I - Se o condutor de um veículo tinha toda a faixa de rodagem livre para se desviar do Autor (que pretendia entrar para o lugar de tripulante da respectiva viatura ligeira e se encontrava imobilizado, de porta aberta, em parte ocupando a faixa de rodagem) tal era, por si só, susceptível de criar no Autor o espírito de confiança de quem crê que outrem cumpra as regras que lhe estão assinadas no exercício da condução; II - Por isso, se o veículo que segue em marcha, não se afasta o suficiente para excluir o perigo de embate, então torna-se único culpado pelo acidente ocorrido.
● Rec. – 344-06.8TJVNF.P1. Relator – Vieira e Cunha. Decisão de 1ª Instância de 29/5/09. Adjuntos – Des. Mª das Dores Eiró e Des. Proença Costa. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Os Factos Recurso de apelação interposto na acção com processo ordinário nº344/06.8TJVNF, do .º Juízo Cível da comarca de Vª Nª de Famalicão. Autor – B………. . Ré – C………., S.A. Pedido Que a Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de € 146.453,05, quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação. Tese do Autor No dia 25/2/04, cerca das 12H e 15m., verificou-se um acidente de viação, no qual interveio o veículo ligeiro de matrícula ..-..-SG, propriedade de D………., Ldª, e conduzido por E………., na ………., em ………., Famalicão, acidente que ocorreu quando o citado veículo pretendia ultrapassar o veículo do Autor, que em parte se encontrava a ocupar a ocupar a hemi-faixa de rodagem direita, no sentido ……….-E.N. .. . Efectuou tal ultrapassagem por forma irregular e inadvertida, colhendo o Autor, que se preparava para entrar na respectiva viatura ligeira estacionada. Peticiona a quantia em causa na acção, por via dos danos patrimoniais e não patrimoniais que invoca. Tese da Ré Impugna motivadamente a tese do Autor, já que atribui a este a responsabilidade pela eclosão dos danos sofridos, por via de uma tentativa de entrada desatenta no lugar do condutor do respectivo veículo. O Centro Distrital de Segurança Social de Braga efectuou pedido de reembolso de quantias pagas ao Autor, a título de subsídio de doença, no período compreendido entre 25/2/2004 e 6/6/2004, quantia essa acrescida de juros de mora a contar da notificação do pedido. Sentença Na sentença proferida pelo Mmº Juiz “a quo”, a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, a Ré condenada a pagar ao A. a quantia global de € 52.340,64, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar de 2/2/2006, bem como a reembolsar o I.S.S.S., no montante de € 778,32, acrescido de juros de mora, desde a notificação em 22/6/06. Conclusões do Recurso de Apelação da Ré 1ª – A decisão proferida pelo tribunal “a quo” contradiz a matéria de facto provada e viola o disposto nos artºs 483º, 505º e 570º C.Civ. 2ª – Dos factos provados resulta a violação por parte do Autor e causal para o acidente de várias normas estradais e deveres gerais de cuidado – artºs 3º nº2, 29º nº1 e 49º C.Est. 3ª – Não há factos que sustentem a culpa do condutor do veículo seguro, que não efectuou uma ultrapassagem, mas apenas passou por um veículo que ocupava parte da sua faixa de rodagem. 4ª – Tendo o veículo passado pelo estacionado, sem lhe embater, só se explica o contacto com a parte traseira do veículo por comportamento do Autor, que se aproximou do veículo seguro que por ele Autor passava. 5ª – Não há que invocar qualquer presunção de culpa porque a responsabilidade recai sobre o Autor – artº 570º C.Civ. 6ª – A decisão é infundamentada quando pondera para cálculo de danos futuros o montante de € 1.000, tendo ficado provado apenas um rendimento mensal de € 500. 7ª – A I.P.P. de 10% apenas deveria ter sido ponderada a título de danos morais. 8ª – Em qualquer circunstância deveria ser ponderada a antecipação do capital, com a redução do montante apurado em, pelo menos, ¼. O Apelado produziu as respectivas contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida. Factos Apurados em 1ª Instância 1. No dia 25.2.2004, pelas 12h15, na ………., em ………. - Famalicão, ocorreu um embate. 2. O veículo ligeiro de mercadorias ..-..-SG, propriedade de D………., Ldª, era conduzido por E………., que circulava pela ………. no sentido ………. - E.N. .. . 3. No local a referida avenida tem a seguinte configuração: desenha em linha recta, com uma baía de estacionamento do lado direito, conforme o sentido ………. - LN. ... 4. A referida via possui dois sentidos de trânsito. 5. O A. nasceu em 11.1.1973 (cf. certidão de nascimento constante de fls. 25). 6. O veículo ..-..-PA estava estacionado na referida ………., do lado direito, atento o sentido ………. - LN. .., em frente ao F.………, voltado para as bandas da E.N. .., com cerca de metade na faixa de rodagem e a outra metade na baía de estacionamento. 7. No momento do embate, o demandante preparava-se para entrar para o interior do veículo para o lugar do condutor, com a porta da frente do lado esquerdo aberta, num ângulo de pelo menos cerca de 45º, segura pela sua mão esquerda. 8. Quando assim estava foi colhido pela parte de trás da caixa do veículo ..-..-SG, que lhe esmagou as 2ª e 3ª falanges do 3° dedo da mão esquerda. 9. Na altura do embate o veículo ..-..-PA estava parado e o demandante fora dele. 10. O veículo ..-..-PA ocupava pelo menos 60 centímetros da faixa de rodagem. 11. A largura da rua é de 5,90 metros. 12. Da parte lateral esquerda, centro, do veículo PA à berma do lado esquerdo existia uma distância de 5,30 m. 13. No local onde ocorreu o embate o condutor do SG tinha visibilidade para toda a largura da faixa de rodagem, por mais de 50 metros de distância. 14. Apesar de ter, pelo menos, cerca de 4,75 metros de faixa de rodagem completamente livres e desimpedidos, pois não havia trânsito de veículos em sentido contrário naquele momento, o condutor do veículo ..-..-SG efectuou a ultrapassagem do veículo do demandante de modo (a distância do PA) que ocorreu o embate acima descrito. 15. Após a ultrapassagem, parou o veículo ..-..-SG com a traseira junto da parte da frente do veículo do demandante e apenas a uma distância lateral de 0,65 metros. 16. O condutor do ..-..-SG, E………., era funcionário da sociedade D………., Lda, proprietária desse veículo, e no momento do embate conduzia-o no exercido de funções laborais de esta que o tinha incumbido. 17. Quando o condutor do SG circulava nos termos referidos supra em 2., ao aproximar-se do local onde está instalado o F………., que se situa do lado direito da via, segundo o sentido de marcha do veículo SG, deparou com o veículo matricula ..-..-PA, do qual o A. era condutor, estacionado em 2ª fila, sem qualquer sinalização. 18. Metade da largura do referido veículo estava a ocupar parte da faixa de rodagem, por onde o condutor do SG pretendia circular. 19. Ao ultrapassar o veículo PA, teria o SG de ocupar parte da via em sentido contrário (em virtude do apurado em 18.), já só faltando a parte traseira da caixa (do veículo SG) para a manobra estar concluída quando ocorreu o embate. O A. pretendia entrar no veículo PA, e estava, para o efeito, com a porta (acima referida) aberta quando o veículo SG estava em plena ultrapassagem àquele veículo estacionado. 20. O autor abriu essa porta da frente esquerda do mesmo, num ângulo de, pelo menos, cerca de 45º. 21. Assim, a mão do Autor, que segurava essa porta (e esta própria) acabou por embater com a parte traseira direita da caixa do veículo SG, quando este veículo estava em andamento e em plena execução de ultrapassagem do veículo estacionado, tendo-o já ultrapassado em, pelo menos, 1/2 do seu comprimento. 