I - Os peões têm o dever de se assegurarem, previamente, quando atravessam qualquer via pública de que o podem fazer sem risco de acidente, não sendo exigível aos condutores de veículos que prevejam a violação dessa norma por parte dos transeuntes. II - Por isso, dá causa ao acidente não só o condutor do automóvel que transitava a mais de 50 km/hora, mas também o peão que invadiu a faixa de rodagem, proveniente duma zona sem visibilidade, escondido pelo volume da vegetação herbácea com a altura de 1,50 e sem, previamente se acautelar do transito da via. III - Atendendo às lesões sofridas, às cicatrizes de que ficou portador, à dificuldade em caminhar e efectuar os movimentos básicos necessários à actividade diária (lavar-se, vestir-se, etc, à IPP de 30% mostra-se ajustada a indemnização por danos não patrimoniais fixada em 25.000 euros.
Rel. 11/09-994 Procº P 6894/03.0TVPRT.P1-2ª Secção Apelação Porto- 6ªV-P 8894/03.0TVPRT.P1 Acordam na2ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto Relatório B………. propôs acção declarativa de condenação, com processo ordinário, emergente de acidente de viação, contra C……….-COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 50.000,00. Para tanto, o Autor alegou, em síntese, ter sido atropelado por um veículo automóvel seguro pela Ré, por culpa do respectivo condutor, o qual o podia ter avistado a pelo menos 70 metros de distância podendo ter-se imobilizado ou mudado de faixa de rodagem, mesmo à velocidade elevada a que seguia. Que em consequência do embate do veículo, o Autor sofreu várias lesões corporais, as quais lhe determinaram uma IPP de 30%. Concluiu pelo montante peticionado, por ser o correspondente ao valor da compensação pelos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência do acidente. A Ré contestou, impugnando parcialmente a descrição do acidente feita na petição e imputando ao Autor a responsabilidade pela sua ocorrência, por ter iniciado a travessia sem ter atentado na presença do veículo seguro, o qual não pode evitar o embate no Autor por este se lhe ter deparado de forma súbita e imprevista, a cerca de 20 metros de distância, apesar de existir uma passadeira para a travessia de peões a cerca de 50 metros de distância do local do acidente concluindo pela improcedência da acção. Após haver sido proferida uma primeira sentença que por Acórdão deste Tribunal foi objecto de decisão anulatória por obscuridade da matéria de facto relativamente a alguns pontos da matéria de facto controvertida foi realizada nova audiência de discussão e julgamento com o formalismo próprio conforme na acta se exara, com registo fonográfico da prova em conformidade com o disposto no artigo 522-B do Código Processo Civil, como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial havendo sido proferida a final decisão nos seguintes termos: “Pelo exposto, julgo a acção parcialmente provada e procedente e, consequentemente, condeno a ré a pagar ao autor a indemnização de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde a citação até integral pagamento” Inconformada com o seu teor veio a Ré Seguradora interpor o presente recurso de Apelação tendo para o efeito nas alegações oportunamente apresentadas aduzido a seguinte matéria conclusiva que passamos a enunciar: A) Na sequência do douto Acórdão da Relação do Porto de 07.04.2008, foi realizada nova audiência de julgamento relativamente a determinados pontos da matéria de facto (quesitos 1°, 2°, 8°, 11°, 13°, 14°, 15º e 16° da B.1). B) Ao contrário do que havia sucedido anteriormente, na Sentença sob recurso foi entendido que o condutor do veículo automóvel tinha sido o único e exclusivo culpado pelo atropelamento do Autor. C) Apesar de terem sido reformuladas as respostas dadas a alguns dos indicados pontos da matéria de facto e de ter sido dado como não provado o quesito 16°, continua a evidenciar-se ter o atropelamento do Autor ficado a dever exclusivamente à sua actuação altamente culposa. D) O atropelamento do Autor ocorreu numa curva fechada e de fraca visibilidade para o lado esquerdo, atento o sentido de marcha do JQ. E) O peão saiu do separador central onde existia diversa vegetação, nomeadamente hérbaceas com a altura aproximada de 1,5 metros. F) O condutor do JQ apenas podia avistar o peão a uma distância de sensivelmente 20 metros, sendo que este atravessava a via do lado esquerdo para o direito. G) O JQ circulava à velocidade de 60 Km/hora, sendo que a velocidade máxima estabelecida para aquele local era de 50 Km hora. H) Esse reduzidíssimo acréscimo de velocidade, de apenas 10 Km/hora, não teve a menor influencia no acidente que sempre (ou pelo menos muito provavelmente) teria ocorrido ainda que o JQ seguisse a 50 Km/hora. I) Não houve nexo causal entre esse excesso (no sentido de mais elevado) de velocidade e o atropelamento do peão. J) O atropelamento do Autor ficou a dever-se exclusivamente à circunstância de ter escolhido uma curva fechada e de fraca visibilidade para proceder à travessia da Estrada ………., sem que previamente se pudesse certificar de que o poderia fazer em segurança e sem perigo de acidente. K) As simples características daquele local eram impeditivas ou no mínimo totalmente desapropriadas ao atravessamento da via. L) Com a sua conduta o Autor violou grosseiramente o disposto no n° 2, com referência ao preceituado na al. a) do artigo 99° e no n° l do artigo 101°, ambos do Código da Estrada, sendo manifesto que a sua conduta foi a única causa directa e causal do seu próprio atropelamento. M) Os danos de natureza não patrimonial sofridos pelo Autor mostram-se sobreavaliados. N) Apesar das dificuldades que a sua valoração encerra, julga-se ser anais justa e equilibrada a sua quantificação em Ê 15.000,00. O) Ao decidir diferentemente, a douta Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 483°, 487°, 496°, 505° e 563° todos do CC, bem como interpretou erradamente o disposto nos artigos 24° n° 1, 99° n° 2, al. a) e 101° n°1 do Código da Estrada. Termina concluindo que deve ser dado provimento ao recurso e revogar-se a Sentença recorrida. Foram apresentadas contra alegações nas quais se pugna pela manutenção da decisão proferida. Mostram-se colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Adjuntos pelo que importa apreciar e decidir. THEMA DECIDENDUM A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº3 e 690 nº1 e 3. As questões que estão subjacentes no âmbito de apreciação do presente recurso são as que se encontram colocadas no âmbito da decisão proferida e que essencialmente respeitam a) Apreciação e sindicalização da matéria factica considerada assente e provada b) Responsabilidade da conduta rodoviária dos intervenientes no sinistro c) Montante e quantificação da indemnização a arbitrar por virtude da ocorrência do sinistro DOS FACTOS E DO DIREITO Para melhor facilidade expositiva e de compreensão do objecto do presente recurso vamos passar a reproduzir em nota de rodapé a factualidade considerada assente e provada sobre a qual se estruturou a decisão proferida, após a realização da segunda audiência de discussão e julgamento, que é do seguinte teor:[1] Importa desde logo referir que se insurge a Ré Seguradora relativamente à resposta proferida pelo Tribunal a quo ao quesito 16º da Base Instrutória no qual se perguntava: Ao iniciar a travessia o Autor não atentou previamente na presença do JQ? A resposta agora proferida pelo Tribunal foi de “Não Provado” havendo sido no julgamento anterior do seguinte teor: “Ao iniciar a travessia, o Autor não atentou previamente na presença do JQ. Importa desde logo atentar no que foi a fundamentação exarada pelo Mmº Juiz relativamente à resposta proferida a este mesmo quesito em sede da 2ª audiência de discussão e julgamento pelo que passamos a reproduzi-la: “A resposta ao facto controvertido 16° resulta basicamente do depoimento da testemunha d………. (sendo certo que não foi produzido outro qualquer meio de prova a este respeito) de acordo com a qual antes de ser ultrapassada pelo JQ a testemunha já tinha avistado o peão na faixa de rodagem. Ora se isso foi assim, olhando a que o peão saiu de um separador onde existia diversa vegetação principalmente dominada por herbáceas com altura aproximada de 1,5 metros (novamente o facto 12º) e que o veículo conduzido pela testemunha era uma carrinha Ford ………., existem indícios de que o peão não podia e não deve ter atentado previamente na presença do JQ. Com efeito, se algum veículo ele podia ter visto, tudo indica esse veículo seria a Ford ………. conduzida pela testemunha e não o JQ, que sendo um Audi … estaria tapado pela Ford quando o peão invadiu a faixa de rodagem. Contudo, uma coisa é o peão não poder ver o JQ porque este, previsivelmente, estava tapado pela Ford ………. (não viu porque não podia ver) e outra coisa é o peão ter podido avistar o JQ mas não lhe ter dedicado a atenção e observação que lhe era exigível antes de se decidir a atravessar a estrada (não viu porque não quis, quando afinal podia e devia tê lo feito). A lógica da alegação (note-se, feita pela ré) que está na origem deste facto controvertido, é precisamente a que resulta desta última perspectiva: para a ré, o peão tem culpa porque podia avistar o JQ e não o fez. Ora, vistas as coisas nessa perspectiva, que nos parece dever ser aquela em que o facto podia ser interpretado, é evidente que absolutamente nenhuma prova foi produzida e daí a resposta.” Por sua vez analisada a fundamentação exarada relativamente à mesma matéria bem como outra com a mesma atinente na primeira audiência de discussão e julgamento verifica-se o seguinte que igualmente se transcreve em nota de rodapé[2]. A matéria foi impugnada pela Ré como se verifica do teor das suas conclusões recursivas. Sobre esta questão vamos repetir necessariamente o que temos vindo a afirmar em inúmeros Acórdãos proferidos, que cada vez mais e em número que se vem revelando absolutamente quase insuportável em termos materiais, pela quantidade cada vez maior com que são interpostos com este mesmo fundamento de alteração e sindicância da matéria de facto em termos de trabalho exegético e de apreciação de toda a prova que se desenvolve na primeira instância, em que com o devido respeito passe a expressão se vão invadindo os tribunais de recurso da 2ª instância, pretendendo substituir a unicidade da apreciação da prova pelo Juiz singular com registo fonográfico, através da colegialidade de apreciação deste Tribunal, subvertendo-se desta forma todo o sistema que o legislador terá querido implantar com a alteração legislativa à data, e que apenas para determinadas situações absolutamente típicas o determinava no sentido de maiores garantias de aplicação do direito mas e sobretudo para situações limite de apreciação da matéria de facto em que poderia ter ocorrido erro ou lapso manifesto do Tribunal de 1ª instância. Assim temos dito o seguinte dado que a prova produzida em julgamento foi gravada, o que permite a reavaliação da decisão sobre a matéria de facto – art. 712º nº1. “O julgamento da matéria de facto constitui o principal objectivo do processo civil, sendo a responsabilidade do julgador, no que concerne a tal decisão, directamente proporcional à relevância da correspondente afirmação para cada um dos litigantes. Como doutrina o ilustre Prof. Antunes Varela [3] “… são tão graves os danos irremovíveis de uma sentença injusta e tão contingentes as possibilidades de correcção dos erros cometidos, que todo o juiz seja qual for a natureza ou o valor da acção, há-de decidir, para ficar quite com a sua consciência, não com o ânimo de quem, por escassez de tempo ou por acumulação de serviço, tem de confiar no carro vassoura do tribunal superior a emenda do erro que eventualmente tenha praticado, mas com a convicção de quem pode estar enviando por sua mão, para a secretaria judicial o instrumento da última palavra da justiça sobre o caso em disputa” A árdua tarefa que cabe ao julgador, que não goza do dom inatingível da infalibilidade, está necessariamente condicionada pelos limites do conhecimento humano não devendo ter a obsessão de descobrir a “VERDADE” a todo o custo, até porque no exercício do seu múnus, não deixa de estar sujeito aos condicionalismos que o direito probatório lhe vai colocando à sua actividade cognitiva. A sua vivência social e conhecimento da realidade da vida, ainda que consubstanciando sempre uma certa margem de risco relativamente ao apuramento da verdade, mas com o qual se deve conviver, sempre temperam a decisão sem excessivos dramatismos e sem descurar os cuidados que necessariamente se impõem. Outro sistema, que não este, que tem plena consagração no principio da livre apreciação e convicção do julgador, que não admitisse este risco conflituaria com direitos fundamentais ou poderia conduzir a situações de verdadeira denegação de justiça. A