Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Os autores J. C. e esposa M. S. instauraram, em 12-09-2018, no Tribunal de Fafe, acção declarativa, em forma de processo comum, contra os réus A. C. e esposa M. F.. Foi este o pedido que formularam: “…serem os Réus condenados a: a) Reconhecer o direito de propriedade dos Autores e absterem-se de o violar; b) Demolir todas as obras e aberturas por eles efetuadas na propriedade dos Autores, colocando-a na situação em que se encontrava anteriormente; c) Pagar aos Autores uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelo facto de, abusivamente, terem invadido a sua propriedade. d) Pagar as custas legais, procuradoria condigna e demais encargos com o processo.” Para o fundamentar, alegaram – e alegaram apenas –, na petição, de essencial, que são donos de certo prédio rústico que identificaram pelo nome, composição, área, confrontações, matriz e registo, “conforme” certidões destas, e que os réus são donos de outro, que referiram da mesma maneira e por reporte à certidão do registo predial. Este confronta de norte com aquele. No prédio dos réus, construíram estes diversas “infraestruturas, nomeadamente dois pavilhões industriais.” Nessa altura e “no seguimento da edificação dos mesmos, foram colocadas ventoinhas, tubos para esvaziamento de águas pluviais e residuais, sempre em desrespeito pelas distâncias legalmente exigidas” e “sem autorização” dos autores. Além disso, cavaram uma vala no terreno destes, para escoamento das águas pluviais, também “sem, autorização”. Mais tarde, foram abertas janelas e uma porta de acesso, também sem o seu “consentimento”, em “abuso e afronta” do seu direito. Após uma queixa à Câmara, foi colocada uma “vedação em arame em toda a extensão dos pavilhões em questão, com uma apropriação indevida e ilegal, de 1,5 m do terreno dos Autores, impedindo-os de aceder a essa parte do seu terreno”. As descritas infraestruturas “foram construídas no limite dos terrenos dos Autores e Réus”. O revestimento da parede exterior de um pavilhão ocupa 15 cm do seu terreno em parte da sua extensão e a vedação ocupa o citado 1,5 em toda a extensão do terreno. Tais obras violam “elementares preceitos constitucionais” e de “direito administrativo e do urbanismo” e especialmente o direito de propriedade dos autores, principalmente a vedação. Aliás, são actos de “esbulho”. Trata-se de “violência sobre as coisas” que impede os autores de usufruir do “terreno sua pertença”, e que, assim “causaram e causam danos na propriedade”. Juntaram fotos e documentos. Em contestação, os réus defenderam-se por impugnação de parte da factualidade alegada, negaram qualquer ocupação, confirmaram que implantaram a vedação mas “numa área de terreno que é sua” e de acordo com a planta do loteamento feito no seu prédio, acrescentando que in loco pode-se verificar que as sapatas dos muros que executaram estão enterradas na área de terreno a que se referem os autores, isto há mais de 20 anos, sem que estes algo questionassem. Juntaram um documento, que os autores impugnaram. Foi dispensada a audiência prévia, fixado o valor da causa, saneados tabelarmente os autos, identificado o objecto do litígio (“a pretensão dos autores em ver reconhecido o direito sobre o prédio” e a “pretensão de ver demolidas as construções”), enunciados os temas da prova, apreciados os requerimentos probatórios e designando data para a audiência final. Esta realizou-se nos termos e com as formalidades narradas nas respectivas actas, no seu decurso tendo sido tomadas declarações do autor e tomado depoimento do réu (bem como declarações de parte), ouvidas testemunhas, efectuando-se inspecção ao local. Por sentença de 22-10-2019, foi decidido: “Nestes termos, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência: a) Reconheço o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio rústico mencionado em 1) da factualidade provada e condeno os Réus a absterem-se de violá-lo. b) Condeno os Réus a demolirem a vala cavada para além da vedação existente, do lado do prédio dos Autores. c) Absolvo os Réus do demais peticionado. Atento o decaimento de ambas as partes, as custas em dívida serão devidas na proporção de 1/5 pelos Réus e 4/5 pelos Autores – cfr. art. 527º do CPC. Notifique. ”. Insatisfeitos, os autores apelaram a que esta Relação revogue a sentença e condene em conformidade com o recurso, tendo apresentado como conclusões: “1 – Os Recorrentes não concordam essencialmente com a resposta dada às alíneas a), b), c), d), e) e f) dos factos não provados da p.i., cuja reapreciação pelo presente recurso se requer. 2 - A convicção do Tribunal “a quo”, relativamente ao julgamento da matéria de facto, ...u na posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, no teor dos documentos juntos aos autos, na inspecção ao local realizada, nos depoimentos e declarações de parte prestados e na inquirição das testemunhas na audiência final, sendo que os elementos instrutórios foram apreciados conjuntamente segundo as regras do ónus da prova e as regras da experiência. 3 – Na óptica do Tribunal Recorrido a grande questão de facto em causa nos presentes autos respeita não à titularidade dos prédios e realização das obras invocadas, mas sim à delimitação dos prédios de Autores e Réus e inerente construção, ou não, das obras realizadas no terreno de uns e outros. 4 – Foi com base nesta premissa, que os Recorrentes partiram para a presente demanda, esgotados que foram todos os esforços extrajudiciais. 5 - As Fotografias junto aos autos, o Ofício do Município ... datado de 13/05/2019, a Caderneta Predial do prédio propriedade dos A.A., as queixas apresentadas na Câmara Municipal ..., as cartas enviadas aos Recorridos conjugados com os depoimentos prestados pelas testemunhas M. A., J. L., J. F., A. R. E M. V., C. J. E J. P., impunham uma decisão diversa sobre as alíneas a), b), c), d), e) e f) dos factos não provados da P.I. 6 - O MMº Juiz “a quo” na fundamentação da decisão sobre matéria de facto constante dos mencionados pontos, para além de não ter tido em consideração e por isso não ter valorado devidamente estes depoimentos, não fez uma correcta interpretação da referida prova documental. 7 - A conjugação destes depoimentos com a referida prova documental, assume particular importância para a reapreciação e alteração da matéria de facto constante das alíneas a), b), c), d), e) e f), impondo decisão diversa sobre os mencionados pontos da matéria de facto. 8 – O MMº Juiz “a quo” na livre apreciação que fez da prova, utilizou dualidade de critérios. 9 - Todas as testemunhas inquiridas foram consentâneas, quanto à existência dum antigo muro que delimitava as propriedades de Recorridos e Recorrentes. 10 - Muro esse que foi sendo destruído ao longo dos anos, dando lugar a novas edificações, existindo apenas resquícios das extremidades do mesmo. 11 - No local em discussão nos presentes autos, os resquícios desse muro estão a uma distância tal uns dos outros, que não permitem, a olho nu, concluir por onde o mesmo seguiria e se implantaria. 12 - À parte este ponto de convergência, a prova testemunhal separou-se, naturalmente, em duas versões contraditórias. 13 - As testemunhas dos Recorrentes declararam que, o mencionado muro delimitava as propriedades por uma linha que hoje corresponde à parede das traseiras do pavilhão industrial construído no prédio dos Recorridos. 14 - O antigo muro, ou melhor os resquícios do mesmo, são a pedra basilar para o desfecho da presente lide. 15 - Todas as testemunhas basearam as conclusões a que chegaram para a tomada de posição quanto a quem pertencia a faixa de terreno em causa, na existência do antigo muro e mormente na existência dos seus resquícios. 16 – O antigo muro, separava e separa duas freguesias, do concelho de Fafe, Ribeiros e ..., onde se encontram os prédios em análise. 17 - Do lado da freguesia de Ribeiros situa-se o prédio dos Recorrentes e do lado de ..., o prédio dos Recorridos. 18 – Os Recorrentes sempre mantiveram boas relações de vizinhança com todos os seus confrontantes, fazendo com os mesmos inclusive, cedências mútuas de faixas de terreno. 19 – Tal realidade resulta do depoimento prestado pela testemunha J. L. e das quatro fotografias ampliadas do local ora juntas ao abrigo do disposto no artigo 423.º do Código de Processo Civil. E, 20 – Da inspecção ao local. 21 - O MMº Juiz “a quo” não valorou a existência dos resquícios do muro. 22 - O Tribunal recorrido, desvalorizou por inteiro o depoimento das testemunhas M. A., J. L. e J. A.. 23 – Tais depoimentos assumem particular importância para o apuramento dos factos e consequente desfecho da presente lide. 24 – O Tribunal “a quo” fez uma interpretação demasiado redutora e pejorativa da prova produzida pelas testemunhas dos Recorrentes e dos documentos que aqueles carrearam para os autos, com particular importância o Ofício, datado de 13/05/2019, emitido pelo Município .... 25 – Na Fundamentação da douta Sentença objecto de recurso, o Tribunal recorrido, apenas valorou o depoimento das testemunhas A. C., M. V., C. J. e J. P., todas arroladas pelos Requeridos e o documento junto por eles aos autos. 26 - O tribunal recorrido, teve dois pesos e duas medidas na apreciação da prova. 27 – Não há dúvidas que a vedação em arame colocada pelos Recorridos nas traseiras do seu pavilhão, ocupa uma área de 1,50 cm em toda a extensão do seu prédio. 28 – O revestimento de parte da parede exterior traseira do referido pavilhão, invade também o terreno dos Recorrentes, em cerca de 15 cm, ao longo da sua extensão. 29 – Tal ocupação/invasão impede os Recorrentes de utilizarem o seu prédio nas áreas delimitadas e invadidas pela vedação e revestimento ali referidos, na sua plenitude. 30 – Tal realidade resulta do teor do já mencionado Ofício, datado de 13/05/2019, emitido pelo Município ..., sob a epígrafe: “Proposta de demolição de obra executada sem licença/Urbanização Penedo Gordo, lotes 2 e 3/... – Fafe. 31 – O Tribunal “a quo” desconsiderou como prova o teor do documento a que se alude na conclusão anterior, o qual impunha decisão diversa sobre os mencionados pontos da matéria de facto. 32 - As alíneas a), b), c), d), e) e f) dos Factos não provados devem ser considerados provados. 33 - Os A.A., aqui Recorrentes, alegaram e provaram factos alusivos quer à posse, quer à propriedade do seu prédio e concludentemente da parcela de terreno onde foram feitas as obras em apreço. 34 - Da matéria fáctica discutida no presente recurso, resulta que a aludida parcela de terreno faz parte integrante do prédio dos A.A. 35 - Os Recorrentes sempre utilizaram o seu prédio e a referida parcela de terreno dele integrante, convictos de estarem a exercer um direito próprio, à vista de toda a gente, por si e seus antigos possuidores, sem oposição de quem quer que seja e na convicção de não lesarem direitos de outrem. 36 – A parte da douta Sentença que julgou improcedente o pedido formulado pelos Autores, quanto ao reconhecimento de que faz parte integrante do seu prédio, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ... da freguesia de ... e inscrito na matriz predial rústica daquela freguesia sob o artigo ..., a faixa de terreno com a largura de um metro e cinquenta centímetros em toda a extensão do seu prédio e absolveu os Réus dos demais pedidos formulados pelos Autores, deverá ser revogada por uma outra que condene os Recorridos a reconhecerem os direitos invocados pelos recorrentes. 37 - É entendimento unânime que as regras de distribuição do ónus da prova não constituem limites aos poderes instrutórios do juiz. 38 - O MMº Juiz não deve limitar-se a ser um mero espectador, apático perante a actuação do autor e do réu. 39 - Com a entrada em vigor do actual Código de Processo Civil, viu-se uma acentuação dos poderes de direcção do juiz, que passou a ter o poder-dever de ordenar, ex officio, a realização de diligências que sejam importantes para a descoberta da verdade. 40 - A iniciativa probatória prevista no artigo 411.º do Código de Processo Civil, é um dever do juiz e não uma faculdade. 41 - O juiz tem a liberdade, não só de valorar as provas, mas também tem o poder/dever de complementá-las. 42 – No Novo Código de Processo Civil, existe uma multiplicidade de normas sobre a instrução, que configuram uma impressionante amplitude dos poderes probatórios do juiz, nomeadamente nos artigos 436.º (requisição de documentos), 467.º (perícia), 490,º (inspecção judicial), 526.º (inquirição por iniciativa do tribunal) e 452.º (depoimento de parte). 43 - A Sentença recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 1251º, 1259º, 1261º, 1262 e 1263ºe 1311º todos do Código Civil e nos artigos 436º, 452º, 467º, 490º e 526º, todos do Código de Processo Civil. Termos em que, deve o presente recurso ser recebido, e a final considerado procedente, revogando-se, como pedido, a Sentença recorrida e condenando-se os recorridos, em conformidade com este recurso, assim se fazendo, JUSTIÇA!”. Os réus contra-alegaram no sentido de que seja mantida na íntegra a decisão, cujos fundamentos reproduziram, evidenciaram e reiteraram. [1] O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo. Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta. II. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC. Joeirando as mais de quatro dezenas de conclusões com que os recorrentes finalizaram as suas alegações manifestamente desrespeitando o comando normativo ínsito ao disposto no nº 1, do artº 639º, CPC, e os princípios da utilidade, economia e celeridade que perpassem pelo Código [2], sobra delas a questão, única mas essencial, de saber se a decisão da matéria de facto enferma de erro, quanto aos pontos indicados, e se deve ser alterada. Além disso, é de ofício mas também foi referida pelos recorridos, a questão da admissibilidade legal das fotos ora juntas pelos autores. III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O tribunal recorrido considerou relevantes e decidiu julgar como provados os seguintes factos: “1) Encontra-se registada a favor dos Autores a aquisição da propriedade por sucessão hereditária e partilha a 15-11-2010 do prédio rústico denominado ... ..., composto por uma coutada de mato e lenha sito no lugar do ..., com a área de vinte e um mil metros quadrados, a confrontar de norte com F. C., do sul com limite da freguesia de Moreira, do nascente com J. D. e do poente com prédios dos Autores, descrito no Registo Predial ... com o n.º ... da freguesia de ... e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ... da freguesia de .... 2) Os Autores, por si e antepossuidores, há mais de 5, 15, 20 e 30 anos vêm possuindo ininterruptamente o prédio descrito em 1, pagando as respetivas contribuições e outros encargos referentes ao mesmo. 3) Possuindo-o com o conhecimento da generalidade das pessoas, nomeadamente dos vizinhos e habitantes e dos próprios Réus. 4) Sem a oposição de ninguém à vista de toda a gente, dia a dia, ano a ano. 5) Com a consciência de não lesarem o direito de quem quer que seja, 6) Tendo adquirido tal posse sem violência e exercendo-a com o ânimo de quem exerce um respetivo direito de propriedade. 7) Encontra-se registada a favor dos Réus a aquisição por compra a 2-2-2001 do prédio urbano, que confronta de norte com herdeiros de A. F., hoje prédio dos Autores referido em 1), sul com caminho público, nascente com lote 4 e de Poente com lote 1, resultante da anexação dos n.ºs …/19971111 e …/19971111, sito na ... ..., freguesia de ..., com a área de mil duzentos e noventa e sete virgula quarenta metros quadrados, descrito no Registo Predial ... com o n.º .../20171103, da freguesia de ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ... - P da freguesia de .... 8) No prédio dos Réus foram construídas diversas infraestruturas ao longo dos anos, nomeadamente um pavilhão industrial. 9) No seguimento da edificação do pavilhão industrial foram nele colocados tubos para esvaziamento de águas pluviais e residuais e ventoinhas, sem qualquer autorização dos Autores. 10) Foi cavada pelos Réus uma vala no terreno dos Autores, sem qualquer autorização destes. 11) Foram abertas pelos Réus no seu pavilhão industrial janelas e uma porta de acesso, também sem qualquer consentimento dos Autores. 12) Foi colocada pelos Réus uma vedação em arame em toda a extensão das traseiras do pavilhão em questão. 13) E efetuado o revestimento de parte da parede exterior traseira do pavilhão em cerca de 15 cm. 14) Os Autores solicitaram aos Réus a demolição das obras referidas em 11) a 13), e efetuaram queixas junto da Câmara Municipal para o mesmo efeito, mediante as missivas juntas como docs. 16, 17, 18 e 19 à petição inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.” Mais julgou não provados os seguintes: “Não resultaram comprovados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente que: a) A vedação mencionada em 12) ocupe uma área de 1,50 cm em toda a sua extensão do prédio dos Autores. b) O revestimento mencionado em 13) invada o terreno dos Autores em cerca de 15 cm, ao longo da sua extensão. c) Os factos a) e b) impedem os Autores de utilizarem o seu prédio nas áreas delimitadas e invadidas pela vedação e revestimento ali referidos. d) Exista um tubo para escoamento de águas residuais provindas do prédio dos Réus que as faz cair diretamente no terreno dos Autores, onde se infiltram. e) A vala referida em 10) se destine a escoar águas residuais do prédio dos Réus. f) A vala referida em 10) impede os Autores de usufruírem da utilização do seu prédio.” IV. APRECIAÇÃO Junção de documentos Com as suas alegações, os autores carrearam agora para o processo quatro fotos com as quais pretendem ilustrar uma alegada cedência por eles em tempos feita de uma parcela de terreno do seu prédio para construção do campo de futebol contíguo e de que teria resultado uma configuração que entendem ser elemento relevante para prova da sua tese, isto é, de como e por onde se fazia outrora e faz actualmente a respectiva estrema no sentido de daí se concluir que o espaço ora disputado lhes pertence. Sem nada justificarem quanto à oportunidade, pretenderam abrigar tal junção na norma do artº 423º, do CPC. Esqueceram, porém, as dos artºs 651º e 425º e o muito que sobre tal problema a Jurisprudência [3] tem referido, designadamente evidenciando aquilo que a lei com clareza estabelece: por regra, os documentos devem ser juntos com os articulados; só excepcionalmente podem sê-lo com as alegações. Neste caso, não curaram os apelantes de alegar e demonstrar tal excepcionalidade, nem ela se descortina. Daí que não possa atender-se a sua pretensão. Vejamos. O Código de Processo Civil, na versão anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007, dispunha, no nº 1, do artº 523º, que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa, deviam ser apresentados com o articulado em que fossem alegados os respectivos factos. Era também com os articulados eventualmente supervenientes que todas as provas deviam ser oferecidas – artº 506º, nº 5. Se não fossem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podiam, ainda, ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância, com ou sem penalização (multa), conforme se provasse, ou não, a impossibilidade de o terem sido com aquele – artº 523º, nº 2. Depois desse momento processual, só eram admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tivesse sido possível até então – artº 524º, nº 1. Além disso, os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tivesse tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podiam ser oferecidos em qualquer estado do processo – artº 524º, nº 2. Por sua vez, o artº 706º, previa que as partes “podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o artº 