I - A perda de capacidades funcionais é um dano biológico, que pode consistir em mero dano não patrimonial, patrimonial ou os dois, simultaneamente. II - Para que o dano biológico seja indemnizado como dano patrimonial e pelos lucros cessantes não é necessário que o lesado passe a auferir um salário inferior em consequência dessa incapacidade, bastando que constitua uma substancial restrição às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, assim, fonte actual de futuros lucros cessantes. III - Ao mesmo tempo, tal perda representa uma degradação do padrão de vida do lesado, nos aspectos alheios ao exercício da profissão e na maior penosidade que a actividade profissional passou a representar, o que terá de ser indemnizado como dano não patrimonial. IV - Quando não sabemos a implicação monetária da incapacidade de que ficou a padecer o lesado, sendo impossível a averiguação sobre o valor exacto dos lucros cessantes, apesar de sabermos que estes existem, só com o recurso à equidade se pode determinar a respectiva indemnização - o artigo 566º, 3, do CC.
Proc. n.º 3595/08.7TBMAI.P1 Apelação n.º 838/11 TRP – 5ª Secção Acordam os Juízes oo Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO 1 - B…, casado, residente na Rua …, …, r/c, …, Maia, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra C… - COMPANHIA DE SEGUROS S.A., hoje integrada na COMPANHIA DE SEGUROS D…, SA, com sede no …, …, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 211.081,37, sendo a quantia de € 181.801,37 a título de danos patrimoniais e lucros cessantes e a quantia de € 30.000 a título de danos não patrimoniais, além de juros, desde o sinistro e até efectivo pagamento. 2 – O A. alegou, em síntese, que teve lugar um acidente de viação imputável ao condutor do veículo segurado na Ré, que lhe causou danos vários. 3 – A Ré contestou, aceitando a responsabilidade do condutor do veículo seu segurado, mas alegou que os danos alegados e montante indemnizatório pedido são excessivos. 4 – O processo foi saneado, tendo, ainda, sido seleccionada a matéria de facto já assente e a que passou a integrar a Base Instrutória. 5 – Teve lugar a Audiência Final, que culminou com a Decisão de Facto constante de fls. 325-327. 6 – Foi proferida Sentença, em cuja parte decisória se lê: “Pelo exposto, decide-se julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se a Ré a pagar ao A.: a) As quantias de 20.000€ (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais e de 40.000€ (quarenta mil euros), pelos danos patrimoniais relativos à perda de capacidade de ganho, acrescidas de juros de mora à mencionada taxa legal, desde a data desta decisão até efectivo e integral pagamento. b) A quantia de 452,80€ (quatrocentos e cinquenta e dois euros e oitenta cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescido de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento.” 7 – Desta Sentença veio a Ré apelar, tendo formulado, nas suas Alegações, as CONCLUSÕES que se passam a transcrever: 1ª – “A incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração ou de implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas.” 2ª – “No caso em que a afectação da pessoa do ponto de vista funcional não se traduza em perda de rendimento de trabalho, revela o dano biológico, porque determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado.” 3ª – “Ora, no caso em apreço pese embora o A. tenha deixado de poder exercer a sua profissão, foi possível a reconversão laboral, conforme resulta do ponto 25 dos factos provados: “Em consequência das sequelas resultantes do embate, o autor deixou de exercer as funções de manobrador de máquinas e passou a exercer as funções de fiel armazém, as quais desempenha com esforço acrescido.” 4ª – “Não será, então, correcto falar em incapacidade de ganho uma vez que não há impedimento ou diminuição da actividade profissional.” 5ª – “Está-se, antes, perante um défice funcional de utilização do corpo nas diversas actividades do dia-a-dia e incapacidade para o exercício da profissão habitual, independentemente da repercussão na capacidade de ganho, visto ter sido possível a reconversão laboral.” 6ª – “Nesta hipótese, não se valoriza o dano daí decorrente como dano patrimonial típico, pelo que a indemnização não deve resultar de qualquer cálculo que tenha por base uma real perda de ganho.” 7ª – “O valor será, assim, encontrado com base na equidade e nos elementos disponíveis dos autos.” 8ª – “No caso dos presentes autos o A. é portador de uma incapacidade parcial permanente de apenas 8 pontos, tendo sido possível a reconversão laboral, pelo que na prática não resultou perda de retribuição. Pese embora o A. não exerça as mesmas funções, a verdade é que o mesmo continua a trabalhar, pelo que o valor a ter em consideração para a perda de ganho não pode ser a totalidade da retribuição que auferia, uma vez que o mesmo continua a auferir uma retribuição pelo exercício das funções de fiel armazém.” 9ª – “O ressarcimento dos danos futuros depende da sua previsibilidade e determinabilidade - art. 564, n.º 2 do Código Civil.” 10ª – “Pelo exposto, deverá o valor atribuído pela perda da capacidade de ganho para o futuro do A. ser reduzido para um montante consentâneo com o quadro fáctico apurado.” 11ª – “Deve por isso a quantia fixada para indemnização por danos patrimoniais futuros do A. ser corrigida, devendo a mesma ser reduzida para um valor mais justo e equitativo.” 12ª – “Assim, salvo melhor opinião, fez a douta sentença incorrecta aplicação do disposto no art. 564.º do C.C., devendo a mesma ser revogada.” 13ª – “Como é sobejamente sabido, determina o n.º 1 do art. 496º do C.C., que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, aferida em termos objectivos, mereçam a tutela do direito.” 14ª – “A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha que assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.” 15ª – “Ora, é manifesto que, à luz desse critério objectivo, e tendo em vista as circunstâncias do caso concreto, designadamente, o número e extensão das lesões sofridas e as dores sentidas, considera a recorrente que o montante atribuído pela douta sentença recorrida de 20.000€, a título de danos não patrimoniais, mostra-se desadequada, por excessiva.” 16ª – “Assim, salvo melhor opinião, fez a douta sentença incorrecta aplicação do disposto no n.º 1 do art. 496º do C.C., devendo a mesma ser revogada quanto à fixação do quantum indemnizatório para ressarcimento do dano patrimonial futuro e do dano não patrimonial.” II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Da Sentença constam como adquiridos os factos seguintes: 1 – No dia 25 de Julho de 2006, pelas 08h55 horas, na Rua …, em … - Maia, ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo de matrícula ..-..-QD, pertencente ao A. e por este conduzido, e o veículo matrícula ..-..-ZO, conduzido por E… (A). 2 – Nas circunstâncias aludidas em 1), o A. circulava na Rua …, no sentido de marcha … - …, a uma velocidade não superior a 50Km/hora (B). 3 – Conduzindo com atenção às condições da via e demais tráfego (C). 4 – Nessas mesmas circunstâncias, ao aproximar-se do restaurante “F…”, o A. deparou-se com o veículo de matrícula ..-..-ZO que se atravessou à sua frente, cortando-lhe a linha de marcha (D). 5 – Nas circunstâncias aludidas em 1), a condutora do veículo de matrícula ..-..-ZO, circulava no sentido de marcha … - … (E). 6 – Sendo que, sem nada que o fizesse prever, virou o veículo de matrícula ..-..-ZO para a esquerda, invadindo a faixa de rodagem por onde circulava o A. (F). 7 – Deslocando-se perpendicularmente em relação ao sentido da via, sem cuidar da aproximação do veículo conduzido pelo A. (G e H). 