Processo:2970/19.6T8VCT.G1
Data do Acordão: 17/03/2021Relator: ANTÓNIO BARROCA PENHATribunal:trg
Decisão: Meio processual:

I. Demonstrando-se que, na ocasião do acidente, o lesado conduz veículo de que é proprietário, tendo o mesmo assim a direção efetiva do veículo que conduzia, não o utilizando por conta de outrem (seu proprietário ou detentor), ou seja enquanto comissário, é irrelevante, para os fins da presunção legal de culpa prevista no art. 503º, n.º 3, do C. Civil, que, o mesmo veículo seja, no momento do acidente, igualmente utilizado no exercício da sua atividade profissional de carteiro, pois que falha logo um dos pressupostos necessários ao funcionamento de tal presunção legal de culpa, que é o da verificação de proprietário ou detentor diferente do condutor do veículo interveniente no acidente. II. No que se refere à obrigação de indemnização pelos danos causados a um veículo – com relevância para a prova da excessiva onerosidade da reparação –, a mesma não poderá ser ponderada com base no conceito de valor venal (ou comercial) do veículo, no momento do acidente, mas antes com base no seu valor patrimonial, ou seja, o valor que o veículo representa na esfera patrimonial do lesado. III. O critério de “perda total”, implicando o cumprimento da obrigação em dinheiro e não através da reparação do veículo (art. 41º, n.º 1, do D.L. 291/2007, de 21.08), restringe-se ao procedimento de apresentação pela seguradora da “proposta razoável” aos lesados (arts. 38º e 39º do citado D.L. n.º 291/2007, de 21.08), destinado simplesmente a agilizar o acertamento extrajudicial da responsabilidade decorrente de acidente de viação. IV. Como tal, caso não haja acordo no âmbito do referido procedimento extrajudicial, deverão valer as regras gerais emergentes do disposto nos arts. 562º e 566º, do C. Civil (entre as quais avultam, por um lado, o princípio da reparação in natura e, por outro, o principio da reparação integral do dano).

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO DIRECÇÃO EFECTIVA DE VIATURA EXCESSIVA ONEROSIDADE DA REPARAÇÃO VALOR VENAL (OU COMERCIAL) DO VEÍCULO
No do documento
RG
Data do Acordão
03/18/2021
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
PROCEDENTE
Sumário
I. Demonstrando-se que, na ocasião do acidente, o lesado conduz veículo de que é proprietário, tendo o mesmo assim a direção efetiva do veículo que conduzia, não o utilizando por conta de outrem (seu proprietário ou detentor), ou seja enquanto comissário, é irrelevante, para os fins da presunção legal de culpa prevista no art. 503º, n.º 3, do C. Civil, que, o mesmo veículo seja, no momento do acidente, igualmente utilizado no exercício da sua atividade profissional de carteiro, pois que falha logo um dos pressupostos necessários ao funcionamento de tal presunção legal de culpa, que é o da verificação de proprietário ou detentor diferente do condutor do veículo interveniente no acidente. II. No que se refere à obrigação de indemnização pelos danos causados a um veículo – com relevância para a prova da excessiva onerosidade da reparação –, a mesma não poderá ser ponderada com base no conceito de valor venal (ou comercial) do veículo, no momento do acidente, mas antes com base no seu valor patrimonial, ou seja, o valor que o veículo representa na esfera patrimonial do lesado. III. O critério de “perda total”, implicando o cumprimento da obrigação em dinheiro e não através da reparação do veículo (art. 41º, n.º 1, do D.L. 291/2007, de 21.08), restringe-se ao procedimento de apresentação pela seguradora da “proposta razoável” aos lesados (arts. 38º e 39º do citado D.L. n.º 291/2007, de 21.08), destinado simplesmente a agilizar o acertamento extrajudicial da responsabilidade decorrente de acidente de viação. IV. Como tal, caso não haja acordo no âmbito do referido procedimento extrajudicial, deverão valer as regras gerais emergentes do disposto nos arts. 562º e 566º, do C. Civil (entre as quais avultam, por um lado, o princípio da reparação in natura e, por outro, o principio da reparação integral do dano).
Decisão integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
 
I. RELATÓRIO

A. F. intentou contra ex-Companhia de Seguros X, S.A. (atualmente Y Seguros, S.A.) a presente ação declarativa, sob a forma comum, tendo pedido a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 7.974,29, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, bem como em indemnização ilíquida que vier a ser fixada em decisão ulterior. 

Para tanto, alega, em suma, que:
· No dia 11 de Dezembro de 2018, pelas 13h25, sofreu um acidente de viação, quando conduzia o motociclo de matrícula QG, de marca Honda, na Rua ..., freguesia de ..., no sentido .../.... 
· Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o autor, de forma gradual reduziu a velocidade e foi-se aproximando do eixo divisório da via, sempre com o sinal luminoso “pisca” do lado esquerdo em funcionamento. 
· No momento em que se encontrava no eixo da via foi violentamente embatido pelo veículo de matrícula HE, segurado na ré.
· Em consequência direta e necessária do acidente, resultaram para o autor diversos danos patrimoniais e não patrimoniais, cuja indemnização veio peticionar, sendo certo ainda que alguns desses danos patrimoniais não são, por ora, ainda quantificáveis, relegando a sua liquidação para momento ulterior. 

A ré apresentou contestação, invocando que o autor não comprovou documentalmente a titularidade do direito de propriedade sobre o motociclo acidentado, impugnando ainda quer a dinâmica do acidente, quer os valores indemnizatórios reclamados.

Findos os articulados, o tribunal dispensou a audiência prévia, e proferiu, de imediato, despacho saneador, bem como designou data para a audiência final. 
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento.

Na sequência, foi proferida, a 31.08.2020, sentença, julgando a ação totalmente improcedente e, em consequência, foi a ré absolvida do pedido.

Inconformada com o assim decidido, veio o autor interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes
 
CONCLUSÕES

1. O Tribunal “a quo” deu como provados factos para os quais, no entendimento do Recorrente, não tem suporte probatório e como tal, deverão ser considerados não provados, nomeadamente, os pontos j) e parcialmente a al. k) da matéria dada como provada. 
“j) No momento em que já tinha iniciado a referida manobra de ultrapassagem, o veículo QG muda de direcção à esquerda; 
k) Na sequência da referida manobra, 
2. Entende o Recorrente que a matéria dada como provado no ponto j) e parcialmente a constante da k) deveria ter sido dado como não provado e deveria ser considerada como provada a matéria das al. a), b) c) e d) da matéria dada como não provada.
3. Deveria ainda o tribunal “a quo” dar como provado que: “na sequência do acidente, o A. partiu o seu telemóvel Samsung J3, com um valor comercial de, pelo menos, 150,00 euros; a roupa que o A. vestia naquele dia, ficou completamente danificada, nomeadamente, - par de botas, no valor de 90€; um fato de chuva da farda, no valor de 130,00 euros; um capacete, no valor de 50,00 euros; uma mala, no valor de 200,00 euros.” 
4. A dinâmica do acidente revela-nos que o veículo QG e o veículo HE seguiam na mesma direção, ...-... e que o veículo QG tinha acabado de deixar o correio numa casa do lado direito e seguia a velocidade muito reduzida, mais perto da berma do lado direito. 
5. E que o veículo QG tinha a intenção de deixar o correio na casa do seu lado esquerdo, atento o sentido que seguiam e para o efeito, acionou o pisca do lado esquerdo e foi-se aproximando do eixo da via e que o veículo HE, que seguia à retaguarda do veículo QG, decide ultrapassar o veículo QG. 
6. Para o efeito, invade apenas parcialmente a hemi faixa de rodagem contrária (esquerda), atento o sentido que ambos seguiam, ...-.... 
7. E, não se apercebe que o veículo QG tinha o sinal luminoso esquerdo acionado, bem como não se apercebe que este veículo QG se foi deslocando do lado direito (junto ao passeio) para o lado esquerdo (junto ao eixo da via), para preparar a sua manobra de mudança de direção à esquerda. 
8. Não se apercebeu porque conduzia de forma distraída e sem prestar atenção à condução que fazia.
9. E, quando o condutor do veículo HE se apercebe que o condutor do veículo QG (aqui A.) se encontra a deslocar-se do lado direito para o lado esquerdo da sua hemi-faixa de rodagem, e por não ter espaço para ultrapassar o QG porque não se distanciou o suficiente daquele veículo, não consegue travar e evitar o embate do seu veículo HE no veículo QG. 
10. O embate dá-se porque, para ultrapassar o veículo QG, o veículo HE decidiu não invadir totalmente a faixa de rodagem contrária, apenas parcialmente, e não teve espaço para contornar o veículo QG em segurança. 
11. Por isso embateu o veículo HE com a sua parte frontal direita na traseira do veículo QG, junto ao eixo da via mas, ainda na faixa de rodagem direita, atento ao sentido que ambos seguiam, sendo que o veículo QG, tripulado pelo A., não tinha ainda invadido a faixa de rodagem contrária (atento ao sentido ...-...), assim como não tinha iniciado a mudança de direção à esquerda quando foi embatido na traseira pelo veículo HE, apenas se encontrava perto do eixo da via, a preparar-se para iniciar a manobra. 
12. E o condutor do veículo HE admite que não se apercebe se o motociclo QG segue a uma velocidade lenta e com o sinal luminoso acionado, bem como não se apercebe que se desloca do lado direito para o lado esquerdo da hemi-faixa de rodagem em que seguiam.
13. Do que resulta que, só por distração e desatenção na condução que fazia o condutor do veículo HE não se consegue aperceber que o veículo QG se desloca dentro da hemi-faixa de rodagem, e que levava acionado o sinal luminoso esquerdo. 
14. A referida matéria atrás elencada e que se pretende ver alterada resulta dos depoimentos do A. e da testemunha R. G., ambos condutores dos veículos; 
15. No que respeita aos danos no telemóvel, vestuário e equipamento, e respetivo o valor, depôs o A. e a sua esposa, e, pese embora o A. não tenha talões de compra do vestuário, equipamentos e telemóvel, ficou demonstrado que o valor daquelas peças é o indicado pelo A., e que foi efetivamente pago, tanto pelas declarações do A. como pelas declarações da sua esposa, S. C.. 
16. A culpa do acidente discutido nos presentes autos não se deve ao condutor do motociclo, aqui Autor/Recorrente, mas sim ao condutor do veículo HE que inicia a manobra de ultrapassagem sem prestar a devida atenção à manobra que realizou, causando perigo e embaraço para o restante trânsito, e não deslocando o seu veículo totalmente para a faixa de rodagem contrária à que seguia, violando o disposto no artigo 38º do Código da Estrada. 
17. Sem prescindir, e ainda que assim não se entenda, mas que se equaciona por questão de patrocínio judiciário, e não sendo o entendimento do tribunal conforme o supra exposto, consideram-se preenchidos os requeridos da responsabilidade pelo risco, nos termos do artigo 503º, n.º 1 do CC.
18. E, nesse caso, ser repartida na proporção do risco que cada um houver contribuído para os danos, e, no caso concreto, não sendo possível aferir sobre a contribuição do risco de cada um dos veículos colidentes para os danos de ambos, deve considerar-se maior a medida dessa contribuição do veículo HE que embateu na traseira do veículo QG, considerando-se 70% para o condutor do veículo HE, e 30% para o condutor do veículo QG. 
19. Tendo em conta que o A. como consequência direta e necessária do acidente resultaram, lesões corporais, consistentes em hematomas e escoriações em várias partes do corpo, nomeadamente na face, na testa e junto ao nariz e que foi transportado de urgência para o ULSAM, onde lhe foram prestados os primeiros socorros e foi submetido a vários exames. 
20. E que passou a ser seguido na clínica Médica ..., onde lhe foram feitos os tratamentos às feridas, que foi medicado com analgésicos e anti-inflamatórios e que ficou com duas cicatrizes na face, do lado direito, nomeadamente, na testa e junto ao nariz. 
21. A quantia de 2.000,00 euros (dois mil euros) é justa e equitativa para ressarcir o A. pelos danos não patrimoniais sofridos. 
22. Dos danos dados como provados, nomeadamente, telemóvel Samsung J3, com um valor comercial de, pelo menos, 150,00 euros e a roupa que o A. vestia naquele dia, ficou completamente danificada, nomeadamente: um par de botas, no valor de 90€; fato de chuva da farda, no valor de 130,00 euros; capacete, no valor de 50,00 euros; uma mala, no valor de 200,00 euros. 
23. Pelo que deveria ao A. ser arbitrada a quantia de 620,00 euros mas, se for outro o entendimento e não vier a ser alterada a matéria de facto nos termos pretendidos pelo A., o ressarcimento de tais danos devem ser relegados para execução de sentença uma vez que se provaram – al . v). 
24.Em consequência do acidente, o veículo do Autor sofreu vários danos no motociclo, a demandar para a sua reparação, serviços de mão-de-obra de chapeiro, de mecânico e de pintor, bem como substituição de peças várias, sendo o valor da sua reparação de € 1.904,29, quantia que deve a Ré ser condenada a pagar ao A..
25. Ficou ainda provado que: o veículo ficou imobilizado e impossibilitado de trabalhar desde a data do acidente até Julho de 2019 y); e que no exercício da sua profissão de carteiro, o Autor auferia, para além do seu vencimento mensal, aproximadamente € 400,00 mensais, a título de subsídio de transporte em veículo próprio z); e que aa) Por via da imobilização do seu veículo deixou de auferir o supra referido subsídio; e que bb) O Autor utilizava o veículo QG para a deslocação para o trabalho, diariamente, e para as demais tarefas do dia a dia.
26. Pelo que é devida ao A. a quantia de 2.800,00 euros, correspondente às perdas sofridas pelo A.
27. Provou-se ainda que: cc) Por ter faltado ao trabalho, no período que esteve doente foi-lhe descontado o valor de € 94,96, relativamente ao mês de Janeiro de 2019. 
28. Pelo que lhe é devida a quantia de 94,96 euros. 
29. A sentença recorrida violou, além do mais, o disposto no art. 38º C.E. 

Finaliza, pugnando pela revogação da sentença recorrida e proferindo-se acórdão em conformidade com as alegações supra formuladas.*A ré apresentou resposta às alegações de recurso do autor, concluindo pela improcedência do recurso de apelação apresentado pelo autor, requerendo ainda, a título subsidiário, a ampliação do âmbito do recurso (art. 636º, n.º 2, do C. P. Civil), alterando-se, consequentemente, a sentença nos termos preconizados pela ré. 
Finaliza, com as seguintes

CONCLUSÕES

a) O Recorrente alega que o Tribunal a quo errou na apreciação da prova e, por conseguinte, na factualidade dada como provada nas alíneas j) e K) dos factos provados, por um lado, e na factualidade dada como não provada nas alíneas a), b), c) e d) dos factos não provados, por outro.
b) Sem razão, porquanto ao contrário do alegado pelo Recorrente existem versões contraditórias quanto à dinâmica do acidente.
c) Enquanto que o Autor referiu nas declarações por si prestadas que se encontrava na zona do eixo, preparado para virar quando se dá o acidente, o condutor do veículo HE referiu que viu o motociclo do Autor do lado direito, em marcha lenta, o que motivou o início da sua ultrapassagem e, nesse preciso momento, o Autor começou a virar para a esquerda e bateram no eixo da via – Cfr. 15:10 minutos das gravações da testemunha R. G..
d) No que concerne à dinâmica do acidente foi fundamental o depoimento da testemunha R. G., única testemunha presencial do acidente, pois era o condutor do veículo de matrícula HE.
e) “É certo que o seu depoimento foi contrariado pelas declarações de parte do Autor, porém não se pode olvidar que o Autor é principal interessado no resultado da presente acção, sendo que o seu depoimento procurou suportar uma versão do acidente que sustente as pretensões formuladas, a qual não se mostra corroborada por qualquer outro elemento probatório” – Cfr. terceiro parágrafo da sentença recorrida.
f) Assim, bem andou o Tribunal a quo em considerar como provados os factos descritos nas alíneas j) e K) e, consequentemente, como não provados os factos descritos nas alíneas a), b), c) e d).
g) Por fim, entende o Recorrente que devia ter sido dado como provado que: - Na sequência do acidente, o A. partiu o seu telemóvel Samsung J3, com um valor comercial de, pelo menos, 150,00 euros; - A roupa que o A. vestia naquele dia, ficou completamente danificada, nomeadamente: par de botas, no valor de 90€; fato de chuva da farda, no valor de 130,00 euros; capacete, no valor de 50,00€; uma mala, no valor de 200,00 euros.
h) É verdade que as testemunhas P. M., S. C. e J. M., confirmaram que todo o vestuário e equipamento ficou danificado, o que também se confirma pelos registos fotográficos juntos a fls. 15 a 21. No entanto, “não existem quaisquer elementos probatórios que confirmem o valor indicado pelo Autor para esses bens, salientando-se que o Autor apesar de afirmar que teve que adquirir um novo telemóvel, uma vez que não compensava reparar o danificado, e adquirir outra farda de trabalho, uma vez que a que vestia ficou totalmente danificada, não juntou qualquer documento que comprove a respectiva compra e valor pago. Os valores indicados apenas são corroborados pelas próprias declarações do Autor, e pela testemunha S. C., que sendo cônjuge do Autor, não garante a fidedignidade dos valores indicados, atento o comprometimento que revela com os interesses do Autor”.
i) Pelo que, bem andou o Tribunal a quo em não considerar provados os aludidos factos.
j) Não obstante a correta apreciação e decisão que o Tribunal a quo efetuou em sede de julgamento da matéria de facto, a Recorrida não se conforma com o facto de não ter sido incluído na matéria de facto dada como provada que no momento do acidente o Autor encontra-se no exercício da sua atividade de carteiro.
k) Na verdade, em sede de audiência de julgamento foi proferido o seguinte despacho: “Pelo Autor nas suas declarações de parte foram confessados os seguintes factos: (…)- No momento do acidente encontrava-se no exercício da sua actividade de carteiro” – Cfr. Acta de Audiência de Julgamento, de 18.02.2020, referência: 45075135.
l) Face ao exposto, deve o aludido facto ser incluído na matéria de facto dada como provada.
m) In casu, situamo-nos, pois, no âmbito das relações entre comitente (“Correios – Entidade Empregadora do Autor”) e comissário (Autor), pelo que têm a aplicação as normas reguladoras da responsabilidade pelo risco (artigo 499.º e seguintes do Código Civil (CC)).
n) Dispõe o n.º 3 do artigo 503.º do CC que “[a]quele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte” – Negrito e sublinhado nosso.
o) Como muito bem faz notar o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), “[é] jurisprudência hoje tida por uniformizada que o artigo 503.º, n.º 3, 1.ª parte, do CC estabelece uma presunção de culpa de quem conduzir por conta de outrem, a qual é aplicável nas relações entre o condutor do veículo como lesante e o titular ou titulares do direito à indemnização” – Negrito e sublinhado nosso – Cfr. Acórdão do STJ de 2017.11.16, processo n.º 533/09.3TBALQ.L1.S1, Relator: Tomé Gomes, disponível em www.dgsi.pt.
p) Isto posto, atento o regime legal supra explicitado e as considerações jurisprudenciais atrás enunciadas, dúvidas não subsistem que, in casu, a culpa pela produção do acidente descrito na PI e, bem assim, dos alegados danos dele decorrentes, presume-se do Autor, que conduzia o motociclo “ao serviço” da sua entidade patronal.
q) Presunção, essa, que o Autor não logrou ilidir.
r) Do todo o exposto, resulta que o Autor não logrou provar a dinâmica do acidente relatada na petição inicial, tal como lhe cabia por força do artigo 342.º, n.º do Código Civil, pelo que bem andou o Tribunal a quo em absolver a Ré, aqui Recorrida, do pedido.
*Após os vistos legais, cumpre decidir.
*II. DO OBJETO DO RECURSO:
 
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

- Saber se cumpre proceder à alteração da factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal a quo nos moldes pugnados pelo autor apelante e, a título subsidiário, pela ré apelada.
- Na sequência, saber se deverá ser realizada outra nova interpretação e aplicação do Direito à nova factualidade apurada, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida, nos termos preconizados pelo recorrente.*
*III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
 
FACTOS PROVADOS

O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 

a) No dia 11 de Dezembro de 2018, pelas 13h25, o Autor conduzia o motociclo matrícula QG, da marca Honda, na Rua ..., na freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, no sentido .../.... 
b) Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, e à retaguarda do veículo QG, circulava o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula HE, conduzido por R. G.. 
c) O Autor era, nessa data, proprietário do motociclo QG. 
d) O veículo HE era, nessa data, propriedade de R. G.. 
e) Junto ao número de polícia …, a Rua ... configura uma reta em plano descendente e sem bermas, com a largura de 5 metros, com duas faixas de rodagem de sentidos opostos, cada uma com uma largura de cerca de 2,5 metros. 
f) O tempo encontrava-se seco e limpo, e o pavimento asfáltico encontrava-se em bom estado de conservação. 
g) Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o QG desenvolvia a sua marcha no sentido .../..., pela hemifaixa direita da via. 
h) A uma velocidade não superior a 30 Km/h. 
i) A dada altura, o veículo HE iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo QG. 
j) No momento em que já tinha iniciado a referida manobra de ultrapassagem, o veículo QG muda de direção à esquerda. 
k) Na sequência da referida manobra, o veículo HE embateu com a sua parte frontal direita, na roda traseira do veículo QG. 
l) O acidente veio a ocorrer junto ao eixo da via. 
m) Na sequência do embate, o veículo QG e o seu condutor foram projetados para a berma do lado esquerdo. 
n) Como consequência direta e necessária do acidente resultaram para o Autor, lesões corporais, consistentes em hematomas e escoriações em várias partes do corpo, nomeadamente na face, na testa e junto ao nariz.
o) Foi transportado de urgência para o ULSAM, onde lhe foram prestados os primeiros socorros e foi submetido a vários exames. 
p) Após, passou a ser seguido na clínica Médica ..., onde lhe foram feitos os tratamentos às feridas. 
q) Foi medicado com analgésicos e anti-inflamatórios. 
r) Na sequência do acidente, o Autor ficou com duas cicatrizes na face, do lado direito, nomeadamente, na testa e junto ao nariz. 
s) Em consequência das lesões sofridas, o Autor sofreu dores físicas, quer no momento do acidente, quer no decurso da sua recuperação. 
t) À data do acidente, o Autor exercia, como ainda exerce, a profissão de carteiro. 
u) Após o acidente, o Autor ficou receoso e amedrontado de conduzir motociclos, sendo, no entanto, obrigado a fazê-lo na sua profissão de carteiro. 
v) Na sequência do acidente, o Autor partiu o seu telemóvel Samsung J3 e a roupa que vestia ficou completamente danificada, nomeadamente o par de botas, fato da chuva da farda, o capacete e uma mala. 
w) O veículo do Autor tem um valor de mercado que se situa entre os € 1.800,00 e os € 2.000,00. 
x) Como consequência do embate, o veículo do Autor sofreu vários danos, a demandar para a sua reparação, serviços de mão-de-obra de chapeiro, de mecânico e de pintor, bem como substituição de peças várias, sendo o valor da sua reparação de € 1.904,29. 
y) O veículo ficou imobilizado e impossibilitado de trabalhar desde a data do acidente até Julho de 2019. 
z) No exercício da sua profissão de carteiro, o Autor auferia, para além do seu vencimento mensal, aproximadamente € 400,00 mensais, a título de subsídio de transporte em veículo próprio. 
aa) Por via da imobilização do seu veículo deixou de auferir o supra referido subsídio. 
bb) O Autor utilizava o veículo QG para a deslocação para o trabalho, diariamente, e para as demais tarefas do dia-a-dia. 
cc) Por ter faltado ao trabalho, no período que esteve doente foi-lhe descontado o valor de € 94,96, relativamente ao mês de Janeiro de 2019.
dd) À data do acidente, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula HE, encontrava-se transferida para a Ré Companhia de Seguros X, S.A., através de contrato de seguro, titulado pela apólice nº .........3. *FACTOS NÃO PROVADOS

