Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO RECONSTITUIÇÃO NATURAL EXCESSIVA ONEROSIDADE DANO PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
No do documento
RG
Data do Acordão
04/04/2017
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
IMPROCEDENTE
Sumário
1 – O DL 291/2007 de 21/8 e designadamente o seu art. 41º destina-se a fixar critérios (propostas razoáveis) para que a resolução extra judicial dos litígios emergentes de acidentes de viação seja efetuada de forma mais célere e eficiente, não pretendendo derrogar as normas gerais indemnizatórias previstas nos arts. 562º e 566º do C. Civil; 2 – A reconstituição natural deve considerar-se meio impróprio quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado que importa recompor e o custo que a reparação envolve para o responsável, de forma a impedir que o exercício do direito por parte do lesado exceda manifestamente os limites da boa fé ou o fim social ou económico; 3 – Como critérios para a determinação da excessiva onerosidade, quando se trata de um veículo danificado mas suscetível de reparação, temos, não só o valor dessa reparação mas também o valor patrimonial do veículo (e não o seu valor venal), o uso dado ao veículo, possibilidade de aquisição de veículo idêntico que satisfaça de igual modo as necessidades do lesado ou mesmo o seu valor sentimental. 4 – Cabe à Ré Seguradora a prova da excessiva onerosidade; 5 – Tendo a Ré Seguradora posto à disposição dos lesados quantia inferior à necessária para a reparação do veículo daqueles, esse ato não a exonera do pagamento do montante referente à privação do respetivo uso, pois a falta de aceitação da quantia era justificada por ser inferior ao dano sofrido, não fazendo o credor incorrer em mora. 6 – O simples uso de um veículo constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária pelo que a sua privação constitui um dano; 7 – O montante diário de 10€ é adequado a ressarcir o dano de privação do veículo aos Autores que o usavam diariamente em passeio e para o trabalho; 8 – Ainda que pareça excessiva a quantia final obtida através da multiplicação da quantia diária obtida pelo número de dias em que os AA. estiveram privados do veículo, não se conclui que a fixação de tal quantia se traduz um enriquecimento injustificado do lesado à custa do devedor da indemnização uma vez que a fixação de uma quantia a título de indemnização pela privação do uso deve-se à conduta da Ré Seguradora que não pôs, como devia, uma viatura de substituição à disposição dos lesados, o que lhe implicaria o custo do aluguer respetivo, que certamente seria muito superior ao valor diário acima referido.
Decisão integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães


Relatório:
	A e esposa AC, residentes na Travessa do Moinho, n.º …, freguesia de Quinchães, Fafe, intentaram a presente ação declarativa com processo ordinário contra T, com sede na Avenida da Liberdade n.º …, Lisboa, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de €47.211,27 e ainda a quantia diária de €25,00, desde 01/10/2012 até integral ressarcimento da quantia necessária à reparação da viatura, quantias essas acrescidas de juros de mora a calcular à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento.
	Para tanto, alegou, em síntese, que no dia 4 de Novembro de 2011, cerca das 19h00, na EN 206, na freguesia de Quinchães, em Fafe, ocorreu um acidente de viação no qual intervieram as viaturas com a matrícula DE e CJ, a primeira propriedade dos autores e conduzida pelo autor marido e a segunda propriedade de A conduzido por M; que naquela data e hora o autor marido conduzia o referido veículo supra referido, transportando a autora mulher, o que fazia a velocidade inferior a 35 km/hora; que no sentido contrário, Pica-Fafe, circulava o veículo segurado da Ré a mais de 90 km/hora, o qual ao desfazer uma curva à direita, atento o seu sentido de marcha, foi embater no veículo conduzido pelo autor; em consequência a autora sofreu lesões físicas, ficando com incapacidade geral permanente; a acrescer a isto, os autores sofreram danos materiais consubstanciados nos danos do veículo acidentado, os danos decorrentes da perda salarial da autora por força da situação de baixa médica em que ficou por 3 meses, os danos decorrentes das consultas médicas e medicamentosas, da perda de uns óculos; mais alegaram que ficaram e ainda estão privados do uso do veículo; alegaram, por fim, a ocorrência de danos morais em consequência do acidente; concluem ser a Ré responsável pelo ressarcimento de tais danos em virtude do contrato de seguro de responsabilidade civil que celebrou com o proprietário do CJ, contrato esse titulado pela apólice n.º 2764095.
	A Ré aceitou a responsabilidade pelo sinistro ocorrido, o que fez expressamente, sustentando, no entanto, que os valores peticionados se mostram exagerados.
	Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:
 “Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:---
	a. Condenar a ré T a pagar aos Autores A e AC a quantia de € 10.648,31 (dez mil, seiscentos e quarenta e oito euros e trinta e um cêntimos), acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento;
	b. Condenar a ré T a pagar aos Autores A e AC € 2929,99 (dois mil, novecentos e vinte e nove euros e noventa e nove cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento;
	c. Condenar a ré T a pagar aos autores A e AC a quantia de € 10,00 (dez euros) diários, contados desde 06-01-2012 até efetivo e integral pagamento da quantia arbitrada em a. desta decisão, acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento;
d. Condenar a ré T a pagar à Autora AC as quantias de € 680,00 (seiscentos e oitenta euros) e € 214, 22 (duzentos e catorze euros e vinte e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento;
	e. Condenar a ré T a pagar à Autora AC a quantia de € 1300 (mil e trezentos euros) a título de indemnização pelo Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica, acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento;
	f. Condenar a ré T a pagar à Autora AC a quantia de € 1250,00 (mil e duzentos e cinquenta euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento;
	No mais, absolve-se a Ré do pedido.”.*
*	Inconformada, veio a Ré recorrer apresentando as seguintes Conclusões:
	I. O presente recurso tem por objeto a decisão da matéria de facto, a condenação da Recorrente no pagamento da quantia de 10.648,31 €, acrescida de juros, pela reparação do veículo de matrícula DE [alínea a) do dispositivo da sentença] e da quantia de 10,00 € diários, acrescidos de juros, contados desde 06.01.2012 até efetivo e integral pagamento da quantia anteriormente mencionada [alínea c) do dispositivo da sentença].
 II. A Recorrente considera incorretamente julgados os pontos 1.17 e 1.27 dos factos provados na sentença e considera, ainda, que o Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, deveria ter julgado provado outros dois factos (instrumentais) que resultaram da prova produzida em audiência de julgamento.
 III. A propósito da utilização dada pelos Autores ao veículo de matrícula DE resulta do depoimento das testemunhas S (registado no sistema de gravação do Tribunal, no dia 22-09-2016, com início de gravação às 15:05:21 e fim de gravação às 15:24:48, em especial nos minutos 06:13 a 07:55 e 15:20 a 17:45) e V (registado no sistema de gravação do Tribunal, no dia 22-09-2016, com início de gravação às 15:24:51 e fim de gravação às 15:39:21, em especial nos minutos 06:44 a 06:59 e 12:27 a 13:55), ambos filhos dos Recorridos, que o carro era mais utilizado pelo Recorrido A mas que este era motorista numa empresa de distribuição de produtos alimentares e que as suas deslocações profissionais eram feitas num veículo da empresa e que o agregado familiar dos Recorridos dispunha de um outro veículo.
 IV. Em face dos depoimentos atrás identificados, o Tribunal, no facto 1.17, deveria ter julgado provado apenas que “o veículo acidentado era utilizado pelos autores para passeios” e já não também para o trabalho.
 V. Daqueles depoimentos resultam, ainda, factos instrumentais relevantes para a boa decisão da causa, designadamente para aferir a utilização habitualmente dada ao veículo acidentado e os incómodos decorrentes da paralisação do mesmo, que, ao abrigo do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea a) e 607.º, n.º 4 do CPC deveriam ter sido julgados provados, a saber:
	- À data do acidente e nos quatro anos seguintes, o Autor A trabalhava como motorista numa empresa de distribuição alimentar, utilizando para o efeito um veículo da sua entidade patronal;
	- O agregado familiar dos Autores, para além do veículo acidentado, dispunha, ainda, de um outro veículo automóvel.
 VI. Quanto ao facto 1.27, o documento 14 junto com a P.I. demonstra que a Ré colocou o valor de 7.601,00 € à disposição dos Recorridos, na data de 03.01.2012 (e não 03.03.2012), para indemnização pela perda total do veículo (e não para reparação).
 VII. O Tribunal a quo deveria ter dado ao facto 1.27 a seguinte redação:
	A ré colocou à disposição dos Autores, em 03.01.2012, a quantia de 7.601,00 €, a título de indemnização pela perda total do veículo.
 VIII. A douta sentença do Tribunal a quo deve ser revogada e substituída por outra que decida a matéria de facto conforme se pugna nas conclusões antecedentes.
	Matéria de Direito
	a) Quanto ao pagamento do valor reparação/perda total do veículo:
 IX. O Decreto-Lei 291/2007 é um diploma legislativo com a mesma força de lei do Código Civil, ocupando idêntico lugar na hierarquia das leis, e é posterior, pelo que, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, nada obsta a que o legislador tenha pretendido, com a norma do artigo 41.º desse diploma, substituir ou revogar, no âmbito dos acidentes de viação, o regime dos artigos 562.º e 562.º do Código Civil.
 X. O artigo 41.º não restringe o seu objeto à fase extrajudicial.
 XI. Ao reconstituir-se o pensamento do legislador não pode presumir-se que este quisesse aprovar uma norma que seria “letra morta” ou que não lhe repugnasse que o lesado fosse prejudicado sempre que não quisesse recorrer ao Tribunal.
 XII. A interpretação do artigo 41.º do DL 291/2007 mais consentânea com o espírito do legislador é a de que esta norma concretiza, para a indemnização por acidentes de viação, o conceito indeterminado de excessiva onerosidade do artigo 566.º, n.º 1 do Código Civil, estabelecendo que se tem por excessivamente oneroso o valor da reparação quando este exceda 100% ou 120%, consoante os casos, do valor venal adicionado do valor do salvado.
 XIII. Esta interpretação é conforme com princípio geral previsto nos artigos 562.º e 566.º, n.º 2, dado que ao receberem o valor venal do veículo, os lesados ficam em condições de adquirir um veículo idêntico ao que possuíam, pelo que a situação anterior ao dano fica reconstituída.
 XIV. No caso em apreço nada permite concluir que o veículo acidentado tinha características especiais das quais resultasse que os Recorridos retiravam dele uma utilidade que não pudessem retirar de outro veículo idêntico da mesma marca e modelo e com a mesma antiguidade ou mesmo que tivesse para os Recorridos um valor distinto do valor de mercado.
 XV. A sentença do Tribunal a quo, ao condenar a Recorrente no pagamento da quantia de 10.648,31 €, violou o disposto no artigo 41.º, nºs 1, alínea c), e 3 do Decreto-Lei n.º 291/2007 e nos artigos 562.º e 566.º, nºs 1 e 2 do Código Civil, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrente a pagar a quantia de 7.601,00 €, valor ao qual deverão acrescer juros apenas após a data do trânsito em julgado da decisão final dos autos.
	b) Quanto à privação do uso:
 XVI. Caso o Tribunal entenda a Recorrente apenas está obrigada ao pagamento da quantia de 7.601,00 € e não do valor da reparação, tendo em conta que esta colocou à disposição dos Recorridos a referida quantia no dia 03.01.2012 (facto 1.27, com a alteração que a Recorrente lhe pretende ver introduzida por via da impugnação da matéria de facto), foram os Recorridos quem, ilegitimamente, se recusou a receber a referida quantia indemnizatória, ficando a privação do uso a dever-se única e exclusivamente à sua conduta, nos termos do disposto no artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil.
