deduzido do valor correspondente à vantagem de dispor da globalidade daquele valor no imediato e ajuizando equitativamente os bónus de assiduidade e gorjetas, sempre com o devido respeito por opinião contrária, temos que o valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) indemnizará integralmente o dano futuro que o Apelado padece. 11.º - Ainda que se entenda que não assiste qualquer razão à ora Apelante quanto ao supra alegado carácter variável e instável do bónus de assiduidade e das gorjetas e, nessa medida se entenda por bem que tais valores podem e devem ser englobados na retribuição auferida pelo Apelado, o que apenas se concebe por mera hipótese de raciocínio, o valor arbitrado de € 85.000,00 ainda peca por excesso. 12.º - Atenta a matéria de facto dada como provada nos autos, entende a ora Recorrente que o valor indemnizatório a fixar a este título (indemnização pela IPP) não deverá nunca ser superior a € 70.000,00 (setenta mil euros). 13.º - Do mesmo modo e considerando que os bónus de assiduidade e gorjetas não têm carácter fixo, nem estável, não deveria o Tribunal a quo tê-los incluído na determinação da indemnização devida a título de salários perdidos. 14.º - Atenta a matéria de facto dada como provada nos autos, entende a Recorrente, sempre com o devido respeito por opinião contrária, que o valor indemnizatório a fixar a este título não deverá nunca ser superior a € 13.000,02 (treze mil euros e dois cêntimos), sendo (€365,01 x 2) + (€480,00 x 14) + (€550,00 x 10). Por sua vez, o autor concluiu as suas alegações, a fls. 435-452, na parte resepitante ao recurso subordinado, nos seguintes termos: 1.º - Os montantes indemnizatórios fixados pelo Meritíssimo Juiz a quo estão desvalorizados, face à gravidade dos danos, quer patrimoniais, quer não patrimoniais sofridos pelo Apelado. Por isso, devem ser aumentados, e não reduzidos. 2.º - O montante de € 50.000,00 é manifestamente insuficiente para compensar o Apelado do mal que sofreu, sofre e continuará a sofrer até ao último dia da sua vida. 3.º - A indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada em 75.000,00 €, montante que se reputa justo e razoável face à gravidade dos danos sofridos. Só esse montante se reputa suficiente para concretizar o carácter compensatório para o Apelado e punitivo, de reprovação ou castigo da conduta do lesante, atento a inexistência de culpa do lesado. 4.º - O Apelado não concorda com os critérios usados pelo Meritíssimo Juiz a quo na forma de cálculo da indemnização por danos futuros. 5.º - O Meritíssimo Juiz a quo deveria ter tido em conta,não o salário que o Apelado auferia à data do sinistro, mas o salário médio que auferirá ao longo da sua vida. É certo e seguro que no final da sua vida o Apelado não vai auferir os mesmos € 65,01, acrescido de € 150,00 como prémio de assiduidade e repartição de gorjetas, que auferia na data do sinistro. É certo e seguro que o salário do Apelado iria evoluir e ser sucessivamente aumentado, pelo menos de acordo com as sucessivas taxas de inflação. 6.º - Não se concebe que o Meritíssimo Juiz a quo para efeitos de determinação da indemnização por perda de salário tenha tido em conta a evolução salarial que o Apelado teria tido na sua entidade patronal desde a data do sinistro até Janeiro de 2005 (factos 53 e 54 da sentença), e não tenha tido o mesmo critério na determinação da indemnização por danos futuros. 7.º - Aceitando-se que o Apelado não manteria sempre essa evolução salarial, pois estava a iniciar a sua actividade, e que a partir do terceiro ano de actividade teria uma evolução normal, pelo menos próxima da taxa de inflação, é justo e equitativo ficcionar o salário médio que o Apelado iria auferir ao longo da sua vida em € 1.500,00. Sendo desta base que deverá partir qualquer operação de cálculo na determinação da indemnização por danos futuros. 8.º - O Meritíssimo Juiz a quo errou ao deduzir 1/3 ao montante apurado no cálculo efectuado, relativo a gastos pessoais que o Apelado irá ter ao longo da sua vida. Esta dedução só se justifica em caso de morte da vítima, em que estas despesas deixarão de existir com o seu decesso, o que não acontece no caso em que a vitima sobrevive, pois neste caso continuará a ter que suportar essas despesas com os seus rendimentos. 9.º - No cálculo da indemnização deve ter-se em conta a idade de 76 anos, idade actual da esperança de vida dos homens, não os 70 anos considerados na sentença recorrida, conforme dados fornecidos pelo INE em 2008 (v. Ac. do STJ de 03-03-2009, em www.dgsi.pt). 10.º - Partindo da operação de cálculo seguida na sentença recorrida, que não se põe em causa, antes se aceita, mas seguindo os critérios referidos supra nas conclusões 8.ª, 10.ª, 11.ª, 12.ª, 14.ª, 15.ª e 16.ª, chegaríamos ao valor de € 275.625,00, conforme os cálculos supra efectuadas, que aqui se reproduzem. 11.º - Sopesado este valor aritmético com um juízo de equidade, para se obter uma justa indemnização e tendo em conta a idade do Apelado; o facto de ter perdido o seu emprego e ter ficado desempregado e sem auferir qualquer retribuição (facto provado 56, 57 e 58 da sentença); que se inscreveu no Centro de Emprego, com vista à obtenção de emprego (facto 59); que nos últimos meses, na ânsia de arranjar emprego, o Apelado iniciou funções em três empresas, uma no ramo da cortiça, outra do calçado e outra de serralharia, tendo todas elas prescindido dos seus serviços (facto 60); é justa, razoável e sensato o montante de € 300.000,00 peticionado na p.i. 12.º - Pelo exposto e ressalvando sempre opinião mais avalizada, afigura-se-nos que o Tribunal a quo não aplicou de forma ponderada o disposto nos artigos 494.º, 496.º, n.º 3, 562.º, 563.º, 564.º, n.º 2, e 566.º, n.ºs 2 e 3, todos do Cód. Civil. Apenas o autor respondeu às alegações da ré, concluindo pela improcedência deste recurso. 3. À tramitação e julgamento destes recursos é ainda aplicável o regime processual anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008. E por força do disposto no n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, o regime introduzido por este diploma legal não se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2008 (art. 12.º do mesmo decreto-lei). De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o apelante extrai das suas alegações, desde que reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, in fine, do CPC). Pelo que, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (art. 660.º, n.º 2, do CPC). Com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, a que alude o n.º 2 do art. 660.º do Código de Processo Civil, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, por muito respeitáveis que sejam, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como flui do disposto no art. 664.º do Código de Processo Civil (cfr., entre outros, ANTUNES VARELA, em Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688; Ac. do TC n.º 371/2008, em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/; acs. do STJ de 11-10-2001 e 10-04-2008 em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 01A2507 e 08B877; e ac. desta Relação de 15-12-2005, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 0535648). Assim, tendo em conta os princípios antes enunciados e o teor das conclusões formuladas pelos apelantes, sobressai desde logo que os dois recursos visam, apenas, a decisão de direito, na parte que se refere à fixação do valor indemnizatório por danos não patrimoniais e patrimoniais futuros inerentes à perda da capacidade de ganho de que o autor ficou afectado, sendo nesta parte comuns aos dois recursos as questões suscitadas, ainda que equacionadas segundo perspectivas diferentes e visando alcançar resultados opostos. De modo que as questões contidas no objecto dos dois recursos, que se impõe apreciar e resolver, podem sintetizar-se no seguinte: 1) reapreciação do montante fixado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor; 2) reapreciação do montante fixado a título de indemnização por danos patrimoniais futuros inerentes à perda da capacidade de ganho e traduzida na IPP de que o autor ficou afectado; 3) reapreciação do montante fixado a título de indemnização pela perda dos salários que o autor deixou de receber. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – FACTOS PROVADOS 4. Na primeira instância foram julgados provados os factos seguintes: 1) No dia 9 de Outubro de 2002, pelas 19h20m, na Rua ………., junto ao n.º de polícia …, freguesia de ………., desta comarca, ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes: o veículo ligeiro de mercadorias de matricula ..-..-TE, propriedade de “E………., Lda.”, com sede na Rua ………., n.º .., freguesia de ………., desta comarca, e conduzido por F………., por conta e sob a fiscalização daquela; e o ciclomotor de matrícula 2-0AZ-..-.., propriedade de D………. e conduzido por este [al. A) dos factos assentes]. 2) O Autor seguia como passageiro no ciclomotor 2-0AZ-..-.. [al. B) dos factos assentes]. 3) O sinistro ocorreu numa recta com boa visibilidade e onde existe iluminação pública, encontrando-se o piso seco e em bom estado [al. C) dos factos assentes]. 4) O veículo ..-..-TE seguia no sentido norte/sul e o ciclomotor 2-0AZ-..-.. em sentido contrário [al. D) dos factos assentes]. 5) O embate entre os dois veículos ocorreu a meio da hemifaixa de rodagem por onde circulava o ciclomotor 2-0AZ-..-.. [al. E) dos factos assentes]. 6) Tudo porque o veículo ..-..-TE, ao pretender efectuar uma manobra de viragem à esquerda, fê-lo sem se certificar que dessa sua manobra não resultava perigo ou embaraço para o restante tráfego, invadindo de forma inopinada a hemifaixa contrária, por onde circulava o ciclomotor 2-0AZ-..-.., provocando dessa forma o embate entre os dois veículos [al. F) dos factos assentes]. 7) A data do sinistro, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ..-..-TE encontrava-se transferida, pela sua proprietária, para a Ré, através de contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 02/……….. [al. G) dos factos assentes]. 8) A Ré custeou todas as despesas dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que o Autor foi submetido, em consequência do sinistro [al. H) dos factos assentes]. 9) Desde 2 de Novembro de 2002 até 24 de Abril de 2003, o Autor foi acompanhado nos Serviços Clínicos da Ré, onde efectuou aturados tratamentos de fisioterapia [al. I) dos factos assentes]. 10) O Autor foi submetido nos Serviços Clínicos da Ré a uma cirurgia para extracção de material de síntese do fémur, que o obrigou a internamento de cerca de oito dias [al. J) dos factos assentes]. 11) A partir de Dezembro de 2003, o Autor foi novamente entregue aos cuidados dos serviços clínicos da Ré, tendo alta definitiva desses serviços em 12 de Outubro de 2004 [al. L) dos factos assentes]. 12) O Autor nasceu em 3 de Fevereiro de 1986 [al. M) dos factos assentes]. 13) Ao longo do período de baixa médica do Autor, a Ré foi-lhe adiantando diversos montantes a título de perdas salariais [al. N) dos factos assentes]. 14) Em consequência das lesões sofridas, o Autor, logo após o sinistro, foi assistido no Serviço de Urgência do Hospital de ………., nesta cidade [resp. ao n.º 1 da b.i.]. 15) E, atenta a gravidade das mesmas, foi transferido para o Hospital de ………., no Porto, onde entrou em estado de coma [resp. ao n.º 2 da b.i.]. 16) Esteve aí internado nos Cuidados Intensivos, onde permaneceu em coma e ligado a um ventilador até 18 de Outubro de 2002 [resp. ao n.º 3 da b.i.]. 17) Tudo pelo facto de ter sofrido um traumatismo crânio encefálico grave, com contusão temporal direita [resp. ao n.º 4 da b.i.]. 18) Foi-lhe ainda diagnosticada uma fractura exposta do fémur esquerdo e uma fractura do 2.º metatarso direito [resp. ao n.º 7 da b.i.]. 19) O Autor foi sujeito a intervenção cirúrgica, para encavilhamento endomedular do fémur esquerdo, com vareta endomedular bloqueada [resp. ao n.º 8 da b.i.]. 20) E foi-lhe efectuada imobilização gessada do membro inferior direito, durante um tempo concretamente não apurado [resp. ao n.º 9 da b.i.]. 21) O Autor esteve imobilizado no leito [resp. ao n.º 10 da b.i.]. 22) Em 30 de Outubro de 2002, o Autor regressou ao Hospital de ………., tendo sido internado no Serviço de Ortopedia, tendo alta em 2 de Novembro de 2002 [resp. ao n.º 11 da b.i.]. 23) A partir de 2 de Novembro de 2002 passou, então, a ser seguido na consulta Externa de Ortopedia do Hospital de ………. até 8/01/2003 [resp. ao n.º 12 da b.i.]. 24) A cirurgia aludida em 10) ocorreu em Junho de 2003 [resp. ao n.º 13 da b.i.]. 25) Em consulta externa de ortopedia do Hospital de ………., foi diagnosticada ao Autor lesão do nervo ciático popliteo externo esquerdo, que se traduz por alterações de sensibilidade e défice de extensão do pé [resp. ao n.º 14 da b.i.]. 26) Em 21 de Dezembro de 2003, o Autor deu entrada no serviço de urgência do Hospital de ………., por apresentar cefaleias, febre e rigidez na nuca, devido a meningite bacteriana, tendo aí ficado internado para tratamento antibiótico até 31 de Dezembro de 2003 [resp. ao n.º 15 da b.i.]. 27) Em 20 de Dezembro de 2003, fez TAC cerebral, que revelou "área de atrofia temporal direita, traduzindo sequelas de contusão cerebral e provável fissura de líquido cefaloraquidiano, envolvendo o rochedo direito" [resp. ao n.º 16 da b.i.]. 28) Em 31 de Dezembro de 2003 teve alta do Hospital de ………. [resp. ao n.º 17 da b.i.]. 29) Em Março de 2004, nos serviços clínicos da Ré, o Autor foi submetido a uma neurocirurgia para encerramento de fístula de liquor [resp. ao n.º 18 da b.i.]. 30) Durante todo este tempo, cerca de 24 meses, o Autor foi submetido a três intervenções cirúrgicas e submetido a prolongados e dolorosos tratamentos de fisioterapia [resp. ao n.º 19 da b.i.]. 31) Período durante o qual o Autor sofreu fortes dores físicas e psíquicas, quer após o sinistro, quer durante os tratamentos e as diversas intervenções cirúrgicas a que foi sujeito [resp. ao n.º 20 da b.i.]. 32) O Autor correu sério risco de vida, o que lhe causou forte ansiedade e desespero [resp. ao n.º 21 da b.i.]. 33) Dores e incómodos esses que se manterão ao longo da sua vida, nomeadamente, sempre que fizer um esforço mais acentuado e nas mudanças de tempo [resp. ao n.º 22 da b.i.]. 34) O Autor sofreu e sofre ainda frequentemente fortes crises nervosas e cefaleias generalizadas, que o atormentarão pela vida fora [resp. ao n.º 23 da b.i.]. 35) Em consequência das lesões sofridas no sinistro, o Autor padece das seguintes sequelas: cefaleias frequentes e alterações de comportamento e perturbação do controle emocional; dificuldades de concentração, fatigabilidade intelectual, modificações de humor e perturbações do sono; dor ocasional na coxa direita, sobretudo com as mudanças climatéricas; parestesia no dorso do pé direito, com diminuição da força de dorsiflexão do mesmo, o que limita a sua actividade ocasional, sobretudo em esforço, salto e corrida; gonalgia ocasional, sensação de instabilidade (falha do joelho) à esquerda [resp. ao n.º 24 da b.i.]. 36) Como consequência do sinistro, o Autor apresenta ainda: cicatrizes na região naguedeira, com coloide (cirurgia) e na face lateral da coxa esquerda, com cerca de 3x10 cm; atrofia da coxa direita de 1 cm; défice de extensão do halux e diminuição de dorsiflexão do pé à esquerda (força muscular grau IV); instabilidade postero-externa do joelho esquerdo, traduzida por gaveta posterior e postero-externa de +, dura, assim como pela rotação externa do pé a 30º aumentada [resp. ao n.º 25 da b.i.]. 37) A nível laboral as sequelas do Autor são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares [resp. ao n.º 26 da b.i.]. 38) O exercício contínuo de esforços físicos causa-lhe fortes dores, o inchaço da perna esquerda e do pé direito e, ainda, cefaleias generalizadas [resp. ao n.º 27 da b.i.]. 39) Não é capaz de lidar com trabalhos que impliquem organizações e método e que exijam coordenação psicomotora [resp. ao n.º 29 da b.i.]. 40) Todas estas sequelas do sinistro são permanentes, tendendo a agravar-se com a idade [resp. ao n.º 30 da b.i.]. 41) Em consequência destas sequelas, o Autor padece de uma incapacidade permanente geral de 30%, a qual com elevada probabilidade aumentará em 5% face ao agravamento daquelas [resp. ao n.