Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO O autor (…) intentou, em 02-11-2017, no Tribunal de Viana do Castelo, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra o réu (…). Formulou o pedido de que: a) Seja declarado anulado o contrato de compra e venda do veículo de matrícula …, celebrado entre as partes, por força dos artigos 913º n.º 1 e 905º do CC; b) Seja o réu condenado ao registo de propriedade do veículo em seu nome e ao pagamento da quantia de €4.000,00 correspondente ao preço do veículo acordado entre as partes, nos termos do artigo 289º, n.º 1 do CC; c) Seja o réu condenado ao pagamento de uma indemnização ao autor no valor de €2.544,25, nos termos do artigo 908º do CC; d) Seja o réu condenado a pagar ao autor uma indemnização no valor de 750,00€, nos termos do artigo 496º, n, º 1 do CC. Alegou, em síntese, que, em Setembro de 2016, o autor celebrou com o réu (representado pelo filho …) um contrato através do qual este vendeu àquele o veículo …, de 7 lugares, matrícula … (de 02-12-1993), pelo preço de 4.750,00€, que pagou e lhe foi entregue em 01-09-2016 (1). Ainda no decurso das negociações, quando perguntado acerca do ar condicionado e aquecimento, aquele representante garantiu que tudo se encontrava em bom estado de funcionamento; quando lhe foi observado que não eram visíveis no banco traseiro os encaixes dos cintos de segurança, o mesmo respondeu que estavam debaixo da alcatifa mas seriam repostos de modo a funcionarem; e, tendo o autor notado que o pára-choques e o tubo de escape, não eram originais e perguntado se o veículo estava em condições de ser aprovado na inspecção periódica, foi-lhe assegurado que reunia todos requisitos para o efeito. Uma vez recebido o veículo, logo constatou o autor que o ar condicionado não funcionava e que ele não tinha os encaixes dos cintos traseiros, pelo que, reclamando telefonicamente, aquele (…) lhe disse que teria os encaixes em casa e que o sistema de ventilação teria ligeira avaria, comprometendo-se a solucioná-la. Porém, nada fez. Em 05-09-2016, o autor mandou vistoriar o veículo numa oficina e constatou-se, para sua surpresa, que faltavam os motores exteriores do ar condicionado e as tubagens e entradas da instalação, o que inviabilizava o seu funcionamento; que os pára-choques da linha de escape não são de origem, nem homologáveis, nem adequados – o que impedia a aprovação na inspecção periódica. Depois de ter obtido orçamento (1.500,00€) para fazer as reparações necessárias à reposição do veículo no estado que lhe fora garantido mas nada fazendo o réu, remeteu carta a este, relatando a situação, na qual expôs que tinha direito a declarar a resolução do contrato ou, em alternativa, a pedir a redução do preço, solicitando-lhe informação sobre a modalidade por que pretendia optar. Na sequência, fizeram um acordo, conforme documento datado de 25-10-2016 intitulado “Declaração de quitação”, segundo o qual o autor declarou ter-lhe sido devolvida a quantia de 750,00€ (do preço) e que “com o recebimento de tal montante: a) me considero integralmente ressarcido pela falta de conformidade do veículo automóvel de matrícula ..., que adquiri a este; b) aceito o referido veículo nas condições em que se encontra, nada mais tendo a exigir do indicado (…) , relacionado com o mencionado veículo, seja a que título for.“ O autor procedeu às reparações necessárias, tendo pago 1.400€ (na oficina) + 92,25€ (homologação dos pneus) + 52,00€ (de IUC). Em Dezembro de 2016, apresentado na inspecção periódica obrigatória, o veículo não foi aprovado, por: - Equipado com motor não original; - Sem chapa de construtor; - Lotação de 5 lugares; - Ambas as longarinas cortadas, como consta da carta do IMT, de 06-02-2017, na qual se comunica que o processo de pedido de alteração de pneus e de cor do veículo não foi aprovado e que ostentara aquelas anomalias. O autor desconhecia-as. O problema do motor e da chapa impossibilita de todo a aprovação, sendo inútil remediar os demais, assim se lhe deparando, como único destino a dar à viatura, o abate. Mais descobriu que, quando adquiriu o veículo, já se encontrava no IMT a correr, desde 25-02-2014, o processo para averbamento da chapa de construtor, facto do conhecimento do réu vendedor, pois que em 06-02-2016 apresentara a viatura à inspecção periódica. Bem sabia este que o veículo tinha defeitos ainda não detectados pelo autor aquando da assinatura do acordo de redução do preço a que refere a “declaração de quitação”, mas omitiu-os, o que determinou o autor a realizar a compra, pois bem sabia ele também que, se deles tivesse conhecimento não teria tido interesse no negócio e não o realizaria. O veículo está parqueado desde 27-10-2016, pelo que o autor terá de pagar 10,00€/dia. Por carta de 26-04-2017, o autor “requereu” ao réu a nulidade do negócio e “requereu” ainda a devolução do preço pago, comprometendo-se a restituir a viatura. Por fim, referiu ter tido e pretender ser indemnizado dos danos patrimoniais (gastos na oficina, homologação dos pneus, IUC e parqueamento) e dos não patrimoniais, conforme valores peticionados. Na sua contestação, o réu: a) Invocou a excepção de caducidade do direito, por o autor ter tomado conhecimento dos factos em que fundamenta a pretensão de anular o contrato em Dezembro de 2016 e apenas lhos ter comunicado pela carta de Abril de 2017, pelo que decorreram mais do que os dois meses a que se refere o Decreto-Lei nº 67/2003 (aplicável) para tal denúncia e mais do que seis meses para instaurar a acção. b) Bem assim, a excepção de renúncia ao direito através da “Declaração de quitação” de 25-10-2016. c) Impugnou parte da factualidade alegada, acrescentando que comprou a viatura a (…) apenas em 18-05-2016, pelo que, além do mais, desconhecia que a viatura tivesse sido inspeccionada em 06-02-2016 e a pendência do dito processo alusivo ao averbamento da chapa de condutor. Ademais, requereu a intervenção principal do referido (…) Foi marcada, de seguida, tentativa de conciliação que se frustrou. Facultado, depois, o contraditório quanto ao incidente, opôs-se-lhe o autor. Convidado, de seguida, o réu a clarificar o respectivo requerimento, aditou ele que, caso não se entenda que existe fundamento para a intervenção principal, deve ser admitida a mesma a título acessório – o que foi deferido, ordenando-se a citação do requerido, que não interveio nos autos. Após, facultou-se o contraditório à autora quanto à excepção de caducidade. Exercendo-o, sustentou o autor que o réu não exerce a actividade profissional de vendedor de automóveis nem foi nesta que agiu ao contratar consigo, tratando-se de negócio entre particulares ao qual é inaplicável o invocado Decreto-Lei nº 67/2003, pelo que deve a excepção improceder. Foi depois fixado o valor da acção, proferido saneador tabelar, relegado para final o conhecimento da caducidade a pretexto de depender de prova e marcada a audiência de discussão e julgamento. Realizou-se esta, nos termos e com as formalidades descritas na acta respectiva e, com data de 14-11-2018, foi proferida a sentença, que culminou na decisão: “Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, declaro a anulação do contrato de compra e venda do veículo … celebrado entre o Autor (..) e o Réu (…), condenando o Réu (…) a registar a propriedade do veículo em seu nome e ao pagamento ao Autor (…) da quantia de € 4.000,00 ( quatro mil euros ), absolvendo o Réu (…) dos restantes pedidos. *Custas a cargo do Autor e Réu na proporção do respetivo decaimento – artigo 527º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil. *Registe e notifique.” Autor e réu não se conformaram e ambos interpuseram recurso. Aquele, para sustentar a sua, pretensão apresentou a seguinte peça (2): “Alegações 1º A douta sentença, datada de 14/11/2018, julgou parcialmente procedente a ação de processo comum que correu seus termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz 1, da Comarca de Viana do Castelo, sob o n.º 3652/17.9T8VCT, da qual é autor o ora recorrente. 2º Na sua petição inicial, o recorrente peticionou a procedência da ação e em consequência, dos seguintes pedidos: “a) ser declarado anulado o contrato de compra e venda do veículo de matrícula …, celebrado entre as partes, por força dos artigos 913º n.º 1 e 905º do CC; b) ser o réu condenado ao registo de propriedade do veículo em seu nome e ao pagamento ao autor da quantia de 4.000,00€ correspondente ao preço do veículo acordado entre as partes, nos termos do artigo 289, n.º 1 do CC; c) Ser o réu condenado ao pagamento de uma indemnização ao autor no valor de 2.544,25€, nos termos do artigo 908º do CC; d) E ainda, ser o réu condenado a apagar ao autor uma indemnização no valor de 500,00€ nos termos do artigo 496º, n,º 1 do CC. 3º Procederam as alíneas a) e b). 4º Contudo, o meritíssimo juiz a quo julgou improcedente o peticionado em c) e d). 5º Recaindo nessa improcedência, ainda que parcial, o objeto do presente recurso. 6º Pois, por muito respeito que mereça o vertido na douta sentença de que se recorre, o recorrente não pode, de modo algum, aceitar os fundamentos invocados para a rejeição dos aludidos pedidos. 7º Esta questão merece ser aprofundada de forma atenta e prudente. 8º Apreciemos, pois, o problema em causa. I –DA EXISTÊNCIA DE DOLO 9º Considerou o tribunal a quo que a procedência dos pedidos indemnizatórios referidos em c) e d) do artigo 2 supra, ficavam prejudicados pela não verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual, a saber: o facto ilícito. 10º Entendeu que, “não se vislumbra qual é o facto ilícito – ativo ou omissivo (onde reside a desconformidade entre o comportamento devido esperado e necessário para a realização da prestação) – que da matéria de facto dada como provada se possa imputar ao réu”. 11º Ora, com todo o devido respeito, dos factos dados como provados na sentença, resulta firme o dolo com o qual se comportou o recorrido (e o seu filho por ele nomeado para o representar) nas relações pré e pós contratuais. Senão vejamos: 12º Ficou provado no ponto 4 que: “Aquando dessas negociações, e indagado pelo autor quanto ao estado de funcionamento do veículo, nomeadamente no que diz respeito ao funcionamento do ar condicionado e aquecimento, foi garantido pelo referido … que tudo se encontrava em bom estado de funcionamento.” 13º Assim, das duas umas: a) Ou o … sabia que o aludido sistema não funcionava e mesmo assim disse o contrário para não travar a venda, b) Ou o … não sabia se o aludido sistema funcionava e mesmo assim afirmou que funcionava para não travar a venda. 14º Contudo, e tendo em conta que o recorrido e o seu filho são conhecedores no domínio da mecânica automóvel, seria mais de parecer que tinham conhecimento da avaria e quiseram oculta-la. 15º Até porque basta ligar o sistema para verificar se funciona ou não, não sendo necessário ser profissional da área para chegar a tal diagnóstico. 16º O que é certo é que ao responder que sim, o A. A. ou estava deliberadamente a mentir ou estava a falar sem saber. 17º O que, de uma forma ou de outra, é sempre condenável. 18º Pois se não sabia, deveria ter verificado antes de assegurar o bom funcionamento do sistema de ar condicionado e aquecimento. 19º Ou, no pior dos casos, verificava depois dessa infeliz afirmação, mas sempre antes da transmissão do bem, por forma a deixar o sistema operacional nos termos assim declarados aquando da entrega do veículo. 20º A resposta afirmativa aquela questão impulsionou a compra que não se teria realizado se o recorrente tivesse conhecimento da avaria. 21º Mas, adiantando nos factos dados como provados, considera-se no ponto 6 e em relação à falta dos encaixes de aperto dos cintos de segurança que: “A tal constatação, foi respondido que os encaixes se encontravam debaixo da alcatifa que cobria o chão do veículo, mas que tal situação seria reposta de forma a que os cintos de segurança funcionassem.” 22º Esse compromisso assumido (parte integrante na formação da vontade do recorrente e sem o qual também não se teria concluído a venda) não foi cumprido. 23º Pois provou-se que o veículo foi entregue sem os aludidos encaixes colocados (cf. ponto 11 da sentença). 24º E isso de forma dissimulada, não sendo referido pelo recorrido no momento da entrega, apesar de saber que tanto essa questão, como a questão do ar condicionado tinham sido levantadas nas relações pré-contratuais. 25º Se até ser questionado nas relações pré-contratuais, o recorrido poderia estar no desconhecimento dos vícios existentes, uma vez levantadas essas questões e acrescendo ao facto de se ter comprometido a corrigir um dos vícios existentes, o veículo já não podia ter sido entregue ao recorrente do jeito que foi. 26º Pois aí já não se pode negar a atuação dolosa do recorrido que entrega um automóvel sabendo que não se encontrava no estado em que afirmou ao recorrente que estava, nada dizendo sobre isso. 27º Atuando com culpa grave, no intuito de enganar o recorrente, vendendo um bem que sabe defeituoso. 28º Pois mesmo que, se à partida não o soubesse (o que mesmo assim se duvida), ficou a saber ou tinha obrigação de averiguar o estado de funcionamento quando foi alertado para os aludidos vícios. 29º Pois não podia o recorrido “assegurar ao autor que o veículo reunia todos os requisitos para a aprovação em inspeção periódica” como se provou que fez (cf. Ponto 8 da sentença recorrida). 30º Até porque também se provou que foi “acreditando naquelas afirmações que o autor adquiriu o veículo” (ponto 9 dos factos provados). 31º Bem sabendo o recorrido que a assim não ser, nunca teria conseguido vender o veículo em questão. 32º A única coisa que não se provou foi que o recorrido sabia que o veículo se destinava ao abate, mas tal não impede que tenha atuado com dolo e culpa grave quando entregou o veículo afirmando que o ar condicionado e aquecimento funcionavam, bem como os cintos de segurança e que o veículo tinha todos os requisitos para a aprovação em inspeção periódica. 33º Quando bem sabia, ou tinha obrigação de saber (pois para tal foi alertado para esses vícios) que o veículo não estava nas condições declaradas. 34º E mesmo se provou que as partes chegaram a acordo na redução do preço em 750,00€, também ficou provado que o recorrente pagou 1.400,00€ para aquelas reparações. 35º Sendo que o carro lhe foi vendido por 4.750,00€ com ar condicionado, aquecimento e cintos de segurança a funcionar. 36º A redução do preço e o documento de quitação celebrado entre as partes não “apagam” o dolo do recorrido que quis vender e vendeu um carro que bem sabia estar defeituoso. 37º De tudo quanto se expôs, não podem restar dúvidas quanto à culpa e ao dolo do recorrido que pretendeu enganar e enganou o recorrente. 38º Pois tendo em conta os factos provados em primeira instância, nunca se poderá conceder que o recorrido agiu isento de qualquer culpa, como vítima inocente em toda está história. 39º O recorrido tem de ser responsabilizado pelos prejuízos causados ao recorrente com a realização do contrato, na medida em que foi por sua culpa e com esse mesmo intuito que se deu na esfera jurídica do recorrente o erro sobre o objecto do negócio. 40º Verificada a culpa do recorrido, completam-se assim todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual que estabelece que “o devedor que faltar culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” (artigo 798º do CC). 41º Dispõe o artigo 908º do CC que “em caso de dolo, o vendedor, anulado o contrato, deve indemnizar o comprador do prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada”. 42º Ficaram provadas as seguintes despesas: c) 52,00€ de Imposto Único de Circulação, d) 92,25€ na homologação dos pneus do veículo em causa, e) 1.400,00€ despendido na oficina N. f) Taxa de parqueamento em dívida já num montante superior a 1.000,00€ (cf. Pontos 14, 15 e 22 da sentença recorrida). 43º Despesas num total de 2.544,25€ que o recorrente não teria sofrido se não fosse a realização do contrato anulado. 44º Devendo, por força do supra transcrito artigo 908º, serem todas estas quantias devidamente ressarcidas pelo recorrido ao recorrente. 45º Da mesma forma e tendo agido com dolo, deverá responder nos termos do artigo 496º, n.º 1 do CC. 46º Pois esta norma exige que o direito seja exercido de forma honesta e íntegra, de modo a não causar prejuízos injustificados ou mesmo frustrar expectativas devidamente fundadas da contraparte. 47º Ora, a compra do veículo consubstanciava um sonho de família pelo qual o recorrente se sacrificou, amealhando durante anos para poder concretizá-lo. 48º Tal sentimento foi partilhado com o recorrido que sabia que o veículo se destinava a passeios em família (cf. Ponto 26 dos factos provados). 49º Facilmente se pode imaginar a desilusão, a frustração e a revolta sentida pelo recorrente e pela sua família que ficaram sem o jeep tão desejado e sem o dinheiro dele. 50º Também se deve ter em conta todos os transtornos, perda de tempo e noites mal dormidas que vieram abalar a vida do recorrente em consequência da infeliz compra do veículo. 51º Todos esses danos morais, resultantes do contrato celebrado, merecem, pela sua gravidade, tutela do direito, devendo o recorrido ser condenado a pagar ao autor uma quantia nunca inferior a 500,00€ (quinhentos euros) nos termos do artigo 496º do CC. II – CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA E SE CONSIDERE QUE O RECORRIDO AGIU SEM CULPA, NÃO SE PREENCHENDO OS REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL 52º Ainda assim (o que não se admite mas que por mera hipótese se pondera), dispõe o artigo 909º que “nos casos de anulação fundada em simples erro, o vendedor também é obrigado a indemnizar o comprador, ainda que não tenha havido culpa da sua parte, mas a indemnização abrange apenas os danos emergentes do contrato”. 53º Ou seja, a distinção entre os artigos 908º (indemnização em caso de dolo) e 909º (indemnização em caso de simples erro) é que o primeiro abrange os danos emergentes e os lucros cessantes e o segundo apenas os danos emergentes. 