Processo:1817/16.0T8LSB.L1-2
Data do Acordão: 19/12/2017Relator: ONDINA CARMO ALVESTribunal:trl
Decisão: Meio processual:

A privação do uso de um veículo sinistrado constitui um dano patrimonial indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao seu proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado no artigo 62.º da CRP e que pode ser economicamente valorizável, se necessário com recurso à equidade. (Sumário elaborado pela Relatora)

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ONDINA CARMO ALVES
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO USO DE VEÍCULO AUTOMÓVEL PRIVAÇÃO DE USO
No do documento
RL
Data do Acordão
12/20/2017
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
PROCEDENTE
Sumário
A privação do uso de um veículo sinistrado constitui um dano patrimonial indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao seu proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado no artigo 62.º da CRP e que pode ser economicamente valorizável, se necessário com recurso à equidade. (Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão integral
ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.

 
I.–RELATÓRIO:

 
ANABELA, residente na Rua …., intentou, em 22.02.2016, contra COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na ….., acção declarativa sob a forma de processo comum, através da qual pede a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 27.500,00, acrescida de juros de mora, bem como no pagamento de € 40 diários, inerentes à privação do uso do seu veículo, desde 23.01.2016 até integral pagamento da indemnização.

Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão da seguinte forma: 
1.–No dia 24 de Setembro de 2014 ocorreu um acidente em que foram intervenientes os veículos de matrícula XJ-...-... e o de matrícula ...-FF-..., este último segurado  na  ré, tendo o seu  condutor  assumido  a responsabilidade pela produção do acidente e pelos danos causados na viatura pertencente à autora. 
2.–Em consequência do acidente, não foi aconselhável a reparação do acidente e foi considerado uma perda total, sendo o valor da viatura, naquela data, de € 8.000,00.
3.–A ré, apesar de ter apresentado uma proposta de regularização do sinistro, em 10.12.2014, veio posteriormente a declinar a responsabilidade. 
4.–A autora teve um prejuízo de € 8.000,00, correspondente ao valor do carro, bem como o decorrente da privação do seu uso, na medida em que a ré não lhe entregou qualquer veículo de substituição, nem lhe pagou o aluguer de outro veículo de caraterísticas idênticas, contabilizando, a autora, este prejuízo, em €40 diários.

Citada, a ré apresentou, em 02.03.2016, contestação, reconhecendo a celebração do contrato de seguro relativamente ao veículo automóvel envolvido no acidente com o veículo da autora.
 
Alegou, no entanto, a ré, que:
1.–O referido embate ocorreu em circunstâncias diversas das relatadas pela autora.
2.–Face ao pouco valor comercial do veículo seguro, o seu condutor e o condutor do veículo da autora terão simulado o sinistro participado, tentando assim que fosse o veículo seguro considerado culpado pela produção dos danos, assumindo assim a ré a reparação do mesmo. 
3.–Esta suspeita foi-lhe comunicada pela própria seguradora do veículo da autora, no âmbito do processo de regularização de sinistros, razão pela qual a ré declinou a responsabilidade pela produção do acidente, após o ter assumido, numa fase inicial.
4.–Quanto ao valor de € 8.000,00 de prejuízo que a autora invoca ter sofrido, esta não atendeu ao valor do salvado, nem ao respetivo valor venal, que terão de ser considerados, caso se conclua pela responsabilidade da ré, e nessa medida, esse valor ficará limitado ao valor de € 3.125,00. 
5.–O pedido referente à privação do uso é abusivo, correspondendo a mais do dobro do valor da reparação e o suficiente para a autora adquirir um veículo em estado novo, impugnando os factos relativos à utilização do veículo.

Por despacho de 07.06.2016, foi fixado o valor da causa, dispensada a realização de audiência prévia, identificado o objecto do litígio e enunciados os Temas da Prova.

Foi levada a efeito a audiência final, em 19.10.2016 e 24.11.2016, após o que, o Tribunal a quo proferiu decisão, em 04.04.2017, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte: 
Nestes termos e com estes fundamentos, decide este Tribunal julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a R. COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar à A. ANABELA, a quantia de € 3.125,00 (Três mil, cento e vinte e cinco euros), acrescida de juros de mora a contar da data da citação até integral pagamento, absolvendo-se a R. do demais peticionado.
Custas a cargo da A. e da R., na proporção do decaimento e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido à A..
Registe e notifique.

Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, em 16.05.2017, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
i.– Dos factos provados da Douta Sentença Recorrida consta que: o acidente ocorreu; a Recorrente usava diariamente a viatura; a Recorrida declinou a responsabilidade e até hoje nada pagou à Recorrente.
ii.– Contudo e apesar dos factos dados como provados, da fundamentação da Douta Sentença Recorrida consta que não se condena pela privação da viatura porque: 
a.- Não se provou que a A. estivesse privada de viatura;
b.- A A. adquiriu uma viatura há cerca de um ano;
c.- A A. poderia dispor da viatura desde o acidente até á sua venda em Abril de 2015;
d.- A A. não podia conduzir por não ter carta de condução;
iii.– Com o devido respeito pela opinião em contrário, há contradição entre os factos provados e a fundamentação da Douta Sentença Recorrida, uma vez que se refere que se desconhece se a viatura foi reparada ou não até ser vendida e dos factos provados n.º 19 e 21 consta que a viatura foi rebocada pela Polícia Municipal para o parque da Polícia Municipal, onde foi vista para Recorrida desmontada.
iv.– O facto da Recorrente ter vendido o "salvado" em Abril de 2015 e de ter adquirido uma viatura em Novembro de 2016, não são motivos para não se condenar a Recorrida por danos pela privação da viatura, uma vez que a Recorrida nada pagou à Recorrente.
v.– Para além disso, com o devido respeito pela opinião em contrário, o facto da Autora ter ou não carta de condução é irrelevante para a verificação do dano, uma vez que o que é evidente é que ficou privada de usar a mesma através duma terceira pessoa que a conduzisse.
vi.– Dos factos provados n.ºs 11 e 12 consta que a viatura era utilizada pela Recorrente e familiares para deslocações para o trabalho, para levar os netos   à  escola  e   na vida   diária  e  que  a  mesma e  o seu marido são comerciantes e vendem em Benfica, pelo que foi dado como provado que foram causados danos à Recorrente porque se viu privada de utilizar uma viatura da qual é proprietária.
vii.– De acordo com os critérios constantes da fundamentação da Douta Sentença Recorrida, sempre se deveria condenar a Recorrida pela privação da viatura entre a data do acidente em 24/9/2014 e a data da aquisição da nova viatura em Novembro/2016, ou, pelo menos até á venda do salvado em 3/4/2015, o que não aconteceu.
viii.– Assim e com o devido respeito pela opinião em contrário, a mera privação do uso e fruição do veículo constitui um dano patrimonial e não se tendo dado como provado qual o valor do prejuízo diário pela privação da viatura sempre se deveria condenar a Recorrida recorrendo à equidade, ou, de acordo com a Jurisprudência Dominante condenar em 25€/diários desde o dia do acidente até pagamento da indemnização, conforme consta dos n.ºs 19 a 20.3, que se dá como reproduzido.
ix.– Na Douta Sentença Recorrida foi feita uma interpretação errada do disposto nos art.ºs 563º, 564º, 566º e 1305.º do C.C..

Pede, por isso, a apelante, a alteração da sentença recorrida, e em consequência, condenando-se a recorrida a pagar à recorrente os danos pela privação do uso da viatura, desde a data do acidente até integral pagamento, ao valor diário de 25€, acrescido de juros legais.

