I - O dano biológico abrange todas as ofensas à integridade física e/ou psíquica sofridas pelo lesado, quer delas resulte ou não perda da capacidade de ganho deste e, no primeiro caso, ainda que importem incapacidade permanente absoluta ou incapacidade para a profissão habitual. II - O que difere nuns casos e noutros é o modo de calcular a respectiva indemnização, pois: - se o lesado ficou afectado de alguma percentagem de IPG ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, mesmo que compatível com o exercício da actividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, aquela é calculada segundo os parâmetros do dano patrimonial futuro; - se o lesado não ficou afectado de qualquer IPG ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, a indemnização é fixada nos termos dos danos não patrimoniais.
Proc. 435/10.0TVPRT.P1 – 2ª Secção (apelação) ________________________________ Relator: Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Francisco Matos Des. Maria de Jesus Pereira* * *Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, residente nesta cidade do Porto, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra C…, SA, com sede também nesta cidade [actualmente D… – Companhia de Seguros, SA, por incorporação daquela nesta], pedindo a condenação desta a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de 125.000,00€ [cento e vinte e cinco mil euros], acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, e ainda a suportar todos os custos em que venha a incorrer com a sua sujeição a intervenções cirúrgicas necessárias em consequência das lesões que sofreu no acidente que relata, bem como com tratamentos, medicamentos e consultas médicas, tudo a liquidar posteriormente. Alegou, para tal, que em consequência do acidente de viação em que interveio o veículo por si conduzido e o veículo segurado na Ré, ambos identificados na p. i., ocorrido no dia 12/05/2007 e causado por este último, cujo condutor conduzia distraído e imprimia ao veículo velocidade superior a 90 km/h, em local sujeito ao limite legal de 50 Km/h, e que, por isso, foi embater na traseira do seu [da autora] veículo, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais por cuja reparação pretende ver a ré condenada. A ré, citada, contestou a acção, aceitando a sua responsabilidade pelo sinistro em questão, mas impugnou os danos alegados pela demandante, tendo concluído no sentido da acção dever ser julgada em conformidade com o que viesse a provar-se em sede própria. Foi cumprido o disposto no art. 1º nº 2 do DL 59/89, de 22/02, não tendo sido deduzido qualquer pedido de reembolso por parte do Instituto da Segurança Social. Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar e foram seleccionados os factos assentes e os controvertidos, estes formando a base instrutória, sem reclamação das partes. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual, após produção da prova, foi proferido despacho de resposta aos quesitos/pontos da base instrutória, novamente sem reclamação das partes. Após alegações escritas de ambas as partes sobre o aspecto jurídico da causa, foi proferida sentença que decidiu assim: “Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, pelo que condeno a Ré a pagar à Autora a quantia global de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), sendo € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros) a título de danos patrimoniais e € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento sobre o montante de € 65.000,00, e sobre o montante de € 10.000,00 a partir desta data e até integral pagamento. Custas por Autora e Ré na proporção da respectiva sucumbência. Notifique e registe.” Inconformada com o sentenciado, interpôs a ré o recurso de apelação em apreço, culminando a motivação com as seguintes conclusões: “1ª. Os únicos elementos de prova considerados pelo Meritíssimo Juiz a quo para o juízo de provado proferido sobre a facto quesitado no artigo 34º da base instrutória, foram as declarações fiscais juntas aos autos a fls. 131 a 162. 2ª. Da correcta leitura do conteúdo daqueles documentos infere-se, com elevado grau de exactidão, que a recorrida não auferia, em média, no ano do acidente e nos imediatamente precedentes e subsequentes, um rendimento bruto mensal de aproximadamente 7500 euros. 3ª. Analisadas detalhadamente as referidas declarações fiscais, verifica-se tão-somente o seguinte: - no ano de 2005 o sujeito passivo B, ou seja a ora recorrida, inscreveu na sua declaração de rendimentos os montantes de € 52.147,47 de trabalho dependente e € 22.231,37 de prestações de serviços; - no ano de 2006 o sujeito passivo B, ou seja a ora recorrida, inscreveu na sua declaração de rendimentos os montantes de € 49.023,85 de trabalho dependente e € 28.899,72 de prestações de serviços; - no ano de 2007 o sujeito passivo B, ou seja a ora recorrida, inscreveu na sua declaração de rendimentos os montantes de € 48.496,96 de trabalho dependente e € 39.097,25 de prestações de serviços; - no ano de 2008 o sujeito passivo B, ou seja a ora recorrida, inscreveu na sua declaração de rendimentos os montantes de € 51.014,92 de trabalho dependente e € 27.529,35 de prestações de serviços. 4ª. Porém, nos termos do disposto no artigo 31º do CIRS apenas se consideravam tributáveis 65% dos rendimentos da categoria B em 2005 e 2006, e 70% em 2007 e 2008. 5ª. Ademais, sempre resulta das regras da experiência comum que um qualquer profissional médico, máxime anestesiologista, como era a recorrida, que trabalhe por conta própria, tem forçosamente que afectar uma parte do seu rendimento ao pagamento de despesas exclusivamente incorridas com a obtenção de tais rendimentos, nas quais se inscrevem necessariamente e de uma forma significativa despesas de transporte. 6ª. Não se considerando rendimento tributável, isto é, rendimento sujeito a impostos, por se presumir afecto a despesas inerentes e imprescindíveis à obtenção de um dado proveito, 30% do valor deste, e tendo sido este (rendimento tributável) o critério único de que o Julgador se serviu para calcular o rendimento médio mensal da recorrida, não podia este deixar de ter em consideração tal factor de correcção e, nessa exacta medida, restringir a resposta dada ao quesito 34º da BI a um valor aproximado de € 6.000 e nunca dar como provado, sem mais, o valor alegado pela então A., mas não demonstrado nem comprovado. 7ª. Impõe-se pelas razões expendidas, com data vénia, uma alteração da decisão da matéria de facto provada, no apontado sentido: - a resposta ao artigo 34º da BI deverá passar de «provado» para «provado apenas que a A. auferia mensalmente em média aproximadamente € 6.000 ( seis mil euros)», o que se requer. Sem Prescindir: 8ª. Para além da indicada correcção da decisão da matéria de facto, a recorrente insurge-se contra o arbitramento, a título de danos patrimoniais, da quantia de € 65.000. 9ª. Tendo em conta a factualidade assente a final, com relevância para a análise do segmento decisório que se pretende colocar em crise, inexiste qualquer fundamentação legal para o arbitramento de uma indemnização a título de danos patrimoniais na vertente da perda de capacidade de ganho futura. 10ª. Muito ao contrário do que erradamente se defendeu na sentença em crise, as perícias médico legais realizadas quantificaram em termos percentuais (nos aludidos 6 pontos) a incapacidade corporal ou biológica de que a recorrida ficou afectada, mas apenas enquanto dano à saúde. 11ª. Ao contrário do que o Julgador da primeira instância afirmou na sua douta sentença, inexiste qualquer evidência probatória de que a recorrida tenha ficado com uma IPP de 6 pontos. 12ª. Não havendo afectação da capacidade de ganho, quer no presente quer no futuro, não pode a indemnização ressarcitória ser calculada matematicamente a partir dos rendimentos médios auferidos e ficcionadamente diminuídos por referência ao período de vida activa restante. 13ª. De outro modo, embora não o assumindo explicitamente, estar-se-ia, como inelutavelmente sucedeu na sentença em crise, a fixar um quantum indemnizatório baseado numa incapacidade funcional/laboral que, de todo, não sobreveio. 14ª. In casu, entende-se, por conseguinte, que o dano à saúde da recorrida avaliado que foi em 6 pontos deverá ser indemnizado na vertente de danos não patrimoniais na justa medida em que os esforços acrescidos que terá que fazer por força das sequelas verificadas ao nível da cervical serem uma inevitabilidade própria do avançar da idade, para além de serem mais facilmente suportáveis, atenta a profissão de anestesiologista, que pela sua natureza não se materializa em actividades repetitivas e constantes no dia-a-dia laboral, ao contrário do que sucede com a maioria das restantes profissões. 15ª. A avaliação médico-legal dos danos sofridos pela recorrida foi realizada nos termos e ao abrigo do disposto no Dec-lei 352/2007 de 23 de Outubro e na Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio actualizada pela Portaria 679/2009 de 25/06. 16ª. O valor indemnizatório do dano biológico consistente numa IPG de 6 pontos reconhecida à recorrida, não tendo que ser forçosamente calculada de acordo com as previsões da Portaria 337/2008 de 26 de Maio, revista pela Portaria 679/2009 de 25 de Junho, deve pelo menos tê-las como referente. 17ª. Tais diplomas legais têm de ser considerados no processo de formação das decisões judiciais que fixarem indemnizações devidas por incapacidades avaliadas em direito civil, sob pena de, para além do mais, resultar afectada injustificadamente a unidade do sistema jurídico vigente. 18ª. Ora, de acordo com tais portarias, considerando a idade da apelada e o referido deficit de 6 pontos à sua integridade físico-psíquica, a indemnização por tal dano deverá criteriosamente ser fixada em quantia não superior a € 5.000 euros. 19ª. E nunca nos sentenciados € 65.000 que, de resto, é incompreensivelmente superior à quantia que a generalidade da jurisprudência atribui hoje ao dano morte – incomensuravelmente maior que qualquer outro dano. 20ª. A indemnização global devida à recorrida não deverá ultrapassar os € 15.000 euros a título de danos não patrimoniais. 