I - A Portaria nº 377/2008, de 26-5, visa, de acordo com o preâmbulo e o disposto no seu artigo 1°, nos termos do artigo 39°, 3, do DL nº 291/2007, de 21-8, estabelecer um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis por parte das seguradoras, possibilitando que a entidade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas a lesados por acidente automóvel. Não visa, por se tratar de mínimos para propostas, criar critérios para indemnização, nem a sua finalidade foi essa. II - A não aceitação da oferta feita pela seguradora terá uma mera consequência quanto a juros.
Proc. n.º 2942/08.6TBVCD.P1 Apelação n.º 1315/10 TRP – 5ª Secção ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I – RELATÓRIO 1 – B…, casado, residente na Rua …, …, R/C Esq., Vila do Conde, intentou o processo em epígrafe contra C… – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS, SA, com sede na …, Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 76.627,12. Para este efeito alegou, em resumo: no dia 26-6-2004, o A. circulava numa bicicleta, pela E.N. n.º 13, tendo sido colidido pelo veículo automóvel ..-..-IQ; a colisão é inteiramente imputável ao condutor do IQ; do acidente resultaram lesões corporais para o A., que determinaram despesas e incómodos vários, além de IPP; a indemnização pelos danos sofridos pelo A., que liquida em € 76.627,12, sendo € 30.000,00 por danos não patrimoniais, € 30.000,00 em consequência da IPP e o restante por despesas feitas, o que deixou de auferir e inutilização de bens; a responsabilidade civil pelos danos causados pelo veículo ..-..-IQ estava transferida para a C… – Companhia Portuguesa de Seguros, SA. 2 – A Ré contestou, invocando a prescrição do direito do A., e alegou, ainda, desconhecer a dimensão dos danos sofridos. 3 – O A. replicou, alegando a interrupção do prazo prescricional, pelo que improcede a excepção invocada pela Ré. 4 – O processo foi saneado, sendo dispensada a Audiência Preliminar face à manifesta simplicidade da causa. Foi relegada para final a apreciação da excepção da prescrição, que veio, na Sentença, a ser julgada improcedente. Houve selecção dos Factos já Assentes e dos que passaram a integrar a Base Instrutória. 5 – Teve lugar a Audiência Final, que culminou com a Decisão de Facto. 6 – Da Sentença proferida consta, na sua parte dispositiva: “Pelo exposto julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência: a) condeno a ré a pagar ao autor a quantia de dezassete mil e quinhentos euros (17.500,00 €) a título de danos não patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora contados desde a presente data, à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento; b) condeno a ré a pagar ao autor a quantia de dezassete mil e nove euros e oitenta e dois cêntimos (17.009,82 €) a título de danos patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora contados desde a data da citação, à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento; c) condeno a ré pagar ao autor a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, no que se refere às despesas descritas nos quesitos 28º a 30º, e com o limite de trezentos e noventa e oito euros (398,00 €), quantia acrescida de juros de mora contados desde a data da liquidação da presente sentença, até efectivo e integral pagamento, taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento, absolvendo a ré do demais pedido.” 7 – O A. veio recorrer desta Sentença, tendo, nas suas Alegações formulado as CONCLUSÕES que se transcrevem: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Termina pedindo que nesta parte recorrida, seja revogada a sentença recorrida. 8 - A Ré contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação da Sentença recorrida, dando inteira adesão à forma como foi determinada a indemnização, que entende dever ser seguida. II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Da Sentença constam como adquiridos para estes autos os seguintes Factos: 1. No dia 26-06-2004, pelas 7h30m, na Rua …, …, Vila do Conde, o Autor foi colidido pelo veículo automóvel de matrícula ..-..-IQ - (facto A); 2. O Autor, naquele dia, hora e local, circulava, montado sobre uma bicicleta, que tripulava e accionava a pedais, no sentido … – EN n.º 13 - (facto B); 3. Fazia tal circulação na metade direita da faixa de rodagem, junto à berma, atento o seu sentido de marcha (facto C); 4. Por sua vez o veículo ..-..-IQ, tripulado por D…, seu proprietário, circulava em sentido contrário, isto é, EN n.º 13 – …, a uma velocidade superior a 90 km/h - (facto D); 5. Naquela marcha do ..-..–IQ, este veículo, em despiste, saiu da faixa de rodagem do sentido que percorria, invadiu a que lhe ficava à sua esquerda, por onde em sentido contrário, circulava o Autor e com este foi colidir, junto á berma, projectando-o contra um muro que ladeava a via desse lado direito do Autor - (facto E); 6. Este havia transferido a respectiva responsabilidade civil pela circulação estradal para a Ré, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º AU …….. - (facto F); 7. O acidente dos autos foi participado à Ré, que assumiu já a respectiva culpa do condutor do veículo seguro na sua produção e respectiva responsabilidade, tendo já pago parte dos danos sofridos pelo Autor e prestado assistência médica ao mesmo - (facto G); 8. O Autor foi avaliado em 26-07-2004 nos serviços clínicos da Ré, tendo-lhe sido fixada incapacidade temporária absoluta - (facto H); 9. Naqueles serviços clínicos da Ré foram prescritos ao Autor tratamentos de fisioterapia, que ele passou a fazer na E… por 46 sessões, durante cerca de 4 meses - (facto I); 10.O Autor foi assistido nos Serviços Clínicos da Ré até 31-05-2005, data em que lhe foi dada alta clínica - (facto J); 11.Entre 26-07-2004 e 31-05-2005, o Autor foi sujeito a diversos tratamentos e consultas clínicas, nomeadamente em 06-08-2004, 26-08-2004, 01-10-2004, 05-11-2004, 07-12-2004, 10-12-2004, 07-01-2005, 25-02-2005, 04-03-2005, 08-04-2005, 03-05-2005 e 31-05-2005 - (facto K); 12.Manteve incapacidade absoluta até 01-10-2004 - (facto L); 13.Em 16-12-2004, o Autor foi sujeito, no hospital …, a uma cirurgia ao abdómen - (facto M); 14.Os serviços clínicos da Ré, fixaram ao Autor incapacidade temporária absoluta entre 16-12-2004 e 09-01-2005 - (facto N); 15.O Autor, por indicação da Ré, foi submetido a exames a pulmões, radiográficos e TAC - (facto O); 16.A realização dos tratamentos e consultas obrigou o Autor a fazer deslocações do seu domicílio em Vila do Conde aos diversos locais indicados pela Ré - (facto P); 17.Em 28-09-2004 remeteu ao Autor cheque no valor de € 600,00 para pagamento parcial de danos por este sofridos - (facto Q); 18.Em 31-05-2005 por ordem da Ré, foi submetido a consulta clínica - (facto R); 19.O Autor intentou em 21-08-2006 acção judicial contra a Ré, que correu termos sob o n.º 3146/06.8TJLSB, 2.ª Secção, 2.