8 – Quando se apercebeu da manobra aludida em 6), o A. travou de imediato (I). 9 – O embate aludido em 1) ocorreu entre a frente do veículo do A. e a parte lateral direita do veículo de matrícula ..-..-ZO, na faixa de rodagem por onde circulava o A. (J). 10 – Em consequência do embate aludido em 1), verificaram-se danos no veículo do A. e no veículo de matrícula ..-..-ZO (L). 11 – E resultaram ferimentos no A., o qual foi transportado para o Hospital …, em Matosinhos (M). 12 – Na sequência do embate aludido em 1), o A. andou cerca de seis meses com o braço engessado, tendo iniciado tratamentos de fisioterapia nos serviços médicos da Ré, os quais se prolongaram por três meses (N). 13 – Sendo que em virtude de padecer de queixas de dores e limitações, no dia 25 de Julho de 2005, o A. foi operado ao punho da mão direita, no Hospital …, no Porto (O). 14 – Na sequência do embate aludido em 1), o A. teve alta dos serviços médicos da Ré no dia 26 de Julho de 2007 (P). 15 – Na data aludida em 1), o A. trabalhava ao serviço da sociedade “G…, S.A.”, auferindo a retribuição mensal fixa de € 650, a que acrescia subsídio de alimentação, no montante de € 99,80, subsídio de turno, no montante de € 24,94 e trabalho nocturno, no montante de € 264,00 (Q). 16 – A responsabilidade civil decorrente dos danos causados pela circulação do veículo de matrícula ..-..-ZO encontrava-se, à data do embate aludido em 1), transferida para a Ré, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º …….. (R). 17 – Em consequência do embate aludido em 1) o A. sofreu fractura dos ossos da mão direita, tendo sido sujeito a tratamento conservador com gesso (1.º e 2º). 18 – Em consequência do embate aludido em 1), o A. continua a sentir dores no punho da mão direita, o que lhe causa dificuldades ao nível laboral (3.º e 4.º). 19 – Em consequência do embate aludido em 1), entre 25/07/2006 e 26/07/2007, o A. padeceu de incapacidade genérica total para o trabalho (5.º). 20 – E durante 52 dias padeceu de incapacidade genérica temporal total (6.º). 21 – Padeceu de incapacidade temporária geral parcial em 315 dias, período em que frequentou consultas e efectuou tratamentos de ortopedia e medicina física e de reabilitação (7.º). 22 – Padeceu de um quantum doloris fixável no grau 4 e de um dano estético fixado no grau 3/7 (8.º e 9.º). 23 – Em consequência do embate aludido em 1), o A. ficou a padecer de uma incapacidade permanente de 8 pontos (10.º). 24 – Sendo que as sequelas da referida incapacidade são incompatíveis com a actividade profissional de manobrador de máquinas (11.º). 25 – Em consequência das sequelas resultantes do embate aludido em 1), o A. deixou de exercer as funções de manobrador de máquinas e passou a exercer as funções de fiel armazém, as quais desempenha com esforço acrescido (12.º). 26 – Antes do embate aludido em 1), o A. sentia-se profissionalmente realizado com o exercício da actividade de manobrador de máquinas (13.º). 27 – Na sequência do embate aludido em 1), o A. despendeu a quantia de € 16,65 em medicamentos, a quantia de € 56,60 em consultas e tratamentos e a quantia de € 239,55 em deslocações e transportes para efectuar tratamentos e consultas (14.º, 15.º e 16.º). 28 – As roupas (sapatos, calças, camisa, roupa interior, fato de motociclista), relógio e capacete que o A. envergava aquando do embate aludido em 1), no valor global de € 140, desapareceram ou ficaram danificados e inutilizados (17.º). 29 – Antes do embate aludido em 1), o A. era sadio, robusto, fisicamente perfeito, alegre e bem disposto, comunicativo e com gosto de viver (19.º). 30 – E um profissional dedicado, competente e trabalhador, desenvolvendo um trabalho constante e produtivo (20.º). 31 – O A. sofreu dores derivadas, quer da fractura do pulso, quer dos tratamentos e intervenções cirúrgicas que efectuou (21.º). 32 – Na sequência do embate aludido em 1), o A. continua a sentir dores (22.º). 33 – Em consequência das lesões sofridas no embate aludido em 1), dos tratamentos a que teve que se submeter e do período de internamento a que foi sujeito, o A. sofreu dor, angústia, confusão e medo (23.º). 34 – O A. é casado e nasceu a 12-10-1978. DE DIREITO Da 16ª Conclusão das Alegações da Recorrente, que acima se transcreveu, resulta que a matéria para apreciação, em sede deste recurso, se limita “à fixação do quantum indemnizatório para ressarcimento do dano patrimonial futuro e do dano não patrimonial.” E invoca a Recorrente que a Sentença violou o disposto nos artigos 496º, 1, e 564º, 2, do CC. Aquele dispõe: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. O artigo 564º, 2, do CC determina: “Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.” Como veremos, apesar de só a estes se ter referido nas Conclusões, a Recorrente põe em causa a aplicação feita na Sentença de outros dispositivos legais. A Recorrente não questiona a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais a que na Sentença foi atribuída indemnização, mas o montante fixado. Isto é, não estamos perante uma questão de inadequada aplicação do disposto no artigo 496º, 1, do CC, mas do constante do n.º 3 desse artigo que determina que o montante da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. Por outro lado, temos que ter presente o princípio geral consagrado no artigo 562º do CC quanto à obrigação de indemnização. O Código Civil ocupa-se da matéria da responsabilidade civil em três lugares distintos: no capítulo sobre fontes das obrigações, sob a epígrafe responsabilidade civil - artigos 483º a 510º; no capítulo sobre modalidades das obrigações, sob a epígrafe obrigação de indemnizar - artigos 562º a 572º; e no capítulo sobre cumprimento e não cumprimento das obrigações, sob a epígrafe falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor - artigos 798º a 812º)[1]. Dispõe o artigo 483º do CC, sob a epígrafe "princípio geral": 1. aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei. Por sua vez dispõe o artigo 496º, 1, do CC: "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito". São pressupostos da responsabilidade civil: 1- facto voluntário (pode ser acção ou omissão, mas quanto a esta ver o artigo 486º do CC); 2 - ilicitude (infracção de um dever jurídico, por violação directa de um direito de outrem e violação da lei que protege interesses alheios ou violação de obrigação contratualmente assumida); 3 - nexo de imputação do facto ao agente (culpa - dolo ou mera culpa -, implicando uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente); 4 - dano (perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais, que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar; 5 - nexo de causalidade entre o facto e o dano (o facto tem de constituir a causa do dano)[2]. Além das duas grandes directrizes de ordem geral fixadas no artigo 483º sobre o conceito de ilicitude, como pressuposto da responsabilidade civil, o Código trata de modo especial alguns casos de factos antijurídicos - veja-se, por ex. o do artigo 484º do CC - afirmação ou divulgação de factos capazes de prejudicarem o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa[3]. Há que referir que os danos podem ser classificados em patrimoniais e não patrimoniais. Os primeiros incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectindo-se no património do lesado, e os segundos reportam-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral[4]. O artigo 562º do CC dispõe que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação[5]. Daqui não resulta, sem mais, a exclusão da função punitiva da indemnização[6]. Por seu turno, o artigo 563º do CC, consagrando a teoria da causalidade