Por seu turno, o tribunal a quo considerou como não provado:

a) A dado momento, o motociclo reduziu a velocidade de que vinha animado e, de forma gradual, foi-se aproximando do eixo divisório da via, sempre com o sinal luminoso “pisca” do lado esquerdo do QG em funcionamento. 
b) Quando já se encontrava sobre o eixo da via foi embatido pela parte da frente esquerda do HE. 
c) O condutor do veículo HE seguia de forma completamente distraída e sem prestar qualquer intenção à condução que fazia. 
d) Por essa razão não se apercebeu que o QG apresentava o sinal luminoso “pisca” do lado esquerdo em funcionamento, reduzia a velocidade e se aproximava do eixo da via. 
e) Momentos antes de embater no QG, ao aperceber-se da manobra do respetivo condutor, o condutor do HE invadiu completamente a hemifaixa esquerda da via, atento o sentido em que seguia. 
f) De forma a efetuar a manobra de ultrapassagem ao QG que antecedia. 
g) De forma súbita e inesperada, o condutor do HE guinou o que conduzia para a hemifaixa direita, atento o sentido em que seguia. 
h) E invadiu a hemifaixa direita da via de forma a ultrapassar o QG pelo seu lado direito. 
i) Até embater no QG. 
j) Momentos antes do embate, o veículo QG circulava a velocidade nunca inferior a 70 Km/h. 
k) Por via das lesões sofridas, o Autor sofreu uma incapacidade total permanente de 30 dias.
l) Na sequência da queda provocada pelo acidente, o Autor ficou portador de dores físicas na coluna que o vão acompanhar para toda a vida e que se exacerbam com as mudanças de tempo. 
m) O Autor ficou portador de um coeficiente de dano II, um quantum doloris de 4 e um dano estético de grau 2. 
n) Na sequência das faltas ao serviço, o Autor deixou de auferir o subsídio de assiduidade no valor de € 100,00 mensais. 
o) E ainda, perdeu pontos que são atribuídos pela entidade patronal quando os trabalhadores da sua empresa não têm faltas nem qualquer outra falha, pontos esses que são cruciais para a subida de categoria e, consequentemente, para um aumento salarial de € 100,00 mensais. 
p) E, por via das faltas ao trabalho em consequência da ITA, deixou de poder subir de categoria nos próximos quatro anos e de auferir o salário correspondente a essa subida de categoria, com o que terá um prejuízo não inferior a € 1.450,00. 
q) O Autor, proveniente da queda que sofreu no acidente supra referido, no futuro, vai ver-se na necessidade de recorrer a consultas médicas das especialidades de ortopedia e fisiatria, além de outras que se possam mostrar necessárias. 
r) Vai ter necessidade de se submeter a análises clínicas e a exames radiológicos, ressonâncias magnéticas e TAC. 
s) E, terá necessariamente de se submeter a exames e sessões de fisioterapia, bem como à toma de medicamentos, nomeadamente, analgésicos. *
*IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
 
A) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

A questão que importa dirimir, em primeiro lugar, refere-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida. 
Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente. 
Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objeto da impugnação (1), sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo”. (2)

Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o n.º 1 do art. 640º do C. P. Civil, que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; 
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” 

Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “ (…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.” (sublinhado nosso).
Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar ainda o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto.
Os aspetos fundamentais que o recorrente deve assegurar neste particular prendem-se com a definição clara do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida). 
Porém, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador. 
Assim, como salienta Abrantes Geraldes (3), o Supremo Tribunal de Justiça “vem batalhando precisamente no sentido de evitar os efeitos de um excessivo formalismo que ainda marca alguns acórdãos das Relações, promovendo que o esforço que é aplicável na justificação de soluções que exponenciam aspectos de natureza meramente formal sem suficiente tradução na letra da lei, nem no espírito do sistema, seja canalizado para a efectiva apreciação das impugnações de matéria de facto.” (4)

Por outro lado, na fase da admissão formal do recurso de apelação em que é impugnada a decisão da matéria de facto, importa que se estabeleça uma clara separação entre os requisitos formais e os ligados ao mérito ou demérito da pretensão que será avaliado em momento posterior.
 Deste modo, havendo “sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto, quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos.” (5)

Tendo, assim, presente este enquadramento legal, cumpre decidir.
 
No caso em apreço, o autor recorrente, cumprindo, no essencial, os apontados requisitos formais, pretende a alteração da factualidade dada como assente sob as als. j) sob a al. k) (na parte em que se refere “Na sequência da referida manobra …”), propondo que a mesma factualidade seja dada como não provada.
Por outro lado, entende que a factualidade dada como não provada sob as als. a), b), c) e d) deverá ser considerada como provada.

Propõe igualmente que seja aditada à factualidade provada que:
“Na sequência do acidente, o A. partiu o seu telemóvel Samsung J3, com um valor comercial de, pelo menos, 150,00 euros; a roupa que o A. vestia naquele dia, ficou completamente danificada, nomeadamente, - par de botas, no valor de 90€; um fato de chuva da farda, no valor de 130,00 euros; um capacete, no valor de 50,00 euros; uma mala, no valor de 200,00 euros.”

Tendo presente, assim, a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pela recorrente, importa saber se, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise.
Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes (6), que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia.
Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. 
De facto, o acesso direto do Tribunal da Relação à gravação integral do julgamento antes efetuado, terá de permitir-lhe, na formação da sua própria e autónoma convicção, sustentada numa análise crítica da prova, para além da apreciação dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente, a ponderação e a reanálise de todos os meios probatórios produzidos, sujeitos às mesmas regras de direito probatório material a que se encontra sujeito o tribunal de 1ª instância, enquanto forma, por um lado, de atenuar a inevitável quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, e, por outro, ainda, de evitar julgamentos descontextualizados ou parciais, submetidos apenas à leitura dos meios probatórios convocados pelo recorrente.
Pretende-se, pois, uma visão global, integrada e contextualizada de todos os meios probatórios produzidos, como garantia de uma decisão de facto o mais próxima possível da realidade, sem que tal implique a procura de uma verdade ou de uma certeza naturalística ou absoluta, que é, por princípio, insuscetível de ser alcançada.
Por outro lado, ainda, no que se refere à reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos/declarações prestados pelas partes ou por testemunhas ou, ainda, a reapreciação da prova pericial, é de recordar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova (7), princípio que expressamente se consagra no art. 607º, n.º 5, do C. P. Civil. (8)
Com efeito, ao contrário do que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, sem pré-fixação legal do mérito de tal julgamento, mas sempre sendo de exigir que esse mérito decorra de uma apreciação crítica e integrada de todo o acervo probatório produzido, ou seja, de uma ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência humana, da lógica e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso, ponderação essa que deverá ficar plasmada na fundamentação do decidido (art. 607º, n.º 4, do C. P. Civil).
Como refere Miguel Teixeira de Sousa (9), a propósito do sistema de prova livre, o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão.”
Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. 
Todavia, face aos atuais poderes da Relação ao nível da reapreciação da decisão de facto, daí não decorre que não possa e não deva o tribunal ad quem analisar, também ele, criticamente, e sujeito às mesmas regras da experiência, da lógica e da ciência, a prova produzida, formando ele próprio, uma nova e autónoma convicção, caso em que, constatando, que ela não é coincidente com a convicção formada pelo Sr. Juiz de 1ª instância, deverá efetuar as correções na matéria de facto que aquela sua convicção lhe imponha.
Quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição.
Deste modo, chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o Tribunal da Relação considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo. (10)
Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. 
 
Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.” (11)

Feitas estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, conhecer da factualidade impugnada pelo recorrente.

O tribunal a quo considerou como provado, sob os apontados pontos impugnados, a seguinte factualidade:

“J) No momento em que já tinha iniciado a referida manobra de ultrapassagem, o veículo QG muda de direção à esquerda. 
k) Na sequência da referida manobra, o veículo HE embateu com a sua parte frontal direita, na roda traseira do veículo QG.”

Cumpre ainda afirmar que sob a al. v), o tribunal recorrido deu como provado que:
“v) Na sequência do acidente, o Autor partiu o seu telemóvel Samsung J3 e a roupa que vestia ficou completamente danificada, nomeadamente o par de botas, fato da chuva da farda, o capacete e uma mala.”

Por sua vez, o tribunal a quo deu como não provada a seguinte factualidade, ora impugnada pelo recorrente:

“a) A dado momento, o motociclo reduziu a velocidade de que vinha animado e, de forma gradual, foi-se aproximando do eixo divisório da via, sempre com o sinal luminoso “pisca” do lado esquerdo do QG em funcionamento. 
b) Quando já se encontrava sobre o eixo da via foi embatido pela parte da frente esquerda do HE. 
c) O condutor do veículo HE seguia de forma completamente distraída e sem prestar qualquer intenção à condução que fazia. 
d) Por essa razão não se apercebeu que o QG apresentava o sinal luminoso “pisca” do lado esquerdo em funcionamento, reduzia a velocidade e se aproximava do eixo da via.”

No essencial, o recorrente convoca em sua defesa – no que se refere à factualidade impugnada relativa à dinâmica do acidente – as declarações de parte do autor, em conjugação com a testemunha R. G. (condutor do veículo HE, segurado na ré recorrida) e com o auto de participação de acidente de viação de fls. 45 a 47 verso.
Por sua vez, entende o recorrente que foi feita prova no sentido da demonstração dos valores dos bens pessoais do autor que ficaram danificados na decorrência do acidente, mais concretamente do telemóvel, vestuário e equipamento que este trazia consigo no momento do acidente.

No que se refere à dinâmica do acidente, o tribunal a quo, após ponderar a prova produzida, salientou, o seguinte:

“ (…) No que concerne à dinâmica e circunstâncias que rodearam a eclosão do acidente, foi fundamental o depoimento da testemunha R. G., única testemunha presencial do acidente, pois era o condutor do veículo de matrícula HE. 
É certo que o seu depoimento foi contrariado pelas declarações de parte do Autor, porém não se pode olvidar que o Autor é principal interessado no resultado da presente acção, sendo que o seu depoimento procurou suportar uma versão do acidente que sustente as pretensões formuladas, a qual não se mostra corroborada por qualquer outro elemento probatório. Com efeito, nem o auto de participação corrobora a versão do Autor, quer no que respeita às declarações de ambos os condutores, quer no que respeita ao croqui do local do acidente. É de salientar, que o local provável do acidente foi assinalado na hemi-faixa esquerda tendo em consideração o sentido de trânsito de ambos os condutores, tendo o agente participante atestado que o local assinalado foi indicado por ambos os condutores. Todavia, da descrição do acidente, não consta qualquer declaração de ambos os condutores quanto ao local provável do acidente, pois nenhum deles declarou em que local da faixa de rodagem de dá o acidente, o que indicia que ou o auto de participação se encontra incompleto, ou o croqui padece de lapso nessa indicação. 
Aliás, as declarações de ambos os condutores mostram-se demasiado concisas, não permitindo ter uma percepção correcta do que realmente aconteceu. Veja-se que o condutor do motociclo, o aqui Autor, limitou-se a declarar que seguia no sentido .../..., quando um veículo embate na sua traseira. Por seu turno, o condutor do veículo ligeiro de passageiros, embora não tão conciso, não esclarece onde circulava o motociclo momentos antes de se dar o embate, mas esclarece que quando se encontra a efectuar a manobra de ultrapassagem, o motociclo, muda de direcção à esquerda, acabando por embater na sua traseira.  
De realçar, que o condutor do veículo HE manteve essa versão perante o perito averiguador e em sede de audiência de julgamento, embora com a prestação de esclarecimentos que se mostraram essenciais. O condutor do veículo HE esclareceu, de modo espontâneo, que o motociclo circulava do lado direito da hemi-faixa de rodagem, encostado à berma, a velocidade reduzida que quantificou em 30 Km/h, razão pela qual iniciou a manobra de ultrapassagem, e quando a executava, foi surpreendido pela manobra de mudança de direcção à esquerda do motociclo, tendo embatido no motociclo junto do eixo da via. Apesar da referida testemunha não ter reconhecido expressamente que o local do embate foi na hemi-faixa da direita, tudo leva a crer que assim foi, já que admitiu que ocupou parcialmente a hemi-faixa da esquerda para executar a manobra de ultrapassagem, sendo um dado inquestionável que o veículo HE embateu com a parte frontal direita, zona do capôt, no motociclo. Também, o Autor confirmou que o veículo HE, no momento do embate, ocupava parcialmente a faixa de rodagem contrária, o que indica que, efectivamente, realizava uma manobra de ultrapassagem, pois de outro modo, não teria necessidade de ocupar a hemi-faixa esquerda, considerando a largura da hemi-faixa (2,5 m). O facto do veículo HE ter embatido com a parte frontal direita, onde apresenta os danos, também são consentâneos com a versão do seu condutor. Acresce que, o Autor reconheceu que com o embate foi projectado para o lado esquerdo da via, o que é consentâneo com um embate no motociclo na traseira, do lado esquerdo. De acordo com as regras da física se o veículo automóvel tivesse embatido, em cheio, na roda traseira do motociclo, este seria projectado para a frente e não para o lado esquerdo. A zona atingida pelo embate nos veículos e o modo como foi projectado o motociclo sugere que, no momento do embate efectuava a manobra de mudança de direcção à esquerda, provindo do lado direito da hemi-faixa de rodagem, não se encontrando no eixo da via, sendo certo que se afigura verosímil que o condutor do veículo HE empreendida, nesse preciso momento, a manobra de ultrapassagem. 
Assim, o Autor não logrou provar a dinâmica do acidente relatada na petição inicial, a qual não se encontra corroborada pelos demais elementos probatórios.”

No que se refere aos danos dos referidos bens do autor recorrente, o tribunal recorrido, consignou o seguinte:

“ (…) No que respeita aos danos no vestuário e outro equipamento que transportava consigo, as testemunhas P. M., S. C. e J. M., perito averiguador, confirmaram que todo o vestuário e equipamento ficou danificado, o que também se confirma pelos registos fotográficos juntos a fls. 15 a 21. No entanto, não existem quaisquer elementos probatórios que confirmem o valor indicado pelo Autor para esses bens, salientando-se que o Autor apesar de afirmar que teve que adquirir um novo telemóvel, uma vez que não compensava reparar o danificado, e adquirir outra farda de trabalho, uma vez que a que vestia ficou totalmente danificada, não juntou qualquer documento que comprove a respectiva compra e valor pago. Os valores indicados apenas são corroborados pelas próprias declarações do Autor, e pela testemunha S. C., que sendo cônjuge do Autor, não garante a fidedignidade dos valores indicados, atento o comprometimento que revela com os interesses do Autor.” 

A exposição dos motivos que levaram o tribunal a quo a decidir pela verificação do acidente de viação em causa, de acordo com a versão apresentada pela ré seguradora, revela-se, no essencial, devidamente estruturada, designadamente sopesando os meios de prova produzidos, dando especial relevo ao depoimento da testemunha R. G. (interveniente no acidente, enquanto condutor do veículo HE), a qual terá, na convicção do tribunal a quo, apresentado um depoimento menos conciso e mais esclarecedor do que o depoimento do autor, retirando o tribunal recorrido do depoimento daquela testemunha que o mesmo, antes do embate, havia iniciado uma manobra de ultrapassagem ao motociclo conduzido pelo autor e, quando a executava, foi então surpreendido pela manobra de mudança de direção à esquerda por parte do motociclo, acabando por embater na sua traseira. 
Todavia, este tribunal ad quem não partilha da mesma conclusão a que chegou o tribunal recorrido, mormente quanto à dinâmica do acidente.
Entende antes que a versão do acidente que se poderá respigar do depoimento do condutor do veículo HE sequer se poderá considerar coincidente com a versão do acidente a que chegou o tribunal a quo e que acabou por ser retratada sob as referidas als. j) e k), 1ª parte, dos factos provados.
Vejamos.

De acordo com a versão do acidente apresentada pelo autor, em sede de declarações de parte, verifica-se que o mesmo refere que seguia no sentido ...-..., pela hemifaixa direita e, pretendendo mudar de direção à esquerda, atento esse mesmo sentido, foi-se aproximando do eixo da via, com o “pisca” ligado, a sinalizar tal manobra, sendo que, quando já se encontrava junto ao eixo da via (mas ainda dentro da hemifaixa direita no sentido em que seguia), preparado para virar à sua esquerda (seguindo a uma velocidade muito reduzida, quase parado), foi entretanto embatido pelo veículo HE na traseira do seu motociclo.

Não podemos deixar de ter presente que, no que se refere às declarações de parte, é entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência, segundo o qual o depoimento de parte e as declarações de parte em que não exista confissão, embora fiquem sujeitas à livre apreciação do julgador (art. 466º, n.º 3, do C. P. Civil), nunca servem, por si só, para fundamentar que se dê como provada a tese factual sustentada pelo depoente/declarante em sede de depoimento de parte ou declarações de parte em benefício próprio, tendo antes de ser corroboradas por outros elementos de prova. (12)
Sem que, porém, nos possamos olvidar que existe uma outra corrente doutrinal e jurisprudencial mais recente, que sustenta que o depoimento e as declarações de parte, sem valor confessório, podem valer à luz do princípio da livre convicção do tribunal, em benefício do próprio declarante, ainda que desacompanhados de outros elementos de prova que as corroborem, tudo dependendo do modo como são prestadas e a maior ou menor dificuldade probatória do facto sobre que versam, repudiando a degradação antecipada do respetivo valor probatório, o seu estigma precoce, relembrando que se está perante uma prova autónoma, consagrada em termos amplos, e não apenas como mero princípio de prova, em relação à qual deverá valer plenamente a livre convicção do juiz (13), cumpre salientar que os defensores desta corrente não deixam de evidenciar a necessidade de adotar cuidados acrescidos na valoração favorável deste elemento de prova em benefício do próprio depoente ou declarante, sabendo-se que “… não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar as afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objeto em litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objetivo sobre a sua versão dos factos que, inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado.” (14)

No caso concreto, revisitada as declarações de parte do autor, em especial no que se refere à dinâmica do acidente, as mesmas afigura-se-nos consentâneas com a realidade dos factos que terão sucedido antes do acidente e com a condução que o mesmo vinha desenvolvendo antes de ser embatido na traseira do seu motociclo pela parte da frente direita do veículo HE.
De igual modo, se confrontarmos esta versão do acidente apresentada pelo autor com a que se poderá respigar do depoimento da testemunha R. G. (condutor do veículo HE, segurado na ré), sempre teríamos que concluir que a versão do acidente apontada pelo autor não chega a ser posta verdadeiramente em causa pela dita testemunha, não obstante algumas imprecisões que o seu depoimento revelou.
De facto, se atentarmos ao depoimento do referido condutor do veículo HE verificamos que o mesmo também refere que viu o motociclo do autor do lado direito da hemifaixa de rodagem onde ambos seguiam e predispôs-se a fazer uma manobra de ultrapassagem a esse mesmo motociclo, sendo que no momento da ultrapassagem verificou que o autor “vinha a virar” para o seu lado esquerdo, mas não conseguiu evitar o embate na traseira deste motociclo, sensivelmente no eixo da via.
Perguntado sobre se o motociclo virou na sua direção de repente ou se não tinha o “pisca” ligado, o condutor do veículo HE, pura e simplesmente, limitou-se a responder que não se recordava (“não me recordo ao certo …” – cfr. 12.25 m do seu depoimento gravado). 
Outrossim, a mesma testemunha, perguntado se se havia apercebido da condução levado a cabo pelo condutor do motociclo, no sentido de ir do lado direito para o eixo da via, onde se deu o embate, a mesma acaba por responder que não (“quando me apercebi não consegui travar a tempo …” – cfr. 21.15 m do seu depoimento gravado); mais à frente, perguntado de novo se se apercebeu da mudança da trajetória do motociclo ou se olhara para o “pisca” do motociclo, mais uma vez responde que “não … não me apercebi …” (cfr. 21.50 m do seu depoimento gravado).
Daqui resulta, pois que o condutor do veículo HE não seguia com a devida atenção ao trânsito que seguia à sua frente, mormente à manobra de mudança de direção que o condutor do motociclo havia iniciado, com a sua aproximação ao eixo da via.
De igual modo, se não se apercebeu dessa mesma manobra iniciada pelo condutor do motociclo, de modo algum podemos concluir que a mesma manobra foi realizada de forma repentina e imprevista, mais concretamente que se realizou quando o condutor do veículo HE já havia iniciado a manobra de ultrapassagem.    
Realce-se que essa mesma testemunha também afirma que, no momento da manobra de ultrapassagem, só ocupou parcialmente a hemifaixa contrária, atento o seu sentido de marcha, sendo certo que o embate se deu sobre o eixo da via (ao que tudo indica ainda dentro da hemifaixa direita atento o sentido de marcha de ambos os veículos), sofrendo o veículo HE danos na frente, sob o lado direito, e o motociclo danos na traseira, sendo certo que, a ser assim, não podemos de modo algum apontar o autor como causador do embate, tal como concluiu o tribunal recorrido sob a al. k), dos factos provados).
Antes teremos que nos aproximar mais da versão do acidente apresentada pelo autor, aceitando assim como verosímil a manobra de mudança de direção à esquerda levado a efeito pelo autor e a sua aproximação ao eixo da via, onde se deu o embate, assim como a falta de perceção, por distração, da mesma manobra por parte do condutor do veículo HE, que, assim, iniciou a manobra de ultrapassagem do motociclo, sem sequer chegar a invadir na sua totalidade a hemifaixa contrária e provocando, deste modo, o embate do seu veículo na traseira do motociclo; versão esta que, em bom rigor e em abono da verdade, não foi posta em causa pelo depoimento do condutor do veículo HE.
Por assim dizer, não fora a distração com que seguia o condutor do veículo HE, que, confessadamente, não se apercebeu da manobra de mudança de direção à esquerda desenvolvida pelo autor na ocasião, o mesmo condutor não teria iniciado a manobra de ultrapassagem do motociclo, manobra essa de ultrapassagem iniciada depois daquela que vinha sendo executada pelo autor (aproximação ao eixo da via para mudança de direção à esquerda) e que, na sequência, acabou por motivar o embate do veículo HE na traseira do motociclo do autor.
Por outro lado, a versão de que o motociclo mudou de direção à esquerda, quando o condutor do veículo HE já tinha iniciado a ultrapassagem do mesmo (cfr. al. j) dos factos provados), não é, de acordo com os juízos de verossimilhança dos factos, suscetível de causar um embate na traseira do motociclo (tal como ficou provado); mas antes no lado esquerdo do motociclo, o que não sucedeu no caso em apreço.
Ademais, importará sempre referir que, após o acidente e com a chegada dos elementos da GNR, o condutor do veículo HE reconheceu-se como culpado do acidente (cfr. 23.25 m do seu depoimento gravado), tendo inclusivamente os veículos sinistrados sido retirados do local do embate.
De acordo com as regras de experiência comum, se estivéssemos perante uma manobra de mudança de direção à esquerda, inopinada e imprevista, do condutor do motociclo, “cortando a linha de trânsito” do veículo HE, certamente o condutor deste veículo não teria assumido a culpa na produção do sinistro e retirado, sem mais, o seu veículo do local onde o embate se deu, antes da chegada das autoridades.
Nestes termos, cumpre proceder à alteração da decisão que incidiu sobre a matéria de facto provada (als. j) e k)) e não provada (als. a) a d)), nos moldes preconizados pelo recorrente, ainda que com alguns ajustes de redação, em face do acima exposto. Ainda neste particular, caberá igualmente realçar que alguns dos referidos factos traduzem-se em factos complementares e/ou instrumentais referentes à dinâmica do acidente, resultantes da instrução da causa e sobre os quais as partes tiveram oportunidade de se pronunciarem, e, como tal, irão ser considerados por este tribunal ad quem (art. 5º, n.º 2, als. a) e b), do C. P. Civil).