produção e gravação dos elementos de prova, designadamente da testemunhal, é aquela que mais dúvidas e angústias suscitam quanto à respectiva valoração pelo Tribunal, e compreende-se de alguma forma, porque não deixam de espelhar nas afirmações ou negações proferidas, toda uma complexidade inerente aos respectivos comportamentos, valores e interpretações. A psicologia judiciária e a experiência ensinam, a quem tem tão árdua tarefa de decidir, que a duplicidade de depoimentos não significa necessariamente, que uma das testemunhas esteja a não dizer a verdade, pois que, a retenção ou não divulgação e a memorização ou o relato dos factos, estão sujeitos a vicissitudes de diversa índole, dificilmente controladas pelo próprio. “Os depoimentos não são bacteriologicamente puros...” resultam de um complexo conjunto de circunstâncias, objectivas e subjectivas, capazes de influenciar consciente ou inconscientemente as testemunhas, e consequentemente, de provocar de forma directa ou indirecta no julgador, a convicção acerca da veracidade ou inverosimilhança Assim, para a ponderação do valor probatório dos depoimentos, importa averiguar, além da relação existente entre a testemunha e as partes, e aquilatar, da justificação que é dada quanto ao modo como os factos advém ao seu conhecimento, e do poder de convicção que manifesta quanto à sua génese, no fundo, a razão de ciência da testemunha, elemento nuclear e imprescindível para a determinação e aferição da credibilidade do seu depoimento. Também daqui decorre que a formação da convicção do Tribunal, no âmbito da livre apreciação da prova, não depende necessariamente do maior ou menor número de depoimentos favoráveis ou desfavoráveis a determinada versão dos factos. O dever de fundamentação e motivação da decisão não constitui algo a que corresponda uma soma de depoimentos ou outros elementos sobre determinado facto, dado que, na formação da convicção dos juízes, não intervém, apenas vectores racionalmente demonstráveis, não estando imunes à intervenção de factores irracionais ou outros de difícil percepção, porque situados a nível do subconsciente ou do inconsciente. Ora, se assim é, maiores dificuldades se poderão revelar na 2ª instância dado que existem “aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como, no primeiro, se formou a convicção dos julgadores” Eurico Lopes Cardoso in BMJ nº 80 já afirmava que: “os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que por vezes, é um meio de o ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhes. O magistrado experiente sabe tirar partido desse elementos intraduzíveis e subtis. Nisto consiste a sua arte....” Face ao que vem de ser exposto, entendemos assim, que caberá a este Tribunal de Recurso, na reapreciação da decisão impugnada, proceder a uma valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo tribunal a quo para fundamentar as respostas, devendo servir-se, não apenas dos elementos fornecidos pelas partes, mas também de todos os elementos constantes dos autos em que aquele Tribunal se tenha fundado. É bom que se note que o Tribunal de recurso está numa situação desfavorável em relação ao tribunal onde desfilou a prova, uma vez que está privado duma prerrogativa que só assiste ao juiz da 1ª instância: o imediatismo das provas. Por isso, só quando for manifesta a discrepância entre a prova produzida e a decisão que, com base nela, se proferiu é que é lícito alterar essa decisão. Ou seja, os poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados. [4] Resulta assim como evidência, que este Tribunal não é, nem poderá ser, um segundo Tribunal de 1ª instância, mas é sim, um primeiro Tribunal de 2ª instância, com competência que terá de ser necessariamente residual para proceder à respectiva reapreciação de determinados aspectos da factualidade plasmada e considerada provada, e em relação à qual, uma das partes não está em consonância, e desde logo também resultando que, sendo um órgão jurisdicional, com competência própria na matéria de facto, tem de fazer apreciação valorativa e critica das provas que possam motivar a nova decisão, se porventura elas existirem, e sobretudo, igualmente obedecer às regras estatuídas no artigo 653º nº2 e 655º isto é, da sua motivação e fundamentação bem como da sua livre apreciação. “As gravações são uma tentativa de remedeio para casos limite, porque não nos dão, por via de regra, parte dos elementos colocados ao alcance imediato de quem julga em contacto directo com as fontes… Por outro lado, a reanálise das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção criada pelo Juiz da 1ª instância – traduzida nas respostas aos quesitos – e determinar a alteração dessas respostas, em casos pontuais e excepcionais, quando, não se tratando de confissão ou de qualquer facto só susceptível de prova através de documento, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas… Desta forma, só está em perfeitas condições de satisfazer a eventual alteração das respostas aos quesitos em situações limite, ou seja, se resultar inequivocamente que a resposta ao quesito não podia ser aquela mas tinha de ser outra”. [5] Como se disse com a gravação da prova o legislador não pretendeu que este Tribunal de recurso se substituísse à primeira instância e efectuasse um novo julgamento mas sim que apenas sindicasse se as respostas dadas não poderiam ter sido aquelas, mas teriam necessariamente de ser outras, é aliás este o sentido que inequivocamente resulta do artigo 690-A nº1 al. b) quando se determina que: “1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.” Salvo o devido respeito, a Apelante não fez uso, nos termos que em face do texto normativo indicado se nos afigura dever ser feita a impugnação da factualidade, dado que não foi concretizado nem especificado, como deve ser, o particular ponto do depoimento da testemunha ou testemunhas em que pelo seu teor possa estar em conflito ou não concordância com o que o Tribunal poderá ter considerado como “Provado” ou “Não provado” e assim poder estabelecer-se e determinar-se o eventual erro ou lapso de julgamento e sua possível sindicância por este Tribunal. É indubitável e claramente esse o sentido da lei processual expresso no texto legal sob pena de então e pelo contrário se ter que efectuar nesta instância um novo julgamento, como supra referimos com todos os vícios advenientes desde logo da falta de imediação, elemento importantíssimo e de relevância absoluta na apreciação da prova e de todos os demais elementos que ao julgador, enquanto tal, se impõem na aquisição do conhecimento da realidade controversa submetida à sua apreciação e que lhe é transportada pelos meios de prova oferecidos pelas partes para além, é evidente, do que necessariamente resulta da sua experiência e cognoscibilidade da vida. Mas importa igualmente dizer que do que se extrai da reprodução fonográfica da prova ouvida o que para este Tribunal constituiu como se aludiu uma dupla audiência de discussão e julgamento contrariamente ao que se nos afigura ser o sentido da Lei processual, bem como dos elementos que a Apelante pretende impugnar relativamente aos depoimentos prestados, pelo que nos foi dado ouvir e verificar nos termos em que se encontra indicado, e concretamente pela análise que foi feita pelo Tribunal a quo como resulta da apreciação transcrita em sede de despacho consignado nos termos do artigo 653º nº 2 e sua fundamentação que se reproduz em rodapé, que reparo nos merece e precisamente neste ponto em concreto da resposta ao quesito 16º. Do cotejo das duas respostas desde logo contraditórias entre si proferidas em momentos distintos temos de fazer apelo a todos os elementos que podem ter servido de base para tal formação de convicção, bem como igualmente para a nossa própria, mas e sobretudo apreciar o que perante as circunstancias do local em concreto e pela forma como se desenvolveu o sinistro aquilatar do que foi produzido testemunhalmente bem como dos demais subsídios fenomenologicos que estiveram na ocorrencia, designadamente características geométricas ou topográficas da via na oportunidade bem como a descrição factica que foi revelada através da mesma prova testemunhal e sobretudo pela sua analise e apreciação crítica tentar alcançar a “VERDADE” da sua verificação. Assim e desde logo cabe referir que o que constituiu o raciocínio valorativo ou formação de convicção do Tribunal a quo, perante o depoimento da testemunha indicada D………. em sede de audiência de julgamento para permitir a resposta que foi dada de “Não Provado” ao mencionado quesito salvo o devido respeito não pode de forma alguma lograr obter e colher o nosso convencimento. E assim é porque a mesma desde logo não tinha qualquer hipótese face à descrição que é feita do local em que ocorreu o sinistro de verificar como se afirma que pode ver o peão a 50/70 metros, aliás tal facto é como se verifica desde logo afastado para alem dos elementos fotográficos do local à data pelo depoimento das testemunhas inquiridas que precediam o condutor do veiculo atropelante. “Acresce que as restantes testemunhas que depuseram (arroladas pela Ré) referiram expressamente que o condutor do veiculo atropelante não se encontrava a ultrapassar nem tinha acabado de ultrapassar qualquer outro veículo. Esta flagrante contradição pode dever-se tanto à testemunha ora em apreço como aqueles. Todavia, abalada a credibilidade do depoimento da testemunha em causa pelos motivos expostos, é de crer nesta parte nos depoimentos das outras testemunhas.” Na segunda audiência refere-se que: “A resposta ao facto controvertido 16° resulta basicamente do depoimento da testemunha D………. (sendo certo que não foi produzido outro qualquer meio de prova a este respeito) de acordo com a qual antes de ser ultrapassada pelo JQ a testemunha já tinha avistado o peão na faixa de rodagem. Mas depois afirma-se que o peão não podia e não deve ter atentado previamente na presença do JQ referindo: “Ora se isso foi assim, olhando a que o peão saiu de um separador onde existia diversa vegetação principalmente dominada por herbáceas com altura aproximada de 1,5 metros (novamente o facto 12º) e que o veículo conduzido pela testemunha era uma carrinha Ford ………., existem indícios de que o peão não podia e não deve ter atentado previamente na presença do JQ. Com efeito, se algum veículo ele podia ter visto, tudo indica esse veículo seria a Ford ………. conduzida pela testemunha e não o JQ, que sendo um Audi … estaria tapado pela Ford quando o peão invadiu a faixa de rodagem. Contudo, uma coisa é o peão não poder ver o JQ porque este, previsivelmente, estava tapado pela Ford ………. (não viu porque não podia ver) e outra coisa é o peão ter podido avistar o JQ mas não lhe ter dedicado a atenção e observação que lhe era exigível antes de se decidir a atravessar a estrada (não viu porque não quis, quando afinal podia e devia tê lo feito).” Mas é precisamente neste ponto que se não pode concordar na medida em que nunca o peão não poderia ter deixado de ver o carro porque a carrinha FORD da testemunha se possa ter intrometido no seu campo de visão uma vez que como se refere ou afirma a testemunha D………., a ser verdade o seu depoimento, a mesma já havia sido ultrapassada pelo Audi conduzido pelo interveniente no sinistro, e, assim sendo, ficava sempre à sua rectaguarda ou pelo menos à sua direita, atento o sentido em que atravessava o peão da esquerda para a direita face ao sentido em que seguia o condutor. Assim necessariamente que a resposta perante o quesito formulado tem de ser no sentido de que “Ao iniciar a travessia, o Autor não atentou previamente na presença do JQ” ou seja de “Provado”, o que se determina na conformidade do disposto no artigo 712º nº 1 perante os mencionados elementos de prova constantes dos autos e já supra referidos. Assim e aqui chegados importa apreciar a conduta rodoviária dos intervenientes no sinistro concretamente a do condutor do JQ bem como do Autor na sua qualidade de peão não importando aqui e agora de novo enumerar os normativos aplicáveis e citados na decisão proferida designadamente no que concerne aos artigos 13º, 14º, 24º e 25º relativamente à velocidade estes dois últimos, e os primeiros à posição de marcha da viatura, todos do Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei 114/94 de 3 de Maio na versão do Decreto-lei nº 162/2001 de 22 de Maio com a rectificação nº 13-A/2001 aplicável in casu atenta a data da ocorrência do sinistro bem como os artigos 99º e 101º do mesmo diploma no que tange à conduta do Autor designadamente pela forma de atravessamento da via. Perante um acidente de viação existe negligência na condução quando ocorre uma infracção a uma regra de circulação rodoviária. Daí se extrai a culpa do condutor sob forma de negligência desde que pelo menos estejamos perante uma contravenção causal.