524º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância” (nº 1). Além disso, os documentos supervenientes podiam ser juntos até ao momento dos Vistos (nº 2). Na versão resultante daquele Decreto-Lei 303/2007, mantiveram-se aquelas regras traçadas nos artºs 523º e 524º, mas no novo e sucedâneo artº 693º-B (do anterior 706º) aditaram-se às hipóteses contempladas no artº 524º e à de a necessidade da junção advir do julgamento proferido em 1ª instância os “casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do nº 2 do artº 691º”, ou seja, os de decisões das quais, excepcionalmente, também cabia apelação imediata. Perante ela, referia Abrantes Geraldes [4] que a jurisprudência, de que citou exemplos, “não hesitava em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes dessa decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado” mas que, todavia, pode ocorrer a junção “quando esta se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”. No regime actual, decorrente da entrada em vigor do novo Código, dispõe-se, no nº 1, do artº 423º, que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa, devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os respectivos factos. Assim como, no nº 5, do artº 588º, que é com os articulados eventualmente supervenientes que todas as provas são oferecidas. O nº 2, do artº 423º, estabelece que, se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem, ainda, ser apresentados até 20 dias antes da data da realização da audiência final, com ou sem sanção (multa), conforme se prove, ou não, a impossibilidade de o terem sido com aquele. Depois daquele limite temporal, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior – artº 423º, nº 3. Além disso, depois do encerramento da discussão, só são admitidos – mas no caso de recurso – os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aí – artº 425º. Por seu turno, o actual artº 651º, regulador da apresentação das alegações nesta fase de recurso, estabelece, no nº 1, que, com elas, as partes apenas podem juntar documentos nas situações excepcionais a que se refere o artº 425º – documentos cuja junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão em 1ª instância – e no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento ali proferido. Voltou-se, pois, à situação anterior, abolindo-se a hipótese que decorria dos casos de apelação imediata presentemente contemplados no artº 644º, nº 2. [5] Ora, na situação aqui em apreço, os apelantes limitaram-se a anunciar, no final do requerimento de interposição de recurso e das suas alegações, que juntavam um documento [6] e a invocá-lo no decurso das alegações para corroborar o depoimento de testemunhas, nomeadamente de J. L., sobre o aludido episódio relativo à cedência de uma parcela para o campo de futebol, cedência esta que teria pressuposto uma certa configuração primitiva do seu prédio e de cuja efectivação teria resultado a que dizem ser a actual e por eles considerada relevante para demonstração da sua tese. Assim, pretendem credibilizar as suas testemunhas e refutar a desvalorização “indevida” que do respectivo depoimento pelo tribunal teria sido feita. Visando os recorrentes, em última análise, demonstrar, como lhes cabia, o essencial da factualidade que alegaram na petição em ordem a concluir-se que a parcela de terreno supostamente “invadida” e “violada” faz parte do seu prédio e lhes pertence, como era fundamental que demonstrassem, era com esse articulado que os deviam ter junto. Lembra a esse respeito o STJ que “Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador.”[7]. Como nem então, nem até ao encerramento da discussão em 1ª instância, curaram de o fazer, precludiu-se qualquer das oportunidades processuais que o artº 423º facultava e nenhuma outra ressurgiu. Com efeito, nada sugere sequer – até porque eles a isso não fizeram a mínima alusão – que a apresentação de tais documentos não tivesse sido possível até ali. Não existiam? Desconheciam-nos? Por qualquer outra causa estava-lhes vedado em absoluto o acesso? Nada alegam, menos provam, como seria necessário. Além disso, a necessidade de junção de tais provas não nasceu por virtude do julgamento feito em 1ª instância. Ela remonta à instauração da acção e tem génese nas regras do ónus da prova que sobre eles impendem relativamente aos factos fundamentadores da pretensão para que, por tal via, buscam protecção jurídica. Tal necessidade implica que a parte interessada se muna e ofereça todos os meios de prova relevantes para demonstração da realidade por si alegada, contando com o que a parte contrária poderá também alegar e contraprovar, de modo a facultar ao juiz o manancial de elementos capaz de permitir formar e sustentar a sua convicção sobre aquela. No caso de ele, após o julgamento, não ficar convencido ou ficar com dúvidas e, por isso, na sentença, declarar não provados os factos convenientes, não é com a apelação dela nem para poder contestar os fundamentos da sua decisão nem, portanto, para impugnar o decidido, que se gera a requerida necessidade de que a lei faz depender a admissibilidade excepcional da junção, nessa fase, de documentos. Esse desaire não dá azo a segunda oportunidade para apresentação de outras provas, nem para consolidar e credibilizar as já antes produzidas, nomeadamente os depoimentos testemunhais julgados frágeis e não convincentes. A necessidade não visa colmatar o fracasso da tarefa probatória a cargo da parte. Ela apenas surge e releva se, como diz o Supremo, “pela fundamentação da sentença, ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida.” [8] Na verdade, “No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento.” [9] Ademais, se, como dizem os recorrentes, a “realidade que se pode verificar pela simples análise das quatro fotografias” e que respeita a um “bico” de terreno constituído após a referida cedência onde antes existia “uma linha recta a separar”, afinal “já se verificou no local aquando da inspecção” mas tal não foi devidamente valorado, resulta inequívoco e seguro não só que a junção é supérflua em vista do valor e eficácia daquele referido meio de prova directa já produzido pelo tribunal a quo mas também que pretendendo-se, através dela, afrontar a “valoração” por ele atribuída, afinal a necessidade não decorre mesmo do julgamento em si mas do descontentamento com o mesmo e da tentativa de o impugnar e reverter. Anotando-se, por fim, que as fotos não aparentam conter nem retratar aspectos verdadeiramente esclarecedores e decisivos da questão fáctica controvertida fulcral, não resta senão, por tudo quanto se expôs, indeferir a junção e ordenar o desentranhamento de tais documentos e, pelo incidente, condenar os apelantes nas respectivas custas, cujo valor se fixará em razão dos critérios legais plasmados no RCP, do grau de impertinência do requerimento e consequente ilicitude e culpa, necessidades preventivas, efeitos nos autos e sua situação económica. Impugnação da matéria de facto Já se pôs em relevo, no relatório com que se iniciou este Acórdão, o teor do pedido formulado na presente acção. Pediu-se, com efeito, o reconhecimento do direito de propriedade dos autores – é verdade. Quanto a isso tendo a acção sido julgada procedente, declarou-se reconhecido o referido direito sobre o prédio tal como este foi identificado na petição inicial e se descreveu no ponto 1 dos factos provados. Foi-o, aí, sem uma concreta e precisa alegação dos limites do terreno e, portanto, sobre a exacta localização e implantação da sua estrema na confrontação com o dos réus. Em consequência, os actos de posse relativos àquele (aliás provados nos pontos 2 a 6) e, consequentemente, a usucapião invocada como modo de aquisição originária do mesmo, referem-se tão só ao prédio em si. Eles não foram alegados específica e incisivamente em relação à parcela de terreno disputada. Claro que a demonstração de que as obras levadas a cabo pelos réus atingem o prédio dos autores e, assim, ofendem o seu direito de propriedade, pressupõe a alegação e prova de que a parte invadida faz parte do seu terreno e, portanto, de que é essa a coisa (com tal conformação e extensão) sobre que incide o seu direito real. Porém, olhando-se à petição (aos seus fundamentos e ao pedido em que culminou), logo ressalta a fragilidade com que a aquisição do direito sobre a faixa, seja por via da invocação de actos de posse sobre ela seja pela de quaisquer outros que, uma vez demonstrados, relevem para convencer dela, foi elaborada e afirmada. Aliás, é notória a falta de clareza e assertividade com que factualmente se descrevem as “infraestruturas” construídas, de que modo as mesmas lesam o direito dos autores e, portanto, qual o exacto fundamento jurídico por estes perspectivado para obterem a pedida demolição de “todas as obras e aberturas” [10]. Serve esta constatação primeira para logo, com o rigor que é necessário ter e de modo a evitar-se qualquer equívoco, se refutar a afirmação com que irrompem as alegações de que a sentença “Julgou improcedente o pedido formulado pelos Autores, quanto ao reconhecimento de que faz parte integrante do seu prédio, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ... da freguesia de ... e inscrito na matriz predial rústica daquela freguesia sob o artigo ..., a faixa de terreno com a largura de um metro e cinquenta centímetros em toda a extensão do seu prédio e absolveu os Réus dos demais pedidos formulados pelos Autores.” Não é verdade que, na petição, essa faixa tenha sido concreta e precisamente destacada, descrita e identificada, nem que sobre ela tenham sido alegados incisivos factos conexos tendentes a demonstrar a que prédio e a que parte a mesma pertence, nem, ainda, que em tais termos explícitos foi formulado o pedido. Basta recordar a síntese da peça feita acima. Por isso, também não é verdade que a sentença julgou e decidiu formalmente naqueles termos. Nesta mesma linha, não pode deixar de se salientar também que, ao contrário do que os autores referem na parte final das suas alegações, não é verdade que “alegaram […] factos alusivos quer à posse, quer à propriedade […] da parcela de terreno onde foram feitas as obras em apreço”, nem que “sempre a utilizaram, convictos de estarem a exercer um direito próprio, à vista de toda a gente, por si e seus antigos possuidores, sem oposição de quem quer que seja e na certeza de não lesarem direitos de outrem.” Como se disse, nenhum acto de posse invocaram sobre a parte controversa, significativo de verdadeira reivindicação da sua titularidade. Por isso e porque não foi assim que formularam o pedido, jamais podem pretender que, mesmo a proceder a impugnação de facto e a alterar-se o julgamento de direito, se altere o decidido no sentido de que, pressupondo-se que a sentença “julgou improcedente o pedido formulado pelos A.A., quanto ao reconhecimento de que faz parte integrante do seu prédio, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ... da freguesia de ... e inscrito na respectiva matriz predial rústica daquela freguesia sob o artigo ..., a parcela de terreno com uma área de 1,50 cm em toda a extensão do prédio dos Recorridos e vedada por eles, bom como quanto ao reconhecimento de que o revestimento de parte da parede exterior traseira do pavilhão dos Recorridos, invade também o terreno dos Recorrentes, em cerca de 15 cm, ao longo da sua extensão”, ela seja “revogada por uma outra que condene os Recorridos a reconhecerem os direitos invocados pelos Recorrentes”. Sem embargo, uma vez que a procedência do pedido de demolição das “obras e aberturas” (vala, vedação de arame, etc.) depende do pressuposto de que elas ofendem o espaço alegadamente pertencente ao prédio dos autores, à míngua de uma identificação e definição claras e precisas por estes da faixa questionada, da alegação de actos possessórios sobre ela e de um consequente pedido de restituição da mesma no seu estado anterior a qualquer intervenção dos réus, sempre a averiguação que importa fazer implica determinar onde se localizam as aludidas obras e se qualquer delas se insere ou projecta ilicitamente aquém da estrema do seu prédio e, portanto, além da do prédio dos réus, na respectiva confrontação. Tal significa que o problema fulcral não respeita “à titularidade dos prédios” nem à “realização das obras”, antes redunda, apesar da falta de assertividade dos autores a esse respeito, essencialmente na descoberta de qual seja a “delimitação dos prédios” de modo a, em face da localização daquelas, poder então inferir-se se elas se encontram “no terreno de uns ou de outros”. A sentença bem assinalou isso. Neste quadro, compreende-se a razão e justeza da advertência nela expressa sobre os termos claudicantes com que a acção foi estruturada, designadamente quanto ao segundo (e mais relevante) pedido: “Cumpre sublinhar, desde logo, que encontrando-se o Tribunal limitado a pronunciar-se apenas quanto ao peticionado, por força do disposto no art. 609º, n.º 1 do CPC, e face à forma como foi deduzido o pedido pelos Autores, terá apenas o Tribunal que se pronunciar quanto à necessidade de demolição das obras realizadas na propriedade dos Autores, e não de quaisquer obras realizadas no prédio dos Réus, designadamente quanto às alegadas ventoinhas, janelas, porta e tubos construídas na propriedade dos últimos. E ainda que assim não se entendesse, sempre a forma conclusiva como foi alegado o impacto de tais obras nos direitos dos Autores – aludindo-se apenas genericamente a uma violação das normas legais, sem concretização, por parte de tais obras realizadas no prédio dos Réus – determinaria que a pretensão de demolição de tais obras estaria votada ao insucesso, por insuficiência da factualidade alegada e comprovada para o efeito. Assim, e face ao teor do pedido deduzido, e factualidade alegada, as obras relativamente às quais se impõe aqui apreciar se se justifica a sua demolição ou não são a vala alegadamente cavada na propriedade dos Autores, o revestimento de parte da parede exterior traseira do pavilhão dos Réus e a vedação em arame colocada pelos mesmos (tudo obras que, de acordo com o alegado, se implantam ou invadem o prédio dos Autores). Como é manifesto, a demolição de tais obras depende da constatação da localização das mesmas dentro do prédio dos Autores, pois só aí poderemos ter as mesmas como ilícitas por violadoras do direito de propriedade dos mesmos, nos termos dos arts. 1305º e 1344º do Código Civil. E, cumpre sublinhar, pese embora o reconhecimento do direito de propriedade anteriormente operado, tal reconhecimento não se refere ao reconhecimento da concreta delimitação do prédio descrito em 1) face ao prédio dos Réus – não sendo a presente ação uma ação de demarcação.” O mesmo aconteceu, aliás, quanto ao terceiro pedido (indemnização): “Peticionam ainda os Autores a condenação dos Réus a pagar-lhes uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelo facto de, abusivamente, terem invadido a sua propriedade. Ora, pese embora se tenha comprovado a escavação de vala em propriedade dos Autores – e apenas tal invasão – a verdade é que não se alegaram nem comprovaram quaisquer concretos danos líquidos ou a liquidar resultantes da existência de tal vala que justifiquem a fixação de qualquer indemnização. ”. Efectivamente, nem quanto à vala nem quanto a qualquer das demais obras, os autores fizeram, na petição, a mínima referência, ainda que genérica, a qualquer prejuízo delas resultante e que justifique indemnização, limitando-se comodamente a pedir o pagamento do que se “liquidar em execução de sentença”, sem invocarem qualquer espécie de dano consequente com alguma plausibilidade e concretização, devendo saber que tal apenas é viável se faltarem os “elementos para fixar o objecto ou a quantidade” (artº 609º, nº 2) [11], que apenas é permitido formular pedido genérico nos termos e condições – que aqui não se verificam – do artº 556º, CPC, e que mesmo a faculdade prevista no artº 569º, do Código Civil, sempre pressupõe a alegação da existência de danos que, embora não sejam ainda quantificáveis ou determináveis, sejam, contudo, perfeitamente previsíveis, à luz das regras da experiência e/ou da ciência. Como, v.g., se refere no Acórdão desta Relação, de 18-05-2017 [12] “A liquidação da sentença só tem por fim concretizar o objecto da condenação, com respeito do caso julgado decorrente da acção declarativa. A existência do dano não pode ser relegada para o incidente, apenas a sua quantificação.”. Em contraponto de tais contingências só aos autores imputáveis, uma outra constatação também deve desde já referir-se por, embora significativa do seu inconformismo, contribuir para mostrar a falta de razão que parece ofuscá-los na tentativa de a todo o transe e, por isso, em desatenção dos limites do recurso, obterem a modificação da sentença. Com efeito, ao longo das suas alegações, eles qualificam o julgamento do tribunal a quo subjacente à sentença proferida como “ligeiro”, “arbitrário”, “incoerente”, com “falta de distanciamento”, usando “dualidade de critérios”, “dois pesos e duas medidas”, fruto de “interpretação diferente” da prova conforme ela seja do réu ou dos autores, só considerando “frágeis” os testemunhos destes, “demasiado redutora e pejorativa”, etc.. Analisando-se a motivação expendida, do alto e de longe do calor que o litígio compreensivelmente causa nas partes – não tanto nos demais protagonistas do processo –, terá de forçosamente concluir-se, no mínimo, que exageram na retórica. Veja-se: “Para a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, a convicção do Tribunal ...u na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, no teor dos documentos juntos aos autos, na inspeção ao local realizada, nos depoimentos e declarações de parte prestados e na inquirição das testemunhas que tiveram lugar na audiência final, elementos instrutórios apreciados conjuntamente segundo as regras do ónus da prova e as regras da experiência. Realça-se que nem toda a factualidade alegada foi levada à factualidade provada e não provada, expurgando-se a matéria conclusiva, de direito, e irrelevante para a decisão da causa. Assim, e no tocante aos factos provados 1) e 7) os mesmos decorrem do teor das certidões de registo predial juntas à petição inicial, que atestam os mesmos. Também o vertido em 14) resultou da prova documental junta, maxime os documentos 16, 17, 18 e 19 juntos à petição inicial ali mencionados, resultando também da própria pendência desta ação a pretensão dos Autores ali mencionada, denotando-se da prova produzida que o litígio existente e os pedidos dirigidos entre as partes já existem há algum tempo. No tocante aos factos provados 2) a 6) os mesmos decorrem do referido pelo próprio Réu no seu depoimento e declarações de parte, assumindo que o prédio dos Autores, confinante com o seu, é pelos mesmos – e seus antecessores – utilizado da forma comprovada, o que foi ainda corroborado pelos testemunhos de M. A., J. L. e J. A.. Também do depoimento de parte do Réu, e assentada realizada na sua sequência, resultou a prova de que foram construídas diversas infraestruturas ao longo dos anos no seu prédio (conforme vertido em 8), que nele foram colocados tubos para esvaziamento de águas pluviais e residuais e ventoinhas (conforme comprovado em 9)), que foi colocada pelos Réus uma vedação em arame em toda a extensão das traseiras do pavilhão em questão (conforme comprovado em 12)) e que foi efetuado o revestimento de parte da parede exterior traseira do pavilhão em cerca de 15 cm (conforme comprovado em 13)). Factos que foram ainda atestados, como o foram igualmente a existência duma vala e de janelas e porta de acesso ao pavilhão dos Réus mencionadas em 10) e 11) pela inspeção ao local realizada, permitindo a perceção de todas as obras e infraestruturas comprovadas em 