Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães*: I. Relatório Manuel e Laurinda, réus nos autos à margem, notificados da sentença condenatória proferida em 03/01/2017 e com ela não se conformando, interpõem o presente recurso. Abel e Maria, casados entre si, tinham intentado a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Manuel e Maria R., casados entre eles, pedindo: a) A declaração judicial de que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio rústico identificado na petição inicial constituído por 3 (três) leiras denominadas “Leiras do B.” com montado junto. b) A declaração judicial que a parcela de terreno referenciada a cor vermelha no croqui junto como Doc. n.º 7 e aí delimitada pelas letras A, B, C e D faz e sempre fez parte integrante do prédio rústico pertencente aos autores e identificado nos artigos 2.º e 3.º da petição inicial. c) A condenação dos réus a reconhecerem aquele direito de propriedade dos autores e a retirarem da parcela de terreno tudo o que nela colocaram, restituindo-a ao seu estado anterior e aos autores, livre de pessoas e coisas, bem como a absterem-se de praticar atos ou factos que impeçam, prejudiquem ou obstem o exercício do direito de propriedade dos autores sobre aquela parcela de terreno do montado que faz e sempre fez parte integrante do prédio rústico dos autores. d) A condenação dos réus a pagar aos autores a quantia de € 5.000,00 (cinco mil Euros), sendo € 2.500,00 para cada um dos autores, a título de compensação pelos danos não patrimoniais por eles sofridos. e) A condenação solidária dos réus a pagar aos autores a quantia de € 2.400,00 a título de indemnização pelos danos materiais sofridos em consequência do corte dos sobreiros. f) A condenação solidária dos réus numa sanção pecuniária compulsória no montante de € 200,00 por cada dia ou fração de dia que violem a sentença que vier a ser proferida na presente ação. Para tanto e em síntese, alegaram que são donos do prédio designado Leiras do B., também conhecido por Leiras D., sito no Concelho de Mondim de Basto, com a área de 5.000 m2, inscrito na respectiva matriz rústica no artigo 15VV e descrito na CRP na ficha n.º 1354/199806BB da Freguesia de Mondim de Basto; e que os réus a data altura ocuparam o terreno, aí cortando cerca de 12 sobreiros com mais de 15 anos de idade, e impedindo-os de o utilizarem e de dele retirarem os seus proveitos. Citados, os réus contestaram, arguindo a ilegitimidade passiva do réu, a nulidade do contrato de doação invocado pelos autores por simulação, impugnando a matéria de facto alegada e invocando a litigância de má-fé dos autores. Terminaram pedindo a procedência da exceção invocada e caso assim não se entenda a improcedência da ação e condenação dos autores em litigância de má-fé. Em resposta, os autores disseram que por lapso indicaram “Maria R.” como mulher do réu quando o seu verdadeiro nome é “Laurinda”, pedindo a correção do lapso; responderam à invocada simulação do negócio e ao pedido de condenação em litigância de má-fé, e terminaram pedindo a condenação dos réus em litigância de má-fé. O processo seguiu os seus normais termos e, após julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente por provada e em consequência: 1. Declarou que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Mondim de Basto na ficha n.º 1354/199806BB da Freguesia de Mondim de Basto designado por Leiras do B., também conhecido por Leiras D., com montado junto, sito Concelho de Mondim de Basto, tudo com a área de 5.000 m2, a confrontar do Norte com os réus Manuel R. e esposa e caminho de servidão, sul António, poente caminho de servidão e outros, nascente José, inscrito na respectiva matriz rústica no artigo 15VV. 2. Declarou que a parcela de terreno referenciada a cor vermelha no croqui junto a fls. 55 e aí delimitada pelas letras A, B, C e D faz e sempre fez parte integrante do prédio rústico pertencente aos autores supra identificado. 3. Condenou os réus a reconhecerem aquele direito de propriedade dos autores e a retirarem da parcela de terreno tudo o que nela colocaram, restituindo-a ao seu estado anterior e aos autores, livre de pessoas e coisas, bem como a absterem-se de praticar atos ou factos que impeçam, prejudiquem ou obstem o exercício do direito de propriedade dos autores sobre aquela parcela de terreno do montado que faz e sempre fez parte integrante do seu prédio rústico. 4. Condenou solidariamente os réus a pagar aos autores a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais por eles sofridos. 5. Condenou solidariamente os réus a pagar aos autores a quantia a fixar em liquidação de sentença a título de indemnização pelos danos materiais sofridos em consequência do corte dos sobreiros. 6. Absolveu os réus dos restantes pedidos contra si formulados. 7. Absolveu os autores e os réus do pedido de litigância de má-fé. 8. Condenou autores e réus no pagamento das custas processuais na proporção de 1/10 – 9/10 respetivamente. Desta sentença recorreram os réus, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma: «1 – Estendendo-se o recurso quer à decisão de facto, quer à decisão de Direito, verificando-se o exigido pelo art.º 640º do CPC, pode afirmar-se que o Tribunal a quo fez errada apreciação e valoração da prova realizada nos autos, o que acarreta o errado enquadramento jurídico a produzir após a realização da prova. 2 – O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento no que aos pontos T, U, V, W, X, Y, Z, AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG respeita dos factos considerados provados. 3 – Da prova documental junta em audiência, nomeadamente da Planta representativa e a fotografia aérea junta pelos réus em audiência de 06 de Outubro de 2019 resulta demonstrado que os factos dados por provados não o deveriam ser. 4 – A planta representativa foi oportunamente impugnada e foi elaborada sem escala, pelo que não pode ser atendida para representar fisicamente os limites físicos do prédio dos AA. 5 - O Tribunal a quo, no ponto T dos factos provados, fez referência à Planta Representativa, concretamente á área identificada pelas letras A, B, C e D que considerou provado que os autores e antepossuidores esgalhavam árvores aí existentes ou cortavam-nas, utilizando em proveito próprio. Tendo vendido carvalhas aí implantadas e recebendo os respetivos preços. 6 – Ninguém confirmou a planta representativa. 7 – A fotografia aérea do local em discussão junta em audiência de julgamento desmente perentoriamente a planta representativa. 8 - A fotografia aérea junta em sede de julgamento não obstante ter sido retirada da plataforma informática Google em 2016 é seguramente representativa do prédio de data anterior a 2014. 9 – Em Janeiro de 2014 no prédio dos autores quer na parte que era agricultável quer na parte do montado que lhe pertencia ocorreu a movimentação de terras e foram plantados eucaliptos. 10 - Ora a fotografia aérea representa o prédio num estado físico anterior à movimentação de terras e a plantação de eucaliptos porque não se constata da fotografia junta qualquer eucalipto plantado ou movimentação de terra. 11 – O que demonstra a inexistência do que o tribunal considerou provado, ou seja, que pela altura das movimentações da terra e da plantação de eucaliptos os réus invadiram a parte restante do terreno (o tal referenciado na planta representativa) e ai cortaram cerca de 12 sobreiros, com uma média de cerca de 20 cm de diâmetro e de 15 anos de idade cada. 12 – A fotografia não só demonstra a inexistência das árvores referidas como evidencia a inexistência da área identificada na planta representativa. 13 – Realidade que além de desmentida pela documentação foi desmentida pelas testemunhas dos réus. 14 – Todas as testemunhas dos réus são pessoas residentes na localidade e que trabalharam os prédios em questão nos presentes autos concretamente o trato de terreno em discussão. 15 – Como resulta das transcrições todas as testemunhas dos réus afirmaram o trato de terreno a que corresponderia as letras A, B, C e D corresponderia a uma pequena área de cerca de 25 a 30 m2 que era pertença do prédio dos réus e que não foi objecto da terraplanagem realizada há cerca de 30 ou mais anos por constituir um monte rochoso e a máquina não conseguir eliminar esse alto. 16 – Mais afirmaram que nesse alto não existe ou existiu qualquer árvore como as que foram alegadas pelos autores e dadas como provadas pelo Tribunal a quo. 17 – E que nem os autores nem os seus antepossuidores alguma vez limparam, esgalharam ou cortaram árvores existentes nesse trato de terreno. 18 – Afirmaram que quem agricultava e limpava esse trato de terreno sempre foram os réus. 19 – Mais afirmaram as testemunhas dos réus que o prédio dos autores terminava no caminho e na cruz que existe junto a esse trato de terreno, na sua parte inferior, e que a movimentação de terras realizada pelos autores e a plantação ocorreu até junto dessa cruz, não entrando na parte posterior da cruz que é o trato de terreno aqui em discussão. 20 – As testemunhas afirmaram ainda a inexistência de sobreiros com cerca de 20 cm de diâmetro em média e 15 anos de idade. 21 – Não resulta qualquer prova dos autos de delimite o tempo em que os réus obtiveram o prédio dos autores por empréstimo do Venâncio muito menos se foi durante o período de pendencia do inventário. 22 – O Tribunal não poderia ter dado por provado o facto constante do ponto Z porquanto nada foi produzido quanto ao tipo de contrato ou se foi celebrado algum contrato entre os réus e o Venâncio. 23 - O Tribunal a quo também não deveria ter dado por provado que foi o punho do réu marido que realizou as assinaturas constantes dos contratos juntos aos autos. 24 – A perícia é inconclusiva e nenhuma outra prova foi produzida que permita com certeza atribuir a autoria da assinatura ao réu marido. 25 – Da prova testemunhal produzida, concretamente dos testemunhos transcritos supra é notório que os réus não ocuparam qualquer parcela de terreno pertencente ao prédio dos autores e que nela cortaram sobreiros. 26 – Também resulta demonstrado que os réus nunca subtraíram aos autores a utilização de qualquer trato de terreno do seu prédio. 27 – Consequentemente não lhe causaram os sentimentos dados por provados no ponto FF e GG dos factos provados. 28 – Isso mesmo decorre do depoimento das testemunhas José R., José M. R., Zeferino e António M., nos termos dos depoimentos devidamente transcritos supra, os quais aqui se subscrevem. 29 – A falta de adesão à realidade da tese dos autores resulta patente nos depoimentos dos seus filhos Isabel e Rui, com idade inferior a 30 anos de idade e, ainda assim, afirmaram em clara mentira que se lembram de os réus abrirem o caminho. 