Processo:161/09.3TBGDM.P2
Data do Acordão: 24/06/2013Relator: RUI MOREIRATribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I - Do disposto no art. 646º, nº 4 do C.P.C. quando ali se prescreve que devem por ter-se por não escritas respostas que sejam conclusivas, decorre a proibição de que se resolva, em sede da decisão sobre a factualidade controvertida na causa, o tratamento jurídico que, num segundo momento, tal matéria deve merecer. A “conclusividade” que ali se previne, é aquela que compreende já uma apreciação jurídica de um facto, e não a que se reporta em exclusivo ao substrato fáctico em discussão. II - Na ponderação da indemnização do dano de privação do uso de um veículo automóvel, ter o veículo desaparecido, já ter sido reparado ou não poder sê-lo, sempre seriam factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do lesado (autor). É, pois, à ré Seguradora que cabe alegá-los e demonstrá-los, sendo caso disso, em observância do disposto no art. 342º, nº 2 do Código Civil. III - Sendo a culpa do lesado pela verificação ou agravamento dos danos, um facto impeditivo, modificativo ou mesmo extintivo do direito à indemnização, pareceria que caberia à ré Seguradora invocá-lo em tempo oportuno, nos termos do nº 2 do art. 342º do C. Civil. No entanto, o art. 572º, estabelece uma excepção a esta regra: o tribunal deve conhecer da culpa do lesado, ainda que não tenha sido alegada. Porém, o que está aí previsto, suprindo-se a omissão da parte pelo conhecimento oficioso do tribunal, é a "conclusiva" invocação da culpa do lesado, pelo autor da lesão, e não uma actividade judicial mais ampla: não pode o tribunal indagar factos que jamais foram alegados ou discutidos, para conhecer oficiosamente da culpa do lesado. IV - um recurso de apelação, tal como está consagrado no nosso sistema processual civil, está formatado por um modelo de reponderação, destinado à reapreciação da decisão recorrida quanto às questões que lhe foram endereçadas, e não à reformulação da decisão perante novo contexto e novas questões. Porém, ainda que novas, sempre poderão ser apreciadas pelo tribunal de recurso questões que sejam objecto de conhecimento oficioso. É o caso da apreciação da culpa do lesado, se houver factualidade que o sustente, do abuso de direito ou da verificação de pressupostos processuais. V - para que se conclua que o exercício do direito à indemnização pela privação do uso de um veículo consubstancia abuso de direito, os autos deverão revelar elementos em face dos quais se possa concluir que essa pretensão excede "manifestamente" os "limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito" (art. 334º do C. Civil). Tal poderá ocorrer, por exemplo, no caso de se verificar que o lesado, com facilidade, poderia ter ordenado a reparação do veículo, com o que deixaria de estar privado dele, por tal lhe ser acessível em razão das suas posses, em razão do reduzido valor da reparação, em razão da possibilidade que tinha de, por qualquer outra forma, ter suprido essa privação. Se nada disso se constata no processo, não se pode concluir por abuso de direito. É ao responsável civil, e não ao lesado, que compete agir, e de forma diligente, para que o dano seja reparado, de modo a prevenir o seu agravamento pelo decurso do tempo.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
RUI MOREIRA
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO RESPOSTAS CONCLUSIVAS NATUREZA DANO PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO ABUSO DE DIREITO FIXAÇÃO CULPA DO LESADO CONHECIMENTO OFICIOSO APELAÇÃO ÂMBITO DO CONHECIMENTO DO RECURSO
No do documento
Data do Acordão
06/25/2013
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
REVOGADA EM PARTE
Sumário
I - Do disposto no art. 646º, nº 4 do C.P.C. quando ali se prescreve que devem por ter-se por não escritas respostas que sejam conclusivas, decorre a proibição de que se resolva, em sede da decisão sobre a factualidade controvertida na causa, o tratamento jurídico que, num segundo momento, tal matéria deve merecer. A “conclusividade” que ali se previne, é aquela que compreende já uma apreciação jurídica de um facto, e não a que se reporta em exclusivo ao substrato fáctico em discussão. II - Na ponderação da indemnização do dano de privação do uso de um veículo automóvel, ter o veículo desaparecido, já ter sido reparado ou não poder sê-lo, sempre seriam factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do lesado (autor). É, pois, à ré Seguradora que cabe alegá-los e demonstrá-los, sendo caso disso, em observância do disposto no art. 342º, nº 2 do Código Civil. III - Sendo a culpa do lesado pela verificação ou agravamento dos danos, um facto impeditivo, modificativo ou mesmo extintivo do direito à indemnização, pareceria que caberia à ré Seguradora invocá-lo em tempo oportuno, nos termos do nº 2 do art. 342º do C. Civil. No entanto, o art. 572º, estabelece uma excepção a esta regra: o tribunal deve conhecer da culpa do lesado, ainda que não tenha sido alegada. Porém, o que está aí previsto, suprindo-se a omissão da parte pelo conhecimento oficioso do tribunal, é a "conclusiva" invocação da culpa do lesado, pelo autor da lesão, e não uma actividade judicial mais ampla: não pode o tribunal indagar factos que jamais foram alegados ou discutidos, para conhecer oficiosamente da culpa do lesado. IV - um recurso de apelação, tal como está consagrado no nosso sistema processual civil, está formatado por um modelo de reponderação, destinado à reapreciação da decisão recorrida quanto às questões que lhe foram endereçadas, e não à reformulação da decisão perante novo contexto e novas questões. Porém, ainda que novas, sempre poderão ser apreciadas pelo tribunal de recurso questões que sejam objecto de conhecimento oficioso. É o caso da apreciação da culpa do lesado, se houver factualidade que o sustente, do abuso de direito ou da verificação de pressupostos processuais. V - para que se conclua que o exercício do direito à indemnização pela privação do uso de um veículo consubstancia abuso de direito, os autos deverão revelar elementos em face dos quais se possa concluir que essa pretensão excede "manifestamente" os "limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito" (art. 334º do C. Civil). Tal poderá ocorrer, por exemplo, no caso de se verificar que o lesado, com facilidade, poderia ter ordenado a reparação do veículo, com o que deixaria de estar privado dele, por tal lhe ser acessível em razão das suas posses, em razão do reduzido valor da reparação, em razão da possibilidade que tinha de, por qualquer outra forma, ter suprido essa privação. Se nada disso se constata no processo, não se pode concluir por abuso de direito. É ao responsável civil, e não ao lesado, que compete agir, e de forma diligente, para que o dano seja reparado, de modo a prevenir o seu agravamento pelo decurso do tempo.
Decisão integral
PROC. N.º 161/09.3TBGDM.P2
Tribunal Judicial de Gondomar - 1º Juízo Cível
REL. N.º 82
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Henrique Araújo
Fernando Samões*ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
1 - RELATÓRIO

B…, residente em …, Maia, intentou acção em processo comum, sob a forma ordinária, contra “C… – Companhia de Seguros, SPA”, com sucursal em Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 30.571,76, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização por diversos danos que sofreu em resultado de um acidente de viação, cuja responsabilidade imputou em exclusivo ao condutor de um veículo seguro pela ré.
Tais danos, correspondentes aos sofridos pela sua própria viatura, pela respectiva imobilização, seu parqueamento e aluguer de viatura de substituição, advieram-lhe, segundo o que alegou, de um acidente no âmbito do qual o veículo em que seguia foi embatido por trás e projectado contra um outro que o antecedia, por um veículo conduzido por um segurado da ré.
A ré contestou, alegando que o acidente foi simulado e suscitando a questão da suspensão da instância enquanto não houvesse decisão no processo crime decorrente de participação criminal que efectuou, por crimes de burla e burla de seguros na forma tentada e ainda de falsificação de documento. Impugnou ainda a matéria referente aos danos. 
A A. replicou a autora, mantendo a posição já manifestada na p.i. e sustentando a inexistência de qualquer causa prejudicial 
A causa foi suspensa, por pendência da outra tida por prejudicial, em despacho que foi mantido após recurso intentado pela autora. Arquivado aquele inquérito crime, prosseguiram os autos, com preparação do processo para julgamento, 
A fls 176 veio a autora ampliar o pedido, pedindo agora a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de € 30.571,76, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, bem como a quantia de € 20,00, a título de dano de privação do uso, desde 17.03.2007 até efetivo e integral pagamento. Tal ampliação do pedido foi admitida.
Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença.
Nesta, a acção foi julgada parcialmente procedente e a ré condenada no pagamento à autora B… da quantia de € 29.971,76 (vinte e nove mil novecentos e setenta e um euros e setenta e seis cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais, acrescida dos respetivos juros de mora a contar da citação, à taxa legal, bem como da quantia diária de € 20 (vinte euros), a título de dano de privação do uso da viatura “MJ” desde 17.03.2007 até integral pagamento
É desta decisão que vem interposto o presente recurso pela ré, que foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Alegou a recorrente que a decisão da matéria de facto deve ser alterada, porquanto compreendeu uma decisão a matéria conclusiva, que constava de um quesito da base instrutória, a qual, por isso, deve excluir-se, devendo a decisão ser alterada em conformidade.
Em qualquer caso, alegou que ficou por demonstrar que a autora fosse sequer proprietária do veículo que sofreu os danos em questão, o que exclui a possibilidade de ser indemnizada pelos mesmos. Em qualquer caso, também referiu que o dano de privação de uso não poderia ter merecido a indemnização fixada a qual, mesmo a ser admitida, sempre haveria de ser reduzida.