º Juízo Cível de Lisboa, onde lhe comunicava a intenção de contra ela vir a exercer direito de indemnização pelos danos do acidente dos autos - (facto S); 20.Em consequência dessa colisão, e após ela, o Autor foi transportado ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar …, onde apresentava sinais de traumatismo com fractura de seis costelas à esquerda, dor lombar e abdominal - (1º da B.I.); 21.Foi transferido nesse mesmo dia e sem tratamentos para a Unidade de Saúde Local de … (Hospital …) - (2º e 3º da B.I.); 22.Deu entrada nesse dia 26-06-2004 no Serviço de Urgência deste Hospital, onde foi avaliado, submetido a TAC abdominal, apresentando um hemiperitoneu - (4º da B.I.); 23.Foi de imediato laparotomizado, tendo sido detectado hemopritoneu por fractura do baço - (5º do B.I.); 24.Deu entrada na Unidade de Cuidados Intensivos após ter sido laparotomizado (cirurgia para abertura do abdómen), onde se aspiraram 3 litros de sangue e efectuada esplenectomia - (6º do B.I.); 25.Foi documentado ainda hematoma retroperitonial na goteira parieto-cólica esquerda sem evidência de outra alteração de rotura de víscera oca - (7º da B.I.); 26.Teve necessidade de suporte de transfuncional (transfusão de sangue) - (8º da B.I.); 27.Apresentava igualmente um traumatismo torácico com hemopeneumotorax esquerdo, fractura de costelas à esquerda e fractura da omoplata esquerda - (9º da B.I.); 28.Apresentava traumatismo com fractura da omoplata esquerda - (10º da B.I.); 29.Apresentava equimoses na face lateral direita do hemitorax esquerdo - (11º da B.I.); 30.Nos Cuidados Intensivos foi sujeito a ventilação mecânica - (12º da B.I.); 31.Manteve-se hospitalizado naquela unidade Local de Saúde de … até 05 de Julho seguinte, após o que foi transferido para o Hospital … para seguimento e continuidade de tratamentos - (13º da B.I.); 32.Neste Hospital …, continuou a ser assistido, tendo sido orientado para ortopedia - (14º da B.I.) 33.Teve alta para o seu domicílio em 07-07-2004 - (15º da B.I.) 34.Enquanto sujeito àqueles internamentos o Autor esteve acamado e sofreu agudas dores (grau 4), angústia, ansiedade e incómodos, as quais se prolongaram depois pelos meses subsequentes - (16º, 34º e 35º da B.I.) 35.Receou morrer na ocasião do acidente quando viu o veículo automóvel a circular na sua direcção - (17º da B.I.); 36.Durante os primeiros dias de internamento receou ficar incapacitado para trabalhar o resto da vida - (18º da B.I.); 37.Em 14-07-2004 por não poder suportar dores, recorreu de novo ao Hospital …, onde foi medicado - (19º da B.I.); 38.Após a alta do Hospital … o Autor passou a estar acamado no domicílio durante cerca de um mês - (20º da B.I.); 39.Provado que em 01-10-2004 os Serviços Clínicos da Ré atribuíram ao Autor uma incapacidade de 25% - (21º da B.I.) 40.Na data referida em 21 o Autor tinha de realizar tratamentos de fisioterapia diversos - (22º da B.I.); 41.Não podia movimentar o braço esquerdo - (23º da B.I.); 42.Em consequência directa e necessária do acidente, o autor esteve 123 dias totalmente incapacitado para o trabalho e 217 dias com incapacidade parcial para o trabalho; (24º e 25º da B.I.) 43.Para fazer as deslocações referidas em P. o Autor teve deslocar-se do seu domicílio em Vila do Conde a Vila Nova de Gaia - (26º da B.I.); 44.Viu-se obrigado a tomar refeições fora do seu domicílio - (27º da B.I.); 45.Nas deslocações referidas em P. e em refeições, o Autor despendeu quantia não concretamente apurada - (28º e 29º da B.I.); 46.Nas primeiras deslocações aos Serviços Clínicos foi acompanhado, tendo gasto em refeições com o acompanhante quantia não concretamente apurada - (30º da B.I.); 47.Nos primeiros dias após o seu regresso ao domicílio o Autor necessitou da ajuda de terceira pessoa - (31º da B.I.); 48.Por essa razão, a sua mulher faltou ao trabalho durante uma semana, tendo deixado de auferir quantia não concretamente apurada - (32º e 33º da B.I.); 49.O Autor ainda hoje apresenta queixas devido às lesões do acidente, com dores no troco e na omoplata esquerda, especialmente por ocasião das mudanças de tempo e falta de força no braço esquerdo - (36º da B.I.) 50.Apresenta, em consequência do acidente, cicatrizes no corpo que desfeiam (dano estético de 4 numa escala de 7) e uma incapacidade permanente geral de 9 pontos - (37º da B.I.); 51.O Autor era dirigente desportivo no F… - (38º da B.I.); 52.Era atleta praticante de elevada capacidade e treinador-monitor de canoagem federado na …, de reconhecido mérito - (39º da B.I.); 53.Participara em provas na época 2003/2004, e nomeadamente em Fevereiro e Abril de 2004 - (40º da B.I.); 54.Praticava também cicloturismo, logo pela manhã - (41º da B.I.); 55.Por causa do acidente não pôde participar nas provas do campeonato de canoagem que se seguiu ao acidente, nem em quaisquer outros - (42º da B.I.); 56.Para além de praticante era, no F…, técnico–monitor de canoagem onde lhe era paga a quantia mensal de € 250,00 - (43º da B.I.); 57.Por causa do acidente deixou de poder participar em provas de competição de canoagem e perdeu o lugar em causa - (44º da B.I.); 58.O Autor pretendia desenvolver a actividade referida no ponto 43º da B.I. durante cerca de mais dois anos - (45º da B.I.); 59.O Autor era vendedor comissionista de automóveis, trabalhando numa empresa que representava exclusivamente a marca SKODA, onde auferia uma remuneração mensal fixa de cerca de € 500,00, acrescida de comissões sobre o valor dos veículos que vendia - (48º da B.I.); 60.Por causa dessa exclusividade a mesma empresa não aceitava retomas de carros de outras marcas - (49º da B.I.); 61.Essa circunstância facilitava ao Autor indicar e intermediar os negócios entre quem pretendia entregar em retoma um veículo usado de outras marcas e os comerciantes de automóveis em segunda mão - (50º da B.I.); 62.Nessa indicação e intermediação os comerciantes de automóveis gratificavam o Autor auferindo ele, nessa actividade, pelo menos € 750,00 por mês - (51º da B.I.); 63.Indicava o Autor, para um mediador de seguros, interessados em contractos de seguro - (52º da B.I.); 64.Como vendedor comissionista auferia, em média € 500,00 por mês, para além do valor fixo referido no quesito 48º, por comissões recebidas pela venda de automóveis - (53º da B.I.); 65.Apenas parte das quantias descritas nos pontos 43º, 48º e 51º a 53º eram declaradas pelo Autor à Administração Fiscal, sendo que, quanto ao ano fiscal de 2003, o Autor declarou, como rendimento bruto anual, a quantia de € 1647,50, e no ano de 2004 não declarou qualquer rendimento - (54º e 55º da B.I.); 66.Pagou taxa moderadora nos Hospital … de € 2,70 e no custo de certidão de participação policial € 7.12 - (56º da B.I.); 67.Tem um grande desgosto por se ver impossibilitado de praticar desporto - (57º da B.I.); 68.O Autor, antes do acidente, era um homem cheio de saúde, vigor e dinâmica - (59º da B.I.). DE DIREITO No presente recurso não é impugnada a Decisão de Facto. E, quanto ao Direito, só é discutido o montante da indemnização fixada para os danos não patrimoniais, como resulta das Conclusões formuladas pelo Recorrente. O Código Civil ocupa-se da matéria da responsabilidade civil em três lugares distintos: no capítulo sobre fontes das obrigações, sob a epígrafe responsabilidade civil - artigos 483º a 510º; no capítulo sobre modalidades das obrigações, sob a epígrafe obrigação de indemnizar - artigos 562º a 572º; e no capítulo sobre cumprimento e não cumprimento das obrigações, sob a epígrafe falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor - artigos 798º a 812º)[1]. Dispõe o artigo 483º do CC, sob a epígrafe "princípio geral": 1. aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei. Por