30 – Obra que como resulta de toda a prova realizada foi feita há mais de 30 anos. 31 – Ao que parece, mentiram deliberadamente, com a intenção de beneficiar a posição dos autores, seus pais. 32 - Em face do exposto, pugnamos que a decisão de facto consonante com a prova produzida em julgamento deveria ser a seguinte: Dos factos considerados provados: (…) T. No ano de 2006, o réu marido e o autor marido, verbalmente, acordaram o empréstimo gratuito, do prédio rústico denominado “Leiras do B.” ou do D.” com montado junto. U. Em Dezembro de 2008, o réu marido entregou aos autores o prédio Leiras do B. ou do D. com o montado junto. Factos Não Provados (…) 9. Na faixa de terreno referenciada a cor vermelha e delimitada pelas letras A, B, C, D do croqui de fls. 55, os autores e seus antepossuidores esgalhavam as árvores aí existentes ou cortavam-nas, utilizando em proveito próprio, tendo vendido carvalhas aí implantadas e recebendo os respetivos preços. 10. Numa área não especificada do montado os autores, em Janeiro de 2014, movimentaram terras e plantaram eucaliptos. 11. E por essa altura os réus invadiram a parte restante do terreno desse mesmo montado, referenciada a cor vermelha no croqui de fls. 50. 12. E aí cortaram cerca de 12 sobreiros tendo, em média, cerca de 20 cms de diâmetro e de 15 anos de idade cada, transportando as árvores abatidas para local desconhecido. 13. Tendo o autor marido apresentado nessa altura no Posto da G.N.R. de Mondim de Basto uma queixa-crime contra o mesmo réu marido, imputando-lhe o crime de usurpação de imóvel e de dano. 14. Acresce que no período da pendência no Tribunal Judicial de Mondim de Basto do Processo de Inventário Facultativo nº 48/87, o então Cabeça-de-casal Venâncio emprestou ao réu marido Manuel R., gratuitamente e por mero favor, as mencionadas 3 (três) “Leiras do B.” com montado junto, para por ele serem granjeadas ou trabalhadas. 15. Tendo esse contrato de comodato cessado quando os autores celebraram a transação na ação nº 46/200X e o contrato de dação em pagamento, tendo-lhes sido restituídas pelos réus as 3 leiras e o montado junto em toda a sua extensão. 16. Posteriormente, em 21 de Dezembro de 2006, a solicitação do réu marido e na sequência das boas relações sociais que existiam entre as partes, o autor marido Abel emprestou, gratuitamente, o mesmo prédio rústico denominado “Leiras do B. ou do D.” com montado junto, ao réu marido Manuel R. para este as granjear e lavrar, semear, cavar as videiras, podá-las, e sulfatá-las e tratar dos bardos de vides existentes nessas 3 (três) leiras, roçar o mato do montado e zelar e conservar todo o conjunto predial, tudo consoante melhor se vê do conteúdo do documento assinado pelo réu marido. 17. E em 22 de Dezembro do ano seguinte, ou seja em 2007, o autor marido renovou por mais de 1 (um) ano esse empréstimo com o réu marido, como tudo flui do documento assinado pelo réu marido. 18. Tendo esse contrato findado em Dezembro de 2008, data em que o réu marido restituiu aos autores as 3 (três) “Leiras do B. ou do D.” com o montado junto em toda a sua extensão. 19. Com a ocupação abusiva e sem conhecimento e sem autorização dos autores da parcela de terreno em causa cortando sobreiros os réus têm impedido que os autores a utilizem para os fins a que a mesma se destina. 20. Tendo-a subtraído á disponibilidade e utilização dos demandantes. 21. Os autores, em consequência do comportamento dos réus sentiram um grande mal-estar psicológico, dor moral, humilhação, grande tristeza e desconforto. 22. E esse comportamento dos réus, que violou as regras da boa-fé e da amizade entre vizinhos, fizeram com que os autores se tornassem pessoas constrangidas e tristes. 33 - Alterada a decisão de facto nos termos propostos e realizada a correta subsunção dos factos ao Direito aplicável, outra deverá ser necessariamente a decisão de Direito. 34 – Inexistindo factos provados de posse sobre o trato de terreno identificado pelas letras A, B, C e D da planta representativa e se o trato existente corresponde de facto ao que vem representado não pode o Tribunal a quo determinar que essa mesma parcela de terreno é parte integrante do prédio identificado nos autos. 35 – Aliás, a prova produzida demonstra que esse trato de terreno é objecto de atos de posse por parte dos réus. 36 – E que sempre fez parte do prédio que eles há mais de 30 anos planaram e construíram uma vinha. 37 – Consequentemente deverá ser revogada a decisão que condena os réus a restituir aos autores aquele trato de terreno. 38 – Independente do exposto, deve ser revogada a decisão de condenação dos réus a pagar aos autores uma indemnização por danos morais no valor de € 2000,00 não só por ser manifestamente exagerada no que ao valor concerne, mas também por os réus não terem praticado qualquer facto que ofendesse os seus direitos ou interesses. 39 – E deve ser revogada a sentença de condenação dos réus a pagar aos autores o que vier a ser liquidado em execução de sentença por ter ficado demonstrada a inexistência de qualquer sobreiro no trato de terreno em discussão. 40 – Com as decisões que proferiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1305º, 1287º, 1290º, 1252º, 1262º, 1259º, 1260º, 1294º, 1311, 483 e 496º do Código Civil. Termos em que deve o Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que alterando a matéria de facto e procedendo ao correto enquadramento jurídico desta, julgue a ação parcialmente procedente, nos termos expostos, com as legais consequências.» Os autores responderam pronunciando-se pela improcedência do recurso. Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito. Objeto do recurso Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC). Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as questões de saber se a matéria de facto deve ser alterada, se os autores são donos da parcela que identificaram num desenho, se essa parcela foi abusivamente ocupada pelos réus, e se os réus dela subtraíram sobreiros. II. Fundamentação de facto Estão provados os seguintes factos que, relativamente à sentença proferida em 1.ª instância, contêm as alterações justificadas no ponto III.A.: A. Os autores casaram catolicamente em 26-10-1986 na Igreja Paroquial do Concelho de Vila Verde, sem convenção antenupcial e, por isso, no regime supletivo de comunhão de adquiridos. B. O direito de propriedade sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial na ficha n.º 1354/199806BB da Freguesia de Mondim de Basto designado por “Leiras do B., também conhecido por Leiras D., com montado junto, sito no Concelho de Mondim de Basto, tudo com a área de 5.000 m2, a confrontar do Norte com os réus Manuel R. e esposa e caminho de servidão, sul António, poente caminho de servidão e outros, nascente José, inscrito na respectiva matriz rústica no artigo 15VV.º, mostra-se registado a favor dos autores. C. O prédio rústico denominado “Leiras do B.”, com montado junto, pertenceu á mãe do autor marido D. Florinda, falecida em 11-01-1978. D. E por óbito desta D. Florinda foi instaurado o inventário facultativo nº 48/87 que correu termos pelo Tribunal Judicial de Mondim de Basto e no qual exerceu funções de Cabeça-de-casal um irmão do autor marido, de seu nome Venâncio. E. Constituindo esse mesmo prédio rústico a Verba nº 5 da descrição de bens constante desse inventário nº 48/87. F. E foi adjudicado na partilha efectuada naquele inventário e homologada por douta sentença proferida em 23/5/1998 ao identificado Co-herdeiro e Cabeça-de-casal, irmão do autor marido, Venâncio. G. Acontece que esse Venâncio, foi condenado, por douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido na ação ordinária n.º 46/200X, a pagar ao seu irmão Abel e esposa D. Maria, aqui autores a quantia de € 125.000,00 acrescida de juros de mora á taxa legal então em vigor. H. Antes do trânsito em julgado daquele Acórdão proferido na ação n.º 46/200X os aqui autores e os aí réus Venâncio e esposa Teresa celebraram uma transação nessa ação n.º 46/200X em que estes prometeram dar em pagamento daquele montante em dívida aos aqui autores o prédio rústico “Leiras do B. ou do D.” e ainda outro prédio rústico denominado “Tapada do B.”, com a área de 8.000 m2, inscrito na matriz no art.º 15TT.º. I. E para cumprimento daquela transação e pagamento da mencionada divida o identificado Venâncio e esposa Teresa e seu filho Zeferino e esposa Olívia e ainda uma neta daqueles e uma filha destes Zeferino e esposa Olívia, de seu nome Lídia– para a qual seus pais haviam transferido a propriedade do prédio rústico mencionado em B. na pendência daquela ação nº 46/200X – celebraram com os aqui autores, em 04-12-2006, um contrato promessa de dação em pagamento e através do qual se prometeram dar-lhes em pagamento da quantia indemnizatória os prédios rústicos descritos em H. J. E para cumprimento desse contrato foi celebrada em 16-3-2007, no Cartório Notarial de Mondim de Basto, a escritura pública de doação de fls. 50 cujo conteúdo aqui se dá como integrado. K. As mencionadas “Leiras do B. ou do D.”, são constituídas por 3 (três) leiras e um montado. L. Os autores por si e antepassados e anteproprietários, directamente por si ou por intermédio dos seus caseiros, jornaleiros e comodatários, vêm possuindo esse prédio rústico identificado em B desde há mais de 20, 30, 40 e 50 anos, de forma continuada. M. Semeando na parte arável centeio, milho, feijão, batatas e outros produtos agrícolas próprios da região, sachando-os, adubando-os e regando-os e colhendo os respetivos frutos que consumiam em proveito próprio ou vendiam. N. Plantando na bordadura dessas leiras videiras e construindo bardos com arames aos quais fixavam e fixam essas videiras. O. Cavando essas videiras, podando-as, sulfatando-as e colhendo as uvas. P. Transformando essas uvas aí produzidas em vinho que vendiam e guardando para si o respectivo preço. Q. Roçando mato em toda a extensão do montando que faz e sempre fez parte integrante do prédio rústico denominado “Leiras do B. ou do D.”. R. Beneficiando, enfim, de todas as utilidades que esse prédio rústico denominado “Leiras do B. ou do D.” com montado junto, produz ou pode produzir. S. E praticando todos esses atos por si e anteproprietários há mais de 15, 20, 30, 40 e 50 anos, de forma continuada, á vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, com consciência de não causar prejuízo a outrem e como quem exerce um direito próprio de propriedade. Y. Acresce que no período da pendência no Tribunal Judicial de Mondim de Basto do Processo de Inventário Facultativo n.º 48/87, o então cabeça-de-casal Venâncio emprestou ao réu marido Manuel R., gratuitamente e por mero favor, as mencionadas 3 (três) “Leiras do B.” com montado junto, para por ele serem granjeadas ou trabalhadas. Z. Tendo esse contrato de comodato cessado quando os autores celebraram a transação na ação n.