º 31 da b.i.]. 42) À data do sinistro, o Autor era trabalhador, saudável, alegre, robusto, dinâmico e com prazer pela vida [resp. ao n.º 32 da b.i.]. 43) Tinha um emprego estável e acreditava no futuro [resp. ao n.º 33 da b.i.]. 44) Com o sinistro perdeu de forma irreversível o emprego que na altura possuía [resp. ao n.º 34 da b.i.]. 45) Passou, desde então, a ser um jovem triste, amargurado e introvertido, sem quaisquer perspectivas de futuro [resp. ao n.º 35 da b.i.]. 46) Vive isolado e desgostoso, consciente que é da sua elevada incapacidade e de socialmente ser visto como um incapacitado [resp. ao n.º 36 da b.i.]. 47) Perdeu mesmo o gosto de viver e desdenha do seu futuro [resp. ao n.º 37 da b.i.]. 48) Sente-se inferiorizado [resp. ao n.º 38 da b.i.]. 49) Não mais frequentou a praia, de que muito gostava [resp. ao n.º 39 da b.i.]. 50) E deixou de praticar os seus desportos favoritos: futebol de salão e ténis [resp. ao n.º 40 da b.i.]. 51) À data do sinistro, o Autor trabalhava para a firma “G………., Lda.”, auferindo o salário mensal de € 365,01, correspondendo € 348,01 ao salário base e € 17,00 ao subsidio de alimentação [resp. ao n.º 41 da b.i.]. 52) Auferindo ainda em média, por mês, mais € 150,00, a título de bónus de assiduidade e repartição de gorjetas [resp. ao n.º 42 da b.i.]. 53) Não fora o sinistro e tendo em conta a evolução dos salários praticados na empresa nos últimos três anos, o Autor teria em Janeiro de 2003 subido de categoria, para desmontador de pneus [resp. ao n.º 44 da b.i.]. 54) O seu salário poderia aumentar em Janeiro de 2003 para € 480,00, em Janeiro de 2004 para € 555,00, e em Janeiro de 2005 para € 655,00, tudo acrescido do subsídio de alimentação de € 17,00 [resp. ao n.º 45 da b.i.]. 55) Em consequência do sinistro o Autor poderá exercer as funções para as quais foi contratado pela “G……….”, mas com esforço suplementar [resp. ao n.º 46 da b.i.]. 56) Após a alta que lhe foi concedida em Outubro de 2004 pela Ré, o Autor retomou o seu posto de trabalho na “G……….” [resp. ao n.º 47 da b.i.]. 57) As funções do Autor consistiam em desmontar pneus nos veículos, aplicar pneus novos e proceder à respectiva calibragem [resp. ao n.º 48 da b.i.]. 58) Em virtude da sua entidade patronal, em 20 de Outubro de 2004, lhe ter comunicado a caducidade do seu contrato de trabalho, o Autor ficou desempregado e sem auferir qualquer rendimento [resp. ao n.º 51 da b.i.]. 59) Tendo-se inscrito no Centro de Emprego de ………., com vista à obtenção de novo emprego [resp. ao n.º 52 da b.i.]. 60) Nos últimos meses, na ânsia de arranjar emprego, o Autor iniciou funções em três empresas, uma no ramo da cortiça, outra no ramo do calçado e outra numa serralharia, tendo todas elas prescindido dos serviços do Autor [resp. ao n.º 54 da b.i.]. 61) O Autor começou a trabalhar logo que fez 16 anos de idade [resp. ao n.º 56 da b.i.]. 62) O Autor deixou de receber salários [resp. ao n.º 58 da b.i.]. 63) O internamento e a medicação que foi ministrada ao Autor em consequência do sinistro contribuíram para que o mesmo sofresse um processo de cárie rompante, levando a uma rápida degradação pulpar [resp. ao n.º 61 da b.i.]. 64) Razão pela qual teve de receber inúmeros tratamentos de estomatologia, com os quais gastou € 200,00, ainda por reembolsar [resp. ao n.º 62 da b.i.]. 65) O Autor teve, ainda, outras despesas médicas não reembolsadas pela Ré, referentes a consultas médicas, no montante de €256,75 [resp. ao n.º 63 da b.i.]. 66) Os óculos do Autor ficaram completamente danificados no sinistro, tendo o Autor de adquirir outros equivalentes e de se submeter a duas consultas de oftalmologia, com o que despendeu € 310,00 [resp. ao n.º 64 da b.i.]. 67) A Ré efectuou diversos pagamentos ao Autor, a entidades hospitalares e outros, todos relacionados com o acidente em discussão nos autos, que ascendem ao montante de € 32.341,83 [resp. ao n.º 65 da b.i.]. 68) A título de perdas salariais, a Ré adiantou ao Autor a quantia de € 5.380,00 [resp. ao n.º 66 da b.i.]. Estes factos não foram impugnados por nenhuma das partes, pelo que se têm por definitivamente fixados, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 684.º, n.ºs 2, 3 e 4, 690.º-A, n.º 1, e 712.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil. III – AS QUESTÕES DO RECURSO 5. A regra que se convenciona no n.º 1 do art. 710.º do Código de Processo Civil é que o julgamento dos recursos deve ser feito pela ordem da sua interposição. Sucede que esta regra tem carácter meramente indicativo, não obstando a que, por razões de lógica processual, de conexão ou interdependência entre as diversas questões expostas nos diferentes recursos, se justifique alteração naquela ordem, apreciando-se em primeiro lugar as questões cuja decisão possa vir a influenciar ou mesmo inutilizar o conhecimento de outras, como prevê o art. 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Acresce que, no caso dos presentes recursos interpostos por autor e ré, duas das questões suscitadas são comuns aos dois recursos, ainda que equacionadas segundo perspectivas diferentes e visando alcançar resultados opostos, como já ficou dito supra a propósito das questões relativas à fixação do valor indemnizatório por danos não patrimoniais e patrimoniais futuros inerentes à perda da capacidade de ganho de que o autor ficou afectado. Justificando-se, por isso, a sua apreciação em conjunto quanto às duas referidas questões. 6. Começando pela indemnização devida pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, que o tribunal de 1.ª instância fixou em € 50.000,00, a ré entende que este montante excede a dimensão do dano que efectivamente se pretende ressarcir e pretende a sua redução para € 25.000,00, ou seja para metade; e o autor entende que o montante fixado não é suficiente para o compensar de todo o sofrimento a que foi sujeito e das sequelas de que ficou a padecer, e pretende que seja aumentado para € 75.000,00. A ré justifica a redução daquele montante indemnizatório na base destes dois argumentos: 1) que € 50.000,00 é a quantia que a jurisprudência tem vindo a fixar para compensar o dano pela perda da vida, que é o bem supremo de todas as pessoas, e o autor nem sequer ficou afectado em termos de autonomia e independência; 2) e que a principal sequela de que o autor ficou afectado consiste numa "limitação moderada da mobilidade do joelho esquerdo", que, verdadeiramente, não lhe afecta a marcha, que se faz de forma normal, sem apoio nem claudicação. A estes argumentos o autor contrapõe: 1) a gravidade das lesões que sofreu na sua integridade física e saúde, a ponto de correr sério risco de vida; 2) o grau elevado do sofrimento físico e psíquico que essas lesões e o seu tratamento lhe causaram, com vários internamentos hospitalares e várias intervenções cirúrgicas; 3) e que as sequelas de que ficou afectado não se resumem à limitação da mobilidade do joelho esquerda, nem à incapacidade permanente de que ficou afectado, já que também compreendem cicatrizes em várias partes do corpo, cefaleias generalizadas, afectação das suas capacidades intelectuais e perda de auto-estima e afirmação social. A sentença recorrida ponderou, para efeitos da fixação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, os seguintes aspectos: «No que concerne aos danos não patrimoniais, que são os prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, estes apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização. Com efeito, o dano não patrimonial não assume uma feição reparatória, mas antes compensatória (e) sancionatória. (…). [Compensatória porque] com a atribuição de uma soma pecuniária, visa-se proporcionar ao lesado um montante que lhe proporcione satisfações que de algum modo o faça esquecer a dor ou o desgosto. Sancionatória, na medida em que com a atribuição desse montante se pune a conduta do lesante através dos meios próprios civilistas. O art. 496.º, n.º 1, Cód. Civil considera indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora atendendo às circunstâncias do caso concreto. Para a fixação do montante indemnizatório destes danos a lei remete para juízos de equidade (cfr. art. 496.º, n.º 3, do Cód. Civil), tendo em atenção os factores referidos no art. 494.º do Cód. Civil (grau de culpa do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias). (…). Entre os danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito … inclui-se, necessariamente, o dano corporal em sentido restrito, caracterizado como o prejuízo de natureza não patrimonial que recai na esfera do próprio corpo, dano à integridade física e psíquica. Na avaliação do prejuízo corporal são atendíveis vários tipos de prejuízos, assim: 1- As dores físicas e morais, o pretium ou quantum doloris [aferido] através da extensão e gravidade das lesões e complexidade do seu tratamento clínico. 2- Sequelas de lesões corporais [que compreendem]: o prejuízo estético (pretium pulchritudinis) caracterizado por cicatrizes, deformações, dissimetria e mutilações, com diminuição da beleza física …; o prejuízo juvenil (pretium juventutis) …; o prejuízo de distracção e passatempo, ou prejuízo de afirmação pessoal …; o prejuízo da saúde geral e da longevidade, constituído por lesões muito graves com funestas incidências na duração normal da vida, …; o prejuízo sexual (mutilações, impotência resultantes do traumatismo nos órgãos sexuais) …; o prejuízo de auto-suficiência, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária … …… No caso vertente, atendendo às dores sofridas pelo Autor, ao facto de ter sido assistido por instituição hospitalar, ter estado em coma, e a todo o factualismo que mereceu respaldo nos factos provados, afigura-se-nos … que em termos equitativos (e o recurso à equidade visa a obtenção da justiça) a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor deverá ser fixada no valor de € 50.000,00.» No essencial, esta formulação não só não foi posta minimamente em causa por nenhuma das partes como aparenta ter merecido a sua aceitação. E tem a nossa concordância. E, com efeito, a divergência das partes não se situa ao nível dos pressupostos da obrigação de indemnizar os danos não patrimoniais, nem quanto ao critério de fixação do montante indemnizatório baseado na equidade conforme às circunstâncias relevantes do caso concreto. Como não se situa ao nível das várias vertentes compreendidas na lesão do direito à integridade física e psíquica e no direito à saúde, enquanto expressão concreta da dimensão do dano causado pelo facto lesivo. É na avaliação em concreto da dimensão deste dano sofrido pelo autor e retratado nos factos provados que as partes divergem. Neste âmbito, importa dizer que o critério da equidade a que se refere o n.º 3 do art. 496.º do Código Civil mais não é do que o apelo a "todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida", como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, p. 501. O que, aliás, se conforma com o significado etimológico e corrente do termo: "igualdade", "proporção", "justiça", "conveniência", "moderação", "indulgência". Sendo utilizado na linguagem da ética e das ciências jurídicas para designar a "adequação das leis humanas e do direito às necessidades sociais e às circunstâncias das situações singulares", o que a leva a designar por "justiça do caso concreto" (cfr. ac. do STJ de 07-07-2009, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 704/09.9TBNF.S1). È, cremos, dentro deste âmbito que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-09-2009, relatado pela Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 09B0037), conclui que "o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida atenção (às) circunstâncias (concretas de cada caso)". Ora, foi esse equilíbrio que a sentença recorrida visou encontrar no montante fixado. Assim, do ponto de vista das circunstâncias relativas ao caso concreto que relevam para a fixação do montante indemnizatório, os factos provados evidenciam que: 1) O acidente ocorreu em 09-10-2002, quando o autor tinha apenas 16 anos de idade (nasceu em 03-02-1986) — [cfr. itens 1) e 12) dos factos provados]. 2) No aspecto da gravidade das lesões que sofreu, está provado que: a) sofreu traumatismo crânio-encefálico grave com contusão temporal direita, fractura exposta do fémur esquerdo e fractura do 2.º metatarso direito; b) foi logo assistido no Serviço de Urgência do Hospital de ………, em Santa Maria da Feira e, atenta a gravidade daquelas lesões, foi transferido para o Hospital de ………., no Porto, onde entrou em estado de coma; c) esteve aí internado nos Cuidados Intensivos, onde permaneceu em coma e ligado a um ventilador até 18-10-2002, ou seja, durante 9 dias; d) correu sério risco de vida [cfr. itens 14) a 18) e 32) dos factos provados]. 3) Para efeitos de aferição do quantum doloris, os factos provados revelam que: a) foi sujeito a intervenção cirúrgica, para "encavilhamento endomedular do fémur esquerdo, com vareta endomedular bloqueada", e imobilizado com gesso o membro inferior direito; b) após a alta hospitalar, esteve imobilizado no leito; c) em 30-10-2002, regressou ao Hospital de ……….., onde ficou internado, no Serviço de Ortopedia, até 02-11-2002; d) a partir desta data, passou a ser seguido na consulta externa de Ortopedia do Hospital de ………. até 08-01-2003, no decurso da qual foi-lhe diagnosticada "lesão do nervo ciático popliteo externo esquerdo", que se traduz por "alterações de sensibilidade e défice de extensão do pé"; e) efectuou tratamentos de fisioterapia nos Serviços Clínicos da ré entre 02-11-2002 até 24-04-2003; em Junho de 2003, foi submetido a uma cirurgia para extracção de material de síntese do fémur, que o obrigou a internamento de cerca de oito dias; f) em 20-12-2003, fez TAC cerebral, que revelou “área de atrofia temporal direita, traduzindo sequelas de contusão cerebral e provável fissura de líquido cefaloraquidiano, envolvendo o rochedo direito”; g) em 21-12-2003 deu entrada no serviço de urgência do Hospital de São Sebastião por apresentar cefaleias, febre e rigidez na nuca, devido a meningite bacteriana, tendo aí ficado internado para tratamento antibiótico até 31-12-2003; h) a partir de Dezembro de 2003, esteve novamente entregue aos cuidados dos serviços clínicos da ré, de que teve alta definitiva em 12-10-2004; i) em Março de 2004, foi submetido a uma neurocirurgia para "encerramento de fístula de liquor" [cfr. itens 9), 10), 11), 19), 20), 21), 22), 23), 24), 25), 26), 27), 28) e 29) dos factos provados]. Assim, no período de 24 meses, o autor foi submetido a três intervenções cirúrgicas e a prolongados e dolorosos tratamentos de fisioterapia, sofreu fortes dores físicas e psíquicas, quer após o sinistro, quer durante os tratamentos e as diversas intervenções cirúrgicas a que foi sujeito, e correu sério risco de vida, o que lhe causou forte ansiedade e desespero [cfr. itens 30), 31) e 32) dos factos provados]. 4) Em matéria de sequelas, os factos provados mostram que: a) ficou a padecer de cefaleias frequentes e alterações de comportamento e perturbação do controle emocional; dificuldades de concentração, fatigabilidade intelectual, modificações de humor e perturbações do sono; dor ocasional na coxa direita, sobretudo com as mudanças climatéricas; parestesia no dorso do pé direito, com diminuição da força de dorsiflexão do mesmo, o que limita a sua actividade ocasional, sobretudo em esforço, salto e corrida; gonalgia ocasional, sensação de instabilidade (falha do joelho) à esquerda; b) apresenta cicatrizes na região naguedeira, com coloide (cirurgia) e na face lateral da coxa esquerda, com cerca de 3 x 10 cm; atrofia da coxa direita de 1 cm; défice de extensão do halux e diminuição de dorsiflexão do pé à esquerda (força muscular grau IV); instabilidade postero-externa do joelho esquerdo, traduzida por gaveta posterior e postero-externa de + dura, assim como pela rotação externa do pé a 30º aumentada; c) A nível laboral, as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares e não é capaz de lidar com trabalhos que impliquem organizações e método e que exijam coordenação psicomotora; d) o exercício contínuo de esforços físicos causa-lhe fortes dores, inchaço da perna esquerda e do pé direito e, ainda, cefaleias generalizadas; e) sofre frequentemente fortes crises nervosas e cefaleias generalizadas, que o atormentarão pela vida fora; f) todas estas sequelas são permanentes e tendem a agravar-se com a idade; g) ficou com uma incapacidade permanente geral de 30%, a qual com elevada probabilidade aumentará em 5% face ao agravamento daquelas sequelas [cfr. itens 33), 34), 35), 36), 37), 38), 39), 40) e 41) dos factos provados]. 