sua vez dispõe o artigo 496º, 1, do CC: "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito". São pressupostos da responsabilidade civil: 1- facto voluntário (pode ser acção ou omissão, mas quanto a esta ver o artigo 486º do CC); 2 - ilicitude (infracção de um dever jurídico, por violação directa de um direito de outrem e violação da lei que protege interesses alheios ou violação de obrigação contratualmente assumida); 3 - nexo de imputação do facto ao agente (culpa - dolo ou mera culpa -, implicando uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente); 4 - dano (perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais, que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar; 5 - nexo de causalidade entre o facto e o dano (o facto tem de constituir a causa do dano)[2]. Além das duas grandes directrizes de ordem geral fixadas no artigo 483º sobre o conceito de ilicitude, como pressuposto da responsabilidade civil, o Código trata de modo especial alguns casos de factos antijurídicos - veja-se, por ex. o do artigo 484º do CC - afirmação ou divulgação de factos capazes de prejudicarem o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa[3]. Há que referir que os danos podem ser classificados em patrimoniais e não patrimoniais. Os primeiros incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectindo-se no património do lesado, e os segundos reportam-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral[4]. O artigo 562º do CC dispõe que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação[5]. Daqui não resulta, sem mais, a exclusão da função punitiva da indemnização[6]. Por seu turno, o artigo 563º do CC, consagrando a teoria da causalidade[7], dispõe que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. O montante indemnizatório deverá equivaler ao dano efectivo, como grande princípio, com a avaliação concreta do prejuízo sofrido, que deverá prevalecer sobre a avaliação abstracta[8]. E o artigo 564º, 1, do CC determina que o dever de indemnizar compreende o prejuízo causado e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (danos emergentes e lucros cessantes). Dentro dos danos indemnizáveis estão os danos futuros, desde que previsíveis - artigo 564º, 2, do CC. De acordo com o disposto no artigo 496º, 3, do CC o montante da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal. A indemnização por tais danos não se destina a reconstituir a situação que ocorreria se não tivesse sido o evento, mas principalmente a compensar o lesado, na medida do possível[9]. Na fixação desta indemnização deverá ser atendido o grau de culpabilidade dos agentes, a situação económica destes e dos lesados e demais circunstâncias do caso que o justifiquem - artigos 496º, 3, 1ª parte, e 494º do CC[10]. E esta indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente[11]. Constata-se que o artigo 70º, 1, do CC dispõe que "a lei protege o indivíduo contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral". É nesta disposição consagrada uma cláusula geral de tutela da personalidade[12]. Esse n.º 1 toma como bem jurídico, objecto de uma tutela geral, a "personalidade física ou moral" dos "indivíduos", isto é, os bens inerentes à própria materialidade e espiritualidade de cada homem[13]. Protege cada homem em si mesmo, concretizado na sua específica realidade física e na sua particular realidade moral, o que, incluindo a sua humanidade, abrange também a sua individualidade, nomeadamente o seu direito à diferença e à concepção e actuação moral próprias[14]. O artigo 70º, 1, do CC declara a ilicitude das ofensas ou ameaças à personalidade física e moral dos indivíduos, em termos muito genéricos e sucintos, inferindo-se a existência do direito à vida, à integridade física, à liberdade, ao bom nome, à saúde, ao repouso essencial à existência física, à imagem, à palavra escrita e falada, ao carácter pessoal, à história pessoal, à intimidade pessoal, à identificação pessoal, à verdade pessoal e à criação pessoal[15]. O Direito toma o corpo humano como bem juridicamente tutelado para certos efeitos, sendo constitucionalmente protegido, de tal forma que o artigo 25º, 1, da Constituição da República Portuguesa considera inviolável a integridade física dos cidadãos[16]. E o CPenal protege o corpo e a saúde, sancionando a ofensa simples, qualificada ou privilegiada, tanto causada com dolo como a resultante de negligência. No âmbito do direito civil, e para além da repercussão aí daquelas normas constitucionais e penais tuteladoras do corpo, o artigo 70º do CC, nomeadamente ao explicitar a defesa da "personalidade física", abrange directamente na sua tutela o corpo humano, em toda a sua extensão, o que aliás é unanimemente reconhecido na Jurisprudência e na Doutrina[17]. Através do bem jurídico do corpo humano são protegidos o conjunto corporal organizado e os múltiplos elementos anatómicos que integram a constituição físico-somática e o equipamento psíquico do homem bem como as relações fisiológicas decorrentes da pertença de cada um desses elementos a estruturas e funções intermédias e ao conjunto do corpo, nomeadamente quando se traduzem num estado de saúde físico-psíquica[18]. Desse bem jurídico da integridade do corpo humano resulta, para terceiros, inclusive, para o Estado, um dever de respeito de qualquer corpo humano alheio, considerando-se como ilícita civilmente toda e qualquer ofensa ou ameaça de ofensa desse corpo, sendo ilícitos os actos de terceiro que lesem ou ameacem lesar um corpo humano, nomeadamente, através de ferimentos, contusões, equimoses, erosões, infecções, maus tratos físicos ou psíquicos, mutilações, desfigurações, administração de substâncias ou bebidas prejudiciais à saúde, inibições ou afectações de capacidades, doenças físicas ou psíquicas, ou outras anomalias, bem como os actos de terceiro que se traduzam numa intervenção não consentida nem de outro modo justificada, no corpo de outrem[19]. Atente-se que os direitos da personalidade são direitos absolutos, que se impõem erga omnes[20]. As lesões sofridas pela A. e para as quais pretende a indemnização aqui em apreço, são, na sua totalidade, resultantes da violação dos respectivos direitos de personalidade, o que origina o ressarcimento dos respectivos danos dentro dos termos gerais já expostos. A Portaria n.º 377/2008, de 26-5, visa, de acordo com o preâmbulo e o disposto no seu artigo 1º, nos termos do artigo 39º, 3, do DL n.