º 46/200X e o contrato de dação em pagamento, tendo-lhes sido restituídas pelos réus as 3 leiras e o montado junto em toda a sua extensão. AA. Posteriormente, em 21 de dezembro de 2006, o autor marido Abel emprestou, gratuitamente, o mesmo prédio rústico denominado “Leiras do B. ou do D.” com montado junto, ao réu marido Manuel R. para este as granjear e lavrar, semear, cavar as videiras, podá-las, e sulfatá-las e tratar dos bardos de vides existentes nessas 3 (três) leiras, roçar o mato do montado e zelar e conservar todo o conjunto predial, tudo consoante melhor se vê do conteúdo do documento assinado pelo réu marido. BB. E em 22 de dezembro do ano seguinte, ou seja em 2007, o autor marido renovou por mais de 1 (um) ano esse empréstimo com o réu marido, como tudo flui do documento assinado pelo réu marido. CC. Tendo esse contrato findado em dezembro de 2008, data em que o réu marido restituiu aos autores as 3 (três) “Leiras do B. ou do D.” com o montado junto em toda a sua extensão. Não se provaram os seguintes factos que, em relação à sentença do tribunal a quo, contêm as alterações abaixo justificadas: 1. Durante o período de tempo em que esteve pendente no Tribunal Judicial de Mondim de Basto o Processo de Inventário Facultativo nº 48/87 a que se procedeu por óbito de D. Florinda, mãe do autor marido, o Cabeça-de-casal Venâncio, irmão do autor marido, a solicitação do réu marido cedeu gratuitamente uma parcela de terreno do montado que faz parte integrante do prédio rústico denominado “Leiras do B. ou do D.”, com a forma retangular e com o comprimento de cerca de 37 metros e a largura de 2 metros. 2. Parcela de terreno que se destinou ao alargamento do estreito caminho de servidão de passagem a pé que tinha cerca de 0,80 cms de largura e que confrontava com esse montado pelo lado poente deste, para possibilitar a passagem de tratores agrícolas para um outro prédio rústico pertencente aos réus. 3. O prédio rústico dos réus referido em V. é denominado “Campo da V.” e é onde estes plantaram videiras, construíram um alpendre e cortes para gado. 4. Na sequência do alargamento do caminho, a área do montado, que inicialmente era de cerca de 454 m2 ficou reduzida a cerca de 360 m2 em consequência de lhe ter sido retirada a parcela de terreno com a área aproximada de 94 m2. 5. A parte de terreno ocupado pelos réus tem 160m2. 6. Com a ação referida em W. os autores tiveram um prejuízo material de, pelo menos, € 2.400,00. 7. Após o facto relatado em X. o réu marido começou a afirmar junto de pessoas das suas relações e dos autores, que a parte do montado que invadiu lhe pertence e não aos autores. 8. Após o corte dos sobreiros o réu marido começou a impedir os autores de plantarem nessa parcela de terreno eucaliptos aí colocando terra e restos de ramos e árvores e restos de raizeiros. T. Na faixa de terreno referenciada a cor vermelha e delimitada pelas letras A, B, C, D do croqui de fls. 55, os autores e seus antepossuidores esgalhavam as árvores aí existentes ou cortavam-nas, utilizando em proveito próprio, tendo vendido carvalhas aí implantadas e recebendo os respetivos preços. U. Numa área não especificada do montado os autores, em Janeiro de 2014, movimentaram terras e plantaram eucaliptos. V. E por essa altura os réus invadiram a parte restante do terreno desse mesmo montado, referenciada a cor vermelha no croqui de fls. 50. W. E aí cortaram cerca de 12 sobreiros tendo, em média, cerca de 20 cms de diâmetro e de 15 anos de idade cada, transportando as árvores abatidas para local desconhecido. X. Tendo o autor marido apresentado nessa altura no Posto da G.N.R. de Mondim de Basto uma queixa-crime contra o mesmo réu marido, imputando-lhe o crime de usurpação de imóvel e de dano. DD. Com a ocupação abusiva e sem conhecimento e sem autorização dos autores da parcela de terreno em causa cortando sobreiros os réus têm impedido que os autores a utilizem para os fins a que a mesma se destina. EE. Tendo-a subtraído á disponibilidade e utilização dos demandantes. FF. Os autores, em consequência do comportamento dos réus sentiram um grande mal-estar psicológico, dor moral, humilhação, grande tristeza e desconforto. GG. E esse comportamento dos réus, que violou as regras da boa-fé e da amizade entre vizinhos, fizeram com que os autores se tornassem pessoas constrangidas e tristes. III. Apreciação do mérito do recurso A. Reapreciação da prova e alteração da matéria de facto O recorrente pode impugnar a decisão sobre a matéria de facto, caso em que deverá observar as regras contidas no art. 640 do CPC. Segundo elas, e sob pena de rejeição do respetivo recurso, o recorrente deve especificar: - Os pontos da matéria de facto de que discorda; - Os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida; - A decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O recorrente cumpriu estes ónus que entendemos deverem ser interpretados com a razoabilidade que decorre da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nos Acórdãos de 31/05/2016, proc. 889/10.5TBFIG.C1-A.S1, e de 21/04/2016, proc. 449/10.0TTVFR.P2.S1. Preliminarmente, lembramos que as únicas restrições que a lei impõe à reapreciação da prova pela Relação são as que resultam do art. 640 do CPC: a reapreciação está limitada a determinados aspetos da matéria de facto dos quais o recorrente discorda e implicará a reanálise de elementos probatórios dos quais o recorrente entende resultar outra solução. Fora destas balizas, o CPC confere aos tribunais de 2.ª instância poderes-deveres semelhantes aos dos tribunais de 1.ª instância no que concerne à criação da convicção pela livre apreciação da prova. Apesar de, no que à prova pessoal respeita, o objeto da apreciação pelo tribunal de 2.ª instância não ser exatamente o mesmo que aquele de que a 1.ª instância dispôs, pois trata-se apenas de uma gravação áudio deste, onde necessariamente se perde tudo o que é apreensível por outros sentidos além da audição, o legislador não limitou os poderes de livre apreciação da prova pela 2.ª instância (neste sentido o nosso acórdão de 18/05/2017, proc. 124/15.0T8CMN.G1). Daí que o tribunal de 2.ª instância não se possa limitar a um controlo formal da fundamentação que o tribunal recorrido expressou para os factos selecionados, nem a tecer considerações genéricas a propósito da menor imediação de que dispõe e de como isso o impede de pôr em causa o juízo a quo. Perante as regras positivadas no CPC, e sem prejuízo do seccionamento do objeto da reapreciação por via do disposto no art. 640 do CPC, os tribunais da Relação devem proceder à efetiva reapreciação da prova produzida (nomeadamente dos meios de prova indicados no recurso, mas também de outros disponíveis e que entendam relevantes) da mesma forma – em consonância com os mesmos parâmetros legais – que o faz o juiz de 1.ª instância (assim o temos repetido em vários acórdãos que relatámos, além dos quais se podem ver também, exemplificativamente, os acórdãos do STJ de 11/02/2016, proc. 907/13.5TBPTG.E1.S1, e de 10/12/2015, proc. 2367/12.9TTLSB.L1.S1). Tanto significa que os juízes D.es apreciam livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão (art. 607, n.º 5, do CPC). Na sua livre apreciação, os juízes D.es não estão condicionados pela apreciação e fundamentação do tribunal a quo. Ou seja, o objeto da apreciação em 2.ª instância é a prova produzida (tal como em 1.ª instância) e não a apreciação que a 1.ª instância fez dessa prova. Esta pode ter sido formalmente correta, bem como exaustiva e logicamente fundamentada, e, não obstante, a Relação formar diferente convicção. Claro que, como já referido, o que é dado apreciar aos juízes D.es não é exatamente o mesmo, no que à prova gravada respeita, que é observado em 1.ª instância. Esta circunstância inultrapassável (ainda que melhorável com recurso a outras tecnologias de reprodução) pode e deve ser ponderada na reapreciação que, em 2.ª instância, se faz da prova, mas isso não significa uma menorização do poder de livre apreciação da prova, mas apenas mais um dado a considerar nessa apreciação. Os recorrentes insurgem-se contra os factos provados sob a letra T e seguintes e contra o elenco dos não provados que, em seu entender, é de aumentar com aqueles. Propõem também a consignação sob as letras T e U de factos que se encontram contidos, ainda que de modo diverso, nas alíneas AA a CC. Ouvida a prova pessoal produzida em audiência e analisada a documentação dos autos, os réus, ora recorrentes, têm, no essencial, razão. Da reapreciação e concatenação da prova não se alcança fundamento para os factos provados na sentença do tribunal a quo sob as letras T a X e DD a GG. A prova produzida não nos permite delimitar, identificar no terreno a linha divisória entre os prédios confinantes dos autores e dos réus e só o estabelecimento dessa linha permitiria a prova de parte daqueles factos e a condenação feita nos n.ºs 2 a 5 do dispositivo da sentença do tribunal a quo. As testemunhas e depoentes falaram muito, longas e longas horas, mas de relevante para o estabelecimento da delimitação do montado (ou do espaço que foi de montado) dos autores: nada. Não está em discussão que os autores são donos de três leiras com montado junto (ou com terreno que teve sobreiros). Os réus jamais o discutiram. O que de essencial se discutia era se a parcela de terreno referenciada a cor vermelha no croqui junto a fls. 55 e aí delimitada pelas letras A, B, C e D faz e sempre fez parte integrante do prédio rústico pertencente aos autores. E para isto, os depoimentos de nada ajudam. As perguntas feitas foram genéricas: tinha montado?, sim, sim (respostas unânimes). Não houve sequer uma inspeção ao local, onde, para que a prova fosse minimamente eficaz numa situação destas, as testemunhas deviam ter sido ouvidas. Apesar de requerida, tal inspeção foi indeferida, com o fundamento de que o tribunal estava esclarecido e de que a ação era de reivindicação e não de demarcação… Quanto ao alegado facto de os réus terem cortado sobreiros do montado dos autores, a prova foi nula. Testemunhos genéricos sobre a existência em tempos de sobreiros e a plantação ulterior de eucaliptos pelos autores, nada mais… Melhor vejamos, para que não haja dúvidas. O réu depoente prestou um depoimento que pareceu sincero, espontâneo e genuinamente indignado com as “acusações” de ter cortado o que quer que fosse em terreno alheio. Não admitiu que a delimitação ABCD do croqui corresponda exatamente ao antigo montado dos réus; admite ter em tempos alargado o caminho mas apenas para terreno seu. Negou ter assinado os documentos de fls. 56 e 57 e ter contratado o que quer que fosse com os autores, mas talvez por aqueles documentos lhe terem sido apresentados como “contratos” e por entender o “contrato” como algo que o obrigasse a fazer alguma coisa. Admitiu que houve acordos no sentido de limpar e granjear os terrenos dos autores, mas gratuitamente e apenas quando e se o entendesse; e o depoente, manifestamente, não entendia que esses acordos pudessem ser contratos. A ré depoente, do pouco que se ouvia da gravação, também pareceu verdadeira, espontânea e indignada com as alegações dos autores. Admitiu que que os autores têm as três leiras e o tal montado (ex-montado, diremos) que encheram de eucaliptos. «Não cortaram sobreiros?», perguntam-lhe referindo-se a