 XVII. A obrigação prevista no artigo 42.º, n.º 2 do Decreto-Lei 291/2007 foi cumprida pela Recorrente através do pagamento da quantia de 1.540,00 € (facto 1.23 da sentença) relativos a despesas/aluguer de veículos ou está já contida na condenação da Recorrente a pagar a quantia de 2.929,99 € correspondentes também a aluguer de veículo de substituição [alínea b) do dispositivo da sentença], nada mais havendo a pagar a título de privação do uso.
 XVIII. Alterando-se a parte da sentença relativa à condenação no pagamento do valor da indemnização, por força do disposto nos artigos 42.º, n.º 2 do Decreto-Lei 291/2007 e 570.º, n.º 1 do Código Civil, deve também a sentença ser revogada na parte que condena a Recorrente a pagar aos Recorridos a quantia de 10,00 € diários, contados desde 06.01.2012 e até efetivo e integral pagamento da quantia arbitrada em a) do dispositivo, acrescidos de juros de mora, e substituída por outra que absolva a Recorrente dessa parte do pedido.
	Sem prescindir,
 XIX. Ainda que se entenda manter a condenação da Recorrente no pagamento da quantia correspondente à reparação do veículo em vez do valor venal deduzido do valor do salvado, deve a Recorrente ser absolvida do pagamento da quantia relativa à privação do uso.
 XX. Não tendo os Recorridos alegado nem demonstrado quaisquer ganhos ou vantagens frustradas pela impossibilidade de utilização do veículo sinistrado nem as despesas que teve de suportar com o aluguer e com o empréstimo de viaturas [para lá das que já foram pagas ou estão contidos na alínea b) do dispositivo da sentença], inexiste dano de privação de uso indemnizável – por todos, vide Ac. do STJ de 12.01.2012, no processo 1875/06.5TBVNO.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
 XXI. No caso, apenas se provou que os Recorridos estiveram privados do uso do automóvel sinistrado, sem todavia ter sido alegado e provado qualquer prejuízo (v.g. necessidade de aluguer de outra viatura, incómodos na utilização de transportes públicos, etc.), isto é, um dano específico, quer emergente, quer na modalidade de lucro cessante.
 XXII. Mais, provou-se, como decorre da impugnação da matéria de facto levada a cabo no presente recurso, que a indisponibilidade do veículo não afetou a atividade profissional do Recorrido A, que era motorista de um veículo da empresa, e que os Recorridos dispunham de outro veículo no seu agregado familiar.
 XXIII. Ao condenar a Recorrente no pagamento da quantia de 10,00 € diários, contados desde 06.01.2012 e até efetivo e integral pagamento da quantia arbitrada em a) do dispositivo, a título de indemnização pela privação do uso do veículo, a sentença do Tribunal a quo viola o disposto nos artigos 483.º, 342.º e 562.º do Código Civil, razão pela qual deve ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente dessa parte do pedido.
	Ainda sem prescindir,
 XXIV. Caso se entenda que a mera privação do uso de um veículo automóvel constitui um dano, sempre se concluirá que o valor arbitrado é manifestamente exagerado.
 XXV. No caso concreto está em causa um período de paralisação que remonta a 06.01.2012, prolongando-se até à data em que vier a ser entregue o valor da reparação, razão pela qual se impunha que o Tribunal tivesse ponderado o valor global de indemnização que vai estar aqui causa.
	XXVI. Na presente data, a liquidação da referida indemnização pela privação do uso ascende já a 18.400,00 € (1.840 dias x 10,00 €), indemnização que é manifestamente exagerada e não se mostra equitativa como ordena o artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil.
 XXVII. A atestar o manifesto exagero da quantia a que ascende aquela indemnização na presente data veja-se que a indemnização concedida à Recorrida por uma IPP de 2 pontos que a afetará por toda vida e os danos morais correspondentes foram valorados num valor cerca de quinze vezes inferior ao da privação do uso do veículo automóvel.
 XXVIII. Atendendo à alteração que se pretende introduzir na decisão da matéria de facto, os transtornos decorrentes da impossibilidade de utilização do veículo não foram particularmente graves, dado que o Recorrido A tinha ao seu dispor um veículo da entidade patronal, que utilizava nas suas deslocações profissionais e que por certo terá utilizado para fazer face às necessidades que lhes fossem surgindo, e que o agregado familiar em causa dispunha de um outro veículo, do filho dos Recorridos que com eles vivia, e que certamente foi utilizado sempre que necessário e possível.
 XXIX. A obrigação de indemnizar plasmada no artigo 483.º do Código Civil visa apenas reparar os danos resultantes de um determinado facto para uma pessoa e não enriquecer o seu património.
 XXX. Com afirma ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO (“Do abuso do direito: estado das questões e perspetivas”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65 - Vol. II, Setembro de 2005, disponível em http://www.oa.pt): “quanto ao fim económico e social dos direitos: a sua ponderação obriga, simplesmente, a melhor interpretar as normas instituidoras dos direitos, para verificar em que termos e em que contexto se deve proceder ao exercício”.
 XXXI. No âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, qualquer indemnização que além da finalidade restituidora/compensatória do instituto em causa estará fora do âmbito de proteção daquela norma, como sucede no caso em apreço.
 XXXII. A condenação da Recorrente a pagar a quantia de 18.400,00 € (valor calculado até à presente data) pelo dano de privação de uso de um veículo com um valor venal de apenas 13.000,00 €, quando os Recorridos não alegaram nem demonstraram quaisquer ganhos ou vantagens frustradas pela impossibilidade de utilização do veículo sinistrado, resulta na concessão de um enriquecimento de todo injustificado.
 XXXIII. A manifesta desproporcionalidade entre os transtornos causados pela paralisação de um veículo com as características do veículo dos autos e a quantia arbitrada a título de indemnização é tal que, além de ultrapassar os limites do fim económico e social do direito de indemnização, atenta contra a boa-fé.
 XXXIV. Com tal condenação a Recorrente vê-se obrigada a pagar uma indemnização milionária pela privação do uso do veículo quando o que se limitou a fazer foi cumprir a norma do artigo 41.º do Decreto-Lei 291/2007, ao colocar à disposição dos Recorridos a quantia de 7.601,00 €.
 XXXV. A própria atitude dos Recorridos, que demoraram mais de um ano a instaurar a ação judicial após conhecerem a posição final da Ré quanto ao sinistro e que atrasaram o andamento do processo em cerca de sete meses com a apresentação de um articulado superveniente e de um recurso interlocutório infundados deve, também, ser valorada, à luz do disposto no artigo
570.º, n.º 1 do Código Civil.
 XXXVI. O Tribunal a quo deveria ter calculado o valor global que, na atualidade, resultava da condenação no pagamento da quantia de 10,00 desde 06.01.2012 e, em face do seu manifesto exagero, deveria ter-lhe colocado um limite.
 XXXVII. Entende a Recorrente que a quantia razoável seria de 3.000,00 € (quantia que, somada ao valor da reparação, não superaria o valor venal do veículo).
 XXXVIII. A sentença do Tribunal a quo, ao condenar a Recorrente no pagamento da quantia diária de 10,00 € até ao pagamento da quantia relativa à reparação, acrescida de juros, pela privação do uso do veículo, viola o disposto nos artigos 483.º, 562.º e 566.º, nºs 1, 2 e 3, 570.º, n.º 1 e, ainda, 334.º, todos do Código Civil, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que, a título de indemnização pela privação do uso, condene a Recorrente no pagamento de quantia nunca superior a 3.000,00 €.
 Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando procedente o presente recurso V. Exas. farão verdadeira e sã JUSTIÇA!

	Os Autores apresentaram contra alegações com as seguintes conclusões:
	A impugnação da matéria de facto não obedece aos fundamentos do artigo 640.º do CPC;
	Nessa medida, o legislador consagrou um triplo ónus de impugnação da matéria de facto, devendo, assim, especificar-se os pontos de facto que se considera incorretamente julgados, artigo 640, n.º 1 alínea a); indicar os concretos meios de prova constantes da gravação que, no seu entender, impõe decisão diversa da recorrida, artigo 640, n.º 1 alínea b); e indicar a decisão que no seu entender deve ser proferida quanto às questões de facto impugnadas, artigo 640, n.º 1 alínea c);
	Sendo certo que quanto ao ónus previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640, o n.º 2 deste preceito normativo estabelece que incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso;
	A Apelante impugnou a decisão da matéria de facto, porém, não respeitou o ónus previsto no art.º 640.º, n.º 2 do CPC, na medida em que “a indicação «com exatidão [d]as passagens da gravação em que se funda», exigida pelos arts 685.º-B n.º 2 do anterior CPC e 640.º n.º 2 do novo CPC, concretiza-se mencionando, no mínimo, o minuto em que cada uma de tais «passagens» tem o seu início; A «transcrição» das «passagens» não constitui uma alternativa à indicação «com exatidão [d]as passagens da gravação» e esta indicação «com exatidão [d]as passagens» não se pode ter por feita quando somente se menciona a hora de início e do fim de cada depoimento.”;
	Concomitantemente, a Apelante devia ter indicado os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, tanto em sentido afirmativo como em sentido negativo, sempre com referência aos depoimentos que alegadamente impunham decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo, o que de todo não fez;
	Também, quando se pretende impugnar a decisão da matéria de facto não basta indicar a referência de gravação e registo, bem como a hora de início de cada depoimento da testemunha, sem qualquer contexto e localização, sendo que deve indicar-se, de forma clara e expressa, quais os pontos contrariados por cada uma das passagens citadas, com referência ao minuto que cada uma das passagens tem o seu início, o que de todo, a Apelante não fez;
	Assim como indicar, em que medida tais passagens contrariariam os factos dados como provados ou não provados e que na sua ótica impunham decisão diversa, para que o Recorrido possa exercer um contraditório pleno;
	A ausência dos ditos requisitos essenciais de impugnação da matéria de facto visam impossibilitar o contraditório, com vista a protelar os efeitos da douta sentença recorrida;
	Pelo que deve o recurso da matéria de facto ser rejeitado, sem convite ao aperfeiçoamento – introito do art.º 640.º, n.º 1 e 640.º, n.º 2 alínea a) do CPC.
	Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a Mmª Juiz do tribunal "a quo", para formar a sua convicção, apoiou-se na prova produzida pelos depoimentos das testemunhas, concatenada com as regras da experiência comum;
	Entende a Apelante que o cálculo da indemnização deve ser fixada pela simples atribuição do valor venal do veículo, ao invés do custo da reparação do veículo, por entender existir excessiva onerosidade para o devedor nesta última hipótese;
	Não sufragamos, porém, tal entendimento;
	Antes consideramos, em estreita concordância com a tese defendida pela Mm.ª Juiz “a quo” que o artigo 41.º do Dl 291/2007 (que a Apelante pretende ver aplicado ao caso sem mais) tem a sua margem de aplicabilidade restringida à fase que antecede o recurso à via judicial, no sentido de a evitar, fornecendo critérios mínimos no âmbito da obrigação de apresentação de proposta razoável;
	Assim, a determinação do montante indemnizatório deve ser regido pelo princípio geral da reconstituição ou restauração natural disposto no artigo 562.º do Código Civil, devendo a indemnização ser fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente (relativamente ao sinistro) e a que teria nessa data se não existisse o dano, nos termos do artigo 566.º, n.os 1 e 2 do Código Civil;
	Porém, em casos de acidente de viação em que ocorre a perda total do veiculo (como é o caso), a reconstituição da situação do lesado frequentemente não coincide com a indemnização fixada pelo valor venal do veículo, uma vez que, sendo o veículo um
bem de apreciável uso, habitualmente tem um valor comercial pouco significativo, não traduzindo a utilidade que o A. retirava que o veículo lhe proporcionava;
	Sendo certo que, além disso, a Apelante não demonstrou, como lhe competia pela aplicação das regras do artigo 342.º do Código Civil que o A. podia adquirir com o valor venal do veículo, um veículo com as mesmas características e o mesmo uso e nem que a opção pelo arbitramento da indemnização pelo valor da reparação constitui excessiva onerosidade para a Apelante;
	A recorrente entende, ainda, não estarem preenchidos os pressupostos que regem a obrigação de indemnizar o período de privação do uso do veículo;
	Porém, também aqui, sem razão;
	A simples privação do uso de veículo que era usado diariamente comporta um prejuízo efetivo, correspondente à perda dos poderes de uso e fruição e deve constituir, em si, um dano suscetível de indemnização;
	Aliás, é hoje pacificamente aceite que a ocorrência de um acidente de viação que determina a sua paralisação confere ao lesado o direito à reconstituição natural da situação através da atribuição de veículo de substituição ou de quantia suficiente para que o lesado possa alugar veículo semelhante ao sinistrado;
	Afastada a reconstituição natural, resta o recurso à indemnização nos termos previstos no artigo 566.º do Código Civil (restituição por equivalente) e, se necessário, com recurso à equidade;
	De resto, ao contrário do que sustenta a Apelante, a jurisprudência maioritária vai no sentido de que: “A privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira o direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito.” citando a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/05/2013 no processo 3036/04.9TBVLG.P1.S1;
	Por isso, a presente Apelação tem de improceder, mantendo-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos.