adequada[7], dispõe que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. O montante indemnizatório deverá equivaler ao dano efectivo, como grande princípio, com a avaliação concreta do prejuízo sofrido, que deverá prevalecer sobre a avaliação abstracta[8]. E o artigo 564º, 1, do CC determina que o dever de indemnizar compreende o prejuízo causado e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (danos emergentes e lucros cessantes). Dentro dos danos indemnizáveis estão os danos futuros, desde que previsíveis - artigo 564º, 2, do CC. De acordo com o disposto no artigo 496º, 3, do CC o montante da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal. A indemnização por tais danos não se destina a reconstituir a situação que ocorreria se não tivesse sido o evento, mas principalmente a compensar o lesado, na medida do possível[9]. Na fixação desta indemnização deverá ser atendido o grau de culpabilidade dos agentes, a situação económica destes e dos lesados e demais circunstâncias do caso que o justifiquem - artigos 496º, 3, 1ª parte, e 494º do CC[10]. E esta indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente[11]. Constata-se que o artigo 70º, 1, do CC dispõe que "a lei protege o indivíduo contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral". É nesta disposição consagrada uma cláusula geral de tutela da personalidade[12]. Esse n.º 1 toma como bem jurídico, objecto de uma tutela geral, a "personalidade física ou moral" dos "indivíduos", isto é, os bens inerentes à própria materialidade e espiritualidade de cada homem[13]. Protege cada homem em si mesmo, concretizado na sua específica realidade física e na sua particular realidade moral, o que, incluindo a sua humanidade, abrange também a sua individualidade, nomeadamente o seu direito à diferença e à concepção e actuação moral próprias[14]. O artigo 70º, 1, do CC declara a ilicitude das ofensas ou ameaças à personalidade física e moral dos indivíduos, em termos muito genéricos e sucintos, inferindo-se a existência do direito à vida, à integridade física, à liberdade, ao bom nome, à saúde, ao repouso essencial à existência física, à imagem, à palavra escrita e falada, ao carácter pessoal, à história pessoal, à intimidade pessoal, à identificação pessoal, à verdade pessoal e à criação pessoal[15]. O Direito toma o corpo humano como bem juridicamente tutelado para certos efeitos, sendo constitucionalmente protegido, de tal forma que o artigo 25º, 1, da Constituição da República Portuguesa considera inviolável a integridade física dos cidadãos[16]. E o CPenal protege o corpo e a saúde, sancionando a ofensa simples, qualificada ou privilegiada, tanto causada com dolo como a resultante de negligência. No âmbito do direito civil, e para além da repercussão aí daquelas normas constitucionais e penais tuteladoras do corpo, o artigo 70º do CC, nomeadamente ao explicitar a defesa da "personalidade física", abrange directamente na sua tutela o corpo humano, em toda a sua extensão, o que aliás é unanimemente reconhecido na Jurisprudência e na Doutrina[17]. Através do bem jurídico do corpo humano são protegidos o conjunto corporal organizado e os múltiplos elementos anatómicos que integram a constituição físico-somática e o equipamento psíquico do homem bem como as relações fisiológicas decorrentes da pertença de cada um desses elementos a estruturas e funções intermédias e ao conjunto do corpo, nomeadamente quando se traduzem num estado de saúde físico-psíquica[18]. Desse bem jurídico da integridade do corpo humano resulta, para terceiros, inclusive, para o Estado, um dever de respeito de qualquer corpo humano alheio, considerando-se como ilícita civilmente toda e qualquer ofensa ou ameaça de ofensa desse corpo, sendo ilícitos os actos de terceiro que lesem ou ameacem lesar um corpo humano, nomeadamente, através de ferimentos, contusões, equimoses, erosões, infecções, maus tratos físicos ou psíquicos, mutilações, desfigurações, administração de substâncias ou bebidas prejudiciais à saúde, inibições ou afectações de capacidades, doenças físicas ou psíquicas, ou outras anomalias, bem como os actos de terceiro que se traduzam numa intervenção não consentida nem de outro modo justificada, no corpo de outrem[19]. Atente-se que os direitos da personalidade são direitos absolutos, que se impõem erga omnes[20]. A perda de capacidades funcionais é um dano biológico, que importa saber como indemnizar. O dano biológico pode consistir em mero dano não patrimonial, patrimonial ou os dois, simultaneamente[21]. Para que seja indemnizado como dano patrimonial e pelos lucros cessantes não é necessário que passe a auferir um salário inferior em consequência dessa incapacidade, bastando que constitua uma substancial restrição às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, assim, fonte actual de futuros lucros cessantes[22]. Ao mesmo tempo, tal perda representa uma degradação do padrão de vida do lesado, nos aspectos alheios ao exercício da profissão e na maior penosidade que a actividade profissional passou a representar, o que terá de ser indemnizado como dano não patrimonial. Dos Factos acima elencados são relevantes para apreciação da presente Apelação: «E resultaram ferimentos no A., o qual foi transportado para o Hospital …, em Matosinhos (M). Na sequência do embate aludido em 1), o A. andou cerca de seis meses com o braço engessado, tendo iniciado tratamentos de fisioterapia nos serviços médicos da Ré, os quais se prolongaram por três meses (N). Sendo que em virtude de padecer de queixas de dores e limitações, no dia 25 de Julho de 2005, o A. foi operado ao punho da mão direita, no Hospital …, no Porto (O). Na sequência do embate aludido em 1), o A. teve alta dos serviços médicos da Ré no dia 26 de Julho de 2007 (P). Na data aludida em 1), o A. trabalhava ao serviço da sociedade “G…, S.A.”, auferindo a retribuição mensal fixa de 650€, a que acrescia subsídio de alimentação, no montante de 99,80€, subsídio de turno, no montante de € 24,94 e trabalho nocturno, no montante de € 264,00 (Q). Em consequência do embate aludido em 1) o A. sofreu fractura dos ossos da mão direita, tendo sido sujeito a tratamento conservador com gesso (1.º e 2º). Em consequência do embate aludido em 1), o A. continua a sentir dores no punho da mão direita, o que lhe causa dificuldades ao nível laboral (3.º e 4.º). Em consequência do embate aludido em 1), entre 25/07/2006 e 26/07/2007, o A. padeceu de incapacidade genérica total para o trabalho (5.º). E durante 52 dias padeceu de incapacidade genérica temporal total (6.º). Padeceu de incapacidade temporária geral parcial em 315 dias, período em que frequentou consultas e efectuou tratamentos de ortopedia e medicina física e de reabilitação (7.º). Padeceu de um quantum doloris fixável no grau 4 e de um dano estético fixado no grau 3/7 (8.º e 9.º). Em consequência do embate aludido em 1), o A. ficou a padecer de uma incapacidade permanente de 8 pontos (10.º). As sequelas da referida incapacidade são incompatíveis com a actividade profissional de manobrador de máquinas (11.º). Em consequência das sequelas resultantes do embate aludido em 1), o A. deixou de exercer as funções de manobrador de máquinas e passou a exercer as funções de fiel armazém, as quais desempenha com esforço acrescido (12.º). Antes do embate aludido em 1), o A. sentia-se profissionalmente realizado com o exercício da actividade de manobrador de máquinas (13.º). Antes do embate aludido em 1), o A. era sadio, robusto, fisicamente perfeito, alegre e bem disposto, comunicativo e com gosto de viver (19.º). E um profissional dedicado, competente e trabalhador, desenvolvendo um trabalho constante e produtivo (20.