eles, réus. «E onde é que os havia para cortar? Não senhor!», responde com genuína espontaneidade e indignação. Insiste que apenas mexeram no que era deles (réus). Portanto, a questão que permanece, e sem resposta, é a da delimitação do espaço; essa ficou por fazer. Também negou a existência de contratos com os autores, tendo transparecido do seu depoimento que entendia que os contratos envolvem sempre pagamento. Admitiu que fizeram em vários períodos as leiras dos autores, mas gratuitamente, à sua vontade, quando podiam limpar, limpavam, quando não podiam, não limpavam. Bem menos espontâneo e verdadeiro pareceu o autor que no seu depoimento, várias vezes, foi dizendo «não estou a perceber a pergunta», além de ser pouco consistente nas respostas, como o tribunal a quo foi reparando, sem todavia tirar as devidas ilações. Admite que no primeiro trimestre de 2014 plantou eucaliptos no montado, mas queixa-se que os réus alargaram o caminho para o lado do terreno dos autores. Mais uma vez fica por saber afinal onde acaba o terreno dos autores e onde começa o dos réus… Testemunharam Rosa, irmã do autor Abel, Luís e Isabel, filhos dos autores, repetindo que os réus aumentaram o caminho à custa do terreno dos autores. Ainda que assim fosse e sem conceder (até porque as testemunhas arroladas pelos réus, entre elas um sobrinho dos autores, vêm afirmar o contrário, que o alargamento foi feito para o terreno dos réus), nunca daí se poderia retirar sem mais, com os demais elementos dos autos, que o espaço ABCD do croqui corresponda exatamente ao velho montado dos autores. O depoimento em videoconferência de Isabel mal se entende com ruído, mas pelas perguntas feitas e observações subsequentes percebe-se que nada disse de útil. Manuel M. e António F. ajudavam por vezes a tratar dos terrenos dos autores, o último há mais de 40 anos (não depois disso). Nenhum deles disse o que quer que fosse que possa ajudar à prova dos factos ainda em discussão neste recurso. Que o montado confinava com o caminho, disse o primeiro (o segundo nem se lembra de haver sobreiros), mas isso, uma vez mais se diz, não é discutido pelas partes. José R, jardineiro e vizinho dos réus que bem conhece os terrenos afirma que o alargamento do caminho pelos réus foi feito para o lado do terreno dos réus. Assim também José M. R., irmão do réu, Zeferino, sobrinho dos autores e António M.. Nenhum mereceu menos credibilidade que os que disseram o contrário. Aqui chegados, impõe-se passar a não provados os factos T a X e DD a GG e retirar do AA o trecho «a solicitação do réu marido… entre as partes». B. Do mérito da causa Nem sempre é fácil distinguir uma ação de reivindicação de uma ação de demarcação. Ambas são destinadas à defesa da propriedade e, muitas vezes, fundem-se num mesmo processo sendo esse, aliás, o caso nos presentes autos. Na ação de reivindicação o proprietário exige judicialmente o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição da coisa (art. 1311 do CC); discute-se a titularidade. Pressupõe, logicamente, que a coisa esteja devidamente identificada e que não haja litígio relativamente à sua delimitação. Na ação de demarcação, o dono pede que se fixem as fronteiras relativamente aos prédios confinantes; discute-se a extensão. Quando nenhum dos proprietários confinantes afirma saber os limites dos seus prédios, só lhes resta a ação de demarcação. Quando os proprietários confinantes pensam saber os limites dos respetivos prédios mas estão em desacordo quanto a esses limites, podem gizar a ação como de reivindicação ou como de demarcação. Se a configurarem como de reivindicação, terão, ainda assim, de fazer prova de factos próprios da ação de demarcação. Visando objetivos e tendo fundamentos distintos, sucede com frequência embrenharem-se num mesmo processo, como se passa no caso sub judice. A dificuldade de estabelecer fronteiras entre os dois tipos de ações é recorrente e ressalta em vários arestos como se exemplifica em seguida. Ac. TRC de 29/04/2014, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/120069" target="_blank">289/12.2TBMGL.C1</a>: «III - A doutrina e a jurisprudência sempre procuraram diferenciar as acções de reivindicação das acções de demarcação, encontrando diversos critérios distintivos, revelando-se esclarecedora a expressão de que na ação de reivindicação há um conflito acerca do título, enquanto na demarcação há um conflito entre prédios, o que significa que a ação de reivindicação será a adequada quando a questão respeite à titularidade de um prédio, e a de demarcação quando a questão respeite, já não à titularidade, mas à extensão do prédio. IV - Tendo presente esta distinção, a jurisprudência tem, maioritariamente, sustentado que não é impeditiva da propositura de uma ação de demarcação entre dois prédios a decisão anterior de uma ação de reivindicação proposta pelo proprietário de um desses prédios contra o proprietário confinante, relativa a uma faixa de terreno situada na zona de confrontação dos prédios.» Ac. TRG de 13/10/2014, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/195173" target="_blank">2201/12.0TBFAF.G1</a>: «II - A causa de pedir na ação de reivindicação é o facto jurídico de que deriva o direito real e o pedido é o de reconhecimento do direito de propriedade e, por via do direito de sequela que lhe é inerente, a consequente restituição da coisa por quem a possua ou a detenha. III - Na ação de demarcação a causa de pedir é complexa e desdobra-se na existência de prédios confinantes, pertencentes a donos diferentes, e que as estremas sejam incertas ou duvidosas e o pedido é o de fixação das estremas porque a linha divisória entre os dois prédios confinantes é incerta ou se tornou duvidosa. IV – A distinção entre a ação de reivindicação e a ação de demarcação tem por base a diferença entre um conflito acerca do título e um conflito de prédios. Se as partes discutem o título de aquisição a ação é de reivindicação. Se não discutem o título de aquisição do prédio de que a faixa faz parte, mas a extensão do prédio possuído, a ação é já de demarcação. V - Deste modo, não estando em causa uma incerteza ou dúvida sobre a linha divisória, não se pode recorrer à ação de demarcação.» Ac. TRG de 01/06/2005, proc. 980/05-2: «1. Nas acções de demarcação, a causa de pedir é complexa e constituída pelas circunstâncias da existência de propriedade confinante, e de estremas incertas ou discutidas. Embora conexa com um direito das coisas, a ação de demarcação não é uma ação real, mas pessoal. 2. A qualidade de proprietário de um terreno, invocado pelo autor numa ação em que pede a fixação das respetivas estremas, é apenas condição da sua legitimidade para tal ação, da qual não é causa de pedir o facto que originou o invocado direito de propriedade. (…) 7. Nem sempre é fácil distinguir a ação de reivindicação da ação de demarcação, porque, em qualquer dos casos, se discute uma questão de domínio, relativamente a uma faixa de terra. Mas, “grosso modo”, na primeira daquelas acções, está em causa o próprio título de aquisição; na outra, discute-se a extensão do prédio possuído. O disposto no próprio art. 1.354° do Cód. Civil só funciona se o litígio se limitasse a um acerto de estremas sem pôr em causa os títulos de aquisição dos prédios confinantes.» Ac. TRC de 10/02/2009, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/124056" target="_blank">554/06.8TBAND.C1</a>: «1. A ação de demarcação tem como pressuposto o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio cuja demarcação se pretende; No entanto, a finalidade específica da ação não é o reconhecimento desse direito, mas fazer funcionar o direito que o proprietário tem de obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre os prédios (1353º, do Cód. Civil). 2. Deduzido pedido de condenação dos réus no reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre um prédio, com uma determinada área, e a condenação dos réus na entrega aos autores da área ocupada e que estes invocam pertencer-lhe, estamos perante uma típica ação de reivindicação, tal como ela é configurada no art. 1311º do Cód. Civil. 3. Nada obsta a que se cumule esse pedido com pretensão deduzida com vista à demarcação, o que acontece quando o demandante peticiona ainda a condenação dos réus a “contribuírem para a demarcação dos dois prédios”.» A ação dos autos contém uma ação de reivindicação como dito pelo tribunal a quo, mas não se fica por aí na medida em que tem latente um conflito relativo à delimitação da coisa reivindicada. As partes até estão ab initio de acordo em que os autores são donos de determinado prédio que têm registado a seu favor na competente Conservatória. A sua discordância refere-se à configuração desse prédio, que confina com o dos réus, pelo que a discórdia respeita à linha de fronteira. O pedido que os autores formulam na al. b) – declaração judicial que a parcela de terreno referenciada a cor vermelha no croqui junto como doc. n.º 7 e aí delimitada pelas letras A, B, C e D faz parte integrante do prédio rústico pertencente aos autores – exige a demarcação do dito prédio. Não se pretende com isto dizer que os autores tinham de ter intentado ação de outra espécie. Quer a ação de reivindicação quer a de demarcação seguem a forma de processo comum. Assim é desde a reforma processual de 1995, que eliminou os processos de arbitramento. Entendeu-se, então, que a prova pericial que se realiza no âmbito do processo comum seria suficiente e adequada para satisfazer as necessidades das partes num processo destinado a fixar a linha divisória entre dois prédios. Nos presentes autos, além de não ter havido inspeção judicial do local (como acima referimos), nem audição das testemunhas in loco, também nenhuma perícia se realizou com o indicado fito. Também não se nos afigura que os autores tivessem de ter alegado outros factos ou tivessem de ter formulado diferentes pedidos. O que se diz é que, para que a ação procedesse, necessário era que os autores tivessem sucedido na prova de que parte do seu prédio tem exata correspondência com o espaço delimitado pelos pontos ABCD do desenho que apresentaram. Tal prova ficou longe de ser feita, pelo que o recurso procede nos termos requeridos pelos recorrentes. Falecem assim os fundamentos da condenação dos réus feita nos pontos 2,3,4 e 5 do dispositivo da sentença do tribunal de 1.ª instância Em todo o caso, tendo a ação sido configurada como reivindicação, não estarão os autores, nem os réus, impedidos de vir a intentar ação exclusivamente com vista à demarcação dos prédios. IV. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida nos pontos 2, 3, 4 e 5 do dispositivo, e absolvendo os réus dos pedidos nessa parte. Custas pelos recorridos. Guimarães, 29/06/2017 Higina Orvalho Castelo João Peres Coelho Pedro Damião e Cunha * Escrevemos todo o texto, incluindo citações de obras ou trechos de decisões escritas à luz do Acordo Ortográfico de 1945, em conformidade com a grafia vigente, do Acordo Ortográfico de 1990.