54º Esclarece sobre o assunto o Supremo Tribunal de Justiça: “Tratando-se de anulação do contrato fundada em simples erro a ré é obrigada a indemnizar a autora pelos danos emergentes do contrato, conforme resulta do citado art. 909.º, devendo na determinação da indemnização atender-se, por exemplo, a despesas com o contrato, gastos tornados inúteis e oneração com deveres de ressarcir terceiros, designadamente clientes.” – Cf. Acórdão do STJ de 25/10/2011, no âmbito do processo 1453/06.9TJVNF.P1.S1 55º E a verdade é que todas as despesas discriminadas no artigo 42º do presente recurso consubstanciam danos emergentes, não tendo o recorrente reclamado qualquer quantia a título de lucro cessante. 56º Sendo a culpa do recorrido apenas requisito no caso de ser pretendido o ressarcimento de lucros cessantes decorrente da anulação do contrato, o que não é o caso. 57º A culpa do recorrido não é requisito necessário para ser ressarcido nos termos do artigo 909º do CC. 58º Pelo que, mesmo que não se verifique a culpa do recorrido, o recorrente sempre terá direito a ser indemnizado daquelas quantias. Termos em que se formulam as seguintes C ONCLUSÕES: A) A douta sentença, datada de 14/11/2018, julgou parcialmente procedente a ação de processo comum que correu seus termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz 1, da Comarca de Viana do Castelo, da qual é autor o ora recorrente. B) Na sua petição inicial, o recorrente peticionou a procedência da ação e em consequência, dos seguintes pedidos: “a) ser declarado anulado o contrato de compra e venda do veículo de matrícula … celebrado entre as partes, por força dos artigos 913º n.º 1 e 905º do CC; b) ser a réu condenado ao registo de propriedade do veículo em seu nome e ao pagamento ao autor da quantia de 4.000,00€ correspondente ao preço do veículo acordado entre as partes, nos termos do artigo 289, n.º 1 do CC; c) Ser o réu condenado ao pagamento de uma indemnização ao autor no valor de 2.544,25€, nos termos do artigo 908º do CC; d) E ainda, ser o réu condenado a apagar ao autor uma indemnização no valor de 500,00€ nos termos do artigo 496º, n, º 1 do CC." C) Procederam as alíneas a) e b). Contudo, o meritíssimo juiz a quo julgou improcedente o peticionado em c) e d). D) Recaindo nessa improcedência, ainda que parcial, o objeto do presente recurso. E) Pois, por muito respeito que mereça o vertido na douta sentença de que se recorre, o recorrente não pode, de modo algum, aceitar os fundamentos invocados para a rejeição dos aludidos pedidos. F) Considerou o tribunal a quo que a procedência dos pedidos indemnizatórios referidos em c) e d) do artigo 2 supra, ficavam prejudicados pela não verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual, a saber: o facto ilícito. G) Entendeu que, “não se vislumbra qual é o facto ilícito – ativo ou omissivo (onde reside a desconformidade entre o comportamento devido esperado e necessário para a realização da prestação) – que da matéria de facto dada como provada se possa imputar ao réu”. H) Ora, com todo o devido respeito, dos factos dados como provados na sentença, resulta firme o dolo com o qual se comportou o recorrido (e o seu filho por ele nomeado para o representar) nas relações pré e pós contratuais. Senão vejamos: I) Ficou provado no ponto 4 que: “Aquando dessas negociações, e indagado pelo autor quanto ao estado de funcionamento do veículo, nomeadamente no que diz respeito ao funcionamento do ar condicionado e aquecimento, foi garantido pelo referido A. A. que tudo se encontrava em bom estado de funcionamento.” J) Assim, das duas umas: a) Ou o … sabia que o aludido sistema não funcionava e mesmo assim disse o contrário para não travar a venda, b) Ou o … não sabia se o aludido sistema funcionava e mesmo assim afirmou que funcionava para não travar a venda. K) Contudo, e tendo em conta que o recorrente e o seu filho são conhecedores no domínio da mecânica automóvel, seria mais de parecer que tinham conhecimento da avaria e quiseram oculta-la. L) Até porque basta ligar o sistema para verificar se funciona ou não, não sendo necessário ser profissional da área para chegar a tal diagnóstico. M) O que é certo é que ao responder que sim, o A. A. ou estava deliberadamente a mentir ou estava a falar sem saber. O que, de uma forma ou de outra, é sempre condenável. N) Pois se não sabia, deveria ter verificado antes de assegurar o bom funcionamento do sistema de ar condicionado e aquecimento. Ou, no pior dos casos, verificava depois dessa infeliz afirmação mas sempre antes da transmissão do bem, por forma a deixar o sistema operacional nos termos assim declarados aquando da entrega do veículo. O) A resposta afirmativa aquela questão impulsionou a compra que não se teria realizado se o recorrente tivesse conhecimento da avaria. P) Por outro lado, considera-se no ponto 6 dos factos provados em relação a falta dos encaixes de aperto dos cintos de segurança que: “A tal constatação, foi respondido que os encaixes se encontravam debaixo da alcatifa que cobria o chão do veículo, mas que tal situação seria reposta de forma a que os cintos de segurança funcionassem.” Q) Esse compromisso assumido (parte integrante na formação da vontade do recorrente e sem o qual também não se teria concluído a venda) não foi cumprido. Pois provou-se que o veículo foi entregue sem os aludidos encaixes colocados (cf. ponto 11 da sentença). R) E isso de forma dissimulada, não sendo referido pelo recorrido no momento da entrega, apesar de saber que tanto essa questão, como a questão do ar condicionado tinham sido levantadas nas relações pré-contratuais. S) Se até ser questionado nas relações pré-contratuais, o recorrido poderia estar no desconhecimento dos vícios existentes, uma vez levantadas essas questões e acrescendo ao facto de se ter comprometido a corrigir um dos vícios existentes, o veiculo já não podia ter sido entregue ao recorrente do jeito que foi. T) Pois aí já não se pode negar a atuação dolosa do recorrido que entregue um automóvel sabendo que não se encontra no estado em que afirmou ao comprador que estava, nada dizendo sobre isso, atuando com culpa grave, no intuito de enganar o recorrente vendendo um bem que sabe defeituoso. U) E, apesar de não ter ficado provado que o recorrido sabia que o veículo se destinava ao abate, tal não impede que tenha atuado com dolo e culpa grave quando entregou o veículo afirmando que o ar condicionado e aquecimento funcionavam, bem como os cintos de segurança e que o veículo tinha todos os requisitos para a aprovação em inspeção periódica. V) Quando bem sabia, ou tinha obrigação de saber (pois para tal foi alertado para esses vícios) que o veículo não estava nas condições declaradas. W) Até porque também se provou que foi “acreditando naquelas afirmações que o autor adquiriu o veiculo” (ponto 9 dos factos provados). Bem sabendo o recorrido que a assim não ser, nunca teria conseguido vender o veículo em questão. X) A redução do preço e o documento de quitação celebrado entre as partes não “apagam” o dolo do recorrido que quis vender e vendeu um carro que bem sabia estar defeituoso. Y) De tudo quanto se expôs, não podem restar dúvidas quanto a culpa e ao dolo do recorrido que pretendeu enganar e enganou o recorrente. Pois tendo em conta os factos provados em primeira instância, nunca se poderá conceder que o recorrido agiu isento de qualquer culpa, como vítima inocente em toda está história. Z) O recorrido tem de ser responsabilizado pelos prejuízos causados ao recorrente com realização do contrato, na medida em que foi por sua culpa e com esse mesmo intuito que se deu na esfera jurídica do recorrente o erro sobre o objeto do negócio. AA) Verificada a culpa do recorrido, completam-se assim todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual que estabelece que “o devedor que faltar culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” (artigo 798º do CC). AB) Dispõe o artigo 908º do CC que “em caso de dolo, o vendedor, anulado o contrato, deve indemnizar o comprador do prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada”. AC) Ficaram provadas as seguintes despesas: a) 52,00€ de Imposto Único de Circulação, b) 92,25€ na homologação dos pneus do veículo em causa, c) 1.400,00€ despendido na oficina N. d) Taxa de parqueamento em dívida já num montante superior a 1.000,00€ (cf. Pontos 14, 15 e 22 da sentença recorrida). AD) Despesas num total de 2.544,25€ que o recorrente não teria sofrido se não fosse a realização do contrato anulado e que devem ser, por força do supra transcrito artigo 908º, devidamente ressarcidas pelo recorrido ao recorrente. AE) Da mesma forma e tendo agido com dolo, deverá responder nos termos do artigo 496º, n.º 1 do CC, pois esta norma exige que o direito seja exercido de forma honesta e íntegra, de modo a não causar prejuízos injustificados ou mesmo frustrar expectativas devidamente fundadas da contraparte. AF) Ora, a compra do veículo consubstanciava um sonho de família pelo qual o recorrente se sacrificou, amealhando durante anos para poder concretiza-lo. AG) Tal sentimento foi partilhado com o recorrido que sabia que o veículo se destinava a passeios em família (cf. Ponto 26 dos factos provados). AH) Facilmente se pode imaginar a desilusão, a frustração e a revolta sentida pelo recorrente e pela sua família que ficaram sem o jeep tão desejado e sem o dinheiro dele. AI) Também se deve ter em conta todos os transtornos, perda de tempo e noites mal dormidas que vieram abalar a vida do recorrente em consequência da infeliz compra do veículo. AJ) Todos esses danos morais, resultantes do contrato celebrado, merecem, pela sua gravidade, tutela do direito, devendo o recorrido ser condenado a pagar ao autor uma quantia nunca inferior a 500,00€ (quinhentos euros) nos termos do artigo 496º do CC. AK) AINDA ASSIM, CASO SE CONSIDERE QUE O RECORRIDO AGIU SEM CULPA, não se preenchendo os requisitos da responsabilidade civil contratual (o que não se admite mas que por mera hipótese se pondera), dispõe o artigo 909º q u e “nos casos de anulação fundada em simples erro, o vendedor também é obrigado a indemnizar o comprador, ainda que não tenha havido culpa da sua parte, mas a indemnização abrange apenas os danos emergentes do contrato”. AL) Ou seja, a distinção entre os artigos 908º (indemnização em caso de dolo) e 909º (indemnização em caso de simples erro) é que o primeiro abrange os danos emergentes e os lucros cessantes e o segundo apenas os danos emergentes. AM) Esclarece sobre o assunto o Supremo Tribunal de Justiça: “Tratando-se de anulação do contrato fundada em simples erro a ré é obrigada a indemnizar a autora pelos danos emergentes do contrato, conforme resulta do citado art. 909.º, devendo na determinação da indemnização atender-se, por exemplo, a despesas com o contrato, gastos tornados inúteis e oneração com deveres de ressarcir terceiros, designadamente clientes.” – Cf. Acórdão do STJ de 25/10/2011, no âmbito do processo 1453/06.9TJVNF.P1.S1 AN) E a verdade é que todas as despesas discriminadas no artigo 42º do presente recurso consubstanciam danos emergentes, não tendo o recorrente reclamado qualquer quantia a título de lucro cessante. AO) A culpa do recorrido não é requisito necessário para ser ressarcido nos termos do artigo 909º do CC. AP) Pelo que, mesmo que não se verifique a culpa do recorrido, o recorrente sempre terá direito a ser indemnizado daquelas quantias. TERMOS EM QUE, E NOS QUE V.ªS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, CONHECENDO E DECIDINDO SOBRE OS PEDIDOS INDEMNIZATÓRIOS FORMULADOS NA PETIÇÃO INICIAL, A SABER: A) SER O RÉU CONDENADO AO PAGAMENTO DE UMA INDEMNIZAÇÃO AO AUTOR NO VALOR DE 2.544,25€, NOS TERMOS DO ARTIGO 908º DO CC OU SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, NOS TERMOS DO ARTIGO 909º DOCC. D) E AINDA, SER O RÉU CONDENADO A APAGAR AO AUTOR UMA INDEMNIZAÇÃO NO VALOR DE 500,00€ NOS TERMOS DO ARTIGO 496º, N,º 1 DO CC.C) ASSIM SE FAZENDO A MAIOR JUSTIÇA.” O réu apresentou as suas alegações, assim concluídas: “1º) O presente recurso tem por objeto fazer reapreciar a sentença recorrida que, inscrevendo dogmaticamente os factos que integram a causa de pedir numa compra e venda de coisas defeituosas onde se aplica o estatuído nos artºs 905º e ss e 913 e ss do CC, declarou a anulação da mesma por simples erro, com a consequente obrigação para o Recorrente de restituição ao Recorrido do preço recebido de 4.000 €. 2º) Acontece que o exercício daquele direito se encontra caducado, tendo o Tribunal a quo aplicado incorretamente o prazo de caducidade de um ano desde o conhecimento do erro constantes do regime geral do cc quando} até em contradição com o que havia inicialmente havia afirmado} os mesmos decorrem do regime especial previsto nos artºs. 916 e 917 do cc que dispõe existir caducidade de ação de anulação por simples erro: a) caso a denúncia não seja feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa ou b) caso a ação dê entrada após seis meses sobre a denúncia; 3º) Resulta provado nos autos} nomeadamente nos pontos 1} 16} 17 e 23 do elenco da matéria provada} que: i) os "defeitos" foram conhecidos em dezembro de 2016 ii) A coisa foi entregue em Setembro de 2016 iii) A denúncia foi feita em 26.04.2017 iv) A ação deu entrada em juízo em 02.11.2017; 4º) Perante estes factos é fácil constatar que a denúncia} apesar de feita dentro dos seis meses após a entrega da coisa} não foi feita dentro dos 30 dias posteriores ao conhecimento dos defeitos (dezembro de 2016 a 26.04.201n nem tão pouco a presente ação foi interposta para lá dos seis meses após a denúncia dos defeitos (26.04.2017 a 02.11.2017); 5º) Violou, assim, o Tribunal a quo o disposto nos artºs. 916º e 917º do CC} sendo ostensiva a existência da arguida exceção de caducidade de ação, existindo até, e por excesso} um duplo fundamento para a sua procedência; Termos em que, deve a sentença proferida ser revogada e substituída por acórdão que julgue a ação totalmente improcedente Assim decidindo, Senhores Juízes Desembargadores, farão Vossas Excelências a devida”. Ao recurso do autor respondeu o réu, alegando, como questão prévia, que as 42 conclusões do recurso por aquele apresentadas são mera repetição integral do corpo das alegações, pelo que não podem ser consideradas para efeitos de cumprimento do dever estatuído no artº 639º, nº 1, CPC, tal equivalendo a falta delas, devendo o recurso ser rejeitado, conforme jurisprudência que cita. Quanto ao mais, à cautela, defende que deverá manter-se a decisão proferida. O autor não respondeu ao recurso do réu. Foram admitidos ambos os recursos como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo. Corridos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC. No caso, temos: -questão prévia: rejeição do recurso do autor; -recurso do autor: indemnizações; -recurso do réu: caducidade do direito de anulação. III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O tribunal recorrido, nesta sede decidiu, julgar provados os seguintes factos: ”1 - Em Setembro de 2016 foi celebrado entre as partes uma compra e venda do veículo automóvel de marca (…) com o número matrícula … pelo preço de 4.750,00€ (quatro mil e setecentos e cinquenta euros). 2 - No âmbito daquele negócio jurídico, o réu, enquanto proprietário do veículo, assumiu a qualidade de vendedor, e o autor, a qualidade de comprador. 3 - As negociações para concretização da referida venda foram empreendidas por intermédio de (…), filho do réu e nomeado por este para o efeito. 4 - Aquando dessas negociações, e indagado pelo autor quanto ao estado de funcionamento do veículo, nomeadamente no que diz respeito ao funcionamento do ar condicionado e aquecimento, foi garantido pelo referido (…) que tudo se encontrava em bom estado de funcionamento. 5 - Sendo o veículo de sete lugares, foi observado pelo autor que no banco traseiro não eram visíveis os encaixes de aperto dos cintos de segurança. 6 - A tal constatação, foi respondido que os encaixes se encontravam debaixo da alcatifa que cobria o chão do veículo, mas que a situação seria reposta de forma a que os cintos de segurança funcionassem. 7 - Reparou também o autor que o para-choques e o tubo de escape eram diferentes da linha de origem, o que o fez questionar o Sr. A. A. se o veículo se encontrava em condições de ser aprovado na inspeção periódica. 8 - Foi então assegurado ao autor que o veículo reunia todos os requisitos para a aprovação em inspeção periódica. 9 - Acreditando naquelas afirmações, o autor adquiriu o veículo, pelo preço acordado de 4.750,00€, o qual pagou na integralidade, entregando a quantia de 50,00€ em espécie e fazendo três transferências bancárias: duas no dia 31/08/2016, no montante de 1.500,00€ cada e a última no dia 1/09/2016, no montante de 1.700,00€. 10 - Nesse mesmo dia 1/09/2017, uma vez pago a totalidade do preço, foi o veículo, juntamente com as respetivas chaves e documentos, entregues ao autor. 11 - O Autor constatou de imediato que o ar condicionado não funcionava, que o veículo não se encontrava dotado com os encaixes dos cintos traseiros e que os para-choques da linha de escape que apetrecham o veículo não são de origem, nem sequer homologáveis. 12 - O Autor procedeu às reparações necessárias, mencionadas em 11), tendo pago a quantia de 1.400,00€ (mil e quatro centos euros), na oficina N. em 18/11/2016. 13 – Em consequência da necessidade das reparações mencionadas em 12), chegaram então as partes a acordo no sentido da redução do preço do automóvel em questão, no valor de 750,00€, tendo assinado uma declaração de quitação, datada de 25 de outubro de 2016. 14 – O Autor teve ainda de pagar a quantia de 92,25€ (noventa e dois euros e vinte e cinco cêntimos) para a homologação dos pneus do veículo em causa nos autos. 15 – O Autor pagou o devido Imposto Único de Circulação, no valor de 52,00€. 