º 291/2007, de 21-8, estabelecer um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis por parte das seguradoras, possibilitando que a entidade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas a lesados por acidente automóvel. Destinam-se tais diplomas a obrigar as seguradoras à apresentação de propostas com um mínimo de dignidade e razoabilidade e que permita à entidade de supervisão apreciar a razoabilidade dessas propostas. Não visa, por se tratar de mínimos para propostas, criar critérios para indemnização, nem a sua finalidade foi essa, como acima se refere e resulta do citado preâmbulo. A não aceitação da oferta feita pela seguradora terá uma mera consequência quanto a juros[21]. Por outro lado, sendo importante a apreciação de casos análogos, para uma justiça tendencialmente igualitária, há que ter presente que a diversidade da vida, que cria condições particulares para cada indivíduo, não permite a existência de dois quadros com as mesmas circunstâncias. Para esta diversidade é que existe a figura da equidade, por forma a que possa ser aplicada a Justiça a cada caso concreto. Daqui resulta a sua não aplicabilidade nesta acção, face ao seu circunstancialismo próprio e que é abaixo descrito para fixação do montante indemnizatório. A determinação do montante indemnizatório dos danos não patrimoniais em causa terá de ter em conta o tempo em que existiu uma absoluta incapacidade, o tempo que, após a alta hospitalar, esteve acamado, durante cerca de um mês, precisou de ajuda de terceiros, ficou com incapacidade permanente correspondente a 9 pontos, tendo a seguradora avaliado em 25% essa incapacidade, o que determina maior grau de dificuldade no exercício das suas normais actividades, foi internado, logo a seguir ao acidente, com transferência de hospital, foi submetido a tratamentos vários, antes da alta hospitalar e depois, sofreu várias facturas, tem dano estético, deixou de exercer actividade desportiva, a que se dedicava diariamente, teve de fazer deslocações várias para tratamento, além das dores e perturbação psíquica pela ansiedade que toda esta situação lhe causou. Viu a sua vida limitada para sempre e absolutamente dependente durante o período de internamento hospitalar. Tudo isto é consequência do acidente em causa, para o qual em nada contribuiu. Entendemos que, face às sequelas descritas, será equilibrado (equitativo) fixar em € 25.000,00 a indemnização a pagar ao A., ora Recorrente, pelos danos não patrimoniais sofridos. III – DECISÃO Pelo exposto acordamos em julgar parcialmente procedente a Apelação e fixamos em € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a indemnização a pagar pela Recorrida ao Recorrente pelos danos não patrimoniais, assim revogando parcialmente a Sentença recorrida. Custas nesta e na 1ª Instância por Recorrente e Recorrido na proporção do respectivo decaimento. Face ao acima escrito é possível elaborar o seguinte SUMÁRIO: “1 - A indemnização por danos não patrimoniais não se destina a reconstituir a situação que ocorreria se não tivesse sido o evento, mas principalmente a compensar o lesado, na medida do possível 2 - E esta indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente. 3 - O artigo 70º, 1, do CC consagra uma cláusula geral de tutela da personalidade. 4 - A Portaria n.º 377/2008, de 26-5, visa, de acordo com o preâmbulo e o disposto no seu artigo 1º, nos termos do artigo 39º, 3, do DL n.º 291/2007, de 21-8, estabelecer um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis por parte das seguradoras, possibilitando que a entidade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas a lesados por acidente automóvel. 5 - Destinam-se tais diplomas a obrigar as seguradoras à apresentação de propostas com um mínimo de dignidade e razoabilidade e que permita à entidade de supervisão apreciar a razoabilidade dessas propostas. 6 - Não visam, por se tratar de mínimos para propostas, criar critérios para indemnização, nem a sua finalidade foi essa. 7 - A não aceitação da oferta feita pela seguradora terá uma mera consequência quanto a juros.” Porto, 2011-02-07 José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira António Manuel Mendes Coelho Ana Paula Vasques de Carvalho ____________________ [1] INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 7ª ed., Coimbra Editora, 1997, ob. cit., pp. 216-217. [2] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, I, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pp. 525 e segs.; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 500 e segs.; PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, 4ª ed., Coimbra Editora, pp. 471-475. Ver JAVIER TAMAYO JARAMILLO, De la Responsabilidad Civil, I, Editora Temis, Santa Fe de Bogotá, 1999, p. 41 e 169. [3] ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 548; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 507. [4] MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 534; RUI DE ALARCÃO, Direito das Obrigações, ed. policopiada, Coimbra, 1983, p. 229. Ver, ainda, ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., pp. 600-601. Ver, também, a defesa da Teoria da Diferença feita por PAULO MOTA PINTO, em Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, Coimbra Editora, 2008, pp. 553-567. [5] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 576, consideram que é a consagração do dever de reconstituir a situação anterior à lesão. CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º. p. 113, escreve que o sentido e fim da indemnização é a criação da situação em que o lesado estaria presentemente, no momento em que é julgada a acção de responsabilidade, se não tivesse tido o lugar o facto lesivo - situação hipotética ou provável (criação da provável situação actual) -, ficando, assim, superada a 2ª parte do artigo 2364º do C. de Seabra. Esta última parece ser a mais correcta. [6] - Ver PAULA MEIRA LOURENÇO, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006, pp. 373 e segs., que defende que a função punitiva é um factor de modernização da responsabilidade civil; PAULO MOTA PINTO, ob. e vol. cits., pp. 818-841, quanto à “função da indemnização e justiça correctiva”; e, ainda, RUI SOARES PEREIRA, A Responsabilidade por Danos Não Patrimoniais do Incumprimento das Obrigações no Direito Civil Português, Coimbra Editora, 2009, pp. 223-226. [7] Ver CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º, p. 113, nota (1), e toda a Doutrina aí citada. [8] CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º, p. 114. [9] AC. DO S. T. J., de 26-1-1994, CJSTJ, II, I, p. 67. [10] AC. DO S. T. J., de 7-7-1999, CJSTJ, VII, III, p. 18. [11] AC. DO S. T. J., de 7-7-1999, já citado. Ver, ainda, o AC. DO S. T. J., de 10-2-1998, CJSTJ, VI, I, p. 67, além da doutrina e jurisprudência aí citadas. [12] LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, I, 3ª ed., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2001, p. 222. [13] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral da Personalidade, Coimbra Editora, 1995, p. 106. [14] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., p. 116. [15] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 104; ORLANDO DE CARVALHO, referido por forma concorde por RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 151-152; LUÍS CARVALHO FERNANDES, ob. e vol. cits., p. 229- 231; HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, Almedina, Coimbra, 2000 (reimpressão da edição de 1992), p. 59-260. Ver, ainda, JEAN CARBONNIER, Droit Civil, 1., P.U.F., 1ª ed., Paris, 1974, pp. 215-218 [16] Ver RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 211-212. Ver, ainda, quanto a este dispositivo constitucional, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, CRP Anotada, I, Coimbra Editora, 2007, pp. 453-457. [17] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., p. 213, além da Jurisprudência e Doutrina aí citadas. [18] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 213-214. [19] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 218-219. [20] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., p. 401; JACINTO RODRIGUES BASTOS, Das Relações Jurídicas, I, 1967, p. 20; LUÍS CARVALHO FERNANDES, ob. e vol. cits., pp. 217-219; HEINRICH EWALD HÖRSTER, ob. cit., p. 257. [21] MARIA MANUELA R. SOUSA CHICHORRO, O Contrato de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, Walters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010, p. 189.