Por seu turno, não obstante as declarações de parte do autor e da sua mulher S. C., no que se refere aos apontados valores do telemóvel, vestuário e demais equipamento do autor danificado na decorrência do acidente de viação em causa, sempre teremos de concluir, conforme acabou por fazer o tribunal a quo, ou seja, que “não existem elementos probatórios que confirmem o valor indicado pelo Autor para esses bens …”, tanto quanto é certo que não foram juntos aos autos qualquer documento (mormente fatura) que comprove o valor de aquisição dos bens danificados e/ou dos novos bens que o autor teve necessidade de comprar.
É assim de manter a factualidade dada como provada sob a al. v) nos seus precisos termos.

Por último, cumpre dar razão à ré recorrida, no que se refere ao seu pedido de ampliação do âmbito do recurso de apelação em presença, no que se refere à decisão sobre a matéria de facto (art. 636º, n.º 2, do C. P. Civil), tanto mais que, após as declarações de parte do autor, ficou expressamente consignado em ata, para os efeitos do disposto no art. 463º, n.º 1, do C. P. Civil, designadamente que: “No momento do acidente encontrava-se no exercício da sua atividade de carteiro.” 
Esta factualidade foi alegada pela ré na sua contestação (cfr. arts. 38º a 40º) e confessada pelo autor, pelo que deverá passar a constar da factualidade dada como provada.

Termos em que, se julga parcialmente procedente, neste segmento, a pretensão recursiva do autor recorrente e procedente a da ré recorrida (pedido de ampliação do âmbito do recurso), e, em consequência, fazendo uso do disposto no art. 662º, n.º 1, do C. P. Civil, decide-se alterar a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, nos termos sobreditos, passando os factos provados e não provados a ser os seguintes (que iremos transcrever na íntegra, com as alterações introduzidas a negrito para melhor esclarecimento):

FACTOS PROVADOS

a) No dia 11 de Dezembro de 2018, pelas 13h25, o Autor conduzia o motociclo matrícula QG, da marca Honda, na Rua ..., na freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, no sentido .../.... 
b) Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, e à retaguarda do veículo QG, circulava o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula HE, conduzido por R. G.. 
c) O Autor era, nessa data, proprietário do motociclo QG. 
d) O veículo HE era, nessa data, propriedade de R. G.. 
e) Junto ao número de polícia .., a Rua ... configura uma reta em plano descendente e sem bermas, com a largura de 5 metros, com duas faixas de rodagem de sentidos opostos, cada uma com uma largura de cerca de 2,5 metros. 
f) O tempo encontrava-se seco e limpo, e o pavimento asfáltico encontrava-se em bom estado de conservação. 
g) Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o QG desenvolvia a sua marcha no sentido .../..., pela hemifaixa direita da via. 
h) A uma velocidade não superior a 30 Km/h. 
i) A dada altura, o veículo HE iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo QG. 
j) Para tanto, o veículo HE invade parcialmente a hemifaixa esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de trânsito.
k) Porque circulava sem a devida atenção ao trânsito que seguia à sua frente, o condutor do veículo HE não se apercebeu que o autor pretendia realizar a manobra de mudança de direção à esquerda, atento o sentido em que seguia, tendo, para o efeito, se aproximado do eixo da via e com o sinal luminoso de “pisca” do lado esquerdo do veículo QG em funcionamento.
l) Assim, quando já se encontrava perto do eixo da via (mas ainda dentro da hemifaixa direita atento o seu sentido de marcha), foi embatido na traseira do veículo QG pela parte frontal direita do veículo HE. 
m) Na sequência do embate, o veículo QG e o seu condutor foram projetados para a berma do lado esquerdo. 
n) Como consequência direta e necessária do acidente resultaram para o Autor, lesões corporais, consistentes em hematomas e escoriações em várias partes do corpo, nomeadamente na face, na testa e junto ao nariz.
o) Foi transportado de urgência para o ULSAM, onde lhe foram prestados os primeiros socorros e foi submetido a vários exames. 
p) Após, passou a ser seguido na clínica Médica ..., onde lhe foram feitos os tratamentos às feridas. 
q) Foi medicado com analgésicos e anti-inflamatórios. 
r) Na sequência do acidente, o Autor ficou com duas cicatrizes na face, do lado direito, nomeadamente, na testa e junto ao nariz. 
s) Em consequência das lesões sofridas, o Autor sofreu dores físicas, quer no momento do acidente, quer no decurso da sua recuperação. 
t) À data do acidente, o Autor exercia, como ainda exerce, a profissão de carteiro. 
u) No momento do acidente, encontrava-se no exercício da sua atividade de carteiro.
v) Após o acidente, o Autor ficou receoso e amedrontado de conduzir motociclos, sendo, no entanto, obrigado a fazê-lo na sua profissão de carteiro. 
w) Na sequência do acidente, o Autor partiu o seu telemóvel Samsung J3 e a roupa que vestia ficou completamente danificada, nomeadamente o par de botas, fato da chuva da farda, o capacete e uma mala. 
x) O veículo do Autor tem um valor de mercado que se situa entre os € 1.800,00 e os € 2.000,00. 
y) Como consequência do embate, o veículo do Autor sofreu vários danos, a demandar para a sua reparação, serviços de mão-de-obra de chapeiro, de mecânico e de pintor, bem como substituição de peças várias, sendo o valor da sua reparação de € 1.904,29. 
z)O veículo ficou imobilizado e impossibilitado de trabalhar desde a data do acidente até Julho de 2019. 
aa) No exercício da sua profissão de carteiro, o Autor auferia, para além do seu vencimento mensal, aproximadamente € 400,00 mensais, a título de subsídio de transporte em veículo próprio. 
bb) Por via da imobilização do seu veículo deixou de auferir o supra referido subsídio. 
cc) O Autor utilizava o veículo QG para a deslocação para o trabalho, diariamente, e para as demais tarefas do dia-a-dia. 
dd) Por ter faltado ao trabalho, no período que esteve doente foi-lhe descontado o valor de € 94,96, relativamente ao mês de Janeiro de 2019.
ee) À data do acidente, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula HE, encontrava-se transferida para a Ré Companhia de Seguros X, S.A., através de contrato de seguro, titulado pela apólice nº .........3. *FACTOS NÃO PROVADOS

a) No momento em que já tinha iniciado a referida manobra de ultrapassagem, o veículo QG muda de direção à esquerda. 
b) Foi na sequência desta última manobra que o veículo HE embateu no veículo QG. 
c) Momentos antes de embater no QG, ao aperceber-se da manobra do respetivo condutor, o condutor do HE invadiu completamente a hemifaixa esquerda da via, atento o sentido em que seguia. 
d) De forma a efetuar a manobra de ultrapassagem ao QG que antecedia. 
e) De forma súbita e inesperada, o condutor do HE guinou o que conduzia para a hemifaixa direita, atento o sentido em que seguia. 
f) E invadiu a hemifaixa direita da via de forma a ultrapassar o QG pelo seu lado direito. 
g) Até embater no QG. 
h) Momentos antes do embate, o veículo QG circulava a velocidade nunca inferior a 70 Km/h. 
i) Por via das lesões sofridas, o Autor sofreu uma incapacidade total permanente de 30 dias.
j) Na sequência da queda provocada pelo acidente, o Autor ficou portador de dores físicas na coluna que o vão acompanhar para toda a vida e que se exacerbam com as mudanças de tempo. 
k) O Autor ficou portador de um coeficiente de dano II, um quantum doloris de 4 e um dano estético de grau 2. 
l) Na sequência das faltas ao serviço, o Autor deixou de auferir o subsídio de assiduidade no valor de € 100,00 mensais. 
m) E ainda, perdeu pontos que são atribuídos pela entidade patronal quando os trabalhadores da sua empresa não têm faltas nem qualquer outra falha, pontos esses que são cruciais para a subida de categoria e, consequentemente, para um aumento salarial de € 100,00 mensais. 
n) E, por via das faltas ao trabalho em consequência da ITA, deixou de poder subir de categoria nos próximos quatro anos e de auferir o salário correspondente a essa subida de categoria, com o que terá um prejuízo não inferior a € 1.450,00. 
o) O Autor, proveniente da queda que sofreu no acidente supra referido, no futuro, vai ver-se na necessidade de recorrer a consultas médicas das especialidades de ortopedia e fisiatria, além de outras que se possam mostrar necessárias. 
p) Vai ter necessidade de se submeter a análises clínicas e a exames radiológicos, ressonâncias magnéticas e TAC. 
q) E, terá necessariamente de se submeter a exames e sessões de fisioterapia, bem como à toma de medicamentos, nomeadamente, analgésicos. *
*B) Da culpa/responsabilidade na produção do acidente

Impõe-se agora averiguar, face à nova realidade factual, a questão da culpa na eclosão do acidente em apreço e, muito em particular, se a culpa é de atribuir ao condutor do veículo de matrícula HE (segurado na ré) ou antes ao autor, enquanto condutor do motociclo matrícula QG; ou se a culpa é de atribuir a ambos – definindo, em tal hipótese, a medida de cada um dos intervenientes – ou, ainda, por último, se não é possível atribuir a culpa a qualquer um dos citados intervenientes, caso em que, por aplicação do preceituado no art. 506º, n.º 1 do C. Civil, importaria definir a medida da contribuição de cada veículos para o sinistro e consequentes danos, sustentando, a este propósito, o autor apelante que, caso se verifique tal situação, essa proporção deverá ser fixada em 70% para o condutor do veículo HE e 30% para o condutor do veículo QG, ora recorrente.

Pois bem da nova factualidade apurada, no que se refere à dinâmica do acidente, temos como assente, mormente que:

- No dia 11 de Dezembro de 2018, pelas 13h25, o Autor conduzia o motociclo matrícula QG, da marca Honda, na Rua ..., na freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, no sentido .../.... 
- Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, e à retaguarda do veículo QG, circulava o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula HE, conduzido por R. G.. 
- O Autor era, nessa data, proprietário do motociclo QG. 
- O veículo HE era, nessa data, propriedade de R. G.. 
- Junto ao número de polícia …, a Rua ... configura uma reta em plano descendente e sem bermas, com a largura de 5 metros, com duas faixas de rodagem de sentidos opostos, cada uma com uma largura de cerca de 2,5 metros. 
- O tempo encontrava-se seco e limpo, e o pavimento asfáltico encontrava-se em bom estado de conservação. 
- Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o QG desenvolvia a sua marcha no sentido .../..., pela hemifaixa direita da via. 
- A uma velocidade não superior a 30 Km/h. 
- A dada altura, o veículo HE iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo QG. 
- Para tanto, o veículo HE invade parcialmente a hemifaixa esquerda  da faixa de rodagem, atento o seu sentido de trânsito.
- Porque circulava sem a devida atenção ao trânsito que seguia à sua frente, o condutor do veículo HE não se apercebeu que o autor pretendia realizar a manobra de mudança de direção à esquerda, atento o sentido em que seguia, tendo, para o efeito, se aproximado do eixo da via e com o sinal luminoso de “pisca” do lado esquerdo do veículo QG em funcionamento.
- Assim, quando já se encontrava perto do eixo da via (mas ainda dentro da hemifaixa direita atento o seu sentido de marcha), foi embatido na traseira do veículo QG pela parte frontal direita do veículo HE. 
- Na sequência do embate, o veículo QG e o seu condutor foram projetados para a berma do lado esquerdo. 
- Como consequência direta e necessária do acidente resultaram para o Autor, lesões corporais, consistentes em hematomas e escoriações em várias partes do corpo, nomeadamente na face, na testa e junto ao nariz.

Mais se demonstrou que, no momento do acidente, o autor encontrava-se no exercício da sua atividade de carteiro (cfr. al. u) da nova relação de factos provados).
Neste âmbito, desde já se adianta que, contrariamente ao defendido pela ré recorrida, tal factualidade (al. u) dos factos provados) não implica qualquer presunção legal de culpa para o autor na eclosão do sinistro em causa, mormente a decorrente do disposto no art. 503º, n.º 3, do C. Civil.
De facto, temos como assente que o motociclo conduzido pelo autor, no momento do acidente, é sua propriedade, tendo o mesmo assim a direção efetiva do veículo que conduzia, não o utilizando por conta de outrem (seu proprietário ou detentor), ou seja enquanto comissário, sendo irrelevante, pois, que o mesmo veículo, da propriedade do autor, seja utilizado no exercício da sua atividade profissional de carteiro, pois que falha logo um dos pressupostos necessários ao funcionamento de tal presunção legal de culpa (art. 503º, n.º 3, do C. Civil), que é o da verificação de proprietário ou detentor diferente do condutor do veículo interveniente no acidente. (15)

Feita a referência em termos de quadro factual do sinistro, verificamos que o mesmo se reconduz, em termos esquemáticos, a uma colisão de dois veículos (motociclo tripulado pelo autor e o veículo automóvel tripulado pelo segurado na ré), colisão esta que ocorre quando o autor inicia uma manobra de mudança de direção à esquerda, atento o seu sentido de marcha, enquanto o veículo automóvel, segurado na ré, pretendia efetuar uma manobra de ultrapassagem ao motociclo conduzido pelo autor.

No que se refere à culpa, o Código Civil consagra expressamente a tese da culpa em abstrato, ao prescrever no n.º 2 do art. 487º que, na falta de outro critério legal, ela é apreciada “pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.”
Comentando esta norma, Pires de Lima e Antunes Varela referem que “a culpa deve ser apreciada in abstracto, ou seja, em atenção à diligência de um bom pai de família e não à diligência normal do causador do dano.” E acrescentam que, “mandando atender às circunstâncias de cada caso, a lei quer apenas dizer que a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal (um bom pai de família) teria em face do circunstancialismo próprio do caso concreto. A referência expressiva ao bom pai de família acentua mais a nota ética ou deontológica do bom cidadão (do bonus cives) do que o critério puramente estatístico do homem médio. Quer isto significar que o julgador não está vinculado às práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria, que porventura se tenham generalizado, se outra for a conduta exigível dos homens de boa formação e de são procedimento.” (16)
Em termos mais lineares, pode afirmar-se que que age com culpa quem, pelas suas capacidades e atentas as circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo.

Quanto aos acidentes de viação, é pacífico na jurisprudência que a culpa emerge, regra geral, do incumprimento de regras legais que disciplinam a circulação rodoviária, presumindo-se (presunção juris tantum) a negligência do condutor que, por conduzir em infração daquelas normas, dá causa ao acidente, sem prejuízo, obviamente, de o condutor infrator poder provar a concorrência de circunstâncias concretas que justifiquem a infração cometida e que excluam a sua culpa. (17)
Daqui resulta, pois, que a mera violação de regras estradais, ainda que revestindo natureza contraordenacional, não é por si só suficiente para estabelecer o nexo causal com a produção do acidente, tornando-se necessário indagar se tal comportamento ilícito e culposo consubstancia, em concreto, causa adequada do evento ocorrido. (18)
Para tanto, importa, desde logo, ter presente a norma estradal violada e o respetivo âmbito de proteção e, nessa base, averiguar se o risco abstratamente ali prevenido se concretizou no resultado ocorrido.

Realce-se ainda que o n.º 2 do art.º 3.º do Código da Estrada (19) consagra o dever de diligência, o qual recai sobre os denominados utentes da via pública (conceito amplo), abrangendo, por conseguinte, os condutores de veículos automóveis ou motociclos, exigindo-se-lhes, assim, que se abstenham de praticar atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes das vias públicas.
Na verdade, sendo a atividade de condução de veículos na via pública uma atividade que comporta necessariamente riscos advindos do tráfego que normalmente existe, da circulação das próprias viaturas que se deslocam em espaços nem sempre otimizados, e até dos transeuntes que, a pé, nelas se atravessam ou permanecem, exige-se um cuidado especial da parte de todos os condutores no sentido de evitarem que da condução resultem acidentes.
É precisamente por isso que o CE estabelece uma série de regras a que tem de obedecer a condução rodoviária.
Assim, no art.º 35.º, n.º 1, do CE, estabelece-se o princípio geral que o condutor deve observar na realização de algumas manobras em especial, dispondo que: “O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás, em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.” 
E, quanto à realização da manobra de ultrapassagem, após impor, no art. 36.º, n.º 1, do CE, que deve ser efetuada pela esquerda, no art.º 38.º, n.º 1, do CE, estatui que: “O condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário”; impondo-lhe, ainda, o dever de se certificar especialmente nos casos previstos no n.º 2, designadamente que: “A faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança.” [al. a)].
Sendo certo que, na realização desta mesma manobra, “o condutor deve ocupar o lado da faixa de rodagem destinado à circulação em sentido contrário ou, se existir mais que uma via de trânsito no mesmo sentido, a via de trânsito à esquerda daquela em que circula o veículo ultrapassado.” (art. 38º, n.º 3, do CE).
Por seu turno, no que se refere à manobra de mudança de direção para a esquerda, estabelece-se no art. 44º, n.º 1, do CE, que: “O condutor que pretenda mudar de direção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afeta a um ou a ambos os sentidos de trânsito, e efetuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação.”; sendo certo que: “Se tanto na via que vai abandonar como naquela em que vai entrar o trânsito se processa nos dois sentidos, o condutor deve efetuar a manobra de modo a dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias.” (art. 44º, n.º 2, do CE).  

Por último, em matéria de velocidade, no art.º 24.º, n.º 1, do CE, estabelece-se os princípios gerais, dispondo que: “O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.”

Feitas estas considerações e atenta à nova factualidade dada como assente quanto à dinâmica do acidente, não temos dúvidas em afirmar que o acidente de que versam os autos é de imputar, a título de culpa exclusiva, ao condutor do veículo HE, segurado na ré.
Não sofre, a nosso ver, qualquer contestação que, na execução da manobra de mudança de direção à esquerda, o autor, condutor do motociclo QG não cometeu qualquer infração estradal. Com efeito, nesse conspecto, resulta demonstrado, da factualidade provada, que o mesmo, pretendendo mudar de direção à esquerda, atento ao sentido em que seguia, aproximou-se do eixo da, com o sinal luminoso de “pisca” do lado esquerdo do veículo QG em funcionamento.
Por sua vez, no que se refere à condução levada a cabo pelo condutor do veículo HE, temos como demonstrado que, o mesmo veículo HE que, seguia atrás do veículo QG, conduzido pelo autor, atento o mesmo sentido de marcha, a dada altura, iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo QG, tendo, para o efeito, invadido parcialmente (e não totalmente, portanto como se lhe impunha) a hemifaixa esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de trânsito.
	Na sequência, porque circulava sem a devida atenção ao trânsito que seguia à sua frente, o condutor do veículo HE não se apercebeu que o autor pretendia realizar a manobra de mudança de direção à esquerda e, assim, quando este já se encontrava perto do eixo da via (mas ainda dentro da hemifaixa direita atento o seu sentido de marcha), foi embatido na traseira do veículo QG pela parte frontal direita do veículo HE. 
 
Daqui se conclui que a condução levada a efeito pelo condutor do veículo HE é violadora do disposto nos arts. 24º, n.º 1 e 38º, nºs 1 e 3, do CE, sendo este o único culpado na produção do sinistro em apreço.

Nesta medida, cabe julgar procedente, neste segmento, as conclusões de recurso do apelante, ficando assim prejudicada a aplicação, ao caso em apreço, das regras referentes à responsabilidade pelo risco, designadamente de repartição da responsabilidade de acordo com a proporção do risco de cada um dos veículos na produção dos danos (art. 506º, do C. Civil).*
*C) Da obrigação de indemnização

C.1) Dos danos patrimoniais 

Segundo o disposto no art. 562º, do C. Civil, a reparação do dano “deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
Assim, no cálculo da indemnização importa considerar a diferença entre a situação real e hipotética do lesado se o mesmo não tivesse sido atingido pelo facto ilícito (princípio da reposição natural).
Por sua vez, no seio da obrigação de indemnizar compreendem-se todos os prejuízos causados ao lesado, sejam estes os danos emergentes (diminuição do existente património do lesado), sejam, ainda, os lucros cessantes (diminuição do património futuro), isto é, ganhos ou vantagens que deixaram de ingressar no património do lesado, resultando em seu detrimento – cfr. art. 564º, n.º 1, do C. Civil. (20) 

A restauração natural é, sem dúvida, a forma mais perfeita de reparar um dano, seja através da reintegração pura ou da indemnização em forma específica. (21)
No entanto, como resulta do critério legal acolhido pelo n.º 1 do art. 566º, do C. Civil, a indemnização é fixada em dinheiro, por sucedâneo pecuniário da reconstituição natural, sempre que – na perspetiva do interesse do credor – a reconstituição natural não seja possível ou não repare integralmente os danos e ainda quando – na perspetiva do interesse do devedor – seja excessivamente onerosa (n.º 1).
Neste caso, a indemnização em dinheiro, a atribuir sempre que seja impossível a reconstituição natural, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos (n.º 2).
Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3).
Em termos gerais, a excessiva onerosidade, enquanto limitação ao princípio da reposição natural, terá lugar sempre que “houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a restauração natural envolve para o responsável.” (22) (23)
 
Outrossim, conforme igualmente é pacífico, na medida em que a regra geral da restauração natural é imposta, no interesse de ambas as partes, como modo prioritário de indemnização, se o credor reclama a restauração natural, é ao devedor que pretenda contrapor-lhe a indemnização pecuniária, enquanto réu, que cabe o ónus de alegação e de prova da excessiva onerosidade da mesma (art. 342º, n.º 2, do C. Civil).
 