22. No local existem, nos dois sentidos de trânsito, baías de estacionamento. 23. O A., à data do embate, conduzia o veículo ..-..-PA, propriedade do G………., por conta e sob as ordens de tal entidade. 24. Em consequência do embate o demandante sofreu amputação do 3º dedo da mão esquerda ao nível da 2ª falange. 25. Do local do embate foi imediatamente transportado para o S.U. do Hospital ………. - Porto, onde foi assistido pelo Serviço de Cirurgia Plástica.) 26. Foi submetido a uma intervenção cirúrgica com anestesia loco-regional, na tentativa de reimplantação do segmento amputado do 3° dedo da mão esquerda, com anastomose término-terminal da artéria e ramos colaterais. 27. Durante essa intervenção, e perante a constatação da existência de tromboses repetidas daquelas anastomoses que inviabilizavam a sobrevivência do segmento amputado, procederam à plastia do coto de amputação com retalho cutâneo intermetacarpiano em ilha, do 2° espaço. 28. No dia 27.2.2004 teve alta do internamento hospitalar, tendo transitado para a Consulta Externa de Cirurgia Plástica daquele Hospital. 29. (além do infra apurado) Apesar dos tratamentos a que se submeteu, o demandante ficou a padecer definitivamente das seguintes sequelas osteo-articulares: amputação do 3° dedo da mão esquerda pela 2ª falange; rigidez acentuada da 2a articulação (inter-falângica), com limitação da mobilidade; flexão entre 0° e 20°; redução da interlinha articular F1 - F2 ao Rx; coto doloroso algo doloroso à palpação e à percussão. 30. (além do infra apurado) Ficou a padecer também definitivamente das seguintes sequelas no plano das dismorfias: cicatriz distrófica que se estende desde a face dorsal do dedo amputado (3º dedo) até à região da tabaqueira anatómica no dorso da mão esquerda, resultante de correcção cirúrgica com plastia do coto da amputação. 31. (além do infra apurado) Ficou a padecer também definitivamente das seguintes do foro psiquiátrico: manifestações de alguma ansiedade… 32. …sequelas que lhe determinam uma incapacidade parcial permanente geral de 10%. 33. Lhe provocaram um “quantum doloris” de grau 4 numa escala de 1 a 7. 34. E lhe provocam um dano estético de grau 3 numa escala de 1 a 7. 35. As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas moderadas, tanto no momento do embate como no decurso do tratamento… 36. …e as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida. 37. Na altura do embate o A. era fisicamente bem constituído, saudável, dinâmico e trabalhador. 38. As referidas sequelas deixaram-no defeituoso, o que lhe causa desgosto. 39. O demandante é optometrista, empresário, com um salário mensal declarado de cerca de € 500, auferindo um rendimento superior (indeterminado), da sua actividade. 40. Por causa das lesões sofridas e dos tratamentos a que teve de se submeter esteve sem poder trabalhar pelo menos até 27.2.2004. 41. A prótese para amputação inter-falângica do 3° dedo da mão esquerda (dedo cosmético), a custos actuais, ronda os 3.000 €, sem IVA. 42. A durabilidade da referida prótese ronda, em média, os 4 anos, altura em que deve ser substituída. 43. E, de dois em dois anos, deve submeter-se a referida prótese a manutenção de ajuste devido ao mirramento da falange, o que representa uma despesa de cerca de 105 €, de dois em dois anos. 44. O demandante teve outras despesas, tendo gasto: - 1.035 € em honorários médicos; - 5,66 € em medicamentos; - 6,10 € em taxas moderadoras; - 90,96 € em tratamentos efectuados no Hospital da ……….; - 7,12 € na certidão da participação da G.N.R. de Famalicão. 45. O A., enquanto beneficiário da Segurança Social, apresentou incapacidade temporária para o exercício de actividade profissional, resultante do embate dos autos, durante o período de 25 de Fevereiro de 2004 a 6 de Junho de 2004. 46. O CDSS de Braga pagou ao A., a título de subsídio de doença por incapacidade temporária para o trabalho, a importância de € 778,32, correspondente ao período descrito no item 45. 47. Por apólice de seguro nº 33/000105, estava transferida, à data do acidente dos autos, para a Ré o risco resultante da circulação do veículo de matrícula ..-..-SG, Iveco ………. (cf. doc. a fls. 102). Fundamentos O recurso da Apelante Autora comporta a apreciação das seguintes questões: 1ª - Saber se não existe matéria de facto provada da qual resulte a prova da responsabilidade do Autor na eclosão do acidente e respectivos danos, designadamente por via da aplicação ao caso do disposto nos artºs 3º nº2, 29º nº1 e 49º C.Est. 2ª - Saber se a decisão é infundamentada quando pondera para cálculo de danos futuros o montante de € 1.000, tendo ficado provado apenas um rendimento mensal de € 500. 3ª - Saber se a I.P.P. de 10% apenas deveria ter sido ponderada a título de danos morais. 4ª – Saber se deveria ser ponderada a antecipação do capital, com a redução do montante apurado em, pelo menos, ¼. Passaremos a apreciar uma por uma tais questões. IOs normativos invocados, como vigentes à data da ocorrência infortunística tratada nos presentes autos, rezam como segue: “as pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes das vias” (artº 3º nº2 C.Est.); “o condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste” (artº 29º nº2 C.Est.); “É proibido o estacionamento: a) Nas vias em que impeça a formação de uma ou mais filas de trânsito, conforme este se faça num só ou nos dois sentidos; b) Nas faixas de rodagem, em segunda fila, e em todos os lugares em que impeça o acesso a veículos devidamente estacionados, a saída destes ou a ocupação de lugares vagos; c) Nos lugares por onde se faça o acesso de pessoas ou veículos a propriedades, a parques ou a lugares de estacionamento” (artº 50º nº1 C.Est.). Ora, desde logo o que importa afirmar é que o juízo de culpa formulado na sentença recorrida não tem por base qualquer presunção legal de culpa, designadamente a prevista no artº 503º nº3 C.Civ. Existe uma análise escrupulosa da responsabilidade do condutor do veículo em circulação, que conclui pela respectiva culpa exclusiva, rematando: “Analisando os factos, apesar de genericamente censurável e ilícita a atitude do Autor, foi a atitude do condutor do SG que, no plano subjectivo, deu causa ao acidente: o Autor estava imobilizado, com a porta aberta no ângulo assente em 20. dos factos provados, quando o SG efectuava a dita manobra de ultrapassagem, facto que, apesar de ilícito, impunha ao condutor deste o escrupuloso respeito das regras de cuidado que o deveriam ter levado a afastar-se o suficiente para excluir o perigo de embate com aquele; aliás, esse embate ocorre na parte final da ultrapassagem (vd. 21) e num contexto em que o condutor do SG tinha toda a restante hemi-faixa direita e toda a hemi-faixa esquerda para realizar essa manobra; era, por isso, perfeitamente antecipável e controlável, nessa situação, pelo condutor do SG o perigo que se concretizou com a sua acção/condução descuidada e, a final, só por causa dela”. Dificilmente se poderia ser mais explícito quanto a um juízo de culpa. É claro que existiu anteriormente um juízo de ilicitude que imputou um comportamento ilícito ao Autor. Mas a boa doutrina manda que se avalie a culpa ou o âmbito de protecção das normas que caracterizam a