16 - Chegado o mês de dezembro de 2016, mês em que o veículo adquirido teve de ser apresentado à inspeção periódica, o veículo não foi aprovado pelos seguintes motivos: - Equipado com motor não original; - Sem chapa de construtor; - Lotação de 5 lugares; - Ambas as longarinas cortadas. 17 – As circunstâncias descritas em 16), eram até então, desconhecidas para o Autor. 18 – O facto de o veículo em questão se encontrar equipado com motor não original e sem chapa de construtor inviabiliza totalmente a aprovação da inspeção pelo instituto de Mobilidade e dos Transportes. 19 - O único destino da viatura em questão nos autos é o abate. 20 - O Autor ainda descobriu que, no momento em que a viatura foi por ele adquirida, já se encontrava a decorrer um processo na Direção Regional de Mobilidade e Transportes do Norte, para averbamento da chapa de construtor, aberto desde 25/02/2014. 21 - Estando impedido de circular, o veículo em causa encontra-se parqueado na oficina de reparação N. desde o dia 27 de outubro de 2016. 22 - O autor foi notificado em 27/01/2017 que teria de pagar uma taxa de parqueamento de 10€ por dia, contados do dia 11/11/2016, pelo que esse valor, ainda em dívida, ultrapassa hoje o montante de €1.000,00. 23 - O Autor remeteu ao Réu uma carta regista datada de 26/04/2017 em que, alegando que o veículo não tem qualquer possibilidade de legalização e que o mesmo nunca serviu nem nunca poderá servir o seu propósito, na medida em que se encontra em definitiva ilegalidade, destinando-se ao abate, e que, o réu tinha total conhecimento de tal circunstância, requer a nulidade do negócio celebrado, com a restituição de tudo quanto foi prestado. 24 - O Autor, em 25 de Outubro de 2016, emitiu ao ora Réu, a seguinte Declaração de Quitação, a que se alude no número 13), com o seguintes teor: “ Eu, abaixo-assinado, (…), casado, residente na rua (…) União de Freguesias de (…), titular do cartão de cidadão n.º (…), válido até 02/0772020, contribuinte n.º (…) declaro, para os devidos efeitos que recebi nesta data a quantia de € 750,00 ( Setecentos e cinquenta euros ) de (…), residente na rua (…), Viana do Castelo e que com o recebimento de tal montante: a) me considero integralmente ressarcido pela falta de conformidade do veículo automóvel de matrícula …, que adquiri a este; b) aceito o referido veículo nas condições em que se encontra, nada mais tendo a exigir do indicado …, relacionado com o mencionado veículo, seja a que título for. “ 25 – O Réu adquiriu a viatura em causa no dia 18.05.2016 a (…) residente na Rua (…) na freguesia de …, concelho de Ponte de Lima. 26 – O Autor com a compra do veículo em questão nos autos pretendia ter um carro todo o terreno, com 7 lugares que permitisse viajar com toda a família, facto quer era conhecido do Réu. 27 – A presente ação deu entrada em juízo a 02 de novembro de 2017.” Mais considerou como não provados os seguintes: “A) O réu sabia que se encontrava a decorrer um processo na Direção Regional de Mobilidade e Transportes do Norte, para averbamento da chapa de construtor, uma vez que a viatura foi por ele apresentada à última inspeção periódica em 06 de fevereiro de 2016. B) O Réu sabia que o veículo tinha defeitos ainda não detetados pelo Autor, aquando da assinatura do acordo de redução do preço. C) O Autor sofreu desgosto, transtornos, perdas tempo e noites mal dormidas que vieram em consequência da compra do veículo em questão nos autos. D) O Autor sente-se engando e revoltado pois o Réu sabia da existência dos defeitos do veículo e nada disse, ou melhor, mentiu, com o intuito de se concretizar a venda, consciente do prejuízo que tal venda iria acarretar para o Autor. *Os restantes factos constantes da petição e contestação que não figuram nos acima referidos “ Provados “ e “ Não Provados “, foram considerados inócuos/conclusivos, e/ou de direito, ou ficaram prejudicados pela prova/não prova dos restantes. “ IV. APRECIAÇÃO Questão prévia Embora só o réu, também recorrente, tenha suscitado a questão da rejeição do recurso do autor por falta de conclusões, a verdade é que o problema é matricialmente comum e discutível quanto a ambos. É verdade que o autor, na parte final da sua peça recursiva, mais não fez que reproduzir, por copy past em 42 extensos parágrafos com letras alfabéticas e sob o título de conclusões, o longo texto inicial de 58 parágrafos numerados das alegações, em substância sem proceder à síntese, tal como exigida no nº 1, do artº 939º, e, limitando-se, na forma, a mascarar aquelas com a agregação de alguns destes em algumas das alíneas. Não o é menos que o réu enveredou por método semelhante, transpondo para as 5 conclusões praticamente o mesmo texto das alegações, embora despido de dois parágrafos irrelevantes e revestido de forma aparente com o arranjo cosmético de algumas das orações. A diferença está na extensão e densidade: enquanto o texto do réu é curto e evidente, permitindo perceber, com relativa facilidade, o que pede (caducidade) e por que pede (decurso dos prazos de denúncia e de instauração da acção), o do autor é longo, prolixo, repetitivo, divagante, excessivo e confuso (misturando alusões a vícios da coisa resolvidos, que foram alvo de acordo entre as partes, com outros fundamentadores da invalidade do negócio), complicando a percepção sobretudo dos fundamentos relevantes em que pretende fazer assentar os pedidos indemnizatórios. Já muitas vezes escrevemos, tão frequente e resiliente é o problema, que, entre os pilares do novo Código de Processo Civil implantados pelo legislador, avultam os do apelo a uma “nova cultura judiciária” norteada pela eficácia, “desincentivando a inútil prolixidade” e a “artificiosa complexização da matéria litigiosa” com “injustificável prolixidade das peças processuais produzidas, totalmente inadequadas à real complexidade da matéria do pleito”. (3) Pontificam, pois, em geral, os princípios da simplicidade e da economia. Concluir significa, ao cabo de um percurso analítico-argumentativo mais amplo e profundo, criteriosamente sustentado, orientado e validado por um raciocínio lógico, extrair deste, em proposições breves, a essência dos fundamentos de uma tese. A tese de um recorrente que se não conforma com certa decisão judicial e se propõe atacá-la e alterá-la, há-de redundar na anulação, modificação ou revogação dela. Os fundamentos do ataque hão-de assentar nas razões, factualmente sustentadas e juridicamente consequentes, substanciadoras da sua invalidade ou erro. Para discorrer sobre estas, servem as alegações. Para expor aquelas, as conclusões. As conclusões não prescindem de uma laboriosa operação intelectual necessária para, primeiro, atingir e extrair aquela essência e, depois, para a expor de forma breve, clara, precisa e concisa. Tal operação não se fica nem se basta com um mero resumo textual dos argumentos expostos ao longo das alegações. Menos ainda com a mera repetição destas. Assim, ao peticionar, num recurso, a alteração ou a anulação de uma decisão, seja a proferida sobre a matéria de facto seja a proferida sobre a matéria de direito, o recorrente tem o ónus de indicar, na síntese conclusiva exigida pelo artº 639º, nº 1, os fundamentos de qualquer desses pedidos eventualmente formulados. (4) Bem assim, neste último caso, o ónus de fazer as indicações previstas no nº 2. (5) Como preconiza o STJ, em Acórdão de 18.06-2013 (6): “I - O recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida). II - Essas conclusões devem ser idóneas para delimitar de forma clara, inteligível e concludente o objecto do recurso, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação que deduz e que o tribunal superior cumpre solucionar. III - Não devem valer como conclusões arrazoadas longas e confusas em que se não discriminam com facilidade as questões invocadas.” (7) Ou, ainda mais pedagogicamente, no Acórdão de 09-07-2015 (8): “2.1. A clareza do art. 639º, nº 2, do NCPC (tal como do art. 685º-A, nº 2, do anterior CPC), aliada à natureza do acto de interposição de recurso, implicando a interpelação de um Tribunal Superior, faria crer que as alegações fossem tratadas com o adequado rigor. Porém, são frequentíssimas as situações que revelam um claro desrespeito de regras formais elementares, quer ao nível da motivação, quer no segmento da formulação das respectivas conclusões. […] 2.2. A lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos da revogação, modificação ou anulação da decisão. Rigorosamente, as conclusões devem corresponder aos fundamentos que justificam a alteração ou a anulação da decisão recorrida, traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto), sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário apresentados no sector da motivação. As conclusões exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, nº 3, devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, aquilo que o recorrente efectivamente pretende obter (revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida), as conclusões das alegações devem respeitar na sua essência cada uma das als. do nº 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida.” Tal é a importância jurídica e prática das conclusões que deve ser logo liminarmente indeferido o recurso em cujas alegações elas se não contenham ou não ser conhecido aquele em que, havendo-as mas irregulares, se não corrijam as suas deficiências – artºs 641º, nº 2, b), e 639º, nº 3. O ónus de formular conclusões não constitui, portanto, letra morta, nem deve ser ignorado, iludido ou defraudado, sobretudo perante tribunais superiores. Nem estes devem, nem podem, ser indulgentes em face do modo como as partes, sujeitas ao princípio da auto-responsabilidade, o cumprem (tanto mais que representadas por advogado tecnicamente sabedor e preparado, cujo patrocínio obrigatório se funda legitimamente na necessidade de conhecer e observar, com diligência, regras de direito adjectivo que as partes, apesar se lhes imporem, não dominam nem exercitam). (9) Tal cumprimento constitui, pois, não só garantia para a parte de que todas as questões assim bem expostas, mas não mais que essas, serão facilmente captadas e percebidas, plenamente apreciadas e eficientemente decididas, como também condição de melhor e mais rápido desempenho pelo tribunal da sua tarefa cometida pelo nº 2, do artº 609º (questões a resolver). Bem assim, do pleno e eficaz exercício do contraditório pela parte contrária. Aliás, ao próprio tribunal superior se impõe que, no julgamento, como refere o artº 659º, nº 2, CPC, o relator faça “sucinta apresentação” do projecto de acórdão para votação e que este, nos termos do artº 663º, nº 2, príncipe pelo relatório em que “se enunciem sucintamente as questões a decidir no recurso”. Como, enfim, mais resumidamente, referimos no Acórdão desta Relação de 24-01-2019 (10), a reprodução do texto das alegações em capítulo intitulado como conclusões, não obedece ao disposto no nº 1, do artº 639º, do CPC. A síntese aí exigida, face ao sentido e finalidade da norma, pressupõe a elaboração e apresentação de uma breve, clara, precisa e concisa menção da essência dos fundamentos que o recorrente tenha tido em vista e explanado nas alegações para, salientando os preconizados erros ou invalidades, atacar a decisão recorrida, não devendo aquela traduzir-se numa simples e cómoda reprodução textual dos argumentos desenvolvidos e vertidos ao longo da peça, ainda que cortado ou encurtado. Para cumprirem a sua função cometida na lei, as conclusões devem espelhar o resultado de um sério e esforçado labor intelectual indispensável para, sem perder de vista as regras técnico-jurídicas, cogitar, discernir e enumerar organizadamente, sob a aparência de questões dirigidas ao tribunal e sobre as quais este deve pronunciar-se e responder (segundo os seus traços qualitativamente mais distintos e característicos), as alterações pretendidas ou as invalidades arguidas quanto à decisão alvo do recurso e os fundamentos respectivos, aí não tendo lugar o relatório dos autos, transcrições de depoimentos, citações de normas, doutrina e jurisprudência, nem os meros argumentos. É nisso e em tais termos que consiste a exposição sintética exigível. Ora, se é geral o entendimento de que a mera reprodução, a título de conclusões, do texto das alegações não satisfaz a exigência legal prevista no nº 1, do artº 639º, já não o é distinguir quando se verifica falta absoluta delas e, consequentemente, se, para o caso assim não considerado de copy past, deve ou não usar-se a terapêutica do convite ao aperfeiçoamento. De um lado, perfila-se a tese de que, considerando não existirem conclusões verdadeiras por as assim designadas serem mera reprodução do corpo das alegações, o recurso deve ser rejeitado (alínea b), do nº 1, do artº 641º, CPC) (11). Nós próprios a temos seguido. (12) Do outro, a de que, reconhecendo-se embora a apresentação de conclusões em tais termos como um simulacro, ainda assim pode e deve convidar-se o prevaricador a um aperfeiçoamento, nos termos do nº 3, do artº 639º, do CPC. (13) Toda a Doutrina e Jurisprudência reconhece e verbera a prática como ofensiva do comando normativo estabelecido na lei. Alguma, no entanto, teima em negar-lhe as consequências devidas, conformando-se com a sugestão paliativa de aperfeiçoamento, não raro mal acatada. Como no já referido Acórdão de 29-06-2017, escrevemos, não pode ficcionar-se que o copy past do corpo das alegações para um capítulo sugestivamente intitulado conclusões representa uma tentativa frustrada de cumprir o ónus de síntese, merecedora de convite a correcção e aperfeiçoamento, mediante um exercício de aparente interpretação generosa da lei preconizado como hábil e tolerante, inspirado em razões de oportunidade não contempladas na respectiva letra (in claris non fit injuria) e contrárias ao pensamento legislativo, com apelo a um poder de criar normas que, por princípio, não cabe aos tribunais (como já se alertou em sumário do Acórdão do STJ, de 13-11-2014 (14)). Tal método conduz ao nada. E o nada não é perfeito nem imperfeito. É nada. Por isso, não corrigível. De onde nem sequer existe um esboço de algo, não pode pretender-se tirar-se esse algo. A não ser, ficcionando o convite, conceder nova oportunidade para, orientadamente, contornando a preclusão, cumprir um ónus que as partes têm obrigação de conhecer e espontaneamente observar. Contornar esta evidência, é atentar contra o claro desígnio do legislador, normativamente plasmado no regime de recursos e, entre outros, nos artigos 637º a 639º e 641º, do CPC, de regular, com disciplina e rigor, o exercício do inerente direito, impondo consequências preclusivas fatais compreensivelmente justificadas pelo acesso ao tribunal superior e com patrocínio obrigatório presumivelmente apto e responsável pelo seu cumprimento. Ainda há pouco, no Acórdão desta Relação de 24-01-2019 (15), depois de exaustiva indagação do estado do problema e de aprofundada e incisiva defesa da tese da rejeição, se resumiu: “1. Verificando-se a falta, em peça processual da alegação de recurso de apelação, das “conclusões”, a que alude o nº1, do art. 639º, do CPC (indicação sintética das questões colocadas pelo recorrente, que define e delimita o objeto do recurso), os apelantes têm de suportar a consequência do incumprimento do ónus de as formular - a rejeição do recurso, em obediência ao consagrado na al. b), do nº2, do art. 641º, de tal diploma; 2. A deficiência, obscuridade ou complexidade das conclusões das alegações de recurso - passíveis de despacho de aperfeiçoamento - são vícios de conclusões, que pressupõem a existência de esboço de síntese dos fundamentos do recurso; 3. Ocorre efetiva, real e absoluta falta de objeto do recurso-as “conclusões”, definidas na lei adjetiva como indicação sintética dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – e não mero vício, na situação de a apelante, embora usando tal título ao finalizar a alegação de recurso de apelação, reproduzir ipsis verbis e integralmente o antecedente corpo das suas alegações, pois que tal inútil eco do já dito nenhuma síntese dos invocados fundamentos revela. E o esboço de síntese não se verifica em nominadas “conclusões” que apenas repetem, com insignificantes alterações de pormenor na redação e agrupamento, o teor integral do corpo das alegações; 4. Aquela consequência (rejeição do recurso) justifica-se nesta situação de falta de rigor, sem que tal se mostre desproporcional nem excessivo, pois que, tendo a parte o ónus de formular as definidas conclusões, sem o que se decorrem, automaticamente, os efeitos gravosos da rejeição do recurso (em materialização do princípio da auto-responsabilização das partes), a mesma nem sequer um esboço de esforço nesse sentido desenvolveu; 5. O privilegiar-se decisões de mérito relativamente às de forma não afasta a obrigatoriedade de observância de ónus consagrados, com as consequências estipuladas para a respetiva falta de cumprimento; 6. Havendo norma expressa a regular a questão da falta de apresentação de conclusões e ocorrendo a falta em causa, segundo a definição legal, nenhum dever de colaboração do juiz com os apelantes, sequer dever no âmbito de gestão processual do Tribunal, tendente a aperfeiçoamento, existe, atenta a consequência expressamente consagrada e a aplicar, sob pena de se cair, adjetivamente, no reino onde vale tudo, com prejuízo para as partes, os cidadãos e o Estado, interessados na realização da justiça, que vê o seu campo fértil em processo equitativo e célere;” Para a respectiva explanação se remetendo sem mais delongas, é altura de, quanto a cada um dos recursos, tirar as consequências. Recurso do réu Ora, no presente caso, relativamente às conclusões do réu, apesar de formalmente imperfeitas, elas, dados os seus termos curtos e fundamentos simples, evidenciam, suficiente e satisfatoriamente, a substância da questão suscitada: -Ocorre caducidade do direito de acção por denúncia dos vícios e instauração do processo fora dos prazos legais? Vamos então já tratar dela, na perspectiva da sua lógica precedência jurídica. O autor estribou o