21ª. Mesmo que assim se não entendesse, o que de todo não se concebe e apenas por mera hipótese de raciocínio se admite, a quantia arbitrada de € 65.000 sempre teria que ser corrigida, para menos, em função da necessária redução da remuneração mensal média auferida pela recorrida, tal como aqui defendido, em face da prova produzida. 22ª. Ao ter decidido de modo e em montantes substancialmente diferentes, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito aos factos provados, tendo violado o disposto nos artigos 483º, 494º, 496º, 562º, 563º e 566º, todos do Código Civil e ainda o disposto nos artigos 4º e 7º nº 1 da Portaria 377/2008 de 26/05 na sua redacção actual, para além de não ter respeitado os princípios basilares do direito civil português da equidade, adequação e igualdade. Termos em que, e nos do douto suprimento de V/Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-se por uma outra que, alterando a decisão sobre o ponto supra identificado da fundamentação de facto, reduza os montantes das indemnizações devidas, conforme o aqui preconizado.” A autora contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.* * *II. Questões a apreciar e decidir: Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações da recorrente - art. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, aqui aplicável «ex vi» do estabelecido no nº 1 do art. 5º desta Lei - e recordando que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, a que alude o nº 2 do art. 608º, «ex vi» do nº 2 do art. 663º, ambos daquele diploma, não se confunde nem demanda qualquer dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas por elas invocados, por mais fundamentados e respeitáveis que se apresentem, como flui do nº 3 do art. 5º do Novo CPC [para a versão anterior do CPC, cfr., i. a., Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., pgs. 677-688, Ac. do Tribunal Constitucional nº 371/2008, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos e Acs. do STJ de 10/04/2008, proc. 08B877 e de 11/10/2001, proc. 01A2507, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj], as questões a apreciar e decidir são as seguintes: ● Se há que alterar a matéria de facto; ● Se há que reduzir o montante indemnizatório fixado a título de dano futuro e alterar a natureza do mesmo.* * *III. Factos que vêm dados como provados: A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: A) No dia 12 de Maio de 2007, pelas 13h30m, a Autora conduzia o veículo automóvel marca Subaru modelo … matrícula ..-..-XG na …, desta cidade do Porto, no sentido poente/nascente. B) A referida Avenida é dividida em toda a sua extensão por separador central ajardinado e arborizado e é por isso formada por duas vias de trânsito de sentidos únicos e opostos, cada uma delas permitindo duas faixas de rodagem no mesmo sentido. C) O separador central é interrompido em alguns locais, formando cruzamentos com diversas artérias que vão entroncar na referida avenida, permitindo o atravessamento dessas duas vias de trânsito. D) Uma das artérias que entronca na referida avenida pela direita atento o sentido em que a Autora circulava, poente/nascente ou …/…, e perpendicularmente àquela, é a Rua …. E) Sendo que os veículos que circulavam então nessa rua ao chegar à … podiam atravessá-la pois no seu prolongamento o separador central é interrompido e existe faixa de rodagem, ou aceder à mesma, obrigatoriamente virando à direita, dado o sentido único (Poente/nascente) dessa via. F) A … configura uma recta com mais de 2 Km de extensão, sendo nas imediações do cruzamento com a Rua …, quer antes, quer depois, de perfil plano. G) O piso era e é de asfalto betuminoso, colocado há menos de 5 anos, e encontrando-se em perfeitas condições de conservação, sem buracos nem irregularidades. H) No pavimento da …, na via de sentido Poente/Nascente e antes do cruzamento com a Rua … estavam pintados os sinais de passadeira para peões e, no passeio logo à direita, existia e existe placa advertindo de cruzamento a cerca de 10 metros do seu início. I) Imediatamente a seguir ao cruzamento com a Rua … – sempre atento o sentido Poente/Nascente – a referida avenida tem para além da faixa de rodagem, com cerca 7 metros de largura, um espaço paralelo àquela e à sua direita para estacionamento de viaturas, encostado por isso ao passeio existente. J) O tempo estava seco, bem como o pavimento, e estava um dia claro, de sol, ultrapassando a visibilidade os 500 metros. K) Por a dita Avenida estar integrada na cidade do Porto, o limite de velocidade é, em toda a sua extensão, de 50 km/h. L) A Autora, após ter feito entrar o veículo que conduzia na … - provindo da Rua …, fazendo-o circular pela direita da faixa de rodagem da Avenida a não mais de 40 cm do seu limite do lado direito (a baia de estacionamento na qual se encontravam vários carros estacionados), imprimindo-lhe velocidade inferior a 40 km/h, e já quando a viatura havia percorrido mais de 46 metros após o término do cruzamento entre as duas artérias, sempre tendo em atenção o sentido Poente/Nascente -, foi embatida na sua traseira pelo veículo automóvel marca Peugeot, matrícula SG-..-.., conduzido pelo seu proprietário E…. M) O veículo SG-..-.. circulava então na referida … e na via que permite o sentido Poente/Nascente. N) Todavia o seu condutor ia sem votar atenção ao trânsito, designadamente de veículos que se processava na sua dianteira como era o caso da viatura conduzida pela autora. O) Daí que o seu condutor só se apercebeu do veículo conduzido pela Autora cerca de duas dezenas de metros após ter transposto o cruzamento com a Rua … e, apesar de ter travado, perdeu o controlo da viatura, não conseguindo imobilizá-la no espaço que tinha à sua frente e por isso não evitou o embate da frente do veículo que conduzia com a traseira daquele em que a Autora circulava. P) A hemi-faixa esquerda das duas que compõem a via naquele local estava livre e desocupada no trajecto compreendido entre o cruzamento da Rua … com a … e a traseira do veículo em que circulava a Autora. Q) A Autora em momento algum fez circular o veículo que conduzia, ainda que parcialmente, por aquela hemi-faixa esquerda, a qual esteve sempre livre e desimpedida, designadamente para efeito de o condutor do SG ultrapassar o veículo em que circulava a Autora. R) O embate deu-se na metade direita da faixa de rodagem por onde os veículos circulavam, sensivelmente em frente ao prédio que, com o nº …, faceia aquela Avenida do lado direito e a cerca de 56 metros do término do cruzamento, tudo atento o referido sentido de marcha dos veículos. S) O veículo de matrícula SG-..-.., após o embate, rodopiou sobre si próprio, derrapando, e foi-se imobilizar na baia de estacionamento do lado direito em frente ao prédio nº …, à frente dos veículos que naquela ocasião aí estavam estacionados, com a traseira voltada para o passeio e a frente para o separador central, obliquado no sentido contrário ao que circulara. T) A viatura conduzida pela Autora, fruto do embate, foi projectada para diante e ficou imobilizada no lado direito da faixa de rodagem e no seu limite direito com a área de estacionamento e a cerca de 30 metros do local da colisão. U) O condutor do SG-..-.. tinha visibilidade muito superior a 500 metros para diante e nenhum obstáculo o impedia de ver e de se aperceber da presença do veículo da Autora. V) Por contrato de seguro titulado pela apólice ../…… (documento junto a fls. 104/105, aqui dado por reproduzido), a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo com a matrícula SG-..-.. estava, à data do dito sinistro, transferida para a Ré “C…, SA”, entretanto incorporada, por fusão, na “D…, Companhia de Seguros, SA”. W) O condutor do SG-..-.. circulava a velocidade não inferior a 70 Km/h. X) No momento do acidente, a Autora levava colocado o cinto de segurança. Y) Não obstante, a colisão fez com que o corpo da Autora tivesse sido também sujeito a uma força brusca e violenta que, num primeiro momento o projectou para diante e, depois, o fez regressar também bruscamente à posição inicial no assento. Z) Daí que ficou imediatamente com fortes dores na coluna cervical, com irradiação para o ombro esquerdo, bem como na região lombar. AA) Assistida nesse próprio dia no serviço de urgência do Hospital de Santo António, foi-lhe diagnosticada cervicalgia, prescrita medicação e aconselhado repouso na residência. BB) A Autora esteve 8 dias em repouso, com dores na coluna cervical, que irradiavam para o ombro e braço esquerdos. CC) Tais dores limitavam-lhe, e limitam-lhe, a mobilidade e a locomoção, tendo muita dificuldade em virar-se, em baixar-se, em levantar-se, ao inverter marcha e mudar de direcção. DD) Nesse período teve dificuldade em efectuar a sua higiene, vestir-se, pegar em pesos, bem como praticar os demais actos da vida doméstica, condicionada e limitada como se viu pelas dores que sentia. EE) Tinha ainda dificuldade em dormir as horas necessárias ao seu repouso, por não conseguir uma posição cómoda que lhe permitisse estar deitada sem dores. FF) Por persistência dessas dores, foi a Autora aconselhada clinicamente a usar um colar cervical durante seis semanas. GG) O que efectuou no período seguinte. HH) Tomou, por prescrição médica, relaxantes, analgésicos e anti-inflamatório, tais como Voltaraine, Valium e Sirdalude, durante mais de um ano. II) E ainda hoje os toma nos períodos em que sente dores. JJ) A A. ainda sente frequentemente dores na coluna cervical, que lhe dificultam o trabalho. KK) Dificultando-lhe o exercício da condução, locomoção e mobilidade. LL) A Autora foi tomando analgésicos e anti-inflamatórios com regularidade e colhendo opiniões de ortopedistas, submetendo-se a consultas e a exames. MM) A A. foi aconselhada a realizar exames complementares de diagnóstico, Ressonância Magnética (RM) cervical e Electromiografia (EMG) dos membros superiores, os quais revelaram: - Electromiografia dos membros superiores efectuada em 10.03.08: “alterações do tipo neurogeneo a nível dos músculos dependentes do miótomo de C6 esquerda, compatível com sofrimento radicular cervical.” - RM cervical efectuada em 14.10.09: “Atenuação da lordose cervical fisiológica, com tendência à rectilinização (centrada ao nível C5-C6). Presença de discreta protusão discal posterior paramediana esquerda no nível C4-C5 que apaga de forma focal e parcial o espaço subaracnoideu anterior, sem contactar o cordão medular ou a raiz C5 esquerda. Ligeira redução degenerativa da altura do disco intervertebral C5-C6 e presença de procidência disco-osteofitária posterior difusa que não contacta o cordão medular e que estabelece contiguidade com as raízes C6. Presença de hipertrofia uncal que condiciona redução do calibre dos canais de conjugação, em grau ligeiro a moderado.” NN) Consolidadas as lesões que sofreu decorrentes do acidente, a A. ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 pontos, sendo as sequelas de que ficou afectada, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares. OO) A Autora tem a profissão de anestesista. PP) No seu exercício, tem de manter-se de pé durante várias horas, tem de movimentar doentes e de usar aparelhos de manuseamento delicado, que exigem atenção, força e particular perícia, sobretudo em manobras anestésicas que requerem posição de flexão e inclinação da coluna cervical. QQ) Desde que sofreu o acidente, e assim que voltou ao trabalho, a Autora vem sentido um maior cansaço, sobretudo ao final da jornada. RR) Fruto das lesões que sofreu, e nos períodos em que as dores e as limitações se agudizam, a A. fica abatida e menos expansiva. SS) As dores que sofreu determinam a atribuição de um quantum doloris de grau 3 em 7. TT) E vê diminuída a força no seu membro superior esquerdo. UU) A Autora nasceu no dia 25 de Março de 1961. VV) Era uma pessoa inteiramente saudável, não padecendo de quaisquer lesões ou sequelas que a limitassem, pessoal ou profissionalmente. WW) Era uma pessoa alegre, extrovertida e de bom humor, muito dada a convívios sociais com familiares e amigos. XX) À data do acidente, a Autora trabalhava diariamente em média cerca de 10 horas. YY) E auferia um rendimento mensal médio bruto de aproximadamente € 7.500,00. * * * IV. Apreciação das questões enunciadas em II: 1. Se há que alterar a matéria de facto. A recorrente, nas sete primeiras conclusões das suas doutas alegações pugna pela alteração da resposta que a 1ª instância deu ao quesito 34º da base instrutória, entendendo que o mesmo devia ter merecido a resposta de “provado apenas que a autora auferia mensalmente em média aproximadamente 6.000€”. Estriba esta pretensão no que, na sua óptica, decorre dos documentos juntos a fls. 131 a 162. Mostrando-se cumpridos os ónus da impugnação da matéria de facto estabelecidos nas als. a) a c) do nº 1 do art. 640º do Novo CPC, vejamos se lhe assiste razão. No quesito 34º da BI perguntava-se se a autora, à data do acidente, “auferia um rendimento mensal médio bruto de aproximadamente 7.500,00€”. O Tribunal «a quo» respondeu afirmativamente [«provado»] a tal quesito, fundamentando a resposta no que se afere das “declarações fiscais de rendimentos da A. relativos aos anos de 2005 a 2008 juntos aos autos a fls. 131 a 162” – cfr. despacho de resposta aos quesitos da BI, de fls. 382-388, particularmente a fls. 384 e 388. Não há, assim, dúvida que na resposta ao quesito em referência só foram considerados os documentos acabados de mencionar e a que a recorrente também alude na impugnação da decisão fáctica; nenhuma outra prova foi produzida nem atendida relativamente ao mesmo. Por isso, é em função do que deles resulta que importa aferir se a resposta ao quesito em questão é ou não merecedora de censura. Das declarações fiscais de rendimentos juntas a fls. 131 a 162 decorre que a autora auferiu, no exercício da sua actividade profissional de médica anestesista, os seguintes rendimentos brutos: - no ano de 2005: 52.147,47€ de trabalho dependente e 22.231,37€ de prestações de serviços; - no ano de 2006: 49.023,85€ de trabalho dependente e 28.899,72€ de prestações de serviços; - no ano de 2007: 48.496,96€ de trabalho dependente e 39.097,25€ de prestações de serviços; - no ano de 2008: 51.014,92€ de trabalho dependente e 27.529,35€ de prestações de serviços. Assim, em cada um destes anos, a autora obteve os seguintes rendimentos médios brutos mensais: - 2005: 6.198,24€; - 2006: 6.493,63€; - 2007: 7.299,52€; - 2008: 6.545,36€. Tendo em conta que o acidente dos autos ocorreu em 2007, entendemos que o rendimento médio mensal bruto a ter em conta deve conjugar o que a autora auferiu não só naquele ano, mas também no ano imediatamente anterior – 2006 – e no ano imediatamente seguinte – 2008 -, o que dá uma média mensal de 6.779,50€. Inexistindo, como se disse, outros meios de prova que se conjuguem ou complementem a que deriva dos apontados documentos, entendemos que a resposta ao quesito sob impugnação da recorrente não devia ter sido a que foi dada na 1ª instância [de “aproximadamente 7.500,00€”], mas sim que aquele rendimento médio mensal bruto era de 6.780,00€. A recorrente pretende, além disso, que no seu cômputo se tenham em consideração os gastos e despesas que a recorrida suporta no exercício da sua actividade profissional e, bem assim, que ao rendimento apurado seja abatida a percentagem que é retirada pelo Fisco para o cálculo do rendimento tributável daquela – cfr. 5ª e 6ª conclusões das alegações. Como é bom de ver, nem aqueles gastos/despesas, nem este abatimento são de considerar na reposta ao quesito em análise, pois o que nele se perguntava era se a autora “auferia um rendimento mensal médio bruto de aproximadamente 7.500,00€”. Concluindo este item referente à impugnação da matéria de facto, há então que alterar a resposta ao quesito 34º da BI, que passa a ser a seguinte: “Provado apenas que a autora auferia um rendimento mensal médio bruto de 6.780,00€”. Por via disso, a al. YY) dos factos provados [ponto III deste acórdão] para a ter a seguinte redacção: “E auferia um rendimento mensal médio bruto de 6.780,00€”. Neste segmento, o recurso procede em parte.* *2. Se há que reduzir o montante indemnizatório fixado a título de dano futuro e alterar a natureza do mesmo. Nas restantes conclusões das doutas alegações, a recorrente defende e pugna por duas coisas: ● Por um lado, que inexiste fundamento legal “para o arbitramento de uma indemnização a título de danos patrimoniais na vertente da perda de capacidade de ganho futura”; ● Por outro, que “o dano à saúde da recorrida avaliado … em 6 pontos deverá ser indemnizado na vertente de danos não patrimoniais” e, tendo em conta, no seu cálculo, os critérios constantes das Portarias nºs 352/2007, de 23/10, 377/2008, de 26/05 e 678/2009, de 25/06, que tal dano seja quantificado em “quantia não superior a 5.000 euros”. No que releva para este ponto, encontra-se provado que: - as dores que sofreu na coluna cervical, limitam a mobilidade e a locomoção da autora, tendo muita dificuldade em virar-se, baixar-se e levantar-se, bem como a inverter a marcha e mudar de direcção – al. CC); - ainda hoje toma a medicação indicada na al. HH), nos períodos em que sente dores – al. II); - ainda sente frequentemente dores na coluna cervical que lhe dificultam o trabalho, o exercício da condução e a locomoção/mobilidade – als. JJ) e KK); - consolidadas as lesões que sofreu decorrentes do acidente, a autora ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos, sendo as sequelas de que ficou afectada compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares – al. NN). Além disso – e diversamente do que a recorrente parece dizer nas conclusões 10ª a 12ª -, consta do relatório de clínica forense de fls. 321-325 que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica se refere “à afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo familiares e sociais, e sendo independente das actividades profissionais, corresponde ao dano que vinha sendo tradicionalmente designado por Incapacidade Permanente Geral”. Está, portanto, em questão o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos de que a autora/recorrida ficou afectada em termos definitivos/permanentes. Estamos perante o chamado «dano biológico», «dano corporal» ou «dano à integridade psico-física» que vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele resultar ou não perda ou diminuição de proventos laborais [cfr., i. a., Acórdãos do STJ de 20/05/2010, proc. 103/2002.L1.S1, de 23/11/2010, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/123221" target="_blank">456/06.8TBVGS.C1</a>.S1 e de 26/01/2012, proc. 220/2001-7.S1, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj; este último faz uma resenha histórica do surgimento do conceito de «dano biológico» e da sua construção]. A tutela deste dano encontra o seu substrato último, no âmbito do direito civil, no art. 25º nº 1 da CRP, que considera inviolável a integridade física das pessoas e no art. 70º nº 1 do CCiv., que protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. O corpo humano, na sua amplitude física e moral, integrando a sua constituição físico-somática, a componente psíquica e as relações fisiológicas, surge, assim, como um bem jurídico protegido perante terceiros, “considerando-se como ilícita civilmente toda e qualquer ofensa ou ameaça de ofensa desse corpo, sendo ilícitos os actos de terceiro que lesem ou ameacem lesar um corpo humano, nomeadamente, através de ferimentos, contusões, equimoses, erosões, infecções, maus tratos físicos ou psíquicos, mutilações, desfigurações, administração de substâncias ou bebidas prejudiciais à saúde, inibições ou afectações de capacidade, doenças físicas ou psíquicas, ou outras anomalias, bem como os actos de terceiro que se traduzam numa intervenção não consentida, nem de outro modo justificada, no corpo de outrem” [assim, Acórdão desta Relação do Porto de 10/11/2011, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/142474" target="_blank">3595/08.7TBMAI.P1</a>, disponível in www.dgsi.pt/jtrp]. Por isso, “o responsável pelo dano biológico, porque incidente sobre o valor humano, em toda a sua dimensão, em que o bem saúde é objecto de um autónomo direito básico absoluto, deve repará-lo, em qualquer caso, mesmo que se prove que a vítima não desenvolvia qualquer actividade produtora de rendimento” [assim, Ac. do