responsabilidade civil – ut artºs 483º nº1, 487º nºs 1 e 2 e 566º C.Civ. – não como um mero acervo ou constatação de contravenções praticadas pelos intervenientes aquando da ocorrência dos acidentes ou eventos lesivos, pois que mais do que a violação formal de regras, deve procurar conhecer-se o processo dinâmico ou causal do acidente para, em conformidade, saber se essa violação formal da regra pode ou não considerar-se na origem do evento infortunístico – neste sentido, v.g. Ac.R.P. 20/11/90 Bol. 401/634 ou Ac.R.P. 8/1/91 Bol.403/477. Ora, como há muito tempo vem salientando Meneses Cordeiro (em toda a sua obra, e pelo menos desde o Direito das Obrigações, Lisboa, 1980, II/§ 327) há na tradição analítica germânica, de Jhering e dos princípios do século XX (recebida em Portugal, através de diversos autores italianos, sobretudo pelo Prof. Guilherme Moreira) uma contraposição culpa/ilicitude que resulta, se não inútil, no mínimo algo artificial. Na verdade, o que está em causa é a responsabilidade e a reprovação pelo direito de uma conduta, que o direito francês bem classificou, ao longo dos tempos (desde o Code Napoléon em vigor), sinteticamente, como “faute” – o que se encontra em causa é saber se existiu a violação de um dever que se dirige à vontade, ao querer virtuoso (ou próprio do “bom pai de família”). Mais recentemente, escreveu muito adequadamente aquele Autor: “A recepção do modelo da responsabilidade civil baseado na contraposição entre culpa e ilicitude foi, antes do mais, uma recepção linguística; na verdade, não havia quaisquer problemas, no plano da aplicação, que obrigassem ao abandono da antiga culpa-“faute”; por certo que a superioridade técnica dos sistemas analíticos jogou um papel decisivo (…); de facto, seja qual for a orientação prosseguida quanto à noção de culpa, a sua contraposição perante a ilicitude só sobrevive se ela traduzir algo de substancialmente diverso.” Conclui, da análise das decisões do Supremo Tribunal de Justiça português que “quando se contempla a materialidade das decisões, salta à vista a tendência para a indiferenciação dos pressupostos, os quais tendem a concentrar-se na culpa” – “o juízo de imputação baseado no universo, de resto ontologicamente incindível, dos factos e das normas aplicáveis é intrinsecamente unitário; não há duas instâncias de controlo do ordenamento sobre a imputação: apenas surge uma, que se exprime como “culpa”; na realidade, é a “faute” ou, se se preferir, a culpa bem nacional anterior a Guilherme Moreira” (ut Eficácia Externa dos Créditos e Abuso de Direito, O Direito, 2009/I/pgs. 61 e 62). Penitenciamo-nos pelos extensos considerandos supra, por entendermos realçar que esta concepção dos pressupostos da responsabilidade civil há muito deveria ter merecido a atenção da doutrina em geral ou da jurisprudência. Ora, o que é que releva na economia da decisão em crise, e qual é a argumentação decisiva a que aderimos sem reserva? Independentemente de se classificar a manobra do SG como ultrapassagem, ou não, releva precisamente o facto de o Autor se encontrar imobilizado, de porta aberta, quando o condutor do SG, alheio às regras de cuidado no exercício da condução, não se afastou o suficiente para excluir o perigo de embate; aliás, o facto de o condutor do SG ter toda a faixa de rodagem livre para se desviar do Autor (que pretendia entrar para o lugar de tripulante da respectiva viatura ligeira) era, por si só, susceptível de criar no Autor o espírito de confiança de quem crê que outrem cumpra as regras que lhe estão assinadas no exercício da condução. Como sugestivamente alude a sentença recorrida, o resultado danoso era perfeitamente controlável e antecipável pelo condutor do SG – esse o quid decisorum, o comportamento especialmente desvalioso que nos conduz a, neste ponto, confirmar, na íntegra, as conclusões da sentença recorrida, a este propósito, imputando a culpa na eclosão do acidente e respectivos danos ao condutor do referido SG.[1]IIOlhando agora à demais apelação da Ré. Torna-se manifesto que não foi sem ponderação equitativa que a sentença recorrida chegou à conclusão de que o Autor poderia auferir, sensivelmente, a quantia mensal de € 1.000. É que, aquilo que vem provado é que o Autor “é optometrista, empresário, com um salário mensal declarado de cerca de € 500, auferindo um rendimento superior, indeterminado, da sua actividade”. Por outro lado, o cálculo do dano não pode dispensar o recurso à equidade, conforme disposto no artº 566º nº3 CCiv. A ser de outro modo, tratar-se-ia no caso de um puro problema técnico-contabilístico que os tribunais não concorreriam para resolver. Todavia, justifica-se que se parta de uma base técnico-contabilística, para após corrigir o capital obtido, fazendo apelo à fundamental equidade. Ora, a figuração de um vencimento de € 1.000 não só não é muito superior à média dos vencimentos no nosso país (que se situa, hoje por hoje, em termos líquidos, entre os € 600 e os € 800), como corresponde à consabida tendência das actividades de prestação de serviços de declararem menos rendimentos ao fisco que aqueles que auferem. Todavia, o fisco não é parte na presente acção, na qual se usam precisamente os critérios da equidade para atingir uma solução ressarcitória justa. Nada a objectar, pois, ao critério de equidade utilizado na sentença recorrida, não apenas por corresponder ao critério do Mmº Juiz “a quo”, mas pelo facto de se mostrar tal critério em absoluto justificado.IIIQuanto ao facto de a I.P.P. de 10% apenas se justificar ser ponderada em sede de danos morais ou não patrimoniais, Segundo a lei portuguesa, o dano patrimonial é representado pela diferença entre a situação real actual da vítima e a situação hipotética em que se encontraria, caso não houvesse sofrido o dano – artº 566º nº2 CCiv. Na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (liquidação em execução de sentença). Entre os danos futuros figuram, no caso dos autos, os danos patrimoniais derivados para a Autora da perda da capacidade de trabalho. Incidindo este dano sobre a necessidade de aquisição ou produção de rendimentos, por parte do lesado, pode ser ressarcido atribuindo um capital a pagar de imediato e antecipadamente, mas que, por um lado, produza rendimentos, por outro, se venha a esgotar no final da vida da lesada (“vida da lesada”, e não apenas a respectiva “vida activa”, pois que, mesmo na situação de pensionista, existem, na normalidade da vida, trabalhos e actividades que se desenvolvem e que envolverão esforço necessariamente superior - cf. Mauro Sella, La Quantificazione dei Danni da Sinistri Stradali, Turim, 2005, § 14.4)). Para tal, deve figurar-se o id quod plerumque accidit – a duração normal previsível de vida (tomando por base a expectativa média de vida dos homens em Portugal, pelos dados mais recentes – 73 anos), a idade do Autor, à data do acidente (31 anos), e a flutuação do valor do dinheiro, tendo em conta o tempo durante o qual o capital entregue deveria ser despendido (até ao final da vida da lesada) – ut S.T.J. 25/6/02 Col.II-128; desta forma, meras tabelas financeiras só por si não logram aproximar-se da realidade indemnizatória e necessitam de ser corrigidas, para mais ou para menos, em função de eventos que, sendo previsíveis, encontram nas fórmulas matemáticas uma tradução redutora (note-se que, sendo a equidade o critério legal, o