A ré apresentou contra-alegações, em 16.06.2017, propugnando pela confirmação da Sentença recorrida, e formulou as seguintes CONCLUSÕES:
i.–Não obstante a clara correcção da sentença proferida nos presentes autos, vem a Recorrente dela interpor o recurso de apelação a que ora se responde, através  de  alegações  que,  de  tão  frágeis,  votam  o  recurso ao mesmo insucesso da pretensão inicialmente formulada, e demonstram a não aceitação da improcedência da acção quanto ao pedido de indemnização pela privação de uso do seu veículo sinistrado nos presentes autos.
ii.–Segundo decorre das alegações de recurso da Recorrente, labora a mesma em variados equívocos, que cumpre deixar esclarecidos, o que levará a que, também por essa via, tenha de improceder a sua pretensão.
iii.–Analisada a apelação da Recorrente, insurge-se esta contra a fundamentação de direito constante da sentença, dada à questão do dano da privação do uso, por reporte aos factos dados como provados sob os pontos 1, 8, 9, 11, 14, 19, 21 e 25 da douta sentença recorrida.
iv.–Note-se que a Recorrente ao longo das suas alegações não põe em causa a matéria de facto dada como provada, não pedindo a sua alteração, nem a reapreciação da mesma, nem requer o aditamento de factos àquele elenco que devessem ter sido dados como provados e que não o foram.
v.–No entanto a Recorrida entende que no que à matéria do presente recurso diz respeito, a sentença recorrida deu como provados mais factos que são relevantes para o objecto do recurso tal como factos não provados que também não foram mencionados pela Recorrente, senão vejamos:
vi.–No que diz respeito aos factos provados, resulta do ponto 20 da sentença o seguinte: “20. O condutor do veículo seguro mencionou que o mesmo se registado em nome do anterior proprietário pois ele compra e vende veículos (art. 21º da contestação).”. Por outro lado, dos factos não provados resulta o seguinte: “4. Desde a data do acidente até à presente data que a A. está impedida de comprar outra viatura, por não ter dinheiro e por não ter sido ressarcida pela R. dos danos causados (art. 21º da petição inicial)”
vii.–A sentença refere e bem na fundamentação da decisão de facto o seguinte: “Quanto aos demais factos também as testemunhas não revelaram conhecimento do mesmo, nem foi apresentada outra prova nesse sentido, salientando-se que no respeitante à privação do uso da viatura da A., o marido  desta mencionou que compraram outra viatura, há cerca de 1 ano, ao que acresce que se desconhece se a viatura foi reparada ou não, se podia circular ou não, ficando assim a dúvida sobre o que sucedeu à mesma.”
viii.–E como adiante se demonstrará bem andou o Tribunal a quo ao considerar que nenhuma prova foi feita quanto à factualidade que suporta o dano da privação do uso, pelo que nunca a pretensão da Recorrente poderia proceder.
ix.–Em primeira linha alegou a Recorrente que não tinha capacidade para comprar outro veículo, facto que foi dado como não provado.
x.–Igualmente relevante e com conexão com a informação anterior é o facto de o marido da Autora ser comerciante de automóveis. Nestas circunstâncias custa a acreditar que fazendo negócio nesta área o marido da Autor não tivesse mais veículos disponíveis.
xi.–Até porque, foi alegado que a Autora e o marido eram comerciantes no mercado de Benfica, mas nada foi alegado e muito menos provado, como é que passaram a fazer as deslocações para o mercado e como é que transportavam a mercadoria. Fazendo mais sentido, na óptica da Recorrente alegar factos relacionados com este eventual constrangimento, mas que não o fizeram.
xii.–Acresce que as alegações da Recorrente a este respeito também são incongruentes porque se por um lado, alegam que adquiriram esta viatura para facilitar as suas deslocações para o mercado, por outro justificam que a viatura ainda tivesse em nome do anterior proprietário pelo facto do marido da Autora ser comerciantes de automóveis.
xiii.–Ora se o objectivo da aquisição da viatura era facilitar o trabalho que exercem no mercado não faria mais sentido registar a viatura no seu nome no momento imediatamente a seguir à aquisição.
xiv.–Na opinião da Recorrida o comportamento da Recorrente só se justifica pelo facto de o marido da Autora ser comerciante de automóveis e esta viatura era mais uma que iria ser vendida.
xv.–Vem ainda a Recorrente alegar que a sentença entra em contradição quando afirma que se desconhece se a viatura foi reparada entre a data em que foi levada para o parque da PSP em Abril de 2015, data em que foi vendida. 
xvi.–Segundo a Recorrente existe contradição porque resulta provado que a viatura estava no parque da PSP e que inclusive os peritos da companhia estiveram no local a ver a mesma.
xvii.–Nenhum destes factos é contraditório com a afirmação da sentença, senão vejamos. Resultou provado que a viatura se encontrava no parque da PSP em Novembro de 2014, mas não foi alegado nem provado nenhum facto sobre o que é que aconteceu à viatura entre esta data e a data da venda.
xviii.–Por essa razão, a sentença refere e bem que se desconhece se a viatura foi reparada e depois vendida, inexistindo por isso qualquer contradição.
xix.–Por outro lado, não assiste razão à Recorrente quando alega que o facto de não ter carta de condução não interfere para a apreciação da privação de uso.
xx.–Este facto é relevante porque para a Recorrente não basta ter um carro à sua disposição, tem de ter igualmente alguém que tenha carta de condução e que tenha disponibilidade para a fazer transportar. 
xxi.–Ora o que os Acórdãos que a Recorrente identifica no recurso visam salvaguardar são situações diferentes e que por isso não tem aplicação ao caso concreto.
xxii.–Neste sentido, tendo em conta os factos dados como provados e os factos dados como não provados, nunca o Tribunal a quo poderia ter deixado de decidir tal como decidiu, ou ter-se socorrido de factos que não constam da sentença, por nem sequer alegados nos articulados da Recorrente.
xxiii.–A privação do uso de veículo não corresponde à indisponibilidade daquele veículo em específico, aferindo-se antes pela indisponibilidade de qualquer outro veículo que o substitua, o que dificilmente se verifica na situação da Recorrente tendo em conta a actividade de compra e venda de veículo do marido.
xxiv.–Assim, desde logo porque a Recorrente não recorre da matéria de facto julgada provada e porque os factos provados bem elucidam que a Recorrente não teve qualquer prejuízo com a paralisação, não poderia o Tribunal Recorrido ter decidido de maneira diferente.
xxv.– A este propósito veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06.03.2012, disponível in www.dgsi.pt : “Por sua vez, Paulo Mota Pinto, entende que o dano só se concretiza ao nível das privações concretas das vantagens que a coisa proporciona ([3]) e não antecipadamente ao nível da perturbação (ilícita) das possibilidades abstractas de uso que resultam para o proprietário derivadas do «jus utendi et fruendi» inerente ao direito de propriedade. Sustenta este autor que «O dano da privação do gozo ressarcível é, assim, a concreta e real desvantagem resultante da privação do gozo, e não logo qualquer perda da possibilidade de utilização do bem – a qual (mesmo que resultante de uma ofensa directa ao objecto, e não apenas de uma lesão no sujeito) pode não ser concretizável numa determinada situação» ([4]). A favor desta solução pode argumentar-se:
– Nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, para haver obrigação de indemnizar, não basta a ilicitude da acção do lesante, que se traduz na lesão do bem, sendo necessário ainda um dano efectivo e não apenas um dano ficcionado que, neste caso, contrariaria a proibição do enriquecimento do  lesado   devido ao evento lesivo, que receberia uma indemnização superior ao dano efectivo. Esta solução favorece na prática a obtenção de resultados justos, impedindo, por exemplo situações de enriquecimento injustificado do lesado, (…).” No âmbito do mesmo Acórdão mencionado atente-se à concepção de dano: “Tendo em conta o que acaba de ser exposto, face ao disposto no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil, afigura-se que deve exigir-se um dano real ([6]). (…) em sentido jurídico, o objecto de dano é um interesse juridicamente protegido. Sendo o interesse o objecto do dano em sentido jurídico, importa saber em que consiste o conceito de interesse. Este conceito para se conceber carece, previamente, da explicitação da noção de bem. O conceito de bem pode ser factualmente determinado considerando que se identifica com tudo o que pode satisfazer uma necessidade. Por sua vez, a necessidade é um estado que resulta da ausência de certas coisas para as quais tende a própria satisfação e postula, consequentemente, um bem. A utilidade própria do bem existe na medida em que o bem for idóneo para satisfazer uma necessidade humana. O interesse do sujeito consiste, assim, na possibilidade de uma sua necessidade poder vir a ser satisfeita mediante a utilidade que o bem proporciona ([7]). Ora, se o bem lesado satisfazia uma necessidade de uso concreta do sujeito e deixou de a satisfazer, porque a lesão o tornou impróprio para esse fim, há aqui, sem dúvida um dano. Só assim não será se porventura essa necessidade, por qualquer razão, terminou definitivamente ou ficou suspensa na ocasião da lesão ou, ainda, se a necessidade não era assegurada exclusivamente por aquele bem e pôde continuar a ser satisfeita através de outros meios do lesado ou de terceiro, sem que tivesse ocorrido qualquer diminuição na satisfação das suas restantes necessidades.”
xxvi.–No que concerne ao valor da indemnização que no entender da Recorrente deverá ser arbitrada no caso da sua pretensão proceder, vem esta, peticionar nesta sede a quantia de € 25,00 diários desde a data do acidente e até efectivo e integral pagamento.
xxvii.–Mas também indica que o alegado prejuízo deverá ser calculado entre a data do acidente e a data da aquisição de nova viatura em Novembro de 2016 ou entre a data do acidente e a data da venda do veículo seguro em Abril de 2015. 
xxviii.–Relembre-se que a Recorrente peticionou na petição inicial, a título de privação de uso, o pagamento de € 30,00 diários, desde a data de propositura da acção até efectivo e integral pagamento.
xxix.–Qualquer um dos pedidos é no entender da Recorrente abusivo porque é mais de o dobro do valor da reparação e o suficiente para a Autora adquirir um veículo em estado novo.
xxx.–Este tipo de pedido, só se justifica, conforme já se deixou expresso na contestação, tendo em conta que a Autora litiga com benefício de apoio judiciário.
xxxi. –Não se vislumbrando, porém, qualquer justificação para o valor abstracto ora peticionado, carecendo o mesmo de fundamentação e de apoio em elementos fácticos como acima se demonstrou, pelo que não poderá a sua pretensão proceder.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.
 
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem  prejuízo  das  questões  de que  o tribunal  ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a ponderação quanto À VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica a análise:    
  
–  DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTO ILÍCITO,
por forma a apurar: 
–  O CRITÉRIO DE CÁLCULO DOS DANOS SOFRIDOS PELA AUTORA
–  Da indemnizatório pelo dano patrimonial, no que concerne à privação de uso do veículo sinistrado.
 
III.–FUNDAMENTAÇÃO.