8) a 13). No tocante à falta de autorização ou consentimento dos Autores para tais obras a mesma resulta, quer da prova documental junta (mais concretamente as queixas apresentadas junto da Câmara Municipal ...), da própria pendência do presente litígio, que indicia o desagrado dos Autores perante tais obras, e dos depoimentos prestados a tal respeito pelas testemunhas arroladas pelos mesmos. A grande questão de facto em causa nos presentes autos respeita no entanto, não à titularidade dos prédios e realização das obras invocadas, que, de resto, mereceu uma resposta da prova produzida maioritariamente consentânea e coerente, mas sim à delimitação dos prédios de Autores e Réus e inerente construção, ou não, das obras realizadas no terreno de uns ou de outros. Concretizando, é invocado a este respeito na petição inicial que a vedação em arame construída invade e delimita uma parte do prédio dos Autores em 1,50m ao longo de toda a sua extensão, que o revestimento mencionado em 13) invade igualmente o prédio dos Autores em toda a sua extensão, que foi colocado um tubo que deita diretamente águas residuais do prédio dos Réus no prédio dos Autores, e que a vala referida em 10) se encontra igualmente implantada em área do prédio dos Autores. Como resulta da factualidade provada e não provada da presente sentença, todos os factos elencados se deram como não provados, com exceção da colocação da vala em parte do prédio dos Autores. Vejamos então porquê. As testemunhas inquiridas foram consentâneas, regra geral, no apontar da existência dum antigo muro que delimitava as propriedades de Réus e Autores. Muro esse que foi no entanto destruído há já vários anos, existindo apenas resquícios das pontas do mesmo, que foram percecionados na inspeção ao local, mas estão a uma distância tal das áreas contestadas nos presentes autos que não permitem concluir por onde o mesmo seguiria e se implantaria nas mesmas, como se fez lavrar no auto de inspeção. Partindo desta circunstância, a prova testemunhal separou-se depois em duas versões contraditórias. As testemunhas dos Autores referiram que tal antigo muro delimitava as propriedades por uma linha que hoje corresponde à parede das traseiras do pavilhão industrial construído no prédio dos Réus (e que foi possível visualizar na inspeção ao local também). Já as testemunhas dos Réus e as declarações de parte do Réu apontaram, ao invés, que entre tal antigo muro e a parede traseira do referido pavilhão existia ainda uma parcela de terreno pertença dos Réus, tendo a vedação em arame sido colocada ao longo da linha onde antes se encontrava tal muro delimitador das propriedades. Ora, cumpre sublinhar, desde logo, que ponto assente entre tais versões foi que do lado da vedação oposto ao do pavilhão dos Réus o terreno é pertença dos Autores. Assim, a vala que foi constatada pela inspeção ao local como existente de tal lado da vedação tem de se ter, face a tudo o que foi relatado, como implantada no prédio dos Autores, tal como comprovado em 10) – sendo que o facto de ser o prolongamento duma vala existente do outro lado da vedação aponta para o facto de ter sido realizada pelos Réus, como comprovado igualmente. Da inspeção ao local não decorreu todavia que tal vala esteja associada a qualquer tubo para escoamento de águas residuais, afigurando-se ao invés que, quanto muito, por ali escoam águas pluviais, daí decorrendo o teor do facto não provado e). A reduzida dimensão da vala, com uma mera diferença de relevo que, face ao restante terreno, acontece até de forma natural em outras áreas do mesmo, não permite todavia concluir que a mesma impeça a utilização do terreno em causa de qualquer forma relevante, daí decorrendo o teor do facto não provado f). Mas, para além de tal ponto assente e coincidente quanto à pertença do terreno para além da vedação pelos Autores, há, como se referiu, uma divergência da prova quanto à pertença da parcela de terreno entre a vedação e a parede traseira do pavilhão implantado no pavilhão dos Réus. Para os Autores, e suas testemunhas, toda essa parcela integra-se no prédio dos Autores. Pelas testemunhas dos Réus e pelas declarações do Réu tal parcela é pertença do seu prédio. Ora, cumpre frisar que o ónus da prova da pertença de tal parcela ao prédio dos Autores incidia e incide sobre os mesmos, por ser um facto essencial para fazer atuar a reivindicação do direito de propriedade que querem fazer valer nos presentes autos. E, perante a dispersão da prova produzida, não podemos dizer que tal ónus tenha sido cumprido de forma satisfatória. Não podemos, com toda a certeza, afirmar que tal parcela de terreno não pertença aos Autores. Mas também não podemos afirmar, com a certeza exigível, como incumbia aos Autores provar, a hipótese inversa, que tal parcela de terreno pertence ao prédio dos Autores. Isto porque a prova testemunhal produzida a tal respeito foi, salvo o devido respeito, algo frágil para o efeito. O testemunho de M. A., testemunha muito mais próxima dos Autores (seu caseiro) revelou-se algo exaltado, defensivo, e até agressivo nalguns momentos, colocando em causa a sua isenção e, consequentemente, credibilidade. O testemunho de J. L., defendendo que a vedação terá avançado sobre o terreno dos Autores, não demonstrou um conhecimento profundo e ao longo dos anos do terreno em casa para permitir concluir que poderia ter por certo o que afirmou, isto é, que a vedação terá sido colocada para além do local onde o muro delimitador dos terrenos existiria anteriormente. E testemunho de J. A., por outro lado, oscilou entre afirmar, de forma clara, que não sabia se a parede do pavilhão do prédio dos Réus estaria ou não no local onde estaria o muro, para, depois, afirmar já de forma perentória que a vedação estaria para lá do local onde estava o muro antigo… O que indicia que, mais do que ter uma noção de onde estaria o muro anteriormente e consequente delimitação dos terrenos, estava em juízo mais preocupado em unicamente transmitir uma posição consentânea com a da petição inicial, de que a vedação estava para além do local anterior de tal muro… Para além de tais testemunhos foi igualmente junto o documento do Município ... junto com o requerimento de 20-5-2019, aludindo que a vedação foi implantada fora dos limites do prédio dos Réus. Não obstante, não justifica nem comprova de forma contundente tal “facto”, limitando-se a relatar tal conclusão, duma forma que não pode também, por si só, convencer nem se impor a este Tribunal. Ainda mais, a prova produzida pelos Réus tornou ainda mais duvidosa a versão dos factos defendida pelos Autores. A visita ao local permitiu efetivamente percecionar a existência de sapatas suporte dos muros/paredes traseiras do pavilhão construído no prédio dos Réus, sapatas essas que se prolongam até ao local onde a vedação está colocada. E, como defendido pelos Réus, é muito estranho que, não pertencendo tal faixa de terreno aos mesmos, como defendido pelos Autores, os mesmos tenham permitido a instalação e permanência de tais sapatas desde a sua construção, realizadas já há mais duma década, de acordo com o relatado pelas testemunhas dos Réus – duma forma coincidente e convincente. Mais ainda, as testemunhas M. V. e C. J. não deixaram de referir que, tendo construído a parte traseira do pavilhão, existia entre o mesmo e o antigo muro, que o primeiro destruiu, um espaço de cerca de 2 metros (perto da distância que no local se mediu entre a vedação e a parede traseira do pavilhão, nalgumas das suas áreas vedadas). E, finalmente, o depoimento de J. P., que não deixou de depor duma forma que se afigurou isenta e credível, também apontou no sentido daquela parcela de terreno ser pertença do prédio dos Réus, na medida em que as medições efetuadas face à área declarada dos mesmos imponham a inclusão das mesmas no prédio em causa, em virtude das diligências que efetuou (tendo a vedação colocada partido das delimitações por si efetuadas). Mais uma vez reiteramos que o exposto não permite concluir, com a certeza exigível, pela pertença do terreno a uma ou outra das partes processuais. Mas precisamente por falta de tal certeza é que se determinou a não prova dos factos a) e b), e consequentemente do c), da factualidade não provada, por insuficiente cumprimento do ónus probatório incidente sobre os Autores relativamente aos mesmos, face à fragilidade instrutória da prova pelos mesmos apresentadas para efeito, ainda mais debelada pela prova apresentada pelos Réus relatada. Para finalizar, o facto não provado d) resultou da falta de constatação da existência de qualquer tubo que deite diretamente sobre o terreno dos Autores na inspeção realizada ao local, sendo que os tubos existentes nas traseiras do pavilhão deitam apenas sobre a parcela de terreno contestada entre a parede traseira do pavilhão e a vedação, parcela essa que não se pode ter como parte integrante do prédio dos Autores, como se acabou de expor. ”. Posto isto e avançando. São frequentes e antigas estas questões, reais e pessoais, entre proprietários de prédios confinantes. Até os romanos, à maneira do seu tempo, com elas se defrontaram. Então, para delimitar os fundi vizinhos, era deixada uma faixa livre de qualquer utilização, cujo espaço era consagrado aos deuses e considerado, por isso, res sancta, logo extra commercium, e a sua violação um sacrilegium punível com pena de morte. [13] Imagina-se, pois, que um tal regime de convivência com o domínio divino demovesse os donos terrenos de qualquer tentativa de expansão do seu fundus à custa do do outro. Não estamos, porém, naqueles tempos idos. A nossa civilização, por toda a parte, reserva ao homem, ainda que sob formas diversas, o domínio sobre as coisas e ao Estado de Direito a regulação, em exclusivo, do seu exercício e sancionamento. Neste contexto, a peculiaridade desta espécie de contendas propiciadas por quezílias derivadas da contiguidade aliada às dificuldades do sistema legal, explica que as exigências inerentes à acção nelas baseada, como resulta da experiência colhida de casos análogos e da variada Jurisprudência publicada sobre o tema, nem sempre têm sido bem compreendidas e cuidadas, com reflexos por vezes fatais para as expectativas das partes, quer no seu delineamento e condução, quer na avaliação e aceitação dos resultados obtidos. Como recentemente deixámos dito no Acórdão deste Tribunal de 05-12-2019 [14]: “Disputando-se a propriedade de uma parcela de terreno situada na confluência entre dois prédios confinantes e, assim, os limites de um e de outro, a acção respectiva assume feição peculiar. Não é propriamente de reivindicação nem de demarcação. Conquanto a pertença a um ou a outro prédio possa provar-se por actos de posse, também o pode por quaisquer outros meios, tendo em vista, como ensina o STJ (Acórdão de 04-07-2019, processo 11431/99.7TVLSB.L2.S1) descobrir a “ligação pertinencial” que se revela por certos “nexos” (materiais e funcionais).” Assim: “Na hipótese de se alegarem actos de posse, essencial é que eles o sejam concretamente sobre a parcela e não genericamente sobre o prédio.” Também disto já tratámos, v.g., no nosso Acórdão de 01-03-2018 [15], para o qual ora se remete mas de cujo sumário aqui se recorda: “3. A disputa entre as partes de uma parcela de terreno, de reduzida área, situada na confluência de dois prédios, que cada uma daquelas reclama integrar o seu e, por isso, pertencer-lhe em função da localização controversa da estrema respectiva, nem sempre configura acção de reivindicação ou de demarcação ou exige a alegação e prova dos pressupostos fácticos inerentes em conformidade com o quadro legal respectivo (artºs 1311º e 1353º, do Código Civil). 4. Conquanto, para demonstrar que a parcela faz parte ou se integra nos limites de um ou outro prédio, possam ser alegados factos relativos ao exercício da posse sobre a mesma ou de outro modo por via do qual tenha sido adquirido o domínio sobre a mesma, tal litígio pode ser resolvido como em qualquer acção declarativa comum e, assim, com base em qualquer meio de prova admissível.” Em tal situação, parece, pois, ser configurável um tertium genus. Não se discute, directa e exclusivamente, a titularidade (aliás, no caso pacífica, como em geral acontece) do direito real sobre cada um dos dois imóveis. Também não se parte, apenas, de assumidas dúvidas sobre os respectivos limites ou estremas, nem a consequente discórdia se cinge à sua efectiva fixação e implantação in loco. Não é a configuração e identidade morfológica nem a dimensão superficial de ambas as coisas (os prédios) que, directa e exclusivamente, se questiona. Cada parte defende existir uma certa delimitação do seu prédio, porém mais avançada em relação à do prédio da outra. Daí resulta uma sobreposição entre eles e, portanto, uma porção de terreno em disputa, carecida de acertamento judicial uma vez que a tese de uma (e o respectivo interesse) conflitua com a da outra e nisso se reflecte, face à incompatibilidade entre as coisas, uma certa mas peculiar desorganização do domínio que, além de física, afecta a relação jurídico-real, ainda que não de modo imediato, quer quanto à titularidade do direito (que apesar do seu carácter absoluto se torna não pacífica por contender com o uso, fruição e disposição) quer quanto ao respectivo objecto (na medida em que um é excludente, embora só em parte, do outro). O que acontece, como se referiu no Acórdão desta Relação, de 29-06-2017 [16], é que: “os proprietários confinantes pensam saber os limites dos respectivos prédios mas estão em desacordo quanto a esses limites”. A defesa, na acção, daquilo de que cada um está convencido e a pretensão de fazer valer o consequente direito, tanto pode, pois, levar a configurá-la (maxime em termos de pedido) como de reivindicação como de demarcação. Numa e noutra hipótese, sempre acaba por, mas apenas indirecta e reflexamente, estar em causa a relação jurídico-real, na medida em que, assim e como se disse, sempre resultará implicada, na controvérsia e na sua resolução, a titularidade do direito sobre a coisa e o objecto dele. Com efeito, por menor que seja a importância (valor, função, significado) da área da parcela disputada em função da discórdia sobre os limites dos prédios que cada um julga serem os verdadeiros e pretende fazer valer, nunca é indiferente para a propriedade deles, enquanto direito absoluto, a pertença daquela, designadamente porque sempre a sua extensão atina com os direitos de uso, fruição e disposição da coisa naquele contidos (artº 1305º, CC). Bem como com os limites recíprocos ao respectivo exercício entre ambos os proprietários. Esta evidência e a feição híbrida do litígio assim gerado fazem com que, mesmo no caso de a correspondente acção ser configurada como de reivindicação, “terão, ainda assim, de fazer prova de factos próprios da acção de demarcação”, como se sugeriu naquele citado aresto de 29-06-2017 e, na mesma linha, também entendemos no nosso de 01-03-2018: “Em suma: não se negando que, neste tipo de litígios, mais comum tem sido equacionar-se o problema como de demarcação (no quadro do artº 1353º, do CC) ou de reivindicação (à luz do artº 1311º), afigura-se-nos que, em função da peculiaridade de cada caso concreto mas sobretudo quando, como aqui, não é especialmente em torno da definição e marcação in loco da estrema entre os prédios nem da aquisição do direito real sobre cada um deles que o litígio nasce e se desenvolve, mas apenas da alegação e prova de certa configuração e da precisa e localizada linha delimitadora do terreno, afigura-se-nos, dizíamos, que de nenhuma especificidade típica a acção se reveste, tudo se devendo passar no quadro de normal acção declarativa comum, sem especiais exigências quanto à causa de pedir e ao modo e meios de provar a estrema, inclusive por actos de posse ainda que invocada não seja a usucapião em concreto sobre a faixa disputada ou eles se revelem insuficientes para demonstrar que, relativamente à mesma, aquela foi exercida do modo, pelo tempo e com as características indispensáveis à verificação da prescrição aquisitiva sobre ela. Afinal de contas, a acção de reivindicação e a acção de demarcação apenas no direito substantivo assim são apelidadas (artºs 1311º e 1353º, CC), tendo esta desaparecido do direito processual onde se encontrava prevista entre as acções de arbitramento. E mesmo aí (artº 1058º, nº 3, alínea a), in fine, do CPC anterior a 1995) não se excluía, tal como hoje continua a admitir-se (artº 1354º, nº 1, in fine, do CC), o recurso a quaisquer outros meios de prova. Entre estes os relativos a factos susceptíveis de desencadear a formulação de presunções judiciais ou naturais. ” [17] Também no Acórdão do STJ, de 04-07-2019, além de, na sua nota 3, se ter concordado que “Perfilha-se o entendimento do Tribunal recorrido de que não está em causa verdadeiramente uma acção (condenatória) de reivindicação mas sim uma acção (declarativa) de mera apreciação positiva, o que não altera, porém, os dados essenciais dispostos para a sua decisão”, relativamente à questão da propriedade de parcelas, escreveu-se: “Há, então, que procurar outros critérios para a delimitação dos prédios. Estes não podem deixar de passar pela aferição de existência de certos nexos entre as parcelas e o prédio. Certa parcela será parte de um prédio se puder dizer-se que ela tem uma ligação pertinencial com o prédio, apresentando-se o conjunto como uma unidade predial estável. Essencial é ainda que se trate de uma ligação exclusiva ou dominante, isto é, que se imponha sobre outras ligações que a mesma parcela mantenha eventualmente com outros prédios. O resultado só pode ser atingido por via de uma ponderação global de todos os nexos, encarados numa perspectiva histórica e numa perspectiva actual. Adquirem particular relevo os nexos materiais (ligação física como o contacto físico ou a comunicação entre os elementos em causa) e os nexos funcionais (ligação de complementaridade ou de subordinação económica de um ao outro). Mas atenção: nem estes têm de se verificar simultaneamente nem têm de se verificar sempre, podendo um deles sozinho ou um outro, de outro tipo, bastar, desde que se apresente com determinada intensidade, com intensidade suficiente para se concluir, com segurança, que existe aquela ligação. Ainda quando dos factos não resulte clara a ligação pertinencial entre a parcela e algum dos prédios da autora, tem de se admitir a hipótese de a autora ter adquirido o direito de propriedade por alguma das formas especialmente previstas no artigo 1316.º do CC. Cabe, em qualquer caso, à autora carrear para os autos a prova dos factos que demonstrem a titularidade deste direito (artigo 342.º, n.º 1, do CC) – a prova do facto ou do título aquisitivo. Isto a não ser que beneficie de presunção legal ou de alguma outra causa de inversão do ónus da prova, ao abrigo do artigo 344.º do CC. Em particular no caso de presunção legal, transfere-se, em princípio, para a outra parte o ónus da prova – o encargo de ilidir a presunção, de provar que a autora não é, afinal, a proprietária (artigo 350.º do CC).”