Proc. n.º 2942/08.6TBVCD.P1 Apelação n.º 1315/10 TRP – 5ª Secção ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I – RELATÓRIO 1 – B…, casado, residente na Rua …, …, R/C Esq., Vila do Conde, intentou o processo em epígrafe contra C… – COMPANHIA PORTUGUESA DE SEGUROS, SA, com sede na …, Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 76.627,12. Para este efeito alegou, em resumo: no dia 26-6-2004, o A. circulava numa bicicleta, pela E.N. n.º 13, tendo sido colidido pelo veículo automóvel ..-..-IQ; a colisão é inteiramente imputável ao condutor do IQ; do acidente resultaram lesões corporais para o A., que determinaram despesas e incómodos vários, além de IPP; a indemnização pelos danos sofridos pelo A., que liquida em € 76.627,12, sendo € 30.000,00 por danos não patrimoniais, € 30.000,00 em consequência da IPP e o restante por despesas feitas, o que deixou de auferir e inutilização de bens; a responsabilidade civil pelos danos causados pelo veículo ..-..-IQ estava transferida para a C… – Companhia Portuguesa de Seguros, SA. 2 – A Ré contestou, invocando a prescrição do direito do A., e alegou, ainda, desconhecer a dimensão dos danos sofridos. 3 – O A. replicou, alegando a interrupção do prazo prescricional, pelo que improcede a excepção invocada pela Ré. 4 – O processo foi saneado, sendo dispensada a Audiência Preliminar face à manifesta simplicidade da causa. Foi relegada para final a apreciação da excepção da prescrição, que veio, na Sentença, a ser julgada improcedente. Houve selecção dos Factos já Assentes e dos que passaram a integrar a Base Instrutória. 5 – Teve lugar a Audiência Final, que culminou com a Decisão de Facto. 6 – Da Sentença proferida consta, na sua parte dispositiva: “Pelo exposto julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência: a) condeno a ré a pagar ao autor a quantia de dezassete mil e quinhentos euros (17.500,00 €) a título de danos não patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora contados desde a presente data, à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento; b) condeno a ré a pagar ao autor a quantia de dezassete mil e nove euros e oitenta e dois cêntimos (17.009,82 €) a título de danos patrimoniais, quantia acrescida de juros de mora contados desde a data da citação, à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento; c) condeno a ré pagar ao autor a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, no que se refere às despesas descritas nos quesitos 28º a 30º, e com o limite de trezentos e noventa e oito euros (398,00 €), quantia acrescida de juros de mora contados desde a data da liquidação da presente sentença, até efectivo e integral pagamento, taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento, absolvendo a ré do demais pedido.” 7 – O A. veio recorrer desta Sentença, tendo, nas suas Alegações formulado as CONCLUSÕES que se transcrevem: ……………………………… ……………………………… ……………………………… Termina pedindo que nesta parte recorrida, seja revogada a sentença recorrida. 8 - A Ré contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação da Sentença recorrida, dando inteira adesão à forma como foi determinada a indemnização, que entende dever ser seguida. II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Da Sentença constam como adquiridos para estes autos os seguintes Factos: 1. No dia 26-06-2004, pelas 7h30m, na Rua …, …, Vila do Conde, o Autor foi colidido pelo veículo automóvel de matrícula ..-..-IQ - (facto A); 2. O Autor, naquele dia, hora e local, circulava, montado sobre uma bicicleta, que tripulava e accionava a pedais, no sentido … – EN n.º 13 - (facto B); 3. Fazia tal circulação na metade direita da faixa de rodagem, junto à berma, atento o seu sentido de marcha (facto C); 4. Por sua vez o veículo ..-..-IQ, tripulado por D…, seu proprietário, circulava em sentido contrário, isto é, EN n.º 13 – …, a uma velocidade superior a 90 km/h - (facto D); 5. Naquela marcha do ..-..–IQ, este veículo, em despiste, saiu da faixa de rodagem do sentido que percorria, invadiu a que lhe ficava à sua esquerda, por onde em sentido contrário, circulava o Autor e com este foi colidir, junto á berma, projectando-o contra um muro que ladeava a via desse lado direito do Autor - (facto E); 6. Este havia transferido a respectiva responsabilidade civil pela circulação estradal para a Ré, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º AU …….. - (facto F); 7. O acidente dos autos foi participado à Ré, que assumiu já a respectiva culpa do condutor do veículo seguro na sua produção e respectiva responsabilidade, tendo já pago parte dos danos sofridos pelo Autor e prestado assistência médica ao mesmo - (facto G); 8. O Autor foi avaliado em 26-07-2004 nos serviços clínicos da Ré, tendo-lhe sido fixada incapacidade temporária absoluta - (facto H); 9. Naqueles serviços clínicos da Ré foram prescritos ao Autor tratamentos de fisioterapia, que ele passou a fazer na E… por 46 sessões, durante cerca de 4 meses - (facto I); 10.O Autor foi assistido nos Serviços Clínicos da Ré até 31-05-2005, data em que lhe foi dada alta clínica - (facto J); 11.Entre 26-07-2004 e 31-05-2005, o Autor foi sujeito a diversos tratamentos e consultas clínicas, nomeadamente em 06-08-2004, 26-08-2004, 01-10-2004, 05-11-2004, 07-12-2004, 10-12-2004, 07-01-2005, 25-02-2005, 04-03-2005, 08-04-2005, 03-05-2005 e 31-05-2005 - (facto K); 12.Manteve incapacidade absoluta até 01-10-2004 - (facto L); 13.Em 16-12-2004, o Autor foi sujeito, no hospital …, a uma cirurgia ao abdómen - (facto M); 14.Os serviços clínicos da Ré, fixaram ao Autor incapacidade temporária absoluta entre 16-12-2004 e 09-01-2005 - (facto N); 15.O Autor, por indicação da Ré, foi submetido a exames a pulmões, radiográficos e TAC - (facto O); 16.A realização dos tratamentos e consultas obrigou o Autor a fazer deslocações do seu domicílio em Vila do Conde aos diversos locais indicados pela Ré - (facto P); 17.Em 28-09-2004 remeteu ao Autor cheque no valor de € 600,00 para pagamento parcial de danos por este sofridos - (facto Q); 18.Em 31-05-2005 por ordem da Ré, foi submetido a consulta clínica - (facto R); 19.O Autor intentou em 21-08-2006 acção judicial contra a Ré, que correu termos sob o n.º 3146/06.8TJLSB, 2.ª Secção, 2.