[6] Sempre que no processo causal do acidente em análise tiver relevo irrecusável o aspecto que a norma estradal desrespeitada pelo agente visa controlar estamos perante uma contravenção causal. Ora perante a factualidade considerada assente e provada que igualmente nos dispensamos de repetir porque já supra enunciada nos termos exarados com a alteração fixada devemos concluir que o sinistro é afinal imputável não só à violação culposa por parte do condutor do veículo que atropelou o autor por violação das normas de circulação rodoviária que estava obrigado a respeitar e das regras de cuidado inerentes a essas normas que estava obrigado a observar e, portanto, a uma actuação negligente desse condutor, bem como igualmente ao Autor no que concerne ao atravessamento que operou nas condições descritas sem tomar em consideração perante o dever de cuidado que se lhe impunha e no caso ainda mais reforçado atentas as condições da via de diminuta visibilidade com a plantação de herbáceas existente e que sempre dificultavam e não permitiam visionar no local a aproximação dos veículos por forma a não colocar em perigo e sem se certificar tendo em conta a distancia que o separava da aproximação daquele bem como a respectiva velocidade. No caso está em causa a norma relativa à velocidade no que respeita ao condutor segurado da Ré. O mesmo circulava em excesso de velocidade sendo o mesmo objectivamente considerado, porque circulava a uma velocidade superior à velocidade instantânea permitida para o local e igualmente um excesso subjectivo, relevante porque independentemente daquela a verdade é que a velocidade a que circulava não era a adequada às condições da curva que se aprestava para descrever e que lhe permitisse imobilizar o veículo em caso de necessidade. É exactamente por não ser totalmente descabido ou imprevisto o surgimento de um obstáculo avistável a menor distância que a lei impõem aos condutores moderarem especialmente a velocidade nas curvas; especialmente, diremos nós fazendo a aproximação aos dados do processo tratando-se de uma curva fechada e de fraca visibilidade. Ainda que não se tenha provado a que distância exacta podia o condutor avistar o peão, provou-se que pelo menos a 20 metros de distância ele podia avistar o peão. Sendo assim e circulando o veículo a uma velocidade de apenas 60 km/hora não é seguro para se poder entender como é que o condutor não logrou evitar colher o peão tendo em atenção designadamente as características do veiculo e seus mecanismos de travagem que hodiernamente dispõem designadamente o ABS que um Audi, como era o caso possui mesmo a uma distância de apenas 20 metros, se o condutor tivesse travado o veículo certamente se teria imobilizado antes de colher o peão ou nos metros imediatos, o que não sucedeu, tendo o veículo parado somente mais de 21 metros depois do ponto onde presumivelmente colheu o peão. Por outro lado e possuindo a estrada duas faixas de rodagem no sentido em que o veículo seguia e nada tendo ocorrido que constituísse impedimento à invasão da faixa da esquerda para contornar o peão, também não se alcança a razão porque o condutor de veículo não o fez. Estando as partes de acordo que o JQ circulava na faixa da direita, vindo o peão a atravessar da esquerda para a direita o condutor poderia ter avistado o peão à sua frente, ou seja, na faixa da direita, e a pelo senos 20 metros de distância, tendo o peão sido colhido nessa faixa (os vestigios da sua queda estão a 1,50 da berma do lado direito) e dispondo o conjunto das duas hemi-faixas a largura de 6.90 metros, parece forçoso concluir que se o condutor circulasse com a atenção e a destreza que lhe era exigível teria encetado uma manobra de recurso que lhe teria permitido evitar colher o peão. Mas a conduta deste não é contravencional? A nossa resposta é afirmativa. Pela prova a este respeito produzida, tem de se ter por inquestionável, que o Autor no início do atravessamento da estrada, para o lado oposto, não olhou para a sua esquerda, para se certificar de que daí não surgiam veículos, pois que se o fizesse não se ia colocar na frente do automóvel que, então, surgia, para ser atropelado. O Autor iniciou a travessia numa curva fechada e de fraca visibilidade, sem atentar igualmente na presença do veiculo que se aproximava e colocou-se na linha de transito apenas permitindo que o mesmo o visionasse a uma distancia de 20 metros mas mais é que tendo como tinha a curva as mencionadas características atento o local que o mesmo escolheu para atravessar sem dúvida alguma que a sua conduta foi absolutamente temerária em termos estradais pois que sendo aquela para a esquerda e sendo desse lado que se aproximavam as viaturas atento o sentido de marcha imposto na via não poderia nunca efectuar tal travessia nesse local por as condições de visibilidade lhe não permitirem certificar-se devidamente (por falta da necessária visibilidade) de a poder efectuar em segurança, tendo em conta a distancia dos veículos e a sua velocidade. Se aí tivesse olhado, obrigatoriamente, via surgir o veículo. Os peões têm o dever de se assegurarem previamente quando atravessam qualquer via pública de que o podem fazer sem risco de acidente, não sendo exigível aos condutores de veículos que prevejam a violação dessa norma por parte dos transeuntes. Temos assim perante o que vem de ser exposto de concluir que a culpa na ocorrência do acidente não só foi do condutor do automóvel que transitava a mais de 50 km/hora, mas também por o peão ter invadido a faixa de rodagem, proveniente duma zona sem visibilidade, escondido pelo volume da vegetação herbácea com a altura de 1,50 e sem, previamente se acautelar do trânsito da via, deste modo violando o citado art. 101° n° 1- v. ac. RP, de 22/04/2002, in DGSI JTRP00032843. Houve, pois, culpa do lesado na verificação do acidente, pelo que é aplicável o art. 570°, n.º 1 do Cód. Civil, cumprindo fixar o grau de culpabilidade na produção do evento. Ao condutor do automóvel foi atribuída a culpa exclusiva por transitar a velocidade superior a 50 km/hora, não se determinando concretamente a qual, pelo que poderia transitar a 55 km/hora, com a 60 km/hora, (cerca de 60km/h) sendo certo que pelos vestígios do embate não teria sido a velocidade muito superior, pois que as lesões corporais, necessariamente seriam mais gravosas (p. e. se fosse a 100 km/hora). Ao Autor é atribuído, agora, o atravessamento da estrada sem, previamente, se acautelar do trânsito da via. Assim sendo, temos de concluir que ambos os intervenientes concorreram para a verificação do atropelamento em igualdade de culpas, quantificando-se em 50 % para cada um, o contributo deles para o acidente. Assim sendo, temos de concluir que ambos os intervenientes concorreram para a verificação do atropelamento em igualdade de culpas, quantificando-se em 50 % para cada um, o contributo deles para o acidente. Apreciemos de seguida o montante da quantificação dos danos peticionados pelo Autor relativamente à ocorrência do sinistro e que foram consequência directa e necessária do mesmo. O autor apenas formula o pedido por danos não patrimoniais. Dispõe o artigo 496º do Código Civil nos seus nºs 1 e 3 que: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e que “O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º...”. Resulta do nº 1 do preceito enunciado que os prejuízos devem ser de gravidade para que mereçam a tutela do direito. Mas outra restrição resulta do artigo 496º, qual seja, a de que o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua determinação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. É esta uma das matérias e domínios em que a Jurisprudência assume papel de especial relevância e onde mais necessário se torna o bom senso, equilíbrio e noção das proporções em que o julgador deve decidir. “É reconhecidamente muito difícil a avaliação da compensação devida por danos não patrimoniais; não se antevê, porém, nenhum outro critério susceptível de garantir mais objectividade na fixação do montante indemnizatório, do que comparar situações análogas aprovadas noutras decisões” Ac. do STJ de 23/10/79 in BMJ 290-390 e RLJ 113-91 em Anotação do Prof. Vaz Serra. Mas, para além das restrições resultantes do normativo em exegese, igualmente importa dizer que a gravidade do dano tem de determinar-se na sua extensão ou quantidade por um padrão objectivo enquanto a apreciação deve ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso e não à luz de factores ou vectores subjectivos v.g. “de uma sensibilidade particularmente embotada ou pelo contrário extremamente apurada.” Por outro lado a referida gravidade deverá ser apreciada em função da tutela do direito, isto é, o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação pecuniária ao lesado. Finalmente a reparação deverá obedecer e ser fixada segundo a “equidade”, tendo em conta as referidas circunstâncias de cada caso concreto quer ainda pelo apelo que se faz de remissão para os factores elencados no artigo 494º do Código Civil. Como doutrina o Prof. Antunes Varela in “Das Obrigações” pág. 628: “A indemnização tendo especialmente em conta a situação económica do agente e do lesado, é assim mais uma reparação do que uma compensação, mais uma satisfação do que uma indemnização”. (sublinhado nosso) Com a remissão para os elencados vectores resulta e releva que a ratio do normativo, como se refere, tem subjacente o espírito de que se não aderiu à tese segundo a qual a indemnização se destinaria a proporcionar ao ofendido, de acordo com a seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar os prazeres proporcionados pela força e valor do dinheiro, os desgostos, sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude das lesões. Tal valor importa como se disse uma séria dificuldade de cálculo, com o inerente risco de nunca se estabelecer uma indemnização rigorosa e precisa.[7] Apenas uma palavra mais a fim de que se tenha igualmente presente como elemento coadjuvante e fundamentador da decisão a proferir e que igualmente é na jurisprudência assumido unanimemente de que se devem acabar “com miserabilismos indemnizatórios”. Ora incidindo em face do que vem de ser exposto, a apreciação sobre a matéria fáctica assente, que foi determinante, quer da ocorrência do sinistro com responsabilidade repartida do condutor e do Autor, bem como igualmente, a constante dos pontos de facto considerados assentes verifica-se que as lesões determinaram na pessoa daquele, com a plêiade melhor enunciada nos pontos da decisão sob os números 19 a 31 inclusive em que se verifica que em virtude dos ferimentos, o Autor foi submetido a uma cirurgia, com utilização de material de osteosíntese em ambas as fracturas, tendo permanecido naquela unidade hospitalar por um período de 21 dias, surgiu uma infecção na perna direita tendo levado à necessidade de programa de fisioterapia ficou com as sequelas em virtude das lesões: a - cicatriz na face posterior do cotovelo e antebraço direitos, com cerca de 20 cm de comprimento; b - cicatriz da região maleolar externa, direita, de cerca de 6 cm de comprimento; c - cicatriz rectangular da face anterior da perna direita de cerca de 5x12 cm: d - alterações tróficas da pele do terço inferior do membro inferior direito; e - rigidez de articulação do cotovelo direito inferior a 30 graus; f - limitação da flexão dorsal do pé direito inferior a 30 graus; g - limitação da flexão plantar do pé direito inferior a 50 graus; h - artrose a nível das articulações do cotovelo e tíbio-társica; i - dores no braço e perna direitos j - dificuldade em caminhar e efectuar os movimentos básicos necessários à actividade diária (lavar-se, vestir-se, etc.). Que igualmente após o acidente, o Autor passou a ter alterações significativas de comportamento e de humor, tudo levando a crer que tais alterações foram uma consequência directa e imediata do acidente, ficou a padecer de uma IPP irreversível de 30%. Que à data do acidente o Autor era uma pessoa sem qualquer defeito físico sendo totalmente auto-suficiente, procedendo a todas as tarefas inerentes à sua vida, como lavar-se, vestir-se, deslocar-se aos locais que necessitava, tomar as refeições, etc., sem ajuda de ninguém sendo após o acidente incapaz de realizar qualquer uma daquelas tarefas sozinho, necessitando sempre da presença de um terceiro para o acompanhar ou para, simplesmente, realizar a tarefa e, depois do acidente, começou a evidenciar sinais de deterioração mental, tendo falhas graves de memória, até para os actos mais elementares do dia-a-dia, não podendo a esposa ausentar-se por períodos superiores a 30 minutos, pois o Autor não consegue sequer satisfazer as mais elementares necessidades fisiológicas sem a ajuda de alguém, impedindo-a até de assistir a uma missa, quer durante a semana quer ao Domingo todo um estado de