Tribunal não está de todo reduzido à expressão indemnizatória das fórmulas matemáticas – S.T.J. 11/3/97 Bol.465-537 – mas pode recorrer a elas como fórmula de valor meramente auxiliar – S.T.J. 25/6/02 cit.). Mais deve-se claramente acrescentar que a percentagem de incapacidade para o trabalho a atender será apenas aquela que resultou do percentagem de incapacidade para o trabalho achada nos factos provados e que não ultrapassou os 10%. Assim, nesta ordem de ideias, diversas decisões jurisprudenciais recorreram a fórmulas matemáticas que explicitaram no respectivo texto (veja-se, conforme já citado na sentença, S.T.J. 4/2/93 Col.I-128, S.T.J. 5/5/94 Col.II-86 ou Ac.R.C. 4/4/95 Col.II-23). Pelo nosso lado, recorreremos, por exemplo, aos coeficientes de capitalização que o Conselho Superior da Magistratura italiano publicou em 1990, baseados sobre as tabelas de mortalidade da população em 1981, pensados para uma actualização (taxa de juro) de 5%, compensada porém, a favor da Autora, pela consideração do incremento médio da renda vitalícia de 3%, v.g., por progressões profissionais ou por aumentos directamente originados na inflação (coeficientes adoptados como simples instrumento de trabalho – L. Molinari, Manuale per il Rissarcimento del Dano, 2003, pg. 327ss.). Consideraremos o salário total anual de € 14.000 (considerando catorze meses de auferimento de vencimento), o qual, multiplicado pelo valor da incapacidade (10%) atinge um valor indemnizável anual de € 1.400. Tal valor multiplicado por 28,2538, que, nos aludidos coeficientes se reporta à idade de 31 anos, perfaz o total de € 39.555,32. Olhemos agora à fórmula matemática sugerida pelo Ac.S.T.J. 5/5/94 Col. II-86. A fórmula a utilizar como elemento de trabalho será: N -N C = P x ((1/i-(1 + i)/((1 + i) x i)) + P x (1 + i) onde C será o capital a depositar, P a prestação a pagar anualmente, i a taxa de juro e N o número de anos em que a prestação se manterá. Ou ainda à fórmula matemática sugerida pelo Ac.R.C. 4/4/95 Col.II/23, que, partindo da fórmula anterior, complementa-a com estoutra: i = ( 1 + r / 1 + k ) - 1 em que r representa a taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras (na actualidade, 4% líquidos máximos, média estimada, face à completa liberalização do usual mercado financeiro, e sobretudo se considerarmos aplicações que se irão consumindo necessariamente com o tempo) e k a taxa anual de crescimento da prestação a pagar no primeiro ano (englobando a inflação – 2% médios). Pela aplicação da dita fórmula do S.T.J. é certo que chegaríamos ao resultado de € 42.280,99, figurando 42 anos para o pagamento de capital. Tudo considerado, ponderando que sempre haveria que acrescer tal montante daqueloutro a que se refere a fórmula do Ac.R.C. 4/4/95 cit., temos como mais equilibradamente ressarcindo o prejuízo do Autor equacionado na quantia a que se refere a sentença recorrida, € 45.198,80, à qual se adere sem necessidade de outros considerandos, por supérfluos. Portanto, a I.P.P. de 10% foi ponderada e adequadamente na sentença recorrida, com vista a estabelecer o montante do dano patrimonial referente à perda de ganho futura. A questão de que incapacidades iguais ou inferiores a 10% não teriam relevância concreta sobre a capacidade de ganho (e apenas se reflectiriam no dano não patrimonial) foi uma orientação há muito abandonada pela jurisprudência (Ac.S.T.J. 7/5/71 Bol.207/149 apud Dario M. Almeida, Manual, 2ª ed., pg. 133, nota 1). Deveria tal quantia ter sido deduzida de 1/4 ou de 1/3, tendo em vista que o recebimento total da quantia indemnizatória produz juros? Trata-se de um critério mais antigo, achado que foi, v.g., nos Ac.R.P. 20/5/82 Col.III-209 e Ac.R.C. 13/7/82 Col.IV-48, e que pressupunha a multiplicação real de todos os vencimentos (ou da percentagem dos vencimentos correspondente à perda de ganho) e que estes vencimentos produziriam naturalmente juros, sendo que mais juros produziriam quanto mais tempo fosse pressuposto até ao final da prestação (daí que se aconselhasse a dedução de 1/3 da quantia final, quando se tratasse de vítimas jovens). Partia obviamente de uma realidade em que os juros de aplicações financeiras eram elevados, o que não acontece na actualidade. De todo o modo, como bem observa o Apelado, e como vimos pelas tabelas supra, a redução da indemnização pela produção de juros é neutralizada quase sempre se considerarmos as naturais progressões na carreira (não é crível que, com uma carreira estável, como o Autor, não se tenha mais experiência, e de tal facto se não tirem mais réditos, com 41, 51 ou 61 anos) ou se considerarmos os meros aumentos de vencimento, que, com ou sem inflação, sempre se verificam. Em suma, nada existe que alterar na sentença recorrida. A fundamentação poderá resumir-se por esta forma: I – Se o condutor de um veículo tinha toda a faixa de rodagem livre para se desviar do Autor (que pretendia entrar para o lugar de tripulante da respectiva viatura ligeira e se encontrava imobilizado, de porta aberta, em parte ocupando a faixa de rodagem) tal era, por si só, susceptível de criar no Autor o espírito de confiança de quem crê que outrem cumpra as regras que lhe estão assinadas no exercício da condução; por isso, se o veículo que segue em marcha, não se afasta o suficiente para excluir o perigo de embate, então torna-se único culpado pelo acidente ocorrido. II – A redução da indemnização pela produção de juros é neutralizada quase sempre se considerarmos as naturais progressões na carreira ou se considerarmos os meros aumentos de vencimento, que, com ou sem inflação, sempre se verificam. III – O lesado deve ser ressarcido atribuindo um capital a pagar de imediato e antecipadamente, mas que produza rendimentos que se venham a esgotar no final da vida do lesado (e não apenas na respectiva “vida activa”, pois que, mesmo na situação de pensionista, existem, na normalidade da vida, trabalhos e actividades que se desenvolvem e que envolverão esforço necessariamente superior). Com os poderes que lhe são conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República, decide-se neste Tribunal da Relação: Julgar improcedente, por não provado, o recurso de apelação interposto pela Ré e, em consequência, confirmar na íntegra a sentença recorrida. Custas pela Ré/Apelante. Porto, 26/I/10 José Manuel Cabrita Vieira e Cunha Maria das Dores Eiró de Araújo João Carlos Proença de Oliveira Costa _______________________ [1] Um estudo do Consº Moitinho de Almeida, publicado no sítio do S.T.J. (endereço – http://www.stj.pt/nsrepo/cont/EJuridicos/Estudo%20sobre%20Seguro%20obrigatorio%20automóvel.pdf) recomenda aos tribunais portugueses o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias sempre que se encontrem em causa os artºs 503º, 505º e 570º C.Civ., já que, segundo o Autor, a jurisprudência dos acórdãos TJCE Elaine Farrell, de 2007, e Candolin, de 2003, parece enveredar por uma solução que contraria a consagrada em vários Estados-Membros, ao entender que nunca, seja qual for a gravidade do comportamento do lesado, a indemnização pode ser excluída e só em casos excepcionais pode ser limitada, o que se aplica, em particular, à indemnização de peões, ciclistas e outros utentes não motorizados. Ora, embora o conceito de peão do Código da Estrada não deva, em rigor, ser extensível ao condutor de veículo que nele tenta entrar, como era a situação do Autor, no caso dos autos, a situação não deixaria de possuir semelhanças notórias e que aqui se sinalizam a título meramente informativo.