º Juízo Cível de Lisboa, onde lhe comunicava a intenção de contra ela vir a exercer direito de indemnização pelos danos do acidente dos autos - (facto S); 20.Em consequência dessa colisão, e após ela, o Autor foi transportado ao Serviço de Urgência do Centro Hospitalar …, onde apresentava sinais de traumatismo com fractura de seis costelas à esquerda, dor lombar e abdominal - (1º da B.I.); 21.Foi transferido nesse mesmo dia e sem tratamentos para a Unidade de Saúde Local de … (Hospital …) - (2º e 3º da B.I.); 22.Deu entrada nesse dia 26-06-2004 no Serviço de Urgência deste Hospital, onde foi avaliado, submetido a TAC abdominal, apresentando um hemiperitoneu - (4º da B.I.); 23.Foi de imediato laparotomizado, tendo sido detectado hemopritoneu por fractura do baço - (5º do B.I.); 24.Deu entrada na Unidade de Cuidados Intensivos após ter sido laparotomizado (cirurgia para abertura do abdómen), onde se aspiraram 3 litros de sangue e efectuada esplenectomia - (6º do B.I.); 25.Foi documentado ainda hematoma retroperitonial na goteira parieto-cólica esquerda sem evidência de outra alteração de rotura de víscera oca - (7º da B.I.); 26.Teve necessidade de suporte de transfuncional (transfusão de sangue) - (8º da B.I.); 27.Apresentava igualmente um traumatismo torácico com hemopeneumotorax esquerdo, fractura de costelas à esquerda e fractura da omoplata esquerda - (9º da B.I.); 28.Apresentava traumatismo com fractura da omoplata esquerda - (10º da B.I.); 29.Apresentava equimoses na face lateral direita do hemitorax esquerdo - (11º da B.I.); 30.Nos Cuidados Intensivos foi sujeito a ventilação mecânica - (12º da B.I.); 31.Manteve-se hospitalizado naquela unidade Local de Saúde de … até 05 de Julho seguinte, após o que foi transferido para o Hospital … para seguimento e continuidade de tratamentos - (13º da B.I.); 32.Neste Hospital …, continuou a ser assistido, tendo sido orientado para ortopedia - (14º da B.I.) 33.Teve alta para o seu domicílio em 07-07-2004 - (15º da B.I.) 34.Enquanto sujeito àqueles internamentos o Autor esteve acamado e sofreu agudas dores (grau 4), angústia, ansiedade e incómodos, as quais se prolongaram depois pelos meses subsequentes - (16º, 34º e 35º da B.I.) 35.Receou morrer na ocasião do acidente quando viu o veículo automóvel a circular na sua direcção - (17º da B.I.); 36.Durante os primeiros dias de internamento receou ficar incapacitado para trabalhar o resto da vida - (18º da B.I.); 37.Em 14-07-2004 por não poder suportar dores, recorreu de novo ao Hospital …, onde foi medicado - (19º da B.I.); 38.Após a alta do Hospital … o Autor passou a estar acamado no domicílio durante cerca de um mês - (20º da B.I.); 39.Provado que em 01-10-2004 os Serviços Clínicos da Ré atribuíram ao Autor uma incapacidade de 25% - (21º da B.I.) 40.Na data referida em 21 o Autor tinha de realizar tratamentos de fisioterapia diversos - (22º da B.I.); 41.Não podia movimentar o braço esquerdo - (23º da B.I.); 42.Em consequência directa e necessária do acidente, o autor esteve 123 dias totalmente incapacitado para o trabalho e 217 dias com incapacidade parcial para o trabalho; (24º e 25º da B.I.) 43.Para fazer as deslocações referidas em P. o Autor teve deslocar-se do seu domicílio em Vila do Conde a Vila Nova de Gaia - (26º da B.I.); 44.Viu-se obrigado a tomar refeições fora do seu domicílio - (27º da B.I.); 45.Nas deslocações referidas em P. e em refeições, o Autor despendeu quantia não concretamente apurada - (28º e 29º da B.I.); 46.Nas primeiras deslocações aos Serviços Clínicos foi acompanhado, tendo gasto em refeições com o acompanhante quantia não concretamente apurada - (30º da B.I.); 47.Nos primeiros dias após o seu regresso ao domicílio o Autor necessitou da ajuda de terceira pessoa - (31º da B.I.); 48.Por essa razão, a sua mulher faltou ao trabalho durante uma semana, tendo deixado de auferir quantia não concretamente apurada - (32º e 33º da B.I.); 49.O Autor ainda hoje apresenta queixas devido às lesões do acidente, com dores no troco e na omoplata esquerda, especialmente por ocasião das mudanças de tempo e falta de força no braço esquerdo - (36º da B.I.) 50.Apresenta, em consequência do acidente, cicatrizes no corpo que desfeiam (dano estético de 4 numa escala de 7) e uma incapacidade permanente geral de 9 pontos - (37º da B.I.); 51.O Autor era dirigente desportivo no F… - (38º da B.I.); 52.Era atleta praticante de elevada capacidade e treinador-monitor de canoagem federado na …, de reconhecido mérito - (39º da B.I.); 53.Participara em provas na época 2003/2004, e nomeadamente em Fevereiro e Abril de 2004 - (40º da B.I.); 54.Praticava também cicloturismo, logo pela manhã - (41º da B.I.); 55.Por causa do acidente não pôde participar nas provas do campeonato de canoagem que se seguiu ao acidente, nem em quaisquer outros - (42º da B.I.); 56.Para além de praticante era, no F…, técnico–monitor de canoagem onde lhe era paga a quantia mensal de € 250,00 - (43º da B.I.); 57.Por causa do acidente deixou de poder participar em provas de competição de canoagem e perdeu o lugar em causa - (44º da B.I.); 58.O Autor pretendia desenvolver a actividade referida no ponto 43º da B.I. durante cerca de mais dois anos - (45º da B.I.); 59.O Autor era vendedor comissionista de automóveis, trabalhando numa empresa que representava exclusivamente a marca SKODA, onde auferia uma remuneração mensal fixa de cerca de € 500,00, acrescida de comissões sobre o valor dos veículos que vendia - (48º da B.I.); 60.Por causa dessa exclusividade a mesma empresa não aceitava retomas de carros de outras marcas - (49º da B.I.); 61.Essa circunstância facilitava ao Autor indicar e intermediar os negócios entre quem pretendia entregar em retoma um veículo usado de outras marcas e os comerciantes de automóveis em segunda mão - (50º da B.I.); 62.Nessa indicação e intermediação os comerciantes de automóveis gratificavam o Autor auferindo ele, nessa actividade, pelo menos € 750,00 por mês - (51º da B.I.); 63.Indicava o Autor, para um mediador de seguros, interessados em contractos de seguro - (52º da B.I.); 64.Como vendedor comissionista auferia, em média € 500,00 por mês, para além do valor fixo referido no quesito 48º, por comissões recebidas pela venda de automóveis - (53º da B.I.); 65.Apenas parte das quantias descritas nos pontos 43º, 48º e 51º a 53º eram declaradas pelo Autor à Administração Fiscal, sendo que, quanto ao ano fiscal de 2003, o Autor declarou, como rendimento bruto anual, a quantia de € 1647,50, e no ano de 2004 não declarou qualquer rendimento - (54º e 55º da B.I.); 66.Pagou taxa moderadora nos Hospital … de € 2,70 e no custo de certidão de participação policial € 7.12 - (56º da B.I.); 67.Tem um grande desgosto por se ver impossibilitado de praticar desporto - (57º da B.I.); 68.O Autor, antes do acidente, era um homem cheio de saúde, vigor e dinâmica - (59º da B.I.). DE DIREITO No presente recurso não é impugnada a Decisão de Facto. E, quanto ao Direito, só é discutido o montante da indemnização fixada para os danos não patrimoniais, como resulta das Conclusões formuladas pelo Recorrente. O Código Civil ocupa-se da matéria da responsabilidade civil em três lugares distintos: no capítulo sobre fontes das obrigações, sob a epígrafe responsabilidade civil - artigos 483º a 510º; no capítulo sobre modalidades das obrigações, sob a epígrafe obrigação de indemnizar - artigos 562º a 572º; e no capítulo sobre cumprimento e não cumprimento das obrigações, sob a epígrafe falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor - artigos 798º a 812º)[1]. Dispõe o artigo 483º do CC, sob a epígrafe "princípio geral": 1. aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei. Por sua vez dispõe o artigo 496º, 1, do CC: "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito". São pressupostos da responsabilidade civil: 1- facto voluntário (pode ser acção ou omissão, mas quanto a esta ver o artigo 486º do CC); 2 - ilicitude (infracção de um dever jurídico, por violação directa de um direito de outrem e