	Termos em que deve a presente apelação ser julgada improcedente, mantendo-se a douta sentença de fls. , nos seus precisos termos, com as legais consequências,
	Assim decidindo, farão V.as Ex.as, Venerandos Desembargadores, a habitual
JUSTIÇA.*	Questões a decidir:
	 - Analisar se a impugnação da matéria de facto obedece aos requisitos legais;
	- Caso os observe, verificar se a matéria de facto foi bem analisada pelo tribunal;
	- Analisar qual o montante que deve ser fixado a título de indemnização pelos danos causados na viatura dos Autores, se a correspondente ao valor venal do veículo (excluindo o do “salvado”), se o valor da respetiva reparação;
	- Análise da questão da atribuição e quantificação de indemnização por privação de uso do veículo interveniente no acidente dos autos.
*
*	          A matéria considerada provada na 1ª instância:
	1.1. No dia 4 de Dezembro de 2011, cerca das 19.00 horas, na EN n.º 206, ao km 55040, na freguesia de Quinchães, em Fafe, ocorreu um acidente de viação;
	1.2. No qual interveio o ligeiro de passageiros com a matrícula DE propriedade dos autores, conduzido pelo autor marido e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula CJ, propriedade de A e conduzido por M;
	1.3. Naquele dia e local, o Autor marido circulava com o veículo DE, onde era transportada a Autora mulher, no sentido Fafe/Pica;
	1.4. A velocidade inferior a 35 km/hora, dentro da sua faixa de rodagem;
	1.5. No sentido contrário, Pica/Fafe, circulava o veículo segurado da Ré;
	1.6. Este despistou-se, ao efetuar uma curva à direita, atento o seu sentido de marcha, indo embater com o lado frontal direito na parte da frente, lado esquerdo do veículo conduzido pelo autor;
	1.7. Em consequência do acidente a autora esposa sofreu traumatismo do tórax e grade costal direita;
	1.8. Tendo sido transportada para o Hospital de Guimarães;
	1.9. Onde fez raio-X que revelou fratura do esterno;
	1.10. Posteriormente, a autora fez vários exames, nomeadamente, ecografia mamária, TAC tendo ainda frequentado várias sessões de fisioterapia;
	1.11. Em virtude do acidente sofrido a autora ficou afetada de um Défice Funcional Permanente da Integridade Física de 2 pontos, sofreu um quantum doloris de 4/7;
	1.12. A Autora exercia funções de sócia gerente da empresa Soares e Leite e auferia € 500,00 mensais acrescidos de € 6,41 diários relativos ao subsídio de alimentação;
	1.13. Em consequência do acidente a Autora despendeu € 240, 00 em duas consultas de ortopedia, € 32,00 num raio-X, € 6,22 na farmácia;
	1.14. Em consequência do acidente a Autora partiu um par de óculos no valor de € 680,00;
	1.15. A reparação do veículo do autor ficou orçada em € 10 648, 31;
	1.16. O veículo está imobilizado desde a data do acidente;
	1.17. O veículo acidentado era usado diariamente pelos autores para passeios e para o autor se deslocar de e para o trabalho;
	1.18. Despenderam no aluguer de um veículo de substituição, até 06-01-2012 a quantia de € 4464,99;
	1.19. A autora, em consequência do acidente, tem dificuldade em carregar pesos, em efetuar as lides domésticas e as suas tarefas profissionais;
	1.20. Passou a ter dificuldades em dormir, com dores em desconforto que lhe perturbam o descanso;
	1.21. A Autora tinha 55 anos, à data do acidente;
[Da contestação]
	1.22. A Ré efetuou o pagamento à autora da quantia de € 183, 39 correspondentes a despesas médicas e medicamentosas;
	1.23. A Ré efetuou o pagamento da quantia de € 1540,00 relativos a despesas de paralisação/aluguer de veículos;
	1.24. A autora recebeu, da Segurança Social, subsídio de doença no valor de € 401, 45;
	1.25. O valor do salvado era de € 6199,00;
	1.26. O valor venal do veículo do autor, à data do acidente era de € 13.800,00;
	1.27. A ré colocou à disposição dos Autores, em 03.03.2012, a quantia de € 7600, 00 para reparação do veículo;
	2. Factos não provados
	2.1. Em virtude do acidente a autora ficou afetada de incapacidade para o trabalho desde o dia 06-01-2012 até 04-03-2012;
	2.2. Em consequência do acidente a Autora despendeu € 7,64 na farmácia e € 9,05 no almoço no Porto,*
*	         Nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir:
	Quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar, obrigatoriamente e sob pena de rejeição, o seguinte (v. artigo 640º n.º 1 do CPC):
        “a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; 
          b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; 
         c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
	Conforme refere Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., pág. 139 a 141), sempre que o recurso envolva a impugnação da matéria de facto deve o recorrente, nomeadamente:
a)	Em quaisquer circunstâncias, indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b)	Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c)	Deixar expressa na motivação, a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.
Acrescenta este Autor que, quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento.	

	Analisadas as alegações formuladas pela Recorrente, verifica-se que cumprem os ónus referidos no aludido preceito.
	Na verdade, nas mesmas identificam-se os pontos de facto tidos por mal jugados, os meios de prova que na sua opinião impunham decisão diversa e a decisão que deveria ter sido proferida sobre os mencionados pontos.
	Assim, o recurso observa o formalismo imposto pelo art. 640º do C. P. Civil, respeitante ao pedido de reapreciação da matéria de facto.* Analisemos agora se a prova produzida foi bem apreciada pela 1ª instância.
	Resulta do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
	Conforme explica Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3ª Edição, pág. 245), a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações na matéria provada e não provada. Acrescentando que, em face da redação do art. 662º do C. P. Civil, fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe a sua própria convicção, mediante reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis, apenas cedendo nos fatores da imediação e oralidade.
 
 A Recorrente impugna a matéria que foi considerada provada sob os pontos 1.17 e 1.27 entendendo que relativamente ao ponto 1.17 deveria ter ficado provado apenas que o veículo acidentado era utilizado pelos autores para passeios e, no que respeita ao ponto 1.27 insurge-se com a inclusão no mesmo da expressão “para reparação do veículo”, referindo que resulta do documento 14 junto à p.s. que a ré colocou tal valor à disposição dos Recorridos para indemnização pela perda total do veículo e não para a sua reparação.
	Entende ainda a Recorrente que deveriam ter sido considerados provados os seguintes factos que qualifica de instrumentais:
	- À data do acidente e nos quatro anos seguintes o A. A trabalhava como motorista numa empresa alimentar, utilizando para o efeito um veículo da sua entidade patronal;
	- O agregado familiar dos Autores, para além do veículo acidentado, dispunha ainda de um outro veículo automóvel.
	No que concerne ao ponto 1.27, consignamos desde já que a Recorrente tem razão.
	Com efeito, resulta do documento nº 14 junto com a p.i. (carta enviada pela Ré ao Autor, datada de 3/1/12), resumidamente o seguinte:
 “No seguimento da vistoria efetuada constámos que a viatura de Vª Exª sofreu danos cuja reparação se torna excessivamente onerosa face ao seu valor de mercado antes do acidente.
	Na situação em concreto, considerando o valor estimado para a reparação € 10.648,31 (…), a melhor proposta de aquisição da sua viatura com danos (€ 6.199,99), bem como o seu valor de mercado antes do acidente (€13.800,00) colocamos à disposição de V. Exª a quantia de €7.601,00 (…)”.
 Em face da análise deste documento, tem necessariamente de se concluir que o valor que a Ré pôs à disposição do A. não se destinada à reparação do veículo sinistrado mas sim a ressarci-lo pela perda total do mesmo.
	Desta forma, o ponto 1.27 tem que passar a ter a seguinte redação:
	“A Ré colocou à disposição dos Autores, em 3/3/12, a quantia de € 7.601,00 a título de indemnização pela perda total do veículo.”.
 Analisemos agora o ponto 1.17 (O veículo acidentado era usado diariamente pelos autores para se deslocarem para o trabalho bem como para passeios) e ainda a matéria que a Ré pretende aditar aos factos provados e que acima se encontra referida.
	Sobre esta matéria depuseram as testemunhas S, V (filhos dos AA.) e J (amigo dos AA.).
	O primeiro referiu que os pais faziam um uso diário do veículo, “era o carro da casa”, após o sinistro alugaram um veículo mas passado algum tempo já não conseguiam suportar o respetivo valor pelo que passaram a utilizar carros emprestados, incluindo o da testemunha. Disse ainda que na altura o pai era motorista numa empresa de produtos alimentares e nas deslocações de e para o trabalho utilizava o carro ora sinistrado e nas deslocações de trabalho utilizava uma carrinha frigorífica que não trazia para casa. Teve alturas em que, por não ter carro, foi e veio a pé para o trabalho, que distava 4/5 km de casa.
	A testemunha V disse que os pais utilizavam o veículo diariamente “para o trabalho, para ir às compras, passear”. O pai utilizava o veículo diariamente para ir para o trabalho. O pai trabalhava numa empresa de produtos alimentares e andava com um veículo da empresa nas deslocações de trabalho. Deixou o trabalho há 8/9 meses. No início alugaram um carro e depois recorreram a empréstimos e que os pais atualmente estão muito limitados em termos de deslocações porque não têm carro e estão sempre a depender de favores de outras pessoas. Disse ainda que o seu irmão, testemunha anterior, reside com os pais.
	A testemunha J referiu que os Autores só tinham aquele carro e que logo após o acidente andavam com outro carro e que agora andam a pé.
	Dos depoimentos supra referidos resulta que os Autores tinham apenas um carro que ficou danificado no acidente e que o mesmo era usado na vida diária daqueles, inclusive para o Autor se deslocar de e para o trabalho. Assim, não obstante não ser de atender a pretensão da Ré no sentido da alteração requerida, parece-nos necessário precisar este ponto, de forma a melhor reproduzir o que resultou da prova produzida.
	Assim, o ponto em causa passará a ter a seguinte redação:
	- O veículo acidentado era usado diariamente pelos autores para passeios e para o autor se deslocar de e para o trabalho.