. Ora bem. Os autores impugnam a decisão relativa às seis alíneas da matéria de facto julgadas não provadas. Logo aí se nota outra desatenção sua. Com efeito, tendo-se provado, quanto à vala, o facto 10 – ou seja, que ela foi cavada “no terreno dos autores” e sem sua autorização – e, consequentemente, tendo-se, quanto à mesma, julgado procedente a acção – os réus foram condenados a “demoli-la” – e não tendo estes questionado tal resultado, não se percebe por que razão e para que fim pretendem aqueles que se dêem também como provados os factos controvertidos das alíneas e) e f), ou seja, que tal vala “se destina a escoar águas residuais do prédio dos réus” e que a mesma “impede os autores de usufruírem da utilização do seu prédio”. Uma vez que se determinou a “demolição” – rectius, a eliminação, da vala –, mesmo que fosse aquela a sua finalidade (escoar águas residuais) e esta a consequência da sua existência (impedimento de os autores usufruírem de pleno o seu prédio), necessariamente, com o cumprimento ou com a execução coactiva da prestação de facto imposta pela sentença aos réus, as águas deixarão de, através daquela, escoar para o prédio dos autores e estes de, em função da mesma, estar constrangidos no seu domínio. Se, eventualmente, alguns prejuízos a manutenção da vala lhes causou, o certo é que, como já atrás se pôs em evidência, não os alegaram. É, pois, inútil a impugnação de tais alíneas e) e f). Como repetidamente tem sido dito, a impugnação da matéria de facto que verse sobre pontos cujo resultado para o apelante seja inócuo deve ser recusada e não conhecida [18]. Não se conhecerá, pois, dela. Passando adiante. Nas restantes alíneas, trata-se de saber se a vedação colocada pelos réus implicou a subtracção de uma área pertencente ao prédio dos autores com a largura de 1,5 m a contar da parede das traseiras do pavilhão dos réus e em toda a sua extensão e, por inerência, se o revestimento da parede contígua exterior dessa estrutura invade aquela faixa e, em consequência, se tal obstaculiza a utilização do seu prédio pelos autores – alíneas a) a c). Bem assim, se existe um tubo para escoamento de águas residuais provindo do prédio dos réus que as faz cair no prédio dos autores – alínea d). Ora, se com as fragilidades já assinaladas relacionarmos as da prova produzida que analisámos na íntegra, incluindo a gravada, a convicção a que chegámos não se distingue daquela que formou o tribunal recorrido e que motivou a decisão proferida. Não tendo sido alegados quaisquer actos de posse sobre a parte discutida, nem quaisquer outros factos demonstrativos, sequer indiciadores, da sua pertinência ao prédio dos autores, no essencial a sua tese e o consequente depoimento das suas testemunhas, designadamente do seu caseiro M. A., baseavam-se na existência de um antigo muro de pedra que teria a função de delimitar, em linha recta, os dois prédios. Foi na existência de pedras restantes desse muro no local e no alinhamento que aí seria susceptível de tirar-se entre tais vestígios que foi posta a maior ênfase, inclusivamente pela referida testemunha M. A.. Sucedeu que, feita a inspecção judicial, não foram – ora ao contrário do que dizem os apelantes em certo ponto das alegações ora de acordo com o que reconhecem e lamentam noutro – aí visualizados tais restos susceptíveis de se relacionar nem, por conseguinte, foi possível perspectivar por onde corria o dito alinhamento recto em ordem a concluir-se se o mesmo equivaleria à parede traseira do pavilhão edificado pelo réu ou à vedação entretanto por este colocada a uma distância daquela variável entre 1,27 e 1,79 m. Aliás, a própria testemunha M. A. (cujo tom de notória hostilidade ao réu e respectiva tese é bem perceptível ao ouvir-se a contra-instância levada a cabo pelo Mandatário deste), embora dizendo que a parede da fábrica foi erguida no sítio por onde corria o muro, disse também, a dado passo do seu depoimento (como pode ouvir-se na gravação), que “ele [o réu] por trás da fábrica tem um metro de terra” e que foi “depois de ele tirar essa terra, é que fez a sapata”, assim lhe escapando a referência sugestiva de que por trás do pavilhão o réu deixou uma faixa que pertenceria ao seu prédio, como disseram as testemunhas dele. Além disso, quando questionado incisivamente pelo Mº Juiz sobre quanto teria avançado a vedação para o suposto terreno dos autores, respondeu: “Ai eu nunca medi. Pode ter um metro, pode ter um metro e pouco…não lhe posso estar agora a…”. E quando questionado também sobre se o próprio pavilhão está a invadir parte do terreno do autor, respondeu “Não. Só alinhando é que a gente pode dizer …não vou estar a …”. Daqui se infere que, embora não mereça grandes dúvidas, que existia tal muro e que ao mesmo é atribuída função demarcatória, uma vez o mesmo desaparecido, não sabem as próprias testemunhas localizá-lo em concreto nem, por isso, podem assegurar por onde corria a estrema. É o caso de J. L. que, a pretexto da construção dos balneários do campo de futebol próximo, relatou que então, como Presidente da Junta, foi necessário saber as estremas e a quem pedir a parcela que fazia falta e que acabou por ser cedida pelo autor, dizendo que havia um muro divisório mas não conseguindo indicar, certa e seguramente, a sua localização, antes se referindo a que o mesmo era alinhado e opinando que esse alinhamento se fazia pela parede das construções erguidas pelo réu e “achando” ou deduzindo que se fosse para lá haveria desalinhamento. De resto, embora a cedência tenha criado um “bico” e tal saliente para convencer do alinhamento recto anterior, o certo é que nenhum elemento de uma coisa ou de outra elucida in situ por onde realmente se fazia antes a demarcação. Bem assim, J. A. que, enfatizando embora a existência de uma “paredinha aí com 60 cm de alto”, cujos restos ainda lá estão, e que havia uma linha recta, contudo não foi capaz de explicar se as paredes da fábrica estão onde estavam antes as do muro, acrescentando depois que lhe parece que sim, que a linha “em princípio” terá que ser a mesma, deduzindo depois que se a parede antiga não existe, ela teria que ser onde está a do edifício e que, por isso, a vedação está além dele. Sem saber, ao certo, portanto. A inspecção não descobriu in loco qualquer muro, “paredinha”, ou qualquer testemunho que fosse susceptível de ser relacionado e ajudar a concluir por onde era a estrema. As fotografias juntas com a petição nada indicam, sequer sugerem e, portanto, nada provam ou ao menos indiciam. Os documentos alusivos às queixas enviadas à Câmara apenas traduzem a perspectiva do autor e o seu inconformismo e a resposta desta recebida (ofício de 13-05-2019) não mais exprime que a ideia de funcionários da autarquia, sem razão de ciência para tal e sem competência para definir limites de prédios. Aquilo que reportam ao loteamento é, aliás, infirmado pelo depoimento da testemunha J. P. e o que referem à descrição predial, seja a da Matriz seja a da Conservatória, obviamente é inócuo uma vez que nesta se não define exactamente qualquer estrema e sua implantação, ao contrário do que ali sugerido. Não é correcto afirmar, como fazem os recorrentes, que o tribunal apenas valorou os depoimentos das testemunhas (dos réus) M. V., C. J. e J. P., os primeiros construtores e este topógrafo. A verdade é que os valorou todos, neles encontrou elementos plausíveis mas em nenhum razão de ciência segura e credibilidade forte para atingir um grau de certeza bastante que lhe permitisse sancionar qualquer das teses, apesar do notório esforço interventivo feito no decurso da audiência pelo Mº Juiz no sentido de esclarecer pormenorizadamente todos os aspectos relatados e de, no local, mediante a inspecção e conforme auto junto e fotos respectivas, procuirar, sem êxito, pontos de apoio observáveis capazes de sustentar qualquer das teses ou conferir maior força probatória a qualquer dos depoimentos – o que não conseguiu dada a sua inexistência. Se, portanto, os depoimentos e restante prova apresentada pelos autores se apresentaram notoriamente frágeis, tal como a sua própria alegação, a verdade é que os dos réus, particularmente as referidas testemunhas, ao descreverem como e por onde foi feita a edificação do pavilhão e o espaço deixado desaterrado até onde mais tarde foi colocada a vedação em rede e tendo em conta que neste se estendem as sapatas daquele (estranhamento nunca detectadas pelos autores nem pelo seu caseiro), não permitem rejeitar a hipótese de nisso terem tido o cuidado de deixar uma faixa livre para obras, rebocos, etc., como disse M. V. e é comum e razoável acontecer, de terem sido respeitadas as marcações implantadas pelo topógrafo em linha recta e respeito pelo muro antigo, como disse C. J., e de, para tal efeito, este, a testemunha J. P., confirmar que assim procedeu e que para tal se serviu das plantas do loteamento cuja sobreposição testou in loco e marcou Não se compreende a alusão, nas alegações, a que o tribunal não considerou o depoimento da testemunha A. R.. É que, tendo sido o dono dos lotes hoje dos réus e embora confirme que havia um muro direito em pedra, a verdade é que disse não saber se o réu avançou ou não para lá dele. Assim como não se compreende a afirmação de que os autores “alegaram e provaram factos alusivos quer à posse, quer à propriedade do seu prédio e concludentemente da parcela de terreno onde foram feitas as obras em apreço” e que “sempre a utilizaram…”. É que, repete-se, nenhum desses factos foi alegado, nem sequer minimamente aludido por qualquer das testemunhas, sobretudo em relação à parcela de terreno alvo da disputa. Alegar a posse (artº 1251º, CC) consiste em descrever factos simples e concretos praticados sobre a coisa – no caso sobre a parcela de terreno discutida –, correspondentes ao exercício dos direitos contidos no direito de propriedade (artº 1305º) e através dos quais se manifesta ou revela o “poder directo e imediato” sobre ela, “impondo-se à generalidade dos membros da comunidade jurídica”, constituindo “expressão plena do domínio”. [19] Além disso, factos com as características e em termos susceptíveis de preencher os requisitos legais de aquisição originária por via de usucapião (artº 1287º, CC). Quando em causa está não todo o prédio (caso em que a sua extensão ou limites em regra são secundarizados) mas sim uma parcela disputada pelos vizinhos, a necessária referência e conexão de tais factos concretos à área objecto do litígio exige particular cuidado e rigor na alegação, bem como no respectivo julgamento. Dessa acuidade se tem feito eco a Jurisprudência, de que é bom exemplo prático-pedagógico o Acórdão da Relação do Porto, 20-10-2009 [20]. Não podem, repete-se, os autores queixar-se do empenho na discussão e na instrução dos autos postos pelo tribunal de 1ª instância! Sendo certo, pois, que a discordância dos recorrentes não é pontual e que, portanto, nenhum determinado erro ou erros de julgamento eles destacam, salientam, nem fundamentam existir na decisão mas que, no fundo, o que afirmam é o seu total desagrado e inconformismo com o resultado e, por isso, tentaram sustentar que este é generalizadamente errado, não encontramos razões de qualquer justa censura à decisão da matéria de facto relativa ao tema questionado nem à sua motivação. Pelo contrário, ela revela-se correcta no enquadramento, na análise e na avaliação de todos os meios de prova e, por isso, é de corroborar. Para a mesma (atrás transcrita) se remete. De resto, não se vê, nem os recorrentes sequer as sugerem, que outras iniciativas ou diligências, mesmo no contexto do actual Código de Processo Civil e com respeito pelos seus princípios básicos, o tribunal pudesse e devesse ter oficiosamente levado a cabo para remediar a insuficiência dos autores na alegação e o seu insucesso na demonstração dos pressupostos de facto da respectiva pretensão. Este processo é contencioso e não de jurisdição voluntária, como parece sugerir-se nas alegações. Não pode o tribunal investigar livremente os factos, coligir as provas ou ordenar as diligências que à parte conviriam para suprir as suas falhas e porventura fazer vingar a sua pretensão. Os ónus que sobre ela impendem e para cujo cumprimento é tecnicamente patrocinada prevalecem. O princípio dispositivo ainda predomina. Não se vê o que, ao abrigo do invocado artº 411º, CPC, mais poderia ter feito de útil pelo tribunal recorrido para ultrapassar as dúvidas em que, no fim da discussão e julgamento, este se quedou, e bem. Concluindo, sem necessidade de mais nos alongarmos, deve improceder a impugnação da matéria de facto e, consequentemente confirmar-se a sentença. V. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida. *Custas do incidente relativo à junção de documentos pelos recorrentes, com taxa que se fixa em 2 UC´s. Custas da apelação pelos recorrentes – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP). * * * Notifique. Guimarães, 06 de Fevereiro de 2019 Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores: Relator: José Fernando Cardoso Amaral Adjuntos: Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo Eduardo José Oliveira Azevedo Sumário 1. Não se alegando, nem se verificando, qualquer dos pressupostos estabelecidos no artº 651º, nº 1, CPC, é inadmissível a junção, com as alegações de recurso, de fotografias com que, na mira de fundamentarem a impugnação da decisão da matéria de facto, os apelantes pretendem credibilizar as suas testemunhas e refutar a desvalorização que do respectivo depoimento teria alegadamente sido feita pelo tribunal recorrido, tratando-se de factualidade alegada na petição (e já então fotografável) e que respeitava aos temas da prova. 2. Não se tendo aquele convencido e ficado com dúvidas sobre tal factualidade (que, por isso, foi julgada não provada), não é com a apelação da sentença, nem para poder impugnar os seus fundamentos e respectiva decisão, que se gera a exigida necessidade enquanto um dos requisitos exigidos na lei. Esse desaire não dá azo a uma segunda oportunidade para apresentação de outras provas documentais, nem para consolidar e credibilizar as já antes produzidas, nomeadamente os depoimentos testemunhais julgados frágeis e não convincentes. 3. Pedindo-se a eliminação de construções, maxime de uma vedação, alegadamente feitas pelos réus numa parte de terreno que os autores alegam ser sua propriedade e, pelo contrário, estes invocam pertencer-lhes e ao seu prédio confrontante, coloca-se o problema da disputa dessa faixa. 4. Ora, disputando-se a propriedade de uma parcela de terreno situada na confluência entre dois prédios confinantes e, assim, os limites de um e de outro, a acção respectiva assume feição peculiar. Não é propriamente de reivindicação nem de demarcação. 5. Conquanto a pertença a um ou a outro prédio possa provar-se por actos de posse, também o pode por quaisquer outros meios, tendo em vista, como ensina o STJ (Acórdão de 04-07-2019, processo 11431/99.7TVLSB.L2.S1) descobrir a “ligação pertinencial” que se revela por certos “nexos” (materiais e funcionais).” 6. De nada adianta alegar e demonstrar, apenas, a aquisição do domínio sobre o prédio, mormente por usucapião. É essencial que os alegados actos de posse sejam traduzidos em factos simples e concretos praticados sobre a parcela e a esta referidos concretamente e não genericamente ao prédio. 7. A impugnação da matéria de facto que verse sobre pontos cujo resultado para o apelante seja inócuo deve ser recusada e não conhecida. 1. Os réus, enquanto recorridos, não são obrigados a formular conclusões. Encenar que o fazem apresentando mero copy past do texto das alegações antecedendo cada parágrafo de uma letra do abecedário, não vale. Complica o exame e não respeita os princípios. Por isso se não transcrevem sequer. 2. Sobre a noção e função das conclusões há vasta Jurisprudência e Doutrina acessível – cfr., v.g., Acórdão desta Relação de 04-04-2019, processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/191461" target="_blank">3652/17.9T8VCT.G1</a>. 3. Podem ver-se, v.g., os Acórdãos desta Relação, de 05-12-2019, processo nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/190783" target="_blank">2158/17.0T8VRL.G1</a>, e do STJ, de 07-03-2019, processo nº 32063/15.9T8LSB.L1.S1. 4. Recursos em Processo Civil Novo Regime, 3ª edição, 2010, página 254. 5. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, página 184. 6. Numeradas com “doc. 1” estão as quatro estampas que têm apostas umas inscrições provavelmente alusivas à sua proveniência, cujo significado se desconhece. 7. Acórdão do STJ, de 30-11-2019, processo nº 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2. 8. Acórdão do STJ, de 06-11-2019, processo nº 1130/18.8T8FNC.L1.S1. 9. Acórdão de 30-04-2019, processo nº 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, já atrás referido. 10. Como é sabido, tanto podem lesá-lo uma vala rasgada, um tubo pousado ou uma vedação implantada no terreno que se comprove fazer parte do seu prédio (artº 1305º e 1344º, CC), como uma porta ou janela abertas ou outra infraestrutura existente ainda que colocadas no prédio dos réus, caso estas, por exemplo, caibam na previsão dos artºs 1346º e sgs. ou 1360º, e sgs., CC. Esta distinção não perpassa no articulado inicial dos autores e, por isso, quando pedem a demolição de aberturas (supõe-se que se referem à porta e janelas) alegadamente feitas ora no edifício dos réus ora na “propriedade dos autores”, não só laboram em confusão quanto aos factos como à sua relevância jurídica e, consequentemente, quanto ao que em face deles e desta querem exigir. 11. A regra, de acordo com o disposto no artº 358º, CPC, é que a liquidação seja deduzida pelo autor “antes de começar a discussão da causa”. 12. Processo nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/193357" target="_blank">146/12.2TBCBT.G1</a>, relatado pela Exmª Desembª Adjunta deste. 13. António Santos Justo, A Propriedade no Direito Romano. Reflexos no Direito Português, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, LXXV, 1999, páginas 99 e seguintes. A citação vale apenas pela sua curiosidade e como forma, não mais que retórica, de salientar a ancestralidade e a actualidade do problema. 14. Processo nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/191001" target="_blank">555/18.3T8PTL.G1</a>. 15. Processo nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/192530" target="_blank">4546/15.8T8VCT.G1</a>. 16. Processo nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/193211" target="_blank">148/14.4T8VRL.G1</a>. 17. Processo nº 11431/99.7TVLSB.L2.S1. 18. Cfr, nesse sentido, os Acórdãos da Relação de Coimbra, de 24-04-2012, proferido no processo nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/121659" target="_blank">219/10.6T2VGS.C1</a>, relatado pelo Desemb. A. Beça Pereira: “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.”; de 14-01-2014, proferido no processo nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/120306" target="_blank">6628/10.3TBLRA.C1</a>, relatado pelo Desemb. Henrique Antunes, em cujo texto se lê: “De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)[1]. Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação. Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção.”. Acórdão da Relação do Porto, de 19-05-2014, prtocº nº 2344/12.0TBVNG-A.P1, relatado pelo Desemb. Carlos Gil. “A reapreciação da decisão da matéria de facto visa obter um sustentáculo fáctico para uma certa solução para uma dada questão de direito, pelo que se a matéria de facto cuja reapreciação se requer é inócua à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, deve o tribunal ad quem indeferir essa pretensão, por força da proibição da prática no processo de actos inúteis.”; da Relação de Coimbra, de 06-12-2016, proc. Nº 110/15, relatado pelo Desembarg. Moreira do Carmo: “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.”; desta Relação de Guimarães, de 02-11-2017, processo nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/192952" target="_blank">501/12.8TBCBC.G1</a>, relatado pela Desemb. Maria João Matos: “Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil (arts. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.).”. 19. Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, Coimbra, 1977, página 155. 20. Relatado pelo Desemb. Pinto dos Santos.