A recorrente terminou o seu recurso com as seguintes conclusões: 
I) A resposta ao quesito 25º da base instrutória é meramente conclusiva, e, como tal, não admitida pelos artºs 653º/2 e 659º/2 do CPC, pelo que, conforme previsto no artº 646º/4 do CPC deverá aquela resposta ao quesito 25º da base instrutória ser dada como não escrita.
II) A apelada não tem direito a qualquer indemnização pela privação do uso do veículo MJ.
III) Quer porque não provou ser proprietária do mesmo.
IV) Uma vez que a propriedade de tal veículo não só não foi perguntada como, muito menos, resultou provada nos autos, pelo que, ao não ter provado a sua propriedade sobre o dito veículo MJ a apelada não é titular do direito cuja violação levou à imputação de responsabilidade civil à apelante, e ao fazer tal imputação o tribunal a quo fez uma errada aplicação do disposto no artº 483º do CC, devendo a sua decisão ser revogada e substituída por outra que absolva a apelante da obrigação de indemnizar a apelada pelos danos atrás indicados.
V) Quer porque não ficou provado que aquele veículo não tivesse sido reparado depois do sinistro.
VI) Quer porque, estando tal veículo coberto por um seguro de danos próprios junto da seguradora D…, a apelada apenas não reclamou desta o capital seguro para o risco verificado com o acidente dos autos porque não quis, sendo certo que se o tivesse reclamado não teria sofrido o dano em causa, como tal, com a sua conduta omissiva, viu-se quebrado o nexo causal entre o acidente e o dano aqui em apreço e, com isso, contribuiu a apelada para o agravamento do mesmo dano, pelo que, deverá, face ao previsto nos artºs 563º e 570º/1 do CC, ser excluída a indemnização de tal dano.
VII) A decisão de não reparação do veículo apenas à apelada poderá ser imputada, por quebrar o nexo causal previsto no artº 563º do CC e, como tal, não poder ser imputada à apelante, por agravar o dano em causa e representar um abuso de direito, proibido pelo disposto no artº 334º do CC, exigir uma indemnização pela privação do uso do veículo para além do prazo razoável para a tomada da decisão acima referida.
VIII) Esse prazo, na falta de melhor indicação legal, deverá ser o de 30 dias previsto nos artºs 36º/1, al. e) e f) do DL. 291/07, de 21 de Agosto, tempo reputado pela lei como suficiente para uma seguradora apresentar a respectiva proposta razoável, precisamente para permitir ao lesado, a partir dele, presumir que aquela não aceitará indemnizá-lo e, dessa forma, poder, por si, tomar a decisão de reparação expressamente prevista na alínea f) daquele normativo legal.
IX) Tendo o sinistro dos autos ocorrido em 05.12.2006, a apelada só intentou a presente acção em 16.01.2009, sem que todo o prazo, no entretanto, decorrido possa ser imputado à apelante, a qual sempre, ao menos, deverá ser absolvida de pagar a indemnização sobre ele contada (de 05.12.2006 a 16.01.2009), os € 14.140 liquidados na sentença recorrida, sob pena de se premiar a apelada pela sua própria inércia, permitindo-lhe um enriquecimento injusto, violando com o previsto nos artºs 483º, 473º/1 e 563º do CC.
X) O tribunal a quo fixou aquela quantia líquida em € 14.140 e depois, por manifesto lapso, mandou liquidar o mais desta indemnização a partir da data de 17.03.2007 (cf. relatório e dispositivo da sentença), quando deveria ter mandado liquidar apenas de 16.01.2009 em diante, com o que duplicou a indemnização concedida para o período de privação que medeou entre 17.03.2007 e 16.01.2009, pelo que, ao fazê-lo incorreu não só no manifesto lapso indicado como violou o previsto no artº 563º e ss do CC, devendo a sua decisão ser sempre, ao menos, alterada no sentido de mandar fixar o termo a quo para a contagem da indemnização a liquidar ulteriormente na data de 16.01.2009.
A autora apresentou resposta a esse recurso, pronunciando-se pela improcedência dos seus fundamentos, excepto no tocante à liquidação dos danos inerentes à privação do uso de veículo para o período anterior a 16/1/2009, relativamente aos que concordou assistir razão á apelante, por esse montante já estar incluído no montante liquidado.
O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se o mesmo devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil.
Assim, as questões a resolver, extraídas de tais conclusões, são:
1ª- se a resposta ao quesito 25º da base instrutória é conclusiva e deve ter-se por não escrita;
2ª – se a autora não é titular de qualquer direito a indemnização pela privação do uso do veículo por não ter demonstrado ser dona do veículo sinistrado;
3ª – se o direito a indemnização pela privação do uso do veículo deve ser excluído na medida em que ficou por demonstrar que este não tenha sido reparado após o sinistro;
4ª - se o direito a indemnização pela privação do uso do veículo deve ser excluído porquanto, beneficiando de um seguro de danos próprios, a autora só o não fez reparar porque não quis, contribuindo para o agravamento desse dano;
5ª - se o direito a indemnização pela privação do uso do veículo deve ser excluído para além do prazo de 30 dias, por o decurso deste prazo permitir a conclusão ao lesado de que a seguradora não o indemnizará, impondo-lhe a decisão de reparar ou não o veículo, sob pena de abuso de direito;
6ª - se o direito a indemnização pela privação do uso do veículo deve ser excluído pelo tempo em que a autora demorou a interpor a acção, desde a data do acidente, isto é, entre 5/12/2006 e 16/1/2009;
7ª - se o tribunal incorreu em lapso, no cálculo da indemnização desse dano, duplicando o cômputo do período decorrido entre 17/3/2007 e 16/1/2009.*A contextualização destas questões exige que se tenha presente a matéria provada, após discussão da causa. São os seguintes os factos que o tribunal deu por provados:
1. À data de 5 de dezembro de 2006, a “Companhia de Seguros C…, SA” havia assumido os riscos decorrentes da circulação do veículo ..-BG..8, mediante “contrato de seguro” titulado pela apólice nº ………… (al. A) dos factos assentes);
2. À data de 5 de dezembro de 2006, a “Companhia de Seguros E…” havia assumido os riscos decorrentes da circulação do veículo ..-..-HU, mediante de “contrato de seguro” titulado pela apólice nº …………./. (al. B) dos factos assentes);
3. No dia 5 de dezembro de 2006, cerca das 22h30m, na …, …, Gondomar, no local onde esta rua é entroncada pela Rua …, ocorreu um embate entre os veículos de matrícula ..-BG-.., ..-..-MJ e ..-..-HU (resposta ao item 1º da BI);
4. O veículo de matrícula ..-..-MJ circulava na …, sentido …/… (resposta ao item 2º da BI); 5. E era conduzido pela autora (resposta ao item 3º da BI);
6. Na mesma artéria e sentido circulava, à frente da autora, o veículo ..-..-HU (resposta ao item 4º da BI); 
7. O qual era conduzido por F… (resposta ao item 5º da BI);
8. Ainda na mesma via e sentido, na retaguarda do veículo da autora, circulava o veículo ..-BG-.. (resposta ao item 6º da BI);
9. O qual era conduzido por G… (resposta ao item 7º da BI);
10. Imediatamente antes do entroncamento referido no ponto 3º, o veículo de matrícula ..-..-HU accionou o mecanismo de mudança de direção para a esquerda e reduziu a velocidade, tendo-se aproximado do eixo da via, imobilizando-se totalmente ao sinal de paragem obrigatória STOP (resposta ao item 8º da BI);
11. A condutora do veículo ..-..-MJ, que também pretendia mudar de direção à esquerda, imobilizou o seu veículo logo a seguir ao veículo ..-..-HU (resposta ao item 9º da BI);
12. Quando o veículo ..-..-HU já havia iniciado a manobra de mudança de direção à esquerda e o veículo ..-..-MJ se mantinha completamente imobilizado a aguardar que aquele concluísse a manobra, foi embatido na retaguarda pelo veículo ..-BG-.., que naquela via e sentido circulava e que também pretendia entrar na Rua … (resposta ao item 10º da BI);
13. Com a força da pancada, o veículo ..-..-MJ foi projetado para a frente (resposta ao item 11º da BI);
14. Tendo ido embater na parte traseira lateral esquerda do veículo ..-..-HU, que se encontrava à sua frente e já a realizar a manobra de mudança de direção à esquerda (resposta ao item 12º da BI);
15. O local configura uma reta (resposta ao item 13º da BI);
16. No momento do acidente chovia (resposta ao item 14º da BI);
17. A via no local possui duas faixas de rodagem em cada sentido (resposta ao item 15º da BI);
18. O condutor do veículo ..-BG-.. seguia distraído (resposta ao item 16º da BI); 
19. Em resultado do acidente, o veículo ..-..-MJ sofreu danos no montante de € 11.000,00 (resposta ao item 17º da BI);
20. Na sequência da comunicação de acidente de viação, a ré orçamentou a reparação dos danos verificados no veículo ..-..-MJ em € 11.000,00 (al. C), dos factos assentes);
21. Para parqueamento da viatura ..-..-MJ, a autora pagou à “H…” a quantia de € 3.827,36 (resposta ao item 18º da BI);
22. Na sequência do acidente de viação referido nos pontos 3º e ss., o veículo da autora ficou impossibilitado de circular (resposta ao item 19º da BI);
23. À autora foi atribuído um veículo de substituição pelo período de 30 dias pela “Companhia de Seguros D…, SA”, enquanto seguradora da viatura “MJ”, em data anterior à referenciada no ponto 24º (resposta ao item 20º da BI); 
24. A autora necessitava e necessita da viatura para as deslocações da vida quotidiana e, principalmente, aos fins de semana, para lazer (resposta ao item 21º da BI); 
25. E por via disso celebrou com a “I…” no dia 15.02.2007 um acordo mediante o qual esta se obrigava a ceder à autora o gozo temporário de uma viatura mediante retribuição (resposta ao item 22º da BI); 
26. Como não podia continuar a custear o pagamento do preço do contrato referido no ponto 25º, decidiu entregar a viatura em 17.03.2007 (resposta ao item 23º da BI); 
27. Para pagamento do preço do acordo referido no ponto 25º, a autora pagou a quantia de € 1.004,00 (resposta ao item 24º da BI);
28. A partir daquela data ficou totalmente privada de qualquer meio de transporte próprio (resposta ao item 25º da BI);
29. Os danos sofridos pela viatura “HU”, por força de um acidente ocorrido no dia 22.05.2003, originaram na altura a consideração da sua perda total por ser economicamente desaconselhável a sua reparação (resposta ao item 28º da BI).*Reportando-se este processo a um acidente de viação e à indemnização dos danos que desse sinistro advieram para a autora, verifica-se antes de mais, que é em grande medida pacífica a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância. Nessa sentença resolveram-se várias questões, em termos que a apelante não impugnou em recurso: a dinâmica do acidente; a imputação da responsabilidade pela sua produção ao segurado da ré; a responsabilidade desta pela indemnização de alguns dos danos invocados, v.g. os inerentes à reparação do próprio carro (11.000€), ao custos do seu aparcamento (3.821,36€), aos custos suportados pela autora com o aluguer de um veículo de substituição (1.004.40€).