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
 
Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:
1.–  No dia 24 de Setembro de 2014, pelas 16h 50m, na rotunda da Ameixoeira   com   acesso  à  Charneca,  freguesia  do  Lumiar, concelho de Lisboa, ocorreu um embate entre as viaturas ligeiras de passageiros com a matrícula XJ-...-... e ...-FF-... (art. 1º da petição inicial).
2.– O ...-FF-... circulava na rotunda da Ameixoeira, em direção à Charneca e o XJ-...-... vinha do eixo norte-sul (arts. 2º e 3º da petição inicial).
3.– O XJ-...-... ao entrar na rotunda da Ameixoeira não parou e embateu contra o ...-FF-..., embate esse que se deu entre a frente do XJ-...-... e a parte lateral direita do ...-FF-... (arts. 4º e 5º da petição inicial).
4.– O condutor do ...-FF-... foi surpreendido com a entrada repentina do XJ-...-... na rotunda e não conseguiu evitar o embate (art. 6º da petição inicial).
5.– Na via donde surgiu o XJ-...-... existe um sinal de estrada com prioridade (art. 7º da petição inicial e art. 15º da contestação).
6.– O condutor do XJ-...-..., ao entrar na rotunda, não parou no sinal de estrada com prioridade, nem viu o ...-FF-... porque foi encadeado com o sol (arts. 8º e 10º, parte final da petição inicial e art. 18º da contestação).
7.– O ...-FF-... tinha ido à inspeção, em 30/07/2014, não tinha qualquer deficiência e estava em bom estado de conservação (arts.14º e 15º da petição inicial).
8.– A R. apresentou uma proposta condicional para a regularização do sinistro, em 10/12/2014 e posteriormente veio a declinar a responsabilidade (art. 16º da petição inicial e art. 55º da contestação).
9.– A R. não entregou à A. um veículo de substituição, nem lhe pagou o aluguer de um outro de idênticas características ao ...-FF-... (art. 18º da petição inicial).
10.– A viatura de matrícula ...-FF-... era do ano de 2008 e de marca Volkswagen Sharan (art. 20º da petição inicial).
11.– A viatura era utilizada pela A. e familiares para deslocações para o trabalho, para levar os netos à escola e na vida diária (art. 26º da petição inicial).
12.– A A. e o marido são comerciantes e vendem em Benfica (art. 28º da petição inicial).
13.– O XJ-...-... era propriedade de Eduardo …., era conduzido por Manuel e estava seguro na R., através da apólice de seguros nº 0003543475 (arts. 35º, 36º e 37º da petição inicial e art. 4º da contestação).
14.– A propriedade de veículo de matrícula XJ-...-... esteve inscrita a favor  da A. de 31/07/2013 a 09/04/2015 (doc. de fls. 110 a 111).
15.– O sinistro começou por ser regularizado no âmbito do protocolo Indemnização Direta ao segurado e a averiguação inicial foi desenvolvida pela seguradora do veículo da A., Insurance PLC – Sucursal em Portugal (arts. 5º e 6º da contestação).
16.– A Insurance PLC recusou o pagamento dos danos no veículo da A., ainda ao abrigo do protocolo IDS por entender que o veículo seguro na R. não teve intervenção no acidente (arts. 7º e 8º da contestação).
17.– A rotunda da Ameixoeira é constituída por 3 vias de circulação (art. 11º e 12º da contestação).
18.– As autoridades compareceram no local e o condutor do veículo seguro chamou a assistência em viagem (art. 19º da contestação).
19.– O veículo seguro foi deslocado para um local onde lhe foram roubadas algumas peças, sendo depois rebocado pela Polícia Municipal (art. 20º da contestação).
20.– O condutor do veículo seguro mencionou que o mesmo se encontrava registado em nome do anterior proprietário pois ele compra e vende veículos (art. 21º da contestação).
21.– Quando foi observado pelos serviços da R., o veículo seguro já se encontrava quase totalmente desmontado, tendo sido fotografado no Parque da Polícia Municipal (art. 26º da contestação).
22.– O veículo da A. apresentava danos na lateral direita, ao centro, com vestígios de tinta da cor do veículo seguro (art. 28º parte inicial da contestação).
23.– O veículo da A. apresentava ainda danos na frente direita, consequência do embate no rail, tendo ainda sido observados pequenos danos no rail com vestígios de tinta idêntica à do veículo da A., provocados pelo embate da frente direita do mesmo (arts. 30º e 31º da contestação).
24.– Junto à saída situada antes do local participado foram encontrados vestígios de embate no rail de proteção exterior, vestígios esses que têm uma cor idêntica à do veículo seguro (art. 32º da contestação).
25.– Os danos em ambos os veículos resultaram na sua perda total (art. 33º da contestação).
26.– A IPO do veículo seguro terminava no dia do sinistro (art. 49º parte final da contestação).
27.– A reparação dos danos no veículo da A. foi orçamentada em € 8.285,19, o salvado foi avaliado em € 3.175,00 e o valor venal do veículo foi fixado em € 6.300,00 (arts. 58º, 59º e 60º da contestação).
 
B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
 
Fundamentou a autora o seu pedido de indemnização por danos que para si advieram, decorrentes de um acidente de viação que imputa ao condutor do outro veículo interveniente do acidente, cuja responsabilidade civil por danos se encontrava transferida para ré.
 
Como é sabido, face ao pedido formulado, necessário se torna que exista um facto voluntário, ilícito, imputável ao lesante. Exige-se ainda que dessa violação sobrevenha dano e, que entre o facto praticado pelo lesante e o dano sofrido se verifique nexo de causalidade, de modo a poder afirmar-se que o dano resulta da violação.
                              
No caso vertente, está verificada a ilicitude do facto voluntário praticado pelo condutor do veículo matrícula XJ-...-..., traduzida na violação de norma estradal, consignada no artigo 31º, nº 1, alínea c) do Código da Estrada, já que aquele veículo não parou no sinal de estrada com prioridade, nem viu o veículo pertencente à autora, matrícula ...-FF-..., porque foi encadeado com o sol – v. Nºs 3 a 6 da Fundamentação de Facto– factualidade que não foi colocada em causa no recurso.
 
Fez, pois, a autora, prova da culpa do autor da lesão - como lhe incumbia, nos termos dos artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1, ambos do Código Civil – e nenhuma conduta violadora das regras estradais se demonstrou ter sido praticada pelo condutor do veículo pertencente à autora.
 
Acresce que se verificaram danos no veículo pertencente à autora, dos quais resultou perda total, danos esses que foram causa directa do facto ilícito e culposo praticado pelo condutor do veículo matrícula XJ-...-.... 
 
Como resulta do disposto do artigo 562º do Cód. Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. E, segundo o disposto no artigo 563º do CC “A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, ali se consagrando a teoria da causalidade adequada.  
 
Ademais, o dever de indemnizar compreende o prejuízo causado e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, e ainda os danos futuros, desde que previsíveis e determináveis, conforme resulta do disposto no artigo 564º, nºs 1 e 2 do mesmo Código, sendo a indemnização fixada em dinheiro, sempre que a restituição natural não seja possível e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data, se não existissem os danos - v. artigo 566º, nº 1 do C.C. 
 
Tendo em consideração toda a prova produzida e o disposto nos aludidos preceitos do Código Civil, a ré para a qual foi transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, emergentes de acidente de viação, relativamente ao veículo matrícula XJ-...-...– v. Nº 13 da Fundamentação de Facto– será responsável pelos prejuízos de natureza patrimonial que  advieram  para  a  autora,  razão  pela  qual  a  sentença recorrida condenou a ré a pagar à autora a indemnização correspondente a € 3.125,00, em resultado da diferença entre o valor venal do veículo e o valor dos salvados – v. Nº 17 da Fundamentação de Facto.
 
Insurge-se a apelante contra a decisão recorrida que considerou não estar provado que a autora ficou impossibilitada de usar a viatura em consequência do acidente, não lhe atribuindo a indemnização  peticionada  de € 40,00,  diários  ( que  no  recurso  se  mostra reduzida a € 25,00), devido à circunstância de a ré não lhe ter facultado a entrega de um veículo de substituição, nem lhe ter pago outro veículo de características idênticas ao veículo sinistrado.
 
Esta questão pressupõe a ponderação sobre a problemática da reparabilidade do dano da privação do uso, cuja solução não tem sido unívoca, quer na doutrina, quer na jurisprudência, com maior incidência, precisamente, a propósito da responsabilidade civil automóvel. 
A clivagem jurisprudencial, não se limita à qualificação da natureza do dano de privação do uso, como dano não patrimonial ou patrimonial, já que mesmo quando se aceita a sua natureza patrimonial, existe dissensão.
É que, para uma corrente de opinião, basta, para que seja reparável, a demonstração do não uso do bem atingido, uma vez que a indemnização é quase co-natural a essa mesma privação, defendendo-se que a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização, constituindo ainda a opção pelo não uso uma manifestação dos poderes do proprietário, também afectado pela privação do uso – v. a propósito ANTÓNIO S. ABRANTES GERALDES, Temas da Responsabilidade Civil – Indemnização do dano da privação do uso, 2.ª Edição, Almedina. 
Também para LUÍS M. T. DE MENEZES LEITÃO,  Direito das Obrigações, Volume I, 4.ª Edição, 317 “o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano”.
Considerou-se, designadamente, no acórdão do STJ de 12.01.2010 (Pº 314/06.6TBCSC.S1), que: “O proprietário privado por terceiro do uso de uma coisa tem, por esse simples facto e independentemente da prova cabal da perda  de rendimentos que com ela obteria, direito a ser indemnizado por essa privação, indemnização essa a suportar por quem leva a cabo a privação em causa.  A privação do uso do veículo constitui um dano indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado (art. 62.º da CRP) – Cfr. em idêntico sentido Acs. STJ de 28.09.2011 (Pº 2511/07.8TACSC.L2.S1) e de 06.05.2008 (Pº 08A1279), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
 
Para outra corrente jurisprudencial, é insuficiente essa demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial. 
Defende-se no Acórdão do STJ de 18.11.2008 (Pº 08B2732), no mesmo sítio da internet que: “A mera privação do uso de um imóvel, decorrente de ocupação ilícita, por ofensiva do direito de propriedade do reivindicante (artº 1305º nº1 do CC), não confere a este, sem mais, direito a indemnização em «quantum» correspondente ao do apurado valor locativo daquele, ou outro, mesmo apelando às regras da equidade, ao autor, antes, sopesados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que pretende efectivar e o exarado nos artºs 342º nº1, 483º nº1, 487º, 562º a 564º e 566º, todos do CC, cumprindo alegar e provar facticidade donde ressaltem danos consectários da mora na restituição da coisa sua pertença.