Assim, no caso em que o autor lesado viu o seu veículo danificado em acidente de viação, cabe-lhe a prova do custo da reparação de tal veículo, enquanto a ré seguradora, que acha essa reparação excessivamente onerosa, cabe a prova disso mesmo – que a reparação é não apenas onerosa, mas excessivamente onerosa.

Neste conspecto, a ré seguradora invocou, na sua contestação, que o valor venal do motociclo do autor, antes do sinistro, era de € 1.800,00, sendo que o valor do mesmo motociclo, com os danos que sofreu do sinistro (salvado), ascende à quantia de € 300,00, pelo que, tendo em conta que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos é de € 1.904,29, temos um valor de salvado e de reparação de € 2.204,29, o que ultrapassa em 120% o valor venal do veículo (€ 1.800,00), razão pela qual estamos numa situação de “perda total” (art. 41º, n.º 1, al. c), do D.L. n.º 291/2007, de 21.08)
Nesta medida, conclui a ré seguradora, nos termos do disposto no art. 41º, n.º 3, do D.L. n.º 291/2007, de 21.08 (Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel) que o valor da indemnização devida ao autor, pelos danos causados no seu motociclo é de apenas € 1.500,00, sendo certo que ficando com esta indemnização, acrescida do valor do salvado (€ 300,00), poderá o autor adquirir no mercado, pelo valor de € 1.800,00 um outro veículo que igualmente lhe satisfizesse as suas necessidades “danificadas”, demonstrando assim a ré a excessiva onerosidade no preço da reparação do veículo sinistrado.

Porém, cumpre, desde já, esclarecer que, tal como vem sendo defendido pela doutrina e jurisprudência, no que se refere à obrigação de indemnização pelos danos causados a um veículo – com relevância para a prova da excessiva onerosidade da reparação –, a mesma não poderá ser ponderada com base no conceito de valor venal (comercial) do veículo, no momento do acidente, mas antes com base no seu valor patrimonial, ou seja, o valor que o veículo representa na esfera patrimonial do lesado. (24) (25)
 
Por conseguinte, estando em causa um acidente de viação em que o lesado reclama a reparação do veículo sinistrado ou o valor de indemnização equivalente ao custo da mesma reparação, competirá à seguradora a prova da excessiva onerosidade, suscetível de afastar o princípio da reposição natural, tendo mormente em conta dois fatores: o preço da reparação e o valor do veículo, não o venal, mas o patrimonial. (26)
 
Ora, de acordo com a matéria de facto provada, temos como demonstrado que o veículo do autor tem um valor de mercado (valor venal) que se situa entre os € 1.800,00 e os € 2.000,00 (cfr. al. x)).

Sendo assim, tendo em atenção que o valor da reparação do veículo do autor ascende a € 1.904,29 (cfr. al. y) dos factos provados), sequer podemos concluir, face à facticidade provada, que estamos perante uma situação de “perda total”, designadamente nos termos e para os fins do disposto no art. 41º, nºs 1, al. c) e 3, do D.L. n.º 291/2007, de 21.08.
De todo o modo, conforme é jurisprudência maioritária a aplicação do citado critério de “perda total”, implicando o cumprimento da obrigação em dinheiro e não através da reparação do veículo (art. 41º, n.º 1, do D.L. 291/2007, de 21.08), restringe-se ao procedimento de apresentação pela seguradora da “proposta razoável” aos lesados (cfr. arts. 38º e 39º do citado D.L. n.º 291/2007, de 21.08), destinado simplesmente a agilizar o acertamento extrajudicial da responsabilidade decorrente de acidente de viação. Como tal, caso não haja acordo no âmbito do referido procedimento extrajudicial, deverão valer as apontadas regras gerais emergentes do disposto nos arts. 562º e 566º, do C. Civil (entre as quais avultam, por um lado, o princípio da reparação in natura e, por outro, o principio da reparação integral do dano). (27) 
 
Daqui concluímos, sem necessidade de maiores considerações, que o autor tem direito à reparação integral dos danos sofridos no seu veículo, em consequência do sinistro em causa, reparação essa que se mostra orçamentada em € 1.904,29 (cfr. al. y) dos factos provados), sendo certo igualmente que a ré recorrida não logrou provar, tal como lhe competia (art. 342º, n.º 2, do C. Civil) que a mesma se mostra excessivamente onerosa para si. 

Ainda, a título de danos patrimoniais, terá o autor igualmente direito em receber, a título de lucros cessantes, o valor de € 2.800,00, em resultado dos rendimentos laborais que deixou de auferir (subsidio de transporte em veículo próprio, no valor mensal de € 400,00), durante o período em que teve o seu veículo imobilizado e impossibilitado de trabalhar com o mesmo (sete meses) – cfr. als. z), aa), bb) dos factos provados.
Tal como igualmente terá direito em ser indemnizado no valor de € 94,96, relativamente a perdas salariais (cfr. al. dd) dos factos provados).

Por último, temos como provado que, na sequência do acidente, o autor partiu o seu telemóvel Samsung J3 e a roupa que vestia ficou completamente danificada, nomeadamente o par de botas, fato da chuva da farda, o capacete e uma mala. 

Neste caso, não se logrou apurar qual o valor concreto daqueles bens pessoais que o autor viu danificados, em resultado do acidente.
Prescreve o disposto no art. 566º, n.º 3, do C. Civil, que: “Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver como provados.”
Entendemos, porém, que este último preceito não é de aplicar ao caso dos autos, na medida em que os elementos de facto apurados, neste particular, não nos permitem determinar – mesmo socorrendo-se a critérios de equidade –, qual a correta indemnização a fixar.
Na verdade, deverá deixar-se para liquidação de sentença condenatória a indemnização respeitante a danos presentes e futuros, relativamente aos quais, embora se prove – em ação declarativa – a sua existência (como pressuposto da obrigação de indemnizar), não existam elementos bastantes para fixar o seu objeto e quantitativo. (28)
Se assim não fosse e se permitisse, em qualquer caso, o recurso à equidade para fixar a indemnização, já não estaríamos no domínio daquela (equidade), mas sim da mera arbitrariedade, esta condenada pelo direito. (29) 
Nesta medida, e não sendo possível fixar com rigor, mesmo socorrendo-se de critérios de equidade (art. 566º, n.º 3, do C. Civil), qual o montante indemnizatório devido ao autor a título de indemnização pelos apontados danos patrimoniais (bens pessoais danificados), sendo certo que não se nos afigura que a prova do valor de tais danos se nos afigure manifestamente difícil ou improvável, fazendo-se uso do disposto nos arts. 564º, n.º 2, do C. Civil e 609º, n.º 2, do C. P. Civil, condenar-se-á a ré segurada, neste particular, no que se apurar em sede de incidente de liquidação de sentença. 
 *
*C.2) Dos danos não patrimoniais

Como é consabido, os danos não patrimoniais são indemnizáveis, quando pela sua gravidade, sejam merecedores da tutela do direito, conforme decorre do art. 496º, n.º 1, do C. Civil, consequência do princípio geral da tutela geral da personalidade previsto no art. 10º, do mesmo Código.
A gravidade mede-se por um padrão objetivo, de normalidade, de bom senso prático, de criteriosa ponderação das realidades da vida, o que afastará, à partida, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais decorrentes de sensibilidades particularmente embotadas ou especialmente requintadas, ou seja anormais ou incomuns. 
Por outro lado, ainda, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que, em face das circunstâncias concretas do caso, justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.
No caso em apreço, não existem dúvidas que as consequências do sinistro relativamente ao autor assumem evidente gravidade, sendo, por isso, justificativas do seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais.
O que está em discussão é, assim, “apenas” a sua fixação em termos de quantitativo pecuniário.
Nesta matéria, em primeiro lugar, é de notar que, estando em causa a lesão de interesses imateriais (isto é que não atingem de forma direta ou imediata o património do lesado), o objetivo, em termos de ressarcimento, não é (nem pode ser), face à sua evidente impossibilidade, a reconstituição natural da situação anterior ao sinistro, ou, face à insusceptibilidade da sua avaliação pecuniária, a fixação de um montante pecuniário equivalente ao “mal” sofrido, mas será apenas atenuar, minorar ou, de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado.
Neste sentido, refere Antunes Varela, que “ao lado [dos] danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.” (30)
A indemnização pelo dano em apreço não é uma verdadeira indemnização no sentido de repor, reconstituir as coisas no estado anterior à lesão. Com a indemnização pretende-se dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situações ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, tanto quanto possível, a intensidade da dor física e psíquica. (31)
Com efeito, nestas hipóteses, e conforme é posição pacífica da doutrina e da jurisprudência, o que está em causa é a fixação de um benefício material/pecuniário (único possível) que se traduza, pelas utilidades, prazeres ou distrações que proporciona – porventura, de ordem espiritual –, numa compensação ou atenuação pelos bens imateriais antes referidos da pessoa humana (o lesado), atingidos pelo evento. 
Nesta conformidade, a compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, não pode – por definição – ser feita através da teoria ou fórmula da diferença prevista no art. 566º, n.º 2, do C. Civil.
Ao invés, o montante da indemnização, nos termos do disposto no arts. 496º, n.º 4 e 494º do Cód. Civil, deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante, à situação económica do lesante e do lesado, às demais circunstâncias do caso, nomeadamente, por assim o imporem os princípios da proporcionalidade e igualdade, aos critérios e valores usualmente acolhidos na jurisprudência em casos similares. (32)
Com efeito, como se refere no Ac. STJ de 18.06.2015, (33) “não podendo apurar-se o valor exacto de tais danos, atenta a sua natureza, o respectivo montante deverá ser fixado pelo tribunal segundo critérios de equidade (…), fazendo apelo a todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (…) e tendo em atenção a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso (artigos 496º, n.º 3, 1ª parte [agora n.º 4, 1ª parte] e 494º do Código Civil).” (sublinhado nosso).
E, ainda, prossegue o referido douto aresto, “nos parâmetros gerais a ter em conta considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012 (proc. n.º 3046/09.0TBFIG.S1, acessível em www.dgsi.pt) serem ainda de destacar a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar.” (sublinhámos).
No entanto, como se adverte no Ac. STJ de 17.12.2015 (34) (e nos variadíssimos arestos ali elencados), a utilização de critérios de equidade não deve impedir que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias de cada caso concreto.
Por outro lado, ainda, é de referir que, conforme se colhe da mesma jurisprudência do Supremo, o recurso à equidade não pode, nem deve conduzir à arbitrariedade, não devendo os tribunais “…contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito civil que a afirmação destes vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição.” (35)
Por último, é ainda de referir, nesta sede, que à obrigação indemnizatória, a título de danos não patrimoniais, se deve reconhecer, não só um papel de reparação ou compensação, mas também um papel de censura ou punitivo do agente do facto lesivo. 
Com efeito, como se refere no Ac. STJ de 30.10.96, BMJ 460, pág. 444 (citado no Ac. STJ de 26.01.2016, relator Fonseca Ramos, já citado), “no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização tem uma natureza acentuadamente mista, pois visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada; não lhe sendo, porém, estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.”

Tendo presentes as considerações que antecedem, da factualidade provada resulta demonstrado, desde logo, que o autor não teve qualquer culpa na ocorrência do acidente em causa.

Mais se demonstrou que:

- Como consequência direta e necessária do acidente resultaram para o autor, lesões corporais, consistentes em hematomas e escoriações em várias partes do corpo, nomeadamente na face, na testa e junto ao nariz.
- Foi transportado de urgência para o ULSAM, onde lhe foram prestados os primeiros socorros e foi submetido a vários exames. 
- Após, passou a ser seguido na clínica Médica ..., onde lhe foram feitos os tratamentos às feridas. 
- Foi medicado com analgésicos e anti-inflamatórios. 
- Na sequência do acidente, o autor ficou com duas cicatrizes na face, do lado direito, nomeadamente, na testa e junto ao nariz. 
- Em consequência das lesões sofridas, o autor sofreu dores físicas, quer no momento do acidente, quer no decurso da sua recuperação. 
- Após o acidente, o autor ficou receoso e amedrontado de conduzir motociclos, sendo, no entanto, obrigado a fazê-lo na sua profissão de carteiro. 

Ora, perante o sobredito circunstancialismo, designadamente a natureza das lesões e os tratamentos a que teve que sujeitar, as dores sofridas (sendo certo igualmente que não se conseguiu apurar o quantum doloris), as sequelas definitivas com que ficou (duas cicatrizes na face, do lado direito, nomeadamente, na testa e junto ao nariz, ainda que sem fixação do dano estético), a circunstância de não ter tido qualquer culpa na eclosão do acidente e o período de cerca de dois anos que intercedeu entre o acidente e a presente data e ponderando casos similares ao dos presentes autos e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência, afigura-se-nos equitativamente adequada e equilibrada, no caso, fixar, a indemnização por danos não patrimoniais, a favor do autor, no peticionado valor de € 2.000,00 (dois mil euros), tendo por referência a presente data.
*
*V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação em presença, revogando-se a sentença recorrida, e, consequentemente, decide-se: 

1. Alterar a matéria de facto provada e não provada nos termos supra aludidos em A). 
2. Julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência:
2.1. Condenar a ré (agora Y Seguros, S.A.) a pagar ao autor a quantia líquida de € 4.799,25 (quatro mil setecentos e noventa e nove euros e vinte cinco cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação da ré e até efetivo e integral pagamento.
2.2. Condenar a ré a pagar ao autor a quantia que se fixar em sede de incidente de liquidação de sentença pelos danos patrimoniais melhor discriminados na al. w) dos factos provados.
2.3. Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a presente data e até efetivo e integral pagamento.

Custas em ambas as instâncias pelo autor e ré na proporção do respetivo decaimento (art. 527º, n.º 1 e 2, do C. P. Civil). *
*
Guimarães, 18.03.2021 
Este acórdão contem a assinatura digital eletrónica dos Desembargadores:
Relator: António Barroca Penha.
1º Adjunto: José Manuel Flores.
2º Adjunto: Conceição Sampaio.  