Assim, o recurso versa, em concreto, sobre a indemnização do dano consubstanciado por aquilo que, na sentença e no recurso, se designou por “privação do uso do veículo”.
É, com efeito, a este propósito que se desenha a primeira questão colocada pela apelante, ao afirmar ser conclusiva a resposta dada ao quesito 25º da base instrutória, devendo ela ter-se por não escrita. 
Essa resposta foi puramente positiva (i. é, “provado”) relativamente ao teor do item ou quesito da base instrutória, tendo o seguinte teor: “A partir daquela data ficou totalmente privada de qualquer meio de transporte próprio.”
Com esta resposta, contextualizada com a restante matéria provada, significou o tribunal que a autora, que havia alugado um automóvel que usava em substituição do carro sinistrado, o entregou, por não poder suportar o custo correspondente (itens 22º e 23º da base instrutória)., ficando, desde essa data, sem qualquer meio de transporte próprio.
Ora a ré, apelante, alega que esta resposta é conclusiva, porquanto o tribunal não apurou se a autora tinha ou não outros meios de transporte, nem sequer que aquele veículo fosse dela, pelo que também dele ficou privada.
Apesar de a ré invocar, em favor desta alegação, o disposto nos arts. 653º, nº 2 e 659º, nº 2 do C.P.C., a questão que coloca reporta-se, isso sim, ao disposto no art. 646º, nº 4 do C.P.C., tal como, de resto, acaba por mencionar em sede das conclusões que formula no seu recurso. Aí se dispõe: “Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
Assim, quando ali se prescreve que devem por ter-se por não escritas respostas que sejam conclusivas, tal regra impede que se resolva, em sede da decisão sobre a factualidade controvertida na causa, o tratamento jurídico que, num segundo momento, tal matéria deve merecer. A “conclusividade” que ali se previne, é aquela que compreende já uma apreciação jurídica e de mérito sobre a causa, e não a que se reporta em exclusivo ao substrato fáctico em discussão.
Isso mesmo ensina Antunes Varela (RLJ ano 122, pág. 220): “Há que distinguir nesses juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de facto) entre aqueles cuja emissão ou formulação se há-de apoiar em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum e aqueles que, pelo contrário, na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador.” E continua - “Os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto. Os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei (…)”. 
Ora o que o art. 646º, nº 4 sanciona são precisamente tais juízos que já compreendem critérios de aplicação da lei. São estes os elementos “conclusivos” que, caso cheguem a ser enunciados, devem ter-se por não escritos e, subsequentemente, excluídos no momento da prolação da sentença.
Assim, o disposto no art. 646º, nº 4 não respeita a quesitos “conclusivos” que o sejam apenas numa dimensão factual, designadamente por compreenderem a solução de um hipotético leque de factos instrumentais, que no seu âmbito sejam considerados, mas que não tenham chegado a estar discriminados. cf. ANTUNES VARELA, loc.cit., pág.222, Ac do STJ de 13/5/2003, de 13/11/2007, e Ac. do TRC de 26/01/2010, ambos em dgsi.pt). 
Como se refere neste último aresto: “A jurisprudência tem adoptado este critério, sustentando que se o apuramento de determinada realidade se efectua à margem da aplicação da lei, tratando-se apenas de averiguar factos cuja existência não depende da correcta interpretação a dar a qualquer norma jurídica, estaremos perante o domínio da matéria de facto”. E, assim, fora do âmbito de aplicação do citado regime legal.
É o que se passa no caso em apreço. Em discussão estava, em exclusivo, se a autora, depois de entregar o veículo que alugara e que usava após o sinistro ocorrido com aquele que conduzia, teve ou não a disponibilidade de outro meio de transporte próprio, para utilizar nas deslocações da sua vida quotidiana Foi isso que alegou, nos arts. 25º a 28º da p.i. Por tal matéria ter sido impugnada pela ré, por desconhecimento, foi levada á base instrutória. E foi decidida com base em depoimentos testemunhais cuja valia a ora apelante nem sequer põe em causa. Estamos, pois, perante a discussão e decisão de pura matéria factual, sendo que o quesito em questão, sem prejuízo de em abstracto poder ser desdobrado numa hipotética séria de factos instrumentais, foi decidido em termos que compreendem única e exclusivamente uma apreciação sobre uma realidade material, ao que é alheia qualquer pressuposição jurídica, analítica ou conclusiva. Tal matéria não é, assim, conclusiva, no sentido prevenido pelo art. 646º, nº 4 do C.P.C.
Nenhuma razão assiste, pois, à apelante, quanto a esta questão.* A segunda questão traduz-se na discussão sobre se a autora não pode ser considerada titular de qualquer direito a indemnização pela privação do uso do veículo, por não ter demonstrado ser dona do veículo sinistrado, de matrícula MJ.
Tal como refere a A., nas suas contra-alegações, esta questão poderia parecer configurar uma questão nova, por jamais ter sido suscitada ao longo de toda a discussão da causa. 
Com efeito, a ré nem sequer impugna que à autora deva ser conferida a indemnização pelos danos sofridos pelo próprio veículo, correspondentes aos custos da sua própria reparação. Tal parte da sentença não está sob recurso, mostrando-se, por inerência, adquirida. Ora de facto, no que respeita à propriedade do veículo, é certo que a questão jamais chegou a ser verdadeiramente debatida: a ré aceitou que os danos sofridos pelo veículo e reclamados pela autora ascendiam a 11.000€, bem como que foi a autora quem suportou os custos do seu parqueamento; e apesar de impugnar a generalidade da matéria por desconhecimento, jamais suscitou a discussão sobre a propriedade do veículo, a qual também não chegou a ser estabelecida em razão da necessidade da sua resolução para afirmação de qualquer dos direitos invocados.
Com efeito, no que respeita ao dano consubstanciado pela privação do veículo que a autora conduzia, a respectiva propriedade nem chega a ser um elemento essencial a essa consubstanciação. Provou-se, em termos que a ré já não impugna, que na sequência do acidente em questão, aquele "veículo da autora" ficou impossibilitado de circular; que ela necessitava e necessita da viatura para as deslocações da vida quotidiana e para lazer; que depois de ter entregue o veículo de aluguer cuja utilização supria a falta do MJ, ficou sem dispor de qualquer outro veículo para a sua utilização própria (pontos 22, 24 e 28 da descrição factual supra). Assim, independentemente de o veículo MJ pertencer a uma empresa financeira (J…), como consta do documento em que o tribunal baseou a sua convicção sobre a eclosão do sinistro (designadamente o auto de ocorrência realizado por autoridade policial, citado pela própria apelante nas suas alegações), ou ser "da autora" (nos termos mais genéricos e coloquiais utilizados no articulado inicial e na decisão da matéria de facto, compreensivelmente reduzidos à utilização do veículo e não à identificação do titular do direito de propriedade sobre o mesmo) o que é inequívoco é que foi a própria autora quem ficou privada da utilização do veículo. Essa utilidade, com um conteúdo económico evidente, foi o valor jurídico, o interesse, o direito se se quiser, violado pelo responsável pelo acidente, na medida em que o excluiu da esfera jurídica da autora, onde ele antes se encontrava sedeado. Resulta da decisão da matéria de facto em termos que não estão sob impugnação neste recurso, que a autora tinha a disponibilidade do MJ, que o utilizava na sua vida quotidiana e que, em razão dos danos que ele sofreu, deixou de poder dispôr dele.
Dúvidas não há, pois, não só que ocorreu uma lesão de um interesse ou direito, com um conteúdo patrimonial inequívoco, bem que essa lesão se verificou na esfera jurídica da autora. E isso é assim, no caso concreto, independentemente de o direito de propriedade sobre o referido veículo estar ou não na titularidade da própria autora. É, quanto a esse direito, sedeado na esfera jurídica da autora, que se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar, prescritos no art. 483º do C. Civil e analisados na sentença recorrida.
Não assiste, pois, razão à ré no que a esta questão se refere (conclusões II a IV). O seu recurso improcederá, pois, igualmente nesta parte.*A 3ª questão suscitada pela ré reveste-se igualmente de alguma peculiaridade. Na conclusão V do seu recurso, alega a ré que não assiste à autora direito à indemnização pela privação do uso daquele 'seu' veículo MJ porquanto "não ficou provado que aquele veículo não tivesse sido reparado depois do sinistro."