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães*: I. Relatório Manuel e Laurinda, réus nos autos à margem, notificados da sentença condenatória proferida em 03/01/2017 e com ela não se conformando, interpõem o presente recurso. Abel e Maria, casados entre si, tinham intentado a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra Manuel e Maria R., casados entre eles, pedindo: a) A declaração judicial de que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio rústico identificado na petição inicial constituído por 3 (três) leiras denominadas “Leiras do B.” com montado junto. b) A declaração judicial que a parcela de terreno referenciada a cor vermelha no croqui junto como Doc. n.º 7 e aí delimitada pelas letras A, B, C e D faz e sempre fez parte integrante do prédio rústico pertencente aos autores e identificado nos artigos 2.º e 3.º da petição inicial. c) A condenação dos réus a reconhecerem aquele direito de propriedade dos autores e a retirarem da parcela de terreno tudo o que nela colocaram, restituindo-a ao seu estado anterior e aos autores, livre de pessoas e coisas, bem como a absterem-se de praticar atos ou factos que impeçam, prejudiquem ou obstem o exercício do direito de propriedade dos autores sobre aquela parcela de terreno do montado que faz e sempre fez parte integrante do prédio rústico dos autores. d) A condenação dos réus a pagar aos autores a quantia de € 5.000,00 (cinco mil Euros), sendo € 2.500,00 para cada um dos autores, a título de compensação pelos danos não patrimoniais por eles sofridos. e) A condenação solidária dos réus a pagar aos autores a quantia de € 2.400,00 a título de indemnização pelos danos materiais sofridos em consequência do corte dos sobreiros. f) A condenação solidária dos réus numa sanção pecuniária compulsória no montante de € 200,00 por cada dia ou fração de dia que violem a sentença que vier a ser proferida na presente ação. Para tanto e em síntese, alegaram que são donos do prédio designado Leiras do B., também conhecido por Leiras D., sito no Concelho de Mondim de Basto, com a área de 5.000 m2, inscrito na respectiva matriz rústica no artigo 15VV e descrito na CRP na ficha n.º 1354/199806BB da Freguesia de Mondim de Basto; e que os réus a data altura ocuparam o terreno, aí cortando cerca de 12 sobreiros com mais de 15 anos de idade, e impedindo-os de o utilizarem e de dele retirarem os seus proveitos. Citados, os réus contestaram, arguindo a ilegitimidade passiva do réu, a nulidade do contrato de doação invocado pelos autores por simulação, impugnando a matéria de facto alegada e invocando a litigância de má-fé dos autores. Terminaram pedindo a procedência da exceção invocada e caso assim não se entenda a improcedência da ação e condenação dos autores em litigância de má-fé. Em resposta, os autores disseram que por lapso indicaram “Maria R.” como mulher do réu quando o seu verdadeiro nome é “Laurinda”, pedindo a correção do lapso; responderam à invocada simulação do negócio e ao pedido de condenação em litigância de má-fé, e terminaram pedindo a condenação dos réus em litigância de má-fé. O processo seguiu os seus normais termos e, após julgamento, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente por provada e em consequência: 1. Declarou que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Mondim de Basto na ficha n.º 1354/199806BB da Freguesia de Mondim de Basto designado por Leiras do B., também conhecido por Leiras D., com montado junto, sito Concelho de Mondim de Basto, tudo com a área de 5.000 m2, a confrontar do Norte com os réus Manuel R. e esposa e caminho de servidão, sul António, poente caminho de servidão e outros, nascente José, inscrito na respectiva matriz rústica no artigo 15VV. 2. Declarou que a parcela de terreno referenciada a cor vermelha no croqui junto a fls. 55 e aí delimitada pelas letras A, B, C e D faz e sempre fez parte integrante do prédio rústico pertencente aos autores supra identificado. 3. Condenou os réus a reconhecerem aquele direito de propriedade dos autores e a retirarem da parcela de terreno tudo o que nela colocaram, restituindo-a ao seu estado anterior e aos autores, livre de pessoas e coisas, bem como a absterem-se de praticar atos ou factos que impeçam, prejudiquem ou obstem o exercício do direito de propriedade dos autores sobre aquela parcela de terreno do montado que faz e sempre fez parte integrante do seu prédio rústico. 4. Condenou solidariamente os réus a pagar aos autores a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros), a título de compensação pelos danos não patrimoniais por eles sofridos. 5. Condenou solidariamente os réus a pagar aos autores a quantia a fixar em liquidação de sentença a título de indemnização pelos danos materiais sofridos em consequência do corte dos sobreiros. 6. Absolveu os réus dos restantes pedidos contra si formulados. 7. Absolveu os autores e os réus do pedido de litigância de má-fé. 8. Condenou autores e réus no pagamento das custas processuais na proporção de 1/10 – 9/10 respetivamente. Desta sentença recorreram os réus, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma: «1 – Estendendo-se o recurso quer à decisão de facto, quer à decisão de Direito, verificando-se o exigido pelo art.º 640º do CPC, pode afirmar-se que o Tribunal a quo fez errada apreciação e valoração da prova realizada nos autos, o que acarreta o errado enquadramento jurídico a produzir após a realização da prova. 2 – O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento no que aos pontos T, U, V, W, X, Y, Z, AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG respeita dos factos considerados provados. 3 – Da prova documental junta em audiência, nomeadamente da Planta representativa e a fotografia aérea junta pelos réus em audiência de 06 de Outubro de 2019 resulta demonstrado que os factos dados por provados não o deveriam ser. 4 – A planta representativa foi oportunamente impugnada e foi elaborada sem escala, pelo que não pode ser atendida para representar fisicamente os limites físicos do prédio dos AA. 5 - O Tribunal a quo, no ponto T dos factos provados, fez referência à Planta Representativa, concretamente á área identificada pelas letras A, B, C e D que considerou provado que os autores e antepossuidores esgalhavam árvores aí existentes ou cortavam-nas, utilizando em proveito próprio. Tendo vendido carvalhas aí implantadas e recebendo os respetivos preços. 6 – Ninguém confirmou a planta representativa. 7 – A fotografia aérea do local em discussão junta em audiência de julgamento desmente perentoriamente a planta representativa. 8 - A fotografia aérea junta em sede de julgamento não obstante ter sido retirada da plataforma informática Google em 2016 é seguramente representativa do prédio de data anterior a 2014. 9 – Em Janeiro de 2014 no prédio dos autores quer na parte que era agricultável quer na parte do montado que lhe pertencia ocorreu a movimentação de terras e foram plantados eucaliptos. 10 - Ora a fotografia aérea representa o prédio num estado físico anterior à movimentação de terras e a plantação de eucaliptos porque não se constata da fotografia junta qualquer eucalipto plantado ou movimentação de terra. 11 – O que demonstra a inexistência do que o tribunal considerou provado, ou seja, que pela altura das movimentações da terra e da plantação de eucaliptos os réus invadiram a parte restante do terreno (o tal referenciado na planta representativa) e ai cortaram cerca de 12 sobreiros, com uma média de cerca de 20 cm de diâmetro e de 15 anos de idade cada. 12 – A fotografia não só demonstra a inexistência das árvores referidas como evidencia a inexistência da área identificada na planta representativa. 13 – Realidade que além de desmentida pela documentação foi desmentida pelas testemunhas dos réus. 14 – Todas as testemunhas dos réus são pessoas residentes na localidade e que trabalharam os prédios em questão nos presentes autos concretamente o trato de terreno em discussão. 15 – Como resulta das transcrições todas as testemunhas dos réus afirmaram o trato de terreno a que corresponderia as letras A, B, C e D corresponderia a uma pequena área de cerca de 25 a 30 m2 que era pertença do prédio dos réus e que não foi objecto da terraplanagem realizada há cerca de 30 ou mais anos por constituir um monte rochoso e a máquina não conseguir eliminar esse alto. 16 – Mais afirmaram que nesse alto não existe ou existiu qualquer árvore como as que foram alegadas pelos autores e dadas como provadas pelo Tribunal a quo. 17 – E que nem os autores nem os seus antepossuidores alguma vez limparam, esgalharam ou cortaram árvores existentes nesse trato de terreno. 18 – Afirmaram que quem agricultava e limpava esse trato de terreno sempre foram os réus. 19 – Mais afirmaram as testemunhas dos réus que o prédio dos autores terminava no caminho e na cruz que existe junto a esse trato de terreno, na sua parte inferior, e que a movimentação de terras realizada pelos autores e a plantação ocorreu até junto dessa cruz, não entrando na parte posterior da cruz que é o trato de terreno aqui em discussão. 20 – As testemunhas afirmaram ainda a inexistência de sobreiros com cerca de 20 cm de diâmetro em média e 15 anos de idade. 21 – Não resulta qualquer prova dos autos de delimite o tempo em que os réus obtiveram o prédio dos autores por empréstimo do Venâncio muito menos se foi durante o período de pendencia do inventário. 22 – O Tribunal não poderia ter dado por provado o facto constante do ponto Z porquanto nada foi produzido quanto ao tipo de contrato ou se foi celebrado algum contrato entre os réus e o Venâncio. 23 - O Tribunal a quo também não deveria ter dado por provado que foi o punho do réu marido que realizou as assinaturas constantes dos contratos juntos aos autos. 24 – A perícia é inconclusiva e nenhuma outra prova foi produzida que permita com certeza atribuir a autoria da assinatura ao réu marido. 25 – Da prova testemunhal produzida, concretamente dos testemunhos transcritos supra é notório que os réus não ocuparam qualquer parcela de terreno pertencente ao prédio dos autores e que nela cortaram sobreiros. 26 – Também resulta demonstrado que os réus nunca subtraíram aos autores a utilização de qualquer trato de terreno do seu prédio. 27 – Consequentemente não lhe causaram os sentimentos dados por provados no ponto FF e GG dos factos provados. 28 – Isso mesmo decorre do depoimento das testemunhas José R., José M. R., Zeferino e António M., nos termos dos depoimentos devidamente transcritos supra, os quais aqui se subscrevem. 29 – A falta de adesão à realidade da tese dos autores resulta patente nos depoimentos dos seus filhos Isabel e Rui, com idade inferior a 30 anos de idade e, ainda assim, afirmaram em clara mentira que se lembram de os réus abrirem o caminho. 