1. Por todos, neste sentido, vide Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 6626/09.0TVLSB.L1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, acessível em www.dgsi.pt. 
2. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª edição, 2017, pág. 159. 
3. Ob. citada, pág. 164. 
4. Cfr. ainda diversos Acs. do STJ aludidos na ob. citada, págs. 161 a 165. 
5. Abrantes Geraldes, ob. citada, págs. 165-166.
6. Ob. citada, págs. 274 e 277. 
7. Segundo Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pág. 570, prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais pré-estabelecidos, isto é, ditados pela lei.”
8. O princípio da livre apreciação dos meios probatórios resulta, ainda, em sede de direito probatório material, no que se refere à prova por declarações de parte (não confessórias), à prova testemunhal, à prova por inspeção e à prova pericial, do estipulado nos arts. 361º, 389º, 391º e 396º, todos do C. Civil. 
9. In Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348. 
10. Vide, neste sentido, por todos, Ac. do STJ de 03.11.2009, proc. 3931/03.2TVPRT.S1, relator Moreira Alves; e Ac. do STJ de 01.07.2010, proc. 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1, relator Bettencourt de Faria, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.  
11. Cfr. Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, 2013, pág. 609. 
12. Neste sentido, cfr. Ac. RP de 15.09.2014, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/138961" target="_blank">216/11.4TUBRG.P1</a>, relator António José Ramos, acessível em www.dgsi.pt, onde se lê que: “As declarações de parte (art. 466º, do novo CPC) – que divergem do depoimento de parte –, devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais, e não isentas, em quem as produz tem um manifesto interesse na ação. Seria de todo insensato que, sem mais, nomeadamente sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam documentais ou testemunhais, o tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.” No mesmo sentido, vide Ac. RP de 17.12.2014, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/138622" target="_blank">2952/12.9TBVCD.P1</a>, relator Pedro Martins; e Ac. RC de 23.06.2015, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/119289" target="_blank">1534/09.7TBFIG.C1</a>, relator Henrique Antunes, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
13. Elizabeth Fernandez, Nemo Debet Essse Testis in Propria Causa? Sobre a (in) Coerência do Sistema Processual a Este Propósito, Julgar Especial, Prova Difícil, 2014, págs. 22 a 37; e Ac. STJ de 05.05.2015, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/119827" target="_blank">607/06.2TBPMS.C1</a>.S1, relator Gabriel Catarino; Ac. RE de 12.03.2015, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/208193" target="_blank">1/12.6TBPTM.E1</a>, relator Mata Ribeiro; Ac. RG de 02.05.2016, proc. 2745/15.1T8VNF-A.G1, relator António Figueiredo Almeida; e Ac. RL de 26.04.2017, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/105968" target="_blank">18591/15.0T8SNT.L1-7</a>, relator Luís Filipe Pires de Sousa, todos acessíveis em www.dgsi.pt. 
14. Carolina Henriques Martins, in Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, pág. 58.
15. Sobre a questão de, no caso de um veículo conduzido por conta de outrem (comissário), presumir-se ser dele a culpa no acidente que cause dano a terceiro (art. 503º, n.º 3, do C. Civil), ao invés do que sucede no caso de a viatura ser conduzida pelo próprio dono, em que a prova da culpa já incumbe ao lesado (art. 487º, n.º 1, 1ª parte, do C. Civil) vide a justificação dada pelo Prof. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 7ª edição, págs. 656-657.  De igual modo, sobre esta particular diferença, cfr. Ac. STJ de 03.03.2009, proc. 09A276, relator Sebastião Póvoas, acessível em www.dgsi.pt. 
16. Ob. citada, págs. 488-489. 
17. Vide, neste sentido, por todos, Ac. STJ de 09.11.2017, proc. 9526/10.7TBVNG.P1.S1, relator Sousa Lameira; Ac. STJ de 19.01.2017, proc. 139/12.0TBLNS.C1.S1, relator Távora Victor; Ac. STJ de 19.06.2019, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/204426" target="_blank">8964/15.3T8STB.E1</a>.S1, relator Olindo Geraldes; e Ac. STJ de 05.05.2020, proc. 4435/17.1T8BRG.G1.S1, relator Jorge Dias, disponíveis em www.dgsi.pt. 
18. Neste sentido, cfr. Ac. STJ de 19.04.2018, proc. 595/14.1TVLSB.L1.S1, relator Tomé Gomes, e Ac. RP de 26.01.2010, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/144629" target="_blank">344/06.8TJVNF.P1</a>, relator Vieira e Cunha, acessíveis em www.dgsi.pt.  
19. D.L. n.º 114/94 de 03.05, na redação introduzida pela Lei n.º 72/2013 de 03.09. Doravante apenas designado abreviadamente como CE. 
20. Sobre a noção e distinção dentre “danos emergentes” e “lucros cessantes”, vide, por todos, na doutrina, Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 4ª edição, págs. 579-580; Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, Almedina, 2ª edição, pág. 315; I. Galvão Telles, Direito das Obrigações, Almedina, 6ª edição, págs. 373-375; e Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 11ª edição, pág. 596.
21. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. citada, pág. 576, defendem assim que: “A indemnização por outra forma, como seja em dinheiro (art. 566º) ou em renda (art. 567º), tem caracter excepcional, embora seja a forma mais vulgar de indemnizar, por impossibilidade de reconstituir o estado anterior à lesão.” Nestes casos em vez do dano real ou concreto, “tem-se em vista o chamado dano de cálculo ou dano abstracto, ou seja, o valor pecuniário do prejuízo causado ao lesado.”
22. Antunes Varela, ob. citada, pág. 905.
23. Na jurisprudência, cfr., por todos, Ac. STJ de 31.05.2016, proc. 741/03.3TBMMN.E1.S1, relator Hélder Roque, in www.dgsi.pt, onde se pode ler no seu sumário, designadamente, que: “A existência da excessividade da restauração natural resulta da verificação cumulativa de dois requisitos, sendo o primeiro o do benefício para o credor, consequente à reconstituição, e o segundo o de que esta se revele iníqua e abusiva, por contrária aos princípios da boa-fé, pelo que a reconstituição natural será, excessivamente, onerosa para o devedor e, portanto, de excluir, por inadequada, apenas, quando se apresente como um sacrifício, manifestamente, desproporcionado para o lesante, quando confrontado com o interesse do lesado na integridade do seu património.”  
24. Na doutrina, vide Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, “Excessiva onerosidade da reconstituição natural (no domínio dos acidentes de viação)”, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, págs. 45 e segs. Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, Almedina, 2ª edição, pág. 377. Este Autor, defendendo que a previsão do art. 566º, n.º 1, in fine, do C. Civil, “deve ser interpretada restritivamente, sob pena de se pôr em causa o direito do lesado a dispor do seu próprio património”, dá ainda o seguinte exemplo (cfr. nota 789): “Imaginemos, por exemplo, que alguém danifica um automóvel usado de reduzido valor comercial, mas que o lesado quer continuar a utilizar para as suas deslocações. Não faria sentido autorizar-se o lesante a indemnizar apenas o valor em dinheiro do automóvel, sob pretexto de a reparação ser mais cara que esse valor, já que tal implicaria privar o lesado do meio de locomoção de que dispunha e que não pretendia trocar por dinheiro.” 
25. Na jurisprudência, por todos, cfr. Ac. STJ de 05.07.2007, proc. 07B1849, relator Santos Bernardino; e Ac. STJ de 04.12.2007, proc. 06B4219, relator Pires da Rosa, disponíveis em www.dgsi.pt. Neste último aresto, conclui-se, igualmente, neste particular: “O problema não é, repetimos, o do valor venal do veículo sinistrado (como por exemplo se entendeu no Ac. STJ de 20 de Maio de 1995, CJSTJ, T2, pág. 97) mas seguramente o do seu valor patrimonial, o valor que ele representa efectivamente – tal como estava antes do sinistro – dentro do património do autor (e não o valor que ele obteria se naquele mesmo estado o vendesse). Não pode «obrigar-se» alguém a vender, apenas para ficcionar um polo de comparação da excessiva onerosidade. 
26. Neste sentido, vide, por todos, Ac. RC de 09.01.2012, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/121972" target="_blank">153/11.2TJCBR.C1</a>, relator Carlos Querido; e Ac. RG de 25.06.2020, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/190263" target="_blank">1136/18.7T8PTL.G1</a>, relator Alcides Rodrigues, disponíveis em www.dgsi.pt. 27. Neste sentido, cfr., por todos, Ac. RG de 09.02.2017, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/193665" target="_blank">313/15.7T8MAC.G1</a>, relatora Maria de Fátima Almeida Andrade; Ac. RG de 04.04.2017, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/193477" target="_blank">474/13.0TBFAF.G1</a>, relatora Alexandra Rolim Mendes; Ac. RC de 09.01.2012, já citado; Ac. RC de 08.04.2014, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/120094" target="_blank">1091/12.7TJCBR.C1</a>, relator Fonte Ramos; e Ac. RP de 07.12.2018, proc. 338/17.8YRPRT.P1, relator Filipe Caroço, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 
28. Neste particular, cfr. por todos, o Ac. STJ de 21.03.2019, proc. 4966/17.3T8LSB.L1.S1, relator Olindo Geraldes, disponível em www.dgsi.pt, onde consta do seu sumário que: “I- A liquidação em momento ulterior à sentença é admissível, nos termos do disposto no art. 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. II- Sendo possível obter o valor do dano de modo mais justo, tal é preferível do que arbitrá-lo segundo o critério da equidade do art. 566.º, n.º 3, do Código Civil. (…) III- A opção dependerá das circunstâncias do caso, tendo em consideração as possibilidades da prova a realizar no âmbito da liquidação. IV- Não sendo provável que possa obter-se a determinação do valor exato da indemnização, pelas benfeitorias realizadas há praticamente duas décadas, sem ser com recurso à equidade, é preferível determinar a indemnização segundo a equidade, desde logo na sentença.
29. Neste sentido, cfr. Ac. STJ de 20.10.2005, proc. 05B2150, relator Salvador da Costa, disponível em www.dgsi.pt.
30. Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina 7ª edição, pág. 595. No mesmo sentido, ainda, Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, Almedina, 2ª edição, págs. 316-318; e, ao nível jurisprudencial, por todos, vide Ac. STJ de 07.06.2011, proc. 160/2002.P1.S1, relator Granja da Fonseca; Ac. STJ de 04.06.2015, proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 26.01.2016, proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1, relator Fonseca Ramos; e Ac. STJ de 16.06.2016, proc. 1364/06.8TBBCL.G1.S2, relator Tomé Gomes, in www.dgsi.pt. 
31. Neste sentido, cfr. Vaz Serra, BMJ 78, pág. 83; e BMJ 278, pág. 182.
32. Vide, neste sentido, Ac. STJ de 04.06.2015, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, já citado; Ac. STJ de 18.06.2015, proc. 2567/09.9TBABF.E1.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira; Ac. STJ de 26.01.2016, proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1, relator Fonseca Ramo; Ac. STJ de 28.01.2016, proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; e Ac. STJ de 22.02.2017, proc. 5808/12.1TBALM.L1.S1, relator Lopes do Rego, todos disponíveis in www.dgsi.pt. 
33. Proc. 2567/09.9TBABF.E1.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira, acessível em www.dgsi.pt.   
34. Proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/208153" target="_blank">3558/04.1TBSTB.E1</a>.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, acessível em www.dgsi.pt.  
35. Vide, ainda, neste sentido, Ac. STJ de 07.04.2016, proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; e Ac. STJ de 18.06.2015, já citado, e, ainda, Ac. STJ de 31.01.2012, proc. 875/05.7TBILLH.C1.S1, relator Nuno Cameira, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. RELATÓRIO A. F. intentou contra ex-Companhia de Seguros X, S.A. (atualmente Y Seguros, S.A.) a presente ação declarativa, sob a forma comum, tendo pedido a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 7.974,29, acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, bem como em indemnização ilíquida que vier a ser fixada em decisão ulterior. Para tanto, alega, em suma, que: · No dia 11 de Dezembro de 2018, pelas 13h25, sofreu um acidente de viação, quando conduzia o motociclo de matrícula QG, de marca Honda, na Rua ..., freguesia de ..., no sentido .../.... · Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o autor, de forma gradual reduziu a velocidade e foi-se aproximando do eixo divisório da via, sempre com o sinal luminoso “pisca” do lado esquerdo em funcionamento. · No momento em que se encontrava no eixo da via foi violentamente embatido pelo veículo de matrícula HE, segurado na ré. · Em consequência direta e necessária do acidente, resultaram para o autor diversos danos patrimoniais e não patrimoniais, cuja indemnização veio peticionar, sendo certo ainda que alguns desses danos patrimoniais não são, por ora, ainda quantificáveis, relegando a sua liquidação para momento ulterior. A ré apresentou contestação, invocando que o autor não comprovou documentalmente a titularidade do direito de propriedade sobre o motociclo acidentado, impugnando ainda quer a dinâmica do acidente, quer os valores indemnizatórios reclamados. Findos os articulados, o tribunal dispensou a audiência prévia, e proferiu, de imediato, despacho saneador, bem como designou data para a audiência final. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento. Na sequência, foi proferida, a 31.08.2020, sentença, julgando a ação totalmente improcedente e, em consequência, foi a ré absolvida do pedido. Inconformada com o assim decidido, veio o autor interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES 1. O Tribunal “a quo” deu como provados factos para os quais, no entendimento do Recorrente, não tem suporte probatório e como tal, deverão ser considerados não provados, nomeadamente, os pontos j) e parcialmente a al. k) da matéria dada como provada. “j) No momento em que já tinha iniciado a referida manobra de ultrapassagem, o veículo QG muda de direcção à esquerda; k) Na sequência da referida manobra, 2. Entende o Recorrente que a matéria dada como provado no ponto j) e parcialmente a constante da k) deveria ter sido dado como não provado e deveria ser considerada como provada a matéria das al. a), b) c) e d) da matéria dada como não provada. 3. Deveria ainda o tribunal “a quo” dar como provado que: “na sequência do acidente, o A. partiu o seu telemóvel Samsung J3, com um valor comercial de, pelo menos, 150,00 euros; a roupa que o A. vestia naquele dia, ficou completamente danificada, nomeadamente, - par de botas, no valor de 90€; um fato de chuva da farda, no valor de 130,00 euros; um capacete, no valor de 50,00 euros; uma mala, no valor de 200,00 euros.” 4. A dinâmica do acidente revela-nos que o veículo QG e o veículo HE seguiam na mesma direção, ...-... e que o veículo QG tinha acabado de deixar o correio numa casa do lado direito e seguia a velocidade muito reduzida, mais perto da berma do lado direito. 5. E que o veículo QG tinha a intenção de deixar o correio na casa do seu lado esquerdo, atento o sentido que seguiam e para o efeito, acionou o pisca do lado esquerdo e foi-se aproximando do eixo da via e que o veículo HE, que seguia à retaguarda do veículo QG, decide ultrapassar o veículo QG. 6. Para o efeito, invade apenas parcialmente a hemi faixa de rodagem contrária (esquerda), atento o sentido que ambos seguiam, ...-.... 7. E, não se apercebe que o veículo QG tinha o sinal luminoso esquerdo acionado, bem como não se apercebe que este veículo QG se foi deslocando do lado direito (junto ao passeio) para o lado esquerdo (junto ao eixo da via), para preparar a sua manobra de mudança de direção à esquerda. 8. Não se apercebeu porque conduzia de forma distraída e sem prestar atenção à condução que fazia. 9. E, quando o condutor do veículo HE se apercebe que o condutor do veículo QG (aqui A.) se encontra a deslocar-se do lado direito para o lado esquerdo da sua hemi-faixa de rodagem, e por não ter espaço para ultrapassar o QG porque não se distanciou o suficiente daquele veículo, não consegue travar e evitar o embate do seu veículo HE no veículo QG. 10. O embate dá-se porque, para ultrapassar o veículo QG, o veículo HE decidiu não invadir totalmente a faixa de rodagem contrária, apenas parcialmente, e não teve espaço para contornar o veículo QG em segurança. 11. Por isso embateu o veículo HE com a sua parte frontal direita na traseira do veículo QG, junto ao eixo da via mas, ainda na faixa de rodagem direita, atento ao sentido que ambos seguiam, sendo que o veículo QG, tripulado pelo A., não tinha ainda invadido a faixa de rodagem contrária (atento ao sentido ...-...), assim como não tinha iniciado a mudança de direção à esquerda quando foi embatido na traseira pelo veículo HE, apenas se encontrava perto do eixo da via, a preparar-se para iniciar a manobra. 12. E o condutor do veículo HE admite que não se apercebe se o motociclo QG segue a uma velocidade lenta e com o sinal luminoso acionado, bem como não se apercebe que se desloca do lado direito para o lado esquerdo da hemi-faixa de rodagem em que seguiam. 13. Do que resulta que, só por distração e desatenção na condução que fazia o condutor do veículo HE não se consegue aperceber que o veículo QG se desloca dentro da hemi-faixa de rodagem, e que levava acionado o sinal luminoso esquerdo. 14. A referida matéria atrás elencada e que se pretende ver alterada resulta dos depoimentos do A. e da testemunha R. G., ambos condutores dos veículos; 15. No que respeita aos danos no telemóvel, vestuário e equipamento, e respetivo o valor, depôs o A. e a sua esposa, e, pese embora o A. não tenha talões de compra do vestuário, equipamentos e telemóvel, ficou demonstrado que o valor daquelas peças é o indicado pelo A., e que foi efetivamente pago, tanto pelas declarações do A. como pelas declarações da sua esposa, S. C.. 16. A culpa do acidente discutido nos presentes autos não se deve ao condutor do motociclo, aqui Autor/Recorrente, mas sim ao condutor do veículo HE que inicia a manobra de ultrapassagem sem prestar a devida atenção à manobra que realizou, causando perigo e embaraço para o restante trânsito, e não deslocando o seu veículo totalmente para a faixa de rodagem contrária à que seguia, violando o disposto no artigo 38º do Código da Estrada. 17. Sem prescindir, e ainda que assim não se entenda, mas que se equaciona por questão de patrocínio judiciário, e não sendo o entendimento do tribunal conforme o supra exposto, consideram-se preenchidos os requeridos da responsabilidade pelo risco, nos termos do artigo 503º, n.º 1 do CC. 18. E, nesse caso, ser repartida na proporção do risco que cada um houver contribuído para os danos, e, no caso concreto, não sendo possível aferir sobre a contribuição do risco de cada um dos veículos colidentes para os danos de ambos, deve considerar-se maior a medida dessa contribuição do veículo HE que embateu na traseira do veículo QG, considerando-se 70% para o condutor do veículo HE, e 30% para o condutor do veículo QG. 19. Tendo em conta que o A. como consequência direta e necessária do acidente resultaram, lesões corporais, consistentes em hematomas e escoriações em várias partes do corpo, nomeadamente na face, na testa e junto ao nariz e que foi transportado de urgência para o ULSAM, onde lhe foram prestados os primeiros socorros e foi submetido a vários exames. 20. E que passou a ser seguido na clínica Médica ..., onde lhe foram feitos os tratamentos às feridas, que foi medicado com analgésicos e anti-inflamatórios e que ficou com duas cicatrizes na face, do lado direito, nomeadamente, na testa e junto ao nariz. 21. A quantia de 2.000,00 euros (dois mil euros) é justa e equitativa para ressarcir o A. pelos danos não patrimoniais sofridos. 22. Dos danos dados como provados, nomeadamente, telemóvel Samsung J3, com um valor comercial de, pelo menos, 150,00 euros e a roupa que o A. vestia naquele dia, ficou completamente danificada, nomeadamente: um par de botas, no valor de 90€; fato de chuva da farda, no valor de 130,00 euros; capacete, no valor de 50,00 euros; uma mala, no valor de 200,00 euros. 23. Pelo que deveria ao A. ser arbitrada a quantia de 620,00 euros mas, se for outro o entendimento e não vier a ser alterada a matéria de facto nos termos pretendidos pelo A., o ressarcimento de tais danos devem ser relegados para execução de sentença uma vez que se provaram – al . v). 24.Em consequência do acidente, o veículo do Autor sofreu vários danos no motociclo, a demandar para a sua reparação, serviços de mão-de-obra de chapeiro, de mecânico e de pintor, bem como substituição de peças várias, sendo o valor da sua reparação de € 1.904,29, quantia que deve a Ré ser condenada a pagar ao A.. 25. Ficou ainda provado que: o veículo ficou imobilizado e impossibilitado de trabalhar desde a data do acidente até Julho de 2019 y); e que no exercício da sua profissão de carteiro, o Autor auferia, para além do seu vencimento mensal, aproximadamente € 400,00 mensais, a título de subsídio de transporte em veículo próprio z); e que aa) Por via da imobilização do seu veículo deixou de auferir o supra referido subsídio; e que bb) O Autor utilizava o veículo QG para a deslocação para o trabalho, diariamente, e para as demais tarefas do dia a dia. 26. Pelo que é devida ao A. a quantia de 2.800,00 euros, correspondente às perdas sofridas pelo A. 27. Provou-se ainda que: cc) Por ter faltado ao trabalho, no período que esteve doente foi-lhe descontado o valor de € 94,96, relativamente ao mês de Janeiro de 2019. 28. Pelo que lhe é devida a quantia de 94,96 euros. 29. A sentença recorrida violou, além do mais, o disposto no art. 38º C.E. Finaliza, pugnando pela revogação da sentença recorrida e proferindo-se acórdão em conformidade com as alegações supra formuladas.*A ré apresentou resposta às alegações de recurso do autor, concluindo pela improcedência do recurso de apelação apresentado pelo autor, requerendo ainda, a título subsidiário, a ampliação do âmbito do recurso (art. 636º, n.º 2, do C. P. Civil), alterando-se, consequentemente, a sentença nos termos preconizados pela ré. Finaliza, com as seguintes CONCLUSÕES a) O Recorrente alega que o Tribunal a quo errou na apreciação da prova e, por conseguinte, na factualidade dada como provada nas alíneas j) e K) dos factos provados, por um lado, e na factualidade dada como não provada nas alíneas a), b), c) e d) dos factos não provados, por outro. b) Sem razão, porquanto ao contrário do alegado pelo Recorrente existem versões contraditórias quanto à dinâmica do acidente. c) Enquanto que o Autor referiu nas declarações por si prestadas que se encontrava na zona do eixo, preparado para virar quando se dá o acidente, o condutor do veículo HE referiu que viu o motociclo do Autor do lado direito, em marcha lenta, o que motivou o início da sua ultrapassagem e, nesse preciso momento, o Autor começou a virar para a esquerda e bateram no eixo da via – Cfr. 15:10 minutos das gravações da testemunha R. G.. d) No que concerne à dinâmica do acidente foi fundamental o depoimento da testemunha R. G., única testemunha presencial do acidente, pois era o condutor do veículo de matrícula HE. e) “É certo que o seu depoimento foi contrariado pelas declarações de parte do Autor, porém não se pode olvidar que o Autor é principal interessado no resultado da presente acção, sendo que o seu depoimento procurou suportar uma versão do acidente que sustente as pretensões formuladas, a qual não se mostra corroborada por qualquer outro elemento probatório” – Cfr. terceiro parágrafo da sentença recorrida. f) Assim, bem andou o Tribunal a quo em considerar como provados os factos descritos nas alíneas j) e K) e, consequentemente, como não provados os factos descritos nas alíneas a), b), c) e d). g) Por fim, entende o Recorrente que devia ter sido dado como provado que: - Na sequência do acidente, o A. partiu o seu telemóvel Samsung J3, com um valor comercial de, pelo menos, 150,00 euros; - A roupa que o A. vestia naquele dia, ficou completamente danificada, nomeadamente: par de botas, no valor de 90€; fato de chuva da farda, no valor de 130,00 euros; capacete, no valor de 50,00€; uma mala, no valor de 200,00 euros. h) É verdade que as testemunhas P. M., S. C. e J. M., confirmaram que todo o vestuário e equipamento ficou danificado, o que também se confirma pelos registos fotográficos juntos a fls. 15 a 21. No entanto, “não existem quaisquer elementos probatórios que confirmem o valor indicado pelo Autor para esses bens, salientando-se que o Autor apesar de afirmar que teve que adquirir um novo telemóvel, uma vez que não compensava reparar o danificado, e adquirir outra farda de trabalho, uma vez que a que vestia ficou totalmente danificada, não juntou qualquer documento que comprove a respectiva compra e valor pago. Os valores indicados apenas são corroborados pelas próprias declarações do Autor, e pela testemunha S. C., que sendo cônjuge do Autor, não garante a fidedignidade dos valores indicados, atento o comprometimento que revela com os interesses do Autor”. i) Pelo que, bem andou o Tribunal a quo em não considerar provados os aludidos factos. j) Não obstante a correta apreciação e decisão que o Tribunal a quo efetuou em sede de julgamento da matéria de facto, a Recorrida não se conforma com o facto de não ter sido incluído na matéria de facto dada como provada que no momento do acidente o Autor encontra-se no exercício da sua atividade de carteiro. k) Na verdade, em sede de audiência de julgamento foi proferido o seguinte despacho: “Pelo Autor nas suas declarações de parte foram confessados os seguintes factos: (…)- No momento do acidente encontrava-se no exercício da sua actividade de carteiro” – Cfr. Acta de Audiência de Julgamento, de 18.02.2020, referência: 45075135. l) Face ao exposto, deve o aludido facto ser incluído na matéria de facto dada como provada. m) In casu, situamo-nos, pois, no âmbito das relações entre comitente (“Correios – Entidade Empregadora do Autor”) e comissário (Autor), pelo que têm a aplicação as normas reguladoras da responsabilidade pelo risco (artigo 499.º e seguintes do Código Civil (CC)). n) Dispõe o n.º 3 do artigo 503.º do CC que “[a]quele que conduzir o veículo por conta de outrem responde pelos danos que causar, salvo se provar que não houve culpa da sua parte” – Negrito e sublinhado nosso. o) Como muito bem faz notar o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), “[é] jurisprudência hoje tida por uniformizada que o artigo 503.º, n.º 3, 1.