Afirma a ré que só se justifica a indemnização pela privação do uso de um veículo que ainda exista, que ainda não tenha sido reparado e que ainda o possa ser. E bem assim que a autora nada disso provou, o que impede o seu direito.
Acontece que tais factos - ter  o veículo desaparecido, já ter sido reparado ou não poder sê-lo - sempre seriam impeditivos ou extintivos (parcial ou, por hipótese, totalmente) do direito da autora. Era, pois, à própria ré que caberia alegá-los e demonstrá-los, sendo caso disso. Tal é a solução prescrita pelo art. 342º, nº 2 do Código Civil. Porém, sobre tal matéria, a ré nada alegou oportunamente e, subsequentemente, nada demonstrou. À afirmação do direito da autora bastou a demonstração de que, por efeito do acidente, ficou privada da utilização do veículo e que isso afectou a sua vivência quotidiana, consubstanciando um dano. Para impedir o reconhecimento da continuidade desse dano - pelo menos no âmbito da presente questão, pois o tema surgirá ainda a propósito de outro dos fundamentos do recurso - só à ré caberia alegar qualquer facto de onde se inferisse a sua cessação, por exemplo, o de que em determinado momento o veículo fora reparado ou que a autora passara a dispor de outro. Como se referiu, nada fez. Por conseguinte, nenhuma razão lhe assiste a este propósito.*A quarta questão é suscitada pela alegação da ré de que, estando tal veículo coberto por um seguro de danos próprios junto da seguradora Fidelidade Mundial, a autora só não reclamou desta o capital seguro para o risco verificado porque não quis. Com essa sua conduta teria contribuído para o agravamento do mesmo dano, pelo que, deverá, face ao previsto nos artºs 563º e 570º/1 do CC, ser excluída a respectiva indemnização.
Tem razão a ré no que respeita à afirmação de uma obrigação imposta ao lesado de que actue no sentido de impedir a ocorrência de novos danos ou o agravamento dos determinados pelo acto lesivo, sob pena de ver diminuída ou excluída a respectiva indemnização. Tal é o regime prescrito no nº 1 do art. 570º do C. Civil.
Por outro lado, sendo a culpa do lesado, quanto à verificação ou agravamento dos danos, um facto impeditivo, modificativo ou mesmo extintivo do direito à indemnização, pareceria que, tal como em relação à questão anterior, sempre haveria a ré de a ter alegado em tempo oportuno, nos termos do nº 2 do art. 342º do C. Civil, já citado.
No entanto, o art. 572º, na 2ª parte do seu dispositivo, estabelece uma excepção a este respeito: o tribunal deve conhecer da culpa do lesado, ainda que não tenha sido alegada. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (C.C. Anotado, vol I, em anotação á norma citada) prescreve-se aqui o conhecimento oficioso da culpa do lesado, ainda que o autor da lesão a invoque, protegendo-se uma "negligência processual" para evitar uma condenação injusta.
Note-se, porém, que o que está aqui em causa, suprindo-se a omissão da parte pelo conhecimento oficioso do tribunal, é a "conclusiva" invocação da culpa do lesado, pelo autor da lesão, e não uma actividade judicial mais ampla, que ultrapasse os próprios factos alegados e provados pelas partes. No caso, jamais estaria a ré dispensada de, em tempo oportuno, ter alegado a existência de um contrato de seguro, com cobertura de danos próprios, por efeito do qual a autora poderia, sem condições desfavoráveis para si, ter obtido a reparação do veículo MJ, assim fazendo cessar o dano de privação de uso de um veículo, isto é, do dano que agora invoca. Mas não o fez.
Ora não pode agora o tribunal, e ainda mais o tribunal de recurso, indagar factos que jamais foram alegados ou discutidos, para conhecer da culpa do lesado (neste sentido, entre outros, cfr. Ac. do STJ de 20/05/2010, no proc. 10338/06.8TBOER.L1.S1; ac. do TRG de 14/01/2010, no proc. nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/197662" target="_blank">8309/06.3TBBRG.G1</a>, onde se escreveu: "O conhecimento da culpa do lesado imposto pela segunda parte do art.º 572º do Código Civil, não permite que o juiz aprecie, por sua iniciativa, factos não alegados pelas partes que não se incluam nos casos previstos no art.º 264º nºs 2 e 3 do CPC, em que se impõe ao julgador o seu conhecimento, não obstante a omissão de tal alegação." - ambos os acs. publicados em dgsi.pt).
Com efeito, estaria o contrato de seguro que agora a ré invoca, em vigor? Quais seriam as suas coberturas? Teria uma franquia tão elevada que não compensaria à autora solicitar a produção dos respectivos efeitos? Foi só por não querer, antes optando por deixar crescer o prejuízo inerente à falta de um veículo, para obter com isso uma indemnização, que a ré não providenciou pela sua reparação? Como é óbvio, esta matéria jamais foi discutida, porquanto sobre ela nada foi alegado oportunamente pela ré. Nem sobre ela teve a autora oportunidade de se pronunciar, isto é, de se defender. Assim, nem oficiosamente, ao abrigo do disposto no citado art. 572º, nº 2 do C. Civil poderia o tribunal recorrido apreciar tal matéria.
E se isso assim é no que respeita à primeira instância, por maioria de razão deve ter-se por subtraída a questão à apreciação desta Relação, no presente recurso. Trata-se, aqui, de uma questão nova, que não foi oportunamente deduzida perante o tribunal recorrido. Como se referiu, nesse tribunal, esta mesma questão não podia ter sido, nem foi, conhecida, por falta de substrato factual em que pudesse assentar a correspondente decisão. Então, também nesta instância de recurso, e apesar de a questão constituir matéria de conhecimento oficioso, pelo que ainda poderia ser recuperada por este tribunal apesar de ser nova, uma tal intervenção sempre estará prejudicado, com os mesmos fundamentos, i. é., por falta do já referido suporte factual.
Pelo exposto, também nesta parte improcedem as razões da apelante.*A 5ª e a 6ª questão complementam-se, sendo ligeiramente diferentes da anterior: aqui trata-se de saber se o direito a indemnização pela privação do uso do veículo deve ser excluído para além do prazo de 30 dias, por o decurso deste prazo permitir a conclusão ao lesado de que a seguradora não o indemnizará, impondo-lhe a decisão de reparar ou não o veículo, sob pena de abuso de direito; e se tal direito deve ser excluído relativamente ao período que a autora deixou decorrer até interpor a acção, desde a data do acidente, isto é entre 5/12/2006 e 16/1/2009
Sobre estas questões, contrapôs a autora/apelada que as mesmas não foram colocadas perante o tribunal de 1ª instância, pelo que, sendo novas, não podem ser apreciadas pelo tribunal de recurso.
Esta problemática, da apresentação de questões novas em sede de recurso, foi sendo mencionada quanto a questões anteriores, mas sem que tenha chegado a ser necessário desenvolver a sua análise. A este respeito, tem razão a apelada quando afirma que um recurso de apelação, tal como está consagrado no nosso sistema processual civil, está formatado por um modelo de reponderação, destinado à reapreciação da decisão recorrida quanto às questões que lhe foram endereçadas, e não à reformulação da decisão perante novo contexto e novas questões. Os efeitos deste modelo processual mencionaram-se já, a propósito da apreciação da 2ª das questões identificadas supra, mas sem que esta tenha sido decidida no âmbito de tais interesses. E mencionaram-se de novo a propósito da 4ª questão, sem prejuízo de logo se ter referido que, ainda que novas, sempre poderão ser apreciadas pelo tribunal de recurso questões que sejam objecto de conhecimento oficioso. Seria o caso da apreciação da culpa do lesado, se factualidade houvesse que o sustentasse, como se referiu. Mas será igualmente o caso do abuso de direito ou da verificação de pressupostos processuais, se for caso disso. Veja-se, decidindo em conformidade com esta afirmação, o seguinte acórdão do TRC, de 8/11/2011, proferido no processo nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/122098" target="_blank">39/10.8TBMDA.C1</a> (in dgsi.pt) com cuja solução se concorda: "(...) IV - Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas. V - Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância.  VI - Não obstante o modelo português de recursos se estruturar decididamente em torno de modelo de reponderação, que torna imune a instância de recurso à modificação do contexto em que foi proferida a decisão recorrida, o sistema não é inteiramente fechado.  VII - A primeira e significativa excepção a esse modelo é a representada pelas questões de conhecimento oficioso: ao tribunal ad quem é sempre lícita a apreciação de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que esta não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida. Estas questões – como, por exemplo, o abuso do direito ou os pressupostos processuais, gerais ou especiais, oficiosamente cognoscíveis – constituem um objecto implícito do recurso, que torna lícita a sua apreciação na instância correspondente, embora, quando isso suceda, de modo a assegurar a previsibilidade da decisão e evitar as chamadas decisões-surpresa, o tribunal ad quem deva dar uma efectiva possibilidade às partes de se pronunciarem sobre elas (artº 3º, nº 3 do CPC).(...)". 
Assim, apesar de tal questão ter surgido ex novo no âmbito deste recurso, introduzida apenas nas alegações oferecidas pela apelante, importa ponderar se a actuação da autora, convivendo com o prolongamento da situação pendente da reparação do seu veículo, sem se decidir pela sua reparação ou substituição, de forma a fazer cessar esse estado de carência de um veículo próprio para utilização quotidiana, consubstancia um abuso de direito. E, assim, se esse abuso se verifica findo o prazo de 30 dias, ou por via do decurso do tempo entre o sinistro e a propositura da presente acção.