30 – Obra que como resulta de toda a prova realizada foi feita há mais de 30 anos. 31 – Ao que parece, mentiram deliberadamente, com a intenção de beneficiar a posição dos autores, seus pais. 32 - Em face do exposto, pugnamos que a decisão de facto consonante com a prova produzida em julgamento deveria ser a seguinte: Dos factos considerados provados: (…) T. No ano de 2006, o réu marido e o autor marido, verbalmente, acordaram o empréstimo gratuito, do prédio rústico denominado “Leiras do B.” ou do D.” com montado junto. U. Em Dezembro de 2008, o réu marido entregou aos autores o prédio Leiras do B. ou do D. com o montado junto. Factos Não Provados (…) 9. Na faixa de terreno referenciada a cor vermelha e delimitada pelas letras A, B, C, D do croqui de fls. 55, os autores e seus antepossuidores esgalhavam as árvores aí existentes ou cortavam-nas, utilizando em proveito próprio, tendo vendido carvalhas aí implantadas e recebendo os respetivos preços. 10. Numa área não especificada do montado os autores, em Janeiro de 2014, movimentaram terras e plantaram eucaliptos. 11. E por essa altura os réus invadiram a parte restante do terreno desse mesmo montado, referenciada a cor vermelha no croqui de fls. 50. 12. E aí cortaram cerca de 12 sobreiros tendo, em média, cerca de 20 cms de diâmetro e de 15 anos de idade cada, transportando as árvores abatidas para local desconhecido. 13. Tendo o autor marido apresentado nessa altura no Posto da G.N.R. de Mondim de Basto uma queixa-crime contra o mesmo réu marido, imputando-lhe o crime de usurpação de imóvel e de dano. 14. Acresce que no período da pendência no Tribunal Judicial de Mondim de Basto do Processo de Inventário Facultativo nº 48/87, o então Cabeça-de-casal Venâncio emprestou ao réu marido Manuel R., gratuitamente e por mero favor, as mencionadas 3 (três) “Leiras do B.” com montado junto, para por ele serem granjeadas ou trabalhadas. 15. Tendo esse contrato de comodato cessado quando os autores celebraram a transação na ação nº 46/200X e o contrato de dação em pagamento, tendo-lhes sido restituídas pelos réus as 3 leiras e o montado junto em toda a sua extensão. 16. Posteriormente, em 21 de Dezembro de 2006, a solicitação do réu marido e na sequência das boas relações sociais que existiam entre as partes, o autor marido Abel emprestou, gratuitamente, o mesmo prédio rústico denominado “Leiras do B. ou do D.” com montado junto, ao réu marido Manuel R. para este as granjear e lavrar, semear, cavar as videiras, podá-las, e sulfatá-las e tratar dos bardos de vides existentes nessas 3 (três) leiras, roçar o mato do montado e zelar e conservar todo o conjunto predial, tudo consoante melhor se vê do conteúdo do documento assinado pelo réu marido. 17. E em 22 de Dezembro do ano seguinte, ou seja em 2007, o autor marido renovou por mais de 1 (um) ano esse empréstimo com o réu marido, como tudo flui do documento assinado pelo réu marido. 18. Tendo esse contrato findado em Dezembro de 2008, data em que o réu marido restituiu aos autores as 3 (três) “Leiras do B. ou do D.” com o montado junto em toda a sua extensão. 19. Com a ocupação abusiva e sem conhecimento e sem autorização dos autores da parcela de terreno em causa cortando sobreiros os réus têm impedido que os autores a utilizem para os fins a que a mesma se destina. 20. Tendo-a subtraído á disponibilidade e utilização dos demandantes. 21. Os autores, em consequência do comportamento dos réus sentiram um grande mal-estar psicológico, dor moral, humilhação, grande tristeza e desconforto. 22. E esse comportamento dos réus, que violou as regras da boa-fé e da amizade entre vizinhos, fizeram com que os autores se tornassem pessoas constrangidas e tristes. 33 - Alterada a decisão de facto nos termos propostos e realizada a correta subsunção dos factos ao Direito aplicável, outra deverá ser necessariamente a decisão de Direito. 34 – Inexistindo factos provados de posse sobre o trato de terreno identificado pelas letras A, B, C e D da planta representativa e se o trato existente corresponde de facto ao que vem representado não pode o Tribunal a quo determinar que essa mesma parcela de terreno é parte integrante do prédio identificado nos autos. 35 – Aliás, a prova produzida demonstra que esse trato de terreno é objecto de atos de posse por parte dos réus. 36 – E que sempre fez parte do prédio que eles há mais de 30 anos planaram e construíram uma vinha. 37 – Consequentemente deverá ser revogada a decisão que condena os réus a restituir aos autores aquele trato de terreno. 38 – Independente do exposto, deve ser revogada a decisão de condenação dos réus a pagar aos autores uma indemnização por danos morais no valor de € 2000,00 não só por ser manifestamente exagerada no que ao valor concerne, mas também por os réus não terem praticado qualquer facto que ofendesse os seus direitos ou interesses. 39 – E deve ser revogada a sentença de condenação dos réus a pagar aos autores o que vier a ser liquidado em execução de sentença por ter ficado demonstrada a inexistência de qualquer sobreiro no trato de terreno em discussão. 40 – Com as decisões que proferiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1305º, 1287º, 1290º, 1252º, 1262º, 1259º, 1260º, 1294º, 1311, 483 e 496º do Código Civil. Termos em que deve o Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que alterando a matéria de facto e procedendo ao correto enquadramento jurídico desta, julgue a ação parcialmente procedente, nos termos expostos, com as legais consequências.» Os autores responderam pronunciando-se pela improcedência do recurso. Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito. Objeto do recurso Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (arts. 635, 637, n.º 2, e 639, n.ºs 1 e 2, do CPC). Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as questões de saber se a matéria de facto deve ser alterada, se os autores são donos da parcela que identificaram num desenho, se essa parcela foi abusivamente ocupada pelos réus, e se os réus dela subtraíram sobreiros. II. Fundamentação de facto Estão provados os seguintes factos que, relativamente à sentença proferida em 1.ª instância, contêm as alterações justificadas no ponto III.A.: A. Os autores casaram catolicamente em 26-10-1986 na Igreja Paroquial do Concelho de Vila Verde, sem convenção antenupcial e, por isso, no regime supletivo de comunhão de adquiridos. B. O direito de propriedade sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial na ficha n.º 1354/199806BB da Freguesia de Mondim de Basto designado por “Leiras do B., também conhecido por Leiras D., com montado junto, sito no Concelho de Mondim de Basto, tudo com a área de 5.000 m2, a confrontar do Norte com os réus Manuel R. e esposa e caminho de servidão, sul António, poente caminho de servidão e outros, nascente José, inscrito na respectiva matriz rústica no artigo 15VV.º, mostra-se registado a favor dos autores. C. O prédio rústico denominado “Leiras do B.”, com montado junto, pertenceu á mãe do autor marido D. Florinda, falecida em 11-01-1978. D. E por óbito desta D. Florinda foi instaurado o inventário facultativo nº 48/87 que correu termos pelo Tribunal Judicial de Mondim de Basto e no qual exerceu funções de Cabeça-de-casal um irmão do autor marido, de seu nome Venâncio. E. Constituindo esse mesmo prédio rústico a Verba nº 5 da descrição de bens constante desse inventário nº 48/87. F. E foi adjudicado na partilha efectuada naquele inventário e homologada por douta sentença proferida em 23/5/1998 ao identificado Co-herdeiro e Cabeça-de-casal, irmão do autor marido, Venâncio. G. Acontece que esse Venâncio, foi condenado, por douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido na ação ordinária n.º 46/200X, a pagar ao seu irmão Abel e esposa D. Maria, aqui autores a quantia de € 125.000,00 acrescida de juros de mora á taxa legal então em vigor. H. Antes do trânsito em julgado daquele Acórdão proferido na ação n.º 46/200X os aqui autores e os aí réus Venâncio e esposa Teresa celebraram uma transação nessa ação n.º 46/200X em que estes prometeram dar em pagamento daquele montante em dívida aos aqui autores o prédio rústico “Leiras do B. ou do D.” e ainda outro prédio rústico denominado “Tapada do B.”, com a área de 8.000 m2, inscrito na matriz no art.º 15TT.º. I. E para cumprimento daquela transação e pagamento da mencionada divida o identificado Venâncio e esposa Teresa e seu filho Zeferino e esposa Olívia e ainda uma neta daqueles e uma filha destes Zeferino e esposa Olívia, de seu nome Lídia– para a qual seus pais haviam transferido a propriedade do prédio rústico mencionado em B. na pendência daquela ação nº 46/200X – celebraram com os aqui autores, em 04-12-2006, um contrato promessa de dação em pagamento e através do qual se prometeram dar-lhes em pagamento da quantia indemnizatória os prédios rústicos descritos em H. J. E para cumprimento desse contrato foi celebrada em 16-3-2007, no Cartório Notarial de Mondim de Basto, a escritura pública de doação de fls. 50 cujo conteúdo aqui se dá como integrado. K. As mencionadas “Leiras do B. ou do D.”, são constituídas por 3 (três) leiras e um montado. L. Os autores por si e antepassados e anteproprietários, directamente por si ou por intermédio dos seus caseiros, jornaleiros e comodatários, vêm possuindo esse prédio rústico identificado em B desde há mais de 20, 30, 40 e 50 anos, de forma continuada. M. Semeando na parte arável centeio, milho, feijão, batatas e outros produtos agrícolas próprios da região, sachando-os, adubando-os e regando-os e colhendo os respetivos frutos que consumiam em proveito próprio ou vendiam. N. Plantando na bordadura dessas leiras videiras e construindo bardos com arames aos quais fixavam e fixam essas videiras. O. Cavando essas videiras, podando-as, sulfatando-as e colhendo as uvas. P. Transformando essas uvas aí produzidas em vinho que vendiam e guardando para si o respectivo preço. Q. Roçando mato em toda a extensão do montando que faz e sempre fez parte integrante do prédio rústico denominado “Leiras do B. ou do D.”. R. Beneficiando, enfim, de todas as utilidades que esse prédio rústico denominado “Leiras do B. ou do D.” com montado junto, produz ou pode produzir. S. E praticando todos esses atos por si e anteproprietários há mais de 15, 20, 30, 40 e 50 anos, de forma continuada, á vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, com consciência de não causar prejuízo a outrem e como quem exerce um direito próprio de propriedade. Y. Acresce que no período da pendência no Tribunal Judicial de Mondim de Basto do Processo de Inventário Facultativo n.º 48/87, o então cabeça-de-casal Venâncio emprestou ao réu marido Manuel R., gratuitamente e por mero favor, as mencionadas 3 (três) “Leiras do B.” com montado junto, para por ele serem granjeadas ou trabalhadas. Z. Tendo esse contrato de comodato cessado quando os autores celebraram a transação na ação n.