● Rec. – 344-06.8TJVNF.P1. Relator – Vieira e Cunha. Decisão de 1ª Instância de 29/5/09. Adjuntos – Des. Mª das Dores Eiró e Des. Proença Costa. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto Os Factos Recurso de apelação interposto na acção com processo ordinário nº344/06.8TJVNF, do .º Juízo Cível da comarca de Vª Nª de Famalicão. Autor – B………. . Ré – C………., S.A. Pedido Que a Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia de € 146.453,05, quantia acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação. Tese do Autor No dia 25/2/04, cerca das 12H e 15m., verificou-se um acidente de viação, no qual interveio o veículo ligeiro de matrícula ..-..-SG, propriedade de D………., Ldª, e conduzido por E………., na ………., em ………., Famalicão, acidente que ocorreu quando o citado veículo pretendia ultrapassar o veículo do Autor, que em parte se encontrava a ocupar a ocupar a hemi-faixa de rodagem direita, no sentido ……….-E.N. .. . Efectuou tal ultrapassagem por forma irregular e inadvertida, colhendo o Autor, que se preparava para entrar na respectiva viatura ligeira estacionada. Peticiona a quantia em causa na acção, por via dos danos patrimoniais e não patrimoniais que invoca. Tese da Ré Impugna motivadamente a tese do Autor, já que atribui a este a responsabilidade pela eclosão dos danos sofridos, por via de uma tentativa de entrada desatenta no lugar do condutor do respectivo veículo. O Centro Distrital de Segurança Social de Braga efectuou pedido de reembolso de quantias pagas ao Autor, a título de subsídio de doença, no período compreendido entre 25/2/2004 e 6/6/2004, quantia essa acrescida de juros de mora a contar da notificação do pedido. Sentença Na sentença proferida pelo Mmº Juiz “a quo”, a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, a Ré condenada a pagar ao A. a quantia global de € 52.340,64, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar de 2/2/2006, bem como a reembolsar o I.S.S.S., no montante de € 778,32, acrescido de juros de mora, desde a notificação em 22/6/06. Conclusões do Recurso de Apelação da Ré 1ª – A decisão proferida pelo tribunal “a quo” contradiz a matéria de facto provada e viola o disposto nos artºs 483º, 505º e 570º C.Civ. 2ª – Dos factos provados resulta a violação por parte do Autor e causal para o acidente de várias normas estradais e deveres gerais de cuidado – artºs 3º nº2, 29º nº1 e 49º C.Est. 3ª – Não há factos que sustentem a culpa do condutor do veículo seguro, que não efectuou uma ultrapassagem, mas apenas passou por um veículo que ocupava parte da sua faixa de rodagem. 4ª – Tendo o veículo passado pelo estacionado, sem lhe embater, só se explica o contacto com a parte traseira do veículo por comportamento do Autor, que se aproximou do veículo seguro que por ele Autor passava. 5ª – Não há que invocar qualquer presunção de culpa porque a responsabilidade recai sobre o Autor – artº 570º C.Civ. 6ª – A decisão é infundamentada quando pondera para cálculo de danos futuros o montante de € 1.000, tendo ficado provado apenas um rendimento mensal de € 500. 7ª – A I.P.P. de 10% apenas deveria ter sido ponderada a título de danos morais. 8ª – Em qualquer circunstância deveria ser ponderada a antecipação do capital, com a redução do montante apurado em, pelo menos, ¼. O Apelado produziu as respectivas contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida. Factos Apurados em 1ª Instância 1. No dia 25.2.2004, pelas 12h15, na ………., em ………. - Famalicão, ocorreu um embate. 2. O veículo ligeiro de mercadorias ..-..-SG, propriedade de D………., Ldª, era conduzido por E………., que circulava pela ………. no sentido ………. - E.N. .. . 3. No local a referida avenida tem a seguinte configuração: desenha em linha recta, com uma baía de estacionamento do lado direito, conforme o sentido ………. - LN. ... 4. A referida via possui dois sentidos de trânsito. 5. O A. nasceu em 11.1.1973 (cf. certidão de nascimento constante de fls. 25). 6. O veículo ..-..-PA estava estacionado na referida ………., do lado direito, atento o sentido ………. - LN. .., em frente ao F.………, voltado para as bandas da E.N. .., com cerca de metade na faixa de rodagem e a outra metade na baía de estacionamento. 7. No momento do embate, o demandante preparava-se para entrar para o interior do veículo para o lugar do condutor, com a porta da frente do lado esquerdo aberta, num ângulo de pelo menos cerca de 45º, segura pela sua mão esquerda. 8. Quando assim estava foi colhido pela parte de trás da caixa do veículo ..-..-SG, que lhe esmagou as 2ª e 3ª falanges do 3° dedo da mão esquerda. 9. Na altura do embate o veículo ..-..-PA estava parado e o demandante fora dele. 10. O veículo ..-..-PA ocupava pelo menos 60 centímetros da faixa de rodagem. 11. A largura da rua é de 5,90 metros. 12. Da parte lateral esquerda, centro, do veículo PA à berma do lado esquerdo existia uma distância de 5,30 m. 13. No local onde ocorreu o embate o condutor do SG tinha visibilidade para toda a largura da faixa de rodagem, por mais de 50 metros de distância. 14. Apesar de ter, pelo menos, cerca de 4,75 metros de faixa de rodagem completamente livres e desimpedidos, pois não havia trânsito de veículos em sentido contrário naquele momento, o condutor do veículo ..-..-SG efectuou a ultrapassagem do veículo do demandante de modo (a distância do PA) que ocorreu o embate acima descrito. 15. Após a ultrapassagem, parou o veículo ..-..-SG com a traseira junto da parte da frente do veículo do demandante e apenas a uma distância lateral de 0,65 metros. 16. O condutor do ..-..-SG, E………., era funcionário da sociedade D………., Lda, proprietária desse veículo, e no momento do embate conduzia-o no exercido de funções laborais de esta que o tinha incumbido. 17. Quando o condutor do SG circulava nos termos referidos supra em 2., ao aproximar-se do local onde está instalado o F………., que se situa do lado direito da via, segundo o sentido de marcha do veículo SG, deparou com o veículo matricula ..-..-PA, do qual o A. era condutor, estacionado em 2ª fila, sem qualquer sinalização. 18. Metade da largura do referido veículo estava a ocupar parte da faixa de rodagem, por onde o condutor do SG pretendia circular. 19. Ao ultrapassar o veículo PA, teria o SG de ocupar parte da via em sentido contrário (em virtude do apurado em 18.), já só faltando a parte traseira da caixa (do veículo SG) para a manobra estar concluída quando ocorreu o embate. O A. pretendia entrar no veículo PA, e estava, para o efeito, com a porta (acima referida) aberta quando o veículo SG estava em plena ultrapassagem àquele veículo estacionado. 20. O autor abriu essa porta da frente esquerda do mesmo, num ângulo de, pelo menos, cerca de 45º. 21. Assim, a mão do Autor, que segurava essa porta (e esta própria) acabou por embater com a parte traseira direita da caixa do veículo SG, quando este veículo estava em andamento e em plena execução de ultrapassagem do veículo estacionado, tendo-o já ultrapassado em, pelo menos, 1/2 do seu comprimento. 22. No local existem, nos dois sentidos de trânsito, baías de estacionamento. 23. O A., à data do embate, conduzia o veículo ..-..-PA, propriedade do G………., por conta e sob as ordens de tal entidade. 