espírito de sofrimento e angústia de relevo para além de uma incapacidade parcial permanente na ordem dos 30% mas que não foi alegado se traduzam em qualquer perda de capacidade de ganho. Assim e finalizando perante todos os elementos referidos, bem como os demais parâmetros elencados que foram objecto de apreciação referida, que não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim cuidada ponderação, não se encontra motivação para determinar a alteração do valor fixado tendo ainda em consideração o estatuído no artigo 684º nº 4. Procede nestes termos o segmento das conclusões formuladas da Apelação da Ré Seguradora no que tange à responsabilidade do sinistro pelo que assim sendo necessariamente resulta que a mesma deve ser condenada por força da existência do contrato de seguro celebrado no pagamento da indemnização correspondente devida ao Autor na proporção de 50% ou seja no valor de € 12500,00 (doze mil e quinhentos euros) pelos danos não patrimoniais sofridos relativos ao acidente ajuizado. A quantia apurada é tal como o foi na decisão reportada à data da instauração da acção pelo que sobre a mesma incidirão os correspondentes juros de mora legais desde a citação. DELIBERAÇÃO Nestes termos em face do que vem de ser exposto decide-se julgar parcialmente procedentes as conclusões recursivas e consequentemente revogar a decisão proferida nos mencionados termos condenando a Ré Seguradora C………. a pagar ao Autor B………. a quantia de € 12500,00 (doze mil e quinhentos euros) pelos danos não patrimoniais sofridos. Custas pelo Autor e Ré na proporção do decaimento. Porto, 29 de Setembro de 2009 Augusto José Baptista Marques de Castilho Henrique Luís de Brito Araújo José Manuel Cabrita Vieira e Cunha _______________________ [1] Dos factos assentes. No dia 02.07.2001. pelas 13.20 h na Estrada ……….; Porto, ocorreu um acidente de viação [A]. Nele foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-JQ, propriedade e conduzido por E………., que havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação para a Ré através da apólice .-.-..-…… e o peão, ora Autor, que foi atropelado por aquele quando atravessava a referida artéria [B]. Esta estrada, no local onde aconteceu o acidente, possui duas faixas de rodagem no mesmo sentido [C]. 0 peão iniciou a travessia pela Estrada ………., no sentido Nascente/Poente ou, se atendermos ao sentido de marcha do veículo - Norte/Sul - da esquerda para a direita [D]. O JQ circulava pela Estrada ………., no sentido ……….-………., isto é de Norte Para Sul [E]. O veículo seguro pela ré Embateu no autor com a sua parte da frente direita (canto) [E']. O Autor nasceu em 27 de Maio de 1931 [F]. Dos factos controvertidos que se provaram. Depois de concluída a travessia da Estrada ………., o Autor continuou a marcha, iniciando o atravessamento da Estrada ………. nas proximidades do poste de iluminação pública 671 [1]. Quando o Autor já tinha percorrido alguns metros, em quantidade não concretamente provada, da área composta pelas duas faixas de rodagem, surgiu o JQ [2]. O JQ circulava a uma velocidade de cerca de 60kms/hora [3]. Sendo a velocidade permitida no local de 50 km/hora [4]. Com o embate o peão foi projectado para o lado direito, considerando o sentido de marcha do veículo [5]. Depois do embate o JQ foi-se imobilizar a cerca de 21,40 metros do local do embate [6]. Pelo menos a uma distância na ordem dos 20 metros o condutor do JQ podia avistar o peão [8]. Existia uma passadeira para peões a cerca de 120 metros do local do acidente [10/17]. O JQ circulava a uma velocidade de cerca de 60 km/hora, pela fila de trânsito do lado direito [11]. No local do sinistro, aquela estrada descreve uma curva fechada e de fraca visibilidade para o lado esquerdo, sendo dividida a meio por um separador central no qual existia diversa vegetação, principalmente dominada por herbáceas com altura aproximada de 1,5 metros [12]. Em determinado momento, não concretamente provado, o condutor do JQ deparou-se com o autor a atravessar a estrada da esquerda para a direita atento o sentido de marcha do JQ [13]. O condutor do JQ deparou-se com o autor à frente da sua linha de trânsito, em direcção à berma do lado direito daquela estrada [14]. Tendo-se deparado com o autor de forma imprevista e quando entre o JQ e o autor havia uma distância de, peio menos, cerca de 20 metros, o condutor do JQ não conseguiu evitar a colisão com o corpo do autor [15]. Em consequência do acidente o Autor foi conduzido ao Hospital ………. no Porto, onde lhe foi diagnosticada fractura do cúbito e bimaleolar, à direita [18). Em virtude dos ferimentos, o Autor foi submetido a uma cirurgia, com utilização de material de osteosíntese em ambas as fracturas [19]. Tendo permanecido naquela unidade hospitalar por um período de 21 dias [20]. Posteriormente surgiu uma infecção na perna direita [21]. Tudo tendo levado à necessidade de programa de fisioterapia [22]. Em consequência das lesões padecidas, o Autor ficou com as seguintes sequelas: a - cicatriz na face posterior do cotovelo e antebraço direitos, com cerca de 20 cm de comprimento; b - cicatriz da região maleolar externa, direita, de cerca de 6 cm de comprimento; c - cicatriz rectangular da face anterior da perna direita de cerca de 5x12 cm: d - alterações tróficas da pele do terço inferior do membro inferior direito; e - rigidez de articulação do cotovelo direito inferior a 30 graus; f - limitação da flexão dorsal do pé direito inferior a 30 graus; g - limitação da flexão plantar do pé direito inferior a 50 graus; h - artrose a nível das articulações do cotovelo e tíbio-társica; i - dores no braço e perna direitos j - dificuldade em caminhar e efectuar os movimentos básicos necessários à actividade diária (lavar-se, vestir-se, etc.) [23]. Após o acidente, o Autor passou a ter alterações significativas de comportamento e de humor, tudo levando a crer que tais alterações foram uma consequência directa e imediata do acidente [24]. Em virtude das sequelas descritas, o Autor ficou a padecer de uma IPP irreversível de 30% [25]. À data do acidente o Autor era uma pessoa sem qualquer defeito físico sendo totalmente auto-suficiente [26]. Procedia a todas as tarefas inerentes à sua vida, como lavar-se, vestir-se, deslocar-se aos locais que necessitava, tomar as refeições, etc., sem ajuda de ninguém [27]. Depois do acidente, o Autor é incapaz de realizar qualquer uma daquelas tarefas sozinho, necessitando sempre da presença de um terceiro para o acompanhar ou para, simplesmente, realizar a tarefa [23]. Além disso, o Autor, depois do acidente, começou a evidenciar sinais de deterioração mental, tendo falhas graves de memória, até para os actos mais elementares do dia-a-dia [29]. Por isso, a esposa não pode ausentar-se por períodos superiores a 30 minutos, pois o Autor não consegue sequer satisfazer as mais elementares necessidades fisiológicas sem a ajuda de alguém [30]. Impedindo-a até de assistir a uma missa, quer durante a semana quer ao Domingo [31]. [2] “Em abono da tese do Autor apenas depôs a testemunha D………., esta testemunha revelou alguma animosidade em relação às seguradoras o que é susceptível de abalar a sua desejável imparcialidade. Declarou conduzir o veiculo que foi ultrapassado pelo veiculo atropelante imediatamente antes do atropelamento. Apesar de esse facto colocar o veículo atropelante na faixa de rodagem esquerda declarou que este guinou para a direita imediatamente após a ultrapassagem, tendo sido essa a razão pela qual foi colher o peão na faixa de rodagem direita, quando este se encontrava quase a alcançar a berma direita da estrada. Mais referiu que viu o peão a atravessar a via a cerca de 50/70 metros de distância, isto é, já antes de ser ultrapassada pelo veículo atropelante. Esta descrição do acidente contrariada pelo auto de ocorrência lavrado junto aos autos, uma vez que ai se refere que a via (as duas faixas de rodagem) tem a largura total de 6,90m (portanto cada faixa de rodagem teria a largura de cerca de 3,50m), existindo uma mancha de sangue (proveniente do peão atropelado) a cerca de 5,10m de distância da margem esquerda da via, ou seja, a cerca de 1.80m (6,90 - 5,10) da berma do lado direito. Segundo as regras da experiência, o veículo, quer pela inércia do seu movimento quer pela sua massa, ao colidir com peão provoca a sua projecção. Atendendo a que a colisão se deu com o canto dianteiro direito do veículo e que este não passou por cima do peão, terá este sido projectado para o lado direito. Ainda segundo as regras da experiência; a mancha de sangue deverá corresponder ao local onde o peão se veio a imobilizar em consequência da colisão do veículo (local onde veio a cair após a colisão) e não ao local onde foi colhido. Com efeito. o derramamento de sangue no pavimento pressupõe a permanência do ferido nesse local (permanência essa que permite que a hemorragia, se for abundante, faça o sangue escorrer e empoçar no pavimento) e não o local onde sofreu a colisão (uma vez que, apesar de o ferimento ser ai produzido o ferido é projectado. não permanecendo no local da colisão o tempo suficiente para manchar o projectado não permanecendo no local da colisão o tempo suficiente para manchar o pavimento com o sangue da hemorragia que sofre com o impacto do veículo. Logo a colisão terá ocorrido num ponto situado à esquerda da referida mancha de sangue, circulando o veículo quase integralmente à esquerda desse ponto de colisão, uma vez que colidiu com o seu canto direito dianteiro) Decorre do exposto que seria praticamente impossível que o veiculo tivesse colhido o peão na faixa de rodagem direita, pois tal só teria sido possível se o peão não tivesse sido projectado pelo veículo (e o próprio Autor alega essa mesma projecção cfr. o alegado no Artigo 11° da douta petição). Por tal razão, o referido depoimento não merece credibilidade, Por outro lado, a depoente afirmou que avistou o peão ainda antes de ser ultrapassada pelo veículo seguro pela Ré e que o peão já se encontrava na faixa de rodagem direita. Ora a ser assim deveria presumir-se que o condutor do veículo seguro pela Re também teria visto o peão e , se guinou na sua direcção (mudando da faixa de rodagem esquerda pela qual ultrapassou a testemunha – para a faixa de rodagem direita ) teria pretendido colhe-lo….. Acresce que as restantes testemunhas que depuseram (arroladas pela Ré) referiram expressamente que o condutor do veiculo atropelante não se encontrava a ultrapassar nem tinha acabado de ultrapassar qualquer outro veículo. Esta flagrante contradição pode dever-se tanto à testemunha ora em apreço como aqueles. Todavia, abalada a credibilidade do depoimento da testemunha em causa pelos motivos expostos, é de crer nesta parte nos depoimentos das outras testemunhas. A testemunha E………. era o condutor do veiculo seguro na Ré; a testemunha F………. declarou conduzir o veículo que circulava imediatamente à retaguarda daquele, pela mesma faixa de rodagem e a testemunha G………. declarou conduzir o veículo que circulava à retaguarda daquele também na mesma faixa de rodagem. Todos referiram circular na faixa de rodagem esquerda e todos se mostraram surpresos pelo surgimento do peão. O l° declarou que ainda se tentou desviar para a esquerda, mas não conseguiu evitar a colisão com o peão no canto dianteiro direito do seu veiculo. Os restantes depuseram em igual sentido, mostrando-se inicialmente convencidos que o peão teria sido colhido com a parte da frente esquerda do veículo atropelante, mas acabando por reconhecer tratar-se de conclusão sua, pois não viram o peão a ser colhido (tratando-se de uma curva para a esquerda e circulando todos na mesma faixa de rodagem, seria de facto difícil estas testemunhas visualizarem o peão, sendo certo que este terá sido colhido à esquerda dos depoentes por se tratar de uma curva à esquerda - apesar disso, não significa necessariamente que a colisão se tenha dado com a parte esquerda do veiculo atropelante, pois mesmo a parte direita deste se encontraria já à esquerda dos veículos que o precediam na curva. (….) Relativamente ao local da via onde foi efectuada a travessia, apenas se apurou que foi em plena curva e nas proximidades do poste referido no auto de ocorrência distando dele cerca de 7 metros (para a frente) a mancha de sangue no pavimento (cfr. o auto de ocorrência de fls. 7). [3] In Rev. Leg. Jur. Ano 129-359, sobre a “Responsabilidade pessoal dos Juizes” [4] Ac. da Relação de Lisboa, de 27.03.2001, CJ, Tomo II, pág. 86. [5] Considerações estruturadas em fundamentação no Ac. desta Relação de 1/4/03, Proc. nº 3156/02 da 2ª Secção de que fomos Vogal/Adjunto lavradas pelo então Exmº Desembargador Relator, Dr. Mário Cruz a propósito da sindicância da prova gravada e sua apreciação por este Tribunal. [6] Américo Marcelino, in Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, pág. 117, citando a opinião de Gomes da Silva, que "uma transgressão é causal de certo evento quando este é daqueles que o legislador previu e quis evitar com a criação da norma incriminadora". [7] Cfr. Ac. do STJ 16/4/91 in BMJ 406-618.