Na ponderação desta questão, é útil ter presente que, em relação a outros problemas, a autora teve outro comportamento. Com efeito, depois de a viatura ter sido rebocada para a H…, onde foi vistoriada e ficou a aguardar ordem de reparação, gerando custos de parqueamento, a autora fê-los cessar, removendo dali o veículo em termos que levaram à liquidação desse custo num montante final de 3.827,36€ (ponto 21 da matéria provada). Esse custo, correspondente também a um dano indemnizável e relativamente ao qual a ré nada opôs neste recurso, cessou por intervenção da autora (naturalmente retirando o carro daquela situação de parqueamento na H…, que estava a gerar custos), que o pagou.
Actuação idêntica teve a autora relativamente ao prejuízo constituído pelo custo do aluguer de um veículo de substituição daquele de que estava privada. É certo que o fez por não conseguir continuar a suportar o respectivo preço, mas o efeito dessa decisão é, ao fim e ao cabo, o de que esse prejuízo, com dimensão significativa (1.004,00€ num mês) e relativamente ao qual a apelante também não reage neste recurso, deixou de aumentar, ao fim de um mês.
Temos, assim, duas categorias de danos relativamente aos quais foi imputada à ora apelante a responsabilidade pela sua indemnização e relativamente aos quais a própria autora teve uma actuação que não foi alvo de qualquer crítica da ré.
Certo é, no entanto, que a autora ficou privada do utilização de qualquer veículo, desde 17/3/2007 até ao presente, tendo o tribunal arbitrado uma indemnização diária para esse prejuízo, de 20€, até que a ré satisfaça a obrigação a que está obrigada. Poderemos dizer que a exigência da reparação deste dano, pela autora, consubstancia um abuso de direito?
Alega a ré que assim é, já que uma actuação conforme à boa fé consistiria em a autora, verificando que a ré lhe recusava a indemnização, decidisse reparar o carro, exigindo depois o preço da reparação; ou optasse por vender o salvado, exigindo depois a diferença de valor. Em qualquer caso, com isso cessaria o dano cuja indemnização agora pede, por um período de cerca de seis anos. Mais sugere que o haveria de ter feito ao fim de 30 dias, invocando como referência o disposto no art 36º, nº 1, als. e) e f) do D.L. 291/07, de 21/08, “tempo reputado pela lei como suficiente para uma seguradora apresentar a respectiva proposta razoável, precisamente para permitir ao lesado, a partir dele, presumir que aquela não aceitará indemnizá-lo e, dessa forma, poder, por si, tomar a decisão de reparação expressamente prevista na alínea f) daquele normativo legal. (art. 44º das respectivas alegações de recurso).
As normas citadas, dispõem o seguinte: 
“e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico; 
f) Na comunicação referida na alínea anterior, a empresa de seguros deve mencionar, ainda, que o proprietário do veículo tem a possibilidade de dar ordem de reparação, caso esta deva ter lugar, assumindo este o custo da reparação até ao apuramento das responsabilidades pela empresa de seguros e na medida desse apuramento.”
No caso em análise, nada revela que a ré tenha empreendido qualquer dos procedimentos previstos nas normas que acabam de se citar, nem ao tempo do acidente, em que ainda nem sequer estavam em vigor, nem em momento ulterior. De resto, nem alegou a ré ter adoptado qualquer destes procedimentos, a não ser o de ter imputado à autora e a outros a prática de um crime, por via da participação e reclamação de uma indemnização por este sinistro. Parece-nos, assim, estarmos perante uma situação tão afastada da pressuposta pelos procedimentos referidos, que é enganosa a respectiva invocação.
Mas a isto acresce que nem os preceitos citados permitem a interpretação que a apelante sugere, designadamente a da exclusão da responsabilidade da seguradora pelos danos inerentes à, paralisação de um veículo sinistrado, findo o prazo de 30 dias previsto no art 36º, nº 1, als. e) e f) do D.L. 291/07, de 21/08, como que, se passado esse prazo e enjeitada a responsabilidade pela indemnização dos danos pela seguradora esta visse, por essa via, limitada a esse período de tempo uma tal responsabilidade.
No caso, não obstante a alegação da ré de que o sinistro que é causa de pedir na acção fora simulado, não o logrou demonstrar, nem em sede cível, nem em sede criminal. Essa tese foi, pois, afastada, tendo-se provado suficientemente uma realidade factual perante a qual ela é a responsável civil pela indemnização dos danos verificados. Esta parte da decisão recorrida não está, sequer, impugnada neste recurso.
Ora se é certo que a situação se prolongou ao longo de anos, desde a data da produção do acidente até ao presente, também o é que tal só à ré acaba por ser imputável, porquanto sendo responsável civil pelo ressarcimento dos danos sofridos pela autora, jamais se apresentou a cumprir essa obrigação. Pelo contrário, como salienta a autora na sua resposta ao recurso, até acabou por dar azo à dilatação deste período, requerendo, em termos que lhe foram consentidos, a suspensão da instância até á solução do inquérito criminal que havia feito nascer com a sua queixa criminal. E enquanto tudo isto sempre foi decorrendo, a autora continuou sem poder dispor de um carro para as utilidades e necessidades da sua vida quotidiana, como dispunha antes do sinistro. Ou seja: o dano foi-se mantendo, porquanto quem estava obrigado á sua reparação jamais se apresentou a cumprir essa obrigação. Não deve, pois, a ré eximir-se a tal responsabilidade, com fundamento no protelamento de uma situação, que ela própria deixou de solucionar, conforme lhe cabia (cfr. neste sentido Ac. do TRP de 5/2/2004, doc nº RP200402050333931, de que se retira o seguinte Sumário: “A privação de uso de um veículo, para o efeito de fixação de uma indemnização, no caso de a restauração natural não ser possível, também deve ser considerada e persiste ou subsiste até ao momento em que ao lesado seja satisfeita a indemnização correspondente.”).

Mas será que não se impunha à própria autora o dever de providenciar pela reparação do veículo, desembolsando os 11.000€ em que estava orçada a sua reparação, a fim de poder retomar a sua disponibilidade, colhendo dele a sua utilidade? 
Alega a ré que sim e que, não o tendo feito, abusa do seu direito. 
Não nos parece, no entanto, que com razão. De resto, a este propósito, por exemplar, citamos aqui o que, em caso muito semelhante, se decidiu no ac. do TRG de 26/04/2012, proferido no proc. nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/196574" target="_blank">2082/09.0TBBRG.G1</a> (em dgsi.pt):
"Alega assim a ré seguradora que o dever de boa-fé das partes no cumprimento das obrigações, bem como no exercício de direitos imporia comportamento diferente, que passaria pela reparação do carro. (...).
Antes da entrada em vigor do actual Código Civil, já Manuel de Andrade defendia a existência de abuso de direito quando este era exercido "em termos clamorosa­mente ofensivos da justiça", mostrando-se "gravemente chocante e reprovável para o sen­timento jurídico prevalecente na colectividade" - Teoria Geral das Obrigações, página 63.
E Vaz Serra, na mesma linha de pensamento, aludia à "clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante" - Boletim do Ministério da Justiça nº85, página 253.
Hoje, de acordo com o estabelecido no artigo 334º do CC, "é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito".
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, adoptou-se neste preceito a concepção objectiva de abuso de direito, uma vez que "não é necessária a consciência de se excederem com o seu exercício os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites " - cfr. Código Civil Anotado, volume I, página 298.
Não se contentou a lei, assim, com qualquer excesso; o excesso cometido tem que ser manifesto para poder desencadear a aplicabilidade do artigo 334º.
Por isso, os tribunais só podem fiscalizar a "moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso " - autores e obra citada. (...)
Seja como for, para que possa funcionar o comando contido no artigo 334º, do Código Civil, tem de haver um excesso manifesto, o que significa que a existência do abuso de direito tem de ser facilmente apreensível sem que seja preciso o recurso a extensas congeminações.
Haverá abuso de direito, segundo o critério proposto por Coutinho de Abreu "quando um comportamento aparentando ser exercício de um direito se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumental e na negação de interesses sensíveis de outrém" (Abuso de Direito, p. 43).
Configura-se, assim, um comportamento antijurídico que se caracteriza pelo exercício anormal do direito próprio, que não pela violação de um direito de outrém ou pela ofensa de uma norma tuteladora de um interesse alheio.
E para que o abuso de direito exista, não basta que o exercício do direito pelo seu titular, cause prejuízo a alguém - a atribuição de um direito traduz deliberadamente a supremacia de certos interesses sobre outros interesses com aqueles confluentes, sendo necessário, sim, que o titular dele manifestamente exceda os limites que lhe cumpre observar, impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do próprio direito exercido.
Ora, sendo obrigação da recorrente proceder à reparação do veículo sinistrado, o que esta ainda não cumpriu, nem se dispôs a colocar veículo de substituição à disposição dos AA. (...) não se vislumbra como a conduta daqueles de alugarem um veículo para se transportarem e de parquearem o veículo acidentado, até para minimizarem os danos neste, pode constituir um exercício ilegítimo(...). Também não se lhes impunha que diligenciassem tal, com vista a impedir o avolumar dos custos de aluguer e parqueamento, uma vez que, além daquela carência de meios, a ré seguradora (ou a sua congénere “Lusitânia”) jamais aceitou que se procedesse a essa reparação por ser viável (só em sentença tal foi decidido), antes assumindo que se tratava de uma perda total de veículo.
Em conclusão, essa álea de reparação ou perda total que a seguradora quis jogar teve efeitos mais gravosos que sobre esta se repercutem!
Os lesados limitaram-se a exercer legitimamente o seu direito à indemnização."