º). O A. sofreu dores derivadas, quer da fractura do pulso, quer dos tratamentos e intervenções cirúrgicas que efectuou (21.º). Na sequência do embate aludido em 1), o A. continua a sentir dores (22º). Em consequência das lesões sofridas no embate aludido em 1), dos tratamentos a que teve que se submeter e do período de internamento a que foi sujeito, o A. sofreu dor, angústia, confusão e medo (23.º). O A. nasceu a 12-10-1978.» No caso dos autos, face aos factos descritos, há que indemnizar o A. por danos não patrimoniais resultantes dos constantes de M, N, O, 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 21º, 22º e 23º. Há que indemnizar, ainda, como danos não patrimoniais os descritos em 10º, 11º, 12º, 13º e 19º. Destes há, ainda, que concluir que o A., apesar de não ter visto diminuir o seu salário mensal, sofre, com toda a previsibilidade, lucros cessantes, pois que vê diminuídas as suas possibilidades/oportunidades profissionais, por restrição da área profissional a que se pode dedicar, nomeadamente por exclusão daquela para a qual estava preparado. Estará sempre em inferioridade em relação a outros que com ele concorram ao desempenho de determinada profissão, havendo áreas que lhe estão vedadas. No caso dos autos, o dano biológico deverá ser indemnizado como dano não patrimonial e patrimonial. Vejamos se o montante fixado na 1ª instância é o equitativo, pois que mesmo o patrimonial só com recurso à equidade se pode determinar a respectiva indemnização. Na verdade, não sabemos a implicação monetária dessa incapacidade de que ficou a padecer, sendo impossível a averiguação sobre o valor exacto dos lucros cessantes, apesar de sabermos que estes existem, o que torna necessário o recurso ao disposto no artigo 566º, 3, do CC. Entendemos equilibrada a indemnização atribuída pelos danos não patrimoniais, mas francamente exagerada a atribuída pela incapacidade permanente, que deverá ser fixada em metade, atendendo a que não há, para já, uma diminuição dos proventos mensais, mas que o Recorrido tinha 28 anos de idade à data do acidente. III – DECISÃO Pelo exposto, acordamos em julgar parcialmente procedente a Apelação, reduzindo para € 20.000,00 (vinte mil euros) a indemnização por danos patrimoniais resultantes da diminuição da capacidade para o trabalho de que o Recorrido ficou a padecer, mantendo, no mais, a Sentença recorrida. Custas, nesta e na 1ª Instância, por Recorrente e Recorrido, na proporção do respectivo decaimento, tendo em atenção o benefício de apoio judiciário concedido. Porto, 2011-10-10 José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira António Manuel Mendes Coelho Ana Paula Vasques de Carvalho ______________ [1] INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 7ª ed., Coimbra Editora, 1997, ob. cit., pp. 216-217. [2] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, I, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pp. 525 e segs.; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 500 e segs.; PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, 4ª ed., Coimbra Editora, pp. 471-475. Ver JAVIER TAMAYO JARAMILLO, De la Responsabilidad Civil, I, Editora Temis, Santa Fe de Bogotá, 1999, p. 41 e 169. [3] ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 548; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 507. [4] MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 534; RUI DE ALARCÃO, Direito das Obrigações, ed. policopiada, Coimbra, 1983, p. 229. Ver, ainda, ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., pp. 600-601. Ver, também, a defesa da Teoria da Diferença feita por PAULO MOTA PINTO, em Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, Coimbra Editora, 2008, pp. 553-567. [5] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 576, consideram que é a consagração do dever de reconstituir a situação anterior à lesão. CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º. p. 113, escreve que o sentido e fim da indemnização é a criação da situação em que o lesado estaria presentemente, no momento em que é julgada a acção de responsabilidade, se não tivesse tido o lugar o facto lesivo - situação hipotética ou provável (criação da provável situação actual) -, ficando, assim, superada a 2ª parte do artigo 2364º do C. de Seabra. Esta última parece ser a mais correcta. [6] - Ver PAULA MEIRA LOURENÇO, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006, pp. 373 e segs., que defende que a função punitiva é um factor de modernização da responsabilidade civil; PAULO MOTA PINTO, ob. e vol. cits., pp. 818-841, quanto à “função da indemnização e justiça correctiva”; e, ainda, RUI SOARES PEREIRA, A Responsabilidade por Danos Não Patrimoniais do Incumprimento das Obrigações no Direito Civil Português, Coimbra Editora, 2009, pp. 223-226. [7] Ver CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º, p. 113, nota (1), e toda a Doutrina aí citada, AC. DO STJ, DE 20-1-2010, CJSTJ, XVIII, T. I, p. 32, esclarecendo que é a causalidade adequada na sua formulação negativa. [8] CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º, p. 114. [9] AC. DO S. T. J., de 26-1-1994, CJSTJ, II, I, p. 67. [10] AC. DO S. T. J., de 7-7-1999, CJSTJ, VII, III, p. 18. [11] AC. DO S. T. J., de 7-7-1999, já citado. Ver, ainda, o AC. DO S. T. J., de 10-2-1998, CJSTJ, VI, I, p. 67, além da doutrina e jurisprudência aí citadas. [12] LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, I, 3ª ed., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2001, p. 222. [13] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral da Personalidade, Coimbra Editora, 1995, p. 106. [14] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., p. 116. [15] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 104; ORLANDO DE CARVALHO, referido por forma concorde por RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 151-152; LUÍS CARVALHO FERNANDES, ob. e vol. cits., p. 229- 231; HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, Almedina, Coimbra, 2000 (reimpressão da edição de 1992), p. 59-260. Ver, ainda, JEAN CARBONNIER, Droit Civil, 1., P.U.F., 1ª ed., Paris, 1974, pp. 215-218 [16] Ver RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 211-212. Ver, ainda, quanto a este dispositivo constitucional, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, CRP Anotada, I, Coimbra Editora, 2007, pp. 453-457. [17] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., p. 213, além da Jurisprudência e Doutrina aí citadas. [18] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 213-214. [19] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 218-219. [20] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., p. 401; JACINTO RODRIGUES BASTOS, Das Relações Jurídicas, I, 1967, p. 20; LUÍS CARVALHO FERNANDES, ob. e vol. cits., pp. 217-219; HEINRICH EWALD HÖRSTER, ob. cit., p. 257. [21] Ver AC. DO STJ, DE 1-7-2010, CJSTJ, XVIII, T. II, pp. 75 5 76. [22] Ver AC. DO STJ, DE 1-7-2010, já citado. ______________ Do acima escrito é possível elaborar o seguinte SUMÁRIO 1 - A perda de capacidades funcionais é um dano biológico, que pode consistir em mero dano não patrimonial, patrimonial ou os dois, simultaneamente. 2 - Para que o dano biológico seja indemnizado como dano patrimonial e pelos lucros cessantes não é necessário que o lesado passe a auferir um salário inferior em consequência dessa incapacidade, bastando que constitua uma substancial restrição às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, assim, fonte actual de futuros lucros cessantes. 3 - Ao mesmo tempo, tal perda representa uma degradação do padrão de vida do lesado, nos aspectos alheios ao exercício da profissão e na maior penosidade que a actividade profissional passou a representar, o que terá de ser indemnizado como dano não patrimonial. 4 - Quando não sabemos a implicação monetária da incapacidade de que ficou a padecer o lesado, sendo impossível a averiguação sobre o valor exacto dos lucros cessantes, apesar de sabermos que estes existem, só com o recurso à equidade se pode determinar a respectiva indemnização - o artigo 566º, 3, do CC.