É certo que já se defendeu na jurisprudência do STJ que:
– A privação injustificada do uso de uma coisa pode constituir um ilícito susceptível de gerar obrigação de indemnizar, uma vez que, na normalidade dos casos, impedirá o respectivo proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, impedindo-o de usar a coisa, de fruir as utilidades que ela normalmente lhe proporcionaria e de dela dispor como melhor lhe aprouver, violando o seu direito de propriedade (…). Competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver ressarcido, não  chega  alegar  e  provar  a  privação   da  coisa,  pura  e  simplesmente, mostrando-se ainda necessário que o autor alegue e demonstre que pretendia usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou algumas delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela actuação ilícita do lesante (Ac. de 16.03.2011 (Pº 3922/07.2TBVCT.G1.S1), 
ou, 
– A privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, de usar, fruir e dispor do bem, nos termos genericamente consentidos pelo art. 1305.º do CC. Não é suficiente, todavia, a simples privação em si mesma: torna-se necessário que o lesado alegue e prove que a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real – concreto e efectivo –  de proceder à sua utilização. A privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano correspondente a essa realidade de facto - Ac. TRP de 03.05.2011 (Pº 2618/08.6TBOVR.P1), acessíveis em www.dgsi.pt.
 
Entende-se, todavia, que a privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, é lícito ao proprietário gozar, i.e., o uso e fruição da coisa. 
 
A supressão dessa faculdade, impedindo o proprietário de extrair do bem, todas as suas utilidades, constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação – v. Acs. T.R.L. de 12.10.2006 (Pº 6600/2006-6) e de 15.12.2011 (Pº 1470/09.4TCNT-L1-8), de e Ac. T.R.P. de 13.10.2009 (Pº <a href="https://acordao.pt/decisoes/145085" target="_blank">3570/05.3TBVNG.P1</a>),  e  ainda  Acs. T.R.L.  de  11.10.2012 (Pº 3525/09.9TBCSC.L1),  de 13.10.2016 (Pº <a href="https://acordao.pt/decisoes/106366" target="_blank">640/13.8TCLRS.L1-2</a>) e de 11.05.2017 (Pº <a href="https://acordao.pt/decisoes/108722" target="_blank">350/12.3TVLSB.L1-2</a>), estes relatados pela ora relatora e os dois últimos igualmente subscritos pelo ora 1º adjunto, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
 
Ou, como se entendeu nos Acs. T.R.L. de 21.05.2009 (Pº 1252/08.3TBFUN.L1) e de 25.05.2017 (Pº <a href="https://acordao.pt/decisoes/105889" target="_blank">12795/15.2T8ALM.L1-2</a>), de que a ora relatora foi neles 1ª adjunta e o ora 2º adjunto, também subscreveu este último, enquanto 2º adjunto: a mera privação do uso do veículo constitui para o respectivo proprietário um dano patrimonial, que é economicamente valorizável, se necessário com recurso à equidade (art.º 566.º n.º 3 do Código Civil).
 
No caso vertente, provado ficou que, em consequência do acidente aqui em causa, a autora se viu privada do veículo, o qual era utilizado pela autora e familiares para deslocações para o trabalho, para levar os netos à escola e na vida diária – v. Nº 11 da Fundamentação de Facto.
 
Ora, decorre do artigo 42.º do Regime Jurídico do Seguro Obrigatório da Responsabilidade Civil Automóvel, aprovado pelo Decreto-Lei nº 291/2007, de 21.8, que: “verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente, nos termos previstos nos artigos anteriores”(n.º 1). No caso de perda total do veículo, essa obrigação cessa no momento em que a seguradora coloque à disposição do lesado a indemnização devida (n.º 2 ). 
 
E, nos termos do n.º 3 do aludido artigo 42.º, “a empresa de seguros responsável comunica ao lesado a identificação do local onde o veículo de substituição deve ser levantado e a descrição das condições da sua utilização.” O n.º 5 do mesmo artigo ressalva que “o disposto neste artigo não prejudica o direito de o lesado ser indemnizado, nos termos gerais, no excesso de despesas em que incorreu com transportes em consequência da imobilização do veículo durante o período em que não dispôs do veículo de substituição.”
 
E, muito embora tais preceitos se reportem a uma fase pré-jurisdicional, de regulação dos sinistros, não vinculando os tribunais na definição dos danos ressarcíveis, não condicionam a atribuição de viatura de substituição à demonstração da necessidade da mesma.
 
No caso dos autos, a seguradora não colocou à disposição do lesado qualquer veículo de substituição, sendo certo que devido aos danos existentes no veículo, veio a resultar a sua “perda total”.
 
Assim sendo, a autora terá direito ao ressarcimento do dano consubstanciado na forçada privação da viatura. 
 
Referiu-se no já citado Ac. de 25.05.2017 (Pº 12795/15.2T8ALM.L1), também subscrito, enquanto adjuntos, pela ora relatora e 1º adjunto, o seguinte:
Afigura-se-nos que, em regra, um cidadão só aceita suportar as despesas fiscais, de seguro e outras (vide inspeção obrigatória à viatura), inerentes à titularidade de uma viatura automóvel, se pretender utilizá-la regularmente. Mesmo os adeptos da necessidade de demonstração de danos para além da privação do veículo reconhecem que “uma paralisação de um veículo, normalmente, causa prejuízos ao proprietário. O dono goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (art. 1305º), pelo que ficando, pela paralisação, desprovido desses direitos, em princípio, ocorrerão, para si, perdas” (STJ, 16.9.2008, 08A2094, citado supra). Ora, se assim é, cremos que caberá  ao lesante demonstrar  que no  caso  concreto a paralisação da viatura não era suscetível de causar quaisquer danos ao lesado (por exemplo, o lesado, habitual utilizador da viatura, esteve ausente no estrangeiro durante o período de paralisação da mesma, em local para onde não a iria levar).
Conforme decorre do acima exposto, o valor locativo das viaturas, nomeadamente o valor que no mercado é cobrado pelas empresas de aluguer de viaturas, é aceitável  como  padrão  a  utilizar  no  cálculo  da  indemnização  por privação da viatura, tendo-se  em  consideração  as características da viatura em concreto. Tal valor diário excede, como é sabido, os € 20,00 diários. Valor que encontramos em casos como o apreciado pelo STJ em 28.11.2013 (processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/140279" target="_blank">161/09.3TBGDM.P2</a>.S1, acessível in www.dgsi.pt), reportado a acidente ocorrido em 2006. Sendo certo que em caso relatado pelo relator deste acórdão e também subscrito pela Exm.ª 1.ª adjunta (acórdão de 21.5.2009, processo 1252/08.3TBFUN.L1, acessível in www.dgsi.pt e também na Colectânea de Jurisprudência, ano XXXIV, tomo III, pág. 78 e seguintes), se aceitou a despesa provada pelo lesado, de aluguer de um quadriciclo, no valor de € 40,25 por dia. E em acórdãos como os proferidos em 22.6.2016 (Relação de Lisboa, processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/106486" target="_blank">31357/12.0T2SNT.L1-6</a>), 27.10.2015 (Relação de Lisboa, processo 5119/12.2.TBALM.L1-1) e de 17.12.2014 (Relação de Lisboa, processo 1595/13.4TBALM.L1-2) condenou-se o responsável no pagamento de indemnizações, pela privação de uso de viatura, correspondentes, respetivamente, ao montante diário de € 30,00, € 36,50 e € 28,00. 
É certo que nas decisões ora citadas o julgador dispunha de um manancial de factos de que decorria a demonstração de uma utilização diária ou frequente das viaturas em questão. “
 
In casu, nada se provou em relação à utilização diária dada pela autora à viatura sinistrada. 
 
Sucede, porém, que, como acima se defendeu, a privação da viatura é, em si, um dano patrimonial, cuja reparação passa pela disponibilização ao lesado de uma viatura idêntica. 
 
O padrão de referência que, nesta perspetiva, se utilizou no supra referido acórdão de 25.05.2017 – e que aqui se mantém - face à aludida ausência de elementos mais concretos, e por recurso à equidade, é o custo de aluguer de viaturas, ao qual se atribuí, no mínimo, um valor de € 20,00, por dia.
 
Há, pois, a considerar que:
–   O acidente ocorreu em 24.09.2014;
–  A ré efectuou uma proposta condicional, em 10.12.2014, que não manteve;
– Conforme salientou o julgador de 1ª instância, na sua fundamentação de direito, o marido da autora terá referido, na sessão de julgamento, ter esta já adquirido outra viatura.
 
Assim, e à míngua de outros elementos, presume-se que esse momento de aquisição do veículo poderá, pelo menos, coincidir com a venda do veículo sinistrado, que ocorreu em 09.04.2015 (Nº 14 da Fundamentação de Facto), pelo que se afigura razoável atribuir o aludido quantitativo diário de € 20,00, desde 25.09.2014 a 09.04.2015, i.e., € 3.940,00 [197 dias (6+31+31+31+31+28+31+9)], devendo a ré assumir a responsabilidade por esse dano que a autora sofreu, de privação do uso do veículo sinistrado, dano esse igualmente decorrente do acidente imputável ao condutor do veículo segurado na ré.
 