º 46/200X e o contrato de dação em pagamento, tendo-lhes sido restituídas pelos réus as 3 leiras e o montado junto em toda a sua extensão. AA. Posteriormente, em 21 de dezembro de 2006, o autor marido Abel emprestou, gratuitamente, o mesmo prédio rústico denominado “Leiras do B. ou do D.” com montado junto, ao réu marido Manuel R. para este as granjear e lavrar, semear, cavar as videiras, podá-las, e sulfatá-las e tratar dos bardos de vides existentes nessas 3 (três) leiras, roçar o mato do montado e zelar e conservar todo o conjunto predial, tudo consoante melhor se vê do conteúdo do documento assinado pelo réu marido. BB. E em 22 de dezembro do ano seguinte, ou seja em 2007, o autor marido renovou por mais de 1 (um) ano esse empréstimo com o réu marido, como tudo flui do documento assinado pelo réu marido. CC. Tendo esse contrato findado em dezembro de 2008, data em que o réu marido restituiu aos autores as 3 (três) “Leiras do B. ou do D.” com o montado junto em toda a sua extensão. Não se provaram os seguintes factos que, em relação à sentença do tribunal a quo, contêm as alterações abaixo justificadas: 1. Durante o período de tempo em que esteve pendente no Tribunal Judicial de Mondim de Basto o Processo de Inventário Facultativo nº 48/87 a que se procedeu por óbito de D. Florinda, mãe do autor marido, o Cabeça-de-casal Venâncio, irmão do autor marido, a solicitação do réu marido cedeu gratuitamente uma parcela de terreno do montado que faz parte integrante do prédio rústico denominado “Leiras do B. ou do D.”, com a forma retangular e com o comprimento de cerca de 37 metros e a largura de 2 metros. 2. Parcela de terreno que se destinou ao alargamento do estreito caminho de servidão de passagem a pé que tinha cerca de 0,80 cms de largura e que confrontava com esse montado pelo lado poente deste, para possibilitar a passagem de tratores agrícolas para um outro prédio rústico pertencente aos réus. 3. O prédio rústico dos réus referido em V. é denominado “Campo da V.” e é onde estes plantaram videiras, construíram um alpendre e cortes para gado. 4. Na sequência do alargamento do caminho, a área do montado, que inicialmente era de cerca de 454 m2 ficou reduzida a cerca de 360 m2 em consequência de lhe ter sido retirada a parcela de terreno com a área aproximada de 94 m2. 5. A parte de terreno ocupado pelos réus tem 160m2. 6. Com a ação referida em W. os autores tiveram um prejuízo material de, pelo menos, € 2.400,00. 7. Após o facto relatado em X. o réu marido começou a afirmar junto de pessoas das suas relações e dos autores, que a parte do montado que invadiu lhe pertence e não aos autores. 8. Após o corte dos sobreiros o réu marido começou a impedir os autores de plantarem nessa parcela de terreno eucaliptos aí colocando terra e restos de ramos e árvores e restos de raizeiros. T. Na faixa de terreno referenciada a cor vermelha e delimitada pelas letras A, B, C, D do croqui de fls. 55, os autores e seus antepossuidores esgalhavam as árvores aí existentes ou cortavam-nas, utilizando em proveito próprio, tendo vendido carvalhas aí implantadas e recebendo os respetivos preços. U. Numa área não especificada do montado os autores, em Janeiro de 2014, movimentaram terras e plantaram eucaliptos. V. E por essa altura os réus invadiram a parte restante do terreno desse mesmo montado, referenciada a cor vermelha no croqui de fls. 50. W. E aí cortaram cerca de 12 sobreiros tendo, em média, cerca de 20 cms de diâmetro e de 15 anos de idade cada, transportando as árvores abatidas para local desconhecido. X. Tendo o autor marido apresentado nessa altura no Posto da G.N.R. de Mondim de Basto uma queixa-crime contra o mesmo réu marido, imputando-lhe o crime de usurpação de imóvel e de dano. DD. Com a ocupação abusiva e sem conhecimento e sem autorização dos autores da parcela de terreno em causa cortando sobreiros os réus têm impedido que os autores a utilizem para os fins a que a mesma se destina. EE. Tendo-a subtraído á disponibilidade e utilização dos demandantes. FF. Os autores, em consequência do comportamento dos réus sentiram um grande mal-estar psicológico, dor moral, humilhação, grande tristeza e desconforto. GG. E esse comportamento dos réus, que violou as regras da boa-fé e da amizade entre vizinhos, fizeram com que os autores se tornassem pessoas constrangidas e tristes. III. Apreciação do mérito do recurso A. Reapreciação da prova e alteração da matéria de facto O recorrente pode impugnar a decisão sobre a matéria de facto, caso em que deverá observar as regras contidas no art. 640 do CPC. Segundo elas, e sob pena de rejeição do respetivo recurso, o recorrente deve especificar: - Os pontos da matéria de facto de que discorda; - Os meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida; - A decisão que, em seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O recorrente cumpriu estes ónus que entendemos deverem ser interpretados com a razoabilidade que decorre da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nos Acórdãos de 31/05/2016, proc. 889/10.5TBFIG.C1-A.S1, e de 21/04/2016, proc. 449/10.0TTVFR.P2.S1. Preliminarmente, lembramos que as únicas restrições que a lei impõe à reapreciação da prova pela Relação são as que resultam do art. 640 do CPC: a reapreciação está limitada a determinados aspetos da matéria de facto dos quais o recorrente discorda e implicará a reanálise de elementos probatórios dos quais o recorrente entende resultar outra solução. Fora destas balizas, o CPC confere aos tribunais de 2.ª instância poderes-deveres semelhantes aos dos tribunais de 1.ª instância no que concerne à criação da convicção pela livre apreciação da prova. Apesar de, no que à prova pessoal respeita, o objeto da apreciação pelo tribunal de 2.ª instância não ser exatamente o mesmo que aquele de que a 1.ª instância dispôs, pois trata-se apenas de uma gravação áudio deste, onde necessariamente se perde tudo o que é apreensível por outros sentidos além da audição, o legislador não limitou os poderes de livre apreciação da prova pela 2.ª instância (neste sentido o nosso acórdão de 18/05/2017, proc. 124/15.0T8CMN.G1). Daí que o tribunal de 2.ª instância não se possa limitar a um controlo formal da fundamentação que o tribunal recorrido expressou para os factos selecionados, nem a tecer considerações genéricas a propósito da menor imediação de que dispõe e de como isso o impede de pôr em causa o juízo a quo. Perante as regras positivadas no CPC, e sem prejuízo do seccionamento do objeto da reapreciação por via do disposto no art. 640 do CPC, os tribunais da Relação devem proceder à efetiva reapreciação da prova produzida (nomeadamente dos meios de prova indicados no recurso, mas também de outros disponíveis e que entendam relevantes) da mesma forma – em consonância com os mesmos parâmetros legais – que o faz o juiz de 1.ª instância (assim o temos repetido em vários acórdãos que relatámos, além dos quais se podem ver também, exemplificativamente, os acórdãos do STJ de 11/02/2016, proc. 907/13.5TBPTG.E1.S1, e de 10/12/2015, proc. 2367/12.9TTLSB.L1.S1). Tanto significa que os juízes D.es apreciam livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documentos, acordo ou confissão (art. 607, n.º 5, do CPC). Na sua livre apreciação, os juízes D.es não estão condicionados pela apreciação e fundamentação do tribunal a quo. Ou seja, o objeto da apreciação em 2.ª instância é a prova produzida (tal como em 1.ª instância) e não a apreciação que a 1.ª instância fez dessa prova. Esta pode ter sido formalmente correta, bem como exaustiva e logicamente fundamentada, e, não obstante, a Relação formar diferente convicção. Claro que, como já referido, o que é dado apreciar aos juízes D.es não é exatamente o mesmo, no que à prova gravada respeita, que é observado em 1.ª instância. Esta circunstância inultrapassável (ainda que melhorável com recurso a outras tecnologias de reprodução) pode e deve ser ponderada na reapreciação que, em 2.ª instância, se faz da prova, mas isso não significa uma menorização do poder de livre apreciação da prova, mas apenas mais um dado a considerar nessa apreciação. Os recorrentes insurgem-se contra os factos provados sob a letra T e seguintes e contra o elenco dos não provados que, em seu entender, é de aumentar com aqueles. Propõem também a consignação sob as letras T e U de factos que se encontram contidos, ainda que de modo diverso, nas alíneas AA a CC. Ouvida a prova pessoal produzida em audiência e analisada a documentação dos autos, os réus, ora recorrentes, têm, no essencial, razão. Da reapreciação e concatenação da prova não se alcança fundamento para os factos provados na sentença do tribunal a quo sob as letras T a X e DD a GG. A prova produzida não nos permite delimitar, identificar no terreno a linha divisória entre os prédios confinantes dos autores e dos réus e só o estabelecimento dessa linha permitiria a prova de parte daqueles factos e a condenação feita nos n.ºs 2 a 5 do dispositivo da sentença do tribunal a quo. As testemunhas e depoentes falaram muito, longas e longas horas, mas de relevante para o estabelecimento da delimitação do montado (ou do espaço que foi de montado) dos autores: nada. Não está em discussão que os autores são donos de três leiras com montado junto (ou com terreno que teve sobreiros). Os réus jamais o discutiram. O que de essencial se discutia era se a parcela de terreno referenciada a cor vermelha no croqui junto a fls. 55 e aí delimitada pelas letras A, B, C e D faz e sempre fez parte integrante do prédio rústico pertencente aos autores. E para isto, os depoimentos de nada ajudam. As perguntas feitas foram genéricas: tinha montado?, sim, sim (respostas unânimes). Não houve sequer uma inspeção ao local, onde, para que a prova fosse minimamente eficaz numa situação destas, as testemunhas deviam ter sido ouvidas. Apesar de requerida, tal inspeção foi indeferida, com o fundamento de que o tribunal estava esclarecido e de que a ação era de reivindicação e não de demarcação… Quanto ao alegado facto de os réus terem cortado sobreiros do montado dos autores, a prova foi nula. Testemunhos genéricos sobre a existência em tempos de sobreiros e a plantação ulterior de eucaliptos pelos autores, nada mais… Melhor vejamos, para que não haja dúvidas. O réu depoente prestou um depoimento que pareceu sincero, espontâneo e genuinamente indignado com as “acusações” de ter cortado o que quer que fosse em terreno alheio. Não admitiu que a delimitação ABCD do croqui corresponda exatamente ao antigo montado dos réus; admite ter em tempos alargado o caminho mas apenas para terreno seu. Negou ter assinado os documentos de fls. 56 e 57 e ter contratado o que quer que fosse com os autores, mas talvez por aqueles documentos lhe terem sido apresentados como “contratos” e por entender o “contrato” como algo que o obrigasse a fazer alguma coisa. Admitiu que houve acordos no sentido de limpar e granjear os terrenos dos autores, mas gratuitamente e apenas quando e se o entendesse; e o depoente, manifestamente, não entendia que esses acordos pudessem ser contratos. A ré depoente, do pouco que se ouvia da gravação, também pareceu verdadeira, espontânea e indignada com as alegações dos