5) Quanto a prejuízo de juventude, auto-estima e afirmação social, os factos provados revelam que: a) era, à data do sinistro, trabalhador, saudável, alegre, robusto, dinâmico e com prazer pela vida, tinha um emprego estável e acreditava no futuro; b) em consequência do sinistro, perdeu de forma irreversível o emprego que na altura possuía, passou a ser um jovem triste, amargurado, introvertido e sem as mesmas perspectivas de futuro; c) vive isolado e desgostoso, consciente que é da sua elevada incapacidade e de socialmente ser visto como um incapacitado, sente-se inferiorizado e desdenha do seu futuro; d) não mais frequentou a praia, de que muito gostava, e deixou de praticar os seus desportos favoritos, futebol de salão e ténis; e) nos últimos meses, na ânsia de arranjar emprego, iniciou funções em três empresas, uma no ramo da cortiça, outra no ramo do calçado e outra numa serralharia, tendo todas elas prescindido dos seus serviços; f) a medicação que lhe foi ministrada deu causa a um processo de cárie rompante, levando a uma rápida degradação pulpar, o que o obrigou a inúmeros tratamentos de estomatologia [cfr. itens 42), 43), 44), 45), 46), 47), 48), 49), 50), 60), 63) e 64) dos factos provados]. Perante este conjunto de circunstâncias, em que é visível que o autor foi gravemente afectado na sua integridade física, esteve em iminente perigo de vida, sofreu um quantum doloris físico e psíquico de grau elevado, ficou com sequelas que afectam, em grau significativo, a sua capacidade de trabalho, a sua qualidade de vida, a sua personalidade e a sua auto-estima, de que a IPP fixada em 35% (30+5) é a expressão mais concreta e mais efectiva, cremos que a quantia fixada se configura adequada a esse quadro lesivo e equilibrada perante os valores que a jurisprudência vêm fixando a este título. Assim, fazendo referência à jurisprudência mais recente, importa destacar: Ao nível desta Relação e em recentes acórdãos proferidos nesta mesma Secção, foram fixados os seguintes montantes indemnizatórios: i) em acórdão de 02-06-2009, proferido no processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/145434" target="_blank">11/06.2TBLSD.P1</a> e publicado em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, foi considerado ajustado fixar em € 35.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um jovem de 18 anos que ficou a padecer de IPG de 20% e que foi submetido a 4 intervenções cirúrgicas e a tratamentos e internamentos, durante os quais suportou dores e sofrimentos consideráveis; ii) em acórdão de 06-10-2009, proferido no proc. n.º 691/06.9TBAMT.P1 (que o ora relator subscreveu como adjunto), foi fixada a quantia de € 30.000,00 para uma criança de 10 anos de idade que sofreu acidente de viação em 2003 e ficou a padecer de "atrofia renal direita com diminuição marcada da função renal, com lesões corticais", que lhe determinavam uma IPG de 12%; iii) e no mais recente acórdão de 13-10-2009, também por nós relatado no proc. n.º 198/1998.P1 ( e que está para publicação nas bases do Itij), foi confirmado o montante de € 32.500,00 fixada na 1.ª instância, para o caso de uma jovem de 16 anos de idade, que, em consequência de acidente de viação, ficou afectada de incapacidade permanente geral de 15%. Ao nível das decisões do Supremo Tribunal de Justiça, importa destacar que, no acórdão de 07-07-2009, proferido no proc. n.º 704/09.9TBNF.S1 (em www.dgsi.pt.jstj.nsf/), foi confirmado o montante indemnizatório de € 45.000,00 atribuído a uma jovem de 19 anos que, em 2002, sofreu queimaduras do 1.º e 2.º grau, na região cervical (pescoço), na parte superior do peito (tórax) e no membro superior direito, mas de que apenas ficaram a subsistir sequelas de natureza estética. Se tivermos em conta que, no caso destes autos, o autor sofreu lesões que colocaram em risco a sua vida, ficou afectado de uma IPP de 35%, e sofreu um quadro bastante doloroso, física e psiquicamente, em matéria de cirurgias, internamentos hospitalares e tratamentos de fisioterapia, entre outros, o montante fixado, comparativamente com os anteriormente referidos, surge como equilibrado e adequado. 7. Contra-argumenta a ré que o montante de € 50.000,00 é o que vem sendo fixado pela perda da vida ou "dano-morte", para daí extrapolar que, sendo a vida o bem suprema das pessoas, a sua compensação há-de estar no topo da pirâmide dos valores indemnizatórios. A lógica do argumento radica, pois, neste pressuposto: a mera ofensa do direito à integridade física das pessoas, não sendo tão grave como a ofensa do direito à vida, não poderá justificar compensação de montante equivalente ou superior ao da perda da vida. Ora, em primeiro lugar, não é de todo exacto que a indemnização pela perda da vida tenha como limite máximo o montante de € 50.000,00. Existem várias decisões conhecidas que têm elevado essa compensação para valores situados entre € 60.000,00 e € 75.000,00. Tal ocorreu, por exemplo, nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27-11-2008 e 30-11-2008, ambos em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 08P1413 e 08B2989, e nos acórdãos da Relação do Porto de 18-11-2008 e 13-05-2009, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ procs. n.º 0821320 e 0848033, entre outros. Em segundo lugar, cremos que a lógica daquele argumento não encontra receptividade no critério plasmado nos n.ºs 1 e 3 do art. 496.º do Código Civil. E o Supremo Tribunal de Justiça, através do recente acórdão de 12-03-2009 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 08P3635), acaba de lhe dar a resposta mais adequada, dizendo que "não vigora no nosso ordenamento jurídico nenhuma norma positiva ou princípio jurídico que, no âmbito dos danos não patrimoniais, impeça a atribuição duma compensação ao lesado sobrevivente superior ao máximo daquela que habitualmente tem sido atribuída … para indemnizar o dano da morte". E acrescenta que "isso pode suceder quando, tendo em conta o art. 496.º, n.º 1, do CC, a perda da qualidade de vida do lesado atinja um patamar excepcionalmente elevado, expresso nas dores, sofrimentos físicos e morais e limitações de vária natureza a que tiver ficado sujeito para o resto da vida em consequência do acto lesivo". Coincidentemente, já anteriormente havíamos sido confrontados com este mesmo argumento, em sentença proferida em 30-03-2004, no processo n.º 290/1999 do 2º Juízo da comarca de Chave. Onde então, perante um caso de elevada danosidade causada em ofensa à integridade física e psíquica da lesada também resultante de acidente de viação, expressámos o seguinte entendimento: "Sem exagero, poder-se-á dizer que a autora não foi apenas ofendida na sua integridade física; também foi atingida no seu direito à vida, entendido este direito não apenas no sentido restrito da existência física da pessoa, mas no sentido amplo do direito a um tipo de vida sadia e com qualidade, do direito de viver com dignidade e com prazer, que é o significado do direito à vida reconhecido e tutelado tanto pela ordem jurídica interna como pela ordem jurídica internacional, com expressão nos arts. 3.º e 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e nos arts. 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, 64.º, n.º 1, e 66.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, assim abrangendo as diversas vertentes da pessoa humana, em que se incluem a integridade física e moral, a saúde e o bem-estar, e cada uma das funções do corpo humano".[1] Dentro desta concepção, são várias as decisões que têm fixado compensações indemnizatórias decorrentes de ofensa à integridade física de montantes superiores aos fixados pela perda da vida. Assim, no acórdão do STJ de 03-03-2009, proferido no proc. n.º 09A0009 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/), foi fixada a indemnização de € 150.000,00 a um médico de 47 anos, que, em consequência de acidente, ficou paraplégico e dependente da ajuda permanente de terceira pessoa, o que lhe determinava uma incapacidade permanente geral de 85%; no acórdão do STJ de 14-10-2008, proferido no proc. n.º 08A2677, foi fixada a compensação de € 100.000,00 pelo dano estético irreversível de que ficou afectada uma jovem de 13 anos; e no acórdão do STJ de 19-06-2008, proferido no proc. n.º 08B1841, foi fixado o montante de € 120.000,00 pelo dano moral sofrido por uma mulher de 27 anos de idade, que ficou afectada de IPP de 70% resultante de amputação do membro inferior direito, com prejuízo estético e funcional, afectação sexual, perda de auto-estima, para além das operações a que foi sujeita e do sofrimento físico e psíquico que teve de suportar. A essa conexão entre o direito à vida "com qualidade, com dignidade e com prazer" e o direito à integridade física e psíquica, importa acrescentar um argumento essencialmente de ordem pragmática: enquanto os beneficiários da indemnização pela ofensa da integridade física são os próprios lesados, os beneficiários da indemnização pela perda da vida são terceiros (os herdeiros referidos no n.º 2 do art. 496.º do Código Civil). O que, em termos de justiça material, comporta uma diferença significativa que emerge da própria razão de ser deste tipo de indemnização: justa compensação e não fonte de enriquecimento. Finalmente, mantém plena actualidade e justificação a doutrina do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que “a indemnização por danos não patrimoniais, para responder, actualizadamente, ao comando do art. 496.º do Código Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa” (cfr. os acs. de 11-10-94, na CJ-STJ/1995/ III/89), e de 23-04-98, na CJ-STJ/1998/II/49). Pelos motivos expostos, entendemos que deve ser mantido o montante de € 50.000,00 fixado na 1.ª instância título de danos não patrimoniais. 8. As considerações que anteriormente foram feitas sobre a equidade são igualmente válidas, com as necessárias adaptações, para a fixação do montante indemnizatório pelo dano patrimonial futuro previsível atinente à perda da capacidade de ganho, na medida em que é também esse o critério que a lei prevê para a fixação desta indemnização (arts. 564.º, n.º 2, e 566.º, n.º 3, do Código Civil). As correcções a operar na sua aplicação em concreto são as resultantes dos elementos aqui a considerar como base do cálculo desta indemnização. Esses elementos são agora a idade do lesado, o grau de incapacidade de que ficou afectado, o rendimento que auferia, o tempo de vida activa e física e a taxa de juro que serve de referência às operações de depósitos a médio-longo prazo. Como salientam os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-2007 e 03-03-2009, ambos do mesmo relator (Cons. Nuno Cameira) e publicados em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 07A1734 e 09A0009, respectivamente, "trata-se duma quantificação difícil de fazer, pois tem que fundar-se em dados sempre contingentes e mutáveis, tais como a idade, o tempo de vida (activa e física) e a evolução do salário do lesado, bem como da taxa de juro. Daí que … a jurisprudência nacional tenha vindo a fazer um grande esforço de clarificação na matéria, visando o estabelecimento de critérios de apreciação e de cálculo dos danos que reduzam ao mínimo a margem de arbítrio e de subjectivismo dos magistrados, por forma a que as decisões, convencendo as partes devido ao seu mérito intrínseco, contribuam para uma maior certeza na aplicação do direito e para a redução da litigiosidade a proporções mais razoáveis". Fazendo a síntese dos pressupostos a ter em conta na fixação desta indemnização, segundo a jurisprudência mais representativa, os dois acórdãos referidos enunciam: 1.º) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; 2.º) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; 3.º) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade; 4.º) No caso de morte do lesado, deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio gastaria consigo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos); 5.º) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia; 6.º) E deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 76 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos oitenta). Com a ressalva deste último, concordamos com os pressupostos enunciados. Quanto ao tempo de vida previsível a considerar, entendemos que, estando em causa avaliar a dimensão de um prejuízo patrimonial previsível (art. 564.º, n.º 2 do Código Civil) que se traduz na perda da capacidade de trabalho e de ganho, o tempo que nos parece mais adequado atender no cálculo da indemnização não pode ter por limite a idade previsível de vida física, mas a idade previsível de vida activa ou a chamada "idade normal da reforma" (cfr. o ac. do STJ de 24-09-2009, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 09B0037), que é a que corresponde ao período de tempo previsível em que o lesado poderia, em condições de normalidade, trabalhar e ganhar. O período de vida que excede este limite temporal já não interfere com a sua capacidade de ganho e, por isso, não pode representar um "dano previsível", como exige o n.º 2 do art. 564.º do Código Civil. A partir de então, as suas necessidades básicas deverão ser asseguradas pela sua pensão de reforma, e não pela sua capacidade de trabalho. Não obstante, isto não quer dizer que a idade normal da reforma tenha, necessariamente, como limite os 65 anos. Este é, actualmente, o limite mínimo necessário. O qual, previsivelmente dentro de pouco tempo, tende a subir para os 70 anos, em consequência do aumento da expectativa de vida. A idade normal da reforma mantém-se, actualmente, nos 70 anos. Que é a idade em as pessoas se reformam por "limite de idade". Até aí, qualquer pessoa pode, querendo, manter-se na vida activa. E, por conseguinte, deverá ser esta idade o limite a tomar como referência no cálculo da indemnização pela perda da capacidade de ganho. E não, necessariamente, os 65 anos. Feitas estas considerações, importa apreciar o caso concreto. A 1.