24. Em consequência do embate o demandante sofreu amputação do 3º dedo da mão esquerda ao nível da 2ª falange. 25. Do local do embate foi imediatamente transportado para o S.U. do Hospital ………. - Porto, onde foi assistido pelo Serviço de Cirurgia Plástica.) 26. Foi submetido a uma intervenção cirúrgica com anestesia loco-regional, na tentativa de reimplantação do segmento amputado do 3° dedo da mão esquerda, com anastomose término-terminal da artéria e ramos colaterais. 27. Durante essa intervenção, e perante a constatação da existência de tromboses repetidas daquelas anastomoses que inviabilizavam a sobrevivência do segmento amputado, procederam à plastia do coto de amputação com retalho cutâneo intermetacarpiano em ilha, do 2° espaço. 28. No dia 27.2.2004 teve alta do internamento hospitalar, tendo transitado para a Consulta Externa de Cirurgia Plástica daquele Hospital. 29. (além do infra apurado) Apesar dos tratamentos a que se submeteu, o demandante ficou a padecer definitivamente das seguintes sequelas osteo-articulares: amputação do 3° dedo da mão esquerda pela 2ª falange; rigidez acentuada da 2a articulação (inter-falângica), com limitação da mobilidade; flexão entre 0° e 20°; redução da interlinha articular F1 - F2 ao Rx; coto doloroso algo doloroso à palpação e à percussão. 30. (além do infra apurado) Ficou a padecer também definitivamente das seguintes sequelas no plano das dismorfias: cicatriz distrófica que se estende desde a face dorsal do dedo amputado (3º dedo) até à região da tabaqueira anatómica no dorso da mão esquerda, resultante de correcção cirúrgica com plastia do coto da amputação. 31. (além do infra apurado) Ficou a padecer também definitivamente das seguintes do foro psiquiátrico: manifestações de alguma ansiedade… 32. …sequelas que lhe determinam uma incapacidade parcial permanente geral de 10%. 33. Lhe provocaram um “quantum doloris” de grau 4 numa escala de 1 a 7. 34. E lhe provocam um dano estético de grau 3 numa escala de 1 a 7. 35. As lesões sofridas provocaram-lhe dores físicas moderadas, tanto no momento do embate como no decurso do tratamento… 36. …e as sequelas de que ficou a padecer definitivamente continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mal-estar, que o vão acompanhar durante toda a vida. 37. Na altura do embate o A. era fisicamente bem constituído, saudável, dinâmico e trabalhador. 38. As referidas sequelas deixaram-no defeituoso, o que lhe causa desgosto. 39. O demandante é optometrista, empresário, com um salário mensal declarado de cerca de € 500, auferindo um rendimento superior (indeterminado), da sua actividade. 40. Por causa das lesões sofridas e dos tratamentos a que teve de se submeter esteve sem poder trabalhar pelo menos até 27.2.2004. 41. A prótese para amputação inter-falângica do 3° dedo da mão esquerda (dedo cosmético), a custos actuais, ronda os 3.000 €, sem IVA. 42. A durabilidade da referida prótese ronda, em média, os 4 anos, altura em que deve ser substituída. 43. E, de dois em dois anos, deve submeter-se a referida prótese a manutenção de ajuste devido ao mirramento da falange, o que representa uma despesa de cerca de 105 €, de dois em dois anos. 44. O demandante teve outras despesas, tendo gasto: - 1.035 € em honorários médicos; - 5,66 € em medicamentos; - 6,10 € em taxas moderadoras; - 90,96 € em tratamentos efectuados no Hospital da ……….; - 7,12 € na certidão da participação da G.N.R. de Famalicão. 45. O A., enquanto beneficiário da Segurança Social, apresentou incapacidade temporária para o exercício de actividade profissional, resultante do embate dos autos, durante o período de 25 de Fevereiro de 2004 a 6 de Junho de 2004. 46. O CDSS de Braga pagou ao A., a título de subsídio de doença por incapacidade temporária para o trabalho, a importância de € 778,32, correspondente ao período descrito no item 45. 47. Por apólice de seguro nº 33/000105, estava transferida, à data do acidente dos autos, para a Ré o risco resultante da circulação do veículo de matrícula ..-..-SG, Iveco ………. (cf. doc. a fls. 102). Fundamentos O recurso da Apelante Autora comporta a apreciação das seguintes questões: 1ª - Saber se não existe matéria de facto provada da qual resulte a prova da responsabilidade do Autor na eclosão do acidente e respectivos danos, designadamente por via da aplicação ao caso do disposto nos artºs 3º nº2, 29º nº1 e 49º C.Est. 2ª - Saber se a decisão é infundamentada quando pondera para cálculo de danos futuros o montante de € 1.000, tendo ficado provado apenas um rendimento mensal de € 500. 3ª - Saber se a I.P.P. de 10% apenas deveria ter sido ponderada a título de danos morais. 4ª – Saber se deveria ser ponderada a antecipação do capital, com a redução do montante apurado em, pelo menos, ¼. Passaremos a apreciar uma por uma tais questões. IOs normativos invocados, como vigentes à data da ocorrência infortunística tratada nos presentes autos, rezam como segue: “as pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes das vias” (artº 3º nº2 C.Est.); “o condutor sobre o qual recaia o dever de ceder a passagem deve abrandar a marcha, se necessário parar ou, em caso de cruzamento de veículos, recuar, por forma a permitir a passagem de outro veículo, sem alteração da velocidade ou direcção deste” (artº 29º nº2 C.Est.); “É proibido o estacionamento: a) Nas vias em que impeça a formação de uma ou mais filas de trânsito, conforme este se faça num só ou nos dois sentidos; b) Nas faixas de rodagem, em segunda fila, e em todos os lugares em que impeça o acesso a veículos devidamente estacionados, a saída destes ou a ocupação de lugares vagos; c) Nos lugares por onde se faça o acesso de pessoas ou veículos a propriedades, a parques ou a lugares de estacionamento” (artº 50º nº1 C.Est.). Ora, desde logo o que importa afirmar é que o juízo de culpa formulado na sentença recorrida não tem por base qualquer presunção legal de culpa, designadamente a prevista no artº 503º nº3 C.Civ. Existe uma análise escrupulosa da responsabilidade do condutor do veículo em circulação, que conclui pela respectiva culpa exclusiva, rematando: “Analisando os factos, apesar de genericamente censurável e ilícita a atitude do Autor, foi a atitude do condutor do SG que, no plano subjectivo, deu causa ao acidente: o Autor estava imobilizado, com a porta aberta no ângulo assente em 20. dos factos provados, quando o SG efectuava a dita manobra de ultrapassagem, facto que, apesar de ilícito, impunha ao condutor deste o escrupuloso respeito das regras de cuidado que o deveriam ter levado a afastar-se o suficiente para excluir o perigo de embate com aquele; aliás, esse embate ocorre na parte final da ultrapassagem (vd. 21) e num contexto em que o condutor do SG tinha toda a restante hemi-faixa direita e toda a hemi-faixa esquerda para realizar essa manobra; era, por isso, perfeitamente antecipável e controlável, nessa situação, pelo condutor do SG o perigo que se concretizou com a sua acção/condução descuidada e, a final, só por causa dela”. Dificilmente se poderia ser mais explícito quanto a um juízo de culpa. É claro que existiu anteriormente um juízo de ilicitude que imputou um comportamento ilícito ao Autor. Mas a boa doutrina manda que se avalie a culpa ou o âmbito de protecção das normas que caracterizam a responsabilidade civil – ut artºs 483º nº1, 487º nºs 1 e 2 e 566º C.Civ. – não como um mero acervo ou constatação de contravenções praticadas pelos