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Os autores J. C. e esposa M. S. instauraram, em 12-09-2018, no Tribunal de Fafe, acção declarativa, em forma de processo comum, contra os réus A. C. e esposa M. F.. Foi este o pedido que formularam: “…serem os Réus condenados a: a) Reconhecer o direito de propriedade dos Autores e absterem-se de o violar; b) Demolir todas as obras e aberturas por eles efetuadas na propriedade dos Autores, colocando-a na situação em que se encontrava anteriormente; c) Pagar aos Autores uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelo facto de, abusivamente, terem invadido a sua propriedade. d) Pagar as custas legais, procuradoria condigna e demais encargos com o processo.” Para o fundamentar, alegaram – e alegaram apenas –, na petição, de essencial, que são donos de certo prédio rústico que identificaram pelo nome, composição, área, confrontações, matriz e registo, “conforme” certidões destas, e que os réus são donos de outro, que referiram da mesma maneira e por reporte à certidão do registo predial. Este confronta de norte com aquele. No prédio dos réus, construíram estes diversas “infraestruturas, nomeadamente dois pavilhões industriais.” Nessa altura e “no seguimento da edificação dos mesmos, foram colocadas ventoinhas, tubos para esvaziamento de águas pluviais e residuais, sempre em desrespeito pelas distâncias legalmente exigidas” e “sem autorização” dos autores. Além disso, cavaram uma vala no terreno destes, para escoamento das águas pluviais, também “sem, autorização”. Mais tarde, foram abertas janelas e uma porta de acesso, também sem o seu “consentimento”, em “abuso e afronta” do seu direito. Após uma queixa à Câmara, foi colocada uma “vedação em arame em toda a extensão dos pavilhões em questão, com uma apropriação indevida e ilegal, de 1,5 m do terreno dos Autores, impedindo-os de aceder a essa parte do seu terreno”. As descritas infraestruturas “foram construídas no limite dos terrenos dos Autores e Réus”. O revestimento da parede exterior de um pavilhão ocupa 15 cm do seu terreno em parte da sua extensão e a vedação ocupa o citado 1,5 em toda a extensão do terreno. Tais obras violam “elementares preceitos constitucionais” e de “direito administrativo e do urbanismo” e especialmente o direito de propriedade dos autores, principalmente a vedação. Aliás, são actos de “esbulho”. Trata-se de “violência sobre as coisas” que impede os autores de usufruir do “terreno sua pertença”, e que, assim “causaram e causam danos na propriedade”. Juntaram fotos e documentos. Em contestação, os réus defenderam-se por impugnação de parte da factualidade alegada, negaram qualquer ocupação, confirmaram que implantaram a vedação mas “numa área de terreno que é sua” e de acordo com a planta do loteamento feito no seu prédio, acrescentando que in loco pode-se verificar que as sapatas dos muros que executaram estão enterradas na área de terreno a que se referem os autores, isto há mais de 20 anos, sem que estes algo questionassem. Juntaram um documento, que os autores impugnaram. Foi dispensada a audiência prévia, fixado o valor da causa, saneados tabelarmente os autos, identificado o objecto do litígio (“a pretensão dos autores em ver reconhecido o direito sobre o prédio” e a “pretensão de ver demolidas as construções”), enunciados os temas da prova, apreciados os requerimentos probatórios e designando data para a audiência final. Esta realizou-se nos termos e com as formalidades narradas nas respectivas actas, no seu decurso tendo sido tomadas declarações do autor e tomado depoimento do réu (bem como declarações de parte), ouvidas testemunhas, efectuando-se inspecção ao local. Por sentença de 22-10-2019, foi decidido: “Nestes termos, julgo a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e em consequência: a) Reconheço o direito de propriedade dos Autores sobre o prédio rústico mencionado em 1) da factualidade provada e condeno os Réus a absterem-se de violá-lo. b) Condeno os Réus a demolirem a vala cavada para além da vedação existente, do lado do prédio dos Autores. c) Absolvo os Réus do demais peticionado. Atento o decaimento de ambas as partes, as custas em dívida serão devidas na proporção de 1/5 pelos Réus e 4/5 pelos Autores – cfr. art. 527º do CPC. Notifique. ”. Insatisfeitos, os autores apelaram a que esta Relação revogue a sentença e condene em conformidade com o recurso, tendo apresentado como conclusões: “1 – Os Recorrentes não concordam essencialmente com a resposta dada às alíneas a), b), c), d), e) e f) dos factos não provados da p.i., cuja reapreciação pelo presente recurso se requer. 2 - A convicção do Tribunal “a quo”, relativamente ao julgamento da matéria de facto, ...u na posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, no teor dos documentos juntos aos autos, na inspecção ao local realizada, nos depoimentos e declarações de parte prestados e na inquirição das testemunhas na audiência final, sendo que os elementos instrutórios foram apreciados conjuntamente segundo as regras do ónus da prova e as regras da experiência. 3 – Na óptica do Tribunal Recorrido a grande questão de facto em causa nos presentes autos respeita não à titularidade dos prédios e realização das obras invocadas, mas sim à delimitação dos prédios de Autores e Réus e inerente construção, ou não, das obras realizadas no terreno de uns e outros. 4 – Foi com base nesta premissa, que os Recorrentes partiram para a presente demanda, esgotados que foram todos os esforços extrajudiciais. 5 - As Fotografias junto aos autos, o Ofício do Município ... datado de 13/05/2019, a Caderneta Predial do prédio propriedade dos A.A., as queixas apresentadas na Câmara Municipal ..., as cartas enviadas aos Recorridos conjugados com os depoimentos prestados pelas testemunhas M. A., J. L., J. F., A. R. E M. V., C. J. E J. P., impunham uma decisão diversa sobre as alíneas a), b), c), d), e) e f) dos factos não provados da P.I. 6 - O MMº Juiz “a quo” na fundamentação da decisão sobre matéria de facto constante dos mencionados pontos, para além de não ter tido em consideração e por isso não ter valorado devidamente estes depoimentos, não fez uma correcta interpretação da referida prova documental. 7 - A conjugação destes depoimentos com a referida prova documental, assume particular importância para a reapreciação e alteração da matéria de facto constante das alíneas a), b), c), d), e) e f), impondo decisão diversa sobre os mencionados pontos da matéria de facto. 8 – O MMº Juiz “a quo” na livre apreciação que fez da prova, utilizou dualidade de critérios. 9 - Todas as testemunhas inquiridas foram consentâneas, quanto à existência dum antigo muro que delimitava as propriedades de Recorridos e Recorrentes. 10 - Muro esse que foi sendo destruído ao longo dos anos, dando lugar a novas edificações, existindo apenas resquícios das extremidades do mesmo. 11 - No local em discussão nos presentes autos, os resquícios desse muro estão a uma distância tal uns dos outros, que não permitem, a olho nu, concluir por onde o mesmo seguiria e se implantaria. 12 - À parte este ponto de convergência, a prova testemunhal separou-se, naturalmente, em duas versões contraditórias. 13 - As testemunhas dos Recorrentes declararam que, o mencionado muro delimitava as propriedades por uma linha que hoje corresponde à parede das traseiras do pavilhão industrial construído no prédio dos Recorridos. 14 - O antigo muro, ou melhor os resquícios do mesmo, são a pedra basilar para o desfecho da presente lide. 15 - Todas as testemunhas basearam as conclusões a que chegaram para a tomada de posição quanto a quem pertencia a faixa de terreno em causa, na existência do antigo muro e mormente na existência dos seus resquícios. 16 – O antigo muro, separava e separa duas freguesias, do concelho de Fafe, Ribeiros e ..., onde se encontram os prédios em análise. 17 - Do lado da freguesia de Ribeiros situa-se o prédio dos Recorrentes e do lado de ..., o prédio dos Recorridos. 18 – Os Recorrentes sempre mantiveram boas relações de vizinhança com todos os seus confrontantes, fazendo com os mesmos inclusive, cedências mútuas de faixas de terreno. 19 – Tal realidade resulta do depoimento prestado pela testemunha J. L. e das quatro fotografias ampliadas do local ora juntas ao abrigo do disposto no artigo 423.º do Código de Processo Civil. E, 20 – Da inspecção ao local. 21 - O MMº Juiz “a quo” não valorou a existência dos resquícios do muro. 22 - O Tribunal recorrido, desvalorizou por inteiro o depoimento das testemunhas M. A., J. L. e J. A.. 23 – Tais depoimentos assumem particular importância para o apuramento dos factos e consequente desfecho da presente lide. 24 – O Tribunal “a quo” fez uma interpretação demasiado redutora e pejorativa da prova produzida pelas testemunhas dos Recorrentes e dos documentos que aqueles carrearam para os autos, com particular importância o Ofício, datado de 13/05/2019, emitido pelo Município .... 25 – Na Fundamentação da douta Sentença objecto de recurso, o Tribunal recorrido, apenas valorou o depoimento das testemunhas A. C., M. V., C. J. e J. P., todas arroladas pelos Requeridos e o documento junto por eles aos autos. 26 - O tribunal recorrido, teve dois pesos e duas medidas na apreciação da prova. 27 – Não há dúvidas que a vedação em arame colocada pelos Recorridos nas traseiras do seu pavilhão, ocupa uma área de 1,50 cm em toda a extensão do seu prédio. 28 – O revestimento de parte da parede exterior traseira do referido pavilhão, invade também o terreno dos Recorrentes, em cerca de 15 cm, ao longo da sua extensão. 29 – Tal ocupação/invasão impede os Recorrentes de utilizarem o seu prédio nas áreas delimitadas e invadidas pela vedação e revestimento ali referidos, na sua plenitude. 30 – Tal realidade resulta do teor do já mencionado Ofício, datado de 13/05/2019, emitido pelo Município ..., sob a epígrafe: “Proposta de demolição de obra executada sem licença/Urbanização Penedo Gordo, lotes 2 e 3/... – Fafe. 31 – O Tribunal “a quo” desconsiderou como prova o teor do documento a que se alude na conclusão anterior, o qual impunha decisão diversa sobre os mencionados pontos da matéria de facto. 32 - As alíneas a), b), c), d), e) e f) dos Factos não provados devem ser considerados provados. 33 - Os A.A., aqui Recorrentes, alegaram e provaram factos alusivos quer à posse, quer à propriedade do seu prédio e concludentemente da parcela de terreno onde foram feitas as obras em apreço. 34 - Da matéria fáctica discutida no presente recurso, resulta que a aludida parcela de terreno faz parte integrante do prédio dos A.A. 35 - Os Recorrentes sempre utilizaram o seu prédio e a referida parcela de terreno dele integrante, convictos de estarem a exercer um direito próprio, à vista de toda a gente, por si e seus antigos possuidores, sem oposição de quem quer que seja e na convicção de não lesarem direitos de outrem. 36 – A parte da douta Sentença que julgou improcedente o pedido formulado pelos Autores, quanto ao reconhecimento de que faz parte integrante do seu prédio, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ... da freguesia de ... e inscrito na matriz predial rústica daquela freguesia sob o artigo ..., a faixa de terreno com a largura de um metro e cinquenta centímetros em toda a extensão do seu prédio e absolveu os Réus dos demais pedidos formulados pelos Autores, deverá ser revogada por uma outra que condene os Recorridos a reconhecerem os direitos invocados pelos recorrentes. 37 - É entendimento unânime que as regras de distribuição do ónus da prova não constituem limites aos poderes instrutórios do juiz. 38 - O MMº Juiz não deve limitar-se a ser um mero espectador, apático perante a actuação do autor e do réu. 39 - Com a entrada em vigor do actual Código de Processo Civil, viu-se uma acentuação dos poderes de direcção do juiz, que passou a ter o poder-dever de ordenar, ex officio, a realização de diligências que sejam importantes para a descoberta da verdade. 40 - A iniciativa probatória prevista no artigo 411.º do Código de Processo Civil, é um dever do juiz e não uma faculdade. 41 - O juiz tem a liberdade, não só de valorar as provas, mas também tem o poder/dever de complementá-las. 42 – No Novo Código de Processo Civil, existe uma multiplicidade de normas sobre a instrução, que configuram uma impressionante amplitude dos poderes probatórios do juiz, nomeadamente nos artigos 436.º (requisição de documentos), 467.º (perícia), 490,º (inspecção judicial), 526.º (inquirição por iniciativa do tribunal) e 452.º (depoimento de parte). 43 - A Sentença recorrida violou, entre outros, o disposto nos artigos 1251º, 1259º, 1261º, 1262 e 1263ºe 1311º todos do Código Civil e nos artigos 436º, 452º, 467º, 490º e 526º, todos do Código de Processo Civil. Termos em que, deve o presente recurso ser recebido, e a final considerado procedente, revogando-se, como pedido, a Sentença recorrida e condenando-se os recorridos, em conformidade com este recurso, assim se fazendo, JUSTIÇA!”. Os réus contra-alegaram no sentido de que seja mantida na íntegra a decisão, cujos fundamentos reproduziram, evidenciaram e reiteraram. [1] O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito suspensivo. Corridos os Vistos legais e submetido o caso à apreciação e julgamento colectivo, cumpre proferir a decisão, uma vez que nada a tal obsta. II. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC. Joeirando as mais de quatro dezenas de conclusões com que os recorrentes finalizaram as suas alegações manifestamente desrespeitando o comando normativo ínsito ao disposto no nº 1, do artº 639º, CPC, e os princípios da utilidade, economia e celeridade que perpassem pelo Código [2], sobra delas a questão, única mas essencial, de saber se a decisão da matéria de facto enferma de erro, quanto aos pontos indicados, e se deve ser alterada. Além disso, é de ofício mas também foi referida pelos recorridos, a questão da admissibilidade legal das fotos ora juntas pelos autores. III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O tribunal recorrido considerou relevantes e decidiu julgar como provados os seguintes factos: “1) Encontra-se registada a favor dos Autores a aquisição da propriedade por sucessão hereditária e partilha a 15-11-2010 do prédio rústico denominado ... ..., composto por uma coutada de mato e lenha sito no lugar do ..., com a área de vinte e um mil metros quadrados, a confrontar de norte com F. C., do sul com limite da freguesia de Moreira, do nascente com J. D. e do poente com prédios dos Autores, descrito no Registo Predial ... com o n.º ... da freguesia de ... e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo ... da freguesia de .... 2) Os Autores, por si e antepossuidores, há mais de 5, 15, 20 e 30 anos vêm possuindo ininterruptamente o prédio descrito em 1, pagando as respetivas contribuições e outros encargos referentes ao mesmo. 3) Possuindo-o com o conhecimento da generalidade das pessoas, nomeadamente dos vizinhos e habitantes e dos próprios Réus. 4) Sem a oposição de ninguém à vista de toda a gente, dia a dia, ano a ano. 5) Com a consciência de não lesarem o direito de quem quer que seja, 6) Tendo adquirido tal posse sem violência e exercendo-a com o ânimo de quem exerce um respetivo direito de propriedade. 7) Encontra-se registada a favor dos Réus a aquisição por compra a 2-2-2001 do prédio urbano, que confronta de norte com herdeiros de A. F., hoje prédio dos Autores referido em 1), sul com caminho público, nascente com lote 4 e de Poente com lote 1, resultante da anexação dos n.ºs …/19971111 e …/19971111, sito na ... ..., freguesia de ..., com a área de mil duzentos e noventa e sete virgula quarenta metros quadrados, descrito no Registo Predial ... com o n.º .../20171103, da freguesia de ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ... - P da freguesia de .... 8) No prédio dos Réus foram construídas diversas infraestruturas ao longo dos anos, nomeadamente um pavilhão industrial. 9) No seguimento da edificação do pavilhão industrial foram nele colocados tubos para esvaziamento de águas pluviais e residuais e ventoinhas, sem qualquer autorização dos Autores. 10) Foi cavada pelos Réus uma vala no terreno dos Autores, sem qualquer autorização destes. 11) Foram abertas pelos Réus no seu pavilhão industrial janelas e uma porta de acesso, também sem qualquer consentimento dos Autores. 12) Foi colocada pelos Réus uma vedação em arame em toda a extensão das traseiras do pavilhão em questão. 13) E efetuado o revestimento de parte da parede exterior traseira do pavilhão em cerca de 15 cm. 14) Os Autores solicitaram aos Réus a demolição das obras referidas em 11) a 13), e efetuaram queixas junto da Câmara Municipal para o mesmo efeito, mediante as missivas juntas como docs. 16, 17, 18 e 19 à petição inicial, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.” Mais julgou não provados os seguintes: “Não resultaram comprovados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente que: a) A vedação mencionada em 12) ocupe uma área de 1,50 cm em toda a sua extensão do prédio dos Autores. b) O revestimento mencionado em 13) invada o terreno dos Autores em cerca de 15 cm, ao longo da sua extensão. c) Os factos a) e b) impedem os Autores de utilizarem o seu prédio nas áreas delimitadas e invadidas pela vedação e revestimento ali referidos. d) Exista um tubo para escoamento de águas residuais provindas do prédio dos Réus que as faz cair diretamente no terreno dos Autores, onde se infiltram. e) A vala referida em 10) se destine a escoar águas residuais do prédio dos Réus. f) A vala referida em 10) impede os Autores de usufruírem da utilização do seu prédio.” IV. APRECIAÇÃO Junção de documentos Com as suas alegações, os autores carrearam agora para o processo quatro fotos com as quais pretendem ilustrar uma alegada cedência por eles em tempos feita de uma parcela de terreno do seu prédio para construção do campo de futebol contíguo e de que teria resultado uma configuração que entendem ser elemento relevante para prova da sua tese, isto é, de como e por onde se fazia outrora e faz actualmente a respectiva estrema no sentido de daí se concluir que o espaço ora disputado lhes pertence. Sem nada justificarem quanto à oportunidade, pretenderam abrigar tal junção na norma do artº 423º, do CPC. Esqueceram, porém, as dos artºs 651º e 425º e o muito que sobre tal problema a Jurisprudência [3] tem referido, designadamente evidenciando aquilo que a lei com clareza estabelece: por regra, os documentos devem ser juntos com os articulados; só excepcionalmente podem sê-lo com as alegações. Neste caso, não curaram os apelantes de alegar e demonstrar tal excepcionalidade, nem ela se descortina. Daí que não possa atender-se a sua pretensão. Vejamos. O Código de Processo Civil, na versão anterior ao Decreto-Lei nº 303/2007, dispunha, no nº 1, do artº 523º, que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa, deviam ser apresentados com o articulado em que fossem alegados os respectivos factos. Era também com os articulados eventualmente supervenientes que todas as provas deviam ser oferecidas – artº 506º, nº 5. Se não fossem apresentados com o articulado respectivo, os documentos podiam, ainda, ser apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância, com ou sem penalização (multa), conforme se provasse, ou não, a impossibilidade de o terem sido com aquele – artº 523º, nº 2. Depois desse momento processual, só eram admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tivesse sido possível até então – artº 524º, nº 1. Além disso, os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tivesse tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podiam ser oferecidos em qualquer estado do processo – artº 524º, nº 2. Por sua vez, o artº 706º, previa que as partes “podem juntar documentos às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o artº 524º ou