ª instância fixou, a título de danos futuros inerentes à perda da capacidade de ganho reportada à IPP de que o autor ficou afectado, a quantia de € 85.000,00, com base nos seguintes elementos concretos de aferição: a) que o lesado tinha 16 anos; b) ficou afectado com uma incapacidade permanente geral de 30 + 5% (35%); c) auferia, à data do acidente, um rendimento mensal de € 515,01 x 14 meses; d) período expectável de vida até aos 70 anos; e) taxa de capitalização de 2%. A ré discorda deste cálculo apenas quanto ao facto de o valor da retribuição considerada incluir, para além do salário base auferido pelo lesado, os valores recebidos a título de bónus de assiduidade e gorjetas, por entender que estas remunerações, não tendo carácter fixo nem estável, não podem ser englobadas no cálculo da indemnização. De modo que, tomando por referência que o autor tinha 49 anos de vida activa, que ficou com um grau de incapacidade para o trabalho de 35% e que auferia o salário mensal de € 365,00 x 14 meses, e aplicando a taxa de capitalização de 3%, obteve o valor de € 45.610,96. Admite, porém, que esse valor seja corrigido equitativamente para € 50.000,00, para compensar a perda dos bónus de assiduidade e gorjetas. Em alternativa, entende que, a ter-se em conta o salário global de € 515,01, o valor arbitrado não pode exceder € 70.000,00, se em vez da taxa de capitalização de 2% for utilizada a taxa de 3%, que tem por mais razoável. É diferente a posição do autor. Que pretende o aumento desta indemnização para € 300,000,00 ou, pelo menos, para € 275.625,00, com base em dois pressupostos: 1) o primeiro também se refere ao valor da retribuição a considerar no cálculo da indemnização, dizendo que esse valor não é o que auferia no momento do acidente, mas o do "salário médio" que iria auferir ao longo da sua vida e que tenha em conta os aumentos de que iria beneficiar, seja para compensar a inflação, seja por motivos de promoções profissionais, estimando que o valor desse salário médio assim ficcionado seja de € 1.500,00; 2) o segundo refere-se à dedução de 1/3 do montante apurado, que foi justificada com "os gastos em despesas pessoais" que o lesado iria ter consigo ao longo da sua vida, por entender que esta dedução só se justifica em caso de morte da vitima, o que aqui não aconteceu. Ora, quanto ao valor da retribuição a considerar na fixação do montante indemnizatório, entendemos que nem a ré nem o autor têm razão para discordar da sentença recorrida. A qual, neste aspecto, considerou a soma de todas as remunerações que o autor auferia mensalmente, de forma regular e estável. E, tal como resulta dos itens 51) e 52) dos factos provados, essas remunerações compreendiam € 348,01 de salário base, € 17,00 de subsídio de alimentação e € 150,00 a título de bónus de assiduidade e gorjetas. Como se infere do item 51) dos factos provados, a quantia de € 150,00 aí referida representa já a média mensal que o autor recebia a título de bónus de assiduidade e gorjetas. Constituindo, pois, um rendimento regular e estável com relevância na economia do autor. O que se passa é que apenas o valor da retribuição base (€ 348,01) é considerada para efeitos dos subsídios de férias e de Natal. Nem o subsídio de alimentação nem os bónus de assiduidade e gorjetas são contabilizados naqueles subsídios. O que quer dizer que, no apuramento do valor da retribuição anual, só a retribuição base pode ser multiplicada por 14 prestações. As restantes só podem ser multiplicadas por 12. De que resulta o rendimento anual de € 6.876,14, obtido da seguinte forma: (348,01€ x 14) + (17€ x 12) + (150€ x 12). Devendo ser este o valor a considerar naquele cálculo (ou o rendimento mensal médio de € 573,01 x 12 meses). É certo que existe alguma jurisprudência que entende dever ser tomado por referência, não o valor da retribuição efectivamente recebida no momento da produção do dano, mas o valor de "um salário médio ficcionado" que tenha em conta a evolução dos salários no período de vida activa do lesado. Sucede que esta actualização pode ser alcançada, em nossa opinião, com maior objectividade e maior rigor, através da aplicação de uma taxa que tenha em conta a taxa média de inflação previsível ou provável para o período de tempo a considerar e eventuais promoções de que o lesado viria provavelmente a beneficiar ao longo da sua carreira profissional. E algumas das fórmulas aritméticas que vêm sendo utilizadas no cálculo desta indemnização já incluem uma taxa para fazer face a esta actualização ou evolução salarial. De modo que só se justificaria recorrer ao dito "salário médio ficcionado" como critério alternativo àquela taxa de actualização. E se é verdade que no cálculo realizado na sentença recorrida não foi tomada em conta essa taxa de actualização, não é menos verdade que foi considerada uma taxa de capitalização de apenas 2%, quando a jurisprudência vem utilizando a taxa de 3% (cfr. os acórdãos do STJ de 25/06/2002, na CJ-STJ/2002/II/128, e de 04-12-2007, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 07A3836). Ora, é sabido que esta taxa de capitalização é muito relevante no cálculo do valor da indemnização. Representa o valor do rendimento que o montante da indemnização fixada é capaz de gerar ao longo dos anos até se esgotar. De moldo que, quanto mais alta for a taxa de capitalização menor deverá ser o valor do capital aqui representado pelo valor da indemnização. O que quer dizer que, em termos aproximados, a menor taxa de capitalização utilizada na sentença recorrida já compensa, pelo menos parcialmente, a não actualização do valor do salário. O qual, apesar de tudo e conforme assim demonstrado, também foi calculado por excesso, ao partir da base remuneratória de 515,01€ x 14, em vez de 573,01 x 12 ou 491,15€ x 14. Excesso que também há que incluir naquela compensação, a qual, porém, ainda fica ligeiramente abaixo do valor alcançado. Com efeito, tendo em conta as circunstâncias concretas deste caso inerentes à idade do autor à data do acidente (16 anos), ao grau de IPP de que ficou afectado (35%) e ao valor da retribuição que auferia (€ 573,01 x 12 meses), e tomando ainda como referências concretas do montante a apurar, a idade normal da capacidade de trabalho até ao limite dos 70 anos, a taxa de capitalização de 3% e uma taxa de 2% relativa à actualização e evolução da massa salarial no período em causa, o valor alcançado como o mais ajustado a essas circunstâncias concretas perfaz € 93.000,00, ou seja, um pouco acima do montante fixado na 1.ª instância. 9. Para além das duas questões antecedentes, a ré alega ainda que o montante fixado a título de indemnização pela perda dos salários que o autor deixou de receber não deve incluir os bónus de assiduidade e gorjetas, que diz não terem "carácter fixo, nem estável", pretendendo a correcção do valor dos salários perdidos e ainda não pagos para o montante de € 13.000,02, resultante de (€ 365,01 x 2) + (€ 480,00 x 14) + (€ 550,00 x 10). Neste âmbito, a sentença recorrida considerou o seguinte: «No caso vertente o Autor esteve impossibilitado de exercer a sua função laboral desde a data do sinistro (09/10/2002) até à data em que obteve a alta, ou seja Outubro de 2004 (facto 56). Assim, face à evolução salarial demonstrada no facto provado n.º 54 e de acordo com os rendimentos descritos no facto provado n.º 51, o Autor, até àquela data, deixou de auferir cerca de € 17.220,84 (ano de 2002 = 365,01 X 14 = € 5.110,14 + bónus e gorjetas, sendo que desde o sinistro até ao fim do ano de 2002 deixou de auferir a quantia correspondente a dois meses de salário, os respectivos proporcionais referentes a subsídio de férias e natal, bónus e gorjetas de dois meses, num total de cerca de €725,84. Quanto ao ano de 2003, aplicando o mesmo raciocínio, o Autor deixou de auferir cerca de €8.520,00. E no ano de 2004, face à alta em Outubro, deixou de auferir cerca de €7.975,00).» Ora, cremos que neste ponto assiste alguma razão à ré. Não quanto à pretensão de excluir desse cálculo as quantias recebidas a título de bónus de assiduidade e gorjetas, na medida em que, conforme já ficou referido supra, tais quantias constituíam um rendimento que o autor recebia de forma regular e estável, representando a quantia de € 150,00 referida no item 52) a média auferida por mês a esse título. E deixando de receber essas quantias em consequência do acidente, tal facto representa uma perda patrimonial que tem de ser reparada. Onde nos parece que assiste razão à ré é no cálculo realizado na 1.ª instância dos montantes remuneratórios que o autor deixou de receber no período em que esteve totalmente impossibilitado de trabalhar. Assim, tendo em conta os factos descritos nos itens 1) e 56), o autor deixou de receber as remunerações salariais desde o dia seguinte ao do acidente, que ocorreu em 09-10-2002, até à data da alta, que ocorreu no mês de Outubro de 2004. De que resulta que deixou de receber da sua entidade empregadora as remunerações desde 10-10-2002 até 30/09/2004 (não constando dos factos provados o dia exacto da alta — cfr. item 56) dos factos provados —, facto que lhe competia provar, o limite a ter em conta, para este efeito, é o dia 01-10-2004). De acordo com o que consta dos itens 51) a 54) dos factos provados, em 2002 a remuneração do autor era constituída por € 348,01 de retribuição base + € 17,00 de subsídio de alimentação + € 150 € (em média) de abonos de assiduidade e gorjetas; no ano de 2003 era constituída por € 480,00 de retribuição base + € 17,00 de subsídio de alimentação + € 150 € (em média) de abonos de assiduidade e gorjetas; e no ano de 2004 era constituída por € 555,00 de retribuição base + € 17,00 de subsídio de alimentação + € 150 € (em média) de abonos de assiduidade e gorjetas. Feitas as contas a partir desses elementos, resulta que: 1) No ano de 2002, entre 10/10 a 31/12, deixou de receber os salários correspondentes a 22 dias do mês de Outubro, no montante de € 377,74, ou seja: [(348,01 : 30 = 11,60 x 22 = 255,20) + (17 + 150 = 167 : 30 = 5,57 x 22 = 122,54) = 377,74]; deixou de receber as remunerações dos meses de Novembro e Dezembro, no montante de € 1.030,20 [(348,01 x 2 = 696,20) + (17 + 150 = 167 x 2 = 334,00) = 1.030,20]; e o subsídio de Natal na proporção de 3/12, ou seja (348,01 x 3/12 = 87,00). Perfazendo a soma deste conjunto remuneratório € 1.494,94 (377,74 + 1.032,20 + 87,00). 2) No ano de 2003 deixou de receber: (480,00 x 14 = 6.720,00) + (17 + 150 = 167 x 12 = 2004) = 8.774,00€. 3) No ano de 2004, até 01/10, incluindo o subsídio de férias, deixou de receber: (555,00 x 10 = 5550,00) + (17 + 150 = 167 x 9 = 1.503,00) + (555,00 X 9/12 = 416,25 de subsidio de Natal proporcional a 9 meses) = 7.469,25€. A soma dessas remunerações salariais não recebidas pelo autor da entidade empregadora perfaz € 17.738,19 (1.494,94 + 8.774,00 + 7.469,25€). Como, porém, consta do item 68) dos factos provados que a ré adiantou ao autor, a título de perdas salariais, a quantia de € 5.380,00, há que deduzir esta quantia àquela soma, ou seja: € 17.738,19 - € 5.380,00 = € 12.358,19. Donde se conclui que o valor das remunerações salariais em dívida perfaz € 12.358,19. 10. Concluindo: 1) Estando provado que o autor auferia, em média, por mês, mais € 150,00, a título de bónus de assiduidade e gorjetas, como complemento da sua retribuição normal mensal, aquela quantia deve ser considerada para efeitos da fixação do montante indemnizatório por danos patrimoniais sofridos, respeitantes à perda de salários durante o período em que esteve impossibilitado de trabalhar e à perda de capacidade de ganho de que ficou afectado com carácter permanente. 2) Prevendo a lei (art. 496.º, n.º 3, do CC) que o montante da indemnização por danos não patrimoniais será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º, mostra-se equilibrada a fixação da quantia de € 50.000,00 para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, que tinha à data 16 anos de idade, perante um quadro fáctico revelador de que: sofreu, entre outras lesões de menor gravidade, traumatismo crânio-encefálico grave com contusão temporal direita, de que resultou estado de coma pelo período de 9 dias e iminente perigo de vida; foi sujeito a vários internamentos hospitalares, a três intervenções cirúrgicas e a prolongados e dolorosos tratamentos de fisioterapia; sofreu um quantum doloris físico e psíquico de grau elevado; ficou com sequelas, incluindo uma IPP de 35%, que afectam, em grau significativo, a sua capacidade de trabalho, a sua qualidade de vida, a sua personalidade, a sua juventude e a sua auto-estima e afirmação social. 3) Também a indemnização por danos futuros previsíveis relativos à perda da capacidade de ganho inerente à IPP de 35% de que o autor ficou afectado é fixado "equitativamente dentro dos limites [o tribunal] que tiver por provados" (arts. 564.º, n.º 2, e 566.º, n.º 3, do CC), sendo entendimento unânime na jurisprudência que os elementos a ponderar na sua fixação são a idade do lesado, o grau de incapacidade de que ficou afectado, o rendimento que auferia, o tempo de vida activa e física, a taxa de juro que serve de referência às operações de depósitos a médio-longo prazo e o coeficiente da evolução previsível da massa salarial. 4) Partindo destes pressupostos, tem-se por equilibrada a quantia de € 93.000,00 para indemnizar o dano patrimonial inerente à perda da capacidade de ganho, em que o lesado tinha 16 anos, ficou afectado com uma incapacidade permanente geral de 35% e auferia à data do acidente a retribuição mensal de € 573,01 x 12 meses, tendo ainda em conta, como referenciais da dimensão desse dano, o limite da capacidade de trabalho nos 70 anos, a taxa de capitalização de 3% e o coeficiente de actualização salarial de 2%. 5) Resultando das alterações operadas à sentença recorrida que o montante global da indemnização a pagar pela ré ao autor perfaz € 156.124,92 (50.000,00 + 93.000,00 + 12.358,19 + 766,75), que se arredonda para € 156.125,00. IV – DECISÃO Por tudo o exposto, julgando parcialmente procedentes as duas apelações, decide-se: 1) Revogar parcialmente a sentença recorrida e condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 156.125,00 (cento e cinquenta e seis mil cento e vinte e cinco euros), a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente sofrido em 09-10-2002, descrito nesta acção, acrescida de juros de mora, às taxas legais em vigor no período da mora, a contar da data da citação da ré até integral pagamento. 2) Custas da acção na proporção do decaimento de cada uma das partes (art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). E custas das apelações na proporção de 4/5 pelos apelantes e 1/5 pelos apelados, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que beneficias o autor.* Relação do Porto, 27-10-2009 António Guerra Banha Anabela Dias da Silva Sílvia Maria Pereira Pires ________________________ [1] Sobre a vida humana como complexo unitário somático-psíquico da personalidade humana, cfr. O Direito Geral de Personalidade, de Rabindranath Capelo de Sousa, Coimbra Editora, 1995, pp. 203/ss.
Proc. n.º 6995/05.0TBVFR.P1 Recurso de Apelação Distribuído em 11-09-2009 Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto. I – RELATÓRIO 1. B………., residente em ………., Santa Maria da Feira, instaurou, no Tribunal Judicial da comarca de Santa Maria da Feira, acção declarativa de condenação, destinada a exigir a responsabilidade civil emergente de acidente de viação, com processo comum ordinário, contra a COMPANHIA DE SEGUROS C………., S.A., com sede na ………., em Lisboa. Pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 402.125,78, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que diz ter sofrido em consequência de acidente de viação ocorrido em 09-02-2002, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da citação da ré. Justifica a demanda da ré alegando, em síntese, que seguia como passageiro no ciclomotor com a matrícula 2-OAZ-..-.., propriedade de D………. e por este conduzido, quando foi embatido pelo veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-..-TE, pertencente à sociedade E………., Lda, e conduzido por F………. por conta e sob a direcção daquela sociedade, que, ao executar uma manobra de viragem à esquerda, invadiu a hemifaixa de rodagem contrária, por onde circulava o ciclomotor, embatendo-o e derrubando-o; estando a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros com o veículo ..-..-TE transferida para a ré, por contrato de seguro titulado pela apólice n.º 02-………. . A ré contestou a acção, aceitando a culpa do condutor do veículo do seu segurado e declarando que já tinha efectuado diversos pagamentos ao autor, a entidades hospitalares e outros, relacionadas com este acidente, e apenas impugnou, por desconhecimento, alguns dos factos relativos aos danos sofridos pelo autor. Realizada a audiência de julgamento e decidia a matéria de facto controvertida, nos termos do despacho a fls. 364-372, foi proferida sentença, a fls. 374-401, que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 147.607.59, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. 2. Desta sentença apelou a ré e, subordinadamente, também o autor. Tanto a ré como o autor limitaram o objecto dos seus recursos aos montantes indemnizatórios fixados por danos não patrimoniais e danos patrimoniais futuros, os quais consideraram, a ré, excessivos, e o autor, insuficientes, tendo a ré também discordado do montante fixado a título de salários perdidos. Deste modo, a ré rematou as suas alegações, a fls. 409-418, com a formulação das conclusões seguintes (as quais, por não observarem a forma sintética exigida pelo art. 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, se resumem nesta súmula): 1.º - A douta sentença recorrida condenou a Apelante a pagar ao Apelado, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais, a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros). 2.º - Ora, a Recorrente entende que, dados os factos provados, o montante arbitrado na sentença recorrida excede o dano que efectivamente se pretende ressarcir. 3.