Rel. 11/09-994 Procº P 6894/03.0TVPRT.P1-2ª Secção Apelação Porto- 6ªV-P 8894/03.0TVPRT.P1 Acordam na2ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto Relatório B………. propôs acção declarativa de condenação, com processo ordinário, emergente de acidente de viação, contra C……….-COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 50.000,00. Para tanto, o Autor alegou, em síntese, ter sido atropelado por um veículo automóvel seguro pela Ré, por culpa do respectivo condutor, o qual o podia ter avistado a pelo menos 70 metros de distância podendo ter-se imobilizado ou mudado de faixa de rodagem, mesmo à velocidade elevada a que seguia. Que em consequência do embate do veículo, o Autor sofreu várias lesões corporais, as quais lhe determinaram uma IPP de 30%. Concluiu pelo montante peticionado, por ser o correspondente ao valor da compensação pelos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência do acidente. A Ré contestou, impugnando parcialmente a descrição do acidente feita na petição e imputando ao Autor a responsabilidade pela sua ocorrência, por ter iniciado a travessia sem ter atentado na presença do veículo seguro, o qual não pode evitar o embate no Autor por este se lhe ter deparado de forma súbita e imprevista, a cerca de 20 metros de distância, apesar de existir uma passadeira para a travessia de peões a cerca de 50 metros de distância do local do acidente concluindo pela improcedência da acção. Após haver sido proferida uma primeira sentença que por Acórdão deste Tribunal foi objecto de decisão anulatória por obscuridade da matéria de facto relativamente a alguns pontos da matéria de facto controvertida foi realizada nova audiência de discussão e julgamento com o formalismo próprio conforme na acta se exara, com registo fonográfico da prova em conformidade com o disposto no artigo 522-B do Código Processo Civil, como serão todas as outras disposições legais infra citadas de que se não faça menção especial havendo sido proferida a final decisão nos seguintes termos: “Pelo exposto, julgo a acção parcialmente provada e procedente e, consequentemente, condeno a ré a pagar ao autor a indemnização de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde a citação até integral pagamento” Inconformada com o seu teor veio a Ré Seguradora interpor o presente recurso de Apelação tendo para o efeito nas alegações oportunamente apresentadas aduzido a seguinte matéria conclusiva que passamos a enunciar: A) Na sequência do douto Acórdão da Relação do Porto de 07.04.2008, foi realizada nova audiência de julgamento relativamente a determinados pontos da matéria de facto (quesitos 1°, 2°, 8°, 11°, 13°, 14°, 15º e 16° da B.1). B) Ao contrário do que havia sucedido anteriormente, na Sentença sob recurso foi entendido que o condutor do veículo automóvel tinha sido o único e exclusivo culpado pelo atropelamento do Autor. C) Apesar de terem sido reformuladas as respostas dadas a alguns dos indicados pontos da matéria de facto e de ter sido dado como não provado o quesito 16°, continua a evidenciar-se ter o atropelamento do Autor ficado a dever exclusivamente à sua actuação altamente culposa. D) O atropelamento do Autor ocorreu numa curva fechada e de fraca visibilidade para o lado esquerdo, atento o sentido de marcha do JQ. E) O peão saiu do separador central onde existia diversa vegetação, nomeadamente hérbaceas com a altura aproximada de 1,5 metros. F) O condutor do JQ apenas podia avistar o peão a uma distância de sensivelmente 20 metros, sendo que este atravessava a via do lado esquerdo para o direito. G) O JQ circulava à velocidade de 60 Km/hora, sendo que a velocidade máxima estabelecida para aquele local era de 50 Km hora. H) Esse reduzidíssimo acréscimo de velocidade, de apenas 10 Km/hora, não teve a menor influencia no acidente que sempre (ou pelo menos muito provavelmente) teria ocorrido ainda que o JQ seguisse a 50 Km/hora. I) Não houve nexo causal entre esse excesso (no sentido de mais elevado) de velocidade e o atropelamento do peão. J) O atropelamento do Autor ficou a dever-se exclusivamente à circunstância de ter escolhido uma curva fechada e de fraca visibilidade para proceder à travessia da Estrada ………., sem que previamente se pudesse certificar de que o poderia fazer em segurança e sem perigo de acidente. K) As simples características daquele local eram impeditivas ou no mínimo totalmente desapropriadas ao atravessamento da via. L) Com a sua conduta o Autor violou grosseiramente o disposto no n° 2, com referência ao preceituado na al. a) do artigo 99° e no n° l do artigo 101°, ambos do Código da Estrada, sendo manifesto que a sua conduta foi a única causa directa e causal do seu próprio atropelamento. M) Os danos de natureza não patrimonial sofridos pelo Autor mostram-se sobreavaliados. N) Apesar das dificuldades que a sua valoração encerra, julga-se ser anais justa e equilibrada a sua quantificação em Ê 15.000,00. O) Ao decidir diferentemente, a douta Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 483°, 487°, 496°, 505° e 563° todos do CC, bem como interpretou erradamente o disposto nos artigos 24° n° 1, 99° n° 2, al. a) e 101° n°1 do Código da Estrada. Termina concluindo que deve ser dado provimento ao recurso e revogar-se a Sentença recorrida. Foram apresentadas contra alegações nas quais se pugna pela manutenção da decisão proferida. Mostram-se colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Adjuntos pelo que importa apreciar e decidir. THEMA DECIDENDUM A delimitação objectiva do recurso é feita pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal decidir sobre matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso, art. 684 nº3 e 690 nº1 e 3. As questões que estão subjacentes no âmbito de apreciação do presente recurso são as que se encontram colocadas no âmbito da decisão proferida e que essencialmente respeitam a) Apreciação e sindicalização da matéria factica considerada assente e provada b) Responsabilidade da conduta rodoviária dos intervenientes no sinistro c) Montante e quantificação da indemnização a arbitrar por virtude da ocorrência do sinistro DOS FACTOS E DO DIREITO Para melhor facilidade expositiva e de compreensão do objecto do presente recurso vamos passar a reproduzir em nota de rodapé a factualidade considerada assente e provada sobre a qual se estruturou a decisão proferida, após a realização da segunda audiência de discussão e julgamento, que é do seguinte teor:[1] Importa desde logo referir que se insurge a Ré Seguradora relativamente à resposta proferida pelo Tribunal a quo ao quesito 16º da Base Instrutória no qual se perguntava: Ao iniciar a travessia o Autor não atentou previamente na presença do JQ? A resposta agora proferida pelo Tribunal foi de “Não Provado” havendo sido no julgamento anterior do seguinte teor: “Ao iniciar a travessia, o Autor não atentou previamente na presença do JQ. Importa desde logo atentar no que foi a fundamentação exarada pelo Mmº Juiz relativamente à resposta proferida a este mesmo quesito em sede da 2ª audiência de discussão e julgamento pelo que passamos a reproduzi-la: “A resposta ao facto controvertido 16° resulta basicamente do depoimento da testemunha d………. (sendo certo que não foi produzido outro qualquer meio de prova a este respeito) de acordo com a qual antes de ser ultrapassada pelo JQ a testemunha já tinha avistado o peão na faixa de rodagem. Ora se isso foi assim, olhando a que o peão saiu de um separador onde existia diversa vegetação principalmente dominada por herbáceas com altura aproximada de 1,5 metros (novamente o facto 12º) e que o veículo conduzido pela testemunha era uma carrinha Ford ………., existem indícios de que o peão não podia e não deve ter atentado previamente na presença do JQ. Com efeito, se algum veículo ele podia ter visto, tudo indica esse veículo seria a Ford ………. conduzida pela testemunha e não o JQ, que sendo um Audi … estaria tapado pela Ford quando o peão invadiu a faixa de rodagem. Contudo, uma coisa é o peão não poder ver o JQ porque este, previsivelmente, estava tapado pela Ford ………. (não viu porque não podia ver) e outra coisa é o peão ter podido avistar o JQ mas não lhe ter dedicado a atenção e observação que lhe era exigível antes de se decidir a atravessar a estrada (não viu porque não quis, quando afinal podia e devia tê lo feito). A lógica da alegação (note-se, feita pela ré) que está na origem deste facto controvertido, é precisamente a que resulta desta última perspectiva: para a ré, o peão tem culpa porque podia avistar o JQ e não o fez. Ora, vistas as coisas nessa perspectiva, que nos parece dever ser aquela em que o facto podia ser interpretado, é evidente que absolutamente nenhuma prova foi produzida e daí a resposta.” Por sua vez analisada a fundamentação exarada relativamente à mesma matéria bem como outra com a mesma atinente na primeira audiência de discussão e julgamento verifica-se o seguinte que igualmente se transcreve em nota de rodapé[2]. A matéria foi impugnada pela Ré como se verifica do teor das suas conclusões recursivas. Sobre esta questão vamos repetir necessariamente o que temos vindo a afirmar em inúmeros Acórdãos proferidos, que cada vez mais e em número que se vem revelando absolutamente quase insuportável em termos materiais, pela quantidade cada vez maior com que são interpostos com este mesmo fundamento de alteração e sindicância da matéria de facto em termos de trabalho exegético e de apreciação de toda a prova que se desenvolve na primeira instância, em que com o devido respeito passe a expressão se vão invadindo os tribunais de recurso da 2ª instância, pretendendo substituir a unicidade da apreciação da prova pelo Juiz singular com registo fonográfico, através da colegialidade de apreciação deste Tribunal, subvertendo-se desta forma todo o sistema que o legislador terá querido implantar com a alteração legislativa à data, e que apenas para determinadas situações absolutamente típicas o determinava no sentido de maiores garantias de aplicação do direito mas e sobretudo para situações limite de apreciação da matéria de facto em que poderia ter ocorrido erro ou lapso manifesto do Tribunal de 1ª instância. Assim temos dito o seguinte dado que a prova produzida em julgamento foi gravada, o que permite a reavaliação da decisão sobre a matéria de facto – art. 712º nº1. “O julgamento da matéria de facto constitui o principal objectivo do processo civil, sendo a responsabilidade do julgador, no que concerne a tal decisão, directamente proporcional à relevância da correspondente afirmação para cada um dos litigantes. Como doutrina o ilustre Prof. Antunes Varela [3] “… são tão graves os danos irremovíveis de uma sentença injusta e tão contingentes as possibilidades de correcção dos erros cometidos, que todo o juiz seja qual for a natureza ou o valor da acção, há-de decidir, para ficar quite com a sua consciência, não com o ânimo de quem, por escassez de tempo ou por acumulação de serviço, tem de confiar no carro vassoura do tribunal superior a emenda do erro que eventualmente tenha praticado, mas com a convicção de quem pode estar enviando por sua mão, para a secretaria judicial o instrumento da última palavra da justiça sobre o caso em disputa” A árdua tarefa que cabe ao julgador, que não goza do dom inatingível da infalibilidade, está necessariamente condicionada pelos limites do conhecimento humano não devendo ter a obsessão de descobrir a “VERDADE” a todo o custo, até porque no exercício do seu múnus, não deixa de estar sujeito aos condicionalismos que o direito probatório lhe vai colocando à sua actividade cognitiva. A sua vivência social e conhecimento da realidade da vida, ainda que consubstanciando sempre uma certa margem de risco relativamente ao apuramento da verdade, mas com o qual se deve conviver, sempre temperam a decisão sem excessivos dramatismos e sem descurar os cuidados que necessariamente se impõem. Outro sistema, que não este, que tem plena consagração no principio da livre apreciação e convicção do julgador, que não admitisse este risco conflituaria com direitos fundamentais ou poderia conduzir a situações de verdadeira denegação de justiça. A produção e gravação dos elementos de prova, designadamente da testemunhal, é aquela que mais dúvidas e angústias suscitam quanto à respectiva valoração pelo Tribunal, e compreende-se de alguma forma, porque não deixam de espelhar nas afirmações ou negações proferidas, toda uma complexidade inerente aos respectivos comportamentos, valores e interpretações. A psicologia judiciária e a experiência ensinam, a quem tem tão árdua tarefa de decidir, que a duplicidade