	Quanto à inclusão de outro ponto referindo a atividade profissional do A. e que ele utilizava um veículo da empresa nas deslocações de trabalhos, parece-nos inútil pois o que interessa para o objeto da presente ação é a utilização dada pelos Autores ao veículo e não em que circunstâncias os Autores não utilizavam a viatura. Por outro lado, o ponto 1.17 é bem claro ao referir que o veículo era utilizado nas deslocações do A. para o seu trabalho, não havendo qualquer referência e deslocações em trabalho. Assim, a pretensão em análise da Apelante tem de ser desatendida. 	
	Quer ainda a Recorrente que seja incluído outro ponto nos factos provados que refira que “O agregado familiar dos Autores, para além do veículo acidentado, dispunha ainda de um outro veículo automóvel”. Ora, não podemos concordar com esta alegação. Com efeito, o facto de o filho dos Autores que com eles reside ter um veículo não pode motivar a inclusão de tal matéria nos termos pretendidos, pois tal filho é uma pessoa adulta que terá a sua vida própria, não se podendo considerar que os Autores têm outro carro apenas pelo facto de o filho destes que vive na mesma casa possuir um veículo. Na verdade, conforme decorreu dos depoimentos acima referidos, não obstante o filho dos Autores ter um veículo, estes têm que lho pedir para o utilizar e quando não é possível tal empréstimo, andam a pé. Pelo exposto, desatende-se nesta parte a pretensão da Apelante. 
*
	Vejamos agora a questão respeitante à indemnização fixada a título de valor da reparação do veículo sinistrado.
	A Apelante discorda do facto de a 1ª instância ter considerado que o art. 41º do DL 291/2007 se refere tão somente à obrigação de apresentação da chamada proposta razoável prevista nesse diploma, pois entende que a reparação do veículo é excessivamente onerosa, pelo que, o valor da indemnização, no caso, deveria corresponder ao do valor venal do veículo, descontado o valor do respetivo salvado.
	O diploma acima mencionado transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva nº 2005/14/CE, de 11/5, do Parlamento Europeu e do Conselho e a Diretiva nº 2000/26/CE relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis. O artigo que a Recorrente diz aplicável ao caso em apreço, encontra-se inserido no capítulo III que tem como epígrafe “Da regularização de sinistros”, referindo-se no primeiro artigo desse capítulo, o art. 31º, o seguinte:
	“O presente capítulo fixa as regras e os procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito da responsabilidade civil automóvel”.
	No artigo 41º referido e na parte com interesse para o caso em apreço, é referido que se entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através de reparação do veículo, quando, nomeadamente, se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado o valor do salvado, ultrapassa 100% ou 120% do valor venal do veículo consoante se trate respetivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos. 
	Conforme resulta da leitura do artigo 31º citado e é entendimento maioritário da jurisprudência, as normas inseridas nesse capítulo e, designadamente o art. 41º, destinam-se a fixar critérios (propostas razoáveis) para que a resolução extra judicial dos litígios emergentes de acidentes de viação seja efetuada de forma mais célere e eficiente, não pretendendo derrogar as normas gerais indemnizatórias previstas nos arts. 562º e 566º do C. Civil (v. neste sentido Ac. Do STJ de 6/10/16, Ac. do T. R. C. de 15/11/11 e Acs. deste Tribunal de 27/10/16 e de 9/2/17, todos em www.dgsi.pt ).
	Assim, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (v. art. 562º do C. Civil), seno a indemnização fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art. 566º do C. Civil).
	Conforme nos referiu o Professor Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, 5ª ed., vol. I, pág. 862, o fim precípuo da lei nesta matéria é o de prover à direta remoção do dano real à custa do responsável, visto ser este o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes. Acrescentando o Ilustre Professor que, se o dano real consistiu na destruição ou desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, joia, etc) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação, ou substituição da coisa por conta do agente.
	É ainda referido na mencionada obra (pág. 864) que a reconstituição natural deve considerar-se meio impróprio ou inadequado, quando for excessivamente onerosa para o devedor (art. 566º, nº 1), isto é, quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado que importa recompor e o custo que a reparação envolve para o responsável.
	Compreende-se que assim seja de forma a impedir que o exercício do direito por parte do lesado exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé ou pelo seu fim social ou económico (art. 334º do C. Civil), traduzindo um desequilíbrio entra a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem (v. Menezes Cordeiro in Da Boa fé no Direito Civil, Coleção Teses, vol. II, pág. 852).
	Conforme vem sendo defendido jurisprudencialmente, um dos critérios de determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação; o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, valor que o veículo representa dentro do património do lesado (v. Ac. do STJ de 4/12/07 acima mencionado), devendo ser levados em conta, para além do valor da reparação, fatores como o uso dado ao veículo, possibilidade de aquisição de veículo idêntico que satisfaça de igual modo as necessidades do lesado ou mesmo o valor sentimental.
	Note-se que, para que seja afastada a reconstituição natural, a mesma tem que ser excessivamente onerosa e não apenas onerosa, sendo que cabe à Ré seguradora a prova da excessiva onerosidade (v. Ac. do STJ de 4/12/07 in www.dgsi.pt ).
	No caso, o veículo dos autores ficou danificado mas é suscetível de ser reparado.
	Resulta dos factos provados que o valor venal do veículo à data do acidente era de 13.800,00€, sendo o valor do “salvado” 6.199,00€ e que o valor da reparação orça em 10.648,31€.
	Diz a Ré que se os AA. receberem o valor venal do veículo ficam em condições de adquirir um veículo idêntico ao que possuíam.
	Ora, analisando a matéria de facto provada, de forma alguma se pode chegar à conclusão que a Ré chegou pois desconhece-se que valor seria necessário para adquirir uma viatura com as mesmas características da acidentada, sendo que, como acima foi dito, cabia à Ré a prova de tais factos.
	Assim e não resultando dos factos provados que a reparação seja excessivamente onerosa, pois ponderando o interesse dos AA. em recuperarem o seu veículo e o custo da reparação que recairá sobre a Ré, não resulta um desequilíbrio intolerável entre a vantagem e o sacrifício.
	Deste modo, cabe à Ré entregar aos Autores o valor necessário para que estes possam repor o seu património no estado em que se encontrava à data em que ocorreu a lesão, o que no caso equivale ao montante em que importa a reparação do seu veículo, ou seja, os mencionados 10.648,31€, julgando-se, pois, nesta parte improcedente a apelação.
*	
	A última questão suscitada pela Recorrente prende-se com a atribuição e quantificação de indemnização por privação de uso do veículo interveniente no acidente dos autos.
	Na Petição Inicial os AA. pediram a condenação da Ré na quantia diária de 25,00€, desde 6/1/12 (data em que deixaram de usufruir de uma viatura alugada) até pagamento da quantia a título de indemnização pela privação do veículo.
	A sentença recorrida condenou a Ré a pagar aos autores a quantia de 10,00€/dia desde 6/1/12 até pagamento da quantia arbitrada a título de valor da reparação do veículo.
	A Ré considera que, tendo pago o valor do aluguer do veículo de substituição e tendo posto à disposição dos Autores o montante correspondente ao valor venal do veículo, nada mais tem a pagar a título de indemnização pela privação do uso, invocando para fundamentar a sua posição o disposto no art. 42º, nº 2 do DL 291/07 que refere que a obrigação de disponibilização de veículo de substituição cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização.
	Ora, como acima foi dito, o Tribunal não está vinculado à aplicação das normas do mencionado diploma e, ainda que estivesse, sempre a disponibilização do montante correspondente ao valor venal do veículo não poderia, no caso, liberar a Ré da obrigação de disponibilizar veículo de substituição ou de suportar o valor correspondente, como decorre do acima exposto, a indemnização disponibilizada não era suficiente para que os Autores deixassem de necessitar de outro veículo, já que não era bastante para que o deles ficasse pronto a circular. Deste modo, a falta de aceitação da prestação pelo credor era justificada, não o fazendo incorrer em mora (v. art. 813º do C. Civil e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anot., vol II, pág. 84).
	Com efeito, uma vez que os lesados não concordavam com o valor oferecido, não estavam obrigados a aceitar esse montante que só os compensava em parte pelo dano sofrido (v. 763º, nº 1 do C. Civil)
	Alega ainda a Ré que não tendo os Autores demonstrado que incorreram em despesas ou perdas de ganho relacionadas com a privação do uso do veículo, não têm direito a qualquer indemnização a esse título.
	No entanto, conforme refere o Professor Menezes Leitão (in Direito das Obrigações, 14ª ed., vol. I, pág. 329) o simples uso de um veículo constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano. A dificuldade, neste tipo de danos, coloca-se quando, como no caso, o lesado não suportou despesas em virtude da privação, acrescentando este autor que a conduta poupadora por parte do lesado não pode servir para obstar à indemnização do dano verificado.
	O Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes (in Indemnização do Dano da Privação do Uso, pág. 34) diz que diverso entendimento que impusesse invariavelmente ao lesado a prova da ocorrência de danos imputáveis à privação reverteria em benefício injustificado do responsável em medida correspondente ao aforro de despesas, não sendo de presumir que a ordem jurídica consinta em tal resultado.
	Acrescenta este autor que se a privação do uso do veículo durante um determinado período originou a perda das utilidades que o mesmo era suscetível de proporcionar e se essa perda não foi reparada mediante a forma natural de reconstituição, impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente.
	Na verdade, a privação do bem impede o seu dono de exercer os direitos inerentes ao seu direito de propriedade sobre esse bem, ou seja, de usar, fruir e dispor do mesmo (v. art. 1305º do C. Civil), sendo a privação do gozo suscetível de ser indemnizada	
	Neste Tribunal da Relação de Guimarães, tem-se decidido da forma acima referida, como por exemplo, no Acórdão de 26/02/2015 (in www.dgsi.pt), em que se refere que: "A privação do uso de um veículo automóvel, traduzindo a perda dessa utilidade do veículo, constitui um dano – e um dano patrimonial, porque essa utilidade, considerada em si mesma, tem valor pecuniário." Ou no Acórdão de 27/10/16 (in www.dgsi.pt), em que se diz que “A privação do uso do veículo traduz-se num dano suscetível de ser indemnizado”
	          No Acórdão do STJ de 9/3/10, decidiu-se que, como critério de atribuição do direito à indemnização é apenas necessária a demonstração no processo que, não fora a privação, o lesado usaria normalmente a coisa, vendo frustrado esse propósito.
	          Provando-se, como se provou nos presentes autos que os Autores antes do acidente utilizavam regularmente o seu veículo e em face desse acidente estão privados de tal utilização, têm, pois os Autores direito ao ressarcimento do dano resultante da privação do veículo que lhes pertence, restando analisar qual o valor desse dano.
 	        No caso, uma vez que, obviamente, não é possível a reconstituição natural a indemnização tem que ser fixada recorrendo a critérios de equidade (v. art. 566º, nº 3 do C. Civil).
	        Como acima foi referido, o Tribunal recorrido fixou a indemnização em 10,00€ dia, desde 6/1/12, o que até ao presente contabiliza a quantia de 19.140€.
	      O montante diário fixado obedece aos critérios jurisprudenciais que têm vindo a ser seguidos em casos como o dos autos, mencionando-se a título de exemplo o Ac. do STJ de 09.03.2010, em que o valor considerado foi de €10,00 euros diários; o Ac. desta Relação de 27/10/16 que considerou o valor diário de €10,00; o Ac. da Rel. do Porto de 07.09.2010 em que se considerou também o valor de €10,00 euros por dia; o Ac. da Rel. de Lisboa de 7/5/15 que também fixou em €10,00 diários a indemnização e o Ac. da Rel. de Coimbra de 06-03-2012 no qual foi considerada também a quantia de €10,00 por dia, todos eles disponíveis em www.dgsi.pt .