seu pedido de anulação do negócio – que acabou julgado procedente – no regime da venda de coisa defeituosa. O artº 913º, nº 1, prevê que se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim – em que sobressai, no caso, como essencial, a circulação do veículo e transporte do seu dono e quem mais lhe aprouver – observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito os artºs 905º e sgs., salvo naquilo for modificado nas normas àquela subsequentes, designadamente nos artºs 914º a 917º. Com efeito, se é certo que, relativamente a uma parte dos vícios inicialmente detectados (ar condicionado, encaixes dos cintos, pára-choques e escape), as partes celebraram um acordo que confluiu na reparação dele pelo próprio autor e culminou até na redução do preço (pontos provados nºs 13 e 24), não o é menos que, em Dezembro de 2016, ele descobriu outras anomalias que impedem a aprovação técnica do veículo, o tornam inapto para circular regularmente e, como seu único destino, determinam apenas o abate (pontos 16 a 19), apesar da natureza do bem (veículo automóvel) e da finalidade para que consabidamente o adquiriu (ponto provado 26). O artº 905º admite, nas condições nele estipuladas, que o negócio é anulável por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade. Na sentença, o tribunal a quo, entre múltiplas considerações teóricas, entendeu, quanto ao caso concreto, que: “Resulta da matéria de facto dada como provada que o A. celebrou o negócio na convicção de que o veículo em questão nos autos se encontrava em condições de circular, convicção essa que se revelou estar errada, após o veículo ter sido submetido à inspeção periódica, dado que veio a ser surpreendido com a informação …. Ora, se soubesse que o veículo não se encontrava em condições de poder circular, não teria celebrado o negócio, o que o Réu bem sabia. A presente ação enquadra-se assim, em termos de pedido e causa de pedir no âmbito dos vícios da vontade, devendo ser analisado o caso concreto à luz do erro sobre os motivos determinantes da vontade sobre o objeto do negócio…”. Consequentemente: “…demonstrado que se encontra que o A. celebrou o contrato de compra e venda do veículo em questão nos autos para com este viajar acompanhado da sua família, era essencial para a realização do negócio em questão, para o Autor, que o veículo se encontrasse em condições de circular, o que face ao conhecimento posterior por parte do A. de que o veículo em questão não se encontrava equipado com motor original e sem chapa de construtor, se encontrava inviabiliza totalmente a aprovação da inspeção pelo Instituto de Mobilidade e dos Transportes e consequentemente o mesmo jamais poderá circular. Igualmente demonstrado ficou que o Réu conhecia a essencialidade do elemento sobre que recaiu o erro de que se aperceberam posteriormente, ou seja, o R. sabia, ou pelo menos não podia ignorar, que o A. apenas pretendia comprar o veículo para viajar com a sua família, o que ficou bem patente logo na exigência por parte do A. que o veículo em questão possuísse ar condicionado e possuísse os encaixes dos cintos traseiros, o que implica o êxito da pretensão anulatória do contrato de compra e venda do veículo em questão nos autos…” Daí a decidida procedência dos pedidos de anulação do negócio e de restituição das prestações. “A anulação implica para o R. a obrigação de restituir o preço, ou seja o montante de € 4.000,00, pagos pelo A. e peticionados por este. ”. Decisão esta cujos fundamentos e sentido ninguém questionou. Sucede que, na contestação, havia sido, pelo réu, arguida caducidade do direito, por o autor ter tomado conhecimento dos factos em que fundamentara a pretensão de anular o contrato em Dezembro de 2016 e apenas lhos ter comunicado pela carta de Abril de 2017, sustentando que decorreram mais do que os dois meses a que se refere o Decreto-Lei nº 67/2003 (que considerou, então, aplicável) para tal denúncia e mais do que seis meses para instaurar a acção. A este respeito ajuizou-se na sentença, somente: “Quanto à tempestividade da presente ação, resultou provado que o A., apenas em dezembro de 2016 tomou conhecimento que o veículo por si adquirida jamais poderia circular, por impossibilidade de legalização do mesmo, portanto, o erro em que incorria até a esse conhecimento em dezembro de 2016 (ou seja, o A. até essa data estava convencido que o veiculo possuía todas as características exigidas para a respetiva circulação) , cessa na referida data, e a partir de dezembro de 2016, o A. dispõe de uma ano para intentar a respetiva ação de anulação do contrato de compra e venda, o que face à data de entrada da petição inicial em juízo – 02 de novembro de 2017, se encontra cumprido. ”. Assim deixou, pois, subtendida a improcedência da excepção de caducidade. O réu, insistindo nela, contrapõe agora que o prazo a ter em conta não é o geral de um ano mas os especiais previstos nos artºs 916º e 917º. Tem razão. Deixando-se esclarecido que ao caso não é aplicável o regime da venda de bens de consumo previsto no Decreto-Lei nº 67/2003, de 08 de Abril, pela simples razão de que não foi alegado, muito menos está demonstrado, que o vendedor seja e tenha agido como profissional do ramo e o comprador como consumidor (mas antes como simples particulares), ou seja, no âmbito preconizado no nº 1, do artº 1º-A, e na definição traçada na alínea a), do artº 1º-B, importa ter em conta – o que não sucedeu na decisão recorrida – que o regime do artº 905º e sgs., aplicável ex. vi do artº 913, tem de compaginar-se com “tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes” e, por isso, nomeadamente, dos artºs 916º e 917º. Ora, resulta da primeira dessas normas, quanto à questionada tempestividade da necessária denúncia dos defeitos (16), uma vez que – note-se – nem de facto nem de direito (17) o tribunal julgou demonstrado o dolo (nº 1), que ela deve ser feita até trinta dias depois de eles se tornarem conhecidos e dentro de seis meses após a entrega da coisa (nº 2). Ao passo que, da segunda, colhe-se que a acção de anulação por simples erro (artº 909º) caduca, findo qualquer daqueles prazos (os fixados no artigo anterior) sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses. Assim sendo, como é, afastando-se o prazo geral levado em conta na sentença, ocorre, como diz o réu dupla caducidade: -do direito de denúncia, porque, tendo os defeitos que estiveram na base da anulação sido conhecidos em Dezembro de 2016 só os denunciou em Abril de 2017 (ponto de facto 23), ou seja, muito para lá dos 30 dias estabelecidos no artº 916º, nº 2, e até dos dois meses de que beneficiam os consumidores; -do direito de acção, porque, instaurada esta apenas em 02-11-2017 (ponto de facto provado nº 27), manifestamente estava excedido o prazo de seis meses consignado para o efeito no artº 917º. Não tendo, pois, o acto considerado por lei impeditivo da caducidade sido praticado dentro do prazo, aqueles direitos extinguiram-se – artº 331º. Daí que, procedendo o recurso do réu, tem de ser revogada a sentença, na parte em que, julgando procedentes os dois pedidos a) e b) do autor, declarou anulado o contrato e nos actos restitutórios consequentes. (18) Recurso do autor. Nos termos referidos e na linha da orientação jurisprudencial que adoptámos, deve ser rejeitado e não conhecido. Ad cautelam… Mesmo que, conforme referido, num entendimento mais complacente dos seus requisitos, ele acabasse por ser apreciado, considerando que os pedidos indemnizatórios jamais poderão partir de qualquer outro fundamento que não seja aquele em que se estribou – consolidadamente, como se disse – a anulação decretada e não questionada – ou seja, por simples erro, nos termos do artº 909º - e, portanto, que, em tal caso, a possível indemnização circunscreve-se aos danos emergentes, a verdade é que os valores a tal título peticionados, por um lado, resultaram de gastos sem conexão comprovadamente relevante com os factos objecto do erro que deram origem à anulação. Com efeito, o imposto pago (IUC) é devido pelo proprietário na altura da respectiva liquidação pelo Fisco; ignoram-se as razões por que o autor “teve de pagar” a homologação dos pneus; os 1.400€ respeitam às reparações dos outros defeitos contemplados no acordo de redução do preço e, presumem-se, portanto, consensualmente aí compensados; e quanto ao parqueamento, desconhecem-se os motivos por que o veículo ficou estacionado numa oficina e qual a razão por que o autor “teve de pagar” ao dono esse serviço. Por outro lado, quanto a danos não patrimoniais (500,00€), nenhum facto dos alegados a tal propósito resultou provado – cf. C) e D), não impugnados – capaz de preencher os requisitos exigidos no artº 496º, para mais tendo em conta que o autor comprou um veículo com 23 anos, pelo preço inicial de 4.750,00€, em relação ao qual, apesar das garantias dadas e dos direitos advenientes do contrato, sempre, como é das regras da experiência comum na matéria, qualquer pessoa tem de contar com alguns contratempos. Anote-se, de resto, que, nem a título principal nem subordinado, o autor impugnou a sentença na parte em que decretou a anulação com fundamento, apenas, em simples erro e não no dolo, e aquele em relação aos defeitos que impedem o veículo de circular e destinado a abate e não aos demais contemplados no acordo que os sanou. Ao que parece, o seu recurso circunscrevia-se à revogação dela na parte em que julgou improcedentes os pedidos indemnizatórios, pretendo quanto a tal revogá-la e obter a respectiva procedência. Por isso, sempre seria de concluir que nenhum reflexo tal recurso teria sobre o decidido quanto ao do réu quanto à caducidade (mormente prazos). Em suma, sempre seria fatal a improcedência da apelação do autor e de manter a improcedência e absolvição quanto aos pedidos indemnizatórios. V. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em: a) Não tomar conhecimento do recurso do autor. b) Julgar procedente o recurso do réu e, em consequência, dando provimento à respectiva apelação, revogar a decisão recorrida na parte que julgou a acção procedente e declarou anulado o contrato, com os inerentes efeitos, julgando-a também quanto a tais pedidos improcedente e dele absolvendo o réu (como já o fora dos demais). *Custas de ambas as apelações pelo autor – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP). * Notifique. Guimarães, 04 de Abril de 2019 José Fernando Cardoso Amaral Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo, com a seguinte declaração: Não rejeitaria o recurso do A. Quanto á matéria de facto por entender que será caso de prévio despacho de aperfeiçoamento, em conformidade com os Ac. Citados na decisão supra, nesse sentido e Ac do STJ de 06.04.2017 proferido no proc. 297/13.6TTTMR.E1. S1. Concordo que em caso de conhecimento de qualquer modo sempre improcederia a pretensão do Apelante. Pedro Damião e Cunha 1. A petição refere 2017 por manifesto lapso. 2. Evidentemente, por nós reformatada. 3. Cfr. Exposição de Motivos da Proposta nº 113/XII/2ª subjacente à Lei 41/2013, de 26 de Junho. 4. Não deve perder-se de vista que, como refere Teixeira de Sousa, sendo o recurso um meio específico de impugnar uma decisão judicial, de provocar a reapreciação das questões já decididas pelo tribunal recorrido e de obter a sua alteração, o seu objecto “é constituído por um pedido e um fundamento, sendo que o pedido consistirá normalmente na pretensão de se ver revogada a decisão impugnada, enquanto o fundamento, na invocação de um vício no procedimento (error in procedendo) ou no julgamento (error in judicando)” – in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, página 453.. 5. Na síntese de Amâncio Ferreira, “expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razoes de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão” – in Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª edição, páginas 172 e 173. 6. Relator: Consº Garcia Calejo. 7. Cfr., ainda, na matéria, por exemplo, Acórdãos do STJ, de 26-04-2012, 06-12-2012 e 21-01-2014, relatados pelos Consº Serra Baptista, Lopes do Rego e Mário Belo Morgado. 8. Processo nº 818/07.3TBAMD.L1.S1, relatado pelo Consº Abrantes Geraldes. 9. Como, pertinentemente, em “O Ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil”, refere João Aveiro Pereira (acessível na Internet) observa e verbera: “Uma prática usual é a reprodução informática do corpo das alegações na área do documento que deveria ser preenchida com as conclusões. Sob esta epígrafe duplica-se e repisa-se o texto expositivo, sem se apresentarem verdadeiras conclusões. A adopção deste desembaraço, do ponto de vista da advocacia, pode explicar-se, desde logo, por um anelo de rapidez, necessária ao cumprimento dos prazos; pode ser induzida pela lei do menor esforço, mas também pode dever-se quiçá ao receio de que o tribunal, também ele acossado pela exigência de celeridade, não leia senão as conclusões e deixe de atentar no corpo alegatório. Nesta última hipótese, duplicando, o recorrente sente-se provavelmente mais confiante em que serão sempre lidas as conclusões e também as alegações. Em boa verdade, o recurso a este expediente de copy paste, para duplicar as alegações como se fosse para concluir, revela um uso abusivo dos meios automáticos de processamento de texto e conduz à inexistência material de conclusões, pois se, sob este título, apenas se derrama sobre papel o teor da parte analítica e argumentativa, o que de facto se oferece ao tribunal de recurso é uma fraude. Por consequência, apesar de aqui ou ali se mudar, cosmeticamente, uma ou outra palavra ou locução, o que realmente permanece, inelutável, é um vazio conclusivo, mau grado as habituais dezenas de folhas, com frequência metade do total da peça, e um número de artigos ditos de conclusões desnecessariamente a roçar ou a ultrapassar a centena.” E mais adiante, em face da atitude indulgente que detectou na jurisprudência, lamentou: “Este laisser faire, laisser passer em relação, não só à prolixidade das conclusões, mas também quanto a outras irregularidades na elaboração das conclusões das alegações de recurso, pode evitar alguma morosidade pontual, mas tem um assinalável efeito perverso que é a instalação de uma certa indisciplina no cumprimento do ónus de concluir, de repercussões dilatórias gerais. Isto porque a sucessão de decisões permissivas vai cimentando uma rotina de cedência, que se torna praticamente impossível reverter no sentido da observância criteriosa das regras na feitura das alegações. Por outro lado, exarar juízos reprovadores, mais ou menos veementes, sobre a prolixidade ou outras anomalias das conclusões, e depois não adoptar as consequências lógicas e legais, é confrangedor, pois dá a imagem de uma justiça que, embora veja o que está mal, não é capaz de se impor. Mais vale os tribunais superiores se absterem deste tipo de juízos quando não estiverem dispostos a reter um recurso, à espera do aperfeiçoamento, ou quando não pretendam aplicar a extrema sanção do não conhecimento.” 10. Processo nº 363/14.0TBPTL.G1. 11. Como se entendeu, v.g., nos Acórdãos da Relação do Porto, de 23-04-2018, de 24-09-2018 e de 07-12-2018, proferidos nos processos <a href="https://acordao.pt/decisoes/135872" target="_blank">6818/14.0YIPRT.P1</a>, 104/16.88VLC.P1 e 1821/18.3T8PRD-B.P1 (todos relatados pelo Desemb. Manuel Fernandes) e nos de 09-11-2017 e de 08-03-2018, proferidos nos processos nºs 14204/16.0T8PRT-A.P1 e 1822/16.6T8AGD-A.P1 (ambos relatados pela Desembª. Judite Pires), este último anotado pelo Prof. Miguel Teixeira de Sousa, no Blog do IPPC, que se inclina no sentido da tese do convite ao aperfeiçoamento, mas – diz ele – “independentemente da censura que possa merecer o temerário comportamento do mandatário do recorrente (que devia saber que podia estar a colocar em risco os interesses dessa parte”. Bem assim, no de 24-01-2018, processo 131/16.5T8MAI-A.P1 (relatado pelo Desemb. Madeira Pinto). Também no Acórdão da Relação de Coimbra, de 10-11-2015, processo nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/119118" target="_blank">158/11.3TBSJP.C1</a> (relatado pela Desemb. Maria João Areias). 12. Por exemplo, Acórdãos de 16-03-2017, processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/193546" target="_blank">425/08.3TBCHV.G1</a> e de 29-06-2017, processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/193226" target="_blank">413/15.3T8VRL.G1</a>. 13. Este é o entendimento, mais magnânimo, pensamos que maioritariamente agora seguido pelo STJ, de que é exemplo o Acórdão de 27-11-2018, proferido no processo 281076/15.2T8LSB.L1.S1 (relatado pelo Consº Júlio Gomes), que, ainda assim, não deixa de admite que o contrário é “defensável – por carecerem da natureza de síntese que é própria das verdadeiras conclusões” mas “não tem sido esse, no entanto, o entendimento deste Tribunal em vários Acórdãos recentes”, muito embora, antes, encontrássemos no Acórdão de 16-09-2008, proferido na revista nº 2103/08-2, relatado pelo Consº Santos Bernardino, o entendimento de que “constitui grosseira afronta ao disposto no artº 690º, CPC – a norma correspondente do anterior CPC – apresentar como conclusões a reprodução integral, a cópia por decalque, da parte que constituio as alegações”. 14. Processo 415/12.1TBVV-A.E1.S1 15. Processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/191708" target="_blank">3113/17.6T8VCT.G1</a>, relatado pela Desemb. Eugénia Marinho da Cunha. 16. Útil porque poderia ser sanada eventualmente nos termos do artº 906º, convalidando-se o contrato. 17. Confrontar factos não provados A) e B) – que se não perscrutam como impugnados sequer no recurso do autor – e o referido na sentença, no contexto do que chamou “responsabilidade civil contratual”, a propósito da inexistência de “facto ilícito” imputável ao réu a qualquer título. 18. Sem que se cure até do mérito da alegada excepção de renúncia baseada na declaração subscrita pelo autor, em 25-10-2016, segundo a qual “aceito o referido veículo nas condições em que se encontra, nada mais tendo a exigir do indicado …, relacionado com o mencionado veículo, seja a que título for”, que não foi objecto de pronúncia mas ninguém questionou.