de depoimentos não significa necessariamente, que uma das testemunhas esteja a não dizer a verdade, pois que, a retenção ou não divulgação e a memorização ou o relato dos factos, estão sujeitos a vicissitudes de diversa índole, dificilmente controladas pelo próprio. “Os depoimentos não são bacteriologicamente puros...” resultam de um complexo conjunto de circunstâncias, objectivas e subjectivas, capazes de influenciar consciente ou inconscientemente as testemunhas, e consequentemente, de provocar de forma directa ou indirecta no julgador, a convicção acerca da veracidade ou inverosimilhança Assim, para a ponderação do valor probatório dos depoimentos, importa averiguar, além da relação existente entre a testemunha e as partes, e aquilatar, da justificação que é dada quanto ao modo como os factos advém ao seu conhecimento, e do poder de convicção que manifesta quanto à sua génese, no fundo, a razão de ciência da testemunha, elemento nuclear e imprescindível para a determinação e aferição da credibilidade do seu depoimento. Também daqui decorre que a formação da convicção do Tribunal, no âmbito da livre apreciação da prova, não depende necessariamente do maior ou menor número de depoimentos favoráveis ou desfavoráveis a determinada versão dos factos. O dever de fundamentação e motivação da decisão não constitui algo a que corresponda uma soma de depoimentos ou outros elementos sobre determinado facto, dado que, na formação da convicção dos juízes, não intervém, apenas vectores racionalmente demonstráveis, não estando imunes à intervenção de factores irracionais ou outros de difícil percepção, porque situados a nível do subconsciente ou do inconsciente. Ora, se assim é, maiores dificuldades se poderão revelar na 2ª instância dado que existem “aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal, que vá reapreciar o modo como, no primeiro, se formou a convicção dos julgadores” Eurico Lopes Cardoso in BMJ nº 80 já afirmava que: “os depoimentos não são só palavras, nem o seu valor pode ser medido apenas pelo tom em que foram proferidas. Todos sabemos que a palavra é só um meio de exprimir o pensamento e que por vezes, é um meio de o ocultar. A mímica e todo o aspecto exterior do depoente influem, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhes. O magistrado experiente sabe tirar partido desse elementos intraduzíveis e subtis. Nisto consiste a sua arte....” Face ao que vem de ser exposto, entendemos assim, que caberá a este Tribunal de Recurso, na reapreciação da decisão impugnada, proceder a uma valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo tribunal a quo para fundamentar as respostas, devendo servir-se, não apenas dos elementos fornecidos pelas partes, mas também de todos os elementos constantes dos autos em que aquele Tribunal se tenha fundado. É bom que se note que o Tribunal de recurso está numa situação desfavorável em relação ao tribunal onde desfilou a prova, uma vez que está privado duma prerrogativa que só assiste ao juiz da 1ª instância: o imediatismo das provas. Por isso, só quando for manifesta a discrepância entre a prova produzida e a decisão que, com base nela, se proferiu é que é lícito alterar essa decisão. Ou seja, os poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados. [4] Resulta assim como evidência, que este Tribunal não é, nem poderá ser, um segundo Tribunal de 1ª instância, mas é sim, um primeiro Tribunal de 2ª instância, com competência que terá de ser necessariamente residual para proceder à respectiva reapreciação de determinados aspectos da factualidade plasmada e considerada provada, e em relação à qual, uma das partes não está em consonância, e desde logo também resultando que, sendo um órgão jurisdicional, com competência própria na matéria de facto, tem de fazer apreciação valorativa e critica das provas que possam motivar a nova decisão, se porventura elas existirem, e sobretudo, igualmente obedecer às regras estatuídas no artigo 653º nº2 e 655º isto é, da sua motivação e fundamentação bem como da sua livre apreciação. “As gravações são uma tentativa de remedeio para casos limite, porque não nos dão, por via de regra, parte dos elementos colocados ao alcance imediato de quem julga em contacto directo com as fontes… Por outro lado, a reanálise das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção criada pelo Juiz da 1ª instância – traduzida nas respostas aos quesitos – e determinar a alteração dessas respostas, em casos pontuais e excepcionais, quando, não se tratando de confissão ou de qualquer facto só susceptível de prova através de documento, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas… Desta forma, só está em perfeitas condições de satisfazer a eventual alteração das respostas aos quesitos em situações limite, ou seja, se resultar inequivocamente que a resposta ao quesito não podia ser aquela mas tinha de ser outra”. [5] Como se disse com a gravação da prova o legislador não pretendeu que este Tribunal de recurso se substituísse à primeira instância e efectuasse um novo julgamento mas sim que apenas sindicasse se as respostas dadas não poderiam ter sido aquelas, mas teriam necessariamente de ser outras, é aliás este o sentido que inequivocamente resulta do artigo 690-A nº1 al. b) quando se determina que: “1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.” Salvo o devido respeito, a Apelante não fez uso, nos termos que em face do texto normativo indicado se nos afigura dever ser feita a impugnação da factualidade, dado que não foi concretizado nem especificado, como deve ser, o particular ponto do depoimento da testemunha ou testemunhas em que pelo seu teor possa estar em conflito ou não concordância com o que o Tribunal poderá ter considerado como “Provado” ou “Não provado” e assim poder estabelecer-se e determinar-se o eventual erro ou lapso de julgamento e sua possível sindicância por este Tribunal. É indubitável e claramente esse o sentido da lei processual expresso no texto legal sob pena de então e pelo contrário se ter que efectuar nesta instância um novo julgamento, como supra referimos com todos os vícios advenientes desde logo da falta de imediação, elemento importantíssimo e de relevância absoluta na apreciação da prova e de todos os demais elementos que ao julgador, enquanto tal, se impõem na aquisição do conhecimento da realidade controversa submetida à sua apreciação e que lhe é transportada pelos meios de prova oferecidos pelas partes para além, é evidente, do que necessariamente resulta da sua experiência e cognoscibilidade da vida. Mas importa igualmente dizer que do que se extrai da reprodução fonográfica da prova ouvida o que para este Tribunal constituiu como se aludiu uma dupla audiência de discussão e julgamento contrariamente ao que se nos afigura ser o sentido da Lei processual, bem como dos elementos que a Apelante pretende impugnar relativamente aos depoimentos prestados, pelo que nos foi dado ouvir e verificar nos termos em que se encontra indicado, e concretamente pela análise que foi feita pelo Tribunal a quo como resulta da apreciação transcrita em sede de despacho consignado nos termos do artigo 653º nº 2 e sua fundamentação que se reproduz em rodapé, que reparo nos merece e precisamente neste ponto em concreto da resposta ao quesito 16º. Do cotejo das duas respostas desde logo contraditórias entre si proferidas em momentos distintos temos de fazer apelo a todos os elementos que podem ter servido de base para tal formação de convicção, bem como igualmente para a nossa própria, mas e sobretudo apreciar o que perante as circunstancias do local em concreto e pela forma como se desenvolveu o sinistro aquilatar do que foi produzido testemunhalmente bem como dos demais subsídios fenomenologicos que estiveram na ocorrencia, designadamente características geométricas ou topográficas da via na oportunidade bem como a descrição factica que foi revelada através da mesma prova testemunhal e sobretudo pela sua analise e apreciação crítica tentar alcançar a “VERDADE” da sua verificação. Assim e desde logo cabe referir que o que constituiu o raciocínio valorativo ou formação de convicção do Tribunal a quo, perante o depoimento da testemunha indicada D………. em sede de audiência de julgamento para permitir a resposta que foi dada de “Não Provado” ao mencionado quesito salvo o devido respeito não pode de forma alguma lograr obter e colher o nosso convencimento. E assim é porque a mesma desde logo não tinha qualquer hipótese face à descrição que é feita do local em que ocorreu o sinistro de verificar como se afirma que pode ver o peão a 50/70 metros, aliás tal facto é como se verifica desde logo afastado para alem dos elementos fotográficos do local à data pelo depoimento das testemunhas inquiridas que precediam o condutor do veiculo atropelante. “Acresce que as restantes testemunhas que depuseram (arroladas pela Ré) referiram expressamente que o condutor do veiculo atropelante não se encontrava a ultrapassar nem tinha acabado de ultrapassar qualquer outro veículo. Esta flagrante contradição pode dever-se tanto à testemunha ora em apreço como aqueles. Todavia, abalada a credibilidade do depoimento da testemunha em causa pelos motivos expostos, é de crer nesta parte nos depoimentos das outras testemunhas.” Na segunda audiência refere-se que: “A resposta ao facto controvertido 16° resulta basicamente do depoimento da testemunha D………. (sendo certo que não foi produzido outro qualquer meio de prova a este respeito) de acordo com a qual antes de ser ultrapassada pelo JQ a testemunha já tinha avistado o peão na faixa de rodagem. Mas depois afirma-se que o peão não podia e não deve ter atentado previamente na presença do JQ referindo: “Ora se isso foi assim, olhando a que o peão saiu de um separador onde existia diversa vegetação principalmente dominada por herbáceas com altura aproximada de 1,5 metros (novamente o facto 12º) e que o veículo conduzido pela testemunha era uma carrinha Ford ………., existem indícios de que o peão não podia e não deve ter atentado previamente na presença do JQ. Com efeito, se algum veículo ele podia ter visto, tudo indica esse veículo seria a Ford ………. conduzida pela testemunha e não o JQ, que sendo um Audi … estaria tapado pela Ford quando o peão invadiu a faixa de rodagem. Contudo, uma coisa é o peão não poder ver o JQ porque este, previsivelmente, estava tapado pela Ford ………. (não viu porque não podia ver) e outra coisa é o peão ter podido avistar o JQ mas não lhe ter dedicado a atenção e observação que lhe era exigível antes de se decidir a atravessar a estrada (não viu porque não quis, quando afinal podia e devia tê lo feito).” Mas é precisamente neste ponto que se não pode concordar na medida em que nunca o peão não poderia ter deixado de ver o carro porque a carrinha FORD da testemunha se possa ter intrometido no seu campo de visão uma vez que como se refere ou afirma a testemunha D………., a ser verdade o seu depoimento, a mesma já havia sido ultrapassada pelo Audi conduzido pelo interveniente no sinistro, e, assim sendo, ficava sempre à sua rectaguarda ou pelo menos à sua direita, atento o sentido em que atravessava o peão da esquerda para a direita face ao sentido em que seguia o condutor. Assim necessariamente que a resposta perante o quesito formulado tem de ser no sentido de que “Ao iniciar a travessia, o Autor não atentou previamente na presença do JQ” ou seja de “Provado”, o que se determina na conformidade do disposto no artigo 712º nº 1 perante os mencionados elementos de prova constantes dos autos e já supra referidos. Assim e aqui chegados importa apreciar a conduta rodoviária dos intervenientes no sinistro concretamente a do condutor do JQ bem como do Autor na sua qualidade de peão não importando aqui e agora de novo enumerar os normativos aplicáveis e citados na decisão proferida designadamente no que concerne aos artigos 13º, 14º, 24º e 25º relativamente à velocidade estes dois últimos, e os primeiros à posição de marcha da viatura, todos do Código da Estrada aprovado pelo Decreto-Lei 114/94 de 3 de Maio na versão do Decreto-lei nº 162/2001 de 22 de Maio com a rectificação nº 13-A/2001 aplicável in casu atenta a data da ocorrência do sinistro bem como os artigos 99º e 101º do mesmo diploma no que tange à conduta do Autor designadamente pela forma de atravessamento da via. Perante um acidente de viação existe negligência na condução quando ocorre uma infracção a uma regra de circulação rodoviária. Daí se extrai a culpa do condutor sob forma de negligência desde que pelo menos estejamos perante uma contravenção causal.