	        A Recorrente considera o montante fixado excessivo, dizendo que se deveria fixar a indemnização no montante máximo de 3.000,00€. Na verdade, olhando apenas para os números finais poderá afigurar-se-nos excessiva a mencionada indemnização, nomeadamente por o valor global em causa ser até bastante superior ao valor do veículo dos autores, podendo parecer que a fixação de tal quantia se traduziria num enriquecimento injustificado do lesado à custa do devedor da indemnização.
	        Contudo, a fixação de uma quantia a título de indemnização pela privação do uso deve-se à conduta da Ré Seguradora que não pôs, como devia, uma viatura de substituição à disposição dos lesados, o que lhe implicaria o custo do aluguer respetivo, que certamente seria muito superior ao valor diário acima referido.
	        Assim, ao reduzir-se o valor fixado, que se afigura bastante razoável, tendo em conta os custos normais diários de aluguer de um veículo, mesmo considerando a categoria mais baixa disponível nas “rent-a-car”, a Recorrente estaria a beneficiar largamente da violação da sua obrigação.
	      Considera-se pois, correto o valor atribuído na sentença recorrida.
*
* Decisão:
                    Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação da Ré, confirmando-se a sentença recorrida.
              	Custas a cargo da Recorrente.*              	Guimarães, 4 de Abril de 2017

              	 _______________________________­­­­­________
             	        (Alexandra Rolim Mendes)

              	 _______________________________________
             	   (Maria de Purificação Carvalho)

              	_______________________________________
        	 (Maria dos Anjos Melo Nogueira)

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães Relatório: A e esposa AC, residentes na Travessa do Moinho, n.º …, freguesia de Quinchães, Fafe, intentaram a presente ação declarativa com processo ordinário contra T, com sede na Avenida da Liberdade n.º …, Lisboa, pedindo a sua condenação a pagar-lhe a quantia de €47.211,27 e ainda a quantia diária de €25,00, desde 01/10/2012 até integral ressarcimento da quantia necessária à reparação da viatura, quantias essas acrescidas de juros de mora a calcular à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento. Para tanto, alegou, em síntese, que no dia 4 de Novembro de 2011, cerca das 19h00, na EN 206, na freguesia de Quinchães, em Fafe, ocorreu um acidente de viação no qual intervieram as viaturas com a matrícula DE e CJ, a primeira propriedade dos autores e conduzida pelo autor marido e a segunda propriedade de A conduzido por M; que naquela data e hora o autor marido conduzia o referido veículo supra referido, transportando a autora mulher, o que fazia a velocidade inferior a 35 km/hora; que no sentido contrário, Pica-Fafe, circulava o veículo segurado da Ré a mais de 90 km/hora, o qual ao desfazer uma curva à direita, atento o seu sentido de marcha, foi embater no veículo conduzido pelo autor; em consequência a autora sofreu lesões físicas, ficando com incapacidade geral permanente; a acrescer a isto, os autores sofreram danos materiais consubstanciados nos danos do veículo acidentado, os danos decorrentes da perda salarial da autora por força da situação de baixa médica em que ficou por 3 meses, os danos decorrentes das consultas médicas e medicamentosas, da perda de uns óculos; mais alegaram que ficaram e ainda estão privados do uso do veículo; alegaram, por fim, a ocorrência de danos morais em consequência do acidente; concluem ser a Ré responsável pelo ressarcimento de tais danos em virtude do contrato de seguro de responsabilidade civil que celebrou com o proprietário do CJ, contrato esse titulado pela apólice n.º 2764095. A Ré aceitou a responsabilidade pelo sinistro ocorrido, o que fez expressamente, sustentando, no entanto, que os valores peticionados se mostram exagerados. Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos: “Em conformidade com o exposto, julga o Tribunal a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, decide-se:--- a. Condenar a ré T a pagar aos Autores A e AC a quantia de € 10.648,31 (dez mil, seiscentos e quarenta e oito euros e trinta e um cêntimos), acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento; b. Condenar a ré T a pagar aos Autores A e AC € 2929,99 (dois mil, novecentos e vinte e nove euros e noventa e nove cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento; c. Condenar a ré T a pagar aos autores A e AC a quantia de € 10,00 (dez euros) diários, contados desde 06-01-2012 até efetivo e integral pagamento da quantia arbitrada em a. desta decisão, acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento; d. Condenar a ré T a pagar à Autora AC as quantias de € 680,00 (seiscentos e oitenta euros) e € 214, 22 (duzentos e catorze euros e vinte e dois cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento; e. Condenar a ré T a pagar à Autora AC a quantia de € 1300 (mil e trezentos euros) a título de indemnização pelo Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-psíquica, acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento; f. Condenar a ré T a pagar à Autora AC a quantia de € 1250,00 (mil e duzentos e cinquenta euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescidos dos respetivos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento; No mais, absolve-se a Ré do pedido.”.* * Inconformada, veio a Ré recorrer apresentando as seguintes Conclusões: I. O presente recurso tem por objeto a decisão da matéria de facto, a condenação da Recorrente no pagamento da quantia de 10.648,31 €, acrescida de juros, pela reparação do veículo de matrícula DE [alínea a) do dispositivo da sentença] e da quantia de 10,00 € diários, acrescidos de juros, contados desde 06.01.2012 até efetivo e integral pagamento da quantia anteriormente mencionada [alínea c) do dispositivo da sentença]. II. A Recorrente considera incorretamente julgados os pontos 1.17 e 1.27 dos factos provados na sentença e considera, ainda, que o Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do CPC, deveria ter julgado provado outros dois factos (instrumentais) que resultaram da prova produzida em audiência de julgamento. III. A propósito da utilização dada pelos Autores ao veículo de matrícula DE resulta do depoimento das testemunhas S (registado no sistema de gravação do Tribunal, no dia 22-09-2016, com início de gravação às 15:05:21 e fim de gravação às 15:24:48, em especial nos minutos 06:13 a 07:55 e 15:20 a 17:45) e V (registado no sistema de gravação do Tribunal, no dia 22-09-2016, com início de gravação às 15:24:51 e fim de gravação às 15:39:21, em especial nos minutos 06:44 a 06:59 e 12:27 a 13:55), ambos filhos dos Recorridos, que o carro era mais utilizado pelo Recorrido A mas que este era motorista numa empresa de distribuição de produtos alimentares e que as suas deslocações profissionais eram feitas num veículo da empresa e que o agregado familiar dos Recorridos dispunha de um outro veículo. IV. Em face dos depoimentos atrás identificados, o Tribunal, no facto 1.17, deveria ter julgado provado apenas que “o veículo acidentado era utilizado pelos autores para passeios” e já não também para o trabalho. V. Daqueles depoimentos resultam, ainda, factos instrumentais relevantes para a boa decisão da causa, designadamente para aferir a utilização habitualmente dada ao veículo acidentado e os incómodos decorrentes da paralisação do mesmo, que, ao abrigo do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea a) e 607.º, n.º 4 do CPC deveriam ter sido julgados provados, a saber: - À data do acidente e nos quatro anos seguintes, o Autor A trabalhava como motorista numa empresa de distribuição alimentar, utilizando para o efeito um veículo da sua entidade patronal; - O agregado familiar dos Autores, para além do veículo acidentado, dispunha, ainda, de um outro veículo automóvel. VI. Quanto ao facto 1.27, o documento 14 junto com a P.I. demonstra que a Ré colocou o valor de 7.601,00 € à disposição dos Recorridos, na data de 03.01.2012 (e não 03.03.2012), para indemnização pela perda total do veículo (e não para reparação). VII. O Tribunal a quo deveria ter dado ao facto 1.27 a seguinte redação: A ré colocou à disposição dos Autores, em 03.01.2012, a quantia de 7.601,00 €, a título de indemnização pela perda total do veículo. VIII. A douta sentença do Tribunal a quo deve ser revogada e substituída por outra que decida a matéria de facto conforme se pugna nas conclusões antecedentes. Matéria de Direito a) Quanto ao pagamento do valor reparação/perda total do veículo: IX. O Decreto-Lei 291/2007 é um diploma legislativo com a mesma força de lei do Código Civil, ocupando idêntico lugar na hierarquia das leis, e é posterior, pelo que, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, nada obsta a que o legislador tenha pretendido, com a norma do artigo 41.º desse diploma, substituir ou revogar, no âmbito dos acidentes de viação, o regime dos artigos 562.º e 562.º do Código Civil. X. O artigo 41.º não restringe o seu objeto à fase extrajudicial. XI. Ao reconstituir-se o pensamento do legislador não pode presumir-se que este quisesse aprovar uma norma que seria “letra morta” ou que não lhe repugnasse que o lesado fosse prejudicado sempre que não quisesse recorrer ao Tribunal. XII. A interpretação do artigo 41.º do DL 291/2007 mais consentânea com o espírito do legislador é a de que esta norma concretiza, para a indemnização por acidentes de viação, o conceito indeterminado de excessiva onerosidade do artigo 566.º, n.º 1 do Código Civil, estabelecendo que se tem por excessivamente oneroso o valor da reparação quando este exceda 100% ou 120%, consoante os casos, do valor venal adicionado do valor do salvado. XIII. Esta interpretação é conforme com princípio geral previsto nos artigos 562.º e 566.º, n.º 2, dado que ao receberem o valor venal do veículo, os lesados ficam em condições de adquirir um veículo idêntico ao que possuíam, pelo que a situação anterior ao dano fica reconstituída. XIV. No caso em apreço nada permite concluir que o veículo acidentado tinha características especiais das quais resultasse que os Recorridos retiravam dele uma utilidade que não pudessem retirar de outro veículo idêntico da mesma marca e modelo e com a mesma antiguidade ou mesmo que tivesse para os Recorridos um valor distinto do valor de mercado. XV. A sentença do Tribunal a quo, ao condenar a Recorrente no pagamento da quantia de 10.648,31 €, violou o disposto no artigo 41.º, nºs 1, alínea c), e 3 do Decreto-Lei n.º 291/2007 e nos artigos 562.º e 566.º, nºs 1 e 2 do Código Civil, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrente a pagar a quantia de 7.601,00 €, valor ao qual deverão acrescer juros apenas após a data do trânsito em julgado da decisão final dos autos. b) Quanto à privação do uso: XVI. Caso o Tribunal entenda a Recorrente apenas está obrigada ao pagamento da quantia de 7.601,00 € e não do valor da reparação, tendo em conta que esta colocou à disposição dos Recorridos a referida quantia no dia 03.01.2012 (facto 1.27, com a alteração que a Recorrente lhe pretende ver introduzida por via da impugnação da matéria de facto), foram os Recorridos quem, ilegitimamente, se recusou a receber a referida quantia indemnizatória, ficando a privação do uso a dever-se única e exclusivamente à sua conduta, nos termos do disposto no artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil. XVII. A obrigação prevista no artigo 42.º, n.º 2 do Decreto-Lei 291/2007 foi cumprida pela Recorrente através do pagamento da quantia de 1.540,00 € (facto 1.23 da sentença) relativos a despesas/aluguer de veículos ou está já contida na condenação da Recorrente a pagar a quantia de 2.929,99 € correspondentes também a aluguer de veículo de substituição [alínea b) do dispositivo da sentença], nada mais havendo a pagar a título de privação do uso. XVIII. Alterando-se a parte da sentença relativa à condenação no pagamento do valor da indemnização, por força do disposto nos artigos 42.º, n.º 2 do Decreto-Lei 291/2007 e 570.º, n.