Proc. n.º 3595/08.7TBMAI.P1 Apelação n.º 838/11 TRP – 5ª Secção Acordam os Juízes oo Tribunal da Relação do Porto I – RELATÓRIO 1 - B…, casado, residente na Rua …, …, r/c, …, Maia, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra C… - COMPANHIA DE SEGUROS S.A., hoje integrada na COMPANHIA DE SEGUROS D…, SA, com sede no …, …, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 211.081,37, sendo a quantia de € 181.801,37 a título de danos patrimoniais e lucros cessantes e a quantia de € 30.000 a título de danos não patrimoniais, além de juros, desde o sinistro e até efectivo pagamento. 2 – O A. alegou, em síntese, que teve lugar um acidente de viação imputável ao condutor do veículo segurado na Ré, que lhe causou danos vários. 3 – A Ré contestou, aceitando a responsabilidade do condutor do veículo seu segurado, mas alegou que os danos alegados e montante indemnizatório pedido são excessivos. 4 – O processo foi saneado, tendo, ainda, sido seleccionada a matéria de facto já assente e a que passou a integrar a Base Instrutória. 5 – Teve lugar a Audiência Final, que culminou com a Decisão de Facto constante de fls. 325-327. 6 – Foi proferida Sentença, em cuja parte decisória se lê: “Pelo exposto, decide-se julgar a acção parcialmente procedente, condenando-se a Ré a pagar ao A.: a) As quantias de 20.000€ (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais e de 40.000€ (quarenta mil euros), pelos danos patrimoniais relativos à perda de capacidade de ganho, acrescidas de juros de mora à mencionada taxa legal, desde a data desta decisão até efectivo e integral pagamento. b) A quantia de 452,80€ (quatrocentos e cinquenta e dois euros e oitenta cêntimos), a título de danos patrimoniais, acrescido de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento.” 7 – Desta Sentença veio a Ré apelar, tendo formulado, nas suas Alegações, as CONCLUSÕES que se passam a transcrever: 1ª – “A incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração ou de implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas.” 2ª – “No caso em que a afectação da pessoa do ponto de vista funcional não se traduza em perda de rendimento de trabalho, revela o dano biológico, porque determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado.” 3ª – “Ora, no caso em apreço pese embora o A. tenha deixado de poder exercer a sua profissão, foi possível a reconversão laboral, conforme resulta do ponto 25 dos factos provados: “Em consequência das sequelas resultantes do embate, o autor deixou de exercer as funções de manobrador de máquinas e passou a exercer as funções de fiel armazém, as quais desempenha com esforço acrescido.” 4ª – “Não será, então, correcto falar em incapacidade de ganho uma vez que não há impedimento ou diminuição da actividade profissional.” 5ª – “Está-se, antes, perante um défice funcional de utilização do corpo nas diversas actividades do dia-a-dia e incapacidade para o exercício da profissão habitual, independentemente da repercussão na capacidade de ganho, visto ter sido possível a reconversão laboral.” 6ª – “Nesta hipótese, não se valoriza o dano daí decorrente como dano patrimonial típico, pelo que a indemnização não deve resultar de qualquer cálculo que tenha por base uma real perda de ganho.” 7ª – “O valor será, assim, encontrado com base na equidade e nos elementos disponíveis dos autos.” 8ª – “No caso dos presentes autos o A. é portador de uma incapacidade parcial permanente de apenas 8 pontos, tendo sido possível a reconversão laboral, pelo que na prática não resultou perda de retribuição. Pese embora o A. não exerça as mesmas funções, a verdade é que o mesmo continua a trabalhar, pelo que o valor a ter em consideração para a perda de ganho não pode ser a totalidade da retribuição que auferia, uma vez que o mesmo continua a auferir uma retribuição pelo exercício das funções de fiel armazém.” 9ª – “O ressarcimento dos danos futuros depende da sua previsibilidade e determinabilidade - art. 564, n.º 2 do Código Civil.” 10ª – “Pelo exposto, deverá o valor atribuído pela perda da capacidade de ganho para o futuro do A. ser reduzido para um montante consentâneo com o quadro fáctico apurado.” 11ª – “Deve por isso a quantia fixada para indemnização por danos patrimoniais futuros do A. ser corrigida, devendo a mesma ser reduzida para um valor mais justo e equitativo.” 12ª – “Assim, salvo melhor opinião, fez a douta sentença incorrecta aplicação do disposto no art. 564.º do C.C., devendo a mesma ser revogada.” 13ª – “Como é sobejamente sabido, determina o n.º 1 do art. 496º do C.C., que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, aferida em termos objectivos, mereçam a tutela do direito.” 14ª – “A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha que assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.” 15ª – “Ora, é manifesto que, à luz desse critério objectivo, e tendo em vista as circunstâncias do caso concreto, designadamente, o número e extensão das lesões sofridas e as dores sentidas, considera a recorrente que o montante atribuído pela douta sentença recorrida de 20.000€, a título de danos não patrimoniais, mostra-se desadequada, por excessiva.” 16ª – “Assim, salvo melhor opinião, fez a douta sentença incorrecta aplicação do disposto no n.º 1 do art. 496º do C.C., devendo a mesma ser revogada quanto à fixação do quantum indemnizatório para ressarcimento do dano patrimonial futuro e do dano não patrimonial.” II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Da Sentença constam como adquiridos os factos seguintes: 1 – No dia 25 de Julho de 2006, pelas 08h55 horas, na Rua …, em … - Maia, ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo de matrícula ..-..-QD, pertencente ao A. e por este conduzido, e o veículo matrícula ..-..-ZO, conduzido por E… (A). 2 – Nas circunstâncias aludidas em 1), o A. circulava na Rua …, no sentido de marcha … - …, a uma velocidade não superior a 50Km/hora (B). 3 – Conduzindo com atenção às condições da via e demais tráfego (C). 4 – Nessas mesmas circunstâncias, ao aproximar-se do restaurante “F…”, o A. deparou-se com o veículo de matrícula ..-..-ZO que se atravessou à sua frente, cortando-lhe a linha de marcha (D). 5 – Nas circunstâncias aludidas em 1), a condutora do veículo de matrícula ..-..-ZO, circulava no sentido de marcha … - … (E). 6 – Sendo que, sem nada que o fizesse prever, virou o veículo de matrícula ..-..-ZO para a esquerda, invadindo a faixa de rodagem por onde circulava o A. (F). 7 – Deslocando-se perpendicularmente em relação ao sentido da via, sem cuidar da aproximação do veículo conduzido pelo A. (G e H). 8 – Quando se apercebeu da manobra aludida em 6), o A. travou de imediato (I). 9 – O embate aludido em 1) ocorreu entre a frente do veículo do A. e a parte lateral direita do veículo de matrícula ..-..-ZO, na faixa de rodagem por onde circulava o A. (J). 10 – Em consequência do embate aludido em 1), verificaram-se danos no veículo do A. e no veículo de matrícula ..-..-ZO (L). 11 – E resultaram ferimentos no A., o qual foi transportado para o Hospital …, em Matosinhos (M). 12 – Na sequência do embate aludido em 1), o A. andou cerca de seis meses com o braço engessado, tendo iniciado tratamentos de fisioterapia nos serviços médicos da Ré, os quais se prolongaram por três meses (N). 