[6] Sempre que no processo causal do acidente em análise tiver relevo irrecusável o aspecto que a norma estradal desrespeitada pelo agente visa controlar estamos perante uma contravenção causal. Ora perante a factualidade considerada assente e provada que igualmente nos dispensamos de repetir porque já supra enunciada nos termos exarados com a alteração fixada devemos concluir que o sinistro é afinal imputável não só à violação culposa por parte do condutor do veículo que atropelou o autor por violação das normas de circulação rodoviária que estava obrigado a respeitar e das regras de cuidado inerentes a essas normas que estava obrigado a observar e, portanto, a uma actuação negligente desse condutor, bem como igualmente ao Autor no que concerne ao atravessamento que operou nas condições descritas sem tomar em consideração perante o dever de cuidado que se lhe impunha e no caso ainda mais reforçado atentas as condições da via de diminuta visibilidade com a plantação de herbáceas existente e que sempre dificultavam e não permitiam visionar no local a aproximação dos veículos por forma a não colocar em perigo e sem se certificar tendo em conta a distancia que o separava da aproximação daquele bem como a respectiva velocidade. No caso está em causa a norma relativa à velocidade no que respeita ao condutor segurado da Ré. O mesmo circulava em excesso de velocidade sendo o mesmo objectivamente considerado, porque circulava a uma velocidade superior à velocidade instantânea permitida para o local e igualmente um excesso subjectivo, relevante porque independentemente daquela a verdade é que a velocidade a que circulava não era a adequada às condições da curva que se aprestava para descrever e que lhe permitisse imobilizar o veículo em caso de necessidade. É exactamente por não ser totalmente descabido ou imprevisto o surgimento de um obstáculo avistável a menor distância que a lei impõem aos condutores moderarem especialmente a velocidade nas curvas; especialmente, diremos nós fazendo a aproximação aos dados do processo tratando-se de uma curva fechada e de fraca visibilidade. Ainda que não se tenha provado a que distância exacta podia o condutor avistar o peão, provou-se que pelo menos a 20 metros de distância ele podia avistar o peão. Sendo assim e circulando o veículo a uma velocidade de apenas 60 km/hora não é seguro para se poder entender como é que o condutor não logrou evitar colher o peão tendo em atenção designadamente as características do veiculo e seus mecanismos de travagem que hodiernamente dispõem designadamente o ABS que um Audi, como era o caso possui mesmo a uma distância de apenas 20 metros, se o condutor tivesse travado o veículo certamente se teria imobilizado antes de colher o peão ou nos metros imediatos, o que não sucedeu, tendo o veículo parado somente mais de 21 metros depois do ponto onde presumivelmente colheu o peão. Por outro lado e possuindo a estrada duas faixas de rodagem no sentido em que o veículo seguia e nada tendo ocorrido que constituísse impedimento à invasão da faixa da esquerda para contornar o peão, também não se alcança a razão porque o condutor de veículo não o fez. Estando as partes de acordo que o JQ circulava na faixa da direita, vindo o peão a atravessar da esquerda para a direita o condutor poderia ter avistado o peão à sua frente, ou seja, na faixa da direita, e a pelo senos 20 metros de distância, tendo o peão sido colhido nessa faixa (os vestigios da sua queda estão a 1,50 da berma do lado direito) e dispondo o conjunto das duas hemi-faixas a largura de 6.90 metros, parece forçoso concluir que se o condutor circulasse com a atenção e a destreza que lhe era exigível teria encetado uma manobra de recurso que lhe teria permitido evitar colher o peão. Mas a conduta deste não é contravencional? A nossa resposta é afirmativa. Pela prova a este respeito produzida, tem de se ter por inquestionável, que o Autor no início do atravessamento da estrada, para o lado oposto, não olhou para a sua esquerda, para se certificar de que daí não surgiam veículos, pois que se o fizesse não se ia colocar na frente do automóvel que, então, surgia, para ser atropelado. O Autor iniciou a travessia numa curva fechada e de fraca visibilidade, sem atentar igualmente na presença do veiculo que se aproximava e colocou-se na linha de transito apenas permitindo que o mesmo o visionasse a uma distancia de 20 metros mas mais é que tendo como tinha a curva as mencionadas características atento o local que o mesmo escolheu para atravessar sem dúvida alguma que a sua conduta foi absolutamente temerária em termos estradais pois que sendo aquela para a esquerda e sendo desse lado que se aproximavam as viaturas atento o sentido de marcha imposto na via não poderia nunca efectuar tal travessia nesse local por as condições de visibilidade lhe não permitirem certificar-se devidamente (por falta da necessária visibilidade) de a poder efectuar em segurança, tendo em conta a distancia dos veículos e a sua velocidade. Se aí tivesse olhado, obrigatoriamente, via surgir o veículo. Os peões têm o dever de se assegurarem previamente quando atravessam qualquer via pública de que o podem fazer sem risco de acidente, não sendo exigível aos condutores de veículos que prevejam a violação dessa norma por parte dos transeuntes. Temos assim perante o que vem de ser exposto de concluir que a culpa na ocorrência do acidente não só foi do condutor do automóvel que transitava a mais de 50 km/hora, mas também por o peão ter invadido a faixa de rodagem, proveniente duma zona sem visibilidade, escondido pelo volume da vegetação herbácea com a altura de 1,50 e sem, previamente se acautelar do trânsito da via, deste modo violando o citado art. 101° n° 1- v. ac. RP, de 22/04/2002, in DGSI JTRP00032843. Houve, pois, culpa do lesado na verificação do acidente, pelo que é aplicável o art. 570°, n.º 1 do Cód. Civil, cumprindo fixar o grau de culpabilidade na produção do evento. Ao condutor do automóvel foi atribuída a culpa exclusiva por transitar a velocidade superior a 50 km/hora, não se determinando concretamente a qual, pelo que poderia transitar a 55 km/hora, com a 60 km/hora, (cerca de 60km/h) sendo certo que pelos vestígios do embate não teria sido a velocidade muito superior, pois que as lesões corporais, necessariamente seriam mais gravosas (p. e. se fosse a 100 km/hora). Ao Autor é atribuído, agora, o atravessamento da estrada sem, previamente, se acautelar do trânsito da via. Assim sendo, temos de concluir que ambos os intervenientes concorreram para a verificação do atropelamento em igualdade de culpas, quantificando-se em 50 % para cada um, o contributo deles para o acidente. Assim sendo, temos de concluir que ambos os intervenientes concorreram para a verificação do atropelamento em igualdade de culpas, quantificando-se em 50 % para cada um, o contributo deles para o acidente. Apreciemos de seguida o montante da quantificação dos danos peticionados pelo Autor relativamente à ocorrência do sinistro e que foram consequência directa e necessária do mesmo. O autor apenas formula o pedido por danos não patrimoniais. Dispõe o artigo 496º do Código Civil nos seus nºs 1 e 3 que: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e que “O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º...”. Resulta do nº 1 do preceito enunciado que os prejuízos devem ser de gravidade para que mereçam a tutela do direito. Mas outra restrição resulta do artigo 496º, qual seja, a de que o montante da reparação deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua determinação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. É esta uma das matérias e domínios em que a Jurisprudência assume papel de especial relevância e onde mais necessário se torna o bom senso, equilíbrio e noção das proporções em que o julgador deve decidir. “É reconhecidamente muito difícil a avaliação da compensação devida por danos não patrimoniais; não se antevê, porém, nenhum outro critério susceptível de garantir mais objectividade na fixação do montante indemnizatório, do que comparar situações análogas aprovadas noutras decisões” Ac. do STJ de 23/10/79 in BMJ 290-390 e RLJ 113-91 em Anotação do Prof. Vaz Serra. Mas, para além das restrições resultantes do normativo em exegese, igualmente importa dizer que a gravidade do dano tem de determinar-se na sua extensão ou quantidade por um padrão objectivo enquanto a apreciação deve ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso e não à luz de factores ou vectores subjectivos v.g. “de uma sensibilidade particularmente embotada ou pelo contrário extremamente apurada.” Por outro lado a referida gravidade deverá ser apreciada em função da tutela do direito, isto é, o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação pecuniária ao lesado. Finalmente a reparação deverá obedecer e ser fixada segundo a “equidade”, tendo em conta as referidas circunstâncias de cada caso concreto quer ainda pelo apelo que se faz de remissão para os factores elencados no artigo 494º do Código Civil. Como doutrina o Prof. Antunes Varela in “Das Obrigações” pág. 628: “A indemnização tendo especialmente em conta a situação económica do agente e do lesado, é assim mais uma reparação do que uma compensação, mais uma satisfação do que uma indemnização”. (sublinhado nosso) Com a remissão para os elencados vectores resulta e releva que a ratio do normativo, como se refere, tem subjacente o espírito de que se não aderiu à tese segundo a qual a indemnização se destinaria a proporcionar ao ofendido, de acordo com a seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar os prazeres proporcionados pela força e valor do dinheiro, os desgostos, sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude das lesões. Tal valor importa como se disse uma séria dificuldade de cálculo, com o inerente risco de nunca se estabelecer uma indemnização rigorosa e precisa.[7] Apenas uma palavra mais a fim de que se tenha igualmente presente como elemento coadjuvante e fundamentador da decisão a proferir e que igualmente é na jurisprudência assumido unanimemente de que se devem acabar “com miserabilismos indemnizatórios”. Ora incidindo em face do que vem de ser exposto, a apreciação sobre a matéria fáctica assente, que foi determinante, quer da ocorrência do sinistro com responsabilidade repartida do condutor e do Autor, bem como igualmente, a constante dos pontos de facto considerados assentes verifica-se que as lesões determinaram na pessoa daquele, com a plêiade melhor enunciada nos pontos da decisão sob os números 19 a 31 inclusive em que se verifica que em virtude dos ferimentos, o Autor foi submetido a uma cirurgia, com utilização de material de osteosíntese em ambas as fracturas, tendo permanecido naquela unidade hospitalar por um período de 21 dias, surgiu uma infecção na perna direita tendo levado à necessidade de programa de fisioterapia ficou com as sequelas em virtude das lesões: a - cicatriz na face posterior do cotovelo e antebraço direitos, com cerca de 20 cm de comprimento; b - cicatriz da região maleolar externa, direita, de cerca de 6 cm de comprimento; c - cicatriz rectangular da face anterior da perna direita de cerca de 5x12 cm: d - alterações tróficas da pele do terço inferior do membro inferior direito; e - rigidez de articulação do cotovelo direito inferior a 30 graus; f - limitação da flexão dorsal do pé direito inferior a 30 graus; g - limitação da flexão plantar do pé direito inferior a 50 graus; h - artrose a nível das articulações do cotovelo e tíbio-társica; i - dores no braço e perna direitos j - dificuldade em caminhar e efectuar os movimentos básicos necessários à actividade diária (lavar-se, vestir-se, etc.). Que igualmente após o acidente, o Autor passou a ter alterações significativas de comportamento e de humor, tudo levando a crer que tais alterações foram uma consequência directa e imediata do acidente, ficou a padecer de uma IPP irreversível de 30%. Que à data do acidente o Autor era uma pessoa sem qualquer defeito físico sendo totalmente auto-suficiente, procedendo a todas as tarefas inerentes à sua vida, como lavar-se, vestir-se, deslocar-se aos locais que necessitava, tomar as refeições, etc., sem ajuda de ninguém sendo após o acidente incapaz de realizar qualquer uma daquelas tarefas sozinho, necessitando sempre da presença de um terceiro para o acompanhar ou para, simplesmente, realizar a tarefa e, depois do acidente, começou a evidenciar sinais de deterioração mental, tendo falhas graves de memória, até para os actos mais elementares do dia-a-dia, não podendo a esposa ausentar-se por períodos superiores a 30 minutos, pois o Autor não consegue sequer satisfazer as mais elementares necessidades fisiológicas sem a ajuda de alguém, impedindo-a até de assistir a uma missa, quer durante a semana quer ao Domingo todo um estado de espírito de sofrimento e angústia de relevo para além de uma incapacidade parcial permanente na ordem dos 30% mas que não foi alegado se traduzam em qualquer perda de capacidade de ganho. Assim e finalizando perante todos os elementos referidos, bem como os demais parâmetros elencados que foram objecto de apreciação referida, que não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim cuidada ponderação, não se encontra motivação para determinar a alteração do valor fixado tendo ainda em consideração o estatuído no artigo 684º nº 4. Procede nestes termos o segmento das conclusões formuladas da Apelação da Ré Seguradora no que tange à responsabilidade do sinistro pelo que assim sendo necessariamente resulta que a mesma deve ser condenada por força da existência do contrato de seguro celebrado no pagamento da indemnização correspondente devida ao Autor na proporção de 50% ou seja no valor de € 12500,00 (doze mil e quinhentos euros) pelos danos não patrimoniais sofridos relativos ao acidente ajuizado. A quantia apurada é tal como o foi na decisão reportada à data da instauração da acção pelo que sobre a mesma incidirão os correspondentes juros de mora legais desde a citação. DELIBERAÇÃO Nestes termos em face do que vem de ser exposto decide-se julgar parcialmente procedentes as conclusões recursivas e consequentemente revogar a decisão proferida nos mencionados termos condenando a Ré Seguradora C………. a pagar ao Autor B………. a quantia de € 12500,00 (doze mil e quinhentos euros) pelos danos não patrimoniais sofridos. Custas pelo Autor e Ré na proporção do decaimento. Porto, 29 de Setembro de 2009 Augusto José Baptista Marques de Castilho Henrique Luís de Brito Araújo José Manuel Cabrita Vieira e Cunha _______________________ [1] Dos factos assentes. No dia 02.07.2001. pelas 13.20 h na Estrada ……….; Porto, ocorreu um acidente de viação [A]. Nele foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-JQ, propriedade e conduzido por E………., que havia transferido a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação para a Ré através da apólice .