º 1 do Código Civil, deve também a sentença ser revogada na parte que condena a Recorrente a pagar aos Recorridos a quantia de 10,00 € diários, contados desde 06.01.2012 e até efetivo e integral pagamento da quantia arbitrada em a) do dispositivo, acrescidos de juros de mora, e substituída por outra que absolva a Recorrente dessa parte do pedido. Sem prescindir, XIX. Ainda que se entenda manter a condenação da Recorrente no pagamento da quantia correspondente à reparação do veículo em vez do valor venal deduzido do valor do salvado, deve a Recorrente ser absolvida do pagamento da quantia relativa à privação do uso. XX. Não tendo os Recorridos alegado nem demonstrado quaisquer ganhos ou vantagens frustradas pela impossibilidade de utilização do veículo sinistrado nem as despesas que teve de suportar com o aluguer e com o empréstimo de viaturas [para lá das que já foram pagas ou estão contidos na alínea b) do dispositivo da sentença], inexiste dano de privação de uso indemnizável – por todos, vide Ac. do STJ de 12.01.2012, no processo 1875/06.5TBVNO.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt. XXI. No caso, apenas se provou que os Recorridos estiveram privados do uso do automóvel sinistrado, sem todavia ter sido alegado e provado qualquer prejuízo (v.g. necessidade de aluguer de outra viatura, incómodos na utilização de transportes públicos, etc.), isto é, um dano específico, quer emergente, quer na modalidade de lucro cessante. XXII. Mais, provou-se, como decorre da impugnação da matéria de facto levada a cabo no presente recurso, que a indisponibilidade do veículo não afetou a atividade profissional do Recorrido A, que era motorista de um veículo da empresa, e que os Recorridos dispunham de outro veículo no seu agregado familiar. XXIII. Ao condenar a Recorrente no pagamento da quantia de 10,00 € diários, contados desde 06.01.2012 e até efetivo e integral pagamento da quantia arbitrada em a) do dispositivo, a título de indemnização pela privação do uso do veículo, a sentença do Tribunal a quo viola o disposto nos artigos 483.º, 342.º e 562.º do Código Civil, razão pela qual deve ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente dessa parte do pedido. Ainda sem prescindir, XXIV. Caso se entenda que a mera privação do uso de um veículo automóvel constitui um dano, sempre se concluirá que o valor arbitrado é manifestamente exagerado. XXV. No caso concreto está em causa um período de paralisação que remonta a 06.01.2012, prolongando-se até à data em que vier a ser entregue o valor da reparação, razão pela qual se impunha que o Tribunal tivesse ponderado o valor global de indemnização que vai estar aqui causa. XXVI. Na presente data, a liquidação da referida indemnização pela privação do uso ascende já a 18.400,00 € (1.840 dias x 10,00 €), indemnização que é manifestamente exagerada e não se mostra equitativa como ordena o artigo 566.º, n.º 3 do Código Civil. XXVII. A atestar o manifesto exagero da quantia a que ascende aquela indemnização na presente data veja-se que a indemnização concedida à Recorrida por uma IPP de 2 pontos que a afetará por toda vida e os danos morais correspondentes foram valorados num valor cerca de quinze vezes inferior ao da privação do uso do veículo automóvel. XXVIII. Atendendo à alteração que se pretende introduzir na decisão da matéria de facto, os transtornos decorrentes da impossibilidade de utilização do veículo não foram particularmente graves, dado que o Recorrido A tinha ao seu dispor um veículo da entidade patronal, que utilizava nas suas deslocações profissionais e que por certo terá utilizado para fazer face às necessidades que lhes fossem surgindo, e que o agregado familiar em causa dispunha de um outro veículo, do filho dos Recorridos que com eles vivia, e que certamente foi utilizado sempre que necessário e possível. XXIX. A obrigação de indemnizar plasmada no artigo 483.º do Código Civil visa apenas reparar os danos resultantes de um determinado facto para uma pessoa e não enriquecer o seu património. XXX. Com afirma ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO (“Do abuso do direito: estado das questões e perspetivas”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65 - Vol. II, Setembro de 2005, disponível em http://www.oa.pt): “quanto ao fim económico e social dos direitos: a sua ponderação obriga, simplesmente, a melhor interpretar as normas instituidoras dos direitos, para verificar em que termos e em que contexto se deve proceder ao exercício”. XXXI. No âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, qualquer indemnização que além da finalidade restituidora/compensatória do instituto em causa estará fora do âmbito de proteção daquela norma, como sucede no caso em apreço. XXXII. A condenação da Recorrente a pagar a quantia de 18.400,00 € (valor calculado até à presente data) pelo dano de privação de uso de um veículo com um valor venal de apenas 13.000,00 €, quando os Recorridos não alegaram nem demonstraram quaisquer ganhos ou vantagens frustradas pela impossibilidade de utilização do veículo sinistrado, resulta na concessão de um enriquecimento de todo injustificado. XXXIII. A manifesta desproporcionalidade entre os transtornos causados pela paralisação de um veículo com as características do veículo dos autos e a quantia arbitrada a título de indemnização é tal que, além de ultrapassar os limites do fim económico e social do direito de indemnização, atenta contra a boa-fé. XXXIV. Com tal condenação a Recorrente vê-se obrigada a pagar uma indemnização milionária pela privação do uso do veículo quando o que se limitou a fazer foi cumprir a norma do artigo 41.º do Decreto-Lei 291/2007, ao colocar à disposição dos Recorridos a quantia de 7.601,00 €. XXXV. A própria atitude dos Recorridos, que demoraram mais de um ano a instaurar a ação judicial após conhecerem a posição final da Ré quanto ao sinistro e que atrasaram o andamento do processo em cerca de sete meses com a apresentação de um articulado superveniente e de um recurso interlocutório infundados deve, também, ser valorada, à luz do disposto no artigo 570.º, n.º 1 do Código Civil. XXXVI. O Tribunal a quo deveria ter calculado o valor global que, na atualidade, resultava da condenação no pagamento da quantia de 10,00 desde 06.01.2012 e, em face do seu manifesto exagero, deveria ter-lhe colocado um limite. XXXVII. Entende a Recorrente que a quantia razoável seria de 3.000,00 € (quantia que, somada ao valor da reparação, não superaria o valor venal do veículo). XXXVIII. A sentença do Tribunal a quo, ao condenar a Recorrente no pagamento da quantia diária de 10,00 € até ao pagamento da quantia relativa à reparação, acrescida de juros, pela privação do uso do veículo, viola o disposto nos artigos 483.º, 562.º e 566.º, nºs 1, 2 e 3, 570.º, n.º 1 e, ainda, 334.º, todos do Código Civil, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que, a título de indemnização pela privação do uso, condene a Recorrente no pagamento de quantia nunca superior a 3.000,00 €. Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando procedente o presente recurso V. Exas. farão verdadeira e sã JUSTIÇA! Os Autores apresentaram contra alegações com as seguintes conclusões: A impugnação da matéria de facto não obedece aos fundamentos do artigo 640.º do CPC; Nessa medida, o legislador consagrou um triplo ónus de impugnação da matéria de facto, devendo, assim, especificar-se os pontos de facto que se considera incorretamente julgados, artigo 640, n.º 1 alínea a); indicar os concretos meios de prova constantes da gravação que, no seu entender, impõe decisão diversa da recorrida, artigo 640, n.º 1 alínea b); e indicar a decisão que no seu entender deve ser proferida quanto às questões de facto impugnadas, artigo 640, n.º 1 alínea c); Sendo certo que quanto ao ónus previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640, o n.º 2 deste preceito normativo estabelece que incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso; A Apelante impugnou a decisão da matéria de facto, porém, não respeitou o ónus previsto no art.º 640.º, n.º 2 do CPC, na medida em que “a indicação «com exatidão [d]as passagens da gravação em que se funda», exigida pelos arts 685.º-B n.º 2 do anterior CPC e 640.º n.º 2 do novo CPC, concretiza-se mencionando, no mínimo, o minuto em que cada uma de tais «passagens» tem o seu início; A «transcrição» das «passagens» não constitui uma alternativa à indicação «com exatidão [d]as passagens da gravação» e esta indicação «com exatidão [d]as passagens» não se pode ter por feita quando somente se menciona a hora de início e do fim de cada depoimento.”; Concomitantemente, a Apelante devia ter indicado os concretos pontos de facto considerados incorretamente julgados, tanto em sentido afirmativo como em sentido negativo, sempre com referência aos depoimentos que alegadamente impunham decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo, o que de todo não fez; Também, quando se pretende impugnar a decisão da matéria de facto não basta indicar a referência de gravação e registo, bem como a hora de início de cada depoimento da testemunha, sem qualquer contexto e localização, sendo que deve indicar-se, de forma clara e expressa, quais os pontos contrariados por cada uma das passagens citadas, com referência ao minuto que cada uma das passagens tem o seu início, o que de todo, a Apelante não fez; Assim como indicar, em que medida tais passagens contrariariam os factos dados como provados ou não provados e que na sua ótica impunham decisão diversa, para que o Recorrido possa exercer um contraditório pleno; A ausência dos ditos requisitos essenciais de impugnação da matéria de facto visam impossibilitar o contraditório, com vista a protelar os efeitos da douta sentença recorrida; Pelo que deve o recurso da matéria de facto ser rejeitado, sem convite ao aperfeiçoamento – introito do art.º 640.º, n.º 1 e 640.º, n.º 2 alínea a) do CPC. Sem prescindir e por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a Mmª Juiz do tribunal "a quo", para formar a sua convicção, apoiou-se na prova produzida pelos depoimentos das testemunhas, concatenada com as regras da experiência comum; Entende a Apelante que o cálculo da indemnização deve ser fixada pela simples atribuição do valor venal do veículo, ao invés do custo da reparação do veículo, por entender existir excessiva onerosidade para o devedor nesta última hipótese; Não sufragamos, porém, tal entendimento; Antes consideramos, em estreita concordância com a tese defendida pela Mm.ª Juiz “a quo” que o artigo 41.º do Dl 291/2007 (que a Apelante pretende ver aplicado ao caso sem mais) tem a sua margem de aplicabilidade restringida à fase que antecede o recurso à via judicial, no sentido de a evitar, fornecendo critérios mínimos no âmbito da obrigação de apresentação de proposta razoável; Assim, a determinação do montante indemnizatório deve ser regido pelo princípio geral da reconstituição ou restauração natural disposto no artigo 562.º do Código Civil, devendo a indemnização ser fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente (relativamente ao sinistro) e a que teria nessa data se não existisse o dano, nos termos do artigo 566.º, n.os 1 e 2 do Código Civil; Porém, em casos de acidente de viação em que ocorre a perda total do veiculo (como é o caso), a reconstituição da situação do lesado frequentemente não coincide com a indemnização fixada pelo valor venal do veículo, uma vez que, sendo o veículo um bem de apreciável uso, habitualmente tem um valor comercial pouco significativo, não traduzindo a utilidade que o A. retirava que o veículo lhe proporcionava; Sendo certo que, além disso, a Apelante não demonstrou, como lhe competia pela aplicação das regras do artigo 342.º do Código Civil que o A. podia adquirir com o valor venal do veículo, um veículo com as mesmas características e o mesmo uso e nem que a opção pelo arbitramento da indemnização pelo valor da reparação constitui excessiva onerosidade para a Apelante; A recorrente entende, ainda, não estarem preenchidos os pressupostos que regem a obrigação de indemnizar o período de privação do uso do veículo; Porém, também aqui, sem razão; A simples privação do uso de veículo que era usado diariamente comporta um prejuízo efetivo, correspondente à perda dos poderes de uso e fruição e deve constituir, em si, um dano suscetível de indemnização; Aliás, é hoje pacificamente aceite que a ocorrência de um acidente de viação que determina a sua paralisação confere ao lesado o direito à reconstituição natural da situação através da atribuição de veículo de substituição ou de quantia suficiente para que o lesado possa alugar veículo semelhante ao sinistrado; Afastada a reconstituição natural, resta o recurso à indemnização nos termos previstos no artigo 566.