Destarte, procede a apelação, razão pela qual se revoga a decisão recorrida, substituindo-se por outra em que se condena a ré a pagar à autora, a quantia de € 3.940,00, mantendo-se, evidentemente, a condenação constante da sentença de 1ª instância. 
 
A apelada será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo.
 
IV.–DECISÃO.
 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso, razão pela qual de revoga a decisão recorrida, substituindo-se por outra, em que se condena a ré a pagar à autora, a quantia de € 7.065,00, sendo € 3.125,00, valor da condenação constante da sentença recorrida e, € 3.940,00, a título de privação do uso do veículo.
Condena-se a apelada no pagamento das custas respectivas.
 

 
Lisboa, 20 de Dezembro de 2017 



Ondina Carmo Alves – Relatora 
Pedro Martins 
Arlindo Crua

ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA. I.–RELATÓRIO: ANABELA, residente na Rua …., intentou, em 22.02.2016, contra COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na ….., acção declarativa sob a forma de processo comum, através da qual pede a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 27.500,00, acrescida de juros de mora, bem como no pagamento de € 40 diários, inerentes à privação do uso do seu veículo, desde 23.01.2016 até integral pagamento da indemnização. Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão da seguinte forma: 1.–No dia 24 de Setembro de 2014 ocorreu um acidente em que foram intervenientes os veículos de matrícula XJ-...-... e o de matrícula ...-FF-..., este último segurado  na  ré, tendo o seu  condutor  assumido  a responsabilidade pela produção do acidente e pelos danos causados na viatura pertencente à autora. 2.–Em consequência do acidente, não foi aconselhável a reparação do acidente e foi considerado uma perda total, sendo o valor da viatura, naquela data, de € 8.000,00. 3.–A ré, apesar de ter apresentado uma proposta de regularização do sinistro, em 10.12.2014, veio posteriormente a declinar a responsabilidade. 4.–A autora teve um prejuízo de € 8.000,00, correspondente ao valor do carro, bem como o decorrente da privação do seu uso, na medida em que a ré não lhe entregou qualquer veículo de substituição, nem lhe pagou o aluguer de outro veículo de caraterísticas idênticas, contabilizando, a autora, este prejuízo, em €40 diários. Citada, a ré apresentou, em 02.03.2016, contestação, reconhecendo a celebração do contrato de seguro relativamente ao veículo automóvel envolvido no acidente com o veículo da autora. Alegou, no entanto, a ré, que: 1.–O referido embate ocorreu em circunstâncias diversas das relatadas pela autora. 2.–Face ao pouco valor comercial do veículo seguro, o seu condutor e o condutor do veículo da autora terão simulado o sinistro participado, tentando assim que fosse o veículo seguro considerado culpado pela produção dos danos, assumindo assim a ré a reparação do mesmo. 3.–Esta suspeita foi-lhe comunicada pela própria seguradora do veículo da autora, no âmbito do processo de regularização de sinistros, razão pela qual a ré declinou a responsabilidade pela produção do acidente, após o ter assumido, numa fase inicial. 4.–Quanto ao valor de € 8.000,00 de prejuízo que a autora invoca ter sofrido, esta não atendeu ao valor do salvado, nem ao respetivo valor venal, que terão de ser considerados, caso se conclua pela responsabilidade da ré, e nessa medida, esse valor ficará limitado ao valor de € 3.125,00. 5.–O pedido referente à privação do uso é abusivo, correspondendo a mais do dobro do valor da reparação e o suficiente para a autora adquirir um veículo em estado novo, impugnando os factos relativos à utilização do veículo. Por despacho de 07.06.2016, foi fixado o valor da causa, dispensada a realização de audiência prévia, identificado o objecto do litígio e enunciados os Temas da Prova. Foi levada a efeito a audiência final, em 19.10.2016 e 24.11.2016, após o que, o Tribunal a quo proferiu decisão, em 04.04.2017, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte: Nestes termos e com estes fundamentos, decide este Tribunal julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência, condena-se a R. COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. a pagar à A. ANABELA, a quantia de € 3.125,00 (Três mil, cento e vinte e cinco euros), acrescida de juros de mora a contar da data da citação até integral pagamento, absolvendo-se a R. do demais peticionado. Custas a cargo da A. e da R., na proporção do decaimento e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido à A.. Registe e notifique. Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso de apelação, em 16.05.2017, relativamente à sentença prolatada. São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: i.– Dos factos provados da Douta Sentença Recorrida consta que: o acidente ocorreu; a Recorrente usava diariamente a viatura; a Recorrida declinou a responsabilidade e até hoje nada pagou à Recorrente. ii.– Contudo e apesar dos factos dados como provados, da fundamentação da Douta Sentença Recorrida consta que não se condena pela privação da viatura porque: a.- Não se provou que a A. estivesse privada de viatura; b.- A A. adquiriu uma viatura há cerca de um ano; c.- A A. poderia dispor da viatura desde o acidente até á sua venda em Abril de 2015; d.- A A. não podia conduzir por não ter carta de condução; iii.– Com o devido respeito pela opinião em contrário, há contradição entre os factos provados e a fundamentação da Douta Sentença Recorrida, uma vez que se refere que se desconhece se a viatura foi reparada ou não até ser vendida e dos factos provados n.º 19 e 21 consta que a viatura foi rebocada pela Polícia Municipal para o parque da Polícia Municipal, onde foi vista para Recorrida desmontada. iv.– O facto da Recorrente ter vendido o "salvado" em Abril de 2015 e de ter adquirido uma viatura em Novembro de 2016, não são motivos para não se condenar a Recorrida por danos pela privação da viatura, uma vez que a Recorrida nada pagou à Recorrente. v.– Para além disso, com o devido respeito pela opinião em contrário, o facto da Autora ter ou não carta de condução é irrelevante para a verificação do dano, uma vez que o que é evidente é que ficou privada de usar a mesma através duma terceira pessoa que a conduzisse. vi.– Dos factos provados n.ºs 11 e 12 consta que a viatura era utilizada pela Recorrente e familiares para deslocações para o trabalho, para levar os netos   à  escola  e   na vida   diária  e  que  a  mesma e  o seu marido são comerciantes e vendem em Benfica, pelo que foi dado como provado que foram causados danos à Recorrente porque se viu privada de utilizar uma viatura da qual é proprietária. vii.– De acordo com os critérios constantes da fundamentação da Douta Sentença Recorrida, sempre se deveria condenar a Recorrida pela privação da viatura entre a data do acidente em 24/9/2014 e a data da aquisição da nova viatura em Novembro/2016, ou, pelo menos até á venda do salvado em 3/4/2015, o que não aconteceu. viii.– Assim e com o devido respeito pela opinião em contrário, a mera privação do uso e fruição do veículo constitui um dano patrimonial e não se tendo dado como provado qual o valor do prejuízo diário pela privação da viatura sempre se deveria condenar a Recorrida recorrendo à equidade, ou, de acordo com a Jurisprudência Dominante condenar em 25€/diários desde o dia do acidente até pagamento da indemnização, conforme consta dos n.ºs 19 a 20.3, que se dá como reproduzido. ix.– Na Douta Sentença Recorrida foi feita uma interpretação errada do disposto nos art.ºs 563º, 564º, 566º e 1305.º do C.C.. Pede, por isso, a apelante, a alteração da sentença recorrida, e em consequência, condenando-se a recorrida a pagar à recorrente os danos pela privação do uso da viatura, desde a data do acidente até integral pagamento, ao valor diário de 25€, acrescido de juros legais. A ré apresentou contra-alegações, em 16.06.2017, propugnando pela confirmação da Sentença recorrida, e formulou as seguintes CONCLUSÕES: i.–Não obstante a clara correcção da sentença proferida nos presentes autos, vem a Recorrente dela interpor o recurso de apelação a que ora se responde, através  de  alegações  que,  de  tão  frágeis,  votam  o  recurso ao mesmo insucesso da pretensão inicialmente formulada, e demonstram a não aceitação da improcedência da acção quanto ao pedido de indemnização pela privação de uso do seu veículo sinistrado nos presentes autos. ii.–Segundo decorre das alegações de recurso da Recorrente, labora a mesma em variados equívocos, que cumpre deixar esclarecidos, o que levará a que, também por essa via, tenha de improceder a sua pretensão. iii.–Analisada a apelação da Recorrente, insurge-se esta contra a fundamentação de direito constante da sentença, dada à questão do dano da privação do uso, por reporte aos factos dados como provados sob os pontos 1, 8, 9, 11, 14, 19, 21 e 25 da douta sentença recorrida. iv.–Note-se que a Recorrente ao longo das suas alegações não põe em causa a matéria de facto dada como provada, não pedindo a sua alteração, nem a reapreciação da mesma, nem requer o aditamento de factos àquele elenco que devessem ter sido dados como provados e que não o foram. v.–No entanto a Recorrida entende que no que à matéria do presente recurso diz respeito, a sentença recorrida deu como provados mais factos que são relevantes para o objecto do recurso tal como factos não provados que também não foram mencionados pela Recorrente, senão vejamos: vi.–No que diz respeito aos factos provados, resulta do ponto 20 da sentença o seguinte: “20. O condutor do veículo seguro mencionou que o mesmo se registado em nome do anterior proprietário pois ele compra e vende veículos (art. 21º da contestação).”. Por outro lado, dos factos não provados resulta o seguinte: “4. Desde a data do acidente até à presente data que a A. está impedida de comprar outra viatura, por não ter dinheiro e por não ter sido ressarcida pela R. dos danos causados (art. 21º da petição inicial)” vii.