13 – Sendo que em virtude de padecer de queixas de dores e limitações, no dia 25 de Julho de 2005, o A. foi operado ao punho da mão direita, no Hospital …, no Porto (O). 14 – Na sequência do embate aludido em 1), o A. teve alta dos serviços médicos da Ré no dia 26 de Julho de 2007 (P). 15 – Na data aludida em 1), o A. trabalhava ao serviço da sociedade “G…, S.A.”, auferindo a retribuição mensal fixa de € 650, a que acrescia subsídio de alimentação, no montante de € 99,80, subsídio de turno, no montante de € 24,94 e trabalho nocturno, no montante de € 264,00 (Q). 16 – A responsabilidade civil decorrente dos danos causados pela circulação do veículo de matrícula ..-..-ZO encontrava-se, à data do embate aludido em 1), transferida para a Ré, através do contrato de seguro titulado pela apólice n.º …….. (R). 17 – Em consequência do embate aludido em 1) o A. sofreu fractura dos ossos da mão direita, tendo sido sujeito a tratamento conservador com gesso (1.º e 2º). 18 – Em consequência do embate aludido em 1), o A. continua a sentir dores no punho da mão direita, o que lhe causa dificuldades ao nível laboral (3.º e 4.º). 19 – Em consequência do embate aludido em 1), entre 25/07/2006 e 26/07/2007, o A. padeceu de incapacidade genérica total para o trabalho (5.º). 20 – E durante 52 dias padeceu de incapacidade genérica temporal total (6.º). 21 – Padeceu de incapacidade temporária geral parcial em 315 dias, período em que frequentou consultas e efectuou tratamentos de ortopedia e medicina física e de reabilitação (7.º). 22 – Padeceu de um quantum doloris fixável no grau 4 e de um dano estético fixado no grau 3/7 (8.º e 9.º). 23 – Em consequência do embate aludido em 1), o A. ficou a padecer de uma incapacidade permanente de 8 pontos (10.º). 24 – Sendo que as sequelas da referida incapacidade são incompatíveis com a actividade profissional de manobrador de máquinas (11.º). 25 – Em consequência das sequelas resultantes do embate aludido em 1), o A. deixou de exercer as funções de manobrador de máquinas e passou a exercer as funções de fiel armazém, as quais desempenha com esforço acrescido (12.º). 26 – Antes do embate aludido em 1), o A. sentia-se profissionalmente realizado com o exercício da actividade de manobrador de máquinas (13.º). 27 – Na sequência do embate aludido em 1), o A. despendeu a quantia de € 16,65 em medicamentos, a quantia de € 56,60 em consultas e tratamentos e a quantia de € 239,55 em deslocações e transportes para efectuar tratamentos e consultas (14.º, 15.º e 16.º). 28 – As roupas (sapatos, calças, camisa, roupa interior, fato de motociclista), relógio e capacete que o A. envergava aquando do embate aludido em 1), no valor global de € 140, desapareceram ou ficaram danificados e inutilizados (17.º). 29 – Antes do embate aludido em 1), o A. era sadio, robusto, fisicamente perfeito, alegre e bem disposto, comunicativo e com gosto de viver (19.º). 30 – E um profissional dedicado, competente e trabalhador, desenvolvendo um trabalho constante e produtivo (20.º). 31 – O A. sofreu dores derivadas, quer da fractura do pulso, quer dos tratamentos e intervenções cirúrgicas que efectuou (21.º). 32 – Na sequência do embate aludido em 1), o A. continua a sentir dores (22.º). 33 – Em consequência das lesões sofridas no embate aludido em 1), dos tratamentos a que teve que se submeter e do período de internamento a que foi sujeito, o A. sofreu dor, angústia, confusão e medo (23.º). 34 – O A. é casado e nasceu a 12-10-1978. DE DIREITO Da 16ª Conclusão das Alegações da Recorrente, que acima se transcreveu, resulta que a matéria para apreciação, em sede deste recurso, se limita “à fixação do quantum indemnizatório para ressarcimento do dano patrimonial futuro e do dano não patrimonial.” E invoca a Recorrente que a Sentença violou o disposto nos artigos 496º, 1, e 564º, 2, do CC. Aquele dispõe: “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”. O artigo 564º, 2, do CC determina: “Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.” Como veremos, apesar de só a estes se ter referido nas Conclusões, a Recorrente põe em causa a aplicação feita na Sentença de outros dispositivos legais. A Recorrente não questiona a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais a que na Sentença foi atribuída indemnização, mas o montante fixado. Isto é, não estamos perante uma questão de inadequada aplicação do disposto no artigo 496º, 1, do CC, mas do constante do n.º 3 desse artigo que determina que o montante da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. Por outro lado, temos que ter presente o princípio geral consagrado no artigo 562º do CC quanto à obrigação de indemnização. O Código Civil ocupa-se da matéria da responsabilidade civil em três lugares distintos: no capítulo sobre fontes das obrigações, sob a epígrafe responsabilidade civil - artigos 483º a 510º; no capítulo sobre modalidades das obrigações, sob a epígrafe obrigação de indemnizar - artigos 562º a 572º; e no capítulo sobre cumprimento e não cumprimento das obrigações, sob a epígrafe falta de cumprimento e mora imputáveis ao devedor - artigos 798º a 812º)[1]. Dispõe o artigo 483º do CC, sob a epígrafe "princípio geral": 1. aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, 2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei. Por sua vez dispõe o artigo 496º, 1, do CC: "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito". São pressupostos da responsabilidade civil: 1- facto voluntário (pode ser acção ou omissão, mas quanto a esta ver o artigo 486º do CC); 2 - ilicitude (infracção de um dever jurídico, por violação directa de um direito de outrem e violação da lei que protege interesses alheios ou violação de obrigação contratualmente assumida); 3 - nexo de imputação do facto ao agente (culpa - dolo ou mera culpa -, implicando uma ideia de censura ou reprovação da conduta do agente); 4 - dano (perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses materiais, espirituais ou morais, que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar; 5 - nexo de causalidade entre o facto e o dano (o facto tem de constituir a causa do dano)[2]. Além das duas grandes directrizes de ordem geral fixadas no artigo 483º sobre o conceito de ilicitude, como pressuposto da responsabilidade civil, o Código trata de modo especial alguns casos de factos antijurídicos - veja-se, por ex. o do artigo 484º do CC - afirmação ou divulgação de factos capazes de prejudicarem o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa[3]. Há que referir que os danos podem ser classificados em patrimoniais e não patrimoniais. Os primeiros incidem sobre interesses de natureza material ou económica, reflectindo-se no património do lesado, e os segundos reportam-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral[4]. O artigo 562º do CC dispõe que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação[5]. Daqui não resulta, sem mais, a exclusão da função punitiva da indemnização[6]. Por seu turno, o artigo 563º do CC, consagrando a teoria da causalidade adequada[7], dispõe que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. O montante indemnizatório deverá equivaler ao dano efectivo, como grande princípio, com a avaliação concreta do prejuízo sofrido, que deverá prevalecer sobre a avaliação abstracta[8]. E o artigo 564º, 1, do CC determina que o dever de indemnizar compreende o prejuízo causado e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (danos emergentes e lucros cessantes). Dentro dos danos indemnizáveis estão os danos futuros, desde que previsíveis - artigo 564º, 2, do CC. De acordo com o disposto no artigo 496º, 3, do CC o montante da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo tribunal. A indemnização por tais danos não se destina a reconstituir a situação que ocorreria se não tivesse sido o evento, mas principalmente a compensar o lesado, na medida do possível[9]. Na fixação desta indemnização deverá ser atendido o grau de culpabilidade dos agentes, a situação económica destes e dos lesados e demais circunstâncias do caso que o justifiquem - artigos 496º, 3, 1ª parte, e 494º do CC[10]. E esta indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente[11]. Constata-se que o artigo 70º, 1, do CC dispõe que "a lei protege o indivíduo contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral". É nesta disposição consagrada uma cláusula geral de tutela da personalidade[12]. Esse n.