º do Código Civil (restituição por equivalente) e, se necessário, com recurso à equidade; De resto, ao contrário do que sustenta a Apelante, a jurisprudência maioritária vai no sentido de que: “A privação do uso de um veículo é, em si mesma, um dano indemnizável, desde logo por impedir o proprietário (ou, eventualmente, o titular de outro direito, diferente do direito de propriedade, mas que confira o direito a utilizá-lo) de exercer os poderes correspondentes ao seu direito.” citando a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/05/2013 no processo 3036/04.9TBVLG.P1.S1; Por isso, a presente Apelação tem de improceder, mantendo-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos. Termos em que deve a presente apelação ser julgada improcedente, mantendo-se a douta sentença de fls. , nos seus precisos termos, com as legais consequências, Assim decidindo, farão V.as Ex.as, Venerandos Desembargadores, a habitual JUSTIÇA.* Questões a decidir: - Analisar se a impugnação da matéria de facto obedece aos requisitos legais; - Caso os observe, verificar se a matéria de facto foi bem analisada pelo tribunal; - Analisar qual o montante que deve ser fixado a título de indemnização pelos danos causados na viatura dos Autores, se a correspondente ao valor venal do veículo (excluindo o do “salvado”), se o valor da respetiva reparação; - Análise da questão da atribuição e quantificação de indemnização por privação de uso do veículo interveniente no acidente dos autos. * * A matéria considerada provada na 1ª instância: 1.1. No dia 4 de Dezembro de 2011, cerca das 19.00 horas, na EN n.º 206, ao km 55040, na freguesia de Quinchães, em Fafe, ocorreu um acidente de viação; 1.2. No qual interveio o ligeiro de passageiros com a matrícula DE propriedade dos autores, conduzido pelo autor marido e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula CJ, propriedade de A e conduzido por M; 1.3. Naquele dia e local, o Autor marido circulava com o veículo DE, onde era transportada a Autora mulher, no sentido Fafe/Pica; 1.4. A velocidade inferior a 35 km/hora, dentro da sua faixa de rodagem; 1.5. No sentido contrário, Pica/Fafe, circulava o veículo segurado da Ré; 1.6. Este despistou-se, ao efetuar uma curva à direita, atento o seu sentido de marcha, indo embater com o lado frontal direito na parte da frente, lado esquerdo do veículo conduzido pelo autor; 1.7. Em consequência do acidente a autora esposa sofreu traumatismo do tórax e grade costal direita; 1.8. Tendo sido transportada para o Hospital de Guimarães; 1.9. Onde fez raio-X que revelou fratura do esterno; 1.10. Posteriormente, a autora fez vários exames, nomeadamente, ecografia mamária, TAC tendo ainda frequentado várias sessões de fisioterapia; 1.11. Em virtude do acidente sofrido a autora ficou afetada de um Défice Funcional Permanente da Integridade Física de 2 pontos, sofreu um quantum doloris de 4/7; 1.12. A Autora exercia funções de sócia gerente da empresa Soares e Leite e auferia € 500,00 mensais acrescidos de € 6,41 diários relativos ao subsídio de alimentação; 1.13. Em consequência do acidente a Autora despendeu € 240, 00 em duas consultas de ortopedia, € 32,00 num raio-X, € 6,22 na farmácia; 1.14. Em consequência do acidente a Autora partiu um par de óculos no valor de € 680,00; 1.15. A reparação do veículo do autor ficou orçada em € 10 648, 31; 1.16. O veículo está imobilizado desde a data do acidente; 1.17. O veículo acidentado era usado diariamente pelos autores para passeios e para o autor se deslocar de e para o trabalho; 1.18. Despenderam no aluguer de um veículo de substituição, até 06-01-2012 a quantia de € 4464,99; 1.19. A autora, em consequência do acidente, tem dificuldade em carregar pesos, em efetuar as lides domésticas e as suas tarefas profissionais; 1.20. Passou a ter dificuldades em dormir, com dores em desconforto que lhe perturbam o descanso; 1.21. A Autora tinha 55 anos, à data do acidente; [Da contestação] 1.22. A Ré efetuou o pagamento à autora da quantia de € 183, 39 correspondentes a despesas médicas e medicamentosas; 1.23. A Ré efetuou o pagamento da quantia de € 1540,00 relativos a despesas de paralisação/aluguer de veículos; 1.24. A autora recebeu, da Segurança Social, subsídio de doença no valor de € 401, 45; 1.25. O valor do salvado era de € 6199,00; 1.26. O valor venal do veículo do autor, à data do acidente era de € 13.800,00; 1.27. A ré colocou à disposição dos Autores, em 03.03.2012, a quantia de € 7600, 00 para reparação do veículo; 2. Factos não provados 2.1. Em virtude do acidente a autora ficou afetada de incapacidade para o trabalho desde o dia 06-01-2012 até 04-03-2012; 2.2. Em consequência do acidente a Autora despendeu € 7,64 na farmácia e € 9,05 no almoço no Porto,* * Nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir: Quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar, obrigatoriamente e sob pena de rejeição, o seguinte (v. artigo 640º n.º 1 do CPC): “a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Conforme refere Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., pág. 139 a 141), sempre que o recurso envolva a impugnação da matéria de facto deve o recorrente, nomeadamente: a) Em quaisquer circunstâncias, indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Deixar expressa na motivação, a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos. Acrescenta este Autor que, quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento. Analisadas as alegações formuladas pela Recorrente, verifica-se que cumprem os ónus referidos no aludido preceito. Na verdade, nas mesmas identificam-se os pontos de facto tidos por mal jugados, os meios de prova que na sua opinião impunham decisão diversa e a decisão que deveria ter sido proferida sobre os mencionados pontos. Assim, o recurso observa o formalismo imposto pelo art. 640º do C. P. Civil, respeitante ao pedido de reapreciação da matéria de facto.* Analisemos agora se a prova produzida foi bem apreciada pela 1ª instância. Resulta do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Conforme explica Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3ª Edição, pág. 245), a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações na matéria provada e não provada. Acrescentando que, em face da redação do art. 662º do C. P. Civil, fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe a sua própria convicção, mediante reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis, apenas cedendo nos fatores da imediação e oralidade. A Recorrente impugna a matéria que foi considerada provada sob os pontos 1.17 e 1.27 entendendo que relativamente ao ponto 1.17 deveria ter ficado provado apenas que o veículo acidentado era utilizado pelos autores para passeios e, no que respeita ao ponto 1.27 insurge-se com a inclusão no mesmo da expressão “para reparação do veículo”, referindo que resulta do documento 14 junto à p.s. que a ré colocou tal valor à disposição dos Recorridos para indemnização pela perda total do veículo e não para a sua reparação. Entende ainda a Recorrente que deveriam ter sido considerados provados os seguintes factos que qualifica de instrumentais: - À data do acidente e nos quatro anos seguintes o A. A trabalhava como motorista numa empresa alimentar, utilizando para o efeito um veículo da sua entidade patronal; - O agregado familiar dos Autores, para além do veículo acidentado, dispunha ainda de um outro veículo automóvel. No que concerne ao ponto 1.27, consignamos desde já que a Recorrente tem razão. Com efeito, resulta do documento nº 14 junto com a p.i. (carta enviada pela Ré ao Autor, datada de 3/1/12), resumidamente o seguinte: “No seguimento da vistoria efetuada constámos que a viatura de Vª Exª sofreu danos cuja reparação se torna excessivamente onerosa face ao seu valor de mercado antes do acidente. Na situação em concreto, considerando o valor estimado para a reparação € 10.648,31 (…), a melhor proposta de aquisição da sua viatura com danos (€ 6.199,99), bem como o seu valor de mercado antes do acidente (€13.800,00) colocamos à disposição de V. Exª a quantia de €7.601,00 (…)”. Em face da análise deste documento, tem necessariamente de se concluir que o valor que a Ré pôs à disposição do A. não se destinada à reparação do veículo sinistrado mas sim a ressarci-lo pela perda total do mesmo. Desta forma, o ponto 1.27 tem que passar a ter a seguinte redação: “A Ré colocou à disposição dos Autores, em 3/3/12, a quantia de € 7.601,00 a título de indemnização pela perda total do veículo.”. Analisemos agora o ponto 1.17 (O veículo acidentado era usado diariamente pelos autores para se deslocarem para o trabalho bem como para passeios) e ainda a matéria que a Ré pretende aditar aos factos provados e que acima se encontra referida. Sobre esta matéria depuseram as testemunhas S, V (filhos dos AA.) e J (amigo dos AA.). O primeiro referiu que os pais faziam um uso diário do veículo, “era o carro da casa”, após o sinistro alugaram um veículo mas passado algum tempo já não conseguiam suportar o respetivo valor pelo que passaram a utilizar carros emprestados, incluindo o da testemunha. Disse ainda que na altura o pai era motorista numa empresa de produtos alimentares e nas deslocações de e para o trabalho utilizava o carro ora sinistrado e nas deslocações de trabalho utilizava uma carrinha frigorífica que não trazia para casa. Teve alturas em que, por não ter carro, foi e veio a pé para o trabalho, que distava 4/5 km de casa. A testemunha V disse que os pais utilizavam o veículo diariamente “para o trabalho, para ir às compras, passear”. O pai utilizava o veículo diariamente para ir para o trabalho. O pai trabalhava numa empresa de produtos alimentares e andava com um veículo da empresa nas deslocações de trabalho. Deixou o trabalho há 8/9 meses. No início alugaram um carro e depois recorreram a empréstimos e que os pais atualmente estão muito limitados em termos de deslocações porque não têm carro e estão sempre a depender de favores de outras pessoas. Disse ainda que o seu irmão, testemunha anterior, reside com os pais. A testemunha J referiu que os Autores só tinham aquele carro e que logo após o acidente andavam com outro carro e que agora andam a pé. Dos depoimentos supra referidos resulta que os Autores tinham apenas um carro que ficou danificado no acidente e que o mesmo era usado na vida diária daqueles, inclusive para o Autor se deslocar de e para o trabalho. Assim, não obstante não ser de atender a pretensão da Ré no sentido da alteração requerida, parece-nos necessário precisar este ponto, de forma a melhor reproduzir o que resultou da prova produzida. Assim, o ponto em causa passará a ter a seguinte redação: - O veículo acidentado era usado diariamente pelos autores para passeios e para o autor se deslocar de e para o trabalho. Quanto à inclusão de outro ponto referindo a atividade profissional do A. e que ele utilizava um veículo da empresa nas deslocações de trabalhos, parece-nos inútil pois o que interessa para o objeto da presente ação é a utilização dada pelos Autores ao veículo e não em que circunstâncias os Autores não utilizavam a viatura. Por outro lado, o ponto 1.17 é bem claro ao referir que o veículo era utilizado nas deslocações do A. para o seu trabalho, não havendo qualquer referência e deslocações em trabalho. Assim, a pretensão em análise da Apelante tem de ser desatendida. Quer ainda a Recorrente que seja incluído outro ponto nos factos provados que refira que “O agregado familiar dos Autores, para além do veículo acidentado, dispunha ainda de um outro veículo automóvel”. Ora, não podemos concordar com esta alegação. Com efeito, o facto de o filho dos Autores que com eles reside ter um veículo não pode motivar a inclusão de tal matéria nos termos pretendidos, pois tal filho é uma pessoa adulta que terá a sua vida própria, não se podendo considerar que os Autores têm outro carro apenas pelo facto de o filho destes que vive na mesma casa possuir um veículo. Na verdade, conforme decorreu dos depoimentos acima referidos, não obstante o filho dos Autores ter um veículo, estes têm que lho pedir para o utilizar e quando não é possível tal empréstimo, andam a pé. Pelo exposto, desatende-se nesta parte a pretensão da Apelante. * Vejamos agora a questão respeitante à indemnização fixada a título de valor da reparação do veículo sinistrado. A Apelante discorda do facto de a 1ª instância ter considerado que o art. 41º do DL 291/2007 se refere tão somente à obrigação de apresentação da chamada proposta razoável prevista nesse diploma, pois entende que a reparação do veículo