violação da lei que protege interesses alheios ou violação de obrigação contratualmente assumida); 3 - nexo de imputação do facto ao agente (culpa - dolo ou mera culpa -, implicando uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente); 4 - dano (perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais, que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar; 5 - nexo de causalidade entre o facto e o dano (o facto tem de constituir a causa do dano)[2]. Além das duas grandes directrizes de ordem geral fixadas no artigo 483º sobre o conceito de ilicitude, como pressuposto da responsabilidade civil, o Código trata de modo especial alguns casos de factos antijurídicos - veja-se, por ex. o do artigo 484º do CC - afirmação ou divulgação de factos capazes de prejudicarem o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa[3]. Há que referir que os danos podem ser classificados em patrimoniais e não patrimoniais. Os primeiros incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectindo-se no património do lesado, e os segundos reportam-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral[4]. O artigo 562º do CC dispõe que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação[5]. Daqui não resulta, sem mais, a exclusão da função punitiva da indemnização[6]. Por seu turno, o artigo 563º do CC, consagrando a teoria da causalidade[7], dispõe que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. O montante indemnizatório deverá equivaler ao dano efectivo, como grande princípio, com a avaliação concreta do prejuízo sofrido, que deverá prevalecer sobre a avaliação abstracta[8]. E o artigo 564º, 1, do CC determina que o dever de indemnizar compreende o prejuízo causado e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (danos emergentes e lucros cessantes). Dentro dos danos indemnizáveis estão os danos futuros, desde que previsíveis - artigo 564º, 2, do CC. De acordo com o disposto no artigo 496º, 3, do CC o montante da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal. A indemnização por tais danos não se destina a reconstituir a situação que ocorreria se não tivesse sido o evento, mas principalmente a compensar o lesado, na medida do possível[9]. Na fixação desta indemnização deverá ser atendido o grau de culpabilidade dos agentes, a situação económica destes e dos lesados e demais circunstâncias do caso que o justifiquem - artigos 496º, 3, 1ª parte, e 494º do CC[10]. E esta indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente[11]. Constata-se que o artigo 70º, 1, do CC dispõe que "a lei protege o indivíduo contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral". É nesta disposição consagrada uma cláusula geral de tutela da personalidade[12]. Esse n.º 1 toma como bem jurídico, objecto de uma tutela geral, a "personalidade física ou moral" dos "indivíduos", isto é, os bens inerentes à própria materialidade e espiritualidade de cada homem[13]. Protege cada homem em si mesmo, concretizado na sua específica realidade física e na sua particular realidade moral, o que, incluindo a sua humanidade, abrange também a sua individualidade, nomeadamente o seu direito à diferença e à concepção e actuação moral próprias[14]. O artigo 70º, 1, do CC declara a ilicitude das ofensas ou ameaças à personalidade física e moral dos indivíduos, em termos muito genéricos e sucintos, inferindo-se a existência do direito à vida, à integridade física, à liberdade, ao bom nome, à saúde, ao repouso essencial à existência física, à imagem, à palavra escrita e falada, ao carácter pessoal, à história pessoal, à intimidade pessoal, à identificação pessoal, à verdade pessoal e à criação pessoal[15]. O Direito toma o corpo humano como bem juridicamente tutelado para certos efeitos, sendo constitucionalmente protegido, de tal forma que o artigo 25º, 1, da Constituição da República Portuguesa considera inviolável a integridade física dos cidadãos[16]. E o CPenal protege o corpo e a saúde, sancionando a ofensa simples, qualificada ou privilegiada, tanto causada com dolo como a resultante de negligência. No âmbito do direito civil, e para além da repercussão aí daquelas normas constitucionais e penais tuteladoras do corpo, o artigo 70º do CC, nomeadamente ao explicitar a defesa da "personalidade física", abrange directamente na sua tutela o corpo humano, em toda a sua extensão, o que aliás é unanimemente reconhecido na Jurisprudência e na Doutrina[17]. Através do bem jurídico do corpo humano são protegidos o conjunto corporal organizado e os múltiplos elementos anatómicos que integram a constituição físico-somática e o equipamento psíquico do homem bem como as relações fisiológicas decorrentes da pertença de cada um desses elementos a estruturas e funções intermédias e ao conjunto do corpo, nomeadamente quando se traduzem num estado de saúde físico-psíquica[18]. Desse bem jurídico da integridade do corpo humano resulta, para terceiros, inclusive, para o Estado, um dever de respeito de qualquer corpo humano alheio, considerando-se como ilícita civilmente toda e qualquer ofensa ou ameaça de ofensa desse corpo, sendo ilícitos os actos de terceiro que lesem ou ameacem lesar um corpo humano, nomeadamente, através de ferimentos, contusões, equimoses, erosões, infecções, maus tratos físicos ou psíquicos, mutilações, desfigurações, administração de substâncias ou bebidas prejudiciais à saúde, inibições ou afectações de capacidades, doenças físicas ou psíquicas, ou outras anomalias, bem como os actos de terceiro que se traduzam numa intervenção não consentida nem de outro modo justificada, no corpo de outrem[19]. Atente-se que os direitos da personalidade são direitos absolutos, que se impõem erga omnes[20]. As lesões sofridas pela A. e para as quais pretende a indemnização aqui em apreço, são, na sua totalidade, resultantes da violação dos respectivos direitos de personalidade, o que origina o ressarcimento dos respectivos danos dentro dos termos gerais já expostos. A Portaria n.º 377/2008, de 26-5, visa, de acordo com o preâmbulo e o disposto no seu artigo 1º, nos termos do artigo 39º, 3, do DL n.º 291/2007, de 21-8, estabelecer um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis por parte das seguradoras, possibilitando que a entidade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas a lesados por acidente automóvel. Destinam-se tais diplomas a obrigar as seguradoras à apresentação de propostas com um mínimo de dignidade e razoabilidade e que permita à entidade de supervisão apreciar a razoabilidade dessas propostas. Não visa, por se tratar de mínimos para propostas, criar critérios para indemnização, nem a sua finalidade foi essa, como acima se refere e resulta do citado preâmbulo. A não aceitação da oferta feita pela seguradora terá uma mera consequência quanto a juros[21]. Por outro lado, sendo importante a apreciação de casos análogos, para uma justiça tendencialmente igualitária, há que ter presente que a diversidade da vida, que cria condições particulares para cada indivíduo, não permite a existência de dois quadros com as mesmas circunstâncias. Para esta diversidade é que existe a figura da equidade, por forma a que possa ser aplicada a Justiça a cada caso concreto. Daqui resulta a sua não aplicabilidade nesta acção, face ao seu circunstancialismo