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO O autor (…) intentou, em 02-11-2017, no Tribunal de Viana do Castelo, acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra o réu (…). Formulou o pedido de que: a) Seja declarado anulado o contrato de compra e venda do veículo de matrícula …, celebrado entre as partes, por força dos artigos 913º n.º 1 e 905º do CC; b) Seja o réu condenado ao registo de propriedade do veículo em seu nome e ao pagamento da quantia de €4.000,00 correspondente ao preço do veículo acordado entre as partes, nos termos do artigo 289º, n.º 1 do CC; c) Seja o réu condenado ao pagamento de uma indemnização ao autor no valor de €2.544,25, nos termos do artigo 908º do CC; d) Seja o réu condenado a pagar ao autor uma indemnização no valor de 750,00€, nos termos do artigo 496º, n, º 1 do CC. Alegou, em síntese, que, em Setembro de 2016, o autor celebrou com o réu (representado pelo filho …) um contrato através do qual este vendeu àquele o veículo …, de 7 lugares, matrícula … (de 02-12-1993), pelo preço de 4.750,00€, que pagou e lhe foi entregue em 01-09-2016 (1). Ainda no decurso das negociações, quando perguntado acerca do ar condicionado e aquecimento, aquele representante garantiu que tudo se encontrava em bom estado de funcionamento; quando lhe foi observado que não eram visíveis no banco traseiro os encaixes dos cintos de segurança, o mesmo respondeu que estavam debaixo da alcatifa mas seriam repostos de modo a funcionarem; e, tendo o autor notado que o pára-choques e o tubo de escape, não eram originais e perguntado se o veículo estava em condições de ser aprovado na inspecção periódica, foi-lhe assegurado que reunia todos requisitos para o efeito. Uma vez recebido o veículo, logo constatou o autor que o ar condicionado não funcionava e que ele não tinha os encaixes dos cintos traseiros, pelo que, reclamando telefonicamente, aquele (…) lhe disse que teria os encaixes em casa e que o sistema de ventilação teria ligeira avaria, comprometendo-se a solucioná-la. Porém, nada fez. Em 05-09-2016, o autor mandou vistoriar o veículo numa oficina e constatou-se, para sua surpresa, que faltavam os motores exteriores do ar condicionado e as tubagens e entradas da instalação, o que inviabilizava o seu funcionamento; que os pára-choques da linha de escape não são de origem, nem homologáveis, nem adequados – o que impedia a aprovação na inspecção periódica. Depois de ter obtido orçamento (1.500,00€) para fazer as reparações necessárias à reposição do veículo no estado que lhe fora garantido mas nada fazendo o réu, remeteu carta a este, relatando a situação, na qual expôs que tinha direito a declarar a resolução do contrato ou, em alternativa, a pedir a redução do preço, solicitando-lhe informação sobre a modalidade por que pretendia optar. Na sequência, fizeram um acordo, conforme documento datado de 25-10-2016 intitulado “Declaração de quitação”, segundo o qual o autor declarou ter-lhe sido devolvida a quantia de 750,00€ (do preço) e que “com o recebimento de tal montante: a) me considero integralmente ressarcido pela falta de conformidade do veículo automóvel de matrícula ..., que adquiri a este; b) aceito o referido veículo nas condições em que se encontra, nada mais tendo a exigir do indicado (…) , relacionado com o mencionado veículo, seja a que título for.“ O autor procedeu às reparações necessárias, tendo pago 1.400€ (na oficina) + 92,25€ (homologação dos pneus) + 52,00€ (de IUC). Em Dezembro de 2016, apresentado na inspecção periódica obrigatória, o veículo não foi aprovado, por: - Equipado com motor não original; - Sem chapa de construtor; - Lotação de 5 lugares; - Ambas as longarinas cortadas, como consta da carta do IMT, de 06-02-2017, na qual se comunica que o processo de pedido de alteração de pneus e de cor do veículo não foi aprovado e que ostentara aquelas anomalias. O autor desconhecia-as. O problema do motor e da chapa impossibilita de todo a aprovação, sendo inútil remediar os demais, assim se lhe deparando, como único destino a dar à viatura, o abate. Mais descobriu que, quando adquiriu o veículo, já se encontrava no IMT a correr, desde 25-02-2014, o processo para averbamento da chapa de construtor, facto do conhecimento do réu vendedor, pois que em 06-02-2016 apresentara a viatura à inspecção periódica. Bem sabia este que o veículo tinha defeitos ainda não detectados pelo autor aquando da assinatura do acordo de redução do preço a que refere a “declaração de quitação”, mas omitiu-os, o que determinou o autor a realizar a compra, pois bem sabia ele também que, se deles tivesse conhecimento não teria tido interesse no negócio e não o realizaria. O veículo está parqueado desde 27-10-2016, pelo que o autor terá de pagar 10,00€/dia. Por carta de 26-04-2017, o autor “requereu” ao réu a nulidade do negócio e “requereu” ainda a devolução do preço pago, comprometendo-se a restituir a viatura. Por fim, referiu ter tido e pretender ser indemnizado dos danos patrimoniais (gastos na oficina, homologação dos pneus, IUC e parqueamento) e dos não patrimoniais, conforme valores peticionados. Na sua contestação, o réu: a) Invocou a excepção de caducidade do direito, por o autor ter tomado conhecimento dos factos em que fundamenta a pretensão de anular o contrato em Dezembro de 2016 e apenas lhos ter comunicado pela carta de Abril de 2017, pelo que decorreram mais do que os dois meses a que se refere o Decreto-Lei nº 67/2003 (aplicável) para tal denúncia e mais do que seis meses para instaurar a acção. b) Bem assim, a excepção de renúncia ao direito através da “Declaração de quitação” de 25-10-2016. c) Impugnou parte da factualidade alegada, acrescentando que comprou a viatura a (…) apenas em 18-05-2016, pelo que, além do mais, desconhecia que a viatura tivesse sido inspeccionada em 06-02-2016 e a pendência do dito processo alusivo ao averbamento da chapa de condutor. Ademais, requereu a intervenção principal do referido (…) Foi marcada, de seguida, tentativa de conciliação que se frustrou. Facultado, depois, o contraditório quanto ao incidente, opôs-se-lhe o autor. Convidado, de seguida, o réu a clarificar o respectivo requerimento, aditou ele que, caso não se entenda que existe fundamento para a intervenção principal, deve ser admitida a mesma a título acessório – o que foi deferido, ordenando-se a citação do requerido, que não interveio nos autos. Após, facultou-se o contraditório à autora quanto à excepção de caducidade. Exercendo-o, sustentou o autor que o réu não exerce a actividade profissional de vendedor de automóveis nem foi nesta que agiu ao contratar consigo, tratando-se de negócio entre particulares ao qual é inaplicável o invocado Decreto-Lei nº 67/2003, pelo que deve a excepção improceder. Foi depois fixado o valor da acção, proferido saneador tabelar, relegado para final o conhecimento da caducidade a pretexto de depender de prova e marcada a audiência de discussão e julgamento. Realizou-se esta, nos termos e com as formalidades descritas na acta respectiva e, com data de 14-11-2018, foi proferida a sentença, que culminou na decisão: “Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, declaro a anulação do contrato de compra e venda do veículo … celebrado entre o Autor (..) e o Réu (…), condenando o Réu (…) a registar a propriedade do veículo em seu nome e ao pagamento ao Autor (…) da quantia de € 4.000,00 ( quatro mil euros ), absolvendo o Réu (…) dos restantes pedidos. *Custas a cargo do Autor e Réu na proporção do respetivo decaimento – artigo 527º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil. *Registe e notifique.” Autor e réu não se conformaram e ambos interpuseram recurso. Aquele, para sustentar a sua, pretensão apresentou a seguinte peça (2): “Alegações 1º A douta sentença, datada de 14/11/2018, julgou parcialmente procedente a ação de processo comum que correu seus termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz 1, da Comarca de Viana do Castelo, sob o n.º 3652/17.9T8VCT, da qual é autor o ora recorrente. 2º Na sua petição inicial, o recorrente peticionou a procedência da ação e em consequência, dos seguintes pedidos: “a) ser declarado anulado o contrato de compra e venda do veículo de matrícula …, celebrado entre as partes, por força dos artigos 913º n.º 1 e 905º do CC; b) ser o réu condenado ao registo de propriedade do veículo em seu nome e ao pagamento ao autor da quantia de 4.000,00€ correspondente ao preço do veículo acordado entre as partes, nos termos do artigo 289, n.º 1 do CC; c) Ser o réu condenado ao pagamento de uma indemnização ao autor no valor de 2.544,25€, nos termos do artigo 908º do CC; d) E ainda, ser o réu condenado a apagar ao autor uma indemnização no valor de 500,00€ nos termos do artigo 496º, n,º 1 do CC. 3º Procederam as alíneas a) e b). 4º Contudo, o meritíssimo juiz a quo julgou improcedente o peticionado em c) e d). 5º Recaindo nessa improcedência, ainda que parcial, o objeto do presente recurso. 6º Pois, por muito respeito que mereça o vertido na douta sentença de que se recorre, o recorrente não pode, de modo algum, aceitar os fundamentos invocados para a rejeição dos aludidos pedidos. 7º Esta questão merece ser aprofundada de forma atenta e prudente. 8º Apreciemos, pois, o problema em causa. I –DA EXISTÊNCIA DE DOLO 9º Considerou o tribunal a quo que a procedência dos pedidos indemnizatórios referidos em c) e d) do artigo 2 supra, ficavam prejudicados pela não verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual, a saber: o facto ilícito. 10º Entendeu que, “não se vislumbra qual é o facto ilícito – ativo ou omissivo (onde reside a desconformidade entre o comportamento devido esperado e necessário para a realização da prestação) – que da matéria de facto dada como provada se possa imputar ao réu”. 11º Ora, com todo o devido respeito, dos factos dados como provados na sentença, resulta firme o dolo com o qual se comportou o recorrido (e o seu filho por ele nomeado para o representar) nas relações pré e pós contratuais. Senão vejamos: 12º Ficou provado no ponto 4 que: “Aquando dessas negociações, e indagado pelo autor quanto ao estado de funcionamento do veículo, nomeadamente no que diz respeito ao funcionamento do ar condicionado e aquecimento, foi garantido pelo referido … que tudo se encontrava em bom estado de funcionamento.” 13º Assim, das duas umas: a) Ou o … sabia que o aludido sistema não funcionava e mesmo assim disse o contrário para não travar a venda, b) Ou o … não sabia se o aludido sistema funcionava e mesmo assim afirmou que funcionava para não travar a venda. 14º Contudo, e tendo em conta que o recorrido e o seu filho são conhecedores no domínio da mecânica automóvel, seria mais de parecer que tinham conhecimento da avaria e quiseram oculta-la. 15º Até porque basta ligar o sistema para verificar se funciona ou não, não sendo necessário ser profissional da área para chegar a tal diagnóstico. 16º O que é certo é que ao responder que sim, o A. A. ou estava deliberadamente a mentir ou estava a falar sem saber. 17º O que, de uma forma ou de outra, é sempre condenável. 18º Pois se não sabia, deveria ter verificado antes de assegurar o bom funcionamento do sistema de ar condicionado e aquecimento. 19º Ou, no pior dos casos, verificava depois dessa infeliz afirmação, mas sempre antes da transmissão do bem, por forma a deixar o sistema operacional nos termos assim declarados aquando da entrega do veículo. 20º A resposta afirmativa aquela questão impulsionou a compra que não se teria realizado se o recorrente tivesse conhecimento da avaria. 21º Mas, adiantando nos factos dados como provados, considera-se no ponto 6 e em relação à falta dos encaixes de aperto dos cintos de segurança que: “A tal constatação, foi respondido que os encaixes se encontravam debaixo da alcatifa que cobria o chão do veículo, mas que tal situação seria reposta de forma a que os cintos de segurança funcionassem.” 22º Esse compromisso assumido (parte integrante na formação da vontade do recorrente e sem o qual também não se teria concluído a venda) não foi cumprido. 23º Pois provou-se que o veículo foi entregue sem os aludidos encaixes colocados (cf. ponto 11 da sentença). 24º E isso de forma dissimulada, não sendo referido pelo recorrido no momento da entrega, apesar de saber que tanto essa questão, como a questão do ar condicionado tinham sido levantadas nas relações pré-contratuais. 25º Se até ser questionado nas relações pré-contratuais, o recorrido poderia estar no desconhecimento dos vícios existentes, uma vez levantadas essas questões e acrescendo ao facto de se ter comprometido a corrigir um dos vícios existentes, o veículo já não podia ter sido entregue ao recorrente do jeito que foi. 26º Pois aí já não se pode negar a atuação dolosa do recorrido que entrega um automóvel sabendo que não se encontrava no estado em que afirmou ao recorrente que estava, nada dizendo sobre isso. 27º Atuando com culpa grave, no intuito de enganar o recorrente, vendendo um bem que sabe defeituoso. 28º Pois mesmo que, se à partida não o soubesse (o que mesmo assim se duvida), ficou a saber ou tinha obrigação de averiguar o estado de funcionamento quando foi alertado para os aludidos vícios. 29º Pois não podia o recorrido “assegurar ao autor que o veículo reunia todos os requisitos para a aprovação em inspeção periódica” como se provou que fez (cf. Ponto 8 da sentença recorrida). 30º Até porque também se provou que foi “acreditando naquelas afirmações que o autor adquiriu o veículo” (ponto 9 dos factos provados). 31º Bem sabendo o recorrido que a assim não ser, nunca teria conseguido vender o veículo em questão. 32º A única coisa que não se provou foi que o recorrido sabia que o veículo se destinava ao abate, mas tal não impede que tenha atuado com dolo e culpa grave quando entregou o veículo afirmando que o ar condicionado e aquecimento funcionavam, bem como os cintos de segurança e que o veículo tinha todos os requisitos para a aprovação em inspeção periódica. 33º Quando bem sabia, ou tinha obrigação de saber (pois para tal foi alertado para esses vícios) que o veículo não estava nas condições declaradas. 34º E mesmo se provou que as partes chegaram a acordo na redução do preço em 750,00€, também ficou provado que o recorrente pagou 1.400,00€ para aquelas reparações. 35º Sendo que o carro lhe foi vendido por 4.750,00€ com ar condicionado, aquecimento e cintos de segurança a funcionar. 36º A redução do preço e o documento de quitação celebrado entre as partes não “apagam” o dolo do recorrido que quis vender e vendeu um carro que bem sabia estar defeituoso. 37º De tudo quanto se expôs, não podem restar dúvidas quanto à culpa e ao dolo do recorrido que pretendeu enganar e enganou o recorrente. 38º Pois tendo em conta os factos provados em primeira instância, nunca se poderá conceder que o recorrido agiu isento de qualquer culpa, como vítima inocente em toda está história. 39º O recorrido tem de ser responsabilizado pelos prejuízos causados ao recorrente com a realização do contrato, na medida em que foi por sua culpa e com esse mesmo intuito que se deu na esfera jurídica do recorrente o erro sobre o objecto do negócio. 40º Verificada a culpa do recorrido, completam-se assim todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual que estabelece que “o devedor que faltar culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” (artigo 798º do CC). 41º Dispõe o artigo 908º do CC que “em caso de dolo, o vendedor, anulado o contrato, deve indemnizar o comprador do prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada”. 42º Ficaram provadas as seguintes despesas: c) 52,00€ de Imposto Único de Circulação, d) 92,25€ na homologação dos pneus do veículo em causa, e) 1.400,00€ despendido na oficina N. f) Taxa de parqueamento em dívida já num montante superior a 1.000,00€ (cf. Pontos 14, 15 e 22 da sentença recorrida). 43º Despesas num total de 2.544,25€ que o recorrente não teria sofrido se não fosse a realização do contrato anulado. 44º Devendo, por força do supra transcrito artigo 908º, serem todas estas quantias devidamente ressarcidas pelo recorrido ao recorrente. 45º Da mesma forma e tendo agido com dolo, deverá responder nos termos do artigo 496º, n.º 1 do CC. 46º Pois esta norma exige que o direito seja exercido de forma honesta e íntegra, de modo a não causar prejuízos injustificados ou mesmo frustrar expectativas devidamente fundadas da contraparte. 47º Ora, a compra do veículo consubstanciava um sonho de família pelo qual o recorrente se sacrificou, amealhando durante anos para poder concretizá-lo. 48º Tal sentimento foi partilhado com o recorrido que sabia que o veículo se destinava a passeios em família (cf. Ponto 26 dos factos provados). 49º Facilmente se pode imaginar a desilusão, a frustração e a revolta sentida pelo recorrente e pela sua família que ficaram sem o jeep tão desejado e sem o dinheiro dele. 50º Também se deve ter em conta todos os transtornos, perda de tempo e noites mal dormidas que vieram abalar a vida do recorrente em consequência da infeliz compra do veículo. 51º Todos esses danos morais, resultantes do contrato celebrado, merecem, pela sua gravidade, tutela do direito, devendo o recorrido ser condenado a pagar ao autor uma quantia nunca inferior a 500,00€ (quinhentos euros) nos termos do artigo 496º do CC. II – CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA E SE CONSIDERE QUE O RECORRIDO AGIU SEM CULPA, NÃO SE PREENCHENDO OS REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL 52º Ainda assim (o que não se admite mas que por mera hipótese se pondera), dispõe o artigo 909º que “nos casos de anulação fundada em simples erro, o vendedor também é obrigado a indemnizar o comprador, ainda que não tenha havido culpa da sua parte, mas a indemnização abrange apenas os danos emergentes do contrato”. 