intervenientes aquando da ocorrência dos acidentes ou eventos lesivos, pois que mais do que a violação formal de regras, deve procurar conhecer-se o processo dinâmico ou causal do acidente para, em conformidade, saber se essa violação formal da regra pode ou não considerar-se na origem do evento infortunístico – neste sentido, v.g. Ac.R.P. 20/11/90 Bol. 401/634 ou Ac.R.P. 8/1/91 Bol.403/477. Ora, como há muito tempo vem salientando Meneses Cordeiro (em toda a sua obra, e pelo menos desde o Direito das Obrigações, Lisboa, 1980, II/§ 327) há na tradição analítica germânica, de Jhering e dos princípios do século XX (recebida em Portugal, através de diversos autores italianos, sobretudo pelo Prof. Guilherme Moreira) uma contraposição culpa/ilicitude que resulta, se não inútil, no mínimo algo artificial. Na verdade, o que está em causa é a responsabilidade e a reprovação pelo direito de uma conduta, que o direito francês bem classificou, ao longo dos tempos (desde o Code Napoléon em vigor), sinteticamente, como “faute” – o que se encontra em causa é saber se existiu a violação de um dever que se dirige à vontade, ao querer virtuoso (ou próprio do “bom pai de família”). Mais recentemente, escreveu muito adequadamente aquele Autor: “A recepção do modelo da responsabilidade civil baseado na contraposição entre culpa e ilicitude foi, antes do mais, uma recepção linguística; na verdade, não havia quaisquer problemas, no plano da aplicação, que obrigassem ao abandono da antiga culpa-“faute”; por certo que a superioridade técnica dos sistemas analíticos jogou um papel decisivo (…); de facto, seja qual for a orientação prosseguida quanto à noção de culpa, a sua contraposição perante a ilicitude só sobrevive se ela traduzir algo de substancialmente diverso.” Conclui, da análise das decisões do Supremo Tribunal de Justiça português que “quando se contempla a materialidade das decisões, salta à vista a tendência para a indiferenciação dos pressupostos, os quais tendem a concentrar-se na culpa” – “o juízo de imputação baseado no universo, de resto ontologicamente incindível, dos factos e das normas aplicáveis é intrinsecamente unitário; não há duas instâncias de controlo do ordenamento sobre a imputação: apenas surge uma, que se exprime como “culpa”; na realidade, é a “faute” ou, se se preferir, a culpa bem nacional anterior a Guilherme Moreira” (ut Eficácia Externa dos Créditos e Abuso de Direito, O Direito, 2009/I/pgs. 61 e 62). Penitenciamo-nos pelos extensos considerandos supra, por entendermos realçar que esta concepção dos pressupostos da responsabilidade civil há muito deveria ter merecido a atenção da doutrina em geral ou da jurisprudência. Ora, o que é que releva na economia da decisão em crise, e qual é a argumentação decisiva a que aderimos sem reserva? Independentemente de se classificar a manobra do SG como ultrapassagem, ou não, releva precisamente o facto de o Autor se encontrar imobilizado, de porta aberta, quando o condutor do SG, alheio às regras de cuidado no exercício da condução, não se afastou o suficiente para excluir o perigo de embate; aliás, o facto de o condutor do SG ter toda a faixa de rodagem livre para se desviar do Autor (que pretendia entrar para o lugar de tripulante da respectiva viatura ligeira) era, por si só, susceptível de criar no Autor o espírito de confiança de quem crê que outrem cumpra as regras que lhe estão assinadas no exercício da condução. Como sugestivamente alude a sentença recorrida, o resultado danoso era perfeitamente controlável e antecipável pelo condutor do SG – esse o quid decisorum, o comportamento especialmente desvalioso que nos conduz a, neste ponto, confirmar, na íntegra, as conclusões da sentença recorrida, a este propósito, imputando a culpa na eclosão do acidente e respectivos danos ao condutor do referido SG.[1]IIOlhando agora à demais apelação da Ré. Torna-se manifesto que não foi sem ponderação equitativa que a sentença recorrida chegou à conclusão de que o Autor poderia auferir, sensivelmente, a quantia mensal de € 1.000. É que, aquilo que vem provado é que o Autor “é optometrista, empresário, com um salário mensal declarado de cerca de € 500, auferindo um rendimento superior, indeterminado, da sua actividade”. Por outro lado, o cálculo do dano não pode dispensar o recurso à equidade, conforme disposto no artº 566º nº3 CCiv. A ser de outro modo, tratar-se-ia no caso de um puro problema técnico-contabilístico que os tribunais não concorreriam para resolver. Todavia, justifica-se que se parta de uma base técnico-contabilística, para após corrigir o capital obtido, fazendo apelo à fundamental equidade. Ora, a figuração de um vencimento de € 1.000 não só não é muito superior à média dos vencimentos no nosso país (que se situa, hoje por hoje, em termos líquidos, entre os € 600 e os € 800), como corresponde à consabida tendência das actividades de prestação de serviços de declararem menos rendimentos ao fisco que aqueles que auferem. Todavia, o fisco não é parte na presente acção, na qual se usam precisamente os critérios da equidade para atingir uma solução ressarcitória justa. Nada a objectar, pois, ao critério de equidade utilizado na sentença recorrida, não apenas por corresponder ao critério do Mmº Juiz “a quo”, mas pelo facto de se mostrar tal critério em absoluto justificado.IIIQuanto ao facto de a I.P.P. de 10% apenas se justificar ser ponderada em sede de danos morais ou não patrimoniais, Segundo a lei portuguesa, o dano patrimonial é representado pela diferença entre a situação real actual da vítima e a situação hipotética em que se encontraria, caso não houvesse sofrido o dano – artº 566º nº2 CCiv. Na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (liquidação em execução de sentença). Entre os danos futuros figuram, no caso dos autos, os danos patrimoniais derivados para a Autora da perda da capacidade de trabalho. Incidindo este dano sobre a necessidade de aquisição ou produção de rendimentos, por parte do lesado, pode ser ressarcido atribuindo um capital a pagar de imediato e antecipadamente, mas que, por um lado, produza rendimentos, por outro, se venha a esgotar no final da vida da lesada (“vida da lesada”, e não apenas a respectiva “vida activa”, pois que, mesmo na situação de pensionista, existem, na normalidade da vida, trabalhos e actividades que se desenvolvem e que envolverão esforço necessariamente superior - cf. Mauro Sella, La Quantificazione dei Danni da Sinistri Stradali, Turim, 2005, § 14.4)). Para tal, deve figurar-se o id quod plerumque accidit – a duração normal previsível de vida (tomando por base a expectativa média de vida dos homens em Portugal, pelos dados mais recentes – 73 anos), a idade do Autor, à data do acidente (31 anos), e a flutuação do valor do dinheiro, tendo em conta o tempo durante o qual o capital entregue deveria ser despendido (até ao final da vida da lesada) – ut S.T.J. 25/6/02 Col.II-128; desta forma, meras tabelas financeiras só por si não logram aproximar-se da realidade indemnizatória e necessitam de ser corrigidas, para mais ou para menos, em função de eventos que, sendo previsíveis, encontram nas fórmulas matemáticas uma tradução redutora (note-se que, sendo a equidade o critério legal, o Tribunal não está de todo reduzido à expressão indemnizatória das fórmulas matemáticas – S.T.J. 11/3/97 Bol.465-537 – mas pode recorrer a elas como