próprio e que é abaixo descrito para fixação do montante indemnizatório. A determinação do montante indemnizatório dos danos não patrimoniais em causa terá de ter em conta o tempo em que existiu uma absoluta incapacidade, o tempo que, após a alta hospitalar, esteve acamado, durante cerca de um mês, precisou de ajuda de terceiros, ficou com incapacidade permanente correspondente a 9 pontos, tendo a seguradora avaliado em 25% essa incapacidade, o que determina maior grau de dificuldade no exercício das suas normais actividades, foi internado, logo a seguir ao acidente, com transferência de hospital, foi submetido a tratamentos vários, antes da alta hospitalar e depois, sofreu várias facturas, tem dano estético, deixou de exercer actividade desportiva, a que se dedicava diariamente, teve de fazer deslocações várias para tratamento, além das dores e perturbação psíquica pela ansiedade que toda esta situação lhe causou. Viu a sua vida limitada para sempre e absolutamente dependente durante o período de internamento hospitalar. Tudo isto é consequência do acidente em causa, para o qual em nada contribuiu. Entendemos que, face às sequelas descritas, será equilibrado (equitativo) fixar em € 25.000,00 a indemnização a pagar ao A., ora Recorrente, pelos danos não patrimoniais sofridos. III – DECISÃO Pelo exposto acordamos em julgar parcialmente procedente a Apelação e fixamos em € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) a indemnização a pagar pela Recorrida ao Recorrente pelos danos não patrimoniais, assim revogando parcialmente a Sentença recorrida. Custas nesta e na 1ª Instância por Recorrente e Recorrido na proporção do respectivo decaimento. Face ao acima escrito é possível elaborar o seguinte SUMÁRIO: “1 - A indemnização por danos não patrimoniais não se destina a reconstituir a situação que ocorreria se não tivesse sido o evento, mas principalmente a compensar o lesado, na medida do possível 2 - E esta indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente. 3 - O artigo 70º, 1, do CC consagra uma cláusula geral de tutela da personalidade. 4 - A Portaria n.º 377/2008, de 26-5, visa, de acordo com o preâmbulo e o disposto no seu artigo 1º, nos termos do artigo 39º, 3, do DL n.º 291/2007, de 21-8, estabelecer um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis por parte das seguradoras, possibilitando que a entidade de supervisão possa avaliar, com grande objectividade, a razoabilidade das propostas a lesados por acidente automóvel. 5 - Destinam-se tais diplomas a obrigar as seguradoras à apresentação de propostas com um mínimo de dignidade e razoabilidade e que permita à entidade de supervisão apreciar a razoabilidade dessas propostas. 6 - Não visam, por se tratar de mínimos para propostas, criar critérios para indemnização, nem a sua finalidade foi essa. 7 - A não aceitação da oferta feita pela seguradora terá uma mera consequência quanto a juros.” Porto, 2011-02-07 José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira António Manuel Mendes Coelho Ana Paula Vasques de Carvalho ____________________ [1] INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 7ª ed., Coimbra Editora, 1997, ob. cit., pp. 216-217. [2] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, I, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pp. 525 e segs.; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 500 e segs.; PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, 4ª ed., Coimbra Editora, pp. 471-475. Ver JAVIER TAMAYO JARAMILLO, De la Responsabilidad Civil, I, Editora Temis, Santa Fe de Bogotá, 1999, p. 41 e 169. [3] ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 548; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 507. [4] MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 534; RUI DE ALARCÃO, Direito das Obrigações, ed. policopiada, Coimbra, 1983, p. 229. Ver, ainda, ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., pp. 600-601. Ver, também, a defesa da Teoria da Diferença feita por PAULO MOTA PINTO, em Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, Coimbra Editora, 2008, pp. 553-567. [5] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 576, consideram que é a consagração do dever de reconstituir a situação anterior à lesão. CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º. p. 113, escreve que o sentido e fim da indemnização é a criação da situação em que o lesado estaria presentemente, no momento em que é julgada a acção de responsabilidade, se não tivesse tido o lugar o facto lesivo - situação hipotética ou provável (criação da provável situação actual) -, ficando, assim, superada a 2ª parte do artigo 2364º do C. de Seabra. Esta última parece ser a mais correcta. [6] - Ver PAULA MEIRA LOURENÇO, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006, pp. 373 e segs., que defende que a função punitiva é um factor de modernização da responsabilidade civil; PAULO MOTA PINTO, ob. e vol. cits., pp. 818-841, quanto à “função da indemnização e justiça correctiva”; e, ainda, RUI SOARES PEREIRA, A Responsabilidade por Danos Não Patrimoniais do Incumprimento das Obrigações no Direito Civil Português, Coimbra Editora, 2009, pp. 223-226. [7] Ver CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º, p. 113, nota (1), e toda a Doutrina aí citada. [8] CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º, p. 114. [9] AC. DO S. T. J., de 26-1-1994, CJSTJ, II, I, p. 67. [10] AC. DO S. T. J., de 7-7-1999, CJSTJ, VII, III, p. 18. [11] AC. DO S. T. J., de 7-7-1999, já citado. Ver, ainda, o AC. DO S. T. J., de 10-2-1998, CJSTJ, VI, I, p. 67, além da doutrina e jurisprudência aí citadas. [12] LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, I, 3ª ed., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2001, p. 222. [13] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral da Personalidade, Coimbra Editora, 1995, p. 106. [14] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., p. 116. [15] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 104; ORLANDO DE CARVALHO, referido por forma concorde por RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 151-152; LUÍS CARVALHO FERNANDES, ob. e vol. cits., p. 229- 231; HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, Almedina, Coimbra, 2000 (reimpressão da edição de 1992), p. 59-260. Ver, ainda, JEAN CARBONNIER, Droit Civil, 1., P.U.F., 1ª ed., Paris, 1974, pp. 215-218 [16] Ver RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 211-212. Ver, ainda, quanto a este dispositivo constitucional, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, CRP Anotada, I, Coimbra Editora, 2007, pp. 453-457. [17] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., p. 213, além da Jurisprudência e Doutrina aí citadas. [18] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 213-214. [19] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 218-219. [20] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., p. 401; JACINTO RODRIGUES BASTOS, Das Relações Jurídicas, I, 1967, p. 20; LUÍS CARVALHO FERNANDES, ob. e vol. cits., pp. 217-219; HEINRICH EWALD HÖRSTER, ob. cit., p. 257. [21] MARIA MANUELA R. SOUSA CHICHORRO, O Contrato de Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel, Walters Kluwer Portugal/Coimbra Editora, 2010, p. 189.