–A sentença refere e bem na fundamentação da decisão de facto o seguinte: “Quanto aos demais factos também as testemunhas não revelaram conhecimento do mesmo, nem foi apresentada outra prova nesse sentido, salientando-se que no respeitante à privação do uso da viatura da A., o marido  desta mencionou que compraram outra viatura, há cerca de 1 ano, ao que acresce que se desconhece se a viatura foi reparada ou não, se podia circular ou não, ficando assim a dúvida sobre o que sucedeu à mesma.” viii.–E como adiante se demonstrará bem andou o Tribunal a quo ao considerar que nenhuma prova foi feita quanto à factualidade que suporta o dano da privação do uso, pelo que nunca a pretensão da Recorrente poderia proceder. ix.–Em primeira linha alegou a Recorrente que não tinha capacidade para comprar outro veículo, facto que foi dado como não provado. x.–Igualmente relevante e com conexão com a informação anterior é o facto de o marido da Autora ser comerciante de automóveis. Nestas circunstâncias custa a acreditar que fazendo negócio nesta área o marido da Autor não tivesse mais veículos disponíveis. xi.–Até porque, foi alegado que a Autora e o marido eram comerciantes no mercado de Benfica, mas nada foi alegado e muito menos provado, como é que passaram a fazer as deslocações para o mercado e como é que transportavam a mercadoria. Fazendo mais sentido, na óptica da Recorrente alegar factos relacionados com este eventual constrangimento, mas que não o fizeram. xii.–Acresce que as alegações da Recorrente a este respeito também são incongruentes porque se por um lado, alegam que adquiriram esta viatura para facilitar as suas deslocações para o mercado, por outro justificam que a viatura ainda tivesse em nome do anterior proprietário pelo facto do marido da Autora ser comerciantes de automóveis. xiii.–Ora se o objectivo da aquisição da viatura era facilitar o trabalho que exercem no mercado não faria mais sentido registar a viatura no seu nome no momento imediatamente a seguir à aquisição. xiv.–Na opinião da Recorrida o comportamento da Recorrente só se justifica pelo facto de o marido da Autora ser comerciante de automóveis e esta viatura era mais uma que iria ser vendida. xv.–Vem ainda a Recorrente alegar que a sentença entra em contradição quando afirma que se desconhece se a viatura foi reparada entre a data em que foi levada para o parque da PSP em Abril de 2015, data em que foi vendida. xvi.–Segundo a Recorrente existe contradição porque resulta provado que a viatura estava no parque da PSP e que inclusive os peritos da companhia estiveram no local a ver a mesma. xvii.–Nenhum destes factos é contraditório com a afirmação da sentença, senão vejamos. Resultou provado que a viatura se encontrava no parque da PSP em Novembro de 2014, mas não foi alegado nem provado nenhum facto sobre o que é que aconteceu à viatura entre esta data e a data da venda. xviii.–Por essa razão, a sentença refere e bem que se desconhece se a viatura foi reparada e depois vendida, inexistindo por isso qualquer contradição. xix.–Por outro lado, não assiste razão à Recorrente quando alega que o facto de não ter carta de condução não interfere para a apreciação da privação de uso. xx.–Este facto é relevante porque para a Recorrente não basta ter um carro à sua disposição, tem de ter igualmente alguém que tenha carta de condução e que tenha disponibilidade para a fazer transportar. xxi.–Ora o que os Acórdãos que a Recorrente identifica no recurso visam salvaguardar são situações diferentes e que por isso não tem aplicação ao caso concreto. xxii.–Neste sentido, tendo em conta os factos dados como provados e os factos dados como não provados, nunca o Tribunal a quo poderia ter deixado de decidir tal como decidiu, ou ter-se socorrido de factos que não constam da sentença, por nem sequer alegados nos articulados da Recorrente. xxiii.–A privação do uso de veículo não corresponde à indisponibilidade daquele veículo em específico, aferindo-se antes pela indisponibilidade de qualquer outro veículo que o substitua, o que dificilmente se verifica na situação da Recorrente tendo em conta a actividade de compra e venda de veículo do marido. xxiv.–Assim, desde logo porque a Recorrente não recorre da matéria de facto julgada provada e porque os factos provados bem elucidam que a Recorrente não teve qualquer prejuízo com a paralisação, não poderia o Tribunal Recorrido ter decidido de maneira diferente. xxv.– A este propósito veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06.03.2012, disponível in www.dgsi.pt : “Por sua vez, Paulo Mota Pinto, entende que o dano só se concretiza ao nível das privações concretas das vantagens que a coisa proporciona ([3]) e não antecipadamente ao nível da perturbação (ilícita) das possibilidades abstractas de uso que resultam para o proprietário derivadas do «jus utendi et fruendi» inerente ao direito de propriedade. Sustenta este autor que «O dano da privação do gozo ressarcível é, assim, a concreta e real desvantagem resultante da privação do gozo, e não logo qualquer perda da possibilidade de utilização do bem – a qual (mesmo que resultante de uma ofensa directa ao objecto, e não apenas de uma lesão no sujeito) pode não ser concretizável numa determinada situação» ([4]). A favor desta solução pode argumentar-se: – Nos termos do artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, para haver obrigação de indemnizar, não basta a ilicitude da acção do lesante, que se traduz na lesão do bem, sendo necessário ainda um dano efectivo e não apenas um dano ficcionado que, neste caso, contrariaria a proibição do enriquecimento do  lesado   devido ao evento lesivo, que receberia uma indemnização superior ao dano efectivo. Esta solução favorece na prática a obtenção de resultados justos, impedindo, por exemplo situações de enriquecimento injustificado do lesado, (…).” No âmbito do mesmo Acórdão mencionado atente-se à concepção de dano: “Tendo em conta o que acaba de ser exposto, face ao disposto no n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil, afigura-se que deve exigir-se um dano real ([6]). (…) em sentido jurídico, o objecto de dano é um interesse juridicamente protegido. Sendo o interesse o objecto do dano em sentido jurídico, importa saber em que consiste o conceito de interesse. Este conceito para se conceber carece, previamente, da explicitação da noção de bem. O conceito de bem pode ser factualmente determinado considerando que se identifica com tudo o que pode satisfazer uma necessidade. Por sua vez, a necessidade é um estado que resulta da ausência de certas coisas para as quais tende a própria satisfação e postula, consequentemente, um bem. A utilidade própria do bem existe na medida em que o bem for idóneo para satisfazer uma necessidade humana. O interesse do sujeito consiste, assim, na possibilidade de uma sua necessidade poder vir a ser satisfeita mediante a utilidade que o bem proporciona ([7]). Ora, se o bem lesado satisfazia uma necessidade de uso concreta do sujeito e deixou de a satisfazer, porque a lesão o tornou impróprio para esse fim, há aqui, sem dúvida um dano. Só assim não será se porventura essa necessidade, por qualquer razão, terminou definitivamente ou ficou suspensa na ocasião da lesão ou, ainda, se a necessidade não era assegurada exclusivamente por aquele bem e pôde continuar a ser satisfeita através de outros meios do lesado ou de terceiro, sem que tivesse ocorrido qualquer diminuição na satisfação das suas restantes necessidades.” xxvi.–No que concerne ao valor da indemnização que no entender da Recorrente deverá ser arbitrada no caso da sua pretensão proceder, vem esta, peticionar nesta sede a quantia de € 25,00 diários desde a data do acidente e até efectivo e integral pagamento. xxvii.–Mas também indica que o alegado prejuízo deverá ser calculado entre a data do acidente e a data da aquisição de nova viatura em Novembro de 2016 ou entre a data do acidente e a data da venda do veículo seguro em Abril de 2015. xxviii.–Relembre-se que a Recorrente peticionou na petição inicial, a título de privação de uso, o pagamento de € 30,00 diários, desde a data de propositura da acção até efectivo e integral pagamento. xxix.–Qualquer um dos pedidos é no entender da Recorrente abusivo porque é mais de o dobro do valor da reparação e o suficiente para a Autora adquirir um veículo em estado novo. xxx.–Este tipo de pedido, só se justifica, conforme já se deixou expresso na contestação, tendo em conta que a Autora litiga com benefício de apoio judiciário. xxxi. –Não se vislumbrando, porém, qualquer justificação para o valor abstracto ora peticionado, carecendo o mesmo de fundamentação e de apoio em elementos fácticos como acima se demonstrou, pelo que não poderá a sua pretensão proceder. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II.–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO. Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem  prejuízo  das  questões  de que  o tribunal  ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a ponderação quanto À VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS, o que implica a análise:      – DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTO ILÍCITO, por forma a apurar: – O CRITÉRIO DE CÁLCULO DOS DANOS SOFRIDOS PELA AUTORA – Da indemnizatório pelo dano patrimonial, no que concerne à privação de uso do veículo sinistrado. III.–FUNDAMENTAÇÃO. A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte: 1.– No dia 24 de Setembro de 2014, pelas 16h 50m, na rotunda da Ameixoeira  com  acesso  à  Charneca,  freguesia do Lumiar, concelho de Lisboa, ocorreu um embate entre as viaturas ligeiras de passageiros com a matrícula XJ-...-... e ...-FF-... (art. 1º da petição inicial). 2.– O ...