no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância” (nº 1). Além disso, os documentos supervenientes podiam ser juntos até ao momento dos Vistos (nº 2). Na versão resultante daquele Decreto-Lei 303/2007, mantiveram-se aquelas regras traçadas nos artºs 523º e 524º, mas no novo e sucedâneo artº 693º-B (do anterior 706º) aditaram-se às hipóteses contempladas no artº 524º e à de a necessidade da junção advir do julgamento proferido em 1ª instância os “casos previstos nas alíneas a) a g) e i) a n) do nº 2 do artº 691º”, ou seja, os de decisões das quais, excepcionalmente, também cabia apelação imediata. Perante ela, referia Abrantes Geraldes [4] que a jurisprudência, de que citou exemplos, “não hesitava em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes dessa decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado” mas que, todavia, pode ocorrer a junção “quando esta se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo”. No regime actual, decorrente da entrada em vigor do novo Código, dispõe-se, no nº 1, do artº 423º, que os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa, devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os respectivos factos. Assim como, no nº 5, do artº 588º, que é com os articulados eventualmente supervenientes que todas as provas são oferecidas. O nº 2, do artº 423º, estabelece que, se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem, ainda, ser apresentados até 20 dias antes da data da realização da audiência final, com ou sem sanção (multa), conforme se prove, ou não, a impossibilidade de o terem sido com aquele. Depois daquele limite temporal, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até esse momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior – artº 423º, nº 3. Além disso, depois do encerramento da discussão, só são admitidos – mas no caso de recurso – os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aí – artº 425º. Por seu turno, o actual artº 651º, regulador da apresentação das alegações nesta fase de recurso, estabelece, no nº 1, que, com elas, as partes apenas podem juntar documentos nas situações excepcionais a que se refere o artº 425º – documentos cuja junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão em 1ª instância – e no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento ali proferido. Voltou-se, pois, à situação anterior, abolindo-se a hipótese que decorria dos casos de apelação imediata presentemente contemplados no artº 644º, nº 2. [5] Ora, na situação aqui em apreço, os apelantes limitaram-se a anunciar, no final do requerimento de interposição de recurso e das suas alegações, que juntavam um documento [6] e a invocá-lo no decurso das alegações para corroborar o depoimento de testemunhas, nomeadamente de J. L., sobre o aludido episódio relativo à cedência de uma parcela para o campo de futebol, cedência esta que teria pressuposto uma certa configuração primitiva do seu prédio e de cuja efectivação teria resultado a que dizem ser a actual e por eles considerada relevante para demonstração da sua tese. Assim, pretendem credibilizar as suas testemunhas e refutar a desvalorização “indevida” que do respectivo depoimento pelo tribunal teria sido feita. Visando os recorrentes, em última análise, demonstrar, como lhes cabia, o essencial da factualidade que alegaram na petição em ordem a concluir-se que a parcela de terreno supostamente “invadida” e “violada” faz parte do seu prédio e lhes pertence, como era fundamental que demonstrassem, era com esse articulado que os deviam ter junto. Lembra a esse respeito o STJ que “Quando o acesso ao documento está ao alcance da parte, a instrução do processo com a sua apresentação é um ónus, devendo desconsiderar-se a inacessibilidade que seja imputável à falta de diligência da parte, sob pena de se desvirtuar a relação entre a regra e a excepção ditada, nesta matéria, pelo legislador.”[7]. Como nem então, nem até ao encerramento da discussão em 1ª instância, curaram de o fazer, precludiu-se qualquer das oportunidades processuais que o artº 423º facultava e nenhuma outra ressurgiu. Com efeito, nada sugere sequer – até porque eles a isso não fizeram a mínima alusão – que a apresentação de tais documentos não tivesse sido possível até ali. Não existiam? Desconheciam-nos? Por qualquer outra causa estava-lhes vedado em absoluto o acesso? Nada alegam, menos provam, como seria necessário. Além disso, a necessidade de junção de tais provas não nasceu por virtude do julgamento feito em 1ª instância. Ela remonta à instauração da acção e tem génese nas regras do ónus da prova que sobre eles impendem relativamente aos factos fundamentadores da pretensão para que, por tal via, buscam protecção jurídica. Tal necessidade implica que a parte interessada se muna e ofereça todos os meios de prova relevantes para demonstração da realidade por si alegada, contando com o que a parte contrária poderá também alegar e contraprovar, de modo a facultar ao juiz o manancial de elementos capaz de permitir formar e sustentar a sua convicção sobre aquela. No caso de ele, após o julgamento, não ficar convencido ou ficar com dúvidas e, por isso, na sentença, declarar não provados os factos convenientes, não é com a apelação dela nem para poder contestar os fundamentos da sua decisão nem, portanto, para impugnar o decidido, que se gera a requerida necessidade de que a lei faz depender a admissibilidade excepcional da junção, nessa fase, de documentos. Esse desaire não dá azo a segunda oportunidade para apresentação de outras provas, nem para consolidar e credibilizar as já antes produzidas, nomeadamente os depoimentos testemunhais julgados frágeis e não convincentes. A necessidade não visa colmatar o fracasso da tarefa probatória a cargo da parte. Ela apenas surge e releva se, como diz o Supremo, “pela fundamentação da sentença, ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida.” [8] Na verdade, “No que toca à necessidade do documento, os casos admissíveis estão relacionados com a novidade ou imprevisibilidade da decisão, não podendo aceitar-se a junção de documentos quando ela se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas nos autos desde o primeiro momento.” [9] Ademais, se, como dizem os recorrentes, a “realidade que se pode verificar pela simples análise das quatro fotografias” e que respeita a um “bico” de terreno constituído após a referida cedência onde antes existia “uma linha recta a separar”, afinal “já se verificou no local aquando da inspecção” mas tal não foi devidamente valorado, resulta inequívoco e seguro não só que a junção é supérflua em vista do valor e eficácia daquele referido meio de prova directa já produzido pelo tribunal a quo mas também que pretendendo-se, através dela, afrontar a “valoração” por ele atribuída, afinal a necessidade não decorre mesmo do julgamento em si mas do descontentamento com o mesmo e da tentativa de o impugnar e reverter. Anotando-se, por fim, que as fotos não aparentam conter nem retratar aspectos verdadeiramente esclarecedores e decisivos da questão fáctica controvertida fulcral, não resta senão, por tudo quanto se expôs, indeferir a junção e ordenar o desentranhamento de tais documentos e, pelo incidente, condenar os apelantes nas respectivas custas, cujo valor se fixará em razão dos critérios legais plasmados no RCP, do grau de impertinência do requerimento e consequente ilicitude e culpa, necessidades preventivas, efeitos nos autos e sua situação económica. Impugnação da matéria de facto Já se pôs em relevo, no relatório com que se iniciou este Acórdão, o teor do pedido formulado na presente acção. Pediu-se, com efeito, o reconhecimento do direito de propriedade dos autores – é verdade. Quanto a isso tendo a acção sido julgada procedente, declarou-se reconhecido o referido direito sobre o prédio tal como este foi identificado na petição inicial e se descreveu no ponto 1 dos factos provados. Foi-o, aí, sem uma concreta e precisa alegação dos limites do terreno e, portanto, sobre a exacta localização e implantação da sua estrema na confrontação com o dos réus. Em consequência, os actos de posse relativos àquele (aliás provados nos pontos 2 a 6) e, consequentemente, a usucapião invocada como modo de aquisição originária do mesmo, referem-se tão só ao prédio em si. Eles não foram alegados específica e incisivamente em relação à parcela de terreno disputada. Claro que a demonstração de que as obras levadas a cabo pelos réus atingem o prédio dos autores e, assim, ofendem o seu direito de propriedade, pressupõe a alegação e prova de que a parte invadida faz parte do seu terreno e, portanto, de que é essa a coisa (com tal conformação e extensão) sobre que incide o seu direito real. Porém, olhando-se à petição (aos seus fundamentos e ao pedido em que culminou), logo ressalta a fragilidade com que a aquisição do direito sobre a faixa, seja por via da invocação de actos de posse sobre ela seja pela de quaisquer outros que, uma vez demonstrados, relevem para convencer dela, foi elaborada e afirmada. Aliás, é notória a falta de clareza e assertividade com que factualmente se descrevem as “infraestruturas” construídas, de que modo as mesmas lesam o direito dos autores e, portanto, qual o exacto fundamento jurídico por estes perspectivado para obterem a pedida demolição de “todas as obras e aberturas” [10]. Serve esta constatação primeira para logo, com o rigor que é necessário ter e de modo a evitar-se qualquer equívoco, se refutar a afirmação com que irrompem as alegações de que a sentença “Julgou improcedente o pedido formulado pelos Autores, quanto ao reconhecimento de que faz parte integrante do seu prédio, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ... da freguesia de ... e inscrito na matriz predial rústica daquela freguesia sob o artigo ..., a faixa de terreno com a largura de um metro e cinquenta centímetros em toda a extensão do seu prédio e absolveu os Réus dos demais pedidos formulados pelos Autores.” Não é verdade que, na petição, essa faixa tenha sido concreta e precisamente destacada, descrita e identificada, nem que sobre ela tenham sido alegados incisivos factos conexos tendentes a demonstrar a que prédio e a que parte a mesma pertence, nem, ainda, que em tais termos explícitos foi formulado o pedido. Basta recordar a síntese da peça feita acima. Por isso, também não é verdade que a sentença julgou e decidiu formalmente naqueles termos. Nesta mesma linha, não pode deixar de se salientar também que, ao contrário do que os autores referem na parte final das suas alegações, não é verdade que “alegaram […] factos alusivos quer à posse, quer à propriedade […] da parcela de terreno onde foram feitas as obras em apreço”, nem que “sempre a utilizaram, convictos de estarem a exercer um direito próprio, à vista de toda a gente, por si e seus antigos possuidores, sem oposição de quem quer que seja e na certeza de não lesarem direitos de outrem.” Como se disse, nenhum acto de posse invocaram sobre a parte controversa, significativo de verdadeira reivindicação da sua titularidade. Por isso e porque não foi assim que formularam o pedido, jamais podem pretender que, mesmo a proceder a impugnação de facto e a alterar-se o julgamento de direito, se altere o decidido no sentido de que, pressupondo-se que a sentença “julgou improcedente o pedido formulado pelos A.A., quanto ao reconhecimento de que faz parte integrante do seu prédio, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ... da freguesia de ... e inscrito na respectiva matriz predial rústica daquela freguesia sob o artigo ..., a parcela de terreno com uma área de 1,50 cm em toda a extensão do prédio dos Recorridos e vedada por eles, bom como quanto ao reconhecimento de que o revestimento de parte da parede exterior traseira do pavilhão dos Recorridos, invade também o terreno dos Recorrentes, em cerca de 15 cm, ao longo da sua extensão”, ela seja “revogada por uma outra que condene os Recorridos a reconhecerem os direitos invocados pelos Recorrentes”. Sem embargo, uma vez que a procedência do pedido de demolição das “obras e aberturas” (vala, vedação de arame, etc.) depende do pressuposto de que elas ofendem o espaço alegadamente pertencente ao prédio dos autores, à míngua de uma identificação e definição claras e precisas por estes da faixa questionada, da alegação de actos possessórios sobre ela e de um consequente pedido de restituição da mesma no seu estado anterior a qualquer intervenção dos réus, sempre a averiguação que importa fazer implica determinar onde se localizam as aludidas obras e se qualquer delas se insere ou projecta ilicitamente aquém da estrema do seu prédio e, portanto, além da do prédio dos réus, na respectiva confrontação. Tal significa que o problema fulcral não respeita “à titularidade dos prédios” nem à “realização das obras”, antes redunda, apesar da falta de assertividade dos autores a esse respeito, essencialmente na descoberta de qual seja a “delimitação dos prédios” de modo a, em face da localização daquelas, poder então inferir-se se elas se encontram “no terreno de uns ou de outros”. A sentença bem assinalou isso. Neste quadro, compreende-se a razão e justeza da advertência nela expressa sobre os termos claudicantes com que a acção foi estruturada, designadamente quanto ao segundo (e mais relevante) pedido: “Cumpre sublinhar, desde logo, que encontrando-se o Tribunal limitado a pronunciar-se apenas quanto ao peticionado, por força do disposto no art. 609º, n.º 1 do CPC, e face à forma como foi deduzido o pedido pelos Autores, terá apenas o Tribunal que se pronunciar quanto à necessidade de demolição das obras realizadas na propriedade dos Autores, e não de quaisquer obras realizadas no prédio dos Réus, designadamente quanto às alegadas ventoinhas, janelas, porta e tubos construídas na propriedade dos últimos. E ainda que assim não se entendesse, sempre a forma conclusiva como foi alegado o impacto de tais obras nos direitos dos Autores – aludindo-se apenas genericamente a uma violação das normas legais, sem concretização, por parte de tais obras realizadas no prédio dos Réus – determinaria que a pretensão de demolição de tais obras estaria votada ao insucesso, por insuficiência da factualidade alegada e comprovada para o efeito. Assim, e face ao teor do pedido deduzido, e factualidade alegada, as obras relativamente às quais se impõe aqui apreciar se se justifica a sua demolição ou não são a vala alegadamente cavada na propriedade dos Autores, o revestimento de parte da parede exterior traseira do pavilhão dos Réus e a vedação em arame colocada pelos mesmos (tudo obras que, de acordo com o alegado, se implantam ou invadem o prédio dos Autores). Como é manifesto, a demolição de tais obras depende da constatação da localização das mesmas dentro do prédio dos Autores, pois só aí poderemos ter as mesmas como ilícitas por violadoras do direito de propriedade dos mesmos, nos termos dos arts. 1305º e 1344º do Código Civil. E, cumpre sublinhar, pese embora o reconhecimento do direito de propriedade anteriormente operado, tal reconhecimento não se refere ao reconhecimento da concreta delimitação do prédio descrito em 1) face ao prédio dos Réus – não sendo a presente ação uma ação de demarcação.” O mesmo aconteceu, aliás, quanto ao terceiro pedido (indemnização): “Peticionam ainda os Autores a condenação dos Réus a pagar-lhes uma indemnização, a liquidar em execução de sentença, pelo facto de, abusivamente, terem invadido a sua propriedade. Ora, pese embora se tenha comprovado a escavação de vala em propriedade dos Autores – e apenas tal invasão – a verdade é que não se alegaram nem comprovaram quaisquer concretos danos líquidos ou a liquidar resultantes da existência de tal vala que justifiquem a fixação de qualquer indemnização. ”. Efectivamente, nem quanto à vala nem quanto a qualquer das demais obras, os autores fizeram, na petição, a mínima referência, ainda que genérica, a qualquer prejuízo delas resultante e que justifique indemnização, limitando-se comodamente a pedir o pagamento do que se “liquidar em execução de sentença”, sem invocarem qualquer espécie de dano consequente com alguma plausibilidade e concretização, devendo saber que tal apenas é viável se faltarem os “elementos para fixar o objecto ou a quantidade” (artº 609º, nº 2) [11], que apenas é permitido formular pedido genérico nos termos e condições – que aqui não se verificam – do artº 556º, CPC, e que mesmo a faculdade prevista no artº 569º, do Código Civil, sempre pressupõe a alegação da existência de danos que, embora não sejam ainda quantificáveis ou determináveis, sejam, contudo, perfeitamente previsíveis, à luz das regras da experiência e/ou da ciência. Como, v.g., se refere no Acórdão desta Relação, de 18-05-2017 [12] “A liquidação da sentença só tem por fim concretizar o objecto da condenação, com respeito do caso julgado decorrente da acção declarativa. A existência do dano não pode ser relegada para o incidente, apenas a sua quantificação.”