º - Considerando que o Apelado não foi afectado em termos de autonomia e independência, na medida em que continua a poder exercer sua actividade profissional habitual; que a principal sequela do acidente baseia-se numa «limitação moderada da mobilidade do joelho esquerdo», que, verdadeiramente, não afecta a marcha do apelado, que se faz de forma normal, sem apoio nem claudicação; e que o dano vida – bem supremo – é indemnizável em quantia que ronda os € 50.000,00; entende a Apelante que, atendendo aos padrões adoptados pela jurisprudência, a compensação fixada na sentença, a título de dano não patrimonial, deve ser reduzida para € 25.000,00. 4.º - De acordo com a matéria de facto provada, o Apelado ficou a padecer de uma Incapacidade Permanente Parcial para o trabalho de 30%, à qual acresce mais 5%, a título de dano futuro, conforme referido pelo relatório do IML. 5.º - Dúvidas não restaram de que o Apelado pode exercer a sua actividade profissional, se bem que tal implique, na prática, a realização de esforços suplementares decorrentes de uma redução de cerca de 30% da sua capacidade profissional. 6.º - Entende a ora Apelante que a contabilização, em geral, da justa indemnização do dano futuro, porque orientada por parcelas objectivas (idade + salário + grau de incapacidade), deverá ser norteada por critérios também eles objectivos, em si mesmos, matematicamente comprováveis. 7.º - De referir também que a indemnização atribuída pela sentença em recurso terá necessariamente de ser reduzida, porquanto o Meritíssimo Juiz a quo na atribuição desta teve por base os valores da retribuição mensal acrescido ainda dos valores atribuídos a título de bónus de assiduidade e repartição de gorjetas. As quais, por não terem carácter fixo, nem estável, não podem ser englobados na remuneração auferida pelo Apelado, a fim de determinar uma remuneração global a partir da qual se calcula a indemnização. Ou seja, não podia o Tribunal a quo partir do pressuposto de que o Apelado auferia a quantia mensal de 515,01€. 8.º - Assim sendo, in casu, partindo do tempo de vida útil do Apelado – 49 anos de vida activa (16 anos à data do acidente e trabalhando até aos 65 anos de idade) – do grau de incapacidade para o trabalho de 35% e ainda do salário mensal dado como provado (€ 365,01), é curial a aplicação de um coeficiente determinado, com recurso a uma tabela financeira de capitalização, tendo por base a taxa de juro de 3%. 9.º - Partindo destes dados objectivos e com recurso às regras supra explanadas, chegamos ao valor de € 45.610,96. Ao qual, deverá ser deduzida a óbvia vantagem de dispor imediatamente e na globalidade daquela verba. Podendo, atento o supra exposto, atribuir-se equitativamente um montante pela perda do bónus de assiduidade e das gorjetas. 10.º - Assim, ponderado o valor de € 45.610,96 obtido, deduzido do valor correspondente à vantagem de dispor da globalidade daquele valor no imediato e ajuizando equitativamente os bónus de assiduidade e gorjetas, sempre com o devido respeito por opinião contrária, temos que o valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) indemnizará integralmente o dano futuro que o Apelado padece. 11.º - Ainda que se entenda que não assiste qualquer razão à ora Apelante quanto ao supra alegado carácter variável e instável do bónus de assiduidade e das gorjetas e, nessa medida se entenda por bem que tais valores podem e devem ser englobados na retribuição auferida pelo Apelado, o que apenas se concebe por mera hipótese de raciocínio, o valor arbitrado de € 85.000,00 ainda peca por excesso. 12.º - Atenta a matéria de facto dada como provada nos autos, entende a ora Recorrente que o valor indemnizatório a fixar a este título (indemnização pela IPP) não deverá nunca ser superior a € 70.000,00 (setenta mil euros). 13.º - Do mesmo modo e considerando que os bónus de assiduidade e gorjetas não têm carácter fixo, nem estável, não deveria o Tribunal a quo tê-los incluído na determinação da indemnização devida a título de salários perdidos. 14.º - Atenta a matéria de facto dada como provada nos autos, entende a Recorrente, sempre com o devido respeito por opinião contrária, que o valor indemnizatório a fixar a este título não deverá nunca ser superior a € 13.000,02 (treze mil euros e dois cêntimos), sendo (€365,01 x 2) + (€480,00 x 14) + (€550,00 x 10). Por sua vez, o autor concluiu as suas alegações, a fls. 435-452, na parte resepitante ao recurso subordinado, nos seguintes termos: 1.º - Os montantes indemnizatórios fixados pelo Meritíssimo Juiz a quo estão desvalorizados, face à gravidade dos danos, quer patrimoniais, quer não patrimoniais sofridos pelo Apelado. Por isso, devem ser aumentados, e não reduzidos. 2.º - O montante de € 50.000,00 é manifestamente insuficiente para compensar o Apelado do mal que sofreu, sofre e continuará a sofrer até ao último dia da sua vida. 3.º - A indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada em 75.000,00 €, montante que se reputa justo e razoável face à gravidade dos danos sofridos. Só esse montante se reputa suficiente para concretizar o carácter compensatório para o Apelado e punitivo, de reprovação ou castigo da conduta do lesante, atento a inexistência de culpa do lesado. 4.º - O Apelado não concorda com os critérios usados pelo Meritíssimo Juiz a quo na forma de cálculo da indemnização por danos futuros. 5.º - O Meritíssimo Juiz a quo deveria ter tido em conta,não o salário que o Apelado auferia à data do sinistro, mas o salário médio que auferirá ao longo da sua vida. É certo e seguro que no final da sua vida o Apelado não vai auferir os mesmos € 65,01, acrescido de € 150,00 como prémio de assiduidade e repartição de gorjetas, que auferia na data do sinistro. É certo e seguro que o salário do Apelado iria evoluir e ser sucessivamente aumentado, pelo menos de acordo com as sucessivas taxas de inflação. 6.º - Não se concebe que o Meritíssimo Juiz a quo para efeitos de determinação da indemnização por perda de salário tenha tido em conta a evolução salarial que o Apelado teria tido na sua entidade patronal desde a data do sinistro até Janeiro de 2005 (factos 53 e 54 da sentença), e não tenha tido o mesmo critério na determinação da indemnização por danos futuros. 7.º - Aceitando-se que o Apelado não manteria sempre essa evolução salarial, pois estava a iniciar a sua actividade, e que a partir do terceiro ano de actividade teria uma evolução normal, pelo menos próxima da taxa de inflação, é justo e equitativo ficcionar o salário médio que o Apelado iria auferir ao longo da sua vida em € 1.500,00. Sendo desta base que deverá partir qualquer operação de cálculo na determinação da indemnização por danos futuros. 8.º - O Meritíssimo Juiz a quo errou ao deduzir 1/3 ao montante apurado no cálculo efectuado, relativo a gastos pessoais que o Apelado irá ter ao longo da sua vida. Esta dedução só se justifica em caso de morte da vítima, em que estas despesas deixarão de existir com o seu decesso, o que não acontece no caso em que a vitima sobrevive, pois neste caso continuará a ter que suportar essas despesas com os seus rendimentos. 9.º - No cálculo da indemnização deve ter-se em conta a idade de 76 anos, idade actual da esperança de vida dos homens, não os 70 anos considerados na sentença recorrida, conforme dados fornecidos pelo INE em 2008 (v. Ac. do STJ de 03-03-2009, em www.dgsi.pt). 10.º - Partindo da operação de cálculo seguida na sentença recorrida, que não se põe em causa, antes se aceita, mas seguindo os critérios referidos supra nas conclusões 8.ª, 10.ª, 11.ª, 12.ª, 14.ª, 15.ª e 16.ª, chegaríamos ao valor de € 275.625,00, conforme os cálculos supra efectuadas, que aqui se reproduzem. 11.º - Sopesado este valor aritmético com um juízo de equidade, para se obter uma justa indemnização e tendo em conta a idade do Apelado; o facto de ter perdido o seu emprego e ter ficado desempregado e sem auferir qualquer retribuição (facto provado 56, 57 e 58 da sentença); que se inscreveu no Centro de Emprego, com vista à obtenção de emprego (facto 59); que nos últimos meses, na ânsia de arranjar emprego, o Apelado iniciou funções em três empresas, uma no ramo da cortiça, outra do calçado e outra de serralharia, tendo todas elas prescindido dos seus serviços (facto 60); é justa, razoável e sensato o montante de € 300.000,00 peticionado na p.i. 12.º - Pelo exposto e ressalvando sempre opinião mais avalizada, afigura-se-nos que o Tribunal a quo não aplicou de forma ponderada o disposto nos artigos 494.º, 496.º, n.º 3, 562.º, 563.º, 564.º, n.º 2, e 566.º, n.ºs 2 e 3, todos do Cód. Civil. Apenas o autor respondeu às alegações da ré, concluindo pela improcedência deste recurso. 3. À tramitação e julgamento destes recursos é ainda aplicável o regime processual anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008. E por força do disposto no n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, o regime introduzido por este diploma legal não se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2008 (art. 12.º do mesmo decreto-lei). De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o apelante extrai das suas alegações, desde que reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, in fine, do CPC). Pelo que, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (art. 660.º, n.º 2, do CPC). Com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, a que alude o n.º 2 do art. 660.º do Código de Processo Civil, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, por muito respeitáveis que sejam, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como flui do disposto no art. 664.º do Código de Processo Civil (cfr., entre outros, ANTUNES VARELA, em Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688; Ac. do TC n.º 371/2008, em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/; acs. do STJ de 11-10-2001 e 10-04-2008 em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 01A2507 e 08B877; e ac. desta Relação de 15-12-2005, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 0535648). Assim, tendo em conta os princípios antes enunciados e o teor das conclusões formuladas pelos apelantes, sobressai desde logo que os dois recursos visam, apenas, a decisão de direito, na parte que se refere à fixação do valor indemnizatório por danos não patrimoniais e patrimoniais futuros inerentes à perda da capacidade de ganho de que o autor ficou afectado, sendo nesta parte comuns aos dois recursos as questões suscitadas, ainda que equacionadas segundo perspectivas diferentes e visando alcançar resultados opostos. De modo que as questões contidas no objecto dos dois recursos, que se impõe apreciar e resolver, podem sintetizar-se no seguinte: 1) reapreciação do montante fixado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor; 2) reapreciação do montante fixado a título de indemnização por danos patrimoniais futuros inerentes à perda da capacidade de ganho e traduzida na IPP de que o autor ficou afectado; 3) reapreciação do montante fixado a título de indemnização pela perda dos salários que o autor deixou de receber. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – FACTOS PROVADOS 4. Na primeira instância foram julgados provados os factos seguintes: 1) No dia 9 de Outubro de 2002, pelas 19h20m, na Rua ………., junto ao n.º de polícia …, freguesia de ………., desta comarca, ocorreu um acidente de viação, no qual foram intervenientes: o veículo ligeiro de mercadorias de matricula ..-..-TE, propriedade de “E………., Lda.”, com sede na Rua ………., n.º .., freguesia de ………., desta comarca, e conduzido por F………., por conta e sob a fiscalização daquela; e o ciclomotor de matrícula 2-0AZ-..-.., propriedade de D………. e conduzido por este [al. A) dos factos assentes]. 2) O Autor seguia como passageiro no ciclomotor 2-0AZ-..-.. [al. B) dos factos assentes]. 3) O sinistro ocorreu numa recta com boa visibilidade e onde existe iluminação pública, encontrando-se o piso seco e em bom estado [al. C) dos factos assentes]. 4) O veículo ..-..-TE seguia no sentido norte/sul e o ciclomotor 2-0AZ-..-.. em sentido contrário [al. D) dos factos assentes]. 5) O embate entre os dois veículos ocorreu a meio da hemifaixa de rodagem por onde circulava o ciclomotor 2-0AZ-..-.. [al. E) dos factos assentes]. 6) Tudo porque o veículo ..-..-TE, ao pretender efectuar uma manobra de viragem à esquerda, fê-lo sem se certificar que dessa sua manobra não resultava perigo ou embaraço para o restante tráfego, invadindo de forma inopinada a hemifaixa contrária, por onde circulava o ciclomotor 2-0AZ-..-.., provocando dessa forma o embate entre os dois veículos [al. F) dos factos assentes]. 7) A data do sinistro, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ..-..-TE encontrava-se transferida, pela sua proprietária, para a Ré, através de contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 02/……….. [al. G) dos factos assentes]. 8) A Ré custeou todas as despesas dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que o Autor foi submetido, em consequência do sinistro [al. H) dos factos assentes]. 9) Desde 2 de Novembro de 2002 até 24 de Abril de 2003, o Autor foi acompanhado nos Serviços Clínicos da Ré, onde efectuou aturados tratamentos de fisioterapia [al. I) dos factos assentes]. 10) O Autor foi submetido nos Serviços Clínicos da Ré a uma cirurgia para extracção de material de síntese do fémur, que o obrigou a internamento de cerca de oito dias [al. J) dos factos assentes]. 11) A partir de Dezembro de 2003, o Autor foi novamente entregue aos cuidados dos serviços clínicos da Ré, tendo alta definitiva desses serviços em 12 de Outubro de 2004 [al. L) dos factos assentes]. 12) O Autor nasceu em 3 de Fevereiro de 1986 [al. M) dos factos assentes]. 13) Ao longo do período de baixa médica do Autor, a Ré foi-lhe adiantando diversos montantes a título de perdas salariais [al. N) dos factos assentes]. 14) Em consequência das lesões sofridas, o Autor, logo após o sinistro, foi assistido no Serviço de Urgência do Hospital de ………., nesta cidade [resp. ao n.º 1 da b.i.]. 15) E, atenta a gravidade das mesmas, foi transferido para o Hospital de ………., no Porto, onde entrou em estado de coma [resp. ao n.º 2 da b.i.]. 16) Esteve aí internado nos Cuidados Intensivos, onde permaneceu em coma e ligado a um ventilador até 18 de Outubro de 2002 [resp. ao n.º 3 da b.i.]. 17) Tudo pelo facto de ter sofrido um traumatismo crânio encefálico grave, com contusão temporal direita [resp. ao n.º 4 da b.i.]. 18) Foi-lhe ainda diagnosticada uma fractura exposta do fémur esquerdo e uma fractura do 2.º metatarso direito [resp. ao n.º 7 da b.i.]. 19) O Autor foi sujeito a intervenção cirúrgica, para encavilhamento endomedular do fémur esquerdo, com vareta endomedular bloqueada [resp. ao n.º 8 da b.i.]. 20) E foi-lhe efectuada imobilização gessada do membro inferior direito, durante um tempo concretamente não apurado [resp. ao n.º 9 da b.i.]. 21) O Autor esteve imobilizado no leito [resp. ao n.º 10 da b.i.]. 22) Em 30 de Outubro de 2002, o Autor regressou ao Hospital de ………., tendo sido internado no Serviço de Ortopedia, tendo alta em 2 de Novembro de 2002 [resp. ao n.º 11 da b.i.]. 23) A partir de 2 de Novembro de 2002 passou, então, a ser seguido na consulta Externa de Ortopedia do Hospital de ………. até 8/01/2003 [resp. ao n.º 12 da b.i.]. 24) A cirurgia aludida em 10) ocorreu em Junho de 2003 [resp. ao n.º 13 da b.i.]. 25) Em consulta externa de ortopedia do Hospital de ………., foi diagnosticada ao Autor lesão do nervo ciático popliteo externo esquerdo, que se traduz por alterações de sensibilidade e défice de extensão do pé [resp. ao n.º 14 da b.i.]. 26) Em 21 de Dezembro de 2003, o Autor deu entrada no serviço de urgência do Hospital de ………., por apresentar cefaleias, febre e rigidez na nuca, devido a meningite bacteriana, tendo aí ficado internado para tratamento antibiótico até 31 de Dezembro de 2003 [resp. ao n.º 15 da b.i.]. 27) Em 20 de Dezembro de 2003, fez TAC cerebral, que revelou "área de atrofia temporal direita, traduzindo sequelas de contusão cerebral e provável fissura de líquido cefaloraquidiano, envolvendo o rochedo direito" [resp. ao n.º 16 da b.i.]. 28) Em 31 de Dezembro de 2003 teve alta do Hospital de ………. [resp. ao n.º 17 da b.i.]. 