-FF-... circulava na rotunda da Ameixoeira, em direção à Charneca e o XJ-...-... vinha do eixo norte-sul (arts. 2º e 3º da petição inicial). 3.– O XJ-...-... ao entrar na rotunda da Ameixoeira não parou e embateu contra o ...-FF-..., embate esse que se deu entre a frente do XJ-...-... e a parte lateral direita do ...-FF-... (arts. 4º e 5º da petição inicial). 4.– O condutor do ...-FF-... foi surpreendido com a entrada repentina do XJ-...-... na rotunda e não conseguiu evitar o embate (art. 6º da petição inicial). 5.– Na via donde surgiu o XJ-...-... existe um sinal de estrada com prioridade (art. 7º da petição inicial e art. 15º da contestação). 6.– O condutor do XJ-...-..., ao entrar na rotunda, não parou no sinal de estrada com prioridade, nem viu o ...-FF-... porque foi encadeado com o sol (arts. 8º e 10º, parte final da petição inicial e art. 18º da contestação). 7.– O ...-FF-... tinha ido à inspeção, em 30/07/2014, não tinha qualquer deficiência e estava em bom estado de conservação (arts.14º e 15º da petição inicial). 8.– A R. apresentou uma proposta condicional para a regularização do sinistro, em 10/12/2014 e posteriormente veio a declinar a responsabilidade (art. 16º da petição inicial e art. 55º da contestação). 9.– A R. não entregou à A. um veículo de substituição, nem lhe pagou o aluguer de um outro de idênticas características ao ...-FF-... (art. 18º da petição inicial). 10.– A viatura de matrícula ...-FF-... era do ano de 2008 e de marca Volkswagen Sharan (art. 20º da petição inicial). 11.– A viatura era utilizada pela A. e familiares para deslocações para o trabalho, para levar os netos à escola e na vida diária (art. 26º da petição inicial). 12.– A A. e o marido são comerciantes e vendem em Benfica (art. 28º da petição inicial). 13.– O XJ-...-... era propriedade de Eduardo …., era conduzido por Manuel e estava seguro na R., através da apólice de seguros nº 0003543475 (arts. 35º, 36º e 37º da petição inicial e art. 4º da contestação). 14.– A propriedade de veículo de matrícula XJ-...-... esteve inscrita a favor  da A. de 31/07/2013 a 09/04/2015 (doc. de fls. 110 a 111). 15.– O sinistro começou por ser regularizado no âmbito do protocolo Indemnização Direta ao segurado e a averiguação inicial foi desenvolvida pela seguradora do veículo da A., Insurance PLC – Sucursal em Portugal (arts. 5º e 6º da contestação). 16.– A Insurance PLC recusou o pagamento dos danos no veículo da A., ainda ao abrigo do protocolo IDS por entender que o veículo seguro na R. não teve intervenção no acidente (arts. 7º e 8º da contestação). 17.– A rotunda da Ameixoeira é constituída por 3 vias de circulação (art. 11º e 12º da contestação). 18.– As autoridades compareceram no local e o condutor do veículo seguro chamou a assistência em viagem (art. 19º da contestação). 19.– O veículo seguro foi deslocado para um local onde lhe foram roubadas algumas peças, sendo depois rebocado pela Polícia Municipal (art. 20º da contestação). 20.– O condutor do veículo seguro mencionou que o mesmo se encontrava registado em nome do anterior proprietário pois ele compra e vende veículos (art. 21º da contestação). 21.– Quando foi observado pelos serviços da R., o veículo seguro já se encontrava quase totalmente desmontado, tendo sido fotografado no Parque da Polícia Municipal (art. 26º da contestação). 22.– O veículo da A. apresentava danos na lateral direita, ao centro, com vestígios de tinta da cor do veículo seguro (art. 28º parte inicial da contestação). 23.– O veículo da A. apresentava ainda danos na frente direita, consequência do embate no rail, tendo ainda sido observados pequenos danos no rail com vestígios de tinta idêntica à do veículo da A., provocados pelo embate da frente direita do mesmo (arts. 30º e 31º da contestação). 24.– Junto à saída situada antes do local participado foram encontrados vestígios de embate no rail de proteção exterior, vestígios esses que têm uma cor idêntica à do veículo seguro (art. 32º da contestação). 25.– Os danos em ambos os veículos resultaram na sua perda total (art. 33º da contestação). 26.– A IPO do veículo seguro terminava no dia do sinistro (art. 49º parte final da contestação). 27.– A reparação dos danos no veículo da A. foi orçamentada em € 8.285,19, o salvado foi avaliado em € 3.175,00 e o valor venal do veículo foi fixado em € 6.300,00 (arts. 58º, 59º e 60º da contestação). B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. Fundamentou a autora o seu pedido de indemnização por danos que para si advieram, decorrentes de um acidente de viação que imputa ao condutor do outro veículo interveniente do acidente, cuja responsabilidade civil por danos se encontrava transferida para ré. Como é sabido, face ao pedido formulado, necessário se torna que exista um facto voluntário, ilícito, imputável ao lesante. Exige-se ainda que dessa violação sobrevenha dano e, que entre o facto praticado pelo lesante e o dano sofrido se verifique nexo de causalidade, de modo a poder afirmar-se que o dano resulta da violação.                               No caso vertente, está verificada a ilicitude do facto voluntário praticado pelo condutor do veículo matrícula XJ-...-..., traduzida na violação de norma estradal, consignada no artigo 31º, nº 1, alínea c) do Código da Estrada, já que aquele veículo não parou no sinal de estrada com prioridade, nem viu o veículo pertencente à autora, matrícula ...-FF-..., porque foi encadeado com o sol – v. Nºs 3 a 6 da Fundamentação de Facto– factualidade que não foi colocada em causa no recurso. Fez, pois, a autora, prova da culpa do autor da lesão - como lhe incumbia, nos termos dos artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1, ambos do Código Civil – e nenhuma conduta violadora das regras estradais se demonstrou ter sido praticada pelo condutor do veículo pertencente à autora. Acresce que se verificaram danos no veículo pertencente à autora, dos quais resultou perda total, danos esses que foram causa directa do facto ilícito e culposo praticado pelo condutor do veículo matrícula XJ-...-.... Como resulta do disposto do artigo 562º do Cód. Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. E, segundo o disposto no artigo 563º do CC “A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, ali se consagrando a teoria da causalidade adequada.  Ademais, o dever de indemnizar compreende o prejuízo causado e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, e ainda os danos futuros, desde que previsíveis e determináveis, conforme resulta do disposto no artigo 564º, nºs 1 e 2 do mesmo Código, sendo a indemnização fixada em dinheiro, sempre que a restituição natural não seja possível e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data, se não existissem os danos - v. artigo 566º, nº 1 do C.C. Tendo em consideração toda a prova produzida e o disposto nos aludidos preceitos do Código Civil, a ré para a qual foi transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, emergentes de acidente de viação, relativamente ao veículo matrícula XJ-...-...– v. Nº 13 da Fundamentação de Facto– será responsável pelos prejuízos de natureza patrimonial que  advieram  para  a  autora,  razão  pela  qual  a  sentença recorrida condenou a ré a pagar à autora a indemnização correspondente a € 3.125,00, em resultado da diferença entre o valor venal do veículo e o valor dos salvados – v. Nº 17 da Fundamentação de Facto. Insurge-se a apelante contra a decisão recorrida que considerou não estar provado que a autora ficou impossibilitada de usar a viatura em consequência do acidente, não lhe atribuindo a indemnização  peticionada  de € 40,00,  diários  ( que  no  recurso  se  mostra reduzida a € 25,00), devido à circunstância de a ré não lhe ter facultado a entrega de um veículo de substituição, nem lhe ter pago outro veículo de características idênticas ao veículo sinistrado. Esta questão pressupõe a ponderação sobre a problemática da reparabilidade do dano da privação do uso, cuja solução não tem sido unívoca, quer na doutrina, quer na jurisprudência, com maior incidência, precisamente, a propósito da responsabilidade civil automóvel. A clivagem jurisprudencial, não se limita à qualificação da natureza do dano de privação do uso, como dano não patrimonial ou patrimonial, já que mesmo quando se aceita a sua natureza patrimonial, existe dissensão. É que, para uma corrente de opinião, basta, para que seja reparável, a demonstração do não uso do bem atingido, uma vez que a indemnização é quase co-natural a essa mesma privação, defendendo-se que a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização, constituindo ainda a opção pelo não uso uma manifestação dos poderes do proprietário, também afectado pela privação do uso – v. a propósito ANTÓNIO S. ABRANTES GERALDES, Temas da Responsabilidade Civil – Indemnização do dano da privação do uso, 2.ª Edição, Almedina. Também para LUÍS M. T. DE MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, 4.ª Edição, 317 “o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano”. Considerou-se, designadamente, no acórdão do STJ de 12.01.2010 (Pº 314/06.6TBCSC.S1), que: “O proprietário privado por terceiro do uso de uma coisa tem, por esse simples facto e independentemente da prova cabal da perda de rendimentos que com ela obteria, direito a ser indemnizado por essa privação, indemnização essa a suportar por quem leva a cabo a privação em causa.  A privação do uso do veículo constitui um dano indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado (art. 62.