STJ de 23/11/2010, já mencionado, que cita, no mesmo sentido, o acórdão do STJ de Itália, nº 7101, de 6/7/1990, publicado na Rivista de Giurisprudenza in Tema di Circolazione e Transporto, 1991, pg. 644; veja-se, ainda, o estudo de J. Borges Pinto, Notas sobre o Dano Corporal e a Perícia Médico-Legal, de Fevereiro de 2007, disponível em Compilações Doutrinais, no site da Verbo Jurídico]. Onde surge alguma divergência é no enquadramento deste dano, pois uns consideram-no e quantificam-no como dano autónomo [um «tertium genus»], enquanto outros o integram no dano patrimonial ou no dano não patrimonial, consoante dele decorra ou não perda ou diminuição dos proventos profissionais do lesado [a título de exemplo, vejam-se, i. a., os Acórdãos do STJ de 23/11/2010 e de 17/05/2011, proc. 7449/05.0TBCFR.P1.S1, este também disponível no referido sítio da DGSI, que defendem a autonomização daquele dano, e o Acórdão do mesmo Alto Tribunal de 26/01/2012, supra citado, que é contra esta autonomização]. Algum afloramento desta ideia, embora expressa de forma imperfeita, surge no art. 3º als. a) e b) da Portaria nº 377/2008, de 26/05, que, no entanto, retira do conceito de dano biológico, enquadrando-o apenas como dano patrimonial futuro, os casos de incapacidade permanente absoluta ou de incapacidade para a profissão habitual, ficando aquele conceito reservado/restringido aos demais danos «pela ofensa à integridade física e psíquica, de que resulte ou não perda da capacidade de ganho», mas sem aquelas graves limitações de incapacidade [o Ac. do STJ de 26/01/2012, supra citado, critica este enquadramento do dano biológico feito na referida Portaria]. É, aliás, em função da classificação feita em tais preceito e Portaria que a recorrente defende que aqui está em causa um dano biológico a reparar/compensar como dano não patrimonial e não um dano patrimonial futuro. Não é, contudo, este o entendimento que temos seguido em casos como o presente [em vários acórdãos relatados pelo aqui relator, alguns dos quais disponíveis no ITIJ, na área dos acórdãos desta Relação], pois englobamos uns e outros no âmbito dos danos biológicos, apenas distinguindo o modo de calcular a respectiva indemnização: - se o lesado ficou afectado de alguma percentagem de IPG ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, mesmo que compatível com o exercício da actividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, procedemos ao cálculo do montante indemnizatório seguindo os parâmetros do dano patrimonial futuro; - se o lesado não ficou afectado de qualquer IPG ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, calculamos a indemnização devida pelo dano biológico nos termos dos danos não patrimoniais. Não vemos motivos para alterar tal procedimento no caso «sub judice», o que quer dizer que a indemnização devida pelo dano biológico em apreço deve ser calculada nos termos correspondentes à primeira destas alternativas, tal como, no fundo, embora trilhando argumentação um pouco diversa, o fez a douta sentença recorrida. No que concerne ao modo de quantificação do dano em apreço, a Jurisprudência, como forma de redução da margem de arbítrio e de subjectivismo dos julgadores e para que haja uma maior uniformidade na sua fixação, tem adoptado os seguintes critérios: ● A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; ● No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que se confira relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; ● Os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização são apenas um instrumento de auxílio, meramente indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial fundada na equidade, tanto mais que cada caso é um caso e que o mesmo grau de IPG não tem necessariamente as mesmas consequências em diferentes lesados, havendo que ter em conta a natureza das sequelas e as consequências que provocam ou, previsivelmente, provocarão no sinistrado; ● Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, permitindo ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, havendo, por isso, que introduzir um desconto no valor encontrado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa do infractor ou da respectiva seguradora; ● Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que o tempo provável de vida activa do lesado, a própria esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as suas necessidades básicas não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma, mantendo-se outrossim até ao seu decesso [sobre estes parâmetros e a título meramente exemplificativo, podem citar-se os Acórdãos do STJ de 17/05/2011, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/143881" target="_blank">7449/05.0TBVFR.P1</a>.S1, de 30/09/2010, proc. 935/06.7TBPTL.G1.S1, de 19/05/2009, proc. 298/06.0TBSJM.S1 e de 13/01/2009, proc. 08A3747, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj]. Mas a quantificação do dano em equação, diversamente do que defende a recorrente nas conclusões 16ª a 18ª, não tem que acolher nem seguir as bitolas consagradas nas Portarias 337/2008 e 679/2009, pois temos vindo a entender que na quantificação de tal dano, bem como na fixação dos demais nelas abarcados, não estão os Tribunal vinculados, nem tolhidos, pelos critérios e limites ali estabelecidos, já que tais diplomas, como também frisa a douta sentença recorrida e consta expressamente do preâmbulo da Portaria indicada em primeiro lugar, não têm por objectivo “a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, (…), o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas” [objectivo que dificilmente será conseguido, dizemos nós, por tal Portaria não assentar as ditas «propostas razoáveis» no que os Tribunais vêm decidindo em matéria indemnizatória no âmbito dos sinistros rodoviários, prevendo valores bastante inferiores, pelo menos, em alguns dos casos enunciados nos seus anexos, o que inviabiliza a pretendida resolução extrajudicial dos litígios decorrentes de sinistros rodoviários]. Além disso, como simples Portarias que são, sempre seria de ter em conta as limitações que resultam da sua posição hierárquica relativamente ao Código Civil, sendo que é a este - e à CRP, acima de tudo -, e não àquelas, que os Tribunais, em primeira linha, devem recorrer na quantificação dos danos indemnizáveis [assim, i. a., Acórdãos do STJ de 17/05/2012, proc. 48/2002.L2.S2, de 26/01/2012, proc. 220/2001-7.S1 e de 14/09/2010, proc. 797/05.1TBSTS.P1, disponível in www.dgsi.pt/jstj e desta Relação do Porto de 26/02/2013, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/140738" target="_blank">1913/09.0TBSTS.P1</a>, relatado pelo aqui relator, de 07/02/2011, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/143209" target="_blank">2942/08.6TBVCD.P1</a> e de 19/09/2011, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/142569" target="_blank">1654/03.1TBVLG.P1</a>, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp]. Retomando o caso «sub judice», o quadro referencial a ter em conta é o seguinte: ● A idade da autora/lesada à data do sinistro - 46 anos [nasceu a 25/03/1961]; ● O tempo previsível de vida que terá pela frente, tendo em conta que a esperança média de vida é, actualmente, em Portugal, de 83 anos para os indivíduos do sexo feminino, segundo dados do INE de 2014, disponíveis na net; ● A IPG de que ficou afectada – 6 pontos -, que exige esforços acrescidos no exercício das tarefas profissionais e, certamente, pessoais; ● O rendimento que auferia à data do acidente, embora aqui, como o fez a sentença recorrida, devam ser feitos “alguns ajustamentos, desde logo tendo em conta que o rendimento líquido da autora será substancialmente inferior ao rendimento médio bruto” anual, na medida em que sobre ela incidirão “as taxas devidas a título de IRS (…), incidindo ainda os descontos respeitantes a contribuições obrigatórias para regimes de protecção social” [tais ajustamentos importam uma diminuição do rendimento bruto em não menos de 35%]; ● A inexistência de culpa concorrencial da sua parte na produção do acidente [que se deveu, em exclusivo, à actuação ilícita e culposa do condutor do veículo segurado na ré/recorrente] e, por via disso, nas lesões que determinaram as limitações de que ficou a padecer; ● O factor das tabelas financeiras adequado ao tempo de vida activa da demandante, considerando uma taxa de juro anual a rondar os 3% [que é a que vem sendo adoptada]; ● O facto de a indemnização ser recebida por inteiro e não em fracções anuais até ao fim da sua vida [o que se traduz num benefício que, a não ser ponderado, importaria um injustificado enriquecimento da autora - embora, com o devido respeito, nos pareça exagerada uma fracção de ¼ que alguns arestos tiveram em conta, sendo exemplos disso os Acórdãos do STJ de 17/05/2011, já citado e de 25/06/2002, in CJ-STJ, ano X, II, 128]; ● A previsível melhoria dos seus proventos profissionais, com o decorrer do tempo. Ponderando todos estes pressupostos e tendo como pano de fundo a visada equidade, entendem os Juízes desta Relação que a quantia de 55.000,00€ se mostra mais ajustada e equilibrada à satisfação do «quantum» indemnizatório devido pelo défice funcional permanente de que a demandante ficou afectada. Significa isto que o recurso também nesta parte procede parcialmente, impondo a redução da indemnização devida pelo apontado dano para o valor acabado de indicar.* *Síntese conclusiva: ● O dano biológico abrange todas as ofensas à integridade física e/ou psíquica sofridas pelo lesado, quer delas resulte ou não perda da capacidade de ganho deste e, no primeiro caso, ainda que importem incapacidade permanente absoluta ou incapacidade para a profissão habitual. ● O que difere nuns casos e noutros é o modo de calcular a respectiva indemnização, pois: - se o lesado ficou afectado de alguma percentagem de IPG ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, mesmo que compatível com o exercício da actividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, aquela é calculada segundo os parâmetros do dano patrimonial futuro; - se o lesado não ficou afectado de qualquer IPG ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, a indemnização é fixada nos termos dos danos não patrimoniais.* * *V. Decisão: Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em: 1º. Julgar parcialmente procedente o recurso e alterar a sentença recorrida, ficando a indemnização devida pelo dano que foi objecto do recurso, a pagar pela ré/recorrente à autora/recorrida, reduzida à quantia de 55.000,00€ [cinquenta e cinco mil euros], mantendo-se o mais que ali ficou decidido. 2º. Condenar recorrente e recorrida nas custas, na proporção do decaimento.* * *Porto, 2015/02/24 M. Pinto dos Santos Francisco Matos Maria de Jesus Pereira