autores. Admitiu que que os autores têm as três leiras e o tal montado (ex-montado, diremos) que encheram de eucaliptos. «Não cortaram sobreiros?», perguntam-lhe referindo-se a eles, réus. «E onde é que os havia para cortar? Não senhor!», responde com genuína espontaneidade e indignação. Insiste que apenas mexeram no que era deles (réus). Portanto, a questão que permanece, e sem resposta, é a da delimitação do espaço; essa ficou por fazer. Também negou a existência de contratos com os autores, tendo transparecido do seu depoimento que entendia que os contratos envolvem sempre pagamento. Admitiu que fizeram em vários períodos as leiras dos autores, mas gratuitamente, à sua vontade, quando podiam limpar, limpavam, quando não podiam, não limpavam. Bem menos espontâneo e verdadeiro pareceu o autor que no seu depoimento, várias vezes, foi dizendo «não estou a perceber a pergunta», além de ser pouco consistente nas respostas, como o tribunal a quo foi reparando, sem todavia tirar as devidas ilações. Admite que no primeiro trimestre de 2014 plantou eucaliptos no montado, mas queixa-se que os réus alargaram o caminho para o lado do terreno dos autores. Mais uma vez fica por saber afinal onde acaba o terreno dos autores e onde começa o dos réus… Testemunharam Rosa, irmã do autor Abel, Luís e Isabel, filhos dos autores, repetindo que os réus aumentaram o caminho à custa do terreno dos autores. Ainda que assim fosse e sem conceder (até porque as testemunhas arroladas pelos réus, entre elas um sobrinho dos autores, vêm afirmar o contrário, que o alargamento foi feito para o terreno dos réus), nunca daí se poderia retirar sem mais, com os demais elementos dos autos, que o espaço ABCD do croqui corresponda exatamente ao velho montado dos autores. O depoimento em videoconferência de Isabel mal se entende com ruído, mas pelas perguntas feitas e observações subsequentes percebe-se que nada disse de útil. Manuel M. e António F. ajudavam por vezes a tratar dos terrenos dos autores, o último há mais de 40 anos (não depois disso). Nenhum deles disse o que quer que fosse que possa ajudar à prova dos factos ainda em discussão neste recurso. Que o montado confinava com o caminho, disse o primeiro (o segundo nem se lembra de haver sobreiros), mas isso, uma vez mais se diz, não é discutido pelas partes. José R, jardineiro e vizinho dos réus que bem conhece os terrenos afirma que o alargamento do caminho pelos réus foi feito para o lado do terreno dos réus. Assim também José M. R., irmão do réu, Zeferino, sobrinho dos autores e António M.. Nenhum mereceu menos credibilidade que os que disseram o contrário. Aqui chegados, impõe-se passar a não provados os factos T a X e DD a GG e retirar do AA o trecho «a solicitação do réu marido… entre as partes». B. Do mérito da causa Nem sempre é fácil distinguir uma ação de reivindicação de uma ação de demarcação. Ambas são destinadas à defesa da propriedade e, muitas vezes, fundem-se num mesmo processo sendo esse, aliás, o caso nos presentes autos. Na ação de reivindicação o proprietário exige judicialmente o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição da coisa (art. 1311 do CC); discute-se a titularidade. Pressupõe, logicamente, que a coisa esteja devidamente identificada e que não haja litígio relativamente à sua delimitação. Na ação de demarcação, o dono pede que se fixem as fronteiras relativamente aos prédios confinantes; discute-se a extensão. Quando nenhum dos proprietários confinantes afirma saber os limites dos seus prédios, só lhes resta a ação de demarcação. Quando os proprietários confinantes pensam saber os limites dos respetivos prédios mas estão em desacordo quanto a esses limites, podem gizar a ação como de reivindicação ou como de demarcação. Se a configurarem como de reivindicação, terão, ainda assim, de fazer prova de factos próprios da ação de demarcação. Visando objetivos e tendo fundamentos distintos, sucede com frequência embrenharem-se num mesmo processo, como se passa no caso sub judice. A dificuldade de estabelecer fronteiras entre os dois tipos de ações é recorrente e ressalta em vários arestos como se exemplifica em seguida. Ac. TRC de 29/04/2014, proc. 289/12.2TBMGL.C1: «III - A doutrina e a jurisprudência sempre procuraram diferenciar as acções de reivindicação das acções de demarcação, encontrando diversos critérios distintivos, revelando-se esclarecedora a expressão de que na ação de reivindicação há um conflito acerca do título, enquanto na demarcação há um conflito entre prédios, o que significa que a ação de reivindicação será a adequada quando a questão respeite à titularidade de um prédio, e a de demarcação quando a questão respeite, já não à titularidade, mas à extensão do prédio. IV - Tendo presente esta distinção, a jurisprudência tem, maioritariamente, sustentado que não é impeditiva da propositura de uma ação de demarcação entre dois prédios a decisão anterior de uma ação de reivindicação proposta pelo proprietário de um desses prédios contra o proprietário confinante, relativa a uma faixa de terreno situada na zona de confrontação dos prédios.» Ac. TRG de 13/10/2014, proc. 2201/12.0TBFAF.G1: «II - A causa de pedir na ação de reivindicação é o facto jurídico de que deriva o direito real e o pedido é o de reconhecimento do direito de propriedade e, por via do direito de sequela que lhe é inerente, a consequente restituição da coisa por quem a possua ou a detenha. III - Na ação de demarcação a causa de pedir é complexa e desdobra-se na existência de prédios confinantes, pertencentes a donos diferentes, e que as estremas sejam incertas ou duvidosas e o pedido é o de fixação das estremas porque a linha divisória entre os dois prédios confinantes é incerta ou se tornou duvidosa. IV – A distinção entre a ação de reivindicação e a ação de demarcação tem por base a diferença entre um conflito acerca do título e um conflito de prédios. Se as partes discutem o título de aquisição a ação é de reivindicação. Se não discutem o título de aquisição do prédio de que a faixa faz parte, mas a extensão do prédio possuído, a ação é já de demarcação. V - Deste modo, não estando em causa uma incerteza ou dúvida sobre a linha divisória, não se pode recorrer à ação de demarcação.» Ac. TRG de 01/06/2005, proc. 980/05-2: «1. Nas acções de demarcação, a causa de pedir é complexa e constituída pelas circunstâncias da existência de propriedade confinante, e de estremas incertas ou discutidas. Embora conexa com um direito das coisas, a ação de demarcação não é uma ação real, mas pessoal. 2. A qualidade de proprietário de um terreno, invocado pelo autor numa ação em que pede a fixação das respetivas estremas, é apenas condição da sua legitimidade para tal ação, da qual não é causa de pedir o facto que originou o invocado direito de propriedade. (…) 7. Nem sempre é fácil distinguir a ação de reivindicação da ação de demarcação, porque, em qualquer dos casos, se discute uma questão de domínio, relativamente a uma faixa de terra. Mas, “grosso modo”, na primeira daquelas acções, está em causa o próprio título de aquisição; na outra, discute-se a extensão do prédio possuído. O disposto no próprio art. 1.354° do Cód. Civil só funciona se o litígio se limitasse a um acerto de estremas sem pôr em causa os títulos de aquisição dos prédios confinantes.» Ac. TRC de 10/02/2009, proc. 554/06.8TBAND.C1: «1. A ação de demarcação tem como pressuposto o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio cuja demarcação se pretende; No entanto, a finalidade específica da ação não é o reconhecimento desse direito, mas fazer funcionar o direito que o proprietário tem de obrigar os donos dos prédios confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre os prédios (1353º, do Cód. Civil). 2. Deduzido pedido de condenação dos réus no reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre um prédio, com uma determinada área, e a condenação dos réus na entrega aos autores da área ocupada e que estes invocam pertencer-lhe, estamos perante uma típica ação de reivindicação, tal como ela é configurada no art. 1311º do Cód. Civil. 3. Nada obsta a que se cumule esse pedido com pretensão deduzida com vista à demarcação, o que acontece quando o demandante peticiona ainda a condenação dos réus a “contribuírem para a demarcação dos dois prédios”.» A ação dos autos contém uma ação de reivindicação como dito pelo tribunal a quo, mas não se fica por aí na medida em que tem latente um conflito relativo à delimitação da coisa reivindicada. As partes até estão ab initio de acordo em que os autores são donos de determinado prédio que têm registado a seu favor na competente Conservatória. A sua discordância refere-se à configuração desse prédio, que confina com o dos réus, pelo que a discórdia respeita à linha de fronteira. O pedido que os autores formulam na al. b) – declaração judicial que a parcela de terreno referenciada a cor vermelha no croqui junto como doc. n.º 7 e aí delimitada pelas letras A, B, C e D faz parte integrante do prédio rústico pertencente aos autores – exige a demarcação do dito prédio. Não se pretende com isto dizer que os autores tinham de ter intentado ação de outra espécie. Quer a ação de reivindicação quer a de demarcação seguem a forma de processo comum. Assim é desde a reforma processual de 1995, que eliminou os processos de arbitramento. Entendeu-se, então, que a prova pericial que se realiza no âmbito do processo comum seria suficiente e adequada para satisfazer as necessidades das partes num processo destinado a fixar a linha divisória entre dois prédios. Nos presentes autos, além de não ter havido inspeção judicial do local (como acima referimos), nem audição das testemunhas in loco, também nenhuma perícia se realizou com o indicado fito. Também não se nos afigura que os autores tivessem de ter alegado outros factos ou tivessem de ter formulado diferentes pedidos. O que se diz é que, para que a ação procedesse, necessário era que os autores tivessem sucedido na prova de que parte do seu prédio tem exata correspondência com o espaço delimitado pelos pontos ABCD do desenho que apresentaram. Tal prova ficou longe de ser feita, pelo que o recurso procede nos termos requeridos pelos recorrentes. Falecem assim os fundamentos da condenação dos réus feita nos pontos 2,3,4 e 5 do dispositivo da sentença do tribunal de 1.ª instância Em todo o caso, tendo a ação sido configurada como reivindicação, não estarão os autores, nem os réus, impedidos de vir a intentar ação exclusivamente com vista à demarcação dos prédios. IV. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida nos pontos 2, 3, 4 e 5 do dispositivo, e absolvendo os réus dos pedidos nessa parte. Custas pelos recorridos. Guimarães, 29/06/2017 Higina Orvalho Castelo João Peres Coelho Pedro Damião e Cunha * Escrevemos todo o texto, incluindo citações de obras ou trechos de decisões escritas à luz do Acordo Ortográfico de 1945, em conformidade com a grafia vigente, do Acordo Ortográfico de 1990.