º 1 toma como bem jurídico, objecto de uma tutela geral, a "personalidade física ou moral" dos "indivíduos", isto é, os bens inerentes à própria materialidade e espiritualidade de cada homem[13]. Protege cada homem em si mesmo, concretizado na sua específica realidade física e na sua particular realidade moral, o que, incluindo a sua humanidade, abrange também a sua individualidade, nomeadamente o seu direito à diferença e à concepção e actuação moral próprias[14]. O artigo 70º, 1, do CC declara a ilicitude das ofensas ou ameaças à personalidade física e moral dos indivíduos, em termos muito genéricos e sucintos, inferindo-se a existência do direito à vida, à integridade física, à liberdade, ao bom nome, à saúde, ao repouso essencial à existência física, à imagem, à palavra escrita e falada, ao carácter pessoal, à história pessoal, à intimidade pessoal, à identificação pessoal, à verdade pessoal e à criação pessoal[15]. O Direito toma o corpo humano como bem juridicamente tutelado para certos efeitos, sendo constitucionalmente protegido, de tal forma que o artigo 25º, 1, da Constituição da República Portuguesa considera inviolável a integridade física dos cidadãos[16]. E o CPenal protege o corpo e a saúde, sancionando a ofensa simples, qualificada ou privilegiada, tanto causada com dolo como a resultante de negligência. No âmbito do direito civil, e para além da repercussão aí daquelas normas constitucionais e penais tuteladoras do corpo, o artigo 70º do CC, nomeadamente ao explicitar a defesa da "personalidade física", abrange directamente na sua tutela o corpo humano, em toda a sua extensão, o que aliás é unanimemente reconhecido na Jurisprudência e na Doutrina[17]. Através do bem jurídico do corpo humano são protegidos o conjunto corporal organizado e os múltiplos elementos anatómicos que integram a constituição físico-somática e o equipamento psíquico do homem bem como as relações fisiológicas decorrentes da pertença de cada um desses elementos a estruturas e funções intermédias e ao conjunto do corpo, nomeadamente quando se traduzem num estado de saúde físico-psíquica[18]. Desse bem jurídico da integridade do corpo humano resulta, para terceiros, inclusive, para o Estado, um dever de respeito de qualquer corpo humano alheio, considerando-se como ilícita civilmente toda e qualquer ofensa ou ameaça de ofensa desse corpo, sendo ilícitos os actos de terceiro que lesem ou ameacem lesar um corpo humano, nomeadamente, através de ferimentos, contusões, equimoses, erosões, infecções, maus tratos físicos ou psíquicos, mutilações, desfigurações, administração de substâncias ou bebidas prejudiciais à saúde, inibições ou afectações de capacidades, doenças físicas ou psíquicas, ou outras anomalias, bem como os actos de terceiro que se traduzam numa intervenção não consentida nem de outro modo justificada, no corpo de outrem[19]. Atente-se que os direitos da personalidade são direitos absolutos, que se impõem erga omnes[20]. A perda de capacidades funcionais é um dano biológico, que importa saber como indemnizar. O dano biológico pode consistir em mero dano não patrimonial, patrimonial ou os dois, simultaneamente[21]. Para que seja indemnizado como dano patrimonial e pelos lucros cessantes não é necessário que passe a auferir um salário inferior em consequência dessa incapacidade, bastando que constitua uma substancial restrição às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, assim, fonte actual de futuros lucros cessantes[22]. Ao mesmo tempo, tal perda representa uma degradação do padrão de vida do lesado, nos aspectos alheios ao exercício da profissão e na maior penosidade que a actividade profissional passou a representar, o que terá de ser indemnizado como dano não patrimonial. Dos Factos acima elencados são relevantes para apreciação da presente Apelação: «E resultaram ferimentos no A., o qual foi transportado para o Hospital …, em Matosinhos (M). Na sequência do embate aludido em 1), o A. andou cerca de seis meses com o braço engessado, tendo iniciado tratamentos de fisioterapia nos serviços médicos da Ré, os quais se prolongaram por três meses (N). Sendo que em virtude de padecer de queixas de dores e limitações, no dia 25 de Julho de 2005, o A. foi operado ao punho da mão direita, no Hospital …, no Porto (O). Na sequência do embate aludido em 1), o A. teve alta dos serviços médicos da Ré no dia 26 de Julho de 2007 (P). Na data aludida em 1), o A. trabalhava ao serviço da sociedade “G…, S.A.”, auferindo a retribuição mensal fixa de 650€, a que acrescia subsídio de alimentação, no montante de 99,80€, subsídio de turno, no montante de € 24,94 e trabalho nocturno, no montante de € 264,00 (Q). Em consequência do embate aludido em 1) o A. sofreu fractura dos ossos da mão direita, tendo sido sujeito a tratamento conservador com gesso (1.º e 2º). Em consequência do embate aludido em 1), o A. continua a sentir dores no punho da mão direita, o que lhe causa dificuldades ao nível laboral (3.º e 4.º). Em consequência do embate aludido em 1), entre 25/07/2006 e 26/07/2007, o A. padeceu de incapacidade genérica total para o trabalho (5.º). E durante 52 dias padeceu de incapacidade genérica temporal total (6.º). Padeceu de incapacidade temporária geral parcial em 315 dias, período em que frequentou consultas e efectuou tratamentos de ortopedia e medicina física e de reabilitação (7.º). Padeceu de um quantum doloris fixável no grau 4 e de um dano estético fixado no grau 3/7 (8.º e 9.º). Em consequência do embate aludido em 1), o A. ficou a padecer de uma incapacidade permanente de 8 pontos (10.º). As sequelas da referida incapacidade são incompatíveis com a actividade profissional de manobrador de máquinas (11.º). Em consequência das sequelas resultantes do embate aludido em 1), o A. deixou de exercer as funções de manobrador de máquinas e passou a exercer as funções de fiel armazém, as quais desempenha com esforço acrescido (12.º). Antes do embate aludido em 1), o A. sentia-se profissionalmente realizado com o exercício da actividade de manobrador de máquinas (13.º). Antes do embate aludido em 1), o A. era sadio, robusto, fisicamente perfeito, alegre e bem disposto, comunicativo e com gosto de viver (19.º). E um profissional dedicado, competente e trabalhador, desenvolvendo um trabalho constante e produtivo (20.º). O A. sofreu dores derivadas, quer da fractura do pulso, quer dos tratamentos e intervenções cirúrgicas que efectuou (21.º). Na sequência do embate aludido em 1), o A. continua a sentir dores (22º). Em consequência das lesões sofridas no embate aludido em 1), dos tratamentos a que teve que se submeter e do período de internamento a que foi sujeito, o A. sofreu dor, angústia, confusão e medo (23.