Proc. 435/10.0TVPRT.P1 – 2ª Secção (apelação) ________________________________ Relator: Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Francisco Matos Des. Maria de Jesus Pereira* * *Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, residente nesta cidade do Porto, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum ordinário, contra C…, SA, com sede também nesta cidade [actualmente D… – Companhia de Seguros, SA, por incorporação daquela nesta], pedindo a condenação desta a pagar-lhe, a título de indemnização, a quantia de 125.000,00€ [cento e vinte e cinco mil euros], acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, e ainda a suportar todos os custos em que venha a incorrer com a sua sujeição a intervenções cirúrgicas necessárias em consequência das lesões que sofreu no acidente que relata, bem como com tratamentos, medicamentos e consultas médicas, tudo a liquidar posteriormente. Alegou, para tal, que em consequência do acidente de viação em que interveio o veículo por si conduzido e o veículo segurado na Ré, ambos identificados na p. i., ocorrido no dia 12/05/2007 e causado por este último, cujo condutor conduzia distraído e imprimia ao veículo velocidade superior a 90 km/h, em local sujeito ao limite legal de 50 Km/h, e que, por isso, foi embater na traseira do seu [da autora] veículo, sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais por cuja reparação pretende ver a ré condenada. A ré, citada, contestou a acção, aceitando a sua responsabilidade pelo sinistro em questão, mas impugnou os danos alegados pela demandante, tendo concluído no sentido da acção dever ser julgada em conformidade com o que viesse a provar-se em sede própria. Foi cumprido o disposto no art. 1º nº 2 do DL 59/89, de 22/02, não tendo sido deduzido qualquer pedido de reembolso por parte do Instituto da Segurança Social. Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar e foram seleccionados os factos assentes e os controvertidos, estes formando a base instrutória, sem reclamação das partes. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual, após produção da prova, foi proferido despacho de resposta aos quesitos/pontos da base instrutória, novamente sem reclamação das partes. Após alegações escritas de ambas as partes sobre o aspecto jurídico da causa, foi proferida sentença que decidiu assim: “Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, pelo que condeno a Ré a pagar à Autora a quantia global de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), sendo € 65.000,00 (sessenta e cinco mil euros) a título de danos patrimoniais e € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento sobre o montante de € 65.000,00, e sobre o montante de € 10.000,00 a partir desta data e até integral pagamento. Custas por Autora e Ré na proporção da respectiva sucumbência. Notifique e registe.” Inconformada com o sentenciado, interpôs a ré o recurso de apelação em apreço, culminando a motivação com as seguintes conclusões: “1ª. Os únicos elementos de prova considerados pelo Meritíssimo Juiz a quo para o juízo de provado proferido sobre a facto quesitado no artigo 34º da base instrutória, foram as declarações fiscais juntas aos autos a fls. 131 a 162. 2ª. Da correcta leitura do conteúdo daqueles documentos infere-se, com elevado grau de exactidão, que a recorrida não auferia, em média, no ano do acidente e nos imediatamente precedentes e subsequentes, um rendimento bruto mensal de aproximadamente 7500 euros. 3ª. Analisadas detalhadamente as referidas declarações fiscais, verifica-se tão-somente o seguinte: - no ano de 2005 o sujeito passivo B, ou seja a ora recorrida, inscreveu na sua declaração de rendimentos os montantes de € 52.147,47 de trabalho dependente e € 22.231,37 de prestações de serviços; - no ano de 2006 o sujeito passivo B, ou seja a ora recorrida, inscreveu na sua declaração de rendimentos os montantes de € 49.023,85 de trabalho dependente e € 28.899,72 de prestações de serviços; - no ano de 2007 o sujeito passivo B, ou seja a ora recorrida, inscreveu na sua declaração de rendimentos os montantes de € 48.496,96 de trabalho dependente e € 39.097,25 de prestações de serviços; - no ano de 2008 o sujeito passivo B, ou seja a ora recorrida, inscreveu na sua declaração de rendimentos os montantes de € 51.014,92 de trabalho dependente e € 27.529,35 de prestações de serviços. 4ª. Porém, nos termos do disposto no artigo 31º do CIRS apenas se consideravam tributáveis 65% dos rendimentos da categoria B em 2005 e 2006, e 70% em 2007 e 2008. 5ª. Ademais, sempre resulta das regras da experiência comum que um qualquer profissional médico, máxime anestesiologista, como era a recorrida, que trabalhe por conta própria, tem forçosamente que afectar uma parte do seu rendimento ao pagamento de despesas exclusivamente incorridas com a obtenção de tais rendimentos, nas quais se inscrevem necessariamente e de uma forma significativa despesas de transporte. 6ª. Não se considerando rendimento tributável, isto é, rendimento sujeito a impostos, por se presumir afecto a despesas inerentes e imprescindíveis à obtenção de um dado proveito, 30% do valor deste, e tendo sido este (rendimento tributável) o critério único de que o Julgador se serviu para calcular o rendimento médio mensal da recorrida, não podia este deixar de ter em consideração tal factor de correcção e, nessa exacta medida, restringir a resposta dada ao quesito 34º da BI a um valor aproximado de € 6.000 e nunca dar como provado, sem mais, o valor alegado pela então A., mas não demonstrado nem comprovado. 7ª. Impõe-se pelas razões expendidas, com data vénia, uma alteração da decisão da matéria de facto provada, no apontado sentido: - a resposta ao artigo 34º da BI deverá passar de «provado» para «provado apenas que a A. auferia mensalmente em média aproximadamente € 6.000 ( seis mil euros)», o que se requer. Sem Prescindir: 8ª. Para além da indicada correcção da decisão da matéria de facto, a recorrente insurge-se contra o arbitramento, a título de danos patrimoniais, da quantia de € 65.000. 9ª. Tendo em conta a factualidade assente a final, com relevância para a análise do segmento decisório que se pretende colocar em crise, inexiste qualquer fundamentação legal para o arbitramento de uma indemnização a título de danos patrimoniais na vertente da perda de capacidade de ganho futura. 10ª. Muito ao contrário do que erradamente se defendeu na sentença em crise, as perícias médico legais realizadas quantificaram em termos percentuais (nos aludidos 6 pontos) a incapacidade corporal ou biológica de que a recorrida ficou afectada, mas apenas enquanto dano à saúde. 11ª. Ao contrário do que o Julgador da primeira instância afirmou na sua douta sentença, inexiste qualquer evidência probatória de que a recorrida tenha ficado com uma IPP de 6 pontos. 12ª. Não havendo afectação da capacidade de ganho, quer no presente quer no futuro, não pode a indemnização ressarcitória ser calculada matematicamente a partir dos rendimentos médios auferidos e ficcionadamente diminuídos por referência ao período de vida activa restante. 13ª. De outro modo, embora não o assumindo explicitamente, estar-se-ia, como inelutavelmente sucedeu na sentença em crise, a fixar um quantum indemnizatório baseado numa incapacidade funcional/laboral que, de todo, não sobreveio. 14ª. In casu, entende-se, por conseguinte, que o dano à saúde da recorrida avaliado que foi em 6 pontos deverá ser indemnizado na vertente de danos não patrimoniais na justa medida em que os esforços acrescidos que terá que fazer por força das sequelas verificadas ao nível da cervical serem uma inevitabilidade própria do avançar da idade, para além de serem mais facilmente suportáveis, atenta a profissão de anestesiologista, que pela sua natureza não se materializa em actividades repetitivas e constantes no dia-a-dia laboral, ao contrário do que sucede com a maioria das restantes profissões. 15ª. A avaliação médico-legal dos danos sofridos pela recorrida foi realizada nos termos e ao abrigo do disposto no Dec-lei 352/2007 de 23 de Outubro e na Portaria nº 377/2008 de 26 de Maio actualizada pela Portaria 679/2009 de 25/06. 16ª. O valor indemnizatório do dano biológico consistente numa IPG de 6 pontos reconhecida à recorrida, não tendo que ser forçosamente calculada de acordo com as previsões da Portaria 337/2008 de 26 de Maio, revista pela Portaria 679/2009 de 25 de Junho, deve pelo menos tê-las como referente. 17ª. Tais diplomas legais têm de ser considerados no processo de formação das decisões judiciais que fixarem indemnizações devidas por incapacidades avaliadas em direito civil, sob pena de, para além do mais, resultar afectada injustificadamente a unidade do sistema jurídico vigente. 18ª. Ora, de acordo com tais portarias, considerando a idade da apelada e o referido deficit de 6 pontos à sua integridade físico-psíquica, a indemnização por tal dano deverá criteriosamente ser fixada em quantia não superior a € 5.000 euros. 19ª. E nunca nos sentenciados € 65.000 que, de resto, é incompreensivelmente superior à quantia que a generalidade da jurisprudência atribui hoje ao dano morte – incomensuravelmente maior que qualquer outro dano. 20ª. A indemnização global devida à recorrida não deverá ultrapassar os € 15.000 euros a título de danos não patrimoniais. 21ª. Mesmo que assim se não entendesse, o que de todo não se concebe e apenas por mera hipótese de raciocínio se admite, a quantia arbitrada de € 65.000 sempre teria que ser corrigida, para menos, em função da necessária redução da remuneração mensal média auferida pela recorrida, tal como aqui defendido, em face da prova produzida. 