ª parte, do CC estabelece uma presunção de culpa de quem conduzir por conta de outrem, a qual é aplicável nas relações entre o condutor do veículo como lesante e o titular ou titulares do direito à indemnização” – Negrito e sublinhado nosso – Cfr. Acórdão do STJ de 2017.11.16, processo n.º 533/09.3TBALQ.L1.S1, Relator: Tomé Gomes, disponível em www.dgsi.pt. p) Isto posto, atento o regime legal supra explicitado e as considerações jurisprudenciais atrás enunciadas, dúvidas não subsistem que, in casu, a culpa pela produção do acidente descrito na PI e, bem assim, dos alegados danos dele decorrentes, presume-se do Autor, que conduzia o motociclo “ao serviço” da sua entidade patronal. q) Presunção, essa, que o Autor não logrou ilidir. r) Do todo o exposto, resulta que o Autor não logrou provar a dinâmica do acidente relatada na petição inicial, tal como lhe cabia por força do artigo 342.º, n.º do Código Civil, pelo que bem andou o Tribunal a quo em absolver a Ré, aqui Recorrida, do pedido. *Após os vistos legais, cumpre decidir. *II. DO OBJETO DO RECURSO: O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil). No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso. Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes: - Saber se cumpre proceder à alteração da factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal a quo nos moldes pugnados pelo autor apelante e, a título subsidiário, pela ré apelada. - Na sequência, saber se deverá ser realizada outra nova interpretação e aplicação do Direito à nova factualidade apurada, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida, nos termos preconizados pelo recorrente.* *III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO FACTOS PROVADOS O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: a) No dia 11 de Dezembro de 2018, pelas 13h25, o Autor conduzia o motociclo matrícula QG, da marca Honda, na Rua ..., na freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, no sentido .../.... b) Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, e à retaguarda do veículo QG, circulava o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula HE, conduzido por R. G.. c) O Autor era, nessa data, proprietário do motociclo QG. d) O veículo HE era, nessa data, propriedade de R. G.. e) Junto ao número de polícia …, a Rua ... configura uma reta em plano descendente e sem bermas, com a largura de 5 metros, com duas faixas de rodagem de sentidos opostos, cada uma com uma largura de cerca de 2,5 metros. f) O tempo encontrava-se seco e limpo, e o pavimento asfáltico encontrava-se em bom estado de conservação. g) Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o QG desenvolvia a sua marcha no sentido .../..., pela hemifaixa direita da via. h) A uma velocidade não superior a 30 Km/h. i) A dada altura, o veículo HE iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo QG. j) No momento em que já tinha iniciado a referida manobra de ultrapassagem, o veículo QG muda de direção à esquerda. k) Na sequência da referida manobra, o veículo HE embateu com a sua parte frontal direita, na roda traseira do veículo QG. l) O acidente veio a ocorrer junto ao eixo da via. m) Na sequência do embate, o veículo QG e o seu condutor foram projetados para a berma do lado esquerdo. n) Como consequência direta e necessária do acidente resultaram para o Autor, lesões corporais, consistentes em hematomas e escoriações em várias partes do corpo, nomeadamente na face, na testa e junto ao nariz. o) Foi transportado de urgência para o ULSAM, onde lhe foram prestados os primeiros socorros e foi submetido a vários exames. p) Após, passou a ser seguido na clínica Médica ..., onde lhe foram feitos os tratamentos às feridas. q) Foi medicado com analgésicos e anti-inflamatórios. r) Na sequência do acidente, o Autor ficou com duas cicatrizes na face, do lado direito, nomeadamente, na testa e junto ao nariz. s) Em consequência das lesões sofridas, o Autor sofreu dores físicas, quer no momento do acidente, quer no decurso da sua recuperação. t) À data do acidente, o Autor exercia, como ainda exerce, a profissão de carteiro. u) Após o acidente, o Autor ficou receoso e amedrontado de conduzir motociclos, sendo, no entanto, obrigado a fazê-lo na sua profissão de carteiro. v) Na sequência do acidente, o Autor partiu o seu telemóvel Samsung J3 e a roupa que vestia ficou completamente danificada, nomeadamente o par de botas, fato da chuva da farda, o capacete e uma mala. w) O veículo do Autor tem um valor de mercado que se situa entre os € 1.800,00 e os € 2.000,00. x) Como consequência do embate, o veículo do Autor sofreu vários danos, a demandar para a sua reparação, serviços de mão-de-obra de chapeiro, de mecânico e de pintor, bem como substituição de peças várias, sendo o valor da sua reparação de € 1.904,29. y) O veículo ficou imobilizado e impossibilitado de trabalhar desde a data do acidente até Julho de 2019. z) No exercício da sua profissão de carteiro, o Autor auferia, para além do seu vencimento mensal, aproximadamente € 400,00 mensais, a título de subsídio de transporte em veículo próprio. aa) Por via da imobilização do seu veículo deixou de auferir o supra referido subsídio. bb) O Autor utilizava o veículo QG para a deslocação para o trabalho, diariamente, e para as demais tarefas do dia-a-dia. cc) Por ter faltado ao trabalho, no período que esteve doente foi-lhe descontado o valor de € 94,96, relativamente ao mês de Janeiro de 2019. dd) À data do acidente, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula HE, encontrava-se transferida para a Ré Companhia de Seguros X, S.A., através de contrato de seguro, titulado pela apólice nº .........3. *FACTOS NÃO PROVADOS Por seu turno, o tribunal a quo considerou como não provado: a) A dado momento, o motociclo reduziu a velocidade de que vinha animado e, de forma gradual, foi-se aproximando do eixo divisório da via, sempre com o sinal luminoso “pisca” do lado esquerdo do QG em funcionamento. b) Quando já se encontrava sobre o eixo da via foi embatido pela parte da frente esquerda do HE. c) O condutor do veículo HE seguia de forma completamente distraída e sem prestar qualquer intenção à condução que fazia. d) Por essa razão não se apercebeu que o QG apresentava o sinal luminoso “pisca” do lado esquerdo em funcionamento, reduzia a velocidade e se aproximava do eixo da via. e) Momentos antes de embater no QG, ao aperceber-se da manobra do respetivo condutor, o condutor do HE invadiu completamente a hemifaixa esquerda da via, atento o sentido em que seguia. f) De forma a efetuar a manobra de ultrapassagem ao QG que antecedia. g) De forma súbita e inesperada, o condutor do HE guinou o que conduzia para a hemifaixa direita, atento o sentido em que seguia. h) E invadiu a hemifaixa direita da via de forma a ultrapassar o QG pelo seu lado direito. i) Até embater no QG. j) Momentos antes do embate, o veículo QG circulava a velocidade nunca inferior a 70 Km/h. k) Por via das lesões sofridas, o Autor sofreu uma incapacidade total permanente de 30 dias. l) Na sequência da queda provocada pelo acidente, o Autor ficou portador de dores físicas na coluna que o vão acompanhar para toda a vida e que se exacerbam com as mudanças de tempo. m) O Autor ficou portador de um coeficiente de dano II, um quantum doloris de 4 e um dano estético de grau 2. n) Na sequência das faltas ao serviço, o Autor deixou de auferir o subsídio de assiduidade no valor de € 100,00 mensais. o) E ainda, perdeu pontos que são atribuídos pela entidade patronal quando os trabalhadores da sua empresa não têm faltas nem qualquer outra falha, pontos esses que são cruciais para a subida de categoria e, consequentemente, para um aumento salarial de € 100,00 mensais. p) E, por via das faltas ao trabalho em consequência da ITA, deixou de poder subir de categoria nos próximos quatro anos e de auferir o salário correspondente a essa subida de categoria, com o que terá um prejuízo não inferior a € 1.450,00. q) O Autor, proveniente da queda que sofreu no acidente supra referido, no futuro, vai ver-se na necessidade de recorrer a consultas médicas das especialidades de ortopedia e fisiatria, além de outras que se possam mostrar necessárias. r) Vai ter necessidade de se submeter a análises clínicas e a exames radiológicos, ressonâncias magnéticas e TAC. s) E, terá necessariamente de se submeter a exames e sessões de fisioterapia, bem como à toma de medicamentos, nomeadamente, analgésicos. * *IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. A questão que importa dirimir, em primeiro lugar, refere-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida. Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente. Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais e salvaguarda cabal do princípio do contraditório a que o recorrente se encontra adstrito, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objeto da impugnação (1), sob pena da impugnação da decisão da matéria de facto se transformar numa “mera manifestação de inconsequente inconformismo”. (2) Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o n.º 1 do art. 640º do C. P. Civil, que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “ (…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.” (sublinhado nosso). Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar ainda o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto. Os aspetos fundamentais que o recorrente deve assegurar neste particular prendem-se com a definição clara do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida). Porém, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador. Assim, como salienta Abrantes Geraldes (3), o Supremo Tribunal de Justiça “vem batalhando precisamente no sentido de evitar os efeitos de um excessivo formalismo que ainda marca alguns acórdãos das Relações, promovendo que o esforço que é aplicável na justificação de soluções que exponenciam aspectos de natureza meramente formal sem suficiente tradução na letra da lei, nem no espírito do sistema, seja canalizado para a efectiva apreciação das impugnações de matéria de facto.” (4) Por outro lado, na fase da admissão formal do recurso de apelação em que é impugnada a decisão da matéria de facto, importa que se estabeleça uma clara separação entre os requisitos formais e os ligados ao mérito ou demérito da pretensão que será avaliado em momento posterior. Deste modo, havendo “sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto, quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos.” (5) Tendo, assim, presente este enquadramento legal, cumpre decidir. No caso em apreço, o autor recorrente, cumprindo, no essencial, os apontados requisitos formais, pretende a alteração da factualidade dada como assente sob as als. j) sob a al. k) (na parte em que se refere “Na sequência da referida manobra …”), propondo que a mesma factualidade seja dada como não provada. Por outro lado, entende que a factualidade dada como não provada sob as als. a), b), c) e d) deverá ser considerada como provada. Propõe igualmente que seja aditada à factualidade provada que: “Na sequência do acidente, o A. partiu o seu telemóvel Samsung J3, com um valor comercial de, pelo menos, 150,00 euros; a roupa que o A. vestia naquele dia, ficou completamente danificada, nomeadamente, - par de botas, no valor de 90€; um fato de chuva da farda, no valor de 130,00 euros; um capacete, no valor de 50,00 euros; uma mala, no valor de 200,00 euros.” Tendo presente, assim, a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pela recorrente, importa saber se, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise. Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes (6), que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia. Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. De facto, o acesso direto do Tribunal da Relação à gravação integral do julgamento antes efetuado, terá de permitir-lhe, na formação da sua própria e autónoma convicção, sustentada numa análise crítica da prova, para além da apreciação dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente, a ponderação e a reanálise de todos os meios probatórios produzidos, sujeitos às mesmas regras de direito probatório material a que se encontra sujeito o tribunal de 1ª instância, enquanto forma, por um lado, de atenuar a inevitável quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, e, por outro, ainda, de evitar julgamentos descontextualizados ou parciais, submetidos apenas à leitura dos meios probatórios convocados pelo recorrente. Pretende-se, pois, uma visão global, integrada e contextualizada de todos os meios probatórios produzidos, como garantia de uma decisão de facto o mais próxima possível da realidade, sem que tal implique a procura de uma verdade ou de uma certeza naturalística ou absoluta, que é, por princípio, insuscetível de ser alcançada. Por outro lado, ainda, no que se refere à reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos/declarações prestados pelas partes ou por testemunhas ou, ainda, a reapreciação da prova pericial, é de recordar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova (7), princípio que expressamente se consagra no art. 607º, n.º 5, do C. P. Civil. (8) Com efeito, ao contrário do que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, sem pré-fixação legal do mérito de tal julgamento, mas sempre sendo de exigir que esse mérito decorra de uma apreciação crítica e integrada de todo o acervo probatório produzido, ou seja, de uma ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência humana, da lógica e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso, ponderação essa que deverá ficar plasmada na fundamentação do decidido (art. 607º, n.º 4, do C. P. Civil). Como refere Miguel Teixeira de Sousa (9), a propósito do sistema de prova livre, o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão.” Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. Todavia, face aos atuais poderes da Relação ao nível da reapreciação da decisão de facto, daí não decorre que não possa e não deva o tribunal ad quem analisar, também ele, criticamente, e sujeito às mesmas regras da experiência, da lógica e da ciência, a prova produzida, formando ele próprio, uma nova e autónoma convicção, caso em que, constatando, que ela não é coincidente com a convicção formada pelo Sr. Juiz de 1ª instância, deverá efetuar as correções na matéria de facto que aquela sua convicção lhe imponha. Quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição. Deste modo, chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o Tribunal da Relação considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo. (10) Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.” (11) Feitas estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, conhecer da factualidade impugnada pelo recorrente. O tribunal a quo considerou como provado, sob os apontados pontos impugnados, a seguinte factualidade: “J) No momento em que já tinha iniciado a referida manobra de ultrapassagem, o veículo QG muda de direção à esquerda. k) Na sequência da referida manobra, o veículo HE embateu com a sua parte frontal direita, na roda traseira do veículo QG.” Cumpre ainda afirmar que sob a al. v), o tribunal recorrido deu como provado que: “v) Na sequência do acidente, o Autor partiu o seu telemóvel Samsung J3 e a roupa que vestia ficou completamente danificada, nomeadamente o par de botas, fato da chuva da farda, o capacete e uma mala.” Por sua vez, o tribunal a quo deu como não provada a seguinte factualidade, ora impugnada pelo recorrente: “a) A dado momento, o motociclo reduziu a velocidade de que vinha animado e, de forma gradual, foi-se aproximando do eixo divisório da via, sempre com o sinal luminoso “pisca” do lado esquerdo do QG em funcionamento. b) Quando já se encontrava sobre o eixo da via foi embatido pela parte da frente esquerda do HE. c) O condutor do veículo HE seguia de forma completamente distraída e sem prestar qualquer intenção à condução que fazia. d) Por essa razão não se apercebeu que o QG apresentava o sinal luminoso “pisca” do lado esquerdo em funcionamento, reduzia a velocidade e se aproximava do eixo da via.” No essencial, o recorrente convoca em sua defesa – no que se refere à factualidade impugnada relativa à dinâmica do acidente – as declarações de parte do autor, em conjugação com a testemunha R. G. (condutor do veículo HE, segurado na ré recorrida) e com o auto de participação de acidente de viação de fls. 45 a 47 verso. Por sua vez, entende o recorrente que foi feita prova no sentido da demonstração dos valores dos bens pessoais do autor que ficaram danificados na decorrência do acidente, mais concretamente do telemóvel, vestuário e equipamento que este trazia consigo no momento do acidente. No que se refere à dinâmica do acidente, o tribunal a quo, após ponderar a prova produzida, salientou, o seguinte: “ (…) No que concerne à dinâmica e circunstâncias que rodearam a eclosão do acidente, foi fundamental o depoimento da testemunha R. G., única testemunha presencial do acidente, pois era o condutor do veículo de matrícula HE. É certo que o seu depoimento foi contrariado pelas declarações de parte do Autor, porém não se pode olvidar que o Autor é principal interessado no resultado da presente acção, sendo que o seu depoimento procurou suportar uma versão do acidente que sustente as pretensões formuladas, a qual não se mostra corroborada por qualquer outro elemento probatório. Com efeito, nem o auto de participação corrobora a versão do Autor, quer no que respeita às declarações de ambos os condutores, quer no que respeita ao croqui do local do acidente. É de salientar, que o local provável do acidente foi assinalado na hemi-faixa esquerda tendo em consideração o sentido de trânsito de ambos os condutores, tendo o agente participante atestado que o local assinalado foi indicado por ambos os condutores. Todavia, da descrição do acidente, não consta qualquer declaração de ambos os condutores quanto ao local provável do acidente, pois nenhum deles declarou em que local da faixa de rodagem de dá o acidente, o que indicia que ou o auto de participação se encontra incompleto, ou o croqui padece de lapso nessa indicação. Aliás, as declarações de ambos os condutores mostram-se demasiado concisas, não permitindo ter uma percepção correcta do que realmente aconteceu. Veja-se que o condutor do motociclo, o aqui Autor, limitou-se a declarar que seguia no sentido .../..., quando um veículo embate na sua traseira. Por seu turno, o condutor do veículo ligeiro de passageiros, embora não tão conciso, não esclarece onde circulava o motociclo momentos antes de se dar o embate, mas esclarece que quando se encontra a efectuar a manobra de ultrapassagem, o motociclo, muda de direcção à esquerda, acabando por embater na sua traseira. De realçar, que o condutor do veículo HE manteve essa versão perante o perito averiguador e em sede de audiência de julgamento, embora com a prestação de esclarecimentos que se mostraram essenciais. O condutor do veículo HE esclareceu, de modo espontâneo, que o motociclo circulava do lado direito da hemi-faixa de rodagem, encostado à berma, a velocidade reduzida que quantificou em 30 Km/h, razão pela qual iniciou a manobra de ultrapassagem, e quando a executava, foi surpreendido pela manobra de mudança de direcção à esquerda do motociclo, tendo embatido no motociclo junto do eixo da via. Apesar da referida testemunha não ter reconhecido expressamente que o local do embate foi na hemi-faixa da direita, tudo leva a crer que assim foi, já que admitiu que ocupou parcialmente a hemi-faixa da esquerda para executar a manobra de ultrapassagem, sendo um dado inquestionável que o veículo HE embateu com a parte frontal direita, zona do capôt, no motociclo. Também, o Autor confirmou que o veículo HE, no momento do embate, ocupava parcialmente a faixa de rodagem contrária, o que indica que, efectivamente, realizava uma manobra de ultrapassagem, pois de outro modo, não teria necessidade de ocupar a hemi-faixa esquerda, considerando a largura da hemi-faixa (2,5 m). O facto do veículo HE ter embatido com a parte frontal direita, onde apresenta os danos, também são consentâneos com a versão do seu condutor. Acresce que, o Autor reconheceu que com o embate foi projectado para o lado esquerdo da via, o que é consentâneo com um embate no motociclo na traseira, do lado esquerdo. De acordo com as regras da física se o veículo automóvel tivesse embatido, em cheio, na roda traseira do motociclo, este seria projectado para a frente e não para o lado esquerdo. A zona atingida pelo embate nos veículos e o modo como foi projectado o motociclo sugere que, no momento do embate efectuava a manobra de mudança de direcção à esquerda, provindo do lado direito da hemi-faixa de rodagem, não se encontrando no eixo da via, sendo certo que se afigura verosímil que o condutor do veículo HE empreendida, nesse preciso momento, a manobra de ultrapassagem. Assim, o Autor não logrou provar a dinâmica do acidente relatada na petição inicial, a qual não se encontra corroborada pelos demais elementos probatórios.” No que se refere aos danos dos referidos bens do autor recorrente, o tribunal recorrido, consignou o seguinte: “ (…) No que respeita aos danos no vestuário e outro equipamento que transportava consigo, as testemunhas P. M., S. C. e J. M., perito averiguador, confirmaram que todo o vestuário e equipamento ficou danificado, o que também se confirma pelos registos fotográficos juntos a fls. 15 a 21. No entanto, não existem quaisquer elementos probatórios que confirmem o valor indicado pelo Autor para esses bens, salientando-se que o Autor apesar de afirmar que teve que adquirir um novo telemóvel, uma vez que não compensava reparar o danificado, e adquirir outra farda de trabalho, uma vez que a que vestia ficou totalmente danificada, não juntou qualquer documento que comprove a respectiva compra e valor pago. Os valores indicados apenas são corroborados pelas próprias declarações do Autor, e pela testemunha S. C., que sendo cônjuge do Autor, não garante a fidedignidade dos valores indicados, atento o comprometimento que revela com os interesses do Autor.” A exposição dos motivos que levaram o tribunal a quo a decidir pela verificação do acidente de viação em causa, de acordo com a versão apresentada pela ré seguradora, revela-se, no essencial, devidamente estruturada, designadamente sopesando os meios de prova produzidos, dando especial relevo ao depoimento da testemunha R. G. (interveniente no acidente, enquanto condutor do veículo HE), a qual terá, na convicção do tribunal a quo, apresentado um depoimento menos conciso e mais esclarecedor do que o depoimento do autor, retirando o tribunal recorrido do depoimento daquela testemunha que o mesmo, antes do embate, havia iniciado uma manobra de ultrapassagem ao motociclo conduzido pelo autor e, quando a executava, foi então surpreendido pela manobra de mudança de direção à esquerda por parte do motociclo, acabando por embater na sua traseira. Todavia, este tribunal ad quem não partilha da mesma conclusão a que chegou o tribunal recorrido, mormente quanto à dinâmica do acidente. Entende antes que a versão do acidente que se poderá respigar do depoimento do condutor do veículo HE sequer se poderá considerar coincidente com a versão do acidente a que chegou o tribunal a quo e que acabou por ser retratada sob as referidas als. j) e k), 1ª parte, dos factos provados. Vejamos. De acordo com a versão do acidente apresentada pelo autor, em sede de declarações de parte, verifica-se que o mesmo refere que seguia no sentido ...-..., pela hemifaixa direita e, pretendendo mudar de direção à esquerda, atento esse mesmo sentido, foi-se aproximando do eixo da via, com o “pisca” ligado, a sinalizar tal manobra, sendo que, quando já se encontrava junto ao eixo da via (mas ainda dentro da hemifaixa direita no sentido em que seguia), preparado para virar à sua esquerda (seguindo a uma velocidade muito reduzida, quase parado), foi entretanto embatido pelo veículo HE na traseira do seu motociclo. Não podemos deixar de ter presente que, no que se refere às declarações de parte, é entendimento maioritário da doutrina e da jurisprudência, segundo o qual o depoimento de parte e as declarações de parte em que não exista confissão, embora fiquem sujeitas à livre apreciação do julgador (art. 466º, n.