º). O A. nasceu a 12-10-1978.» No caso dos autos, face aos factos descritos, há que indemnizar o A. por danos não patrimoniais resultantes dos constantes de M, N, O, 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 21º, 22º e 23º. Há que indemnizar, ainda, como danos não patrimoniais os descritos em 10º, 11º, 12º, 13º e 19º. Destes há, ainda, que concluir que o A., apesar de não ter visto diminuir o seu salário mensal, sofre, com toda a previsibilidade, lucros cessantes, pois que vê diminuídas as suas possibilidades/oportunidades profissionais, por restrição da área profissional a que se pode dedicar, nomeadamente por exclusão daquela para a qual estava preparado. Estará sempre em inferioridade em relação a outros que com ele concorram ao desempenho de determinada profissão, havendo áreas que lhe estão vedadas. No caso dos autos, o dano biológico deverá ser indemnizado como dano não patrimonial e patrimonial. Vejamos se o montante fixado na 1ª instância é o equitativo, pois que mesmo o patrimonial só com recurso à equidade se pode determinar a respectiva indemnização. Na verdade, não sabemos a implicação monetária dessa incapacidade de que ficou a padecer, sendo impossível a averiguação sobre o valor exacto dos lucros cessantes, apesar de sabermos que estes existem, o que torna necessário o recurso ao disposto no artigo 566º, 3, do CC. Entendemos equilibrada a indemnização atribuída pelos danos não patrimoniais, mas francamente exagerada a atribuída pela incapacidade permanente, que deverá ser fixada em metade, atendendo a que não há, para já, uma diminuição dos proventos mensais, mas que o Recorrido tinha 28 anos de idade à data do acidente. III – DECISÃO Pelo exposto, acordamos em julgar parcialmente procedente a Apelação, reduzindo para € 20.000,00 (vinte mil euros) a indemnização por danos patrimoniais resultantes da diminuição da capacidade para o trabalho de que o Recorrido ficou a padecer, mantendo, no mais, a Sentença recorrida. Custas, nesta e na 1ª Instância, por Recorrente e Recorrido, na proporção do respectivo decaimento, tendo em atenção o benefício de apoio judiciário concedido. Porto, 2011-10-10 José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira António Manuel Mendes Coelho Ana Paula Vasques de Carvalho ______________ [1] INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 7ª ed., Coimbra Editora, 1997, ob. cit., pp. 216-217. [2] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, I, 10ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, pp. 525 e segs.; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 8ª ed., Almedina, Coimbra, 2000, p. 500 e segs.; PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, I, 4ª ed., Coimbra Editora, pp. 471-475. Ver JAVIER TAMAYO JARAMILLO, De la Responsabilidad Civil, I, Editora Temis, Santa Fe de Bogotá, 1999, p. 41 e 169. [3] ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 548; MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 507. [4] MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, ob. cit., p. 534; RUI DE ALARCÃO, Direito das Obrigações, ed. policopiada, Coimbra, 1983, p. 229. Ver, ainda, ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., pp. 600-601. Ver, também, a defesa da Teoria da Diferença feita por PAULO MOTA PINTO, em Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, Coimbra Editora, 2008, pp. 553-567. [5] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 576, consideram que é a consagração do dever de reconstituir a situação anterior à lesão. CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º. p. 113, escreve que o sentido e fim da indemnização é a criação da situação em que o lesado estaria presentemente, no momento em que é julgada a acção de responsabilidade, se não tivesse tido o lugar o facto lesivo - situação hipotética ou provável (criação da provável situação actual) -, ficando, assim, superada a 2ª parte do artigo 2364º do C. de Seabra. Esta última parece ser a mais correcta. [6] - Ver PAULA MEIRA LOURENÇO, A Função Punitiva da Responsabilidade Civil, Coimbra Editora, 2006, pp. 373 e segs., que defende que a função punitiva é um factor de modernização da responsabilidade civil; PAULO MOTA PINTO, ob. e vol. cits., pp. 818-841, quanto à “função da indemnização e justiça correctiva”; e, ainda, RUI SOARES PEREIRA, A Responsabilidade por Danos Não Patrimoniais do Incumprimento das Obrigações no Direito Civil Português, Coimbra Editora, 2009, pp. 223-226. [7] Ver CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º, p. 113, nota (1), e toda a Doutrina aí citada, AC. DO STJ, DE 20-1-2010, CJSTJ, XVIII, T. I, p. 32, esclarecendo que é a causalidade adequada na sua formulação negativa. [8] CALVÃO DA SILVA, RLJ, 134º, p. 114. [9] AC. DO S. T. J., de 26-1-1994, CJSTJ, II, I, p. 67. [10] AC. DO S. T. J., de 7-7-1999, CJSTJ, VII, III, p. 18. [11] AC. DO S. T. J., de 7-7-1999, já citado. Ver, ainda, o AC. DO S. T. J., de 10-2-1998, CJSTJ, VI, I, p. 67, além da doutrina e jurisprudência aí citadas. [12] LUÍS CARVALHO FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, I, 3ª ed., Universidade Católica Editora, Lisboa, 2001, p. 222. [13] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, O Direito Geral da Personalidade, Coimbra Editora, 1995, p. 106. [14] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., p. 116. [15] PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. e vol. cits., p. 104; ORLANDO DE CARVALHO, referido por forma concorde por RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 151-152; LUÍS CARVALHO FERNANDES, ob. e vol. cits., p. 229- 231; HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, Almedina, Coimbra, 2000 (reimpressão da edição de 1992), p. 59-260. Ver, ainda, JEAN CARBONNIER, Droit Civil, 1., P.U.F., 1ª ed., Paris, 1974, pp. 215-218 [16] Ver RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 211-212. Ver, ainda, quanto a este dispositivo constitucional, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, CRP Anotada, I, Coimbra Editora, 2007, pp. 453-457. [17] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., p. 213, além da Jurisprudência e Doutrina aí citadas. [18] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 213-214. [19] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., pp. 218-219. [20] RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA, ob. cit., p. 401; JACINTO RODRIGUES BASTOS, Das Relações Jurídicas, I, 1967, p. 20; LUÍS CARVALHO FERNANDES, ob. e vol. cits., pp. 217-219; HEINRICH EWALD HÖRSTER, ob. cit., p. 257. [21] Ver AC. DO STJ, DE 1-7-2010, CJSTJ, XVIII, T. II, pp. 75 5 76. [22] Ver AC. DO STJ, DE 1-7-2010, já citado. ______________ Do acima escrito é possível elaborar o seguinte SUMÁRIO 1 - A perda de capacidades funcionais é um dano biológico, que pode consistir em mero dano não patrimonial, patrimonial ou os dois, simultaneamente. 2 - Para que o dano biológico seja indemnizado como dano patrimonial e pelos lucros cessantes não é necessário que o lesado passe a auferir um salário inferior em consequência dessa incapacidade, bastando que constitua uma substancial restrição às possibilidades/oportunidades profissionais à sua disposição, constituindo, assim, fonte actual de futuros lucros cessantes. 3 - Ao mesmo tempo, tal perda representa uma degradação do padrão de vida do lesado, nos aspectos alheios ao exercício da profissão e na maior penosidade que a actividade profissional passou a representar, o que terá de ser indemnizado como dano não patrimonial. 4 - Quando não sabemos a implicação monetária da incapacidade de que ficou a padecer o lesado, sendo impossível a averiguação sobre o valor exacto dos lucros cessantes, apesar de sabermos que estes existem, só com o recurso à equidade se pode determinar a respectiva indemnização - o artigo 566º, 3, do CC.