22ª. Ao ter decidido de modo e em montantes substancialmente diferentes, o Tribunal a quo fez uma errada aplicação do direito aos factos provados, tendo violado o disposto nos artigos 483º, 494º, 496º, 562º, 563º e 566º, todos do Código Civil e ainda o disposto nos artigos 4º e 7º nº 1 da Portaria 377/2008 de 26/05 na sua redacção actual, para além de não ter respeitado os princípios basilares do direito civil português da equidade, adequação e igualdade. Termos em que, e nos do douto suprimento de V/Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-se por uma outra que, alterando a decisão sobre o ponto supra identificado da fundamentação de facto, reduza os montantes das indemnizações devidas, conforme o aqui preconizado.” A autora contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.* * *II. Questões a apreciar e decidir: Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações da recorrente - art. 635º nº 4 e 639º nº 1 do Novo CPC, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, aqui aplicável «ex vi» do estabelecido no nº 1 do art. 5º desta Lei - e recordando que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, a que alude o nº 2 do art. 608º, «ex vi» do nº 2 do art. 663º, ambos daquele diploma, não se confunde nem demanda qualquer dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas por elas invocados, por mais fundamentados e respeitáveis que se apresentem, como flui do nº 3 do art. 5º do Novo CPC [para a versão anterior do CPC, cfr., i. a., Antunes Varela, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., pgs. 677-688, Ac. do Tribunal Constitucional nº 371/2008, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos e Acs. do STJ de 10/04/2008, proc. 08B877 e de 11/10/2001, proc. 01A2507, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj], as questões a apreciar e decidir são as seguintes: ● Se há que alterar a matéria de facto; ● Se há que reduzir o montante indemnizatório fixado a título de dano futuro e alterar a natureza do mesmo.* * *III. Factos que vêm dados como provados: A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: A) No dia 12 de Maio de 2007, pelas 13h30m, a Autora conduzia o veículo automóvel marca Subaru modelo … matrícula ..-..-XG na …, desta cidade do Porto, no sentido poente/nascente. B) A referida Avenida é dividida em toda a sua extensão por separador central ajardinado e arborizado e é por isso formada por duas vias de trânsito de sentidos únicos e opostos, cada uma delas permitindo duas faixas de rodagem no mesmo sentido. C) O separador central é interrompido em alguns locais, formando cruzamentos com diversas artérias que vão entroncar na referida avenida, permitindo o atravessamento dessas duas vias de trânsito. D) Uma das artérias que entronca na referida avenida pela direita atento o sentido em que a Autora circulava, poente/nascente ou …/…, e perpendicularmente àquela, é a Rua …. E) Sendo que os veículos que circulavam então nessa rua ao chegar à … podiam atravessá-la pois no seu prolongamento o separador central é interrompido e existe faixa de rodagem, ou aceder à mesma, obrigatoriamente virando à direita, dado o sentido único (Poente/nascente) dessa via. F) A … configura uma recta com mais de 2 Km de extensão, sendo nas imediações do cruzamento com a Rua …, quer antes, quer depois, de perfil plano. G) O piso era e é de asfalto betuminoso, colocado há menos de 5 anos, e encontrando-se em perfeitas condições de conservação, sem buracos nem irregularidades. H) No pavimento da …, na via de sentido Poente/Nascente e antes do cruzamento com a Rua … estavam pintados os sinais de passadeira para peões e, no passeio logo à direita, existia e existe placa advertindo de cruzamento a cerca de 10 metros do seu início. I) Imediatamente a seguir ao cruzamento com a Rua … – sempre atento o sentido Poente/Nascente – a referida avenida tem para além da faixa de rodagem, com cerca 7 metros de largura, um espaço paralelo àquela e à sua direita para estacionamento de viaturas, encostado por isso ao passeio existente. J) O tempo estava seco, bem como o pavimento, e estava um dia claro, de sol, ultrapassando a visibilidade os 500 metros. K) Por a dita Avenida estar integrada na cidade do Porto, o limite de velocidade é, em toda a sua extensão, de 50 km/h. L) A Autora, após ter feito entrar o veículo que conduzia na … - provindo da Rua …, fazendo-o circular pela direita da faixa de rodagem da Avenida a não mais de 40 cm do seu limite do lado direito (a baia de estacionamento na qual se encontravam vários carros estacionados), imprimindo-lhe velocidade inferior a 40 km/h, e já quando a viatura havia percorrido mais de 46 metros após o término do cruzamento entre as duas artérias, sempre tendo em atenção o sentido Poente/Nascente -, foi embatida na sua traseira pelo veículo automóvel marca Peugeot, matrícula SG-..-.., conduzido pelo seu proprietário E…. M) O veículo SG-..-.. circulava então na referida … e na via que permite o sentido Poente/Nascente. N) Todavia o seu condutor ia sem votar atenção ao trânsito, designadamente de veículos que se processava na sua dianteira como era o caso da viatura conduzida pela autora. O) Daí que o seu condutor só se apercebeu do veículo conduzido pela Autora cerca de duas dezenas de metros após ter transposto o cruzamento com a Rua … e, apesar de ter travado, perdeu o controlo da viatura, não conseguindo imobilizá-la no espaço que tinha à sua frente e por isso não evitou o embate da frente do veículo que conduzia com a traseira daquele em que a Autora circulava. P) A hemi-faixa esquerda das duas que compõem a via naquele local estava livre e desocupada no trajecto compreendido entre o cruzamento da Rua … com a … e a traseira do veículo em que circulava a Autora. Q) A Autora em momento algum fez circular o veículo que conduzia, ainda que parcialmente, por aquela hemi-faixa esquerda, a qual esteve sempre livre e desimpedida, designadamente para efeito de o condutor do SG ultrapassar o veículo em que circulava a Autora. R) O embate deu-se na metade direita da faixa de rodagem por onde os veículos circulavam, sensivelmente em frente ao prédio que, com o nº …, faceia aquela Avenida do lado direito e a cerca de 56 metros do término do cruzamento, tudo atento o referido sentido de marcha dos veículos. S) O veículo de matrícula SG-..-.., após o embate, rodopiou sobre si próprio, derrapando, e foi-se imobilizar na baia de estacionamento do lado direito em frente ao prédio nº …, à frente dos veículos que naquela ocasião aí estavam estacionados, com a traseira voltada para o passeio e a frente para o separador central, obliquado no sentido contrário ao que circulara. T) A viatura conduzida pela Autora, fruto do embate, foi projectada para diante e ficou imobilizada no lado direito da faixa de rodagem e no seu limite direito com a área de estacionamento e a cerca de 30 metros do local da colisão. U) O condutor do SG-..-.. tinha visibilidade muito superior a 500 metros para diante e nenhum obstáculo o impedia de ver e de se aperceber da presença do veículo da Autora. V) Por contrato de seguro titulado pela apólice ../…… (documento junto a fls. 104/105, aqui dado por reproduzido), a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo com a matrícula SG-..-.. estava, à data do dito sinistro, transferida para a Ré “C…, SA”, entretanto incorporada, por fusão, na “D…, Companhia de Seguros, SA”. W) O condutor do SG-..-.. circulava a velocidade não inferior a 70 Km/h. X) No momento do acidente, a Autora levava colocado o cinto de segurança. Y) Não obstante, a colisão fez com que o corpo da Autora tivesse sido também sujeito a uma força brusca e violenta que, num primeiro momento o projectou para diante e, depois, o fez regressar também bruscamente à posição inicial no assento. Z) Daí que ficou imediatamente com fortes dores na coluna cervical, com irradiação para o ombro esquerdo, bem como na região lombar. AA) Assistida nesse próprio dia no serviço de urgência do Hospital de Santo António, foi-lhe diagnosticada cervicalgia, prescrita medicação e aconselhado repouso na residência. BB) A Autora esteve 8 dias em repouso, com dores na coluna cervical, que irradiavam para o ombro e braço esquerdos. CC) Tais dores limitavam-lhe, e limitam-lhe, a mobilidade e a locomoção, tendo muita dificuldade em virar-se, em baixar-se, em levantar-se, ao inverter marcha e mudar de direcção. DD) Nesse período teve dificuldade em efectuar a sua higiene, vestir-se, pegar em pesos, bem como praticar os demais actos da vida doméstica, condicionada e limitada como se viu pelas dores que sentia. EE) Tinha ainda dificuldade em dormir as horas necessárias ao seu repouso, por não conseguir uma posição cómoda que lhe permitisse estar deitada sem dores. FF) Por persistência dessas dores, foi a Autora aconselhada clinicamente a usar um colar cervical durante seis semanas. GG) O que efectuou no período seguinte. HH) Tomou, por prescrição médica, relaxantes, analgésicos e anti-inflamatório, tais como Voltaraine, Valium e Sirdalude, durante mais de um ano. II) E ainda hoje os toma nos períodos em que sente dores. JJ) A A. ainda sente frequentemente dores na coluna cervical, que lhe dificultam o trabalho. KK) Dificultando-lhe o exercício da condução, locomoção e mobilidade. LL) A Autora foi tomando analgésicos e anti-inflamatórios com regularidade e colhendo opiniões de ortopedistas, submetendo-se a consultas e a exames. MM) A A. foi aconselhada a realizar exames complementares de diagnóstico, Ressonância Magnética (RM) cervical e Electromiografia (EMG) dos membros superiores, os quais revelaram: - Electromiografia dos membros superiores efectuada em 10.03.08: “alterações do tipo neurogeneo a nível dos músculos dependentes do miótomo de C6 esquerda, compatível com sofrimento radicular cervical.” - RM cervical efectuada em 14.10.09: “Atenuação da lordose cervical fisiológica, com tendência à rectilinização (centrada ao nível C5-C6). Presença de discreta protusão discal posterior paramediana esquerda no nível C4-C5 que apaga de forma focal e parcial o espaço subaracnoideu anterior, sem contactar o cordão medular ou a raiz C5 esquerda. Ligeira redução degenerativa da altura do disco intervertebral C5-C6 e presença de procidência disco-osteofitária posterior difusa que não contacta o cordão medular e que estabelece contiguidade com as raízes C6. Presença de hipertrofia uncal que condiciona redução do calibre dos canais de conjugação, em grau ligeiro a moderado.” NN) Consolidadas as lesões que sofreu decorrentes do acidente, a A. ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 pontos, sendo as sequelas de que ficou afectada, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares. OO) A Autora tem a profissão de anestesista. PP) No seu exercício, tem de manter-se de pé durante várias horas, tem de movimentar doentes e de usar aparelhos de manuseamento delicado, que exigem atenção, força e particular perícia, sobretudo em manobras anestésicas que requerem posição de flexão e inclinação da coluna cervical. QQ) Desde que sofreu o acidente, e assim que voltou ao trabalho, a Autora vem sentido um maior cansaço, sobretudo ao final da jornada. RR) Fruto das lesões que sofreu, e nos períodos em que as dores e as limitações se agudizam, a A. fica abatida e menos expansiva. SS) As dores que sofreu determinam a atribuição de um quantum doloris de grau 3 em 7. TT) E vê diminuída a força no seu membro superior esquerdo. UU) A Autora nasceu no dia 25 de Março de 1961. VV) Era uma pessoa inteiramente saudável, não padecendo de quaisquer lesões ou sequelas que a limitassem, pessoal ou profissionalmente. WW) Era uma pessoa alegre, extrovertida e de bom humor, muito dada a convívios sociais com familiares e amigos. XX) À data do acidente, a Autora trabalhava diariamente em média cerca de 10 horas. YY) E auferia um rendimento mensal médio bruto de aproximadamente € 7.500,00. * * * IV. Apreciação das questões enunciadas em II: 1. Se há que alterar a matéria de facto. A recorrente, nas sete primeiras conclusões das suas doutas alegações pugna pela alteração da resposta que a 1ª instância deu ao quesito 34º da base instrutória, entendendo que o mesmo devia ter merecido a resposta de “provado apenas que a autora auferia mensalmente em média aproximadamente 6.000€”. Estriba esta pretensão no que, na sua óptica, decorre dos documentos juntos a fls. 131 a 162. Mostrando-se cumpridos os ónus da impugnação da matéria de facto estabelecidos nas als. a) a c) do nº 1 do art. 640º do Novo CPC, vejamos se lhe assiste razão. No quesito 34º da BI perguntava-se se a autora, à data do acidente, “auferia um rendimento mensal médio bruto de aproximadamente 7.500,00€”. O Tribunal «a quo» respondeu afirmativamente [«provado»] a tal quesito, fundamentando a resposta no que se afere das “declarações fiscais de rendimentos da A. relativos aos anos de 2005 a 2008 juntos aos autos a fls. 131 a 162” – cfr. despacho de resposta aos quesitos da BI, de fls. 382-388, particularmente a fls. 384 e 388. Não há, assim, dúvida que na resposta ao quesito em referência só foram considerados os documentos acabados de mencionar e a que a recorrente também alude na impugnação da decisão fáctica; nenhuma outra prova foi produzida nem atendida relativamente ao mesmo. Por isso, é em função do que deles resulta que importa aferir se a resposta ao quesito em questão é ou não merecedora de censura. Das declarações fiscais de rendimentos juntas a fls. 131 a 162 decorre que a autora auferiu, no exercício da sua actividade profissional de médica anestesista, os seguintes rendimentos brutos: - no ano de 2005: 52.147,47€ de trabalho dependente e 22.231,37€ de prestações de serviços; - no ano de 2006: 49.023,85€ de trabalho dependente e 28.899,72€ de prestações de serviços; - no ano de 2007: 48.496,96€ de trabalho dependente e 39.097,25€ de prestações de serviços; - no ano de 2008: 51.014,92€ de trabalho dependente e 27.529,35€ de prestações de serviços. Assim, em cada um destes anos, a autora obteve os seguintes rendimentos médios brutos mensais: - 2005: 6.198,24€; - 2006: 6.493,63€; - 2007: 7.299,52€; - 2008: 6.545,36€. Tendo em conta que o acidente dos autos ocorreu em 2007, entendemos que o rendimento médio mensal bruto a ter em conta deve conjugar o que a autora auferiu não só naquele ano, mas também no ano imediatamente anterior – 2006 – e no ano imediatamente seguinte – 2008 -, o que dá uma média mensal de 6.779,50€. Inexistindo, como se disse, outros meios de prova que se conjuguem ou complementem a que deriva dos apontados documentos, entendemos que a resposta ao quesito sob impugnação da recorrente não devia ter sido a que foi dada na 1ª instância [de “aproximadamente 7.500,00€”], mas sim que aquele rendimento médio mensal bruto era de 6.780,00€. A recorrente pretende, além disso, que no seu cômputo se tenham em consideração os gastos e despesas que a recorrida suporta no exercício da sua actividade profissional e, bem assim, que ao rendimento apurado seja abatida a percentagem que é retirada pelo Fisco para o cálculo do rendimento tributável daquela – cfr. 5ª e 6ª conclusões das alegações. Como é bom de ver, nem aqueles gastos/despesas, nem este abatimento são de considerar na reposta ao quesito em análise, pois o que nele se perguntava era se a autora “auferia um rendimento mensal médio bruto de aproximadamente 7.500,00€”. Concluindo este item referente à impugnação da matéria de facto, há então que alterar a resposta ao quesito 34º da BI, que passa a ser a seguinte: “Provado apenas que a autora auferia um rendimento mensal médio bruto de 6.780,00€”. Por via disso, a al. YY) dos factos provados [ponto III deste acórdão] para a ter a seguinte redacção: “E auferia um rendimento mensal médio bruto de 6.780,00€”. Neste segmento, o recurso procede em parte.* *2. Se há que reduzir o montante indemnizatório fixado a título de dano futuro e alterar a natureza do mesmo. Nas restantes conclusões das doutas alegações, a recorrente defende e pugna por duas coisas: ● Por um lado, que inexiste fundamento legal “para o arbitramento de uma indemnização a título de danos patrimoniais na vertente da perda de capacidade de ganho futura”; ● Por outro, que “o dano à saúde da recorrida avaliado … em 6 pontos deverá ser indemnizado na vertente de danos não patrimoniais” e, tendo em conta, no seu cálculo, os critérios constantes das Portarias nºs 352/2007, de 23/10, 377/2008, de 26/05 e 678/2009, de 25/06, que tal dano seja quantificado em “quantia não superior a 5.000 euros”. No que releva para este ponto, encontra-se provado que: - as dores que sofreu na coluna cervical, limitam a mobilidade e a locomoção da autora, tendo muita dificuldade em virar-se, baixar-se e levantar-se, bem como a inverter a marcha e mudar de direcção – al. CC); - ainda hoje toma a medicação indicada na al. HH), nos períodos em que sente dores – al. II); - ainda sente frequentemente dores na coluna cervical que lhe dificultam o trabalho, o exercício da condução e a locomoção/mobilidade – als. JJ) e KK); - consolidadas as lesões que sofreu decorrentes do acidente, a autora ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos, sendo as sequelas de que ficou afectada compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares – al. NN). Além disso – e diversamente do que a recorrente parece dizer nas conclusões 10ª a 12ª -, consta do relatório de clínica forense de fls. 321-325 que o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica se refere “à afectação definitiva da integridade física e/ou psíquica, com repercussão nas actividades da vida diária, incluindo familiares e sociais, e sendo independente das actividades profissionais, corresponde ao dano que vinha sendo tradicionalmente designado por Incapacidade Permanente Geral”. Está, portanto, em questão o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos de que a autora/recorrida ficou afectada em termos definitivos/permanentes. Estamos perante o chamado «dano biológico», «dano corporal» ou «dano à integridade psico-física» que vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele resultar ou não perda ou diminuição de proventos laborais [cfr., i. a., Acórdãos do STJ de 20/05/2010, proc. 103/2002.L1.S1, de 23/11/2010, proc. 456/06.8TBVGS.C1.S1 e de 26/01/2012, proc. 220/2001-7.S1, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj; este último faz uma resenha histórica do surgimento do conceito de «dano biológico» e da sua construção]. A tutela deste dano encontra o seu substrato último, no âmbito do direito civil, no art. 25º nº 1 da CRP, que considera inviolável a integridade física das pessoas e no art. 70º nº 1 do CCiv., que protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. O corpo humano, na sua amplitude física e moral, integrando a sua constituição físico-somática, a componente psíquica e as relações fisiológicas, surge, assim, como um bem jurídico protegido perante terceiros, “considerando-se como ilícita civilmente toda e qualquer ofensa ou ameaça de ofensa desse corpo, sendo ilícitos os actos de terceiro que lesem ou ameacem lesar um corpo humano, nomeadamente, através de ferimentos, contusões, equimoses, erosões, infecções, maus tratos físicos ou psíquicos, mutilações, desfigurações, administração de substâncias ou bebidas prejudiciais à saúde, inibições ou afectações de capacidade, doenças físicas ou psíquicas, ou outras anomalias, bem como os actos de terceiro que se traduzam numa intervenção não consentida, nem de outro modo justificada, no corpo de outrem” [assim, Acórdão desta Relação do Porto de 10/11/2011, proc. 3595/08.7TBMAI.