º 3, do C. P. Civil), nunca servem, por si só, para fundamentar que se dê como provada a tese factual sustentada pelo depoente/declarante em sede de depoimento de parte ou declarações de parte em benefício próprio, tendo antes de ser corroboradas por outros elementos de prova. (12) Sem que, porém, nos possamos olvidar que existe uma outra corrente doutrinal e jurisprudencial mais recente, que sustenta que o depoimento e as declarações de parte, sem valor confessório, podem valer à luz do princípio da livre convicção do tribunal, em benefício do próprio declarante, ainda que desacompanhados de outros elementos de prova que as corroborem, tudo dependendo do modo como são prestadas e a maior ou menor dificuldade probatória do facto sobre que versam, repudiando a degradação antecipada do respetivo valor probatório, o seu estigma precoce, relembrando que se está perante uma prova autónoma, consagrada em termos amplos, e não apenas como mero princípio de prova, em relação à qual deverá valer plenamente a livre convicção do juiz (13), cumpre salientar que os defensores desta corrente não deixam de evidenciar a necessidade de adotar cuidados acrescidos na valoração favorável deste elemento de prova em benefício do próprio depoente ou declarante, sabendo-se que “… não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar as afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objeto em litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objetivo sobre a sua versão dos factos que, inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado.” (14) No caso concreto, revisitada as declarações de parte do autor, em especial no que se refere à dinâmica do acidente, as mesmas afigura-se-nos consentâneas com a realidade dos factos que terão sucedido antes do acidente e com a condução que o mesmo vinha desenvolvendo antes de ser embatido na traseira do seu motociclo pela parte da frente direita do veículo HE. De igual modo, se confrontarmos esta versão do acidente apresentada pelo autor com a que se poderá respigar do depoimento da testemunha R. G. (condutor do veículo HE, segurado na ré), sempre teríamos que concluir que a versão do acidente apontada pelo autor não chega a ser posta verdadeiramente em causa pela dita testemunha, não obstante algumas imprecisões que o seu depoimento revelou. De facto, se atentarmos ao depoimento do referido condutor do veículo HE verificamos que o mesmo também refere que viu o motociclo do autor do lado direito da hemifaixa de rodagem onde ambos seguiam e predispôs-se a fazer uma manobra de ultrapassagem a esse mesmo motociclo, sendo que no momento da ultrapassagem verificou que o autor “vinha a virar” para o seu lado esquerdo, mas não conseguiu evitar o embate na traseira deste motociclo, sensivelmente no eixo da via. Perguntado sobre se o motociclo virou na sua direção de repente ou se não tinha o “pisca” ligado, o condutor do veículo HE, pura e simplesmente, limitou-se a responder que não se recordava (“não me recordo ao certo …” – cfr. 12.25 m do seu depoimento gravado). Outrossim, a mesma testemunha, perguntado se se havia apercebido da condução levado a cabo pelo condutor do motociclo, no sentido de ir do lado direito para o eixo da via, onde se deu o embate, a mesma acaba por responder que não (“quando me apercebi não consegui travar a tempo …” – cfr. 21.15 m do seu depoimento gravado); mais à frente, perguntado de novo se se apercebeu da mudança da trajetória do motociclo ou se olhara para o “pisca” do motociclo, mais uma vez responde que “não … não me apercebi …” (cfr. 21.50 m do seu depoimento gravado). Daqui resulta, pois que o condutor do veículo HE não seguia com a devida atenção ao trânsito que seguia à sua frente, mormente à manobra de mudança de direção que o condutor do motociclo havia iniciado, com a sua aproximação ao eixo da via. De igual modo, se não se apercebeu dessa mesma manobra iniciada pelo condutor do motociclo, de modo algum podemos concluir que a mesma manobra foi realizada de forma repentina e imprevista, mais concretamente que se realizou quando o condutor do veículo HE já havia iniciado a manobra de ultrapassagem. Realce-se que essa mesma testemunha também afirma que, no momento da manobra de ultrapassagem, só ocupou parcialmente a hemifaixa contrária, atento o seu sentido de marcha, sendo certo que o embate se deu sobre o eixo da via (ao que tudo indica ainda dentro da hemifaixa direita atento o sentido de marcha de ambos os veículos), sofrendo o veículo HE danos na frente, sob o lado direito, e o motociclo danos na traseira, sendo certo que, a ser assim, não podemos de modo algum apontar o autor como causador do embate, tal como concluiu o tribunal recorrido sob a al. k), dos factos provados). Antes teremos que nos aproximar mais da versão do acidente apresentada pelo autor, aceitando assim como verosímil a manobra de mudança de direção à esquerda levado a efeito pelo autor e a sua aproximação ao eixo da via, onde se deu o embate, assim como a falta de perceção, por distração, da mesma manobra por parte do condutor do veículo HE, que, assim, iniciou a manobra de ultrapassagem do motociclo, sem sequer chegar a invadir na sua totalidade a hemifaixa contrária e provocando, deste modo, o embate do seu veículo na traseira do motociclo; versão esta que, em bom rigor e em abono da verdade, não foi posta em causa pelo depoimento do condutor do veículo HE. Por assim dizer, não fora a distração com que seguia o condutor do veículo HE, que, confessadamente, não se apercebeu da manobra de mudança de direção à esquerda desenvolvida pelo autor na ocasião, o mesmo condutor não teria iniciado a manobra de ultrapassagem do motociclo, manobra essa de ultrapassagem iniciada depois daquela que vinha sendo executada pelo autor (aproximação ao eixo da via para mudança de direção à esquerda) e que, na sequência, acabou por motivar o embate do veículo HE na traseira do motociclo do autor. Por outro lado, a versão de que o motociclo mudou de direção à esquerda, quando o condutor do veículo HE já tinha iniciado a ultrapassagem do mesmo (cfr. al. j) dos factos provados), não é, de acordo com os juízos de verossimilhança dos factos, suscetível de causar um embate na traseira do motociclo (tal como ficou provado); mas antes no lado esquerdo do motociclo, o que não sucedeu no caso em apreço. Ademais, importará sempre referir que, após o acidente e com a chegada dos elementos da GNR, o condutor do veículo HE reconheceu-se como culpado do acidente (cfr. 23.25 m do seu depoimento gravado), tendo inclusivamente os veículos sinistrados sido retirados do local do embate. De acordo com as regras de experiência comum, se estivéssemos perante uma manobra de mudança de direção à esquerda, inopinada e imprevista, do condutor do motociclo, “cortando a linha de trânsito” do veículo HE, certamente o condutor deste veículo não teria assumido a culpa na produção do sinistro e retirado, sem mais, o seu veículo do local onde o embate se deu, antes da chegada das autoridades. Nestes termos, cumpre proceder à alteração da decisão que incidiu sobre a matéria de facto provada (als. j) e k)) e não provada (als. a) a d)), nos moldes preconizados pelo recorrente, ainda que com alguns ajustes de redação, em face do acima exposto. Ainda neste particular, caberá igualmente realçar que alguns dos referidos factos traduzem-se em factos complementares e/ou instrumentais referentes à dinâmica do acidente, resultantes da instrução da causa e sobre os quais as partes tiveram oportunidade de se pronunciarem, e, como tal, irão ser considerados por este tribunal ad quem (art. 5º, n.º 2, als. a) e b), do C. P. Civil). Por seu turno, não obstante as declarações de parte do autor e da sua mulher S. C., no que se refere aos apontados valores do telemóvel, vestuário e demais equipamento do autor danificado na decorrência do acidente de viação em causa, sempre teremos de concluir, conforme acabou por fazer o tribunal a quo, ou seja, que “não existem elementos probatórios que confirmem o valor indicado pelo Autor para esses bens …”, tanto quanto é certo que não foram juntos aos autos qualquer documento (mormente fatura) que comprove o valor de aquisição dos bens danificados e/ou dos novos bens que o autor teve necessidade de comprar. É assim de manter a factualidade dada como provada sob a al. v) nos seus precisos termos. Por último, cumpre dar razão à ré recorrida, no que se refere ao seu pedido de ampliação do âmbito do recurso de apelação em presença, no que se refere à decisão sobre a matéria de facto (art. 636º, n.º 2, do C. P. Civil), tanto mais que, após as declarações de parte do autor, ficou expressamente consignado em ata, para os efeitos do disposto no art. 463º, n.º 1, do C. P. Civil, designadamente que: “No momento do acidente encontrava-se no exercício da sua atividade de carteiro.” Esta factualidade foi alegada pela ré na sua contestação (cfr. arts. 38º a 40º) e confessada pelo autor, pelo que deverá passar a constar da factualidade dada como provada. Termos em que, se julga parcialmente procedente, neste segmento, a pretensão recursiva do autor recorrente e procedente a da ré recorrida (pedido de ampliação do âmbito do recurso), e, em consequência, fazendo uso do disposto no art. 662º, n.º 1, do C. P. Civil, decide-se alterar a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo, nos termos sobreditos, passando os factos provados e não provados a ser os seguintes (que iremos transcrever na íntegra, com as alterações introduzidas a negrito para melhor esclarecimento): FACTOS PROVADOS a) No dia 11 de Dezembro de 2018, pelas 13h25, o Autor conduzia o motociclo matrícula QG, da marca Honda, na Rua ..., na freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, no sentido .../.... b) Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, e à retaguarda do veículo QG, circulava o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula HE, conduzido por R. G.. c) O Autor era, nessa data, proprietário do motociclo QG. d) O veículo HE era, nessa data, propriedade de R. G.. e) Junto ao número de polícia .., a Rua ... configura uma reta em plano descendente e sem bermas, com a largura de 5 metros, com duas faixas de rodagem de sentidos opostos, cada uma com uma largura de cerca de 2,5 metros. f) O tempo encontrava-se seco e limpo, e o pavimento asfáltico encontrava-se em bom estado de conservação. g) Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o QG desenvolvia a sua marcha no sentido .../..., pela hemifaixa direita da via. h) A uma velocidade não superior a 30 Km/h. i) A dada altura, o veículo HE iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo QG. j) Para tanto, o veículo HE invade parcialmente a hemifaixa esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de trânsito. k) Porque circulava sem a devida atenção ao trânsito que seguia à sua frente, o condutor do veículo HE não se apercebeu que o autor pretendia realizar a manobra de mudança de direção à esquerda, atento o sentido em que seguia, tendo, para o efeito, se aproximado do eixo da via e com o sinal luminoso de “pisca” do lado esquerdo do veículo QG em funcionamento. l) Assim, quando já se encontrava perto do eixo da via (mas ainda dentro da hemifaixa direita atento o seu sentido de marcha), foi embatido na traseira do veículo QG pela parte frontal direita do veículo HE. m) Na sequência do embate, o veículo QG e o seu condutor foram projetados para a berma do lado esquerdo. n) Como consequência direta e necessária do acidente resultaram para o Autor, lesões corporais, consistentes em hematomas e escoriações em várias partes do corpo, nomeadamente na face, na testa e junto ao nariz. o) Foi transportado de urgência para o ULSAM, onde lhe foram prestados os primeiros socorros e foi submetido a vários exames. p) Após, passou a ser seguido na clínica Médica ..., onde lhe foram feitos os tratamentos às feridas. q) Foi medicado com analgésicos e anti-inflamatórios. r) Na sequência do acidente, o Autor ficou com duas cicatrizes na face, do lado direito, nomeadamente, na testa e junto ao nariz. s) Em consequência das lesões sofridas, o Autor sofreu dores físicas, quer no momento do acidente, quer no decurso da sua recuperação. t) À data do acidente, o Autor exercia, como ainda exerce, a profissão de carteiro. u) No momento do acidente, encontrava-se no exercício da sua atividade de carteiro. v) Após o acidente, o Autor ficou receoso e amedrontado de conduzir motociclos, sendo, no entanto, obrigado a fazê-lo na sua profissão de carteiro. w) Na sequência do acidente, o Autor partiu o seu telemóvel Samsung J3 e a roupa que vestia ficou completamente danificada, nomeadamente o par de botas, fato da chuva da farda, o capacete e uma mala. x) O veículo do Autor tem um valor de mercado que se situa entre os € 1.800,00 e os € 2.000,00. y) Como consequência do embate, o veículo do Autor sofreu vários danos, a demandar para a sua reparação, serviços de mão-de-obra de chapeiro, de mecânico e de pintor, bem como substituição de peças várias, sendo o valor da sua reparação de € 1.904,29. z)O veículo ficou imobilizado e impossibilitado de trabalhar desde a data do acidente até Julho de 2019. aa) No exercício da sua profissão de carteiro, o Autor auferia, para além do seu vencimento mensal, aproximadamente € 400,00 mensais, a título de subsídio de transporte em veículo próprio. bb) Por via da imobilização do seu veículo deixou de auferir o supra referido subsídio. cc) O Autor utilizava o veículo QG para a deslocação para o trabalho, diariamente, e para as demais tarefas do dia-a-dia. dd) Por ter faltado ao trabalho, no período que esteve doente foi-lhe descontado o valor de € 94,96, relativamente ao mês de Janeiro de 2019. ee) À data do acidente, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula HE, encontrava-se transferida para a Ré Companhia de Seguros X, S.A., através de contrato de seguro, titulado pela apólice nº .........3. *FACTOS NÃO PROVADOS a) No momento em que já tinha iniciado a referida manobra de ultrapassagem, o veículo QG muda de direção à esquerda. b) Foi na sequência desta última manobra que o veículo HE embateu no veículo QG. c) Momentos antes de embater no QG, ao aperceber-se da manobra do respetivo condutor, o condutor do HE invadiu completamente a hemifaixa esquerda da via, atento o sentido em que seguia. d) De forma a efetuar a manobra de ultrapassagem ao QG que antecedia. e) De forma súbita e inesperada, o condutor do HE guinou o que conduzia para a hemifaixa direita, atento o sentido em que seguia. f) E invadiu a hemifaixa direita da via de forma a ultrapassar o QG pelo seu lado direito. g) Até embater no QG. h) Momentos antes do embate, o veículo QG circulava a velocidade nunca inferior a 70 Km/h. i) Por via das lesões sofridas, o Autor sofreu uma incapacidade total permanente de 30 dias. j) Na sequência da queda provocada pelo acidente, o Autor ficou portador de dores físicas na coluna que o vão acompanhar para toda a vida e que se exacerbam com as mudanças de tempo. k) O Autor ficou portador de um coeficiente de dano II, um quantum doloris de 4 e um dano estético de grau 2. l) Na sequência das faltas ao serviço, o Autor deixou de auferir o subsídio de assiduidade no valor de € 100,00 mensais. m) E ainda, perdeu pontos que são atribuídos pela entidade patronal quando os trabalhadores da sua empresa não têm faltas nem qualquer outra falha, pontos esses que são cruciais para a subida de categoria e, consequentemente, para um aumento salarial de € 100,00 mensais. n) E, por via das faltas ao trabalho em consequência da ITA, deixou de poder subir de categoria nos próximos quatro anos e de auferir o salário correspondente a essa subida de categoria, com o que terá um prejuízo não inferior a € 1.450,00. o) O Autor, proveniente da queda que sofreu no acidente supra referido, no futuro, vai ver-se na necessidade de recorrer a consultas médicas das especialidades de ortopedia e fisiatria, além de outras que se possam mostrar necessárias. p) Vai ter necessidade de se submeter a análises clínicas e a exames radiológicos, ressonâncias magnéticas e TAC. q) E, terá necessariamente de se submeter a exames e sessões de fisioterapia, bem como à toma de medicamentos, nomeadamente, analgésicos. * *B) Da culpa/responsabilidade na produção do acidente Impõe-se agora averiguar, face à nova realidade factual, a questão da culpa na eclosão do acidente em apreço e, muito em particular, se a culpa é de atribuir ao condutor do veículo de matrícula HE (segurado na ré) ou antes ao autor, enquanto condutor do motociclo matrícula QG; ou se a culpa é de atribuir a ambos – definindo, em tal hipótese, a medida de cada um dos intervenientes – ou, ainda, por último, se não é possível atribuir a culpa a qualquer um dos citados intervenientes, caso em que, por aplicação do preceituado no art. 506º, n.º 1 do C. Civil, importaria definir a medida da contribuição de cada veículos para o sinistro e consequentes danos, sustentando, a este propósito, o autor apelante que, caso se verifique tal situação, essa proporção deverá ser fixada em 70% para o condutor do veículo HE e 30% para o condutor do veículo QG, ora recorrente. Pois bem da nova factualidade apurada, no que se refere à dinâmica do acidente, temos como assente, mormente que: - No dia 11 de Dezembro de 2018, pelas 13h25, o Autor conduzia o motociclo matrícula QG, da marca Honda, na Rua ..., na freguesia de ..., concelho de Viana do Castelo, no sentido .../.... - Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, e à retaguarda do veículo QG, circulava o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula HE, conduzido por R. G.. - O Autor era, nessa data, proprietário do motociclo QG. - O veículo HE era, nessa data, propriedade de R. G.. - Junto ao número de polícia …, a Rua ... configura uma reta em plano descendente e sem bermas, com a largura de 5 metros, com duas faixas de rodagem de sentidos opostos, cada uma com uma largura de cerca de 2,5 metros. - O tempo encontrava-se seco e limpo, e o pavimento asfáltico encontrava-se em bom estado de conservação. - Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o QG desenvolvia a sua marcha no sentido .../..., pela hemifaixa direita da via. - A uma velocidade não superior a 30 Km/h. - A dada altura, o veículo HE iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo QG. - Para tanto, o veículo HE invade parcialmente a hemifaixa esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de trânsito. - Porque circulava sem a devida atenção ao trânsito que seguia à sua frente, o condutor do veículo HE não se apercebeu que o autor pretendia realizar a manobra de mudança de direção à esquerda, atento o sentido em que seguia, tendo, para o efeito, se aproximado do eixo da via e com o sinal luminoso de “pisca” do lado esquerdo do veículo QG em funcionamento. - Assim, quando já se encontrava perto do eixo da via (mas ainda dentro da hemifaixa direita atento o seu sentido de marcha), foi embatido na traseira do veículo QG pela parte frontal direita do veículo HE. - Na sequência do embate, o veículo QG e o seu condutor foram projetados para a berma do lado esquerdo. - Como consequência direta e necessária do acidente resultaram para o Autor, lesões corporais, consistentes em hematomas e escoriações em várias partes do corpo, nomeadamente na face, na testa e junto ao nariz. Mais se demonstrou que, no momento do acidente, o autor encontrava-se no exercício da sua atividade de carteiro (cfr. al. u) da nova relação de factos provados). Neste âmbito, desde já se adianta que, contrariamente ao defendido pela ré recorrida, tal factualidade (al. u) dos factos provados) não implica qualquer presunção legal de culpa para o autor na eclosão do sinistro em causa, mormente a decorrente do disposto no art. 503º, n.º 3, do C. Civil. De facto, temos como assente que o motociclo conduzido pelo autor, no momento do acidente, é sua propriedade, tendo o mesmo assim a direção efetiva do veículo que conduzia, não o utilizando por conta de outrem (seu proprietário ou detentor), ou seja enquanto comissário, sendo irrelevante, pois, que o mesmo veículo, da propriedade do autor, seja utilizado no exercício da sua atividade profissional de carteiro, pois que falha logo um dos pressupostos necessários ao funcionamento de tal presunção legal de culpa (art. 503º, n.º 3, do C. Civil), que é o da verificação de proprietário ou detentor diferente do condutor do veículo interveniente no acidente. (15) Feita a referência em termos de quadro factual do sinistro, verificamos que o mesmo se reconduz, em termos esquemáticos, a uma colisão de dois veículos (motociclo tripulado pelo autor e o veículo automóvel tripulado pelo segurado na ré), colisão esta que ocorre quando o autor inicia uma manobra de mudança de direção à esquerda, atento o seu sentido de marcha, enquanto o veículo automóvel, segurado na ré, pretendia efetuar uma manobra de ultrapassagem ao motociclo conduzido pelo autor. No que se refere à culpa, o Código Civil consagra expressamente a tese da culpa em abstrato, ao prescrever no n.º 2 do art. 487º que, na falta de outro critério legal, ela é apreciada “pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.” Comentando esta norma, Pires de Lima e Antunes Varela referem que “a culpa deve ser apreciada in abstracto, ou seja, em atenção à diligência de um bom pai de família e não à diligência normal do causador do dano.” E acrescentam que, “mandando atender às circunstâncias de cada caso, a lei quer apenas dizer que a diligência relevante para a determinação da culpa é a que um homem normal (um bom pai de família) teria em face do circunstancialismo próprio do caso concreto. A referência expressiva ao bom pai de família acentua mais a nota ética ou deontológica do bom cidadão (do bonus cives) do que o critério puramente estatístico do homem médio. Quer isto significar que o julgador não está vinculado às práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria, que porventura se tenham generalizado, se outra for a conduta exigível dos homens de boa formação e de são procedimento.” (16) Em termos mais lineares, pode afirmar-se que que age com culpa quem, pelas suas capacidades e atentas as circunstâncias concretas da situação, podia e devia ter agido de outro modo. Quanto aos acidentes de viação, é pacífico na jurisprudência que a culpa emerge, regra geral, do incumprimento de regras legais que disciplinam a circulação rodoviária, presumindo-se (presunção juris tantum) a negligência do condutor que, por conduzir em infração daquelas normas, dá causa ao acidente, sem prejuízo, obviamente, de o condutor infrator poder provar a concorrência de circunstâncias concretas que justifiquem a infração cometida e que excluam a sua culpa. (17) Daqui resulta, pois, que a mera violação de regras estradais, ainda que revestindo natureza contraordenacional, não é por si só suficiente para estabelecer o nexo causal com a produção do acidente, tornando-se necessário indagar se tal comportamento ilícito e culposo consubstancia, em concreto, causa adequada do evento ocorrido. (18) Para tanto, importa, desde logo, ter presente a norma estradal violada e o respetivo âmbito de proteção e, nessa base, averiguar se o risco abstratamente ali prevenido se concretizou no resultado ocorrido. Realce-se ainda que o n.º 2 do art.º 3.º do Código da Estrada (19) consagra o dever de diligência, o qual recai sobre os denominados utentes da via pública (conceito amplo), abrangendo, por conseguinte, os condutores de veículos automóveis ou motociclos, exigindo-se-lhes, assim, que se abstenham de praticar atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes das vias públicas. Na verdade, sendo a atividade de condução de veículos na via pública uma atividade que comporta necessariamente riscos advindos do tráfego que normalmente existe, da circulação das próprias viaturas que se deslocam em espaços nem sempre otimizados, e até dos transeuntes que, a pé, nelas se atravessam ou permanecem, exige-se um cuidado especial da parte de todos os condutores no sentido de evitarem que da condução resultem acidentes. É precisamente por isso que o CE estabelece uma série de regras a que tem de obedecer a condução rodoviária. Assim, no art.º 35.º, n.º 1, do CE, estabelece-se o princípio geral que o condutor deve observar na realização de algumas manobras em especial, dispondo que: “O condutor só pode efetuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás, em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.” E, quanto à realização da manobra de ultrapassagem, após impor, no art. 36.º, n.º 1, do CE, que deve ser efetuada pela esquerda, no art.º 38.º, n.º 1, do CE, estatui que: “O condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário”; impondo-lhe, ainda, o dever de se certificar especialmente nos casos previstos no n.º 2, designadamente que: “A faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança.” [al. a)]. Sendo certo que, na realização desta mesma manobra, “o condutor deve ocupar o lado da faixa de rodagem destinado à circulação em sentido contrário ou, se existir mais que uma via de trânsito no mesmo sentido, a via de trânsito à esquerda daquela em que circula o veículo ultrapassado.” (art. 38º, n.º 3, do CE). Por seu turno, no que se refere à manobra de mudança de direção para a esquerda, estabelece-se no art. 44º, n.º 1, do CE, que: “O condutor que pretenda mudar de direção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afeta a um ou a ambos os sentidos de trânsito, e efetuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação.”; sendo certo que: “Se tanto na via que vai abandonar como naquela em que vai entrar o trânsito se processa nos dois sentidos, o condutor deve efetuar a manobra de modo a dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias.” (art. 44º, n.º 2, do CE). Por último, em matéria de velocidade, no art.º 24.º, n.º 1, do CE, estabelece-se os princípios gerais, dispondo que: “O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.” Feitas estas considerações e atenta à nova factualidade dada como assente quanto à dinâmica do acidente, não temos dúvidas em afirmar que o acidente de que versam os autos é de imputar, a título de culpa exclusiva, ao condutor do veículo HE, segurado na ré. Não sofre, a nosso ver, qualquer contestação que, na execução da manobra de mudança de direção à esquerda, o autor, condutor do motociclo QG não cometeu qualquer infração estradal. Com efeito, nesse conspecto, resulta demonstrado, da factualidade provada, que o mesmo, pretendendo mudar de direção à esquerda, atento ao sentido em que seguia, aproximou-se do eixo da, com o sinal luminoso de “pisca” do lado esquerdo do veículo QG em funcionamento. Por sua vez, no que se refere à condução levada a cabo pelo condutor do veículo HE, temos como demonstrado que, o mesmo veículo HE que, seguia atrás do veículo QG, conduzido pelo autor, atento o mesmo sentido de marcha, a dada altura, iniciou a manobra de ultrapassagem do veículo QG, tendo, para o efeito, invadido parcialmente (e não totalmente, portanto como se lhe impunha) a hemifaixa esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de trânsito. Na sequência, porque circulava sem a devida atenção ao trânsito que seguia à sua frente, o condutor do veículo HE não se apercebeu que o autor pretendia realizar a manobra de mudança de direção à esquerda e, assim, quando este já se encontrava perto do eixo da via (mas ainda dentro da hemifaixa direita atento o seu sentido de marcha), foi embatido na traseira do veículo QG pela parte frontal direita do veículo HE. Daqui se conclui que a condução levada a efeito pelo condutor do veículo HE é violadora do disposto nos arts. 24º, n.º 1 e 38º, nºs 1 e 3, do CE, sendo este o único culpado na produção do sinistro em apreço. Nesta medida, cabe julgar procedente, neste segmento, as conclusões de recurso do apelante, ficando assim prejudicada a aplicação, ao caso em apreço, das regras referentes à responsabilidade pelo risco, designadamente de repartição da responsabilidade de acordo com a proporção do risco de cada um dos veículos na produção dos danos (art. 506º, do C. Civil).* *C) Da obrigação de indemnização C.1) Dos danos patrimoniais Segundo o disposto no art. 562º, do C. Civil, a reparação do dano “deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.” Assim, no cálculo da indemnização importa considerar a diferença entre a situação real e hipotética do lesado se o mesmo não tivesse sido atingido pelo facto ilícito (princípio da reposição natural). Por sua vez, no seio da obrigação de indemnizar compreendem-se todos os prejuízos causados ao lesado, sejam estes os danos emergentes (diminuição do existente património do lesado), sejam, ainda, os lucros cessantes (diminuição do património futuro), isto é, ganhos ou vantagens que deixaram de ingressar no património do lesado, resultando em seu detrimento – cfr. art. 564º, n.º 1, do C. Civil. (20) A restauração natural é, sem dúvida, a forma mais perfeita de reparar um dano, seja através da reintegração pura ou da indemnização em forma específica. (21) No entanto, como resulta do critério legal acolhido pelo n.º 1 do art. 566º, do C. Civil, a indemnização é fixada em dinheiro, por sucedâneo pecuniário da reconstituição natural, sempre que – na perspetiva do interesse do credor – a reconstituição natural não seja possível ou não repare integralmente os danos e ainda quando – na perspetiva do interesse do devedor – seja excessivamente onerosa (n.