Como sobressai da semelhança entre o caso decidido pelo acórdão citado e o caso sub judice, para que o exercício do direito à indemnização pela privação do uso do veículo MJ pela autora consubstanciasse abuso de direito, os autos haveriam de revelar elementos em face dos quais se pudesse concluir que essa pretensão excedia "manifestamente" os "limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito" (art. 334º do C. Civil). Tal poderia ocorrer, por exemplo no caso de se ter apurado que a autora, com facilidade, poderia ter ordenado a reparação do veículo, com o que deixaria de estar privada dele, por tal lhe ser acessível em razão das suas posses, em razão do reduzido valor da reparação, em razão da possibilidade que tinha de, por qualquer outra forma, ter suprido essa privação. No entanto, nada disto alegou a ré, nem se descortina do processo. E o custo da reparação assume um valor significativo, perante o qual não podemos admitir simplesmente que a autora dispusesse de meios para o efeito, só não os tendo aplicado a esse fim para explorar a responsabilidade da ré. Em qualquer caso, sempre haveria de ser a ré a demonstrar que a autora deles dispunha e não os quis usar para obter a indemnização que agora pede. E, como já se referiu, nada disto se apurou, até porque em tempo oportuno nada foi alegado.
Assim, a situação que se desenha perante nós é a de um lesado que se mantém sujeito à permanência da lesão, sem que o obrigado à sua reparação se apreste a resolver o problema, proporcionando a reparação do dano, ainda que o fizesse condicionalmente.
Ora, como se refere no sumário do Ac. do TRG citado "É ao autor da lesão (e, consequentemente, à seguradora para quem tenha sido transferida a responsabilidade), e não ao lesado, que compete agir, e de forma diligente, para que o dano seja reparado, de modo que as implicações danosas acrescidas decorrentes do decurso do tempo correm por conta do obrigado à reparação do dano e não por conta do lesado." 
Sem prejuízo de se reconhecer ao lesado o dever já falado de prevenir o agravamento dos danos[1], não podemos deixar de constatar que a autora o fez precisamente em relação a duas fontes de prejuízo. E se o não fez relativamente à privação do uso do veículo, nada nos autos revela que tal conduta lhe possa ser censurada, por se considerar violadora dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do seu direito.
Em conclusão, nada nos permite concluir por ser abusivo o seu direito.
Aliás, o mesmo se diga em relação ao facto de a acção só ter sido proposta em Janeiro de 2009, isto é, quase dois anos após o evento danoso. Tal factualidade, desacompanhada de qualquer outra que permita contextualizá-la ou compreendê-la em termos que induzam a conclusão de que a autora apenas o fez nessa altura em violação de qualquer dever, mesmo de cooperação para com o responsável civil, não permite fundar qualquer juízo, designadamente tendente à qualificação dessa conduta como juridicamente abusiva ou violadora de princípios de boa fé. De resto, importa lembrar que a própria ré só em inícios de 2009 apresentou queixa crime contra a autora e outros, na sequência do que até veio requerer a suspensão da instância nesta causa, o que veio a ser determinado, até ao arquivamento de tal inquérito criminal.
Não se conclui, pois, que a este propósito assista qualquer razão à autora, nem se identifica qualquer motivo de crítica sobre a decisão recorrida.
Haverá, pelo exposto, de ser a autora indemnizada pela privação do uso do veículo, desde 17/3/2007 e até que a ré lhe proporcione a indemnização necessária à reparação do mesmo, forma prescrita na sentença como adequada para a reparação desse dano.
Note-se, por fim, que a este propósito não estava em causa, neste recurso, nem a identificação do dano em questão, isto é, se efectivamente se provaram factos perante os quais se devesse reconhecer que a autora passou a suportar um tal dano de privação do uso do seu veículo, nem a respectiva quantificação, à razão de 20€ por dia. Tais elementos da decisão não foram colocados em causa no recurso, pelo que sempre haveriam de ter-se por adquiridos.
Haverá, pois, de manter-se a decisão recorrida, também nesta parte.*A última questão colocada pela apelante refere-se a saber se o tribunal incorreu em lapso no cálculo da indemnização desse dano, duplicando o cômputo do período decorrido entre 17/3/2007 e 16/1/2009. A própria autora, embora invocando um valor diferente do considerado na sentença, reconhece razão à ré nesta alegação.
Verifica-se que a ré havia peticionado uma indemnização por privação de uso do seu veículo, à razão diária de 20€, desde a data do acidente (5/12/2006) até 15/02/2007, e desde 17/3/2007 até à data da propositura da acção. Indemnização essa que calculou em 14.740€. E peticionou a atribuição de outro valor a calcular desde esta data - 16/01/2009 - até á data do seu efectivo ressarcimento, a calcular ulteriormente.
Ora, na sentença, o tribunal computou a indemnização em atenção às datas consideradas na p.i., em 14.140€. E as datas consideradas na p.i. foram as que acabam de se mencionar, até à data da propositura da acção, isto é, até 16/1/2009. Quanto a este valor, menor que o peticionado na sentença, nada foi oposto pela autora. Temos, assim, de concluir, acompanhando a apelante, que foi fixada no citado montante de 14.140€ a indemnização pelo dano da privação do uso do veículo MJ até 16/1/2009. A tal valor acrescerá um outro, à razão de 20€/dia, desde 17/1/2009 até efectivo ressarcimento da autora.
Procederá, pois, apenas nesta medida, a presente apelação.*Em conclusão, (art. 713º, nº 7 do CPC): 
-Do disposto no art. 646º, nº 4 do C.P.C. quando ali se prescreve que devem por ter-se por não escritas respostas que sejam conclusivas, decorre a proibição de que se resolva, em sede da decisão sobre a factualidade controvertida na causa, o tratamento jurídico que, num segundo momento, tal matéria deve merecer. A “conclusividade” que ali se previne, é aquela que compreende já uma apreciação jurídica de um facto, e não a que se reporta em exclusivo ao substrato fáctico em discussão. 
- Na ponderação da indemnização do dano de privação do uso de um veículo automóvel, ter o veículo desaparecido, já ter sido reparado ou não poder sê-lo, sempre seriam factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do lesado (autor). É, pois, à ré Seguradora que cabe alegá-los e demonstrá-los, sendo caso disso, em observância do disposto no art. 342º, nº 2 do Código Civil.
- Sendo a culpa do lesado pela verificação ou agravamento dos danos, um facto impeditivo, modificativo ou mesmo extintivo do direito à indemnização, pareceria que caberia à ré Seguradora invocá-lo em tempo oportuno, nos termos do nº 2 do art. 342º do C. Civil. No entanto, o art. 572º, estabelece uma excepção a esta regra: o tribunal deve conhecer da culpa do lesado, ainda que não tenha sido alegada. Porém, o que está aí previsto, suprindo-se a omissão da parte pelo conhecimento oficioso do tribunal, é a "conclusiva" invocação da culpa do lesado, pelo autor da lesão, e não uma actividade judicial mais ampla: não pode o tribunal indagar factos que jamais foram alegados ou discutidos, para conhecer oficiosamente da culpa do lesado.
- um recurso de apelação, tal como está consagrado no nosso sistema processual civil, está formatado por um modelo de reponderação, destinado à reapreciação da decisão recorrida quanto às questões que lhe foram endereçadas, e não à reformulação da decisão perante novo contexto e novas questões. Porém, ainda que novas, sempre poderão ser apreciadas pelo tribunal de recurso questões que sejam objecto de conhecimento oficioso. É o caso da apreciação da culpa do lesado, se houver factualidade que o sustente, do abuso de direito ou da verificação de pressupostos processuais.
- para que se conclua que o exercício do direito à indemnização pela privação do uso de um veículo consubstancia abuso de direito, os autos deverão revelar elementos em face dos quais se possa concluir que essa pretensão excede "manifestamente" os "limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito" (art. 334º do C. Civil). Tal poderá ocorrer, por exemplo, no caso de se verificar que o lesado, com facilidade, poderia ter ordenado a reparação do veículo, com o que deixaria de estar privado dele, por tal lhe ser acessível em razão das suas posses, em razão do reduzido valor da reparação, em razão da possibilidade que tinha de, por qualquer outra forma, ter suprido essa privação. Se nada disso se constata no processo, não se pode concluir por abuso de direito. É ao responsável civil, e não ao lesado, que compete agir, e de forma diligente, para que o dano seja reparado, de modo a prevenir o seu agravamento pelo decurso do tempo.

3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação e em alterar em conformidade a douta decisão recorrida, em razão do que se condena a ré a pagar à autora, no que respeita à indemnização pelo dano de privação do uso do veículo MJ, uma quantia de 14.140€ (catorze mil cento e quarenta euros) a acrescer com o valor correspondente ao montante diário de 20€ (vinte euros) desde 17/1/2009, até efectivo pagamento.
Em tudo o mais se confirma a decisão recorrida.*Custas pela apelante, nesta instância, na proporção do seu decaimento.*Porto, 18/06/2013
Rui Manuel Correia Moreira
Henrique Luís de Brito Araújo
Fernando Augusto Samões
_________________
[1] Cfr. Brandão Proença, A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, 1997, pg. 669 e ss: "(...) se numa correcta ponderação de interesses, a atitude individual do lesado, que não se mostre objectivamente justificada ou cuja justificação subjectiva pertença ao puro foro das convicções ideológicas, não pode levar ao agravamento da responsabilidade do lesante, também a deficiente gestão do dano sofrido, a indiferença do lesado perante o seu próprio prejuízo, a omissão em conter, sem grandes custos, as sequelas danosas de uma lesão, a que certamente não se mostraria indiferente no caso de ser causada solitariamente, e a irrazoabilidade da sua passividade, contrária ao padrão de uma normalidade interventora (sobretudo na zona dos danos patrimoniais), permitem (na maioria dos casos) considerar «culposa» a inércia do lesado e defender uma auto-responsabilidade que, sendo actuada pela ponderação das duas condutas e pela consequente repartição do dano global, só logrará atingir o seu significado se o lesado vier a receber uma indemnização nunca superior àquela que receberia caso tivesse contido o dano”.