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp]. Por isso, “o responsável pelo dano biológico, porque incidente sobre o valor humano, em toda a sua dimensão, em que o bem saúde é objecto de um autónomo direito básico absoluto, deve repará-lo, em qualquer caso, mesmo que se prove que a vítima não desenvolvia qualquer actividade produtora de rendimento” [assim, Ac. do STJ de 23/11/2010, já mencionado, que cita, no mesmo sentido, o acórdão do STJ de Itália, nº 7101, de 6/7/1990, publicado na Rivista de Giurisprudenza in Tema di Circolazione e Transporto, 1991, pg. 644; veja-se, ainda, o estudo de J. Borges Pinto, Notas sobre o Dano Corporal e a Perícia Médico-Legal, de Fevereiro de 2007, disponível em Compilações Doutrinais, no site da Verbo Jurídico]. Onde surge alguma divergência é no enquadramento deste dano, pois uns consideram-no e quantificam-no como dano autónomo [um «tertium genus»], enquanto outros o integram no dano patrimonial ou no dano não patrimonial, consoante dele decorra ou não perda ou diminuição dos proventos profissionais do lesado [a título de exemplo, vejam-se, i. a., os Acórdãos do STJ de 23/11/2010 e de 17/05/2011, proc. 7449/05.0TBCFR.P1.S1, este também disponível no referido sítio da DGSI, que defendem a autonomização daquele dano, e o Acórdão do mesmo Alto Tribunal de 26/01/2012, supra citado, que é contra esta autonomização]. Algum afloramento desta ideia, embora expressa de forma imperfeita, surge no art. 3º als. a) e b) da Portaria nº 377/2008, de 26/05, que, no entanto, retira do conceito de dano biológico, enquadrando-o apenas como dano patrimonial futuro, os casos de incapacidade permanente absoluta ou de incapacidade para a profissão habitual, ficando aquele conceito reservado/restringido aos demais danos «pela ofensa à integridade física e psíquica, de que resulte ou não perda da capacidade de ganho», mas sem aquelas graves limitações de incapacidade [o Ac. do STJ de 26/01/2012, supra citado, critica este enquadramento do dano biológico feito na referida Portaria]. É, aliás, em função da classificação feita em tais preceito e Portaria que a recorrente defende que aqui está em causa um dano biológico a reparar/compensar como dano não patrimonial e não um dano patrimonial futuro. Não é, contudo, este o entendimento que temos seguido em casos como o presente [em vários acórdãos relatados pelo aqui relator, alguns dos quais disponíveis no ITIJ, na área dos acórdãos desta Relação], pois englobamos uns e outros no âmbito dos danos biológicos, apenas distinguindo o modo de calcular a respectiva indemnização: - se o lesado ficou afectado de alguma percentagem de IPG ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, mesmo que compatível com o exercício da actividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, procedemos ao cálculo do montante indemnizatório seguindo os parâmetros do dano patrimonial futuro; - se o lesado não ficou afectado de qualquer IPG ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, calculamos a indemnização devida pelo dano biológico nos termos dos danos não patrimoniais. Não vemos motivos para alterar tal procedimento no caso «sub judice», o que quer dizer que a indemnização devida pelo dano biológico em apreço deve ser calculada nos termos correspondentes à primeira destas alternativas, tal como, no fundo, embora trilhando argumentação um pouco diversa, o fez a douta sentença recorrida. No que concerne ao modo de quantificação do dano em apreço, a Jurisprudência, como forma de redução da margem de arbítrio e de subjectivismo dos julgadores e para que haja uma maior uniformidade na sua fixação, tem adoptado os seguintes critérios: ● A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; ● No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que se confira relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; ● Os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização são apenas um instrumento de auxílio, meramente indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial fundada na equidade, tanto mais que cada caso é um caso e que o mesmo grau de IPG não tem necessariamente as mesmas consequências em diferentes lesados, havendo que ter em conta a natureza das sequelas e as consequências que provocam ou, previsivelmente, provocarão no sinistrado; ● Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, permitindo ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, havendo, por isso, que introduzir um desconto no valor encontrado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa do infractor ou da respectiva seguradora; ● Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que o tempo provável de vida activa do lesado, a própria esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as suas necessidades básicas não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma, mantendo-se outrossim até ao seu decesso [sobre estes parâmetros e a título meramente exemplificativo, podem citar-se os Acórdãos do STJ de 17/05/2011, proc. 7449/05.0TBVFR.P1.S1, de 30/09/2010, proc. 935/06.7TBPTL.G1.S1, de 19/05/2009, proc. 298/06.0TBSJM.S1 e de 13/01/2009, proc. 08A3747, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj]. Mas a quantificação do dano em equação, diversamente do que defende a recorrente nas conclusões 16ª a 18ª, não tem que acolher nem seguir as bitolas consagradas nas Portarias 337/2008 e 679/2009, pois temos vindo a entender que na quantificação de tal dano, bem como na fixação dos demais nelas abarcados, não estão os Tribunal vinculados, nem tolhidos, pelos critérios e limites ali estabelecidos, já que tais diplomas, como também frisa a douta sentença recorrida e consta expressamente do preâmbulo da Portaria indicada em primeiro lugar, não têm por objectivo “a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, (…), o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas apresentadas” [objectivo que dificilmente será conseguido, dizemos nós, por tal Portaria não assentar as ditas «propostas razoáveis» no que os Tribunais vêm decidindo em matéria indemnizatória no âmbito dos sinistros rodoviários, prevendo valores bastante inferiores, pelo menos, em alguns dos casos enunciados nos seus anexos, o que inviabiliza a pretendida resolução extrajudicial dos litígios decorrentes de sinistros rodoviários]. Além disso, como simples Portarias que são, sempre seria de ter em conta as limitações que resultam da sua posição hierárquica relativamente ao Código Civil, sendo que é a este - e à CRP, acima de tudo -, e não àquelas, que os Tribunais, em primeira linha, devem recorrer na quantificação dos danos indemnizáveis [assim, i. a., Acórdãos do STJ de 17/05/2012, proc. 48/2002.L2.S2, de 26/01/2012, proc. 220/2001-7.S1 e de 14/09/2010, proc. 797/05.1TBSTS.P1, disponível in www.dgsi.pt/jstj e desta Relação do Porto de 26/02/2013, proc. 1913/09.0TBSTS.P1, relatado pelo aqui relator, de 07/02/2011, proc. 2942/08.6TBVCD.P1 e de 19/09/2011, proc. 1654/03.1TBVLG.P1, disponíveis in www.dgsi.pt/jtrp]. Retomando o caso «sub judice», o quadro referencial a ter em conta é o seguinte: ● A idade da autora/lesada à data do sinistro - 46 anos [nasceu a 25/03/1961]; ● O tempo previsível de vida que terá pela frente, tendo em conta que a esperança média de vida é, actualmente, em Portugal, de 83 anos para os indivíduos do sexo feminino, segundo dados do INE de 2014, disponíveis na net; ● A IPG de que ficou afectada – 6 pontos -, que exige esforços acrescidos no exercício das tarefas profissionais e, certamente, pessoais; ● O rendimento que auferia à data do acidente, embora aqui, como o fez a sentença recorrida, devam ser feitos “alguns ajustamentos, desde logo tendo em conta que o rendimento líquido da autora será substancialmente inferior ao rendimento médio bruto” anual, na medida em que sobre ela incidirão “as taxas devidas a título de IRS (…), incidindo ainda os descontos respeitantes a contribuições obrigatórias para regimes de protecção social” [tais ajustamentos importam uma diminuição do rendimento bruto em não menos de 35%]; ● A inexistência de culpa concorrencial da sua parte na produção do acidente [que se deveu, em exclusivo, à actuação ilícita e culposa do condutor do veículo segurado na ré/recorrente] e, por via disso, nas lesões que determinaram as limitações de que ficou a padecer; ● O factor das tabelas financeiras adequado ao tempo de vida activa da demandante, considerando uma taxa de juro anual a rondar os 3% [que é a que vem sendo adoptada]; ● O facto de a indemnização ser recebida por inteiro e não em fracções anuais até ao fim da sua vida [o que se traduz num benefício que, a não ser ponderado, importaria um injustificado enriquecimento da autora - embora, com o devido respeito, nos pareça exagerada uma fracção de ¼ que alguns arestos tiveram em conta, sendo exemplos disso os Acórdãos do STJ de 17/05/2011, já citado e de 25/06/2002, in CJ-STJ, ano X, II, 128]; ● A previsível melhoria dos seus proventos profissionais, com o decorrer do tempo. Ponderando todos estes pressupostos e tendo como pano de fundo a visada equidade, entendem os Juízes desta Relação que a quantia de 55.000,00€ se mostra mais ajustada e equilibrada à satisfação do «quantum» indemnizatório devido pelo défice funcional permanente de que a demandante ficou afectada. Significa isto que o recurso também nesta parte procede parcialmente, impondo a redução da indemnização devida pelo apontado dano para o valor acabado de indicar.* *Síntese conclusiva: ● O dano biológico abrange todas as ofensas à integridade física e/ou psíquica sofridas pelo lesado, quer delas resulte ou não perda da capacidade de ganho deste e, no primeiro caso, ainda que importem incapacidade permanente absoluta ou incapacidade para a profissão habitual. ● O que difere nuns casos e noutros é o modo de calcular a respectiva indemnização, pois: - se o lesado ficou afectado de alguma percentagem de IPG ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, mesmo que compatível com o exercício da actividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, aquela é calculada segundo os parâmetros do dano patrimonial futuro; - se o lesado não ficou afectado de qualquer IPG ou Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, a indemnização é fixada nos termos dos danos não patrimoniais.* * *V. Decisão: Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em: 1º. Julgar parcialmente procedente o recurso e alterar a sentença recorrida, ficando a indemnização devida pelo dano que foi objecto do recurso, a pagar pela ré/recorrente à autora/recorrida, reduzida à quantia de 55.000,00€ [cinquenta e cinco mil euros], mantendo-se o mais que ali ficou decidido. 2º. Condenar recorrente e recorrida nas custas, na proporção do decaimento.* * *Porto, 2015/02/24 M. Pinto dos Santos Francisco Matos Maria de Jesus Pereira