-.-..-…… e o peão, ora Autor, que foi atropelado por aquele quando atravessava a referida artéria [B]. Esta estrada, no local onde aconteceu o acidente, possui duas faixas de rodagem no mesmo sentido [C]. 0 peão iniciou a travessia pela Estrada ………., no sentido Nascente/Poente ou, se atendermos ao sentido de marcha do veículo - Norte/Sul - da esquerda para a direita [D]. O JQ circulava pela Estrada ………., no sentido ……….-………., isto é de Norte Para Sul [E]. O veículo seguro pela ré Embateu no autor com a sua parte da frente direita (canto) [E']. O Autor nasceu em 27 de Maio de 1931 [F]. Dos factos controvertidos que se provaram. Depois de concluída a travessia da Estrada ………., o Autor continuou a marcha, iniciando o atravessamento da Estrada ………. nas proximidades do poste de iluminação pública 671 [1]. Quando o Autor já tinha percorrido alguns metros, em quantidade não concretamente provada, da área composta pelas duas faixas de rodagem, surgiu o JQ [2]. O JQ circulava a uma velocidade de cerca de 60kms/hora [3]. Sendo a velocidade permitida no local de 50 km/hora [4]. Com o embate o peão foi projectado para o lado direito, considerando o sentido de marcha do veículo [5]. Depois do embate o JQ foi-se imobilizar a cerca de 21,40 metros do local do embate [6]. Pelo menos a uma distância na ordem dos 20 metros o condutor do JQ podia avistar o peão [8]. Existia uma passadeira para peões a cerca de 120 metros do local do acidente [10/17]. O JQ circulava a uma velocidade de cerca de 60 km/hora, pela fila de trânsito do lado direito [11]. No local do sinistro, aquela estrada descreve uma curva fechada e de fraca visibilidade para o lado esquerdo, sendo dividida a meio por um separador central no qual existia diversa vegetação, principalmente dominada por herbáceas com altura aproximada de 1,5 metros [12]. Em determinado momento, não concretamente provado, o condutor do JQ deparou-se com o autor a atravessar a estrada da esquerda para a direita atento o sentido de marcha do JQ [13]. O condutor do JQ deparou-se com o autor à frente da sua linha de trânsito, em direcção à berma do lado direito daquela estrada [14]. Tendo-se deparado com o autor de forma imprevista e quando entre o JQ e o autor havia uma distância de, peio menos, cerca de 20 metros, o condutor do JQ não conseguiu evitar a colisão com o corpo do autor [15]. Em consequência do acidente o Autor foi conduzido ao Hospital ………. no Porto, onde lhe foi diagnosticada fractura do cúbito e bimaleolar, à direita [18). Em virtude dos ferimentos, o Autor foi submetido a uma cirurgia, com utilização de material de osteosíntese em ambas as fracturas [19]. Tendo permanecido naquela unidade hospitalar por um período de 21 dias [20]. Posteriormente surgiu uma infecção na perna direita [21]. Tudo tendo levado à necessidade de programa de fisioterapia [22]. Em consequência das lesões padecidas, o Autor ficou com as seguintes sequelas: a - cicatriz na face posterior do cotovelo e antebraço direitos, com cerca de 20 cm de comprimento; b - cicatriz da região maleolar externa, direita, de cerca de 6 cm de comprimento; c - cicatriz rectangular da face anterior da perna direita de cerca de 5x12 cm: d - alterações tróficas da pele do terço inferior do membro inferior direito; e - rigidez de articulação do cotovelo direito inferior a 30 graus; f - limitação da flexão dorsal do pé direito inferior a 30 graus; g - limitação da flexão plantar do pé direito inferior a 50 graus; h - artrose a nível das articulações do cotovelo e tíbio-társica; i - dores no braço e perna direitos j - dificuldade em caminhar e efectuar os movimentos básicos necessários à actividade diária (lavar-se, vestir-se, etc.) [23]. Após o acidente, o Autor passou a ter alterações significativas de comportamento e de humor, tudo levando a crer que tais alterações foram uma consequência directa e imediata do acidente [24]. Em virtude das sequelas descritas, o Autor ficou a padecer de uma IPP irreversível de 30% [25]. À data do acidente o Autor era uma pessoa sem qualquer defeito físico sendo totalmente auto-suficiente [26]. Procedia a todas as tarefas inerentes à sua vida, como lavar-se, vestir-se, deslocar-se aos locais que necessitava, tomar as refeições, etc., sem ajuda de ninguém [27]. Depois do acidente, o Autor é incapaz de realizar qualquer uma daquelas tarefas sozinho, necessitando sempre da presença de um terceiro para o acompanhar ou para, simplesmente, realizar a tarefa [23]. Além disso, o Autor, depois do acidente, começou a evidenciar sinais de deterioração mental, tendo falhas graves de memória, até para os actos mais elementares do dia-a-dia [29]. Por isso, a esposa não pode ausentar-se por períodos superiores a 30 minutos, pois o Autor não consegue sequer satisfazer as mais elementares necessidades fisiológicas sem a ajuda de alguém [30]. Impedindo-a até de assistir a uma missa, quer durante a semana quer ao Domingo [31]. [2] “Em abono da tese do Autor apenas depôs a testemunha D………., esta testemunha revelou alguma animosidade em relação às seguradoras o que é susceptível de abalar a sua desejável imparcialidade. Declarou conduzir o veiculo que foi ultrapassado pelo veiculo atropelante imediatamente antes do atropelamento. Apesar de esse facto colocar o veículo atropelante na faixa de rodagem esquerda declarou que este guinou para a direita imediatamente após a ultrapassagem, tendo sido essa a razão pela qual foi colher o peão na faixa de rodagem direita, quando este se encontrava quase a alcançar a berma direita da estrada. Mais referiu que viu o peão a atravessar a via a cerca de 50/70 metros de distância, isto é, já antes de ser ultrapassada pelo veículo atropelante. Esta descrição do acidente contrariada pelo auto de ocorrência lavrado junto aos autos, uma vez que ai se refere que a via (as duas faixas de rodagem) tem a largura total de 6,90m (portanto cada faixa de rodagem teria a largura de cerca de 3,50m), existindo uma mancha de sangue (proveniente do peão atropelado) a cerca de 5,10m de distância da margem esquerda da via, ou seja, a cerca de 1.80m (6,90 - 5,10) da berma do lado direito. Segundo as regras da experiência, o veículo, quer pela inércia do seu movimento quer pela sua massa, ao colidir com peão provoca a sua projecção. Atendendo a que a colisão se deu com o canto dianteiro direito do veículo e que este não passou por cima do peão, terá este sido projectado para o lado direito. Ainda segundo as regras da experiência; a mancha de sangue deverá corresponder ao local onde o peão se veio a imobilizar em consequência da colisão do veículo (local onde veio a cair após a colisão) e não ao local onde foi colhido. Com efeito. o derramamento de sangue no pavimento pressupõe a permanência do ferido nesse local (permanência essa que permite que a hemorragia, se for abundante, faça o sangue escorrer e empoçar no pavimento) e não o local onde sofreu a colisão (uma vez que, apesar de o ferimento ser ai produzido o ferido é projectado. não permanecendo no local da colisão o tempo suficiente para manchar o projectado não permanecendo no local da colisão o tempo suficiente para manchar o pavimento com o sangue da hemorragia que sofre com o impacto do veículo. Logo a colisão terá ocorrido num ponto situado à esquerda da referida mancha de sangue, circulando o veículo quase integralmente à esquerda desse ponto de colisão, uma vez que colidiu com o seu canto direito dianteiro) Decorre do exposto que seria praticamente impossível que o veiculo tivesse colhido o peão na faixa de rodagem direita, pois tal só teria sido possível se o peão não tivesse sido projectado pelo veículo (e o próprio Autor alega essa mesma projecção cfr. o alegado no Artigo 11° da douta petição). Por tal razão, o referido depoimento não merece credibilidade, Por outro lado, a depoente afirmou que avistou o peão ainda antes de ser ultrapassada pelo veículo seguro pela Ré e que o peão já se encontrava na faixa de rodagem direita. Ora a ser assim deveria presumir-se que o condutor do veículo seguro pela Re também teria visto o peão e , se guinou na sua direcção (mudando da faixa de rodagem esquerda pela qual ultrapassou a testemunha – para a faixa de rodagem direita ) teria pretendido colhe-lo….. Acresce que as restantes testemunhas que depuseram (arroladas pela Ré) referiram expressamente que o condutor do veiculo atropelante não se encontrava a ultrapassar nem tinha acabado de ultrapassar qualquer outro veículo. Esta flagrante contradição pode dever-se tanto à testemunha ora em apreço como aqueles. Todavia, abalada a credibilidade do depoimento da testemunha em causa pelos motivos expostos, é de crer nesta parte nos depoimentos das outras testemunhas. A testemunha E………. era o condutor do veiculo seguro na Ré; a testemunha F………. declarou conduzir o veículo que circulava imediatamente à retaguarda daquele, pela mesma faixa de rodagem e a testemunha G………. declarou conduzir o veículo que circulava à retaguarda daquele também na mesma faixa de rodagem. Todos referiram circular na faixa de rodagem esquerda e todos se mostraram surpresos pelo surgimento do peão. O l° declarou que ainda se tentou desviar para a esquerda, mas não conseguiu evitar a colisão com o peão no canto dianteiro direito do seu veiculo. Os restantes depuseram em igual sentido, mostrando-se inicialmente convencidos que o peão teria sido colhido com a parte da frente esquerda do veículo atropelante, mas acabando por reconhecer tratar-se de conclusão sua, pois não viram o peão a ser colhido (tratando-se de uma curva para a esquerda e circulando todos na mesma faixa de rodagem, seria de facto difícil estas testemunhas visualizarem o peão, sendo certo que este terá sido colhido à esquerda dos depoentes por se tratar de uma curva à esquerda - apesar disso, não significa necessariamente que a colisão se tenha dado com a parte esquerda do veiculo atropelante, pois mesmo a parte direita deste se encontraria já à esquerda dos veículos que o precediam na curva. (….) Relativamente ao local da via onde foi efectuada a travessia, apenas se apurou que foi em plena curva e nas proximidades do poste referido no auto de ocorrência distando dele cerca de 7 metros (para a frente) a mancha de sangue no pavimento (cfr. o auto de ocorrência de fls. 7). [3] In Rev. Leg. Jur. Ano 129-359, sobre a “Responsabilidade pessoal dos Juizes” [4] Ac. da Relação de Lisboa, de 27.03.2001, CJ, Tomo II, pág. 86. [5] Considerações estruturadas em fundamentação no Ac. desta Relação de 1/4/03, Proc. nº 3156/02 da 2ª Secção de que fomos Vogal/Adjunto lavradas pelo então Exmº Desembargador Relator, Dr. Mário Cruz a propósito da sindicância da prova gravada e sua apreciação por este Tribunal. [6] Américo Marcelino, in Acidentes de Viação e Responsabilidade Civil, pág. 117, citando a opinião de Gomes da Silva, que "uma transgressão é causal de certo evento quando este é daqueles que o legislador previu e quis evitar com a criação da norma incriminadora". [7] Cfr. Ac. do STJ 16/4/91 in BMJ 406-618.