. Em contraponto de tais contingências só aos autores imputáveis, uma outra constatação também deve desde já referir-se por, embora significativa do seu inconformismo, contribuir para mostrar a falta de razão que parece ofuscá-los na tentativa de a todo o transe e, por isso, em desatenção dos limites do recurso, obterem a modificação da sentença. Com efeito, ao longo das suas alegações, eles qualificam o julgamento do tribunal a quo subjacente à sentença proferida como “ligeiro”, “arbitrário”, “incoerente”, com “falta de distanciamento”, usando “dualidade de critérios”, “dois pesos e duas medidas”, fruto de “interpretação diferente” da prova conforme ela seja do réu ou dos autores, só considerando “frágeis” os testemunhos destes, “demasiado redutora e pejorativa”, etc.. Analisando-se a motivação expendida, do alto e de longe do calor que o litígio compreensivelmente causa nas partes – não tanto nos demais protagonistas do processo –, terá de forçosamente concluir-se, no mínimo, que exageram na retórica. Veja-se: “Para a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, a convicção do Tribunal ...u na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, no teor dos documentos juntos aos autos, na inspeção ao local realizada, nos depoimentos e declarações de parte prestados e na inquirição das testemunhas que tiveram lugar na audiência final, elementos instrutórios apreciados conjuntamente segundo as regras do ónus da prova e as regras da experiência. Realça-se que nem toda a factualidade alegada foi levada à factualidade provada e não provada, expurgando-se a matéria conclusiva, de direito, e irrelevante para a decisão da causa. Assim, e no tocante aos factos provados 1) e 7) os mesmos decorrem do teor das certidões de registo predial juntas à petição inicial, que atestam os mesmos. Também o vertido em 14) resultou da prova documental junta, maxime os documentos 16, 17, 18 e 19 juntos à petição inicial ali mencionados, resultando também da própria pendência desta ação a pretensão dos Autores ali mencionada, denotando-se da prova produzida que o litígio existente e os pedidos dirigidos entre as partes já existem há algum tempo. No tocante aos factos provados 2) a 6) os mesmos decorrem do referido pelo próprio Réu no seu depoimento e declarações de parte, assumindo que o prédio dos Autores, confinante com o seu, é pelos mesmos – e seus antecessores – utilizado da forma comprovada, o que foi ainda corroborado pelos testemunhos de M. A., J. L. e J. A.. Também do depoimento de parte do Réu, e assentada realizada na sua sequência, resultou a prova de que foram construídas diversas infraestruturas ao longo dos anos no seu prédio (conforme vertido em 8), que nele foram colocados tubos para esvaziamento de águas pluviais e residuais e ventoinhas (conforme comprovado em 9)), que foi colocada pelos Réus uma vedação em arame em toda a extensão das traseiras do pavilhão em questão (conforme comprovado em 12)) e que foi efetuado o revestimento de parte da parede exterior traseira do pavilhão em cerca de 15 cm (conforme comprovado em 13)). Factos que foram ainda atestados, como o foram igualmente a existência duma vala e de janelas e porta de acesso ao pavilhão dos Réus mencionadas em 10) e 11) pela inspeção ao local realizada, permitindo a perceção de todas as obras e infraestruturas comprovadas em 8) a 13). No tocante à falta de autorização ou consentimento dos Autores para tais obras a mesma resulta, quer da prova documental junta (mais concretamente as queixas apresentadas junto da Câmara Municipal ...), da própria pendência do presente litígio, que indicia o desagrado dos Autores perante tais obras, e dos depoimentos prestados a tal respeito pelas testemunhas arroladas pelos mesmos. A grande questão de facto em causa nos presentes autos respeita no entanto, não à titularidade dos prédios e realização das obras invocadas, que, de resto, mereceu uma resposta da prova produzida maioritariamente consentânea e coerente, mas sim à delimitação dos prédios de Autores e Réus e inerente construção, ou não, das obras realizadas no terreno de uns ou de outros. Concretizando, é invocado a este respeito na petição inicial que a vedação em arame construída invade e delimita uma parte do prédio dos Autores em 1,50m ao longo de toda a sua extensão, que o revestimento mencionado em 13) invade igualmente o prédio dos Autores em toda a sua extensão, que foi colocado um tubo que deita diretamente águas residuais do prédio dos Réus no prédio dos Autores, e que a vala referida em 10) se encontra igualmente implantada em área do prédio dos Autores. Como resulta da factualidade provada e não provada da presente sentença, todos os factos elencados se deram como não provados, com exceção da colocação da vala em parte do prédio dos Autores. Vejamos então porquê. As testemunhas inquiridas foram consentâneas, regra geral, no apontar da existência dum antigo muro que delimitava as propriedades de Réus e Autores. Muro esse que foi no entanto destruído há já vários anos, existindo apenas resquícios das pontas do mesmo, que foram percecionados na inspeção ao local, mas estão a uma distância tal das áreas contestadas nos presentes autos que não permitem concluir por onde o mesmo seguiria e se implantaria nas mesmas, como se fez lavrar no auto de inspeção. Partindo desta circunstância, a prova testemunhal separou-se depois em duas versões contraditórias. As testemunhas dos Autores referiram que tal antigo muro delimitava as propriedades por uma linha que hoje corresponde à parede das traseiras do pavilhão industrial construído no prédio dos Réus (e que foi possível visualizar na inspeção ao local também). Já as testemunhas dos Réus e as declarações de parte do Réu apontaram, ao invés, que entre tal antigo muro e a parede traseira do referido pavilhão existia ainda uma parcela de terreno pertença dos Réus, tendo a vedação em arame sido colocada ao longo da linha onde antes se encontrava tal muro delimitador das propriedades. Ora, cumpre sublinhar, desde logo, que ponto assente entre tais versões foi que do lado da vedação oposto ao do pavilhão dos Réus o terreno é pertença dos Autores. Assim, a vala que foi constatada pela inspeção ao local como existente de tal lado da vedação tem de se ter, face a tudo o que foi relatado, como implantada no prédio dos Autores, tal como comprovado em 10) – sendo que o facto de ser o prolongamento duma vala existente do outro lado da vedação aponta para o facto de ter sido realizada pelos Réus, como comprovado igualmente. Da inspeção ao local não decorreu todavia que tal vala esteja associada a qualquer tubo para escoamento de águas residuais, afigurando-se ao invés que, quanto muito, por ali escoam águas pluviais, daí decorrendo o teor do facto não provado e). A reduzida dimensão da vala, com uma mera diferença de relevo que, face ao restante terreno, acontece até de forma natural em outras áreas do mesmo, não permite todavia concluir que a mesma impeça a utilização do terreno em causa de qualquer forma relevante, daí decorrendo o teor do facto não provado f). Mas, para além de tal ponto assente e coincidente quanto à pertença do terreno para além da vedação pelos Autores, há, como se referiu, uma divergência da prova quanto à pertença da parcela de terreno entre a vedação e a parede traseira do pavilhão implantado no pavilhão dos Réus. Para os Autores, e suas testemunhas, toda essa parcela integra-se no prédio dos Autores. Pelas testemunhas dos Réus e pelas declarações do Réu tal parcela é pertença do seu prédio. Ora, cumpre frisar que o ónus da prova da pertença de tal parcela ao prédio dos Autores incidia e incide sobre os mesmos, por ser um facto essencial para fazer atuar a reivindicação do direito de propriedade que querem fazer valer nos presentes autos. E, perante a dispersão da prova produzida, não podemos dizer que tal ónus tenha sido cumprido de forma satisfatória. Não podemos, com toda a certeza, afirmar que tal parcela de terreno não pertença aos Autores. Mas também não podemos afirmar, com a certeza exigível, como incumbia aos Autores provar, a hipótese inversa, que tal parcela de terreno pertence ao prédio dos Autores. Isto porque a prova testemunhal produzida a tal respeito foi, salvo o devido respeito, algo frágil para o efeito. O testemunho de M. A., testemunha muito mais próxima dos Autores (seu caseiro) revelou-se algo exaltado, defensivo, e até agressivo nalguns momentos, colocando em causa a sua isenção e, consequentemente, credibilidade. O testemunho de J. L., defendendo que a vedação terá avançado sobre o terreno dos Autores, não demonstrou um conhecimento profundo e ao longo dos anos do terreno em casa para permitir concluir que poderia ter por certo o que afirmou, isto é, que a vedação terá sido colocada para além do local onde o muro delimitador dos terrenos existiria anteriormente. E testemunho de J. A., por outro lado, oscilou entre afirmar, de forma clara, que não sabia se a parede do pavilhão do prédio dos Réus estaria ou não no local onde estaria o muro, para, depois, afirmar já de forma perentória que a vedação estaria para lá do local onde estava o muro antigo… O que indicia que, mais do que ter uma noção de onde estaria o muro anteriormente e consequente delimitação dos terrenos, estava em juízo mais preocupado em unicamente transmitir uma posição consentânea com a da petição inicial, de que a vedação estava para além do local anterior de tal muro… Para além de tais testemunhos foi igualmente junto o documento do Município ... junto com o requerimento de 20-5-2019, aludindo que a vedação foi implantada fora dos limites do prédio dos Réus. Não obstante, não justifica nem comprova de forma contundente tal “facto”, limitando-se a relatar tal conclusão, duma forma que não pode também, por si só, convencer nem se impor a este Tribunal. Ainda mais, a prova produzida pelos Réus tornou ainda mais duvidosa a versão dos factos defendida pelos Autores. A visita ao local permitiu efetivamente percecionar a existência de sapatas suporte dos muros/paredes traseiras do pavilhão construído no prédio dos Réus, sapatas essas que se prolongam até ao local onde a vedação está colocada. E, como defendido pelos Réus, é muito estranho que, não pertencendo tal faixa de terreno aos mesmos, como defendido pelos Autores, os mesmos tenham permitido a instalação e permanência de tais sapatas desde a sua construção, realizadas já há mais duma década, de acordo com o relatado pelas testemunhas dos Réus – duma forma coincidente e convincente. Mais ainda, as testemunhas M. V. e C. J. não deixaram de referir que, tendo construído a parte traseira do pavilhão, existia entre o mesmo e o antigo muro, que o primeiro destruiu, um espaço de cerca de 2 metros (perto da distância que no local se mediu entre a vedação e a parede traseira do pavilhão, nalgumas das suas áreas vedadas). E, finalmente, o depoimento de J. P., que não deixou de depor duma forma que se afigurou isenta e credível, também apontou no sentido daquela parcela de terreno ser pertença do prédio dos Réus, na medida em que as medições efetuadas face à área declarada dos mesmos imponham a inclusão das mesmas no prédio em causa, em virtude das diligências que efetuou (tendo a vedação colocada partido das delimitações por si efetuadas). Mais uma vez reiteramos que o exposto não permite concluir, com a certeza exigível, pela pertença do terreno a uma ou outra das partes processuais. Mas precisamente por falta de tal certeza é que se determinou a não prova dos factos a) e b), e consequentemente do c), da factualidade não provada, por insuficiente cumprimento do ónus probatório incidente sobre os Autores relativamente aos mesmos, face à fragilidade instrutória da prova pelos mesmos apresentadas para efeito, ainda mais debelada pela prova apresentada pelos Réus relatada. Para finalizar, o facto não provado d) resultou da falta de constatação da existência de qualquer tubo que deite diretamente sobre o terreno dos Autores na inspeção realizada ao local, sendo que os tubos existentes nas traseiras do pavilhão deitam apenas sobre a parcela de terreno contestada entre a parede traseira do pavilhão e a vedação, parcela essa que não se pode ter como parte integrante do prédio dos Autores, como se acabou de expor. ”. Posto isto e avançando. São frequentes e antigas estas questões, reais e pessoais, entre proprietários de prédios confinantes. Até os romanos, à maneira do seu tempo, com elas se defrontaram. Então, para delimitar os fundi vizinhos, era deixada uma faixa livre de qualquer utilização, cujo espaço era consagrado aos deuses e considerado, por isso, res sancta, logo extra commercium, e a sua violação um sacrilegium punível com pena de morte. [13] Imagina-se, pois, que um tal regime de convivência com o domínio divino demovesse os donos terrenos de qualquer tentativa de expansão do seu fundus à custa do do outro. Não estamos, porém, naqueles tempos idos. A nossa civilização, por toda a parte, reserva ao homem, ainda que sob formas diversas, o domínio sobre as coisas e ao Estado de Direito a regulação, em exclusivo, do seu exercício e sancionamento. Neste contexto, a peculiaridade desta espécie de contendas propiciadas por quezílias derivadas da contiguidade aliada às dificuldades do sistema legal, explica que as exigências inerentes à acção nelas baseada, como resulta da experiência colhida de casos análogos e da variada Jurisprudência publicada sobre o tema, nem sempre têm sido bem compreendidas e cuidadas, com reflexos por vezes fatais para as expectativas das partes, quer no seu delineamento e condução, quer na avaliação e aceitação dos resultados obtidos. Como recentemente deixámos dito no Acórdão deste Tribunal de 05-12-2019 [14]: “Disputando-se a propriedade de uma parcela de terreno situada na confluência entre dois prédios confinantes e, assim, os limites de um e de outro, a acção respectiva assume feição peculiar. Não é propriamente de reivindicação nem de demarcação. Conquanto a pertença a um ou a outro prédio possa provar-se por actos de posse, também o pode por quaisquer outros meios, tendo em vista, como ensina o STJ (Acórdão de 04-07-2019, processo 11431/99.7TVLSB.L2.S1) descobrir a “ligação pertinencial” que se revela por certos “nexos” (materiais e funcionais).” Assim: “Na hipótese de se alegarem actos de posse, essencial é que eles o sejam concretamente sobre a parcela e não genericamente sobre o prédio.” Também disto já tratámos, v.g., no nosso Acórdão de 01-03-2018 [15], para o qual ora se remete mas de cujo sumário aqui se recorda: “3. A disputa entre as partes de uma parcela de terreno, de reduzida área, situada na confluência de dois prédios, que cada uma daquelas reclama integrar o seu e, por isso, pertencer-lhe em função da localização controversa da estrema respectiva, nem sempre configura acção de reivindicação ou de demarcação ou exige a alegação e prova dos pressupostos fácticos inerentes em conformidade com o quadro legal respectivo (artºs 1311º e 1353º, do Código Civil). 4. Conquanto, para demonstrar que a parcela faz parte ou se integra nos limites de um ou outro prédio, possam ser alegados factos relativos ao exercício da posse sobre a mesma ou de outro modo por via do qual tenha sido adquirido o domínio sobre a mesma, tal litígio pode ser resolvido como em qualquer acção declarativa comum e, assim, com base em qualquer meio de prova admissível.” Em tal situação, parece, pois, ser configurável um tertium genus. Não se discute, directa e exclusivamente, a titularidade (aliás, no caso pacífica, como em geral acontece) do direito real sobre cada um dos dois imóveis. Também não se parte, apenas, de assumidas dúvidas sobre os respectivos limites ou estremas, nem a consequente discórdia se cinge à sua efectiva fixação e implantação in loco. Não é a configuração e identidade morfológica nem a dimensão superficial de ambas as coisas (os prédios) que, directa e exclusivamente, se questiona. Cada parte defende existir uma certa delimitação do seu prédio, porém mais avançada em relação à do prédio da outra. Daí resulta uma sobreposição entre eles e, portanto, uma porção de terreno em disputa, carecida de acertamento judicial uma vez que a tese de uma (e o respectivo interesse) conflitua com a da outra e nisso se reflecte, face à incompatibilidade entre as coisas, uma certa mas peculiar desorganização do domínio que, além de física, afecta a relação jurídico-real, ainda que não de modo imediato, quer quanto à titularidade do direito (que apesar do seu carácter absoluto se torna não pacífica por contender com o uso, fruição e disposição) quer quanto ao respectivo objecto (na medida em que um é excludente, embora só em parte, do outro). O que acontece, como se referiu no Acórdão desta Relação, de 29-06-2017 [16], é que: “os proprietários confinantes pensam saber os limites dos respectivos prédios mas estão em desacordo quanto a esses limites”. A defesa, na acção, daquilo de que cada um está convencido e a pretensão de fazer valer o consequente direito, tanto pode, pois, levar a configurá-la (maxime em termos de pedido) como de reivindicação como de demarcação. Numa e noutra hipótese, sempre acaba por, mas apenas indirecta e reflexamente, estar em causa a relação jurídico-real, na medida em que, assim e como se disse, sempre resultará implicada, na controvérsia e na sua resolução, a titularidade do direito sobre a coisa e o objecto dele. Com efeito, por menor que seja a importância (valor, função, significado) da área da parcela disputada em função da discórdia sobre os limites dos prédios que cada um julga serem os verdadeiros e pretende fazer valer, nunca é indiferente para a propriedade deles, enquanto direito absoluto, a pertença daquela, designadamente porque sempre a sua extensão atina com os direitos de uso, fruição e disposição da coisa naquele contidos (artº 1305º, CC). Bem como com os limites recíprocos ao respectivo exercício entre ambos os proprietários. Esta evidência e a feição híbrida do litígio assim gerado fazem com que, mesmo no caso de a correspondente acção ser configurada como de reivindicação, “terão, ainda assim, de fazer prova de factos próprios da acção de demarcação”, como se sugeriu naquele citado aresto de 29-06-2017 e, na mesma linha, também entendemos no nosso de 01-03-2018: “Em suma: não se negando que, neste tipo de litígios, mais comum tem sido equacionar-se o problema como de demarcação (no quadro do artº 1353º, do CC) ou de reivindicação (à luz do artº 1311º), afigura-se-nos que, em função da peculiaridade de cada caso concreto mas sobretudo quando, como aqui, não é especialmente em torno da definição e marcação in loco da estrema entre os prédios nem da aquisição do direito real sobre cada um deles que o litígio nasce e se desenvolve, mas apenas da alegação e prova de certa configuração e da precisa e localizada linha delimitadora do terreno, afigura-se-nos, dizíamos, que de nenhuma especificidade típica a acção se reveste, tudo se devendo passar no quadro de normal acção declarativa comum, sem especiais exigências quanto à causa de pedir e ao modo e meios de provar a estrema, inclusive por actos de posse ainda que invocada não seja a usucapião em concreto sobre a faixa disputada ou eles se revelem insuficientes para demonstrar que, relativamente à mesma, aquela foi exercida do modo, pelo tempo e com as características indispensáveis à verificação da prescrição aquisitiva sobre ela. Afinal de contas, a acção de reivindicação e a acção de demarcação apenas no direito substantivo assim são apelidadas (artºs 1311º e 1353º, CC), tendo esta desaparecido do direito processual onde se encontrava prevista entre as acções de arbitramento. E mesmo aí (artº 1058º, nº 3, alínea a), in fine, do CPC anterior a 1995) não se excluía, tal como hoje continua a admitir-se (artº 1354º, nº 1, in fine, do CC), o recurso a quaisquer outros meios de prova. Entre estes os relativos a factos susceptíveis de desencadear a formulação de presunções judiciais ou naturais. ” [17] Também no Acórdão do STJ, de 04-07-2019, além de, na sua nota 3, se ter concordado que “Perfilha-se o entendimento do Tribunal recorrido de que não está em causa verdadeiramente uma acção (condenatória) de reivindicação mas sim uma acção (declarativa) de mera apreciação positiva, o que não altera, porém, os dados essenciais dispostos para a sua decisão”, relativamente à questão da propriedade de parcelas, escreveu-se: “Há, então, que procurar outros critérios para a delimitação dos prédios. Estes não podem deixar de passar pela aferição de existência de certos nexos entre as parcelas e o prédio. Certa parcela será parte de um prédio se puder dizer-se que ela tem uma ligação pertinencial com o prédio, apresentando-se o conjunto como uma unidade predial estável. Essencial é ainda que se trate de uma ligação exclusiva ou dominante, isto é, que se imponha sobre outras ligações que a mesma parcela mantenha eventualmente com outros prédios. O resultado só pode ser atingido por via de uma ponderação global de todos os nexos, encarados numa perspectiva histórica e numa perspectiva actual. Adquirem particular relevo os nexos materiais (ligação física como o contacto físico ou a comunicação entre os elementos em causa) e os nexos funcionais (ligação de complementaridade ou de subordinação económica de um ao outro). Mas atenção: nem estes têm de se verificar simultaneamente nem têm de se verificar sempre, podendo um deles sozinho ou um outro, de outro tipo, bastar, desde que se apresente com determinada intensidade, com intensidade suficiente para se concluir, com segurança, que existe aquela ligação. Ainda quando dos factos não resulte clara a ligação pertinencial entre a parcela e algum dos prédios da autora, tem de se admitir a hipótese de a autora ter adquirido o direito de propriedade por alguma das formas especialmente previstas no artigo 1316.º do CC. Cabe, em qualquer caso, à autora carrear para os autos a prova dos factos que demonstrem a titularidade deste direito (artigo 342.º, n.º 1, do CC) – a prova do facto ou do título aquisitivo. Isto a não ser que beneficie de presunção legal ou de alguma outra causa de inversão do ónus da prova, ao abrigo do artigo 344.º do CC. Em particular no caso de presunção legal, transfere-se, em princípio, para a outra parte o ónus da prova – o encargo de ilidir a presunção, de provar que a autora não é, afinal, a proprietária (artigo 350.º do CC).”