º 1). Neste caso, a indemnização em dinheiro, a atribuir sempre que seja impossível a reconstituição natural, tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem os danos (n.º 2). Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3). Em termos gerais, a excessiva onerosidade, enquanto limitação ao princípio da reposição natural, terá lugar sempre que “houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a restauração natural envolve para o responsável.” (22) (23) Outrossim, conforme igualmente é pacífico, na medida em que a regra geral da restauração natural é imposta, no interesse de ambas as partes, como modo prioritário de indemnização, se o credor reclama a restauração natural, é ao devedor que pretenda contrapor-lhe a indemnização pecuniária, enquanto réu, que cabe o ónus de alegação e de prova da excessiva onerosidade da mesma (art. 342º, n.º 2, do C. Civil). Assim, no caso em que o autor lesado viu o seu veículo danificado em acidente de viação, cabe-lhe a prova do custo da reparação de tal veículo, enquanto a ré seguradora, que acha essa reparação excessivamente onerosa, cabe a prova disso mesmo – que a reparação é não apenas onerosa, mas excessivamente onerosa. Neste conspecto, a ré seguradora invocou, na sua contestação, que o valor venal do motociclo do autor, antes do sinistro, era de € 1.800,00, sendo que o valor do mesmo motociclo, com os danos que sofreu do sinistro (salvado), ascende à quantia de € 300,00, pelo que, tendo em conta que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos é de € 1.904,29, temos um valor de salvado e de reparação de € 2.204,29, o que ultrapassa em 120% o valor venal do veículo (€ 1.800,00), razão pela qual estamos numa situação de “perda total” (art. 41º, n.º 1, al. c), do D.L. n.º 291/2007, de 21.08) Nesta medida, conclui a ré seguradora, nos termos do disposto no art. 41º, n.º 3, do D.L. n.º 291/2007, de 21.08 (Regime do Sistema de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel) que o valor da indemnização devida ao autor, pelos danos causados no seu motociclo é de apenas € 1.500,00, sendo certo que ficando com esta indemnização, acrescida do valor do salvado (€ 300,00), poderá o autor adquirir no mercado, pelo valor de € 1.800,00 um outro veículo que igualmente lhe satisfizesse as suas necessidades “danificadas”, demonstrando assim a ré a excessiva onerosidade no preço da reparação do veículo sinistrado. Porém, cumpre, desde já, esclarecer que, tal como vem sendo defendido pela doutrina e jurisprudência, no que se refere à obrigação de indemnização pelos danos causados a um veículo – com relevância para a prova da excessiva onerosidade da reparação –, a mesma não poderá ser ponderada com base no conceito de valor venal (comercial) do veículo, no momento do acidente, mas antes com base no seu valor patrimonial, ou seja, o valor que o veículo representa na esfera patrimonial do lesado. (24) (25) Por conseguinte, estando em causa um acidente de viação em que o lesado reclama a reparação do veículo sinistrado ou o valor de indemnização equivalente ao custo da mesma reparação, competirá à seguradora a prova da excessiva onerosidade, suscetível de afastar o princípio da reposição natural, tendo mormente em conta dois fatores: o preço da reparação e o valor do veículo, não o venal, mas o patrimonial. (26) Ora, de acordo com a matéria de facto provada, temos como demonstrado que o veículo do autor tem um valor de mercado (valor venal) que se situa entre os € 1.800,00 e os € 2.000,00 (cfr. al. x)). Sendo assim, tendo em atenção que o valor da reparação do veículo do autor ascende a € 1.904,29 (cfr. al. y) dos factos provados), sequer podemos concluir, face à facticidade provada, que estamos perante uma situação de “perda total”, designadamente nos termos e para os fins do disposto no art. 41º, nºs 1, al. c) e 3, do D.L. n.º 291/2007, de 21.08. De todo o modo, conforme é jurisprudência maioritária a aplicação do citado critério de “perda total”, implicando o cumprimento da obrigação em dinheiro e não através da reparação do veículo (art. 41º, n.º 1, do D.L. 291/2007, de 21.08), restringe-se ao procedimento de apresentação pela seguradora da “proposta razoável” aos lesados (cfr. arts. 38º e 39º do citado D.L. n.º 291/2007, de 21.08), destinado simplesmente a agilizar o acertamento extrajudicial da responsabilidade decorrente de acidente de viação. Como tal, caso não haja acordo no âmbito do referido procedimento extrajudicial, deverão valer as apontadas regras gerais emergentes do disposto nos arts. 562º e 566º, do C. Civil (entre as quais avultam, por um lado, o princípio da reparação in natura e, por outro, o principio da reparação integral do dano). (27) Daqui concluímos, sem necessidade de maiores considerações, que o autor tem direito à reparação integral dos danos sofridos no seu veículo, em consequência do sinistro em causa, reparação essa que se mostra orçamentada em € 1.904,29 (cfr. al. y) dos factos provados), sendo certo igualmente que a ré recorrida não logrou provar, tal como lhe competia (art. 342º, n.º 2, do C. Civil) que a mesma se mostra excessivamente onerosa para si. Ainda, a título de danos patrimoniais, terá o autor igualmente direito em receber, a título de lucros cessantes, o valor de € 2.800,00, em resultado dos rendimentos laborais que deixou de auferir (subsidio de transporte em veículo próprio, no valor mensal de € 400,00), durante o período em que teve o seu veículo imobilizado e impossibilitado de trabalhar com o mesmo (sete meses) – cfr. als. z), aa), bb) dos factos provados. Tal como igualmente terá direito em ser indemnizado no valor de € 94,96, relativamente a perdas salariais (cfr. al. dd) dos factos provados). Por último, temos como provado que, na sequência do acidente, o autor partiu o seu telemóvel Samsung J3 e a roupa que vestia ficou completamente danificada, nomeadamente o par de botas, fato da chuva da farda, o capacete e uma mala. Neste caso, não se logrou apurar qual o valor concreto daqueles bens pessoais que o autor viu danificados, em resultado do acidente. Prescreve o disposto no art. 566º, n.º 3, do C. Civil, que: “Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver como provados.” Entendemos, porém, que este último preceito não é de aplicar ao caso dos autos, na medida em que os elementos de facto apurados, neste particular, não nos permitem determinar – mesmo socorrendo-se a critérios de equidade –, qual a correta indemnização a fixar. Na verdade, deverá deixar-se para liquidação de sentença condenatória a indemnização respeitante a danos presentes e futuros, relativamente aos quais, embora se prove – em ação declarativa – a sua existência (como pressuposto da obrigação de indemnizar), não existam elementos bastantes para fixar o seu objeto e quantitativo. (28) Se assim não fosse e se permitisse, em qualquer caso, o recurso à equidade para fixar a indemnização, já não estaríamos no domínio daquela (equidade), mas sim da mera arbitrariedade, esta condenada pelo direito. (29) Nesta medida, e não sendo possível fixar com rigor, mesmo socorrendo-se de critérios de equidade (art. 566º, n.º 3, do C. Civil), qual o montante indemnizatório devido ao autor a título de indemnização pelos apontados danos patrimoniais (bens pessoais danificados), sendo certo que não se nos afigura que a prova do valor de tais danos se nos afigure manifestamente difícil ou improvável, fazendo-se uso do disposto nos arts. 564º, n.º 2, do C. Civil e 609º, n.º 2, do C. P. Civil, condenar-se-á a ré segurada, neste particular, no que se apurar em sede de incidente de liquidação de sentença. * *C.2) Dos danos não patrimoniais Como é consabido, os danos não patrimoniais são indemnizáveis, quando pela sua gravidade, sejam merecedores da tutela do direito, conforme decorre do art. 496º, n.º 1, do C. Civil, consequência do princípio geral da tutela geral da personalidade previsto no art. 10º, do mesmo Código. A gravidade mede-se por um padrão objetivo, de normalidade, de bom senso prático, de criteriosa ponderação das realidades da vida, o que afastará, à partida, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais decorrentes de sensibilidades particularmente embotadas ou especialmente requintadas, ou seja anormais ou incomuns. Por outro lado, ainda, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que, em face das circunstâncias concretas do caso, justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. No caso em apreço, não existem dúvidas que as consequências do sinistro relativamente ao autor assumem evidente gravidade, sendo, por isso, justificativas do seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais. O que está em discussão é, assim, “apenas” a sua fixação em termos de quantitativo pecuniário. Nesta matéria, em primeiro lugar, é de notar que, estando em causa a lesão de interesses imateriais (isto é que não atingem de forma direta ou imediata o património do lesado), o objetivo, em termos de ressarcimento, não é (nem pode ser), face à sua evidente impossibilidade, a reconstituição natural da situação anterior ao sinistro, ou, face à insusceptibilidade da sua avaliação pecuniária, a fixação de um montante pecuniário equivalente ao “mal” sofrido, mas será apenas atenuar, minorar ou, de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado. Neste sentido, refere Antunes Varela, que “ao lado [dos] danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.” (30) A indemnização pelo dano em apreço não é uma verdadeira indemnização no sentido de repor, reconstituir as coisas no estado anterior à lesão. Com a indemnização pretende-se dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situações ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, tanto quanto possível, a intensidade da dor física e psíquica. (31) Com efeito, nestas hipóteses, e conforme é posição pacífica da doutrina e da jurisprudência, o que está em causa é a fixação de um benefício material/pecuniário (único possível) que se traduza, pelas utilidades, prazeres ou distrações que proporciona – porventura, de ordem espiritual –, numa compensação ou atenuação pelos bens imateriais antes referidos da pessoa humana (o lesado), atingidos pelo evento. Nesta conformidade, a compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, não pode – por definição – ser feita através da teoria ou fórmula da diferença prevista no art. 566º, n.º 2, do C. Civil. Ao invés, o montante da indemnização, nos termos do disposto no arts. 496º, n.º 4 e 494º do Cód. Civil, deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante, à situação económica do lesante e do lesado, às demais circunstâncias do caso, nomeadamente, por assim o imporem os princípios da proporcionalidade e igualdade, aos critérios e valores usualmente acolhidos na jurisprudência em casos similares. (32) Com efeito, como se refere no Ac. STJ de 18.06.2015, (33) “não podendo apurar-se o valor exacto de tais danos, atenta a sua natureza, o respectivo montante deverá ser fixado pelo tribunal segundo critérios de equidade (…), fazendo apelo a todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (…) e tendo em atenção a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso (artigos 496º, n.º 3, 1ª parte [agora n.º 4, 1ª parte] e 494º do Código Civil).” (sublinhado nosso). E, ainda, prossegue o referido douto aresto, “nos parâmetros gerais a ter em conta considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012 (proc. n.º 3046/09.0TBFIG.S1, acessível em www.dgsi.pt) serem ainda de destacar a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar.” (sublinhámos). No entanto, como se adverte no Ac. STJ de 17.12.2015 (34) (e nos variadíssimos arestos ali elencados), a utilização de critérios de equidade não deve impedir que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias de cada caso concreto. Por outro lado, ainda, é de referir que, conforme se colhe da mesma jurisprudência do Supremo, o recurso à equidade não pode, nem deve conduzir à arbitrariedade, não devendo os tribunais “…contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito civil que a afirmação destes vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição.” (35) Por último, é ainda de referir, nesta sede, que à obrigação indemnizatória, a título de danos não patrimoniais, se deve reconhecer, não só um papel de reparação ou compensação, mas também um papel de censura ou punitivo do agente do facto lesivo. Com efeito, como se refere no Ac. STJ de 30.10.96, BMJ 460, pág. 444 (citado no Ac. STJ de 26.01.2016, relator Fonseca Ramos, já citado), “no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização tem uma natureza acentuadamente mista, pois visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada; não lhe sendo, porém, estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.” Tendo presentes as considerações que antecedem, da factualidade provada resulta demonstrado, desde logo, que o autor não teve qualquer culpa na ocorrência do acidente em causa. Mais se demonstrou que: - Como consequência direta e necessária do acidente resultaram para o autor, lesões corporais, consistentes em hematomas e escoriações em várias partes do corpo, nomeadamente na face, na testa e junto ao nariz. - Foi transportado de urgência para o ULSAM, onde lhe foram prestados os primeiros socorros e foi submetido a vários exames. - Após, passou a ser seguido na clínica Médica ..., onde lhe foram feitos os tratamentos às feridas. - Foi medicado com analgésicos e anti-inflamatórios. - Na sequência do acidente, o autor ficou com duas cicatrizes na face, do lado direito, nomeadamente, na testa e junto ao nariz. - Em consequência das lesões sofridas, o autor sofreu dores físicas, quer no momento do acidente, quer no decurso da sua recuperação. - Após o acidente, o autor ficou receoso e amedrontado de conduzir motociclos, sendo, no entanto, obrigado a fazê-lo na sua profissão de carteiro. Ora, perante o sobredito circunstancialismo, designadamente a natureza das lesões e os tratamentos a que teve que sujeitar, as dores sofridas (sendo certo igualmente que não se conseguiu apurar o quantum doloris), as sequelas definitivas com que ficou (duas cicatrizes na face, do lado direito, nomeadamente, na testa e junto ao nariz, ainda que sem fixação do dano estético), a circunstância de não ter tido qualquer culpa na eclosão do acidente e o período de cerca de dois anos que intercedeu entre o acidente e a presente data e ponderando casos similares ao dos presentes autos e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência, afigura-se-nos equitativamente adequada e equilibrada, no caso, fixar, a indemnização por danos não patrimoniais, a favor do autor, no peticionado valor de € 2.000,00 (dois mil euros), tendo por referência a presente data. * *V. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação em presença, revogando-se a sentença recorrida, e, consequentemente, decide-se: 1. Alterar a matéria de facto provada e não provada nos termos supra aludidos em A). 2. Julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência: 2.1. Condenar a ré (agora Y Seguros, S.A.) a pagar ao autor a quantia líquida de € 4.799,25 (quatro mil setecentos e noventa e nove euros e vinte cinco cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação da ré e até efetivo e integral pagamento. 2.2. Condenar a ré a pagar ao autor a quantia que se fixar em sede de incidente de liquidação de sentença pelos danos patrimoniais melhor discriminados na al. w) dos factos provados. 2.3. Condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a presente data e até efetivo e integral pagamento. Custas em ambas as instâncias pelo autor e ré na proporção do respetivo decaimento (art. 527º, n.º 1 e 2, do C. P. Civil). * * Guimarães, 18.03.2021 Este acórdão contem a assinatura digital eletrónica dos Desembargadores: Relator: António Barroca Penha. 1º Adjunto: José Manuel Flores. 2º Adjunto: Conceição Sampaio. 1. Por todos, neste sentido, vide Ac. STJ de 01.10.2015, proc. 6626/09.0TVLSB.L1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, acessível em www.dgsi.pt. 2. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 4ª edição, 2017, pág. 159. 3. Ob. citada, pág. 164. 4. Cfr. ainda diversos Acs. do STJ aludidos na ob. citada, págs. 161 a 165. 5. Abrantes Geraldes, ob. citada, págs. 165-166. 6. Ob. citada, págs. 274 e 277. 7. Segundo Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, Coimbra Editora, Reimpressão, 1987, pág. 570, prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais pré-estabelecidos, isto é, ditados pela lei.” 8. O princípio da livre apreciação dos meios probatórios resulta, ainda, em sede de direito probatório material, no que se refere à prova por declarações de parte (não confessórias), à prova testemunhal, à prova por inspeção e à prova pericial, do estipulado nos arts. 361º, 389º, 391º e 396º, todos do C. Civil. 9. In Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348. 10. Vide, neste sentido, por todos, Ac. do STJ de 03.11.2009, proc. 3931/03.2TVPRT.S1, relator Moreira Alves; e Ac. do STJ de 01.07.2010, proc. 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1, relator Bettencourt de Faria, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. 11. Cfr. Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, 2013, pág. 609. 12. Neste sentido, cfr. Ac. RP de 15.09.2014, proc. 216/11.4TUBRG.P1, relator António José Ramos, acessível em www.dgsi.pt, onde se lê que: “As declarações de parte (art. 466º, do novo CPC) – que divergem do depoimento de parte –, devem ser atendidas e valoradas com algum cuidado. As mesmas, como meio probatório, não podem olvidar que são declarações interessadas, parciais, e não isentas, em quem as produz tem um manifesto interesse na ação. Seria de todo insensato que, sem mais, nomeadamente sem o auxílio de outros meios probatórios, sejam documentais ou testemunhais, o tribunal desse como provados os factos pela própria parte alegados e por ela, tão só, admitidos.” No mesmo sentido, vide Ac. RP de 17.12.2014, proc. 2952/12.9TBVCD.P1, relator Pedro Martins; e Ac. RC de 23.06.2015, proc. 1534/09.7TBFIG.C1, relator Henrique Antunes, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. 13. Elizabeth Fernandez, Nemo Debet Essse Testis in Propria Causa? Sobre a (in) Coerência do Sistema Processual a Este Propósito, Julgar Especial, Prova Difícil, 2014, págs. 22 a 37; e Ac. STJ de 05.05.2015, proc. 607/06.2TBPMS.C1.S1, relator Gabriel Catarino; Ac. RE de 12.03.2015, proc. 1/12.6TBPTM.E1, relator Mata Ribeiro; Ac. RG de 02.05.2016, proc. 2745/15.1T8VNF-A.G1, relator António Figueiredo Almeida; e Ac. RL de 26.04.2017, proc. 18591/15.0T8SNT.L1-7, relator Luís Filipe Pires de Sousa, todos acessíveis em www.dgsi.pt. 14. Carolina Henriques Martins, in Declarações de Parte, Universidade de Coimbra, 2015, pág. 58. 15. Sobre a questão de, no caso de um veículo conduzido por conta de outrem (comissário), presumir-se ser dele a culpa no acidente que cause dano a terceiro (art. 503º, n.º 3, do C. Civil), ao invés do que sucede no caso de a viatura ser conduzida pelo próprio dono, em que a prova da culpa já incumbe ao lesado (art. 487º, n.º 1, 1ª parte, do C. Civil) vide a justificação dada pelo Prof. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 7ª edição, págs. 656-657. De igual modo, sobre esta particular diferença, cfr. Ac. STJ de 03.03.2009, proc. 09A276, relator Sebastião Póvoas, acessível em www.dgsi.pt. 16. Ob. citada, págs. 488-489. 17. Vide, neste sentido, por todos, Ac. STJ de 09.11.2017, proc. 9526/10.7TBVNG.P1.S1, relator Sousa Lameira; Ac. STJ de 19.01.2017, proc. 139/12.0TBLNS.C1.S1, relator Távora Victor; Ac. STJ de 19.06.2019, proc. 8964/15.3T8STB.E1.S1, relator Olindo Geraldes; e Ac. STJ de 05.05.2020, proc. 4435/17.1T8BRG.G1.S1, relator Jorge Dias, disponíveis em www.dgsi.pt. 18. Neste sentido, cfr. Ac. STJ de 19.04.2018, proc. 595/14.1TVLSB.L1.S1, relator Tomé Gomes, e Ac. RP de 26.01.2010, proc. 344/06.8TJVNF.P1, relator Vieira e Cunha, acessíveis em www.dgsi.pt. 19. D.L. n.º 114/94 de 03.05, na redação introduzida pela Lei n.º 72/2013 de 03.09. Doravante apenas designado abreviadamente como CE. 20. Sobre a noção e distinção dentre “danos emergentes” e “lucros cessantes”, vide, por todos, na doutrina, Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 4ª edição, págs. 579-580; Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, Almedina, 2ª edição, pág. 315; I. Galvão Telles, Direito das Obrigações, Almedina, 6ª edição, págs. 373-375; e Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 11ª edição, pág. 596. 21. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. citada, pág. 576, defendem assim que: “A indemnização por outra forma, como seja em dinheiro (art. 566º) ou em renda (art. 567º), tem caracter excepcional, embora seja a forma mais vulgar de indemnizar, por impossibilidade de reconstituir o estado anterior à lesão.” Nestes casos em vez do dano real ou concreto, “tem-se em vista o chamado dano de cálculo ou dano abstracto, ou seja, o valor pecuniário do prejuízo causado ao lesado.” 22. Antunes Varela, ob. citada, pág. 905. 23. Na jurisprudência, cfr., por todos, Ac. STJ de 31.05.2016, proc. 741/03.3TBMMN.E1.S1, relator Hélder Roque, in www.dgsi.pt, onde se pode ler no seu sumário, designadamente, que: “A existência da excessividade da restauração natural resulta da verificação cumulativa de dois requisitos, sendo o primeiro o do benefício para o credor, consequente à reconstituição, e o segundo o de que esta se revele iníqua e abusiva, por contrária aos princípios da boa-fé, pelo que a reconstituição natural será, excessivamente, onerosa para o devedor e, portanto, de excluir, por inadequada, apenas, quando se apresente como um sacrifício, manifestamente, desproporcionado para o lesante, quando confrontado com o interesse do lesado na integridade do seu património.” 24. Na doutrina, vide Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, “Excessiva onerosidade da reconstituição natural (no domínio dos acidentes de viação)”, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, págs. 45 e segs. Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, Almedina, 2ª edição, pág. 377. Este Autor, defendendo que a previsão do art. 566º, n.º 1, in fine, do C. Civil, “deve ser interpretada restritivamente, sob pena de se pôr em causa o direito do lesado a dispor do seu próprio património”, dá ainda o seguinte exemplo (cfr. nota 789): “Imaginemos, por exemplo, que alguém danifica um automóvel usado de reduzido valor comercial, mas que o lesado quer continuar a utilizar para as suas deslocações. Não faria sentido autorizar-se o lesante a indemnizar apenas o valor em dinheiro do automóvel, sob pretexto de a reparação ser mais cara que esse valor, já que tal implicaria privar o lesado do meio de locomoção de que dispunha e que não pretendia trocar por dinheiro.” 25. Na jurisprudência, por todos, cfr. Ac. STJ de 05.07.2007, proc. 07B1849, relator Santos Bernardino; e Ac. STJ de 04.12.2007, proc. 06B4219, relator Pires da Rosa, disponíveis em www.dgsi.pt. Neste último aresto, conclui-se, igualmente, neste particular: “O problema não é, repetimos, o do valor venal do veículo sinistrado (como por exemplo se entendeu no Ac. STJ de 20 de Maio de 1995, CJSTJ, T2, pág. 97) mas seguramente o do seu valor patrimonial, o valor que ele representa efectivamente – tal como estava antes do sinistro – dentro do património do autor (e não o valor que ele obteria se naquele mesmo estado o vendesse). Não pode «obrigar-se» alguém a vender, apenas para ficcionar um polo de comparação da excessiva onerosidade. 26. Neste sentido, vide, por todos, Ac. RC de 09.01.2012, proc. 153/11.2TJCBR.C1, relator Carlos Querido; e Ac. RG de 25.06.2020, proc. 1136/18.7T8PTL.G1, relator Alcides Rodrigues, disponíveis em www.dgsi.pt. 27. Neste sentido, cfr., por todos, Ac. RG de 09.02.2017, proc. 313/15.7T8MAC.G1, relatora Maria de Fátima Almeida Andrade; Ac. RG de 04.04.2017, proc. 474/13.0TBFAF.G1, relatora Alexandra Rolim Mendes; Ac. RC de 09.01.2012, já citado; Ac. RC de 08.04.2014, proc. 1091/12.7TJCBR.C1, relator Fonte Ramos; e Ac. RP de 07.12.2018, proc. 338/17.8YRPRT.P1, relator Filipe Caroço, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 28. Neste particular, cfr. por todos, o Ac. STJ de 21.03.2019, proc. 4966/17.3T8LSB.L1.S1, relator Olindo Geraldes, disponível em www.dgsi.pt, onde consta do seu sumário que: “I- A liquidação em momento ulterior à sentença é admissível, nos termos do disposto no art. 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. II- Sendo possível obter o valor do dano de modo mais justo, tal é preferível do que arbitrá-lo segundo o critério da equidade do art. 566.º, n.º 3, do Código Civil. (…) III- A opção dependerá das circunstâncias do caso, tendo em consideração as possibilidades da prova a realizar no âmbito da liquidação. IV- Não sendo provável que possa obter-se a determinação do valor exato da indemnização, pelas benfeitorias realizadas há praticamente duas décadas, sem ser com recurso à equidade, é preferível determinar a indemnização segundo a equidade, desde logo na sentença. 29. Neste sentido, cfr. Ac. STJ de 20.10.2005, proc. 05B2150, relator Salvador da Costa, disponível em www.dgsi.pt. 30. Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina 7ª edição, pág. 595. No mesmo sentido, ainda, Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, Almedina, 2ª edição, págs. 316-318; e, ao nível jurisprudencial, por todos, vide Ac. STJ de 07.06.2011, proc. 160/2002.P1.S1, relator Granja da Fonseca; Ac. STJ de 04.06.2015, proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 26.01.2016, proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1, relator Fonseca Ramos; e Ac. STJ de 16.06.2016, proc. 1364/06.8TBBCL.G1.S2, relator Tomé Gomes, in www.dgsi.pt. 31. Neste sentido, cfr. Vaz Serra, BMJ 78, pág. 83; e BMJ 278, pág. 182. 32. Vide, neste sentido, Ac. STJ de 04.06.2015, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, já citado; Ac. STJ de 18.06.2015, proc. 2567/09.9TBABF.E1.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira; Ac. STJ de 26.01.2016, proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1, relator Fonseca Ramo; Ac. STJ de 28.01.2016, proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; e Ac. STJ de 22.02.2017, proc. 5808/12.1TBALM.L1.S1, relator Lopes do Rego, todos disponíveis in www.dgsi.pt. 33. Proc. 2567/09.9TBABF.E1.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira, acessível em www.dgsi.pt. 34. Proc. 3558/04.1TBSTB.E1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, acessível em www.dgsi.pt. 35. Vide, ainda, neste sentido, Ac. STJ de 07.04.2016, proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; e Ac. STJ de 18.06.2015, já citado, e, ainda, Ac. STJ de 31.01.2012, proc. 875/05.7TBILLH.C1.S1, relator Nuno Cameira, todos disponíveis em www.dgsi.pt.