fórmula de valor meramente auxiliar – S.T.J. 25/6/02 cit.). Mais deve-se claramente acrescentar que a percentagem de incapacidade para o trabalho a atender será apenas aquela que resultou do percentagem de incapacidade para o trabalho achada nos factos provados e que não ultrapassou os 10%. Assim, nesta ordem de ideias, diversas decisões jurisprudenciais recorreram a fórmulas matemáticas que explicitaram no respectivo texto (veja-se, conforme já citado na sentença, S.T.J. 4/2/93 Col.I-128, S.T.J. 5/5/94 Col.II-86 ou Ac.R.C. 4/4/95 Col.II-23). Pelo nosso lado, recorreremos, por exemplo, aos coeficientes de capitalização que o Conselho Superior da Magistratura italiano publicou em 1990, baseados sobre as tabelas de mortalidade da população em 1981, pensados para uma actualização (taxa de juro) de 5%, compensada porém, a favor da Autora, pela consideração do incremento médio da renda vitalícia de 3%, v.g., por progressões profissionais ou por aumentos directamente originados na inflação (coeficientes adoptados como simples instrumento de trabalho – L. Molinari, Manuale per il Rissarcimento del Dano, 2003, pg. 327ss.). Consideraremos o salário total anual de € 14.000 (considerando catorze meses de auferimento de vencimento), o qual, multiplicado pelo valor da incapacidade (10%) atinge um valor indemnizável anual de € 1.400. Tal valor multiplicado por 28,2538, que, nos aludidos coeficientes se reporta à idade de 31 anos, perfaz o total de € 39.555,32. Olhemos agora à fórmula matemática sugerida pelo Ac.S.T.J. 5/5/94 Col. II-86. A fórmula a utilizar como elemento de trabalho será: N -N C = P x ((1/i-(1 + i)/((1 + i) x i)) + P x (1 + i) onde C será o capital a depositar, P a prestação a pagar anualmente, i a taxa de juro e N o número de anos em que a prestação se manterá. Ou ainda à fórmula matemática sugerida pelo Ac.R.C. 4/4/95 Col.II/23, que, partindo da fórmula anterior, complementa-a com estoutra: i = ( 1 + r / 1 + k ) - 1 em que r representa a taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras (na actualidade, 4% líquidos máximos, média estimada, face à completa liberalização do usual mercado financeiro, e sobretudo se considerarmos aplicações que se irão consumindo necessariamente com o tempo) e k a taxa anual de crescimento da prestação a pagar no primeiro ano (englobando a inflação – 2% médios). Pela aplicação da dita fórmula do S.T.J. é certo que chegaríamos ao resultado de € 42.280,99, figurando 42 anos para o pagamento de capital. Tudo considerado, ponderando que sempre haveria que acrescer tal montante daqueloutro a que se refere a fórmula do Ac.R.C. 4/4/95 cit., temos como mais equilibradamente ressarcindo o prejuízo do Autor equacionado na quantia a que se refere a sentença recorrida, € 45.198,80, à qual se adere sem necessidade de outros considerandos, por supérfluos. Portanto, a I.P.P. de 10% foi ponderada e adequadamente na sentença recorrida, com vista a estabelecer o montante do dano patrimonial referente à perda de ganho futura. A questão de que incapacidades iguais ou inferiores a 10% não teriam relevância concreta sobre a capacidade de ganho (e apenas se reflectiriam no dano não patrimonial) foi uma orientação há muito abandonada pela jurisprudência (Ac.S.T.J. 7/5/71 Bol.207/149 apud Dario M. Almeida, Manual, 2ª ed., pg. 133, nota 1). Deveria tal quantia ter sido deduzida de 1/4 ou de 1/3, tendo em vista que o recebimento total da quantia indemnizatória produz juros? Trata-se de um critério mais antigo, achado que foi, v.g., nos Ac.R.P. 20/5/82 Col.III-209 e Ac.R.C. 13/7/82 Col.IV-48, e que pressupunha a multiplicação real de todos os vencimentos (ou da percentagem dos vencimentos correspondente à perda de ganho) e que estes vencimentos produziriam naturalmente juros, sendo que mais juros produziriam quanto mais tempo fosse pressuposto até ao final da prestação (daí que se aconselhasse a dedução de 1/3 da quantia final, quando se tratasse de vítimas jovens). Partia obviamente de uma realidade em que os juros de aplicações financeiras eram elevados, o que não acontece na actualidade. De todo o modo, como bem observa o Apelado, e como vimos pelas tabelas supra, a redução da indemnização pela produção de juros é neutralizada quase sempre se considerarmos as naturais progressões na carreira (não é crível que, com uma carreira estável, como o Autor, não se tenha mais experiência, e de tal facto se não tirem mais réditos, com 41, 51 ou 61 anos) ou se considerarmos os meros aumentos de vencimento, que, com ou sem inflação, sempre se verificam. Em suma, nada existe que alterar na sentença recorrida. A fundamentação poderá resumir-se por esta forma: I – Se o condutor de um veículo tinha toda a faixa de rodagem livre para se desviar do Autor (que pretendia entrar para o lugar de tripulante da respectiva viatura ligeira e se encontrava imobilizado, de porta aberta, em parte ocupando a faixa de rodagem) tal era, por si só, susceptível de criar no Autor o espírito de confiança de quem crê que outrem cumpra as regras que lhe estão assinadas no exercício da condução; por isso, se o veículo que segue em marcha, não se afasta o suficiente para excluir o perigo de embate, então torna-se único culpado pelo acidente ocorrido. II – A redução da indemnização pela produção de juros é neutralizada quase sempre se considerarmos as naturais progressões na carreira ou se considerarmos os meros aumentos de vencimento, que, com ou sem inflação, sempre se verificam. III – O lesado deve ser ressarcido atribuindo um capital a pagar de imediato e antecipadamente, mas que produza rendimentos que se venham a esgotar no final da vida do lesado (e não apenas na respectiva “vida activa”, pois que, mesmo na situação de pensionista, existem, na normalidade da vida, trabalhos e actividades que se desenvolvem e que envolverão esforço necessariamente superior). Com os poderes que lhe são conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República, decide-se neste Tribunal da Relação: Julgar improcedente, por não provado, o recurso de apelação interposto pela Ré e, em consequência, confirmar na íntegra a sentença recorrida. Custas pela Ré/Apelante. Porto, 26/I/10 José Manuel Cabrita Vieira e Cunha Maria das Dores Eiró de Araújo João Carlos Proença de Oliveira Costa _______________________ [1] Um estudo do Consº Moitinho de Almeida, publicado no sítio do S.T.J. (endereço – http://www.stj.pt/nsrepo/cont/EJuridicos/Estudo%20sobre%20Seguro%20obrigatorio%20automóvel.pdf) recomenda aos tribunais portugueses o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias sempre que se encontrem em causa os artºs 503º, 505º e 570º C.Civ., já que, segundo o Autor, a jurisprudência dos acórdãos TJCE Elaine Farrell, de 2007, e Candolin, de 2003, parece enveredar por uma solução que contraria a consagrada em vários Estados-Membros, ao entender que nunca, seja qual for a gravidade do comportamento do lesado, a indemnização pode ser excluída e só em casos excepcionais pode ser limitada, o que se aplica, em particular, à indemnização de peões, ciclistas e outros utentes não motorizados. Ora, embora o conceito de peão do Código da Estrada não deva, em rigor, ser extensível ao condutor de veículo que nele tenta entrar, como era a situação do Autor, no caso dos autos, a situação não deixaria de possuir semelhanças notórias e que aqui se sinalizam a título meramente informativo.