º da CRP) – Cfr. em idêntico sentido Acs. STJ de 28.09.2011 (Pº 2511/07.8TACSC.L2.S1) e de 06.05.2008 (Pº 08A1279), todos acessíveis em www.dgsi.pt. Para outra corrente jurisprudencial, é insuficiente essa demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial. Defende-se no Acórdão do STJ de 18.11.2008 (Pº 08B2732), no mesmo sítio da internet que: “A mera privação do uso de um imóvel, decorrente de ocupação ilícita, por ofensiva do direito de propriedade do reivindicante (artº 1305º nº1 do CC), não confere a este, sem mais, direito a indemnização em «quantum» correspondente ao do apurado valor locativo daquele, ou outro, mesmo apelando às regras da equidade, ao autor, antes, sopesados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que pretende efectivar e o exarado nos artºs 342º nº1, 483º nº1, 487º, 562º a 564º e 566º, todos do CC, cumprindo alegar e provar facticidade donde ressaltem danos consectários da mora na restituição da coisa sua pertença. É certo que já se defendeu na jurisprudência do STJ que: – A privação injustificada do uso de uma coisa pode constituir um ilícito susceptível de gerar obrigação de indemnizar, uma vez que, na normalidade dos casos, impedirá o respectivo proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, impedindo-o de usar a coisa, de fruir as utilidades que ela normalmente lhe proporcionaria e de dela dispor como melhor lhe aprouver, violando o seu direito de propriedade (…). Competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver ressarcido, não  chega  alegar  e  provar  a  privação da  coisa,  pura  e  simplesmente, mostrando-se ainda necessário que o autor alegue e demonstre que pretendia usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou algumas delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela actuação ilícita do lesante (Ac. de 16.03.2011 (Pº 3922/07.2TBVCT.G1.S1), ou, – A privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, de usar, fruir e dispor do bem, nos termos genericamente consentidos pelo art. 1305.º do CC. Não é suficiente, todavia, a simples privação em si mesma: torna-se necessário que o lesado alegue e prove que a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real – concreto e efectivo – de proceder à sua utilização. A privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano correspondente a essa realidade de facto - Ac. TRP de 03.05.2011 (Pº 2618/08.6TBOVR.P1), acessíveis em www.dgsi.pt. Entende-se, todavia, que a privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, é lícito ao proprietário gozar, i.e., o uso e fruição da coisa. A supressão dessa faculdade, impedindo o proprietário de extrair do bem, todas as suas utilidades, constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação – v. Acs. T.R.L. de 12.10.2006 (Pº 6600/2006-6) e de 15.12.2011 (Pº 1470/09.4TCNT-L1-8), de e Ac. T.R.P. de 13.10.2009 (Pº 3570/05.3TBVNG.P1),  e  ainda  Acs. T.R.L.  de  11.10.2012 (Pº 3525/09.9TBCSC.L1),  de 13.10.2016 (Pº 640/13.8TCLRS.L1-2) e de 11.05.2017 (Pº 350/12.3TVLSB.L1-2), estes relatados pela ora relatora e os dois últimos igualmente subscritos pelo ora 1º adjunto, todos acessíveis em www.dgsi.pt. Ou, como se entendeu nos Acs. T.R.L. de 21.05.2009 (Pº 1252/08.3TBFUN.L1) e de 25.05.2017 (Pº 12795/15.2T8ALM.L1-2), de que a ora relatora foi neles 1ª adjunta e o ora 2º adjunto, também subscreveu este último, enquanto 2º adjunto: a mera privação do uso do veículo constitui para o respectivo proprietário um dano patrimonial, que é economicamente valorizável, se necessário com recurso à equidade (art.º 566.º n.º 3 do Código Civil). No caso vertente, provado ficou que, em consequência do acidente aqui em causa, a autora se viu privada do veículo, o qual era utilizado pela autora e familiares para deslocações para o trabalho, para levar os netos à escola e na vida diária – v. Nº 11 da Fundamentação de Facto. Ora, decorre do artigo 42.º do Regime Jurídico do Seguro Obrigatório da Responsabilidade Civil Automóvel, aprovado pelo Decreto-Lei nº 291/2007, de 21.8, que: “verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente, nos termos previstos nos artigos anteriores”(n.º 1). No caso de perda total do veículo, essa obrigação cessa no momento em que a seguradora coloque à disposição do lesado a indemnização devida (n.º 2 ). E, nos termos do n.º 3 do aludido artigo 42.º, “a empresa de seguros responsável comunica ao lesado a identificação do local onde o veículo de substituição deve ser levantado e a descrição das condições da sua utilização.” O n.º 5 do mesmo artigo ressalva que “o disposto neste artigo não prejudica o direito de o lesado ser indemnizado, nos termos gerais, no excesso de despesas em que incorreu com transportes em consequência da imobilização do veículo durante o período em que não dispôs do veículo de substituição.” E, muito embora tais preceitos se reportem a uma fase pré-jurisdicional, de regulação dos sinistros, não vinculando os tribunais na definição dos danos ressarcíveis, não condicionam a atribuição de viatura de substituição à demonstração da necessidade da mesma. No caso dos autos, a seguradora não colocou à disposição do lesado qualquer veículo de substituição, sendo certo que devido aos danos existentes no veículo, veio a resultar a sua “perda total”. Assim sendo, a autora terá direito ao ressarcimento do dano consubstanciado na forçada privação da viatura. Referiu-se no já citado Ac. de 25.05.2017 (Pº 12795/15.2T8ALM.L1), também subscrito, enquanto adjuntos, pela ora relatora e 1º adjunto, o seguinte: Afigura-se-nos que, em regra, um cidadão só aceita suportar as despesas fiscais, de seguro e outras (vide inspeção obrigatória à viatura), inerentes à titularidade de uma viatura automóvel, se pretender utilizá-la regularmente. Mesmo os adeptos da necessidade de demonstração de danos para além da privação do veículo reconhecem que “uma paralisação de um veículo, normalmente, causa prejuízos ao proprietário. O dono goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem (art. 1305º), pelo que ficando, pela paralisação, desprovido desses direitos, em princípio, ocorrerão, para si, perdas” (STJ, 16.9.2008, 08A2094, citado supra). Ora, se assim é, cremos que caberá  ao lesante demonstrar  que no  caso  concreto a paralisação da viatura não era suscetível de causar quaisquer danos ao lesado (por exemplo, o lesado, habitual utilizador da viatura, esteve ausente no estrangeiro durante o período de paralisação da mesma, em local para onde não a iria levar). Conforme decorre do acima exposto, o valor locativo das viaturas, nomeadamente o valor que no mercado é cobrado pelas empresas de aluguer de viaturas, é aceitável  como  padrão  a  utilizar  no  cálculo  da  indemnização  por privação da viatura, tendo-se  em  consideração  as características da viatura em concreto. Tal valor diário excede, como é sabido, os € 20,00 diários. Valor que encontramos em casos como o apreciado pelo STJ em 28.11.2013 (processo 161/09.3TBGDM.P2.S1, acessível in www.dgsi.pt), reportado a acidente ocorrido em 2006. Sendo certo que em caso relatado pelo relator deste acórdão e também subscrito pela Exm.ª 1.ª adjunta (acórdão de 21.5.2009, processo 1252/08.3TBFUN.L1, acessível in www.dgsi.pt e também na Colectânea de Jurisprudência, ano XXXIV, tomo III, pág. 78 e seguintes), se aceitou a despesa provada pelo lesado, de aluguer de um quadriciclo, no valor de € 40,25 por dia. E em acórdãos como os proferidos em 22.6.2016 (Relação de Lisboa, processo 31357/12.0T2SNT.L1-6), 27.10.2015 (Relação de Lisboa, processo 5119/12.2.TBALM.L1-1) e de 17.12.2014 (Relação de Lisboa, processo 1595/13.4TBALM.L1-2) condenou-se o responsável no pagamento de indemnizações, pela privação de uso de viatura, correspondentes, respetivamente, ao montante diário de € 30,00, € 36,50 e € 28,00. É certo que nas decisões ora citadas o julgador dispunha de um manancial de factos de que decorria a demonstração de uma utilização diária ou frequente das viaturas em questão. “ In casu, nada se provou em relação à utilização diária dada pela autora à viatura sinistrada. Sucede, porém, que, como acima se defendeu, a privação da viatura é, em si, um dano patrimonial, cuja reparação passa pela disponibilização ao lesado de uma viatura idêntica. O padrão de referência que, nesta perspetiva, se utilizou no supra referido acórdão de 25.05.2017 – e que aqui se mantém - face à aludida ausência de elementos mais concretos, e por recurso à equidade, é o custo de aluguer de viaturas, ao qual se atribuí, no mínimo, um valor de € 20,00, por dia. Há, pois, a considerar que: – O acidente ocorreu em 24.09.2014; – A ré efectuou uma proposta condicional, em 10.12.2014, que não manteve; – Conforme salientou o julgador de 1ª instância, na sua fundamentação de direito, o marido da autora terá referido, na sessão de julgamento, ter esta já adquirido outra viatura. Assim, e à míngua de outros elementos, presume-se que esse momento de aquisição do veículo poderá, pelo menos, coincidir com a venda do veículo sinistrado, que ocorreu em 09.04.2015 (Nº 14 da Fundamentação de Facto), pelo que se afigura razoável atribuir o aludido quantitativo diário de € 20,00, desde 25.09.2014 a 09.04.2015, i.e., € 3.940,00 [197 dias (6+31+31+31+31+28+31+9)], devendo a ré assumir a responsabilidade por esse dano que a autora sofreu, de privação do uso do veículo sinistrado, dano esse igualmente decorrente do acidente imputável ao condutor do veículo segurado na ré. Destarte, procede a apelação, razão pela qual se revoga a decisão recorrida, substituindo-se por outra em que se condena a ré a pagar à autora, a quantia de € 3.940,00, mantendo-se, evidentemente, a condenação constante da sentença de 1ª instância. A apelada será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo. IV.–DECISÃO. Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso, razão pela qual de revoga a decisão recorrida, substituindo-se por outra, em que se condena a ré a pagar à autora, a quantia de € 7.065,00, sendo € 3.125,00, valor da condenação constante da sentença recorrida e, € 3.940,00, a título de privação do uso do veículo. Condena-se a apelada no pagamento das custas respectivas. Lisboa, 20 de Dezembro de 2017 Ondina Carmo Alves – Relatora Pedro Martins Arlindo Crua