53º Ou seja, a distinção entre os artigos 908º (indemnização em caso de dolo) e 909º (indemnização em caso de simples erro) é que o primeiro abrange os danos emergentes e os lucros cessantes e o segundo apenas os danos emergentes. 54º Esclarece sobre o assunto o Supremo Tribunal de Justiça: “Tratando-se de anulação do contrato fundada em simples erro a ré é obrigada a indemnizar a autora pelos danos emergentes do contrato, conforme resulta do citado art. 909.º, devendo na determinação da indemnização atender-se, por exemplo, a despesas com o contrato, gastos tornados inúteis e oneração com deveres de ressarcir terceiros, designadamente clientes.” – Cf. Acórdão do STJ de 25/10/2011, no âmbito do processo 1453/06.9TJVNF.P1.S1 55º E a verdade é que todas as despesas discriminadas no artigo 42º do presente recurso consubstanciam danos emergentes, não tendo o recorrente reclamado qualquer quantia a título de lucro cessante. 56º Sendo a culpa do recorrido apenas requisito no caso de ser pretendido o ressarcimento de lucros cessantes decorrente da anulação do contrato, o que não é o caso. 57º A culpa do recorrido não é requisito necessário para ser ressarcido nos termos do artigo 909º do CC. 58º Pelo que, mesmo que não se verifique a culpa do recorrido, o recorrente sempre terá direito a ser indemnizado daquelas quantias. Termos em que se formulam as seguintes C ONCLUSÕES: A) A douta sentença, datada de 14/11/2018, julgou parcialmente procedente a ação de processo comum que correu seus termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz 1, da Comarca de Viana do Castelo, da qual é autor o ora recorrente. B) Na sua petição inicial, o recorrente peticionou a procedência da ação e em consequência, dos seguintes pedidos: “a) ser declarado anulado o contrato de compra e venda do veículo de matrícula … celebrado entre as partes, por força dos artigos 913º n.º 1 e 905º do CC; b) ser a réu condenado ao registo de propriedade do veículo em seu nome e ao pagamento ao autor da quantia de 4.000,00€ correspondente ao preço do veículo acordado entre as partes, nos termos do artigo 289, n.º 1 do CC; c) Ser o réu condenado ao pagamento de uma indemnização ao autor no valor de 2.544,25€, nos termos do artigo 908º do CC; d) E ainda, ser o réu condenado a apagar ao autor uma indemnização no valor de 500,00€ nos termos do artigo 496º, n, º 1 do CC." C) Procederam as alíneas a) e b). Contudo, o meritíssimo juiz a quo julgou improcedente o peticionado em c) e d). D) Recaindo nessa improcedência, ainda que parcial, o objeto do presente recurso. E) Pois, por muito respeito que mereça o vertido na douta sentença de que se recorre, o recorrente não pode, de modo algum, aceitar os fundamentos invocados para a rejeição dos aludidos pedidos. F) Considerou o tribunal a quo que a procedência dos pedidos indemnizatórios referidos em c) e d) do artigo 2 supra, ficavam prejudicados pela não verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual, a saber: o facto ilícito. G) Entendeu que, “não se vislumbra qual é o facto ilícito – ativo ou omissivo (onde reside a desconformidade entre o comportamento devido esperado e necessário para a realização da prestação) – que da matéria de facto dada como provada se possa imputar ao réu”. H) Ora, com todo o devido respeito, dos factos dados como provados na sentença, resulta firme o dolo com o qual se comportou o recorrido (e o seu filho por ele nomeado para o representar) nas relações pré e pós contratuais. Senão vejamos: I) Ficou provado no ponto 4 que: “Aquando dessas negociações, e indagado pelo autor quanto ao estado de funcionamento do veículo, nomeadamente no que diz respeito ao funcionamento do ar condicionado e aquecimento, foi garantido pelo referido A. A. que tudo se encontrava em bom estado de funcionamento.” J) Assim, das duas umas: a) Ou o … sabia que o aludido sistema não funcionava e mesmo assim disse o contrário para não travar a venda, b) Ou o … não sabia se o aludido sistema funcionava e mesmo assim afirmou que funcionava para não travar a venda. K) Contudo, e tendo em conta que o recorrente e o seu filho são conhecedores no domínio da mecânica automóvel, seria mais de parecer que tinham conhecimento da avaria e quiseram oculta-la. L) Até porque basta ligar o sistema para verificar se funciona ou não, não sendo necessário ser profissional da área para chegar a tal diagnóstico. M) O que é certo é que ao responder que sim, o A. A. ou estava deliberadamente a mentir ou estava a falar sem saber. O que, de uma forma ou de outra, é sempre condenável. N) Pois se não sabia, deveria ter verificado antes de assegurar o bom funcionamento do sistema de ar condicionado e aquecimento. Ou, no pior dos casos, verificava depois dessa infeliz afirmação mas sempre antes da transmissão do bem, por forma a deixar o sistema operacional nos termos assim declarados aquando da entrega do veículo. O) A resposta afirmativa aquela questão impulsionou a compra que não se teria realizado se o recorrente tivesse conhecimento da avaria. P) Por outro lado, considera-se no ponto 6 dos factos provados em relação a falta dos encaixes de aperto dos cintos de segurança que: “A tal constatação, foi respondido que os encaixes se encontravam debaixo da alcatifa que cobria o chão do veículo, mas que tal situação seria reposta de forma a que os cintos de segurança funcionassem.” Q) Esse compromisso assumido (parte integrante na formação da vontade do recorrente e sem o qual também não se teria concluído a venda) não foi cumprido. Pois provou-se que o veículo foi entregue sem os aludidos encaixes colocados (cf. ponto 11 da sentença). R) E isso de forma dissimulada, não sendo referido pelo recorrido no momento da entrega, apesar de saber que tanto essa questão, como a questão do ar condicionado tinham sido levantadas nas relações pré-contratuais. S) Se até ser questionado nas relações pré-contratuais, o recorrido poderia estar no desconhecimento dos vícios existentes, uma vez levantadas essas questões e acrescendo ao facto de se ter comprometido a corrigir um dos vícios existentes, o veiculo já não podia ter sido entregue ao recorrente do jeito que foi. T) Pois aí já não se pode negar a atuação dolosa do recorrido que entregue um automóvel sabendo que não se encontra no estado em que afirmou ao comprador que estava, nada dizendo sobre isso, atuando com culpa grave, no intuito de enganar o recorrente vendendo um bem que sabe defeituoso. U) E, apesar de não ter ficado provado que o recorrido sabia que o veículo se destinava ao abate, tal não impede que tenha atuado com dolo e culpa grave quando entregou o veículo afirmando que o ar condicionado e aquecimento funcionavam, bem como os cintos de segurança e que o veículo tinha todos os requisitos para a aprovação em inspeção periódica. V) Quando bem sabia, ou tinha obrigação de saber (pois para tal foi alertado para esses vícios) que o veículo não estava nas condições declaradas. W) Até porque também se provou que foi “acreditando naquelas afirmações que o autor adquiriu o veiculo” (ponto 9 dos factos provados). Bem sabendo o recorrido que a assim não ser, nunca teria conseguido vender o veículo em questão. X) A redução do preço e o documento de quitação celebrado entre as partes não “apagam” o dolo do recorrido que quis vender e vendeu um carro que bem sabia estar defeituoso. Y) De tudo quanto se expôs, não podem restar dúvidas quanto a culpa e ao dolo do recorrido que pretendeu enganar e enganou o recorrente. Pois tendo em conta os factos provados em primeira instância, nunca se poderá conceder que o recorrido agiu isento de qualquer culpa, como vítima inocente em toda está história. Z) O recorrido tem de ser responsabilizado pelos prejuízos causados ao recorrente com realização do contrato, na medida em que foi por sua culpa e com esse mesmo intuito que se deu na esfera jurídica do recorrente o erro sobre o objeto do negócio. AA) Verificada a culpa do recorrido, completam-se assim todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual que estabelece que “o devedor que faltar culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” (artigo 798º do CC). AB) Dispõe o artigo 908º do CC que “em caso de dolo, o vendedor, anulado o contrato, deve indemnizar o comprador do prejuízo que este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada”. AC) Ficaram provadas as seguintes despesas: a) 52,00€ de Imposto Único de Circulação, b) 92,25€ na homologação dos pneus do veículo em causa, c) 1.400,00€ despendido na oficina N. d) Taxa de parqueamento em dívida já num montante superior a 1.000,00€ (cf. Pontos 14, 15 e 22 da sentença recorrida). AD) Despesas num total de 2.544,25€ que o recorrente não teria sofrido se não fosse a realização do contrato anulado e que devem ser, por força do supra transcrito artigo 908º, devidamente ressarcidas pelo recorrido ao recorrente. AE) Da mesma forma e tendo agido com dolo, deverá responder nos termos do artigo 496º, n.º 1 do CC, pois esta norma exige que o direito seja exercido de forma honesta e íntegra, de modo a não causar prejuízos injustificados ou mesmo frustrar expectativas devidamente fundadas da contraparte. AF) Ora, a compra do veículo consubstanciava um sonho de família pelo qual o recorrente se sacrificou, amealhando durante anos para poder concretiza-lo. AG) Tal sentimento foi partilhado com o recorrido que sabia que o veículo se destinava a passeios em família (cf. Ponto 26 dos factos provados). AH) Facilmente se pode imaginar a desilusão, a frustração e a revolta sentida pelo recorrente e pela sua família que ficaram sem o jeep tão desejado e sem o dinheiro dele. AI) Também se deve ter em conta todos os transtornos, perda de tempo e noites mal dormidas que vieram abalar a vida do recorrente em consequência da infeliz compra do veículo. AJ) Todos esses danos morais, resultantes do contrato celebrado, merecem, pela sua gravidade, tutela do direito, devendo o recorrido ser condenado a pagar ao autor uma quantia nunca inferior a 500,00€ (quinhentos euros) nos termos do artigo 496º do CC. AK) AINDA ASSIM, CASO SE CONSIDERE QUE O RECORRIDO AGIU SEM CULPA, não se preenchendo os requisitos da responsabilidade civil contratual (o que não se admite mas que por mera hipótese se pondera), dispõe o artigo 909º q u e “nos casos de anulação fundada em simples erro, o vendedor também é obrigado a indemnizar o comprador, ainda que não tenha havido culpa da sua parte, mas a indemnização abrange apenas os danos emergentes do contrato”. AL) Ou seja, a distinção entre os artigos 908º (indemnização em caso de dolo) e 909º (indemnização em caso de simples erro) é que o primeiro abrange os danos emergentes e os lucros cessantes e o segundo apenas os danos emergentes. AM) Esclarece sobre o assunto o Supremo Tribunal de Justiça: “Tratando-se de anulação do contrato fundada em simples erro a ré é obrigada a indemnizar a autora pelos danos emergentes do contrato, conforme resulta do citado art. 909.º, devendo na determinação da indemnização atender-se, por exemplo, a despesas com o contrato, gastos tornados inúteis e oneração com deveres de ressarcir terceiros, designadamente clientes.” – Cf. Acórdão do STJ de 25/10/2011, no âmbito do processo 1453/06.9TJVNF.P1.S1 AN) E a verdade é que todas as despesas discriminadas no artigo 42º do presente recurso consubstanciam danos emergentes, não tendo o recorrente reclamado qualquer quantia a título de lucro cessante. AO) A culpa do recorrido não é requisito necessário para ser ressarcido nos termos do artigo 909º do CC. AP) Pelo que, mesmo que não se verifique a culpa do recorrido, o recorrente sempre terá direito a ser indemnizado daquelas quantias. TERMOS EM QUE, E NOS QUE V.ªS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, CONHECENDO E DECIDINDO SOBRE OS PEDIDOS INDEMNIZATÓRIOS FORMULADOS NA PETIÇÃO INICIAL, A SABER: A) SER O RÉU CONDENADO AO PAGAMENTO DE UMA INDEMNIZAÇÃO AO AUTOR NO VALOR DE 2.544,25€, NOS TERMOS DO ARTIGO 908º DO CC OU SE ASSIM NÃO SE ENTENDER, NOS TERMOS DO ARTIGO 909º DOCC. D) E AINDA, SER O RÉU CONDENADO A APAGAR AO AUTOR UMA INDEMNIZAÇÃO NO VALOR DE 500,00€ NOS TERMOS DO ARTIGO 496º, N,º 1 DO CC.C) ASSIM SE FAZENDO A MAIOR JUSTIÇA.” O réu apresentou as suas alegações, assim concluídas: “1º) O presente recurso tem por objeto fazer reapreciar a sentença recorrida que, inscrevendo dogmaticamente os factos que integram a causa de pedir numa compra e venda de coisas defeituosas onde se aplica o estatuído nos artºs 905º e ss e 913 e ss do CC, declarou a anulação da mesma por simples erro, com a consequente obrigação para o Recorrente de restituição ao Recorrido do preço recebido de 4.000 €. 2º) Acontece que o exercício daquele direito se encontra caducado, tendo o Tribunal a quo aplicado incorretamente o prazo de caducidade de um ano desde o conhecimento do erro constantes do regime geral do cc quando} até em contradição com o que havia inicialmente havia afirmado} os mesmos decorrem do regime especial previsto nos artºs. 916 e 917 do cc que dispõe existir caducidade de ação de anulação por simples erro: a) caso a denúncia não seja feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa ou b) caso a ação dê entrada após seis meses sobre a denúncia; 3º) Resulta provado nos autos} nomeadamente nos pontos 1} 16} 17 e 23 do elenco da matéria provada} que: i) os "defeitos" foram conhecidos em dezembro de 2016 ii) A coisa foi entregue em Setembro de 2016 iii) A denúncia foi feita em 26.04.2017 iv) A ação deu entrada em juízo em 02.11.2017; 4º) Perante estes factos é fácil constatar que a denúncia} apesar de feita dentro dos seis meses após a entrega da coisa} não foi feita dentro dos 30 dias posteriores ao conhecimento dos defeitos (dezembro de 2016 a 26.04.201n nem tão pouco a presente ação foi interposta para lá dos seis meses após a denúncia dos defeitos (26.04.2017 a 02.11.2017); 5º) Violou, assim, o Tribunal a quo o disposto nos artºs. 916º e 917º do CC} sendo ostensiva a existência da arguida exceção de caducidade de ação, existindo até, e por excesso} um duplo fundamento para a sua procedência; Termos em que, deve a sentença proferida ser revogada e substituída por acórdão que julgue a ação totalmente improcedente Assim decidindo, Senhores Juízes Desembargadores, farão Vossas Excelências a devida”. Ao recurso do autor respondeu o réu, alegando, como questão prévia, que as 42 conclusões do recurso por aquele apresentadas são mera repetição integral do corpo das alegações, pelo que não podem ser consideradas para efeitos de cumprimento do dever estatuído no artº 639º, nº 1, CPC, tal equivalendo a falta delas, devendo o recurso ser rejeitado, conforme jurisprudência que cita. Quanto ao mais, à cautela, defende que deverá manter-se a decisão proferida. O autor não respondeu ao recurso do réu. Foram admitidos ambos os recursos como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo. Corridos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC. No caso, temos: -questão prévia: rejeição do recurso do autor; -recurso do autor: indemnizações; -recurso do réu: caducidade do direito de anulação. III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO O tribunal recorrido, nesta sede decidiu, julgar provados os seguintes factos: ”1 - Em Setembro de 2016 foi celebrado entre as partes uma compra e venda do veículo automóvel de marca (…) com o número matrícula … pelo preço de 4.750,00€ (quatro mil e setecentos e cinquenta euros). 2 - No âmbito daquele negócio jurídico, o réu, enquanto proprietário do veículo, assumiu a qualidade de vendedor, e o autor, a qualidade de comprador. 3 - As negociações para concretização da referida venda foram empreendidas por intermédio de (…), filho do réu e nomeado por este para o efeito. 4 - Aquando dessas negociações, e indagado pelo autor quanto ao estado de funcionamento do veículo, nomeadamente no que diz respeito ao funcionamento do ar condicionado e aquecimento, foi garantido pelo referido (…) que tudo se encontrava em bom estado de funcionamento. 5 - Sendo o veículo de sete lugares, foi observado pelo autor que no banco traseiro não eram visíveis os encaixes de aperto dos cintos de segurança. 6 - A tal constatação, foi respondido que os encaixes se encontravam debaixo da alcatifa que cobria o chão do veículo, mas que a situação seria reposta de forma a que os cintos de segurança funcionassem. 7 - Reparou também o autor que o para-choques e o tubo de escape eram diferentes da linha de origem, o que o fez questionar o Sr. A. A. se o veículo se encontrava em condições de ser aprovado na inspeção periódica. 8 - Foi então assegurado ao autor que o veículo reunia todos os requisitos para a aprovação em inspeção periódica. 9 - Acreditando naquelas afirmações, o autor adquiriu o veículo, pelo preço acordado de 4.750,00€, o qual pagou na integralidade, entregando a quantia de 50,00€ em espécie e fazendo três transferências bancárias: duas no dia 31/08/2016, no montante de 1.500,00€ cada e a última no dia 1/09/2016, no montante de 1.700,00€. 10 - Nesse mesmo dia 1/09/2017, uma vez pago a totalidade do preço, foi o veículo, juntamente com as respetivas chaves e documentos, entregues ao autor. 11 - O Autor constatou de imediato que o ar condicionado não funcionava, que o veículo não se encontrava dotado com os encaixes dos cintos traseiros e que os para-choques da linha de escape que apetrecham o veículo não são de origem, nem sequer homologáveis. 12 - O Autor procedeu às reparações necessárias, mencionadas em 11), tendo pago a quantia de 1.400,00€ (mil e quatro centos euros), na oficina N. em 18/11/2016. 13 – Em consequência da necessidade das reparações mencionadas em 12), chegaram então as partes a acordo no sentido da redução do preço do automóvel em questão, no valor de 750,00€, tendo assinado uma declaração de quitação, datada de 25 de outubro de 2016. 14 – O Autor teve ainda de pagar a quantia de 92,25€ (noventa e dois euros e vinte e cinco cêntimos) para a homologação dos pneus do veículo em causa nos autos. 