é excessivamente onerosa, pelo que, o valor da indemnização, no caso, deveria corresponder ao do valor venal do veículo, descontado o valor do respetivo salvado. O diploma acima mencionado transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva nº 2005/14/CE, de 11/5, do Parlamento Europeu e do Conselho e a Diretiva nº 2000/26/CE relativas ao seguro de responsabilidade civil resultante da circulação de veículos automóveis. O artigo que a Recorrente diz aplicável ao caso em apreço, encontra-se inserido no capítulo III que tem como epígrafe “Da regularização de sinistros”, referindo-se no primeiro artigo desse capítulo, o art. 31º, o seguinte: “O presente capítulo fixa as regras e os procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito da responsabilidade civil automóvel”. No artigo 41º referido e na parte com interesse para o caso em apreço, é referido que se entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através de reparação do veículo, quando, nomeadamente, se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado o valor do salvado, ultrapassa 100% ou 120% do valor venal do veículo consoante se trate respetivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos. Conforme resulta da leitura do artigo 31º citado e é entendimento maioritário da jurisprudência, as normas inseridas nesse capítulo e, designadamente o art. 41º, destinam-se a fixar critérios (propostas razoáveis) para que a resolução extra judicial dos litígios emergentes de acidentes de viação seja efetuada de forma mais célere e eficiente, não pretendendo derrogar as normas gerais indemnizatórias previstas nos arts. 562º e 566º do C. Civil (v. neste sentido Ac. Do STJ de 6/10/16, Ac. do T. R. C. de 15/11/11 e Acs. deste Tribunal de 27/10/16 e de 9/2/17, todos em www.dgsi.pt ). Assim, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (v. art. 562º do C. Civil), seno a indemnização fixada em dinheiro sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art. 566º do C. Civil). Conforme nos referiu o Professor Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, 5ª ed., vol. I, pág. 862, o fim precípuo da lei nesta matéria é o de prover à direta remoção do dano real à custa do responsável, visto ser este o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes. Acrescentando o Ilustre Professor que, se o dano real consistiu na destruição ou desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, joia, etc) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação, ou substituição da coisa por conta do agente. É ainda referido na mencionada obra (pág. 864) que a reconstituição natural deve considerar-se meio impróprio ou inadequado, quando for excessivamente onerosa para o devedor (art. 566º, nº 1), isto é, quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado que importa recompor e o custo que a reparação envolve para o responsável. Compreende-se que assim seja de forma a impedir que o exercício do direito por parte do lesado exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé ou pelo seu fim social ou económico (art. 334º do C. Civil), traduzindo um desequilíbrio entra a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem (v. Menezes Cordeiro in Da Boa fé no Direito Civil, Coleção Teses, vol. II, pág. 852). Conforme vem sendo defendido jurisprudencialmente, um dos critérios de determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação; o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, valor que o veículo representa dentro do património do lesado (v. Ac. do STJ de 4/12/07 acima mencionado), devendo ser levados em conta, para além do valor da reparação, fatores como o uso dado ao veículo, possibilidade de aquisição de veículo idêntico que satisfaça de igual modo as necessidades do lesado ou mesmo o valor sentimental. Note-se que, para que seja afastada a reconstituição natural, a mesma tem que ser excessivamente onerosa e não apenas onerosa, sendo que cabe à Ré seguradora a prova da excessiva onerosidade (v. Ac. do STJ de 4/12/07 in www.dgsi.pt ). No caso, o veículo dos autores ficou danificado mas é suscetível de ser reparado. Resulta dos factos provados que o valor venal do veículo à data do acidente era de 13.800,00€, sendo o valor do “salvado” 6.199,00€ e que o valor da reparação orça em 10.648,31€. Diz a Ré que se os AA. receberem o valor venal do veículo ficam em condições de adquirir um veículo idêntico ao que possuíam. Ora, analisando a matéria de facto provada, de forma alguma se pode chegar à conclusão que a Ré chegou pois desconhece-se que valor seria necessário para adquirir uma viatura com as mesmas características da acidentada, sendo que, como acima foi dito, cabia à Ré a prova de tais factos. Assim e não resultando dos factos provados que a reparação seja excessivamente onerosa, pois ponderando o interesse dos AA. em recuperarem o seu veículo e o custo da reparação que recairá sobre a Ré, não resulta um desequilíbrio intolerável entre a vantagem e o sacrifício. Deste modo, cabe à Ré entregar aos Autores o valor necessário para que estes possam repor o seu património no estado em que se encontrava à data em que ocorreu a lesão, o que no caso equivale ao montante em que importa a reparação do seu veículo, ou seja, os mencionados 10.648,31€, julgando-se, pois, nesta parte improcedente a apelação. * A última questão suscitada pela Recorrente prende-se com a atribuição e quantificação de indemnização por privação de uso do veículo interveniente no acidente dos autos. Na Petição Inicial os AA. pediram a condenação da Ré na quantia diária de 25,00€, desde 6/1/12 (data em que deixaram de usufruir de uma viatura alugada) até pagamento da quantia a título de indemnização pela privação do veículo. A sentença recorrida condenou a Ré a pagar aos autores a quantia de 10,00€/dia desde 6/1/12 até pagamento da quantia arbitrada a título de valor da reparação do veículo. A Ré considera que, tendo pago o valor do aluguer do veículo de substituição e tendo posto à disposição dos Autores o montante correspondente ao valor venal do veículo, nada mais tem a pagar a título de indemnização pela privação do uso, invocando para fundamentar a sua posição o disposto no art. 42º, nº 2 do DL 291/07 que refere que a obrigação de disponibilização de veículo de substituição cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização. Ora, como acima foi dito, o Tribunal não está vinculado à aplicação das normas do mencionado diploma e, ainda que estivesse, sempre a disponibilização do montante correspondente ao valor venal do veículo não poderia, no caso, liberar a Ré da obrigação de disponibilizar veículo de substituição ou de suportar o valor correspondente, como decorre do acima exposto, a indemnização disponibilizada não era suficiente para que os Autores deixassem de necessitar de outro veículo, já que não era bastante para que o deles ficasse pronto a circular. Deste modo, a falta de aceitação da prestação pelo credor era justificada, não o fazendo incorrer em mora (v. art. 813º do C. Civil e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil anot., vol II, pág. 84). Com efeito, uma vez que os lesados não concordavam com o valor oferecido, não estavam obrigados a aceitar esse montante que só os compensava em parte pelo dano sofrido (v. 763º, nº 1 do C. Civil) Alega ainda a Ré que não tendo os Autores demonstrado que incorreram em despesas ou perdas de ganho relacionadas com a privação do uso do veículo, não têm direito a qualquer indemnização a esse título. No entanto, conforme refere o Professor Menezes Leitão (in Direito das Obrigações, 14ª ed., vol. I, pág. 329) o simples uso de um veículo constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano. A dificuldade, neste tipo de danos, coloca-se quando, como no caso, o lesado não suportou despesas em virtude da privação, acrescentando este autor que a conduta poupadora por parte do lesado não pode servir para obstar à indemnização do dano verificado. O Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes (in Indemnização do Dano da Privação do Uso, pág. 34) diz que diverso entendimento que impusesse invariavelmente ao lesado a prova da ocorrência de danos imputáveis à privação reverteria em benefício injustificado do responsável em medida correspondente ao aforro de despesas, não sendo de presumir que a ordem jurídica consinta em tal resultado. Acrescenta este autor que se a privação do uso do veículo durante um determinado período originou a perda das utilidades que o mesmo era suscetível de proporcionar e se essa perda não foi reparada mediante a forma natural de reconstituição, impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente. Na verdade, a privação do bem impede o seu dono de exercer os direitos inerentes ao seu direito de propriedade sobre esse bem, ou seja, de usar, fruir e dispor do mesmo (v. art. 1305º do C. Civil), sendo a privação do gozo suscetível de ser indemnizada Neste Tribunal da Relação de Guimarães, tem-se decidido da forma acima referida, como por exemplo, no Acórdão de 26/02/2015 (in www.dgsi.pt), em que se refere que: "A privação do uso de um veículo automóvel, traduzindo a perda dessa utilidade do veículo, constitui um dano – e um dano patrimonial, porque essa utilidade, considerada em si mesma, tem valor pecuniário." Ou no Acórdão de 27/10/16 (in www.dgsi.pt), em que se diz que “A privação do uso do veículo traduz-se num dano suscetível de ser indemnizado” No Acórdão do STJ de 9/3/10, decidiu-se que, como critério de atribuição do direito à indemnização é apenas necessária a demonstração no processo que, não fora a privação, o lesado usaria normalmente a coisa, vendo frustrado esse propósito. Provando-se, como se provou nos presentes autos que os Autores antes do acidente utilizavam regularmente o seu veículo e em face desse acidente estão privados de tal utilização, têm, pois os Autores direito ao ressarcimento do dano resultante da privação do veículo que lhes pertence, restando analisar qual o valor desse dano. No caso, uma vez que, obviamente, não é possível a reconstituição natural a indemnização tem que ser fixada recorrendo a critérios de equidade (v. art. 566º, nº 3 do C. Civil). Como acima foi referido, o Tribunal recorrido fixou a indemnização em 10,00€ dia, desde 6/1/12, o que até ao presente contabiliza a quantia de 19.140€. O montante diário fixado obedece aos critérios jurisprudenciais que têm vindo a ser seguidos em casos como o dos autos, mencionando-se a título de exemplo o Ac. do STJ de 09.03.2010, em que o valor considerado foi de €10,00 euros diários; o Ac. desta Relação de 27/10/16 que considerou o valor diário de €10,00; o Ac. da Rel. do Porto de 07.09.2010 em que se considerou também o valor de €10,00 euros por dia; o Ac. da Rel. de Lisboa de 7/5/15 que também fixou em €10,00 diários a indemnização e o Ac. da Rel. de Coimbra de 06-03-2012 no qual foi considerada também a quantia de €10,00 por dia, todos eles disponíveis em www.dgsi.pt . A Recorrente considera o montante fixado excessivo, dizendo que se deveria fixar a indemnização no montante máximo de 3.000,00€. Na verdade, olhando apenas para os números finais poderá afigurar-se-nos excessiva a mencionada indemnização, nomeadamente por o valor global em causa ser até bastante superior ao valor do veículo dos autores, podendo parecer que a fixação de tal quantia se traduziria num enriquecimento injustificado do lesado à custa do devedor da indemnização. Contudo, a fixação de uma quantia a título de indemnização pela privação do uso deve-se à conduta da Ré Seguradora que não pôs, como devia, uma viatura de substituição à disposição dos lesados, o que lhe implicaria o custo do aluguer respetivo, que certamente seria muito superior ao valor diário acima referido. Assim, ao reduzir-se o valor fixado, que se afigura bastante razoável, tendo em conta os custos normais diários de aluguer de um veículo, mesmo considerando a categoria mais baixa disponível nas “rent-a-car”, a Recorrente estaria a beneficiar largamente da violação da sua obrigação. Considera-se pois, correto o valor atribuído na sentença recorrida. * * Decisão: Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso de apelação da Ré, confirmando-se a sentença recorrida. Custas a cargo da Recorrente.* Guimarães, 4 de Abril de 2017 _______________________________­­­­­________ (Alexandra Rolim Mendes) _______________________________________ (Maria de Purificação Carvalho) _______________________________________ (Maria dos Anjos Melo Nogueira)