. Ora bem. Os autores impugnam a decisão relativa às seis alíneas da matéria de facto julgadas não provadas. Logo aí se nota outra desatenção sua. Com efeito, tendo-se provado, quanto à vala, o facto 10 – ou seja, que ela foi cavada “no terreno dos autores” e sem sua autorização – e, consequentemente, tendo-se, quanto à mesma, julgado procedente a acção – os réus foram condenados a “demoli-la” – e não tendo estes questionado tal resultado, não se percebe por que razão e para que fim pretendem aqueles que se dêem também como provados os factos controvertidos das alíneas e) e f), ou seja, que tal vala “se destina a escoar águas residuais do prédio dos réus” e que a mesma “impede os autores de usufruírem da utilização do seu prédio”. Uma vez que se determinou a “demolição” – rectius, a eliminação, da vala –, mesmo que fosse aquela a sua finalidade (escoar águas residuais) e esta a consequência da sua existência (impedimento de os autores usufruírem de pleno o seu prédio), necessariamente, com o cumprimento ou com a execução coactiva da prestação de facto imposta pela sentença aos réus, as águas deixarão de, através daquela, escoar para o prédio dos autores e estes de, em função da mesma, estar constrangidos no seu domínio. Se, eventualmente, alguns prejuízos a manutenção da vala lhes causou, o certo é que, como já atrás se pôs em evidência, não os alegaram. É, pois, inútil a impugnação de tais alíneas e) e f). Como repetidamente tem sido dito, a impugnação da matéria de facto que verse sobre pontos cujo resultado para o apelante seja inócuo deve ser recusada e não conhecida [18]. Não se conhecerá, pois, dela. Passando adiante. Nas restantes alíneas, trata-se de saber se a vedação colocada pelos réus implicou a subtracção de uma área pertencente ao prédio dos autores com a largura de 1,5 m a contar da parede das traseiras do pavilhão dos réus e em toda a sua extensão e, por inerência, se o revestimento da parede contígua exterior dessa estrutura invade aquela faixa e, em consequência, se tal obstaculiza a utilização do seu prédio pelos autores – alíneas a) a c). Bem assim, se existe um tubo para escoamento de águas residuais provindo do prédio dos réus que as faz cair no prédio dos autores – alínea d). Ora, se com as fragilidades já assinaladas relacionarmos as da prova produzida que analisámos na íntegra, incluindo a gravada, a convicção a que chegámos não se distingue daquela que formou o tribunal recorrido e que motivou a decisão proferida. Não tendo sido alegados quaisquer actos de posse sobre a parte discutida, nem quaisquer outros factos demonstrativos, sequer indiciadores, da sua pertinência ao prédio dos autores, no essencial a sua tese e o consequente depoimento das suas testemunhas, designadamente do seu caseiro M. A., baseavam-se na existência de um antigo muro de pedra que teria a função de delimitar, em linha recta, os dois prédios. Foi na existência de pedras restantes desse muro no local e no alinhamento que aí seria susceptível de tirar-se entre tais vestígios que foi posta a maior ênfase, inclusivamente pela referida testemunha M. A.. Sucedeu que, feita a inspecção judicial, não foram – ora ao contrário do que dizem os apelantes em certo ponto das alegações ora de acordo com o que reconhecem e lamentam noutro – aí visualizados tais restos susceptíveis de se relacionar nem, por conseguinte, foi possível perspectivar por onde corria o dito alinhamento recto em ordem a concluir-se se o mesmo equivaleria à parede traseira do pavilhão edificado pelo réu ou à vedação entretanto por este colocada a uma distância daquela variável entre 1,27 e 1,79 m. Aliás, a própria testemunha M. A. (cujo tom de notória hostilidade ao réu e respectiva tese é bem perceptível ao ouvir-se a contra-instância levada a cabo pelo Mandatário deste), embora dizendo que a parede da fábrica foi erguida no sítio por onde corria o muro, disse também, a dado passo do seu depoimento (como pode ouvir-se na gravação), que “ele [o réu] por trás da fábrica tem um metro de terra” e que foi “depois de ele tirar essa terra, é que fez a sapata”, assim lhe escapando a referência sugestiva de que por trás do pavilhão o réu deixou uma faixa que pertenceria ao seu prédio, como disseram as testemunhas dele. Além disso, quando questionado incisivamente pelo Mº Juiz sobre quanto teria avançado a vedação para o suposto terreno dos autores, respondeu: “Ai eu nunca medi. Pode ter um metro, pode ter um metro e pouco…não lhe posso estar agora a…”. E quando questionado também sobre se o próprio pavilhão está a invadir parte do terreno do autor, respondeu “Não. Só alinhando é que a gente pode dizer …não vou estar a …”. Daqui se infere que, embora não mereça grandes dúvidas, que existia tal muro e que ao mesmo é atribuída função demarcatória, uma vez o mesmo desaparecido, não sabem as próprias testemunhas localizá-lo em concreto nem, por isso, podem assegurar por onde corria a estrema. É o caso de J. L. que, a pretexto da construção dos balneários do campo de futebol próximo, relatou que então, como Presidente da Junta, foi necessário saber as estremas e a quem pedir a parcela que fazia falta e que acabou por ser cedida pelo autor, dizendo que havia um muro divisório mas não conseguindo indicar, certa e seguramente, a sua localização, antes se referindo a que o mesmo era alinhado e opinando que esse alinhamento se fazia pela parede das construções erguidas pelo réu e “achando” ou deduzindo que se fosse para lá haveria desalinhamento. De resto, embora a cedência tenha criado um “bico” e tal saliente para convencer do alinhamento recto anterior, o certo é que nenhum elemento de uma coisa ou de outra elucida in situ por onde realmente se fazia antes a demarcação. Bem assim, J. A. que, enfatizando embora a existência de uma “paredinha aí com 60 cm de alto”, cujos restos ainda lá estão, e que havia uma linha recta, contudo não foi capaz de explicar se as paredes da fábrica estão onde estavam antes as do muro, acrescentando depois que lhe parece que sim, que a linha “em princípio” terá que ser a mesma, deduzindo depois que se a parede antiga não existe, ela teria que ser onde está a do edifício e que, por isso, a vedação está além dele. Sem saber, ao certo, portanto. A inspecção não descobriu in loco qualquer muro, “paredinha”, ou qualquer testemunho que fosse susceptível de ser relacionado e ajudar a concluir por onde era a estrema. As fotografias juntas com a petição nada indicam, sequer sugerem e, portanto, nada provam ou ao menos indiciam. Os documentos alusivos às queixas enviadas à Câmara apenas traduzem a perspectiva do autor e o seu inconformismo e a resposta desta recebida (ofício de 13-05-2019) não mais exprime que a ideia de funcionários da autarquia, sem razão de ciência para tal e sem competência para definir limites de prédios. Aquilo que reportam ao loteamento é, aliás, infirmado pelo depoimento da testemunha J. P. e o que referem à descrição predial, seja a da Matriz seja a da Conservatória, obviamente é inócuo uma vez que nesta se não define exactamente qualquer estrema e sua implantação, ao contrário do que ali sugerido. Não é correcto afirmar, como fazem os recorrentes, que o tribunal apenas valorou os depoimentos das testemunhas (dos réus) M. V., C. J. e J. P., os primeiros construtores e este topógrafo. A verdade é que os valorou todos, neles encontrou elementos plausíveis mas em nenhum razão de ciência segura e credibilidade forte para atingir um grau de certeza bastante que lhe permitisse sancionar qualquer das teses, apesar do notório esforço interventivo feito no decurso da audiência pelo Mº Juiz no sentido de esclarecer pormenorizadamente todos os aspectos relatados e de, no local, mediante a inspecção e conforme auto junto e fotos respectivas, procuirar, sem êxito, pontos de apoio observáveis capazes de sustentar qualquer das teses ou conferir maior força probatória a qualquer dos depoimentos – o que não conseguiu dada a sua inexistência. Se, portanto, os depoimentos e restante prova apresentada pelos autores se apresentaram notoriamente frágeis, tal como a sua própria alegação, a verdade é que os dos réus, particularmente as referidas testemunhas, ao descreverem como e por onde foi feita a edificação do pavilhão e o espaço deixado desaterrado até onde mais tarde foi colocada a vedação em rede e tendo em conta que neste se estendem as sapatas daquele (estranhamento nunca detectadas pelos autores nem pelo seu caseiro), não permitem rejeitar a hipótese de nisso terem tido o cuidado de deixar uma faixa livre para obras, rebocos, etc., como disse M. V. e é comum e razoável acontecer, de terem sido respeitadas as marcações implantadas pelo topógrafo em linha recta e respeito pelo muro antigo, como disse C. J., e de, para tal efeito, este, a testemunha J. P., confirmar que assim procedeu e que para tal se serviu das plantas do loteamento cuja sobreposição testou in loco e marcou Não se compreende a alusão, nas alegações, a que o tribunal não considerou o depoimento da testemunha A. R.. É que, tendo sido o dono dos lotes hoje dos réus e embora confirme que havia um muro direito em pedra, a verdade é que disse não saber se o réu avançou ou não para lá dele. Assim como não se compreende a afirmação de que os autores “alegaram e provaram factos alusivos quer à posse, quer à propriedade do seu prédio e concludentemente da parcela de terreno onde foram feitas as obras em apreço” e que “sempre a utilizaram…”. É que, repete-se, nenhum desses factos foi alegado, nem sequer minimamente aludido por qualquer das testemunhas, sobretudo em relação à parcela de terreno alvo da disputa. Alegar a posse (artº 1251º, CC) consiste em descrever factos simples e concretos praticados sobre a coisa – no caso sobre a parcela de terreno discutida –, correspondentes ao exercício dos direitos contidos no direito de propriedade (artº 1305º) e através dos quais se manifesta ou revela o “poder directo e imediato” sobre ela, “impondo-se à generalidade dos membros da comunidade jurídica”, constituindo “expressão plena do domínio”. [19] Além disso, factos com as características e em termos susceptíveis de preencher os requisitos legais de aquisição originária por via de usucapião (artº 1287º, CC). Quando em causa está não todo o prédio (caso em que a sua extensão ou limites em regra são secundarizados) mas sim uma parcela disputada pelos vizinhos, a necessária referência e conexão de tais factos concretos à área objecto do litígio exige particular cuidado e rigor na alegação, bem como no respectivo julgamento. Dessa acuidade se tem feito eco a Jurisprudência, de que é bom exemplo prático-pedagógico o Acórdão da Relação do Porto, 20-10-2009 [20]. Não podem, repete-se, os autores queixar-se do empenho na discussão e na instrução dos autos postos pelo tribunal de 1ª instância! Sendo certo, pois, que a discordância dos recorrentes não é pontual e que, portanto, nenhum determinado erro ou erros de julgamento eles destacam, salientam, nem fundamentam existir na decisão mas que, no fundo, o que afirmam é o seu total desagrado e inconformismo com o resultado e, por isso, tentaram sustentar que este é generalizadamente errado, não encontramos razões de qualquer justa censura à decisão da matéria de facto relativa ao tema questionado nem à sua motivação. Pelo contrário, ela revela-se correcta no enquadramento, na análise e na avaliação de todos os meios de prova e, por isso, é de corroborar. Para a mesma (atrás transcrita) se remete. De resto, não se vê, nem os recorrentes sequer as sugerem, que outras iniciativas ou diligências, mesmo no contexto do actual Código de Processo Civil e com respeito pelos seus princípios básicos, o tribunal pudesse e devesse ter oficiosamente levado a cabo para remediar a insuficiência dos autores na alegação e o seu insucesso na demonstração dos pressupostos de facto da respectiva pretensão. Este processo é contencioso e não de jurisdição voluntária, como parece sugerir-se nas alegações. Não pode o tribunal investigar livremente os factos, coligir as provas ou ordenar as diligências que à parte conviriam para suprir as suas falhas e porventura fazer vingar a sua pretensão. Os ónus que sobre ela impendem e para cujo cumprimento é tecnicamente patrocinada prevalecem. O princípio dispositivo ainda predomina. Não se vê o que, ao abrigo do invocado artº 411º, CPC, mais poderia ter feito de útil pelo tribunal recorrido para ultrapassar as dúvidas em que, no fim da discussão e julgamento, este se quedou, e bem. Concluindo, sem necessidade de mais nos alongarmos, deve improceder a impugnação da matéria de facto e, consequentemente confirmar-se a sentença. V. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso e, em consequência, negando provimento à apelação, confirmam a decisão recorrida. *Custas do incidente relativo à junção de documentos pelos recorrentes, com taxa que se fixa em 2 UC´s. Custas da apelação pelos recorrentes – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP). * * * Notifique. Guimarães, 06 de Fevereiro de 2019 Este Acórdão vai assinado digitalmente no Citius, pelos Juízes-Desembargadores: Relator: José Fernando Cardoso Amaral Adjuntos: Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo Eduardo José Oliveira Azevedo Sumário 1. Não se alegando, nem se verificando, qualquer dos pressupostos estabelecidos no artº 651º, nº 1, CPC, é inadmissível a junção, com as alegações de recurso, de fotografias com que, na mira de fundamentarem a impugnação da decisão da matéria de facto, os apelantes pretendem credibilizar as suas testemunhas e refutar a desvalorização que do respectivo depoimento teria alegadamente sido feita pelo tribunal recorrido, tratando-se de factualidade alegada na petição (e já então fotografável) e que respeitava aos temas da prova. 2. Não se tendo aquele convencido e ficado com dúvidas sobre tal factualidade (que, por isso, foi julgada não provada), não é com a apelação da sentença, nem para poder impugnar os seus fundamentos e respectiva decisão, que se gera a exigida necessidade enquanto um dos requisitos exigidos na lei. Esse desaire não dá azo a uma segunda oportunidade para apresentação de outras provas documentais, nem para consolidar e credibilizar as já antes produzidas, nomeadamente os depoimentos testemunhais julgados frágeis e não convincentes. 3. Pedindo-se a eliminação de construções, maxime de uma vedação, alegadamente feitas pelos réus numa parte de terreno que os autores alegam ser sua propriedade e, pelo contrário, estes invocam pertencer-lhes e ao seu prédio confrontante, coloca-se o problema da disputa dessa faixa. 4. Ora, disputando-se a propriedade de uma parcela de terreno situada na confluência entre dois prédios confinantes e, assim, os limites de um e de outro, a acção respectiva assume feição peculiar. Não é propriamente de reivindicação nem de demarcação. 5. Conquanto a pertença a um ou a outro prédio possa provar-se por actos de posse, também o pode por quaisquer outros meios, tendo em vista, como ensina o STJ (Acórdão de 04-07-2019, processo 11431/99.7TVLSB.L2.S1) descobrir a “ligação pertinencial” que se revela por certos “nexos” (materiais e funcionais).” 6. De nada adianta alegar e demonstrar, apenas, a aquisição do domínio sobre o prédio, mormente por usucapião. É essencial que os alegados actos de posse sejam traduzidos em factos simples e concretos praticados sobre a parcela e a esta referidos concretamente e não genericamente ao prédio. 7. A impugnação da matéria de facto que verse sobre pontos cujo resultado para o apelante seja inócuo deve ser recusada e não conhecida. 1. Os réus, enquanto recorridos, não são obrigados a formular conclusões. Encenar que o fazem apresentando mero copy past do texto das alegações antecedendo cada parágrafo de uma letra do abecedário, não vale. Complica o exame e não respeita os princípios. Por isso se não transcrevem sequer. 2. Sobre a noção e função das conclusões há vasta Jurisprudência e Doutrina acessível – cfr., v.g., Acórdão desta Relação de 04-04-2019, processo 3652/17.9T8VCT.G1. 3. Podem ver-se, v.g., os Acórdãos desta Relação, de 05-12-2019, processo nº 2158/17.0T8VRL.G1, e do STJ, de 07-03-2019, processo nº 32063/15.9T8LSB.L1.S1. 4. Recursos em Processo Civil Novo Regime, 3ª edição, 2010, página 254. 5. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, página 184. 6. Numeradas com “doc. 1” estão as quatro estampas que têm apostas umas inscrições provavelmente alusivas à sua proveniência, cujo significado se desconhece. 7. Acórdão do STJ, de 30-11-2019, processo nº 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2. 8. Acórdão do STJ, de 06-11-2019, processo nº 1130/18.8T8FNC.L1.S1. 9. Acórdão de 30-04-2019, processo nº 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2, já atrás referido. 10. Como é sabido, tanto podem lesá-lo uma vala rasgada, um tubo pousado ou uma vedação implantada no terreno que se comprove fazer parte do seu prédio (artº 1305º e 1344º, CC), como uma porta ou janela abertas ou outra infraestrutura existente ainda que colocadas no prédio dos réus, caso estas, por exemplo, caibam na previsão dos artºs 1346º e sgs. ou 1360º, e sgs., CC. Esta distinção não perpassa no articulado inicial dos autores e, por isso, quando pedem a demolição de aberturas (supõe-se que se referem à porta e janelas) alegadamente feitas ora no edifício dos réus ora na “propriedade dos autores”, não só laboram em confusão quanto aos factos como à sua relevância jurídica e, consequentemente, quanto ao que em face deles e desta querem exigir. 11. A regra, de acordo com o disposto no artº 358º, CPC, é que a liquidação seja deduzida pelo autor “antes de começar a discussão da causa”. 12. Processo nº 146/12.2TBCBT.G1, relatado pela Exmª Desembª Adjunta deste. 13. António Santos Justo, A Propriedade no Direito Romano. Reflexos no Direito Português, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, LXXV, 1999, páginas 99 e seguintes. A citação vale apenas pela sua curiosidade e como forma, não mais que retórica, de salientar a ancestralidade e a actualidade do problema. 14. Processo nº 555/18.3T8PTL.G1. 15. Processo nº 4546/15.8T8VCT.G1. 16. Processo nº 148/14.4T8VRL.G1. 17. Processo nº 11431/99.7TVLSB.L2.S1. 18. Cfr, nesse sentido, os Acórdãos da Relação de Coimbra, de 24-04-2012, proferido no processo nº 219/10.6T2VGS.C1, relatado pelo Desemb. A. Beça Pereira: “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.”; de 14-01-2014, proferido no processo nº 6628/10.3TBLRA.C1, relatado pelo Desemb. Henrique Antunes, em cujo texto se lê: “De harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)[1]. Se o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância. Isso sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação. Portanto, a reponderação apenas deve incidir sobre os factos que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo qualquer das soluções plausíveis da questão de direito, i.e., segundo todos os enquadramentos jurídicos possíveis do objecto da acção.”. Acórdão da Relação do Porto, de 19-05-2014, prtocº nº 2344/12.0TBVNG-A.P1, relatado pelo Desemb. Carlos Gil. “A reapreciação da decisão da matéria de facto visa obter um sustentáculo fáctico para uma certa solução para uma dada questão de direito, pelo que se a matéria de facto cuja reapreciação se requer é inócua à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, deve o tribunal ad quem indeferir essa pretensão, por força da proibição da prática no processo de actos inúteis.”; da Relação de Coimbra, de 06-12-2016, proc. Nº 110/15, relatado pelo Desembarg. Moreira do Carmo: “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.”; desta Relação de Guimarães, de 02-11-2017, processo nº 501/12.8TBCBC.G1, relatado pela Desemb. Maria João Matos: “Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil (arts. 2º, n.º 1 e 130º, ambos do C.P.C.).”. 19. Orlando de Carvalho, Direito das Coisas, Coimbra, 1977, página 155. 20. Relatado pelo Desemb. Pinto dos Santos.