29) Em Março de 2004, nos serviços clínicos da Ré, o Autor foi submetido a uma neurocirurgia para encerramento de fístula de liquor [resp. ao n.º 18 da b.i.]. 30) Durante todo este tempo, cerca de 24 meses, o Autor foi submetido a três intervenções cirúrgicas e submetido a prolongados e dolorosos tratamentos de fisioterapia [resp. ao n.º 19 da b.i.]. 31) Período durante o qual o Autor sofreu fortes dores físicas e psíquicas, quer após o sinistro, quer durante os tratamentos e as diversas intervenções cirúrgicas a que foi sujeito [resp. ao n.º 20 da b.i.]. 32) O Autor correu sério risco de vida, o que lhe causou forte ansiedade e desespero [resp. ao n.º 21 da b.i.]. 33) Dores e incómodos esses que se manterão ao longo da sua vida, nomeadamente, sempre que fizer um esforço mais acentuado e nas mudanças de tempo [resp. ao n.º 22 da b.i.]. 34) O Autor sofreu e sofre ainda frequentemente fortes crises nervosas e cefaleias generalizadas, que o atormentarão pela vida fora [resp. ao n.º 23 da b.i.]. 35) Em consequência das lesões sofridas no sinistro, o Autor padece das seguintes sequelas: cefaleias frequentes e alterações de comportamento e perturbação do controle emocional; dificuldades de concentração, fatigabilidade intelectual, modificações de humor e perturbações do sono; dor ocasional na coxa direita, sobretudo com as mudanças climatéricas; parestesia no dorso do pé direito, com diminuição da força de dorsiflexão do mesmo, o que limita a sua actividade ocasional, sobretudo em esforço, salto e corrida; gonalgia ocasional, sensação de instabilidade (falha do joelho) à esquerda [resp. ao n.º 24 da b.i.]. 36) Como consequência do sinistro, o Autor apresenta ainda: cicatrizes na região naguedeira, com coloide (cirurgia) e na face lateral da coxa esquerda, com cerca de 3x10 cm; atrofia da coxa direita de 1 cm; défice de extensão do halux e diminuição de dorsiflexão do pé à esquerda (força muscular grau IV); instabilidade postero-externa do joelho esquerdo, traduzida por gaveta posterior e postero-externa de +, dura, assim como pela rotação externa do pé a 30º aumentada [resp. ao n.º 25 da b.i.]. 37) A nível laboral as sequelas do Autor são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares [resp. ao n.º 26 da b.i.]. 38) O exercício contínuo de esforços físicos causa-lhe fortes dores, o inchaço da perna esquerda e do pé direito e, ainda, cefaleias generalizadas [resp. ao n.º 27 da b.i.]. 39) Não é capaz de lidar com trabalhos que impliquem organizações e método e que exijam coordenação psicomotora [resp. ao n.º 29 da b.i.]. 40) Todas estas sequelas do sinistro são permanentes, tendendo a agravar-se com a idade [resp. ao n.º 30 da b.i.]. 41) Em consequência destas sequelas, o Autor padece de uma incapacidade permanente geral de 30%, a qual com elevada probabilidade aumentará em 5% face ao agravamento daquelas [resp. ao n.º 31 da b.i.]. 42) À data do sinistro, o Autor era trabalhador, saudável, alegre, robusto, dinâmico e com prazer pela vida [resp. ao n.º 32 da b.i.]. 43) Tinha um emprego estável e acreditava no futuro [resp. ao n.º 33 da b.i.]. 44) Com o sinistro perdeu de forma irreversível o emprego que na altura possuía [resp. ao n.º 34 da b.i.]. 45) Passou, desde então, a ser um jovem triste, amargurado e introvertido, sem quaisquer perspectivas de futuro [resp. ao n.º 35 da b.i.]. 46) Vive isolado e desgostoso, consciente que é da sua elevada incapacidade e de socialmente ser visto como um incapacitado [resp. ao n.º 36 da b.i.]. 47) Perdeu mesmo o gosto de viver e desdenha do seu futuro [resp. ao n.º 37 da b.i.]. 48) Sente-se inferiorizado [resp. ao n.º 38 da b.i.]. 49) Não mais frequentou a praia, de que muito gostava [resp. ao n.º 39 da b.i.]. 50) E deixou de praticar os seus desportos favoritos: futebol de salão e ténis [resp. ao n.º 40 da b.i.]. 51) À data do sinistro, o Autor trabalhava para a firma “G………., Lda.”, auferindo o salário mensal de € 365,01, correspondendo € 348,01 ao salário base e € 17,00 ao subsidio de alimentação [resp. ao n.º 41 da b.i.]. 52) Auferindo ainda em média, por mês, mais € 150,00, a título de bónus de assiduidade e repartição de gorjetas [resp. ao n.º 42 da b.i.]. 53) Não fora o sinistro e tendo em conta a evolução dos salários praticados na empresa nos últimos três anos, o Autor teria em Janeiro de 2003 subido de categoria, para desmontador de pneus [resp. ao n.º 44 da b.i.]. 54) O seu salário poderia aumentar em Janeiro de 2003 para € 480,00, em Janeiro de 2004 para € 555,00, e em Janeiro de 2005 para € 655,00, tudo acrescido do subsídio de alimentação de € 17,00 [resp. ao n.º 45 da b.i.]. 55) Em consequência do sinistro o Autor poderá exercer as funções para as quais foi contratado pela “G……….”, mas com esforço suplementar [resp. ao n.º 46 da b.i.]. 56) Após a alta que lhe foi concedida em Outubro de 2004 pela Ré, o Autor retomou o seu posto de trabalho na “G……….” [resp. ao n.º 47 da b.i.]. 57) As funções do Autor consistiam em desmontar pneus nos veículos, aplicar pneus novos e proceder à respectiva calibragem [resp. ao n.º 48 da b.i.]. 58) Em virtude da sua entidade patronal, em 20 de Outubro de 2004, lhe ter comunicado a caducidade do seu contrato de trabalho, o Autor ficou desempregado e sem auferir qualquer rendimento [resp. ao n.º 51 da b.i.]. 59) Tendo-se inscrito no Centro de Emprego de ………., com vista à obtenção de novo emprego [resp. ao n.º 52 da b.i.]. 60) Nos últimos meses, na ânsia de arranjar emprego, o Autor iniciou funções em três empresas, uma no ramo da cortiça, outra no ramo do calçado e outra numa serralharia, tendo todas elas prescindido dos serviços do Autor [resp. ao n.º 54 da b.i.]. 61) O Autor começou a trabalhar logo que fez 16 anos de idade [resp. ao n.º 56 da b.i.]. 62) O Autor deixou de receber salários [resp. ao n.º 58 da b.i.]. 63) O internamento e a medicação que foi ministrada ao Autor em consequência do sinistro contribuíram para que o mesmo sofresse um processo de cárie rompante, levando a uma rápida degradação pulpar [resp. ao n.º 61 da b.i.]. 64) Razão pela qual teve de receber inúmeros tratamentos de estomatologia, com os quais gastou € 200,00, ainda por reembolsar [resp. ao n.º 62 da b.i.]. 65) O Autor teve, ainda, outras despesas médicas não reembolsadas pela Ré, referentes a consultas médicas, no montante de €256,75 [resp. ao n.º 63 da b.i.]. 66) Os óculos do Autor ficaram completamente danificados no sinistro, tendo o Autor de adquirir outros equivalentes e de se submeter a duas consultas de oftalmologia, com o que despendeu € 310,00 [resp. ao n.º 64 da b.i.]. 67) A Ré efectuou diversos pagamentos ao Autor, a entidades hospitalares e outros, todos relacionados com o acidente em discussão nos autos, que ascendem ao montante de € 32.341,83 [resp. ao n.º 65 da b.i.]. 68) A título de perdas salariais, a Ré adiantou ao Autor a quantia de € 5.380,00 [resp. ao n.º 66 da b.i.]. Estes factos não foram impugnados por nenhuma das partes, pelo que se têm por definitivamente fixados, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 684.º, n.ºs 2, 3 e 4, 690.º-A, n.º 1, e 712.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil. III – AS QUESTÕES DO RECURSO 5. A regra que se convenciona no n.º 1 do art. 710.º do Código de Processo Civil é que o julgamento dos recursos deve ser feito pela ordem da sua interposição. Sucede que esta regra tem carácter meramente indicativo, não obstando a que, por razões de lógica processual, de conexão ou interdependência entre as diversas questões expostas nos diferentes recursos, se justifique alteração naquela ordem, apreciando-se em primeiro lugar as questões cuja decisão possa vir a influenciar ou mesmo inutilizar o conhecimento de outras, como prevê o art. 660.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. Acresce que, no caso dos presentes recursos interpostos por autor e ré, duas das questões suscitadas são comuns aos dois recursos, ainda que equacionadas segundo perspectivas diferentes e visando alcançar resultados opostos, como já ficou dito supra a propósito das questões relativas à fixação do valor indemnizatório por danos não patrimoniais e patrimoniais futuros inerentes à perda da capacidade de ganho de que o autor ficou afectado. Justificando-se, por isso, a sua apreciação em conjunto quanto às duas referidas questões. 6. Começando pela indemnização devida pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, que o tribunal de 1.ª instância fixou em € 50.000,00, a ré entende que este montante excede a dimensão do dano que efectivamente se pretende ressarcir e pretende a sua redução para € 25.000,00, ou seja para metade; e o autor entende que o montante fixado não é suficiente para o compensar de todo o sofrimento a que foi sujeito e das sequelas de que ficou a padecer, e pretende que seja aumentado para € 75.000,00. A ré justifica a redução daquele montante indemnizatório na base destes dois argumentos: 1) que € 50.000,00 é a quantia que a jurisprudência tem vindo a fixar para compensar o dano pela perda da vida, que é o bem supremo de todas as pessoas, e o autor nem sequer ficou afectado em termos de autonomia e independência; 2) e que a principal sequela de que o autor ficou afectado consiste numa "limitação moderada da mobilidade do joelho esquerdo", que, verdadeiramente, não lhe afecta a marcha, que se faz de forma normal, sem apoio nem claudicação. A estes argumentos o autor contrapõe: 1) a gravidade das lesões que sofreu na sua integridade física e saúde, a ponto de correr sério risco de vida; 2) o grau elevado do sofrimento físico e psíquico que essas lesões e o seu tratamento lhe causaram, com vários internamentos hospitalares e várias intervenções cirúrgicas; 3) e que as sequelas de que ficou afectado não se resumem à limitação da mobilidade do joelho esquerda, nem à incapacidade permanente de que ficou afectado, já que também compreendem cicatrizes em várias partes do corpo, cefaleias generalizadas, afectação das suas capacidades intelectuais e perda de auto-estima e afirmação social. A sentença recorrida ponderou, para efeitos da fixação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, os seguintes aspectos: «No que concerne aos danos não patrimoniais, que são os prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, estes apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização. Com efeito, o dano não patrimonial não assume uma feição reparatória, mas antes compensatória (e) sancionatória. (…). [Compensatória porque] com a atribuição de uma soma pecuniária, visa-se proporcionar ao lesado um montante que lhe proporcione satisfações que de algum modo o faça esquecer a dor ou o desgosto. Sancionatória, na medida em que com a atribuição desse montante se pune a conduta do lesante através dos meios próprios civilistas. O art. 496.º, n.º 1, Cód. Civil considera indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. A gravidade do dano mede-se por um padrão objectivo, embora atendendo às circunstâncias do caso concreto. Para a fixação do montante indemnizatório destes danos a lei remete para juízos de equidade (cfr. art. 496.º, n.º 3, do Cód. Civil), tendo em atenção os factores referidos no art. 494.º do Cód. Civil (grau de culpa do agente, situação económica deste e do lesado e quaisquer outras circunstâncias). (…). Entre os danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito … inclui-se, necessariamente, o dano corporal em sentido restrito, caracterizado como o prejuízo de natureza não patrimonial que recai na esfera do próprio corpo, dano à integridade física e psíquica. Na avaliação do prejuízo corporal são atendíveis vários tipos de prejuízos, assim: 1- As dores físicas e morais, o pretium ou quantum doloris [aferido] através da extensão e gravidade das lesões e complexidade do seu tratamento clínico. 2- Sequelas de lesões corporais [que compreendem]: o prejuízo estético (pretium pulchritudinis) caracterizado por cicatrizes, deformações, dissimetria e mutilações, com diminuição da beleza física …; o prejuízo juvenil (pretium juventutis) …; o prejuízo de distracção e passatempo, ou prejuízo de afirmação pessoal …; o prejuízo da saúde geral e da longevidade, constituído por lesões muito graves com funestas incidências na duração normal da vida, …; o prejuízo sexual (mutilações, impotência resultantes do traumatismo nos órgãos sexuais) …; o prejuízo de auto-suficiência, caracterizado pela necessidade de assistência duma terceira pessoa para os actos correntes da vida diária … …… No caso vertente, atendendo às dores sofridas pelo Autor, ao facto de ter sido assistido por instituição hospitalar, ter estado em coma, e a todo o factualismo que mereceu respaldo nos factos provados, afigura-se-nos … que em termos equitativos (e o recurso à equidade visa a obtenção da justiça) a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor deverá ser fixada no valor de € 50.000,00.» No essencial, esta formulação não só não foi posta minimamente em causa por nenhuma das partes como aparenta ter merecido a sua aceitação. E tem a nossa concordância. E, com efeito, a divergência das partes não se situa ao nível dos pressupostos da obrigação de indemnizar os danos não patrimoniais, nem quanto ao critério de fixação do montante indemnizatório baseado na equidade conforme às circunstâncias relevantes do caso concreto. Como não se situa ao nível das várias vertentes compreendidas na lesão do direito à integridade física e psíquica e no direito à saúde, enquanto expressão concreta da dimensão do dano causado pelo facto lesivo. É na avaliação em concreto da dimensão deste dano sofrido pelo autor e retratado nos factos provados que as partes divergem. Neste âmbito, importa dizer que o critério da equidade a que se refere o n.º 3 do art. 496.º do Código Civil mais não é do que o apelo a "todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida", como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, em Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª edição, p. 501. O que, aliás, se conforma com o significado etimológico e corrente do termo: "igualdade", "proporção", "justiça", "conveniência", "moderação", "indulgência". Sendo utilizado na linguagem da ética e das ciências jurídicas para designar a "adequação das leis humanas e do direito às necessidades sociais e às circunstâncias das situações singulares", o que a leva a designar por "justiça do caso concreto" (cfr. ac. do STJ de 07-07-2009, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 704/09.9TBNF.S1). È, cremos, dentro deste âmbito que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-09-2009, relatado pela Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 09B0037), conclui que "o recurso à equidade não afasta a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível com a devida atenção (às) circunstâncias (concretas de cada caso)". Ora, foi esse equilíbrio que a sentença recorrida visou encontrar no montante fixado. Assim, do ponto de vista das circunstâncias relativas ao caso concreto que relevam para a fixação do montante indemnizatório, os factos provados evidenciam que: 1) O acidente ocorreu em 09-10-2002, quando o autor tinha apenas 16 anos de idade (nasceu em 03-02-1986) — [cfr. itens 1) e 12) dos factos provados]. 2) No aspecto da gravidade das lesões que sofreu, está provado que: a) sofreu traumatismo crânio-encefálico grave com contusão temporal direita, fractura exposta do fémur esquerdo e fractura do 2.º metatarso direito; b) foi logo assistido no Serviço de Urgência do Hospital de ………, em Santa Maria da Feira e, atenta a gravidade daquelas lesões, foi transferido para o Hospital de ………., no Porto, onde entrou em estado de coma; c) esteve aí internado nos Cuidados Intensivos, onde permaneceu em coma e ligado a um ventilador até 18-10-2002, ou seja, durante 9 dias; d) correu sério risco de vida [cfr. itens 14) a 18) e 32) dos factos provados]. 