PROC. N.º 161/09.3TBGDM.P2 Tribunal Judicial de Gondomar - 1º Juízo Cível REL. N.º 82 Relator: Rui Moreira Adjuntos: Henrique Araújo Fernando Samões*ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO: 1 - RELATÓRIO B…, residente em …, Maia, intentou acção em processo comum, sob a forma ordinária, contra “C… – Companhia de Seguros, SPA”, com sucursal em Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 30.571,76, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização por diversos danos que sofreu em resultado de um acidente de viação, cuja responsabilidade imputou em exclusivo ao condutor de um veículo seguro pela ré. Tais danos, correspondentes aos sofridos pela sua própria viatura, pela respectiva imobilização, seu parqueamento e aluguer de viatura de substituição, advieram-lhe, segundo o que alegou, de um acidente no âmbito do qual o veículo em que seguia foi embatido por trás e projectado contra um outro que o antecedia, por um veículo conduzido por um segurado da ré. A ré contestou, alegando que o acidente foi simulado e suscitando a questão da suspensão da instância enquanto não houvesse decisão no processo crime decorrente de participação criminal que efectuou, por crimes de burla e burla de seguros na forma tentada e ainda de falsificação de documento. Impugnou ainda a matéria referente aos danos. A A. replicou a autora, mantendo a posição já manifestada na p.i. e sustentando a inexistência de qualquer causa prejudicial A causa foi suspensa, por pendência da outra tida por prejudicial, em despacho que foi mantido após recurso intentado pela autora. Arquivado aquele inquérito crime, prosseguiram os autos, com preparação do processo para julgamento, A fls 176 veio a autora ampliar o pedido, pedindo agora a condenação da ré a pagar-lhe a quantia global de € 30.571,76, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, bem como a quantia de € 20,00, a título de dano de privação do uso, desde 17.03.2007 até efetivo e integral pagamento. Tal ampliação do pedido foi admitida. Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença. Nesta, a acção foi julgada parcialmente procedente e a ré condenada no pagamento à autora B… da quantia de € 29.971,76 (vinte e nove mil novecentos e setenta e um euros e setenta e seis cêntimos), a título de indemnização pelos danos patrimoniais, acrescida dos respetivos juros de mora a contar da citação, à taxa legal, bem como da quantia diária de € 20 (vinte euros), a título de dano de privação do uso da viatura “MJ” desde 17.03.2007 até integral pagamento É desta decisão que vem interposto o presente recurso pela ré, que foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo. Alegou a recorrente que a decisão da matéria de facto deve ser alterada, porquanto compreendeu uma decisão a matéria conclusiva, que constava de um quesito da base instrutória, a qual, por isso, deve excluir-se, devendo a decisão ser alterada em conformidade. Em qualquer caso, alegou que ficou por demonstrar que a autora fosse sequer proprietária do veículo que sofreu os danos em questão, o que exclui a possibilidade de ser indemnizada pelos mesmos. Em qualquer caso, também referiu que o dano de privação de uso não poderia ter merecido a indemnização fixada a qual, mesmo a ser admitida, sempre haveria de ser reduzida. A recorrente terminou o seu recurso com as seguintes conclusões: I) A resposta ao quesito 25º da base instrutória é meramente conclusiva, e, como tal, não admitida pelos artºs 653º/2 e 659º/2 do CPC, pelo que, conforme previsto no artº 646º/4 do CPC deverá aquela resposta ao quesito 25º da base instrutória ser dada como não escrita. II) A apelada não tem direito a qualquer indemnização pela privação do uso do veículo MJ. III) Quer porque não provou ser proprietária do mesmo. IV) Uma vez que a propriedade de tal veículo não só não foi perguntada como, muito menos, resultou provada nos autos, pelo que, ao não ter provado a sua propriedade sobre o dito veículo MJ a apelada não é titular do direito cuja violação levou à imputação de responsabilidade civil à apelante, e ao fazer tal imputação o tribunal a quo fez uma errada aplicação do disposto no artº 483º do CC, devendo a sua decisão ser revogada e substituída por outra que absolva a apelante da obrigação de indemnizar a apelada pelos danos atrás indicados. V) Quer porque não ficou provado que aquele veículo não tivesse sido reparado depois do sinistro. VI) Quer porque, estando tal veículo coberto por um seguro de danos próprios junto da seguradora D…, a apelada apenas não reclamou desta o capital seguro para o risco verificado com o acidente dos autos porque não quis, sendo certo que se o tivesse reclamado não teria sofrido o dano em causa, como tal, com a sua conduta omissiva, viu-se quebrado o nexo causal entre o acidente e o dano aqui em apreço e, com isso, contribuiu a apelada para o agravamento do mesmo dano, pelo que, deverá, face ao previsto nos artºs 563º e 570º/1 do CC, ser excluída a indemnização de tal dano. VII) A decisão de não reparação do veículo apenas à apelada poderá ser imputada, por quebrar o nexo causal previsto no artº 563º do CC e, como tal, não poder ser imputada à apelante, por agravar o dano em causa e representar um abuso de direito, proibido pelo disposto no artº 334º do CC, exigir uma indemnização pela privação do uso do veículo para além do prazo razoável para a tomada da decisão acima referida. VIII) Esse prazo, na falta de melhor indicação legal, deverá ser o de 30 dias previsto nos artºs 36º/1, al. e) e f) do DL. 291/07, de 21 de Agosto, tempo reputado pela lei como suficiente para uma seguradora apresentar a respectiva proposta razoável, precisamente para permitir ao lesado, a partir dele, presumir que aquela não aceitará indemnizá-lo e, dessa forma, poder, por si, tomar a decisão de reparação expressamente prevista na alínea f) daquele normativo legal. IX) Tendo o sinistro dos autos ocorrido em 05.12.2006, a apelada só intentou a presente acção em 16.01.2009, sem que todo o prazo, no entretanto, decorrido possa ser imputado à apelante, a qual sempre, ao menos, deverá ser absolvida de pagar a indemnização sobre ele contada (de 05.12.2006 a 16.01.2009), os € 14.140 liquidados na sentença recorrida, sob pena de se premiar a apelada pela sua própria inércia, permitindo-lhe um enriquecimento injusto, violando com o previsto nos artºs 483º, 473º/1 e 563º do CC. X) O tribunal a quo fixou aquela quantia líquida em € 14.140 e depois, por manifesto lapso, mandou liquidar o mais desta indemnização a partir da data de 17.03.2007 (cf. relatório e dispositivo da sentença), quando deveria ter mandado liquidar apenas de 16.01.2009 em diante, com o que duplicou a indemnização concedida para o período de privação que medeou entre 17.03.2007 e 16.01.2009, pelo que, ao fazê-lo incorreu não só no manifesto lapso indicado como violou o previsto no artº 563º e ss do CC, devendo a sua decisão ser sempre, ao menos, alterada no sentido de mandar fixar o termo a quo para a contagem da indemnização a liquidar ulteriormente na data de 16.01.2009. A autora apresentou resposta a esse recurso, pronunciando-se pela improcedência dos seus fundamentos, excepto no tocante à liquidação dos danos inerentes à privação do uso de veículo para o período anterior a 16/1/2009, relativamente aos que concordou assistir razão á apelante, por esse montante já estar incluído no montante liquidado. O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se o mesmo devidamente admitido, no efeito legalmente previsto. Cumpre decidir. 2- FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil. Assim, as questões a resolver, extraídas de tais conclusões, são: 1ª- se a resposta ao quesito 25º da base instrutória é conclusiva e deve ter-se por não escrita; 2ª – se a autora não é titular de qualquer direito a indemnização pela privação do uso do veículo por não ter demonstrado ser dona do veículo sinistrado; 3ª – se o direito a indemnização pela privação do uso do veículo deve ser excluído na medida em que ficou por demonstrar que este não tenha sido reparado após o sinistro; 4ª - se o direito a indemnização pela privação do uso do veículo deve ser excluído porquanto, beneficiando de um seguro de danos próprios, a autora só o não fez reparar porque não quis, contribuindo para o agravamento desse dano; 5ª - se o direito a indemnização pela privação do uso do veículo deve ser excluído para além do prazo de 30 dias, por o decurso deste prazo permitir a conclusão ao lesado de que a seguradora não o indemnizará, impondo-lhe a decisão de reparar ou não o veículo, sob pena de abuso de direito; 6ª - se o direito a indemnização pela privação do uso do veículo deve ser excluído pelo tempo em que a autora demorou a interpor a acção, desde a data do acidente, isto é, entre 5/12/2006 e 16/1/2009; 7ª - se o tribunal incorreu em lapso, no cálculo da indemnização desse dano, duplicando o cômputo do período decorrido entre 17/3/2007 e 16/1/2009.*A contextualização destas questões exige que se tenha presente a matéria provada, após discussão da causa. São os seguintes os factos que o tribunal deu por provados: 1. À data de 5 de dezembro de 2006, a “Companhia de Seguros C…, SA” havia assumido os riscos decorrentes da circulação do veículo ..-BG..8, mediante “contrato de seguro” titulado pela apólice nº ………… (al. A) dos factos assentes); 2. À data de 5 de dezembro de 2006, a “Companhia de Seguros E…” havia assumido os riscos decorrentes da circulação do veículo ..-..