15 – O Autor pagou o devido Imposto Único de Circulação, no valor de 52,00€. 16 - Chegado o mês de dezembro de 2016, mês em que o veículo adquirido teve de ser apresentado à inspeção periódica, o veículo não foi aprovado pelos seguintes motivos: - Equipado com motor não original; - Sem chapa de construtor; - Lotação de 5 lugares; - Ambas as longarinas cortadas. 17 – As circunstâncias descritas em 16), eram até então, desconhecidas para o Autor. 18 – O facto de o veículo em questão se encontrar equipado com motor não original e sem chapa de construtor inviabiliza totalmente a aprovação da inspeção pelo instituto de Mobilidade e dos Transportes. 19 - O único destino da viatura em questão nos autos é o abate. 20 - O Autor ainda descobriu que, no momento em que a viatura foi por ele adquirida, já se encontrava a decorrer um processo na Direção Regional de Mobilidade e Transportes do Norte, para averbamento da chapa de construtor, aberto desde 25/02/2014. 21 - Estando impedido de circular, o veículo em causa encontra-se parqueado na oficina de reparação N. desde o dia 27 de outubro de 2016. 22 - O autor foi notificado em 27/01/2017 que teria de pagar uma taxa de parqueamento de 10€ por dia, contados do dia 11/11/2016, pelo que esse valor, ainda em dívida, ultrapassa hoje o montante de €1.000,00. 23 - O Autor remeteu ao Réu uma carta regista datada de 26/04/2017 em que, alegando que o veículo não tem qualquer possibilidade de legalização e que o mesmo nunca serviu nem nunca poderá servir o seu propósito, na medida em que se encontra em definitiva ilegalidade, destinando-se ao abate, e que, o réu tinha total conhecimento de tal circunstância, requer a nulidade do negócio celebrado, com a restituição de tudo quanto foi prestado. 24 - O Autor, em 25 de Outubro de 2016, emitiu ao ora Réu, a seguinte Declaração de Quitação, a que se alude no número 13), com o seguintes teor: “ Eu, abaixo-assinado, (…), casado, residente na rua (…) União de Freguesias de (…), titular do cartão de cidadão n.º (…), válido até 02/0772020, contribuinte n.º (…) declaro, para os devidos efeitos que recebi nesta data a quantia de € 750,00 ( Setecentos e cinquenta euros ) de (…), residente na rua (…), Viana do Castelo e que com o recebimento de tal montante: a) me considero integralmente ressarcido pela falta de conformidade do veículo automóvel de matrícula …, que adquiri a este; b) aceito o referido veículo nas condições em que se encontra, nada mais tendo a exigir do indicado …, relacionado com o mencionado veículo, seja a que título for. “ 25 – O Réu adquiriu a viatura em causa no dia 18.05.2016 a (…) residente na Rua (…) na freguesia de …, concelho de Ponte de Lima. 26 – O Autor com a compra do veículo em questão nos autos pretendia ter um carro todo o terreno, com 7 lugares que permitisse viajar com toda a família, facto quer era conhecido do Réu. 27 – A presente ação deu entrada em juízo a 02 de novembro de 2017.” Mais considerou como não provados os seguintes: “A) O réu sabia que se encontrava a decorrer um processo na Direção Regional de Mobilidade e Transportes do Norte, para averbamento da chapa de construtor, uma vez que a viatura foi por ele apresentada à última inspeção periódica em 06 de fevereiro de 2016. B) O Réu sabia que o veículo tinha defeitos ainda não detetados pelo Autor, aquando da assinatura do acordo de redução do preço. C) O Autor sofreu desgosto, transtornos, perdas tempo e noites mal dormidas que vieram em consequência da compra do veículo em questão nos autos. D) O Autor sente-se engando e revoltado pois o Réu sabia da existência dos defeitos do veículo e nada disse, ou melhor, mentiu, com o intuito de se concretizar a venda, consciente do prejuízo que tal venda iria acarretar para o Autor. *Os restantes factos constantes da petição e contestação que não figuram nos acima referidos “ Provados “ e “ Não Provados “, foram considerados inócuos/conclusivos, e/ou de direito, ou ficaram prejudicados pela prova/não prova dos restantes. “ IV. APRECIAÇÃO Questão prévia Embora só o réu, também recorrente, tenha suscitado a questão da rejeição do recurso do autor por falta de conclusões, a verdade é que o problema é matricialmente comum e discutível quanto a ambos. É verdade que o autor, na parte final da sua peça recursiva, mais não fez que reproduzir, por copy past em 42 extensos parágrafos com letras alfabéticas e sob o título de conclusões, o longo texto inicial de 58 parágrafos numerados das alegações, em substância sem proceder à síntese, tal como exigida no nº 1, do artº 939º, e, limitando-se, na forma, a mascarar aquelas com a agregação de alguns destes em algumas das alíneas. Não o é menos que o réu enveredou por método semelhante, transpondo para as 5 conclusões praticamente o mesmo texto das alegações, embora despido de dois parágrafos irrelevantes e revestido de forma aparente com o arranjo cosmético de algumas das orações. A diferença está na extensão e densidade: enquanto o texto do réu é curto e evidente, permitindo perceber, com relativa facilidade, o que pede (caducidade) e por que pede (decurso dos prazos de denúncia e de instauração da acção), o do autor é longo, prolixo, repetitivo, divagante, excessivo e confuso (misturando alusões a vícios da coisa resolvidos, que foram alvo de acordo entre as partes, com outros fundamentadores da invalidade do negócio), complicando a percepção sobretudo dos fundamentos relevantes em que pretende fazer assentar os pedidos indemnizatórios. Já muitas vezes escrevemos, tão frequente e resiliente é o problema, que, entre os pilares do novo Código de Processo Civil implantados pelo legislador, avultam os do apelo a uma “nova cultura judiciária” norteada pela eficácia, “desincentivando a inútil prolixidade” e a “artificiosa complexização da matéria litigiosa” com “injustificável prolixidade das peças processuais produzidas, totalmente inadequadas à real complexidade da matéria do pleito”. (3) Pontificam, pois, em geral, os princípios da simplicidade e da economia. Concluir significa, ao cabo de um percurso analítico-argumentativo mais amplo e profundo, criteriosamente sustentado, orientado e validado por um raciocínio lógico, extrair deste, em proposições breves, a essência dos fundamentos de uma tese. A tese de um recorrente que se não conforma com certa decisão judicial e se propõe atacá-la e alterá-la, há-de redundar na anulação, modificação ou revogação dela. Os fundamentos do ataque hão-de assentar nas razões, factualmente sustentadas e juridicamente consequentes, substanciadoras da sua invalidade ou erro. Para discorrer sobre estas, servem as alegações. Para expor aquelas, as conclusões. As conclusões não prescindem de uma laboriosa operação intelectual necessária para, primeiro, atingir e extrair aquela essência e, depois, para a expor de forma breve, clara, precisa e concisa. Tal operação não se fica nem se basta com um mero resumo textual dos argumentos expostos ao longo das alegações. Menos ainda com a mera repetição destas. Assim, ao peticionar, num recurso, a alteração ou a anulação de uma decisão, seja a proferida sobre a matéria de facto seja a proferida sobre a matéria de direito, o recorrente tem o ónus de indicar, na síntese conclusiva exigida pelo artº 639º, nº 1, os fundamentos de qualquer desses pedidos eventualmente formulados. (4) Bem assim, neste último caso, o ónus de fazer as indicações previstas no nº 2. (5) Como preconiza o STJ, em Acórdão de 18.06-2013 (6): “I - O recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida). II - Essas conclusões devem ser idóneas para delimitar de forma clara, inteligível e concludente o objecto do recurso, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação que deduz e que o tribunal superior cumpre solucionar. III - Não devem valer como conclusões arrazoadas longas e confusas em que se não discriminam com facilidade as questões invocadas.” (7) Ou, ainda mais pedagogicamente, no Acórdão de 09-07-2015 (8): “2.1. A clareza do art. 639º, nº 2, do NCPC (tal como do art. 685º-A, nº 2, do anterior CPC), aliada à natureza do acto de interposição de recurso, implicando a interpelação de um Tribunal Superior, faria crer que as alegações fossem tratadas com o adequado rigor. Porém, são frequentíssimas as situações que revelam um claro desrespeito de regras formais elementares, quer ao nível da motivação, quer no segmento da formulação das respectivas conclusões. […] 2.2. A lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos da revogação, modificação ou anulação da decisão. Rigorosamente, as conclusões devem corresponder aos fundamentos que justificam a alteração ou a anulação da decisão recorrida, traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto), sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário apresentados no sector da motivação. As conclusões exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, nº 3, devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, aquilo que o recorrente efectivamente pretende obter (revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida), as conclusões das alegações devem respeitar na sua essência cada uma das als. do nº 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida.” Tal é a importância jurídica e prática das conclusões que deve ser logo liminarmente indeferido o recurso em cujas alegações elas se não contenham ou não ser conhecido aquele em que, havendo-as mas irregulares, se não corrijam as suas deficiências – artºs 641º, nº 2, b), e 639º, nº 3. O ónus de formular conclusões não constitui, portanto, letra morta, nem deve ser ignorado, iludido ou defraudado, sobretudo perante tribunais superiores. Nem estes devem, nem podem, ser indulgentes em face do modo como as partes, sujeitas ao princípio da auto-responsabilidade, o cumprem (tanto mais que representadas por advogado tecnicamente sabedor e preparado, cujo patrocínio obrigatório se funda legitimamente na necessidade de conhecer e observar, com diligência, regras de direito adjectivo que as partes, apesar se lhes imporem, não dominam nem exercitam). (9) Tal cumprimento constitui, pois, não só garantia para a parte de que todas as questões assim bem expostas, mas não mais que essas, serão facilmente captadas e percebidas, plenamente apreciadas e eficientemente decididas, como também condição de melhor e mais rápido desempenho pelo tribunal da sua tarefa cometida pelo nº 2, do artº 609º (questões a resolver). Bem assim, do pleno e eficaz exercício do contraditório pela parte contrária. Aliás, ao próprio tribunal superior se impõe que, no julgamento, como refere o artº 659º, nº 2, CPC, o relator faça “sucinta apresentação” do projecto de acórdão para votação e que este, nos termos do artº 663º, nº 2, príncipe pelo relatório em que “se enunciem sucintamente as questões a decidir no recurso”. Como, enfim, mais resumidamente, referimos no Acórdão desta Relação de 24-01-2019 (10), a reprodução do texto das alegações em capítulo intitulado como conclusões, não obedece ao disposto no nº 1, do artº 639º, do CPC. A síntese aí exigida, face ao sentido e finalidade da norma, pressupõe a elaboração e apresentação de uma breve, clara, precisa e concisa menção da essência dos fundamentos que o recorrente tenha tido em vista e explanado nas alegações para, salientando os preconizados erros ou invalidades, atacar a decisão recorrida, não devendo aquela traduzir-se numa simples e cómoda reprodução textual dos argumentos desenvolvidos e vertidos ao longo da peça, ainda que cortado ou encurtado. Para cumprirem a sua função cometida na lei, as conclusões devem espelhar o resultado de um sério e esforçado labor intelectual indispensável para, sem perder de vista as regras técnico-jurídicas, cogitar, discernir e enumerar organizadamente, sob a aparência de questões dirigidas ao tribunal e sobre as quais este deve pronunciar-se e responder (segundo os seus traços qualitativamente mais distintos e característicos), as alterações pretendidas ou as invalidades arguidas quanto à decisão alvo do recurso e os fundamentos respectivos, aí não tendo lugar o relatório dos autos, transcrições de depoimentos, citações de normas, doutrina e jurisprudência, nem os meros argumentos. É nisso e em tais termos que consiste a exposição sintética exigível. Ora, se é geral o entendimento de que a mera reprodução, a título de conclusões, do texto das alegações não satisfaz a exigência legal prevista no nº 1, do artº 639º, já não o é distinguir quando se verifica falta absoluta delas e, consequentemente, se, para o caso assim não considerado de copy past, deve ou não usar-se a terapêutica do convite ao aperfeiçoamento. De um lado, perfila-se a tese de que, considerando não existirem conclusões verdadeiras por as assim designadas serem mera reprodução do corpo das alegações, o recurso deve ser rejeitado (alínea b), do nº 1, do artº 641º, CPC) (11). Nós próprios a temos seguido. (12) Do outro, a de que, reconhecendo-se embora a apresentação de conclusões em tais termos como um simulacro, ainda assim pode e deve convidar-se o prevaricador a um aperfeiçoamento, nos termos do nº 3, do artº 639º, do CPC. (13) Toda a Doutrina e Jurisprudência reconhece e verbera a prática como ofensiva do comando normativo estabelecido na lei. Alguma, no entanto, teima em negar-lhe as consequências devidas, conformando-se com a sugestão paliativa de aperfeiçoamento, não raro mal acatada. Como no já referido Acórdão de 29-06-2017, escrevemos, não pode ficcionar-se que o copy past do corpo das alegações para um capítulo sugestivamente intitulado conclusões representa uma tentativa frustrada de cumprir o ónus de síntese, merecedora de convite a correcção e aperfeiçoamento, mediante um exercício de aparente interpretação generosa da lei preconizado como hábil e tolerante, inspirado em razões de oportunidade não contempladas na respectiva letra (in claris non fit injuria) e contrárias ao pensamento legislativo, com apelo a um poder de criar normas que, por princípio, não cabe aos tribunais (como já se alertou em sumário do Acórdão do STJ, de 13-11-2014 (14)). Tal método conduz ao nada. E o nada não é perfeito nem imperfeito. É nada. Por isso, não corrigível. De onde nem sequer existe um esboço de algo, não pode pretender-se tirar-se esse algo. A não ser, ficcionando o convite, conceder nova oportunidade para, orientadamente, contornando a preclusão, cumprir um ónus que as partes têm obrigação de conhecer e espontaneamente observar. Contornar esta evidência, é atentar contra o claro desígnio do legislador, normativamente plasmado no regime de recursos e, entre outros, nos artigos 637º a 639º e 641º, do CPC, de regular, com disciplina e rigor, o exercício do inerente direito, impondo consequências preclusivas fatais compreensivelmente justificadas pelo acesso ao tribunal superior e com patrocínio obrigatório presumivelmente apto e responsável pelo seu cumprimento. Ainda há pouco, no Acórdão desta Relação de 24-01-2019 (15), depois de exaustiva indagação do estado do problema e de aprofundada e incisiva defesa da tese da rejeição, se resumiu: “1. Verificando-se a falta, em peça processual da alegação de recurso de apelação, das “conclusões”, a que alude o nº1, do art. 639º, do CPC (indicação sintética das questões colocadas pelo recorrente, que define e delimita o objeto do recurso), os apelantes têm de suportar a consequência do incumprimento do ónus de as formular - a rejeição do recurso, em obediência ao consagrado na al. b), do nº2, do art. 641º, de tal diploma; 2. A deficiência, obscuridade ou complexidade das conclusões das alegações de recurso - passíveis de despacho de aperfeiçoamento - são vícios de conclusões, que pressupõem a existência de esboço de síntese dos fundamentos do recurso; 3. Ocorre efetiva, real e absoluta falta de objeto do recurso-as “conclusões”, definidas na lei adjetiva como indicação sintética dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – e não mero vício, na situação de a apelante, embora usando tal título ao finalizar a alegação de recurso de apelação, reproduzir ipsis verbis e integralmente o antecedente corpo das suas alegações, pois que tal inútil eco do já dito nenhuma síntese dos invocados fundamentos revela. E o esboço de síntese não se verifica em nominadas “conclusões” que apenas repetem, com insignificantes alterações de pormenor na redação e agrupamento, o teor integral do corpo das alegações; 4. Aquela consequência (rejeição do recurso) justifica-se nesta situação de falta de rigor, sem que tal se mostre desproporcional nem excessivo, pois que, tendo a parte o ónus de formular as definidas conclusões, sem o que se decorrem, automaticamente, os efeitos gravosos da rejeição do recurso (em materialização do princípio da auto-responsabilização das partes), a mesma nem sequer um esboço de esforço nesse sentido desenvolveu; 5. O privilegiar-se decisões de mérito relativamente às de forma não afasta a obrigatoriedade de observância de ónus consagrados, com as consequências estipuladas para a respetiva falta de cumprimento; 6. Havendo norma expressa a regular a questão da falta de apresentação de conclusões e ocorrendo a falta em causa, segundo a definição legal, nenhum dever de colaboração do juiz com os apelantes, sequer dever no âmbito de gestão processual do Tribunal, tendente a aperfeiçoamento, existe, atenta a consequência expressamente consagrada e a aplicar, sob pena de se cair, adjetivamente, no reino onde vale tudo, com prejuízo para as partes, os cidadãos e o Estado, interessados na realização da justiça, que vê o seu campo fértil em processo equitativo e célere;” Para a respectiva explanação se remetendo sem mais delongas, é altura de, quanto a cada um dos recursos, tirar as consequências. Recurso do réu Ora, no presente caso, relativamente às conclusões do réu, apesar de formalmente imperfeitas, elas, dados os seus termos curtos e fundamentos simples, evidenciam, suficiente e satisfatoriamente, a substância da questão suscitada: -Ocorre caducidade do direito de acção por