3) Para efeitos de aferição do quantum doloris, os factos provados revelam que: a) foi sujeito a intervenção cirúrgica, para "encavilhamento endomedular do fémur esquerdo, com vareta endomedular bloqueada", e imobilizado com gesso o membro inferior direito; b) após a alta hospitalar, esteve imobilizado no leito; c) em 30-10-2002, regressou ao Hospital de ……….., onde ficou internado, no Serviço de Ortopedia, até 02-11-2002; d) a partir desta data, passou a ser seguido na consulta externa de Ortopedia do Hospital de ………. até 08-01-2003, no decurso da qual foi-lhe diagnosticada "lesão do nervo ciático popliteo externo esquerdo", que se traduz por "alterações de sensibilidade e défice de extensão do pé"; e) efectuou tratamentos de fisioterapia nos Serviços Clínicos da ré entre 02-11-2002 até 24-04-2003; em Junho de 2003, foi submetido a uma cirurgia para extracção de material de síntese do fémur, que o obrigou a internamento de cerca de oito dias; f) em 20-12-2003, fez TAC cerebral, que revelou “área de atrofia temporal direita, traduzindo sequelas de contusão cerebral e provável fissura de líquido cefaloraquidiano, envolvendo o rochedo direito”; g) em 21-12-2003 deu entrada no serviço de urgência do Hospital de São Sebastião por apresentar cefaleias, febre e rigidez na nuca, devido a meningite bacteriana, tendo aí ficado internado para tratamento antibiótico até 31-12-2003; h) a partir de Dezembro de 2003, esteve novamente entregue aos cuidados dos serviços clínicos da ré, de que teve alta definitiva em 12-10-2004; i) em Março de 2004, foi submetido a uma neurocirurgia para "encerramento de fístula de liquor" [cfr. itens 9), 10), 11), 19), 20), 21), 22), 23), 24), 25), 26), 27), 28) e 29) dos factos provados]. Assim, no período de 24 meses, o autor foi submetido a três intervenções cirúrgicas e a prolongados e dolorosos tratamentos de fisioterapia, sofreu fortes dores físicas e psíquicas, quer após o sinistro, quer durante os tratamentos e as diversas intervenções cirúrgicas a que foi sujeito, e correu sério risco de vida, o que lhe causou forte ansiedade e desespero [cfr. itens 30), 31) e 32) dos factos provados]. 4) Em matéria de sequelas, os factos provados mostram que: a) ficou a padecer de cefaleias frequentes e alterações de comportamento e perturbação do controle emocional; dificuldades de concentração, fatigabilidade intelectual, modificações de humor e perturbações do sono; dor ocasional na coxa direita, sobretudo com as mudanças climatéricas; parestesia no dorso do pé direito, com diminuição da força de dorsiflexão do mesmo, o que limita a sua actividade ocasional, sobretudo em esforço, salto e corrida; gonalgia ocasional, sensação de instabilidade (falha do joelho) à esquerda; b) apresenta cicatrizes na região naguedeira, com coloide (cirurgia) e na face lateral da coxa esquerda, com cerca de 3 x 10 cm; atrofia da coxa direita de 1 cm; défice de extensão do halux e diminuição de dorsiflexão do pé à esquerda (força muscular grau IV); instabilidade postero-externa do joelho esquerdo, traduzida por gaveta posterior e postero-externa de + dura, assim como pela rotação externa do pé a 30º aumentada; c) A nível laboral, as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares e não é capaz de lidar com trabalhos que impliquem organizações e método e que exijam coordenação psicomotora; d) o exercício contínuo de esforços físicos causa-lhe fortes dores, inchaço da perna esquerda e do pé direito e, ainda, cefaleias generalizadas; e) sofre frequentemente fortes crises nervosas e cefaleias generalizadas, que o atormentarão pela vida fora; f) todas estas sequelas são permanentes e tendem a agravar-se com a idade; g) ficou com uma incapacidade permanente geral de 30%, a qual com elevada probabilidade aumentará em 5% face ao agravamento daquelas sequelas [cfr. itens 33), 34), 35), 36), 37), 38), 39), 40) e 41) dos factos provados]. 5) Quanto a prejuízo de juventude, auto-estima e afirmação social, os factos provados revelam que: a) era, à data do sinistro, trabalhador, saudável, alegre, robusto, dinâmico e com prazer pela vida, tinha um emprego estável e acreditava no futuro; b) em consequência do sinistro, perdeu de forma irreversível o emprego que na altura possuía, passou a ser um jovem triste, amargurado, introvertido e sem as mesmas perspectivas de futuro; c) vive isolado e desgostoso, consciente que é da sua elevada incapacidade e de socialmente ser visto como um incapacitado, sente-se inferiorizado e desdenha do seu futuro; d) não mais frequentou a praia, de que muito gostava, e deixou de praticar os seus desportos favoritos, futebol de salão e ténis; e) nos últimos meses, na ânsia de arranjar emprego, iniciou funções em três empresas, uma no ramo da cortiça, outra no ramo do calçado e outra numa serralharia, tendo todas elas prescindido dos seus serviços; f) a medicação que lhe foi ministrada deu causa a um processo de cárie rompante, levando a uma rápida degradação pulpar, o que o obrigou a inúmeros tratamentos de estomatologia [cfr. itens 42), 43), 44), 45), 46), 47), 48), 49), 50), 60), 63) e 64) dos factos provados]. Perante este conjunto de circunstâncias, em que é visível que o autor foi gravemente afectado na sua integridade física, esteve em iminente perigo de vida, sofreu um quantum doloris físico e psíquico de grau elevado, ficou com sequelas que afectam, em grau significativo, a sua capacidade de trabalho, a sua qualidade de vida, a sua personalidade e a sua auto-estima, de que a IPP fixada em 35% (30+5) é a expressão mais concreta e mais efectiva, cremos que a quantia fixada se configura adequada a esse quadro lesivo e equilibrada perante os valores que a jurisprudência vêm fixando a este título. Assim, fazendo referência à jurisprudência mais recente, importa destacar: Ao nível desta Relação e em recentes acórdãos proferidos nesta mesma Secção, foram fixados os seguintes montantes indemnizatórios: i) em acórdão de 02-06-2009, proferido no processo n.º 11/06.2TBLSD.P1 e publicado em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/, foi considerado ajustado fixar em € 35.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um jovem de 18 anos que ficou a padecer de IPG de 20% e que foi submetido a 4 intervenções cirúrgicas e a tratamentos e internamentos, durante os quais suportou dores e sofrimentos consideráveis; ii) em acórdão de 06-10-2009, proferido no proc. n.º 691/06.9TBAMT.P1 (que o ora relator subscreveu como adjunto), foi fixada a quantia de € 30.000,00 para uma criança de 10 anos de idade que sofreu acidente de viação em 2003 e ficou a padecer de "atrofia renal direita com diminuição marcada da função renal, com lesões corticais", que lhe determinavam uma IPG de 12%; iii) e no mais recente acórdão de 13-10-2009, também por nós relatado no proc. n.º 198/1998.P1 ( e que está para publicação nas bases do Itij), foi confirmado o montante de € 32.500,00 fixada na 1.ª instância, para o caso de uma jovem de 16 anos de idade, que, em consequência de acidente de viação, ficou afectada de incapacidade permanente geral de 15%. Ao nível das decisões do Supremo Tribunal de Justiça, importa destacar que, no acórdão de 07-07-2009, proferido no proc. n.º 704/09.9TBNF.S1 (em www.dgsi.pt.jstj.nsf/), foi confirmado o montante indemnizatório de € 45.000,00 atribuído a uma jovem de 19 anos que, em 2002, sofreu queimaduras do 1.º e 2.º grau, na região cervical (pescoço), na parte superior do peito (tórax) e no membro superior direito, mas de que apenas ficaram a subsistir sequelas de natureza estética. Se tivermos em conta que, no caso destes autos, o autor sofreu lesões que colocaram em risco a sua vida, ficou afectado de uma IPP de 35%, e sofreu um quadro bastante doloroso, física e psiquicamente, em matéria de cirurgias, internamentos hospitalares e tratamentos de fisioterapia, entre outros, o montante fixado, comparativamente com os anteriormente referidos, surge como equilibrado e adequado. 7. Contra-argumenta a ré que o montante de € 50.000,00 é o que vem sendo fixado pela perda da vida ou "dano-morte", para daí extrapolar que, sendo a vida o bem suprema das pessoas, a sua compensação há-de estar no topo da pirâmide dos valores indemnizatórios. A lógica do argumento radica, pois, neste pressuposto: a mera ofensa do direito à integridade física das pessoas, não sendo tão grave como a ofensa do direito à vida, não poderá justificar compensação de montante equivalente ou superior ao da perda da vida. Ora, em primeiro lugar, não é de todo exacto que a indemnização pela perda da vida tenha como limite máximo o montante de € 50.000,00. Existem várias decisões conhecidas que têm elevado essa compensação para valores situados entre € 60.000,00 e € 75.000,00. Tal ocorreu, por exemplo, nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27-11-2008 e 30-11-2008, ambos em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 08P1413 e 08B2989, e nos acórdãos da Relação do Porto de 18-11-2008 e 13-05-2009, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ procs. n.º 0821320 e 0848033, entre outros. Em segundo lugar, cremos que a lógica daquele argumento não encontra receptividade no critério plasmado nos n.ºs 1 e 3 do art. 496.º do Código Civil. E o Supremo Tribunal de Justiça, através do recente acórdão de 12-03-2009 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 08P3635), acaba de lhe dar a resposta mais adequada, dizendo que "não vigora no nosso ordenamento jurídico nenhuma norma positiva ou princípio jurídico que, no âmbito dos danos não patrimoniais, impeça a atribuição duma compensação ao lesado sobrevivente superior ao máximo daquela que habitualmente tem sido atribuída … para indemnizar o dano da morte". E acrescenta que "isso pode suceder quando, tendo em conta o art. 496.º, n.º 1, do CC, a perda da qualidade de vida do lesado atinja um patamar excepcionalmente elevado, expresso nas dores, sofrimentos físicos e morais e limitações de vária natureza a que tiver ficado sujeito para o resto da vida em consequência do acto lesivo". Coincidentemente, já anteriormente havíamos sido confrontados com este mesmo argumento, em sentença proferida em 30-03-2004, no processo n.º 290/1999 do 2º Juízo da comarca de Chave. Onde então, perante um caso de elevada danosidade causada em ofensa à integridade física e psíquica da lesada também resultante de acidente de viação, expressámos o seguinte entendimento: "Sem exagero, poder-se-á dizer que a autora não foi apenas ofendida na sua integridade física; também foi atingida no seu direito à vida, entendido este direito não apenas no sentido restrito da existência física da pessoa, mas no sentido amplo do direito a um tipo de vida sadia e com qualidade, do direito de viver com dignidade e com prazer, que é o significado do direito à vida reconhecido e tutelado tanto pela ordem jurídica interna como pela ordem jurídica internacional, com expressão nos arts. 3.º e 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e nos arts. 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, 64.º, n.º 1, e 66.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, assim abrangendo as diversas vertentes da pessoa humana, em que se incluem a integridade física e moral, a saúde e o bem-estar, e cada uma das funções do corpo humano".[1] Dentro desta concepção, são várias as decisões que têm fixado compensações indemnizatórias decorrentes de ofensa à integridade física de montantes superiores aos fixados pela perda da vida. Assim, no acórdão do STJ de 03-03-2009, proferido no proc. n.º 09A0009 (em www.dgsi.pt/jstj.nsf/), foi fixada a indemnização de € 150.000,00 a um médico de 47 anos, que, em consequência de acidente, ficou paraplégico e dependente da ajuda permanente de terceira pessoa, o que lhe determinava uma incapacidade permanente geral de 85%; no acórdão do STJ de 14-10-2008, proferido no proc. n.º 08A2677, foi fixada a compensação de € 100.000,00 pelo dano estético irreversível de que ficou afectada uma jovem de 13 anos; e no acórdão do STJ de 19-06-2008, proferido no proc. n.º 08B1841, foi fixado o montante de € 120.000,00 pelo dano moral sofrido por uma mulher de 27 anos de idade, que ficou afectada de IPP de 70% resultante de amputação do membro inferior direito, com prejuízo estético e funcional, afectação sexual, perda de auto-estima, para além das operações a que foi sujeita e do sofrimento físico e psíquico que teve de suportar. A essa conexão entre o direito à vida "com qualidade, com dignidade e com prazer" e o direito à integridade física e psíquica, importa acrescentar um argumento essencialmente de ordem pragmática: enquanto os beneficiários da indemnização pela ofensa da integridade física são os próprios lesados, os beneficiários da indemnização pela perda da vida são terceiros (os herdeiros referidos no n.º 2 do art. 496.º do Código Civil). O que, em termos de justiça material, comporta uma diferença significativa que emerge da própria razão de ser deste tipo de indemnização: justa compensação e não fonte de enriquecimento. Finalmente, mantém plena actualidade e justificação a doutrina do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que “a indemnização por danos não patrimoniais, para responder, actualizadamente, ao comando do art. 496.º do Código Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa” (cfr. os acs. de 11-10-94, na CJ-STJ/1995/ III/89), e de 23-04-98, na CJ-STJ/1998/II/49). Pelos motivos expostos, entendemos que deve ser mantido o montante de € 50.000,00 fixado na 1.ª instância título de danos não patrimoniais. 8. As considerações que anteriormente foram feitas sobre a equidade são igualmente válidas, com as necessárias adaptações, para a fixação do montante indemnizatório pelo dano patrimonial futuro previsível atinente à perda da capacidade de ganho, na medida em que é também esse o critério que a lei prevê para a fixação desta indemnização (arts. 564.º, n.º 2, e 566.º, n.º 3, do Código Civil). As correcções a operar na sua aplicação em concreto são as resultantes dos elementos aqui a considerar como base do cálculo desta indemnização. Esses elementos são agora a idade do lesado, o grau de incapacidade de que ficou afectado, o rendimento que auferia, o tempo de vida activa e física e a taxa de juro que serve de referência às operações de depósitos a médio-longo prazo. Como salientam os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05-07-2007 e 03-03-2009, ambos do mesmo relator (Cons. Nuno Cameira) e publicados em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 07A1734 e 09A0009, respectivamente, "trata-se duma quantificação difícil de fazer, pois tem que fundar-se em dados sempre contingentes e mutáveis, tais como a idade, o tempo de vida (activa e física) e a evolução do salário do lesado, bem como da taxa de juro. Daí que … a jurisprudência nacional tenha vindo a fazer um grande esforço de clarificação na matéria, visando o estabelecimento de critérios de apreciação e de cálculo dos danos que reduzam ao mínimo a margem de arbítrio e de subjectivismo dos magistrados, por forma a que as decisões, convencendo as partes devido ao seu mérito intrínseco, contribuam para uma maior certeza na aplicação do direito e para a redução da litigiosidade a proporções mais razoáveis". Fazendo a síntese dos pressupostos a ter em conta na fixação desta indemnização, segundo a jurisprudência mais representativa, os dois acórdãos referidos enunciam: 1.º) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; 2.º) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; 3.º) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade; 4.º) No caso de morte do lesado, deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio gastaria consigo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos); 5.º) Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia; 6.º) E deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 76 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos oitenta). Com a ressalva deste último, concordamos com os pressupostos enunciados. Quanto ao tempo de vida previsível a considerar, entendemos que, estando em causa avaliar a dimensão de um prejuízo patrimonial previsível (art. 564.º, n.º 2 do Código Civil) que se traduz na perda da capacidade de trabalho e de ganho, o tempo que nos parece mais adequado atender no cálculo da indemnização não pode ter por limite a idade previsível de vida física, mas a idade previsível de vida activa ou a chamada "idade normal da reforma" (cfr. o ac. do STJ de 24-09-2009, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 09B0037), que é a que corresponde ao período de tempo previsível em que o lesado poderia, em condições de normalidade, trabalhar e ganhar. O período de vida que excede este limite temporal já não interfere com a sua capacidade de ganho e, por isso, não pode representar um "dano previsível", como exige o n.