denúncia dos vícios e instauração do processo fora dos prazos legais? Vamos então já tratar dela, na perspectiva da sua lógica precedência jurídica. O autor estribou o seu pedido de anulação do negócio – que acabou julgado procedente – no regime da venda de coisa defeituosa. O artº 913º, nº 1, prevê que se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim – em que sobressai, no caso, como essencial, a circulação do veículo e transporte do seu dono e quem mais lhe aprouver – observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito os artºs 905º e sgs., salvo naquilo for modificado nas normas àquela subsequentes, designadamente nos artºs 914º a 917º. Com efeito, se é certo que, relativamente a uma parte dos vícios inicialmente detectados (ar condicionado, encaixes dos cintos, pára-choques e escape), as partes celebraram um acordo que confluiu na reparação dele pelo próprio autor e culminou até na redução do preço (pontos provados nºs 13 e 24), não o é menos que, em Dezembro de 2016, ele descobriu outras anomalias que impedem a aprovação técnica do veículo, o tornam inapto para circular regularmente e, como seu único destino, determinam apenas o abate (pontos 16 a 19), apesar da natureza do bem (veículo automóvel) e da finalidade para que consabidamente o adquiriu (ponto provado 26). O artº 905º admite, nas condições nele estipuladas, que o negócio é anulável por erro ou dolo, desde que no caso se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade. Na sentença, o tribunal a quo, entre múltiplas considerações teóricas, entendeu, quanto ao caso concreto, que: “Resulta da matéria de facto dada como provada que o A. celebrou o negócio na convicção de que o veículo em questão nos autos se encontrava em condições de circular, convicção essa que se revelou estar errada, após o veículo ter sido submetido à inspeção periódica, dado que veio a ser surpreendido com a informação …. Ora, se soubesse que o veículo não se encontrava em condições de poder circular, não teria celebrado o negócio, o que o Réu bem sabia. A presente ação enquadra-se assim, em termos de pedido e causa de pedir no âmbito dos vícios da vontade, devendo ser analisado o caso concreto à luz do erro sobre os motivos determinantes da vontade sobre o objeto do negócio…”. Consequentemente: “…demonstrado que se encontra que o A. celebrou o contrato de compra e venda do veículo em questão nos autos para com este viajar acompanhado da sua família, era essencial para a realização do negócio em questão, para o Autor, que o veículo se encontrasse em condições de circular, o que face ao conhecimento posterior por parte do A. de que o veículo em questão não se encontrava equipado com motor original e sem chapa de construtor, se encontrava inviabiliza totalmente a aprovação da inspeção pelo Instituto de Mobilidade e dos Transportes e consequentemente o mesmo jamais poderá circular. Igualmente demonstrado ficou que o Réu conhecia a essencialidade do elemento sobre que recaiu o erro de que se aperceberam posteriormente, ou seja, o R. sabia, ou pelo menos não podia ignorar, que o A. apenas pretendia comprar o veículo para viajar com a sua família, o que ficou bem patente logo na exigência por parte do A. que o veículo em questão possuísse ar condicionado e possuísse os encaixes dos cintos traseiros, o que implica o êxito da pretensão anulatória do contrato de compra e venda do veículo em questão nos autos…” Daí a decidida procedência dos pedidos de anulação do negócio e de restituição das prestações. “A anulação implica para o R. a obrigação de restituir o preço, ou seja o montante de € 4.000,00, pagos pelo A. e peticionados por este. ”. Decisão esta cujos fundamentos e sentido ninguém questionou. Sucede que, na contestação, havia sido, pelo réu, arguida caducidade do direito, por o autor ter tomado conhecimento dos factos em que fundamentara a pretensão de anular o contrato em Dezembro de 2016 e apenas lhos ter comunicado pela carta de Abril de 2017, sustentando que decorreram mais do que os dois meses a que se refere o Decreto-Lei nº 67/2003 (que considerou, então, aplicável) para tal denúncia e mais do que seis meses para instaurar a acção. A este respeito ajuizou-se na sentença, somente: “Quanto à tempestividade da presente ação, resultou provado que o A., apenas em dezembro de 2016 tomou conhecimento que o veículo por si adquirida jamais poderia circular, por impossibilidade de legalização do mesmo, portanto, o erro em que incorria até a esse conhecimento em dezembro de 2016 (ou seja, o A. até essa data estava convencido que o veiculo possuía todas as características exigidas para a respetiva circulação) , cessa na referida data, e a partir de dezembro de 2016, o A. dispõe de uma ano para intentar a respetiva ação de anulação do contrato de compra e venda, o que face à data de entrada da petição inicial em juízo – 02 de novembro de 2017, se encontra cumprido. ”. Assim deixou, pois, subtendida a improcedência da excepção de caducidade. O réu, insistindo nela, contrapõe agora que o prazo a ter em conta não é o geral de um ano mas os especiais previstos nos artºs 916º e 917º. Tem razão. Deixando-se esclarecido que ao caso não é aplicável o regime da venda de bens de consumo previsto no Decreto-Lei nº 67/2003, de 08 de Abril, pela simples razão de que não foi alegado, muito menos está demonstrado, que o vendedor seja e tenha agido como profissional do ramo e o comprador como consumidor (mas antes como simples particulares), ou seja, no âmbito preconizado no nº 1, do artº 1º-A, e na definição traçada na alínea a), do artº 1º-B, importa ter em conta – o que não sucedeu na decisão recorrida – que o regime do artº 905º e sgs., aplicável ex. vi do artº 913, tem de compaginar-se com “tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes” e, por isso, nomeadamente, dos artºs 916º e 917º. Ora, resulta da primeira dessas normas, quanto à questionada tempestividade da necessária denúncia dos defeitos (16), uma vez que – note-se – nem de facto nem de direito (17) o tribunal julgou demonstrado o dolo (nº 1), que ela deve ser feita até trinta dias depois de eles se tornarem conhecidos e dentro de seis meses após a entrega da coisa (nº 2). Ao passo que, da segunda, colhe-se que a acção de anulação por simples erro (artº 909º) caduca, findo qualquer daqueles prazos (os fixados no artigo anterior) sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses. Assim sendo, como é, afastando-se o prazo geral levado em conta na sentença, ocorre, como diz o réu dupla caducidade: -do direito de denúncia, porque, tendo os defeitos que estiveram na base da anulação sido conhecidos em Dezembro de 2016 só os denunciou em Abril de 2017 (ponto de facto 23), ou seja, muito para lá dos 30 dias estabelecidos no artº 916º, nº 2, e até dos dois meses de que beneficiam os consumidores; -do direito de acção, porque, instaurada esta apenas em 02-11-2017 (ponto de facto provado nº 27), manifestamente estava excedido o prazo de seis meses consignado para o efeito no artº 917º. Não tendo, pois, o acto considerado por lei impeditivo da caducidade sido praticado dentro do prazo, aqueles direitos extinguiram-se – artº 331º. Daí que, procedendo o recurso do réu, tem de ser revogada a sentença, na parte em que, julgando procedentes os dois pedidos a) e b) do autor, declarou anulado o contrato e nos actos restitutórios consequentes. (18) Recurso do autor. Nos termos referidos e na linha da orientação jurisprudencial que adoptámos, deve ser rejeitado e não conhecido. Ad cautelam… Mesmo que, conforme referido, num entendimento mais complacente dos seus requisitos, ele acabasse por ser apreciado, considerando que os pedidos indemnizatórios jamais poderão partir de qualquer outro fundamento que não seja aquele em que se estribou – consolidadamente, como se disse – a anulação decretada e não questionada – ou seja, por simples erro, nos termos do artº 909º - e, portanto, que, em tal caso, a possível indemnização circunscreve-se aos danos emergentes, a verdade é que os valores a tal título peticionados, por um lado, resultaram de gastos sem conexão comprovadamente relevante com os factos objecto do erro que deram origem à anulação. Com efeito, o imposto pago (IUC) é devido pelo proprietário na altura da respectiva liquidação pelo Fisco; ignoram-se as razões por que o autor “teve de pagar” a homologação dos pneus; os 1.400€ respeitam às reparações dos outros defeitos contemplados no acordo de redução do preço e, presumem-se, portanto, consensualmente aí compensados; e quanto ao parqueamento, desconhecem-se os motivos por que o veículo ficou estacionado numa oficina e qual a razão por que o autor “teve de pagar” ao dono esse serviço. Por outro lado, quanto a danos não patrimoniais (500,00€), nenhum facto dos alegados a tal propósito resultou provado – cf. C) e D), não impugnados – capaz de preencher os requisitos exigidos no artº 496º, para mais tendo em conta que o autor comprou um veículo com 23 anos, pelo preço inicial de 4.750,00€, em relação ao qual, apesar das garantias dadas e dos direitos advenientes do contrato, sempre, como é das regras da experiência comum na matéria, qualquer pessoa tem de contar com alguns contratempos. Anote-se, de resto, que, nem a título principal nem subordinado, o autor impugnou a sentença na parte em que decretou a anulação com fundamento, apenas, em simples erro e não no dolo, e aquele em relação aos defeitos que impedem o veículo de circular e destinado a abate e não aos demais contemplados no acordo que os sanou. Ao que parece, o seu recurso circunscrevia-se à revogação dela na parte em que julgou improcedentes os pedidos indemnizatórios, pretendo quanto a tal revogá-la e obter a respectiva procedência. Por isso, sempre seria de concluir que nenhum reflexo tal recurso teria sobre o decidido quanto ao do réu quanto à caducidade (mormente prazos). Em suma, sempre seria fatal a improcedência da apelação do autor e de manter a improcedência e absolvição quanto aos pedidos indemnizatórios. V. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em: a) Não tomar conhecimento do recurso do autor. b) Julgar procedente o recurso do réu e, em consequência, dando provimento à respectiva apelação, revogar a decisão recorrida na parte que julgou a acção procedente e declarou anulado o contrato, com os inerentes efeitos, julgando-a também quanto a tais pedidos improcedente e dele absolvendo o réu (como já o fora dos demais). *Custas de ambas as apelações pelo autor – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP). * Notifique. Guimarães, 04 de Abril de 2019 José Fernando Cardoso Amaral Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo, com a seguinte declaração: Não rejeitaria o recurso do A. Quanto á matéria de facto por entender que será caso de prévio despacho de aperfeiçoamento, em conformidade com os Ac. Citados na decisão supra, nesse sentido e Ac do STJ de 06.04.2017 proferido no proc. 297/13.6TTTMR.E1. S1. Concordo que em caso de conhecimento de qualquer modo sempre improcederia a pretensão do Apelante. Pedro Damião e Cunha 1. A petição refere 2017 por manifesto lapso. 2. Evidentemente, por nós reformatada. 3. Cfr. Exposição de Motivos da Proposta nº 113/XII/2ª subjacente à Lei 41/2013, de 26 de Junho. 4. Não deve perder-se de vista que, como refere Teixeira de Sousa, sendo o recurso um meio específico de impugnar uma decisão judicial, de provocar a reapreciação das questões já decididas pelo tribunal recorrido e de obter a sua alteração, o seu objecto “é constituído por um pedido e um fundamento, sendo que o pedido consistirá normalmente na pretensão de se ver revogada a decisão impugnada, enquanto o fundamento, na invocação de um vício no procedimento (error in procedendo) ou no julgamento (error in judicando)” – in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, página 453.. 5. Na síntese de Amâncio Ferreira, “expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razoes de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão” – in Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª edição, páginas 172 e 173. 6. Relator: Consº Garcia Calejo. 7. Cfr., ainda, na matéria, por exemplo, Acórdãos do STJ, de 26-04-2012, 06-12-2012 e 21-01-2014, relatados pelos Consº Serra Baptista, Lopes do Rego e Mário Belo Morgado. 8. Processo nº 818/07.3TBAMD.L1.S1, relatado pelo Consº Abrantes Geraldes. 9. Como, pertinentemente, em “O Ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil”, refere João Aveiro Pereira (acessível na Internet) observa e verbera: “Uma prática usual é a reprodução informática do corpo das alegações na área do documento que deveria ser preenchida com as conclusões. Sob esta epígrafe duplica-se e repisa-se o texto expositivo, sem se apresentarem verdadeiras conclusões. A adopção deste desembaraço, do ponto de vista da advocacia, pode explicar-se, desde logo, por um anelo de rapidez, necessária ao cumprimento dos prazos; pode ser induzida pela lei do menor esforço, mas também pode dever-se quiçá ao receio de que o tribunal, também ele acossado pela exigência de celeridade, não leia senão as conclusões e deixe de atentar no corpo alegatório. Nesta última hipótese, duplicando, o recorrente sente-se provavelmente mais confiante em que serão sempre lidas as conclusões e também as alegações. Em boa verdade, o recurso a este expediente de copy paste, para duplicar as alegações como se fosse para concluir, revela um uso abusivo dos meios automáticos de processamento de texto e conduz à inexistência material de conclusões, pois se, sob este título, apenas se derrama sobre papel o teor da parte analítica e argumentativa, o que de facto se oferece ao tribunal de recurso é uma fraude. Por consequência, apesar de aqui ou ali se mudar, cosmeticamente, uma ou outra palavra ou locução, o que realmente permanece, inelutável, é um vazio conclusivo, mau grado as habituais dezenas de folhas, com frequência metade do total da peça, e um número de artigos ditos de conclusões desnecessariamente a roçar ou a ultrapassar a centena.” E mais adiante, em face da atitude indulgente que detectou na jurisprudência, lamentou: “Este laisser faire, laisser passer em relação, não só à prolixidade das conclusões, mas também quanto a outras irregularidades na elaboração das conclusões das alegações de recurso, pode evitar alguma morosidade pontual, mas tem um assinalável efeito perverso que é a instalação de uma certa indisciplina no cumprimento do ónus de concluir, de repercussões dilatórias gerais. Isto porque a sucessão de decisões permissivas vai cimentando uma rotina de cedência, que se torna praticamente impossível reverter no sentido da observância criteriosa das regras na feitura das alegações. Por outro lado, exarar juízos reprovadores, mais ou menos veementes, sobre a prolixidade ou outras anomalias das conclusões, e depois não adoptar as consequências lógicas e legais, é confrangedor, pois dá a imagem de uma justiça que, embora veja o que está mal, não é capaz de se impor. Mais vale os tribunais superiores se absterem deste tipo de juízos quando não estiverem dispostos a reter um recurso, à espera do aperfeiçoamento, ou quando não pretendam aplicar a extrema sanção do não conhecimento.” 10. Processo nº 363/14.0TBPTL.G1. 11. Como se entendeu, v.g., nos Acórdãos da Relação do Porto, de 23-04-2018, de 24-09-2018 e de 07-12-2018, proferidos nos processos 6818/14.0YIPRT.P1, 104/16.88VLC.P1 e 1821/18.3T8PRD-B.P1 (todos relatados pelo Desemb. Manuel Fernandes) e nos de 09-11-2017 e de 08-03-2018, proferidos nos processos nºs 14204/16.0T8PRT-A.P1 e 1822/16.6T8AGD-A.P1 (ambos relatados pela Desembª. Judite Pires), este último anotado pelo Prof. Miguel Teixeira de Sousa, no Blog do IPPC, que se inclina no sentido da tese do convite ao aperfeiçoamento, mas – diz ele – “independentemente da censura que possa merecer o temerário comportamento do mandatário do recorrente (que devia saber que podia estar a colocar em risco os interesses dessa parte”. Bem assim, no de 24-01-2018, processo 131/16.5T8MAI-A.P1 (relatado pelo Desemb. Madeira Pinto). Também no Acórdão da Relação de Coimbra, de 10-11-2015, processo nº 158/11.3TBSJP.C1 (relatado pela Desemb. Maria João Areias). 12. Por exemplo, Acórdãos de 16-03-2017, processo 425/08.3TBCHV.G1 e de 29-06-2017, processo 413/15.3T8VRL.G1. 13. Este é o entendimento, mais magnânimo, pensamos que maioritariamente agora seguido pelo STJ, de que é exemplo o Acórdão de 27-11-2018, proferido no processo 281076/15.2T8LSB.L1.S1 (relatado pelo Consº Júlio Gomes), que, ainda assim, não deixa de admite que o contrário é “defensável – por carecerem da natureza de síntese que é própria das verdadeiras conclusões” mas “não tem sido esse, no entanto, o entendimento deste Tribunal em vários Acórdãos recentes”, muito embora, antes, encontrássemos no Acórdão de 16-09-2008, proferido na revista nº 2103/08-2, relatado pelo Consº Santos Bernardino, o entendimento de que “constitui grosseira afronta ao disposto no artº 690º, CPC – a norma correspondente do anterior CPC – apresentar como conclusões a reprodução integral, a cópia por decalque, da parte que constituio as alegações”. 14. Processo 415/12.1TBVV-A.E1.S1 15. Processo 3113/17.6T8VCT.G1, relatado pela Desemb. Eugénia Marinho da Cunha. 16. Útil porque poderia ser sanada eventualmente nos termos do artº 906º, convalidando-se o contrato. 17. Confrontar factos não provados A) e B) – que se não perscrutam como impugnados sequer no recurso do autor – e o referido na sentença, no contexto do que chamou “responsabilidade civil contratual”, a propósito da inexistência de “facto ilícito” imputável ao réu a qualquer título. 18. Sem que se cure até do mérito da alegada excepção de renúncia baseada na declaração subscrita pelo autor, em 25-10-2016, segundo a qual “aceito o referido veículo nas condições em que se encontra, nada mais tendo a exigir do indicado …, relacionado com o mencionado veículo, seja a que título for”, que não foi objecto de pronúncia mas ninguém questionou.