º 2 do art. 564.º do Código Civil. A partir de então, as suas necessidades básicas deverão ser asseguradas pela sua pensão de reforma, e não pela sua capacidade de trabalho. Não obstante, isto não quer dizer que a idade normal da reforma tenha, necessariamente, como limite os 65 anos. Este é, actualmente, o limite mínimo necessário. O qual, previsivelmente dentro de pouco tempo, tende a subir para os 70 anos, em consequência do aumento da expectativa de vida. A idade normal da reforma mantém-se, actualmente, nos 70 anos. Que é a idade em as pessoas se reformam por "limite de idade". Até aí, qualquer pessoa pode, querendo, manter-se na vida activa. E, por conseguinte, deverá ser esta idade o limite a tomar como referência no cálculo da indemnização pela perda da capacidade de ganho. E não, necessariamente, os 65 anos. Feitas estas considerações, importa apreciar o caso concreto. A 1.ª instância fixou, a título de danos futuros inerentes à perda da capacidade de ganho reportada à IPP de que o autor ficou afectado, a quantia de € 85.000,00, com base nos seguintes elementos concretos de aferição: a) que o lesado tinha 16 anos; b) ficou afectado com uma incapacidade permanente geral de 30 + 5% (35%); c) auferia, à data do acidente, um rendimento mensal de € 515,01 x 14 meses; d) período expectável de vida até aos 70 anos; e) taxa de capitalização de 2%. A ré discorda deste cálculo apenas quanto ao facto de o valor da retribuição considerada incluir, para além do salário base auferido pelo lesado, os valores recebidos a título de bónus de assiduidade e gorjetas, por entender que estas remunerações, não tendo carácter fixo nem estável, não podem ser englobadas no cálculo da indemnização. De modo que, tomando por referência que o autor tinha 49 anos de vida activa, que ficou com um grau de incapacidade para o trabalho de 35% e que auferia o salário mensal de € 365,00 x 14 meses, e aplicando a taxa de capitalização de 3%, obteve o valor de € 45.610,96. Admite, porém, que esse valor seja corrigido equitativamente para € 50.000,00, para compensar a perda dos bónus de assiduidade e gorjetas. Em alternativa, entende que, a ter-se em conta o salário global de € 515,01, o valor arbitrado não pode exceder € 70.000,00, se em vez da taxa de capitalização de 2% for utilizada a taxa de 3%, que tem por mais razoável. É diferente a posição do autor. Que pretende o aumento desta indemnização para € 300,000,00 ou, pelo menos, para € 275.625,00, com base em dois pressupostos: 1) o primeiro também se refere ao valor da retribuição a considerar no cálculo da indemnização, dizendo que esse valor não é o que auferia no momento do acidente, mas o do "salário médio" que iria auferir ao longo da sua vida e que tenha em conta os aumentos de que iria beneficiar, seja para compensar a inflação, seja por motivos de promoções profissionais, estimando que o valor desse salário médio assim ficcionado seja de € 1.500,00; 2) o segundo refere-se à dedução de 1/3 do montante apurado, que foi justificada com "os gastos em despesas pessoais" que o lesado iria ter consigo ao longo da sua vida, por entender que esta dedução só se justifica em caso de morte da vitima, o que aqui não aconteceu. Ora, quanto ao valor da retribuição a considerar na fixação do montante indemnizatório, entendemos que nem a ré nem o autor têm razão para discordar da sentença recorrida. A qual, neste aspecto, considerou a soma de todas as remunerações que o autor auferia mensalmente, de forma regular e estável. E, tal como resulta dos itens 51) e 52) dos factos provados, essas remunerações compreendiam € 348,01 de salário base, € 17,00 de subsídio de alimentação e € 150,00 a título de bónus de assiduidade e gorjetas. Como se infere do item 51) dos factos provados, a quantia de € 150,00 aí referida representa já a média mensal que o autor recebia a título de bónus de assiduidade e gorjetas. Constituindo, pois, um rendimento regular e estável com relevância na economia do autor. O que se passa é que apenas o valor da retribuição base (€ 348,01) é considerada para efeitos dos subsídios de férias e de Natal. Nem o subsídio de alimentação nem os bónus de assiduidade e gorjetas são contabilizados naqueles subsídios. O que quer dizer que, no apuramento do valor da retribuição anual, só a retribuição base pode ser multiplicada por 14 prestações. As restantes só podem ser multiplicadas por 12. De que resulta o rendimento anual de € 6.876,14, obtido da seguinte forma: (348,01€ x 14) + (17€ x 12) + (150€ x 12). Devendo ser este o valor a considerar naquele cálculo (ou o rendimento mensal médio de € 573,01 x 12 meses). É certo que existe alguma jurisprudência que entende dever ser tomado por referência, não o valor da retribuição efectivamente recebida no momento da produção do dano, mas o valor de "um salário médio ficcionado" que tenha em conta a evolução dos salários no período de vida activa do lesado. Sucede que esta actualização pode ser alcançada, em nossa opinião, com maior objectividade e maior rigor, através da aplicação de uma taxa que tenha em conta a taxa média de inflação previsível ou provável para o período de tempo a considerar e eventuais promoções de que o lesado viria provavelmente a beneficiar ao longo da sua carreira profissional. E algumas das fórmulas aritméticas que vêm sendo utilizadas no cálculo desta indemnização já incluem uma taxa para fazer face a esta actualização ou evolução salarial. De modo que só se justificaria recorrer ao dito "salário médio ficcionado" como critério alternativo àquela taxa de actualização. E se é verdade que no cálculo realizado na sentença recorrida não foi tomada em conta essa taxa de actualização, não é menos verdade que foi considerada uma taxa de capitalização de apenas 2%, quando a jurisprudência vem utilizando a taxa de 3% (cfr. os acórdãos do STJ de 25/06/2002, na CJ-STJ/2002/II/128, e de 04-12-2007, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 07A3836). Ora, é sabido que esta taxa de capitalização é muito relevante no cálculo do valor da indemnização. Representa o valor do rendimento que o montante da indemnização fixada é capaz de gerar ao longo dos anos até se esgotar. De moldo que, quanto mais alta for a taxa de capitalização menor deverá ser o valor do capital aqui representado pelo valor da indemnização. O que quer dizer que, em termos aproximados, a menor taxa de capitalização utilizada na sentença recorrida já compensa, pelo menos parcialmente, a não actualização do valor do salário. O qual, apesar de tudo e conforme assim demonstrado, também foi calculado por excesso, ao partir da base remuneratória de 515,01€ x 14, em vez de 573,01 x 12 ou 491,15€ x 14. Excesso que também há que incluir naquela compensação, a qual, porém, ainda fica ligeiramente abaixo do valor alcançado. Com efeito, tendo em conta as circunstâncias concretas deste caso inerentes à idade do autor à data do acidente (16 anos), ao grau de IPP de que ficou afectado (35%) e ao valor da retribuição que auferia (€ 573,01 x 12 meses), e tomando ainda como referências concretas do montante a apurar, a idade normal da capacidade de trabalho até ao limite dos 70 anos, a taxa de capitalização de 3% e uma taxa de 2% relativa à actualização e evolução da massa salarial no período em causa, o valor alcançado como o mais ajustado a essas circunstâncias concretas perfaz € 93.000,00, ou seja, um pouco acima do montante fixado na 1.ª instância. 9. Para além das duas questões antecedentes, a ré alega ainda que o montante fixado a título de indemnização pela perda dos salários que o autor deixou de receber não deve incluir os bónus de assiduidade e gorjetas, que diz não terem "carácter fixo, nem estável", pretendendo a correcção do valor dos salários perdidos e ainda não pagos para o montante de € 13.000,02, resultante de (€ 365,01 x 2) + (€ 480,00 x 14) + (€ 550,00 x 10). Neste âmbito, a sentença recorrida considerou o seguinte: «No caso vertente o Autor esteve impossibilitado de exercer a sua função laboral desde a data do sinistro (09/10/2002) até à data em que obteve a alta, ou seja Outubro de 2004 (facto 56). Assim, face à evolução salarial demonstrada no facto provado n.º 54 e de acordo com os rendimentos descritos no facto provado n.º 51, o Autor, até àquela data, deixou de auferir cerca de € 17.220,84 (ano de 2002 = 365,01 X 14 = € 5.110,14 + bónus e gorjetas, sendo que desde o sinistro até ao fim do ano de 2002 deixou de auferir a quantia correspondente a dois meses de salário, os respectivos proporcionais referentes a subsídio de férias e natal, bónus e gorjetas de dois meses, num total de cerca de €725,84. Quanto ao ano de 2003, aplicando o mesmo raciocínio, o Autor deixou de auferir cerca de €8.520,00. E no ano de 2004, face à alta em Outubro, deixou de auferir cerca de €7.975,00).» Ora, cremos que neste ponto assiste alguma razão à ré. Não quanto à pretensão de excluir desse cálculo as quantias recebidas a título de bónus de assiduidade e gorjetas, na medida em que, conforme já ficou referido supra, tais quantias constituíam um rendimento que o autor recebia de forma regular e estável, representando a quantia de € 150,00 referida no item 52) a média auferida por mês a esse título. E deixando de receber essas quantias em consequência do acidente, tal facto representa uma perda patrimonial que tem de ser reparada. Onde nos parece que assiste razão à ré é no cálculo realizado na 1.ª instância dos montantes remuneratórios que o autor deixou de receber no período em que esteve totalmente impossibilitado de trabalhar. Assim, tendo em conta os factos descritos nos itens 1) e 56), o autor deixou de receber as remunerações salariais desde o dia seguinte ao do acidente, que ocorreu em 09-10-2002, até à data da alta, que ocorreu no mês de Outubro de 2004. De que resulta que deixou de receber da sua entidade empregadora as remunerações desde 10-10-2002 até 30/09/2004 (não constando dos factos provados o dia exacto da alta — cfr. item 56) dos factos provados —, facto que lhe competia provar, o limite a ter em conta, para este efeito, é o dia 01-10-2004). De acordo com o que consta dos itens 51) a 54) dos factos provados, em 2002 a remuneração do autor era constituída por € 348,01 de retribuição base + € 17,00 de subsídio de alimentação + € 150 € (em média) de abonos de assiduidade e gorjetas; no ano de 2003 era constituída por € 480,00 de retribuição base + € 17,00 de subsídio de alimentação + € 150 € (em média) de abonos de assiduidade e gorjetas; e no ano de 2004 era constituída por € 555,00 de retribuição base + € 17,00 de subsídio de alimentação + € 150 € (em média) de abonos de assiduidade e gorjetas. Feitas as contas a partir desses elementos, resulta que: 1) No ano de 2002, entre 10/10 a 31/12, deixou de receber os salários correspondentes a 22 dias do mês de Outubro, no montante de € 377,74, ou seja: [(348,01 : 30 = 11,60 x 22 = 255,20) + (17 + 150 = 167 : 30 = 5,57 x 22 = 122,54) = 377,74]; deixou de receber as remunerações dos meses de Novembro e Dezembro, no montante de € 1.030,20 [(348,01 x 2 = 696,20) + (17 + 150 = 167 x 2 = 334,00) = 1.030,20]; e o subsídio de Natal na proporção de 3/12, ou seja (348,01 x 3/12 = 87,00). Perfazendo a soma deste conjunto remuneratório € 1.494,94 (377,74 + 1.032,20 + 87,00). 2) No ano de 2003 deixou de receber: (480,00 x 14 = 6.720,00) + (17 + 150 = 167 x 12 = 2004) = 8.774,00€. 3) No ano de 2004, até 01/10, incluindo o subsídio de férias, deixou de receber: (555,00 x 10 = 5550,00) + (17 + 150 = 167 x 9 = 1.503,00) + (555,00 X 9/12 = 416,25 de subsidio de Natal proporcional a 9 meses) = 7.469,25€. A soma dessas remunerações salariais não recebidas pelo autor da entidade empregadora perfaz € 17.738,19 (1.494,94 + 8.774,00 + 7.469,25€). Como, porém, consta do item 68) dos factos provados que a ré adiantou ao autor, a título de perdas salariais, a quantia de € 5.380,00, há que deduzir esta quantia àquela soma, ou seja: € 17.738,19 - € 5.380,00 = € 12.358,19. Donde se conclui que o valor das remunerações salariais em dívida perfaz € 12.358,19. 10. Concluindo: 1) Estando provado que o autor auferia, em média, por mês, mais € 150,00, a título de bónus de assiduidade e gorjetas, como complemento da sua retribuição normal mensal, aquela quantia deve ser considerada para efeitos da fixação do montante indemnizatório por danos patrimoniais sofridos, respeitantes à perda de salários durante o período em que esteve impossibilitado de trabalhar e à perda de capacidade de ganho de que ficou afectado com carácter permanente. 2) Prevendo a lei (art. 496.º, n.º 3, do CC) que o montante da indemnização por danos não patrimoniais será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º, mostra-se equilibrada a fixação da quantia de € 50.000,00 para compensar os danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, que tinha à data 16 anos de idade, perante um quadro fáctico revelador de que: sofreu, entre outras lesões de menor gravidade, traumatismo crânio-encefálico grave com contusão temporal direita, de que resultou estado de coma pelo período de 9 dias e iminente perigo de vida; foi sujeito a vários internamentos hospitalares, a três intervenções cirúrgicas e a prolongados e dolorosos tratamentos de fisioterapia; sofreu um quantum doloris físico e psíquico de grau elevado; ficou com sequelas, incluindo uma IPP de 35%, que afectam, em grau significativo, a sua capacidade de trabalho, a sua qualidade de vida, a sua personalidade, a sua juventude e a sua auto-estima e afirmação social. 3) Também a indemnização por danos futuros previsíveis relativos à perda da capacidade de ganho inerente à IPP de 35% de que o autor ficou afectado é fixado "equitativamente dentro dos limites [o tribunal] que tiver por provados" (arts. 564.º, n.º 2, e 566.º, n.º 3, do CC), sendo entendimento unânime na jurisprudência que os elementos a ponderar na sua fixação são a idade do lesado, o grau de incapacidade de que ficou afectado, o rendimento que auferia, o tempo de vida activa e física, a taxa de juro que serve de referência às operações de depósitos a médio-longo prazo e o coeficiente da evolução previsível da massa salarial. 4) Partindo destes pressupostos, tem-se por equilibrada a quantia de € 93.000,00 para indemnizar o dano patrimonial inerente à perda da capacidade de ganho, em que o lesado tinha 16 anos, ficou afectado com uma incapacidade permanente geral de 35% e auferia à data do acidente a retribuição mensal de € 573,01 x 12 meses, tendo ainda em conta, como referenciais da dimensão desse dano, o limite da capacidade de trabalho nos 70 anos, a taxa de capitalização de 3% e o coeficiente de actualização salarial de 2%. 5) Resultando das alterações operadas à sentença recorrida que o montante global da indemnização a pagar pela ré ao autor perfaz € 156.124,92 (50.000,00 + 93.000,00 + 12.358,19 + 766,75), que se arredonda para € 156.125,00. IV – DECISÃO Por tudo o exposto, julgando parcialmente procedentes as duas apelações, decide-se: 1) Revogar parcialmente a sentença recorrida e condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 156.125,00 (cento e cinquenta e seis mil cento e vinte e cinco euros), a título de indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do acidente sofrido em 09-10-2002, descrito nesta acção, acrescida de juros de mora, às taxas legais em vigor no período da mora, a contar da data da citação da ré até integral pagamento. 2) Custas da acção na proporção do decaimento de cada uma das partes (art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). E custas das apelações na proporção de 4/5 pelos apelantes e 1/5 pelos apelados, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que beneficias o autor.* Relação do Porto, 27-10-2009 António Guerra Banha Anabela Dias da Silva Sílvia Maria Pereira Pires ________________________ [1] Sobre a vida humana como complexo unitário somático-psíquico da personalidade humana, cfr. O Direito Geral de Personalidade, de Rabindranath Capelo de Sousa, Coimbra Editora, 1995, pp. 203/ss.