-HU, mediante de “contrato de seguro” titulado pela apólice nº …………./. (al. B) dos factos assentes); 3. No dia 5 de dezembro de 2006, cerca das 22h30m, na …, …, Gondomar, no local onde esta rua é entroncada pela Rua …, ocorreu um embate entre os veículos de matrícula ..-BG-.., ..-..-MJ e ..-..-HU (resposta ao item 1º da BI); 4. O veículo de matrícula ..-..-MJ circulava na …, sentido …/… (resposta ao item 2º da BI); 5. E era conduzido pela autora (resposta ao item 3º da BI); 6. Na mesma artéria e sentido circulava, à frente da autora, o veículo ..-..-HU (resposta ao item 4º da BI); 7. O qual era conduzido por F… (resposta ao item 5º da BI); 8. Ainda na mesma via e sentido, na retaguarda do veículo da autora, circulava o veículo ..-BG-.. (resposta ao item 6º da BI); 9. O qual era conduzido por G… (resposta ao item 7º da BI); 10. Imediatamente antes do entroncamento referido no ponto 3º, o veículo de matrícula ..-..-HU accionou o mecanismo de mudança de direção para a esquerda e reduziu a velocidade, tendo-se aproximado do eixo da via, imobilizando-se totalmente ao sinal de paragem obrigatória STOP (resposta ao item 8º da BI); 11. A condutora do veículo ..-..-MJ, que também pretendia mudar de direção à esquerda, imobilizou o seu veículo logo a seguir ao veículo ..-..-HU (resposta ao item 9º da BI); 12. Quando o veículo ..-..-HU já havia iniciado a manobra de mudança de direção à esquerda e o veículo ..-..-MJ se mantinha completamente imobilizado a aguardar que aquele concluísse a manobra, foi embatido na retaguarda pelo veículo ..-BG-.., que naquela via e sentido circulava e que também pretendia entrar na Rua … (resposta ao item 10º da BI); 13. Com a força da pancada, o veículo ..-..-MJ foi projetado para a frente (resposta ao item 11º da BI); 14. Tendo ido embater na parte traseira lateral esquerda do veículo ..-..-HU, que se encontrava à sua frente e já a realizar a manobra de mudança de direção à esquerda (resposta ao item 12º da BI); 15. O local configura uma reta (resposta ao item 13º da BI); 16. No momento do acidente chovia (resposta ao item 14º da BI); 17. A via no local possui duas faixas de rodagem em cada sentido (resposta ao item 15º da BI); 18. O condutor do veículo ..-BG-.. seguia distraído (resposta ao item 16º da BI); 19. Em resultado do acidente, o veículo ..-..-MJ sofreu danos no montante de € 11.000,00 (resposta ao item 17º da BI); 20. Na sequência da comunicação de acidente de viação, a ré orçamentou a reparação dos danos verificados no veículo ..-..-MJ em € 11.000,00 (al. C), dos factos assentes); 21. Para parqueamento da viatura ..-..-MJ, a autora pagou à “H…” a quantia de € 3.827,36 (resposta ao item 18º da BI); 22. Na sequência do acidente de viação referido nos pontos 3º e ss., o veículo da autora ficou impossibilitado de circular (resposta ao item 19º da BI); 23. À autora foi atribuído um veículo de substituição pelo período de 30 dias pela “Companhia de Seguros D…, SA”, enquanto seguradora da viatura “MJ”, em data anterior à referenciada no ponto 24º (resposta ao item 20º da BI); 24. A autora necessitava e necessita da viatura para as deslocações da vida quotidiana e, principalmente, aos fins de semana, para lazer (resposta ao item 21º da BI); 25. E por via disso celebrou com a “I…” no dia 15.02.2007 um acordo mediante o qual esta se obrigava a ceder à autora o gozo temporário de uma viatura mediante retribuição (resposta ao item 22º da BI); 26. Como não podia continuar a custear o pagamento do preço do contrato referido no ponto 25º, decidiu entregar a viatura em 17.03.2007 (resposta ao item 23º da BI); 27. Para pagamento do preço do acordo referido no ponto 25º, a autora pagou a quantia de € 1.004,00 (resposta ao item 24º da BI); 28. A partir daquela data ficou totalmente privada de qualquer meio de transporte próprio (resposta ao item 25º da BI); 29. Os danos sofridos pela viatura “HU”, por força de um acidente ocorrido no dia 22.05.2003, originaram na altura a consideração da sua perda total por ser economicamente desaconselhável a sua reparação (resposta ao item 28º da BI).*Reportando-se este processo a um acidente de viação e à indemnização dos danos que desse sinistro advieram para a autora, verifica-se antes de mais, que é em grande medida pacífica a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª instância. Nessa sentença resolveram-se várias questões, em termos que a apelante não impugnou em recurso: a dinâmica do acidente; a imputação da responsabilidade pela sua produção ao segurado da ré; a responsabilidade desta pela indemnização de alguns dos danos invocados, v.g. os inerentes à reparação do próprio carro (11.000€), ao custos do seu aparcamento (3.821,36€), aos custos suportados pela autora com o aluguer de um veículo de substituição (1.004.40€). Assim, o recurso versa, em concreto, sobre a indemnização do dano consubstanciado por aquilo que, na sentença e no recurso, se designou por “privação do uso do veículo”. É, com efeito, a este propósito que se desenha a primeira questão colocada pela apelante, ao afirmar ser conclusiva a resposta dada ao quesito 25º da base instrutória, devendo ela ter-se por não escrita. Essa resposta foi puramente positiva (i. é, “provado”) relativamente ao teor do item ou quesito da base instrutória, tendo o seguinte teor: “A partir daquela data ficou totalmente privada de qualquer meio de transporte próprio.” Com esta resposta, contextualizada com a restante matéria provada, significou o tribunal que a autora, que havia alugado um automóvel que usava em substituição do carro sinistrado, o entregou, por não poder suportar o custo correspondente (itens 22º e 23º da base instrutória)., ficando, desde essa data, sem qualquer meio de transporte próprio. Ora a ré, apelante, alega que esta resposta é conclusiva, porquanto o tribunal não apurou se a autora tinha ou não outros meios de transporte, nem sequer que aquele veículo fosse dela, pelo que também dele ficou privada. Apesar de a ré invocar, em favor desta alegação, o disposto nos arts. 653º, nº 2 e 659º, nº 2 do C.P.C., a questão que coloca reporta-se, isso sim, ao disposto no art. 646º, nº 4 do C.P.C., tal como, de resto, acaba por mencionar em sede das conclusões que formula no seu recurso. Aí se dispõe: “Têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.” Assim, quando ali se prescreve que devem por ter-se por não escritas respostas que sejam conclusivas, tal regra impede que se resolva, em sede da decisão sobre a factualidade controvertida na causa, o tratamento jurídico que, num segundo momento, tal matéria deve merecer. A “conclusividade” que ali se previne, é aquela que compreende já uma apreciação jurídica e de mérito sobre a causa, e não a que se reporta em exclusivo ao substrato fáctico em discussão. Isso mesmo ensina Antunes Varela (RLJ ano 122, pág. 220): “Há que distinguir nesses juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de facto) entre aqueles cuja emissão ou formulação se há-de apoiar em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum e aqueles que, pelo contrário, na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador.” E continua - “Os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto. Os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valorização da lei (…)”. Ora o que o art. 646º, nº 4 sanciona são precisamente tais juízos que já compreendem critérios de aplicação da lei. São estes os elementos “conclusivos” que, caso cheguem a ser enunciados, devem ter-se por não escritos e, subsequentemente, excluídos no momento da prolação da sentença. Assim, o disposto no art. 646º, nº 4 não respeita a quesitos “conclusivos” que o sejam apenas numa dimensão factual, designadamente por compreenderem a solução de um hipotético leque de factos instrumentais, que no seu âmbito sejam considerados, mas que não tenham chegado a estar discriminados. cf. ANTUNES VARELA, loc.cit., pág.222, Ac do STJ de 13/5/2003, de 13/11/2007, e Ac. do TRC de 26/01/2010, ambos em dgsi.pt). Como se refere neste último aresto: “A jurisprudência tem adoptado este critério, sustentando que se o apuramento de determinada realidade se efectua à margem da aplicação da lei, tratando-se apenas de averiguar factos cuja existência não depende da correcta interpretação a dar a qualquer norma jurídica, estaremos perante o domínio da matéria de facto”. E, assim, fora do âmbito de aplicação do citado regime legal. É o que se passa no caso em apreço. Em discussão estava, em exclusivo, se a autora, depois de entregar o veículo que alugara e que usava após o sinistro ocorrido com aquele que conduzia, teve ou não a disponibilidade de outro meio de transporte próprio, para utilizar nas deslocações da sua vida quotidiana Foi isso que alegou, nos arts. 25º a 28º da p.i. Por tal matéria ter sido impugnada pela ré, por desconhecimento, foi levada á base instrutória. E foi decidida com base em depoimentos testemunhais cuja valia a ora apelante nem sequer põe em causa. Estamos, pois, perante a discussão e decisão de pura matéria factual, sendo que o quesito em questão, sem prejuízo de em abstracto poder ser desdobrado numa hipotética séria de factos instrumentais, foi decidido em termos que compreendem única e exclusivamente uma apreciação sobre uma realidade material, ao que é alheia qualquer pressuposição jurídica, analítica ou conclusiva. Tal matéria não é, assim, conclusiva, no sentido prevenido pelo art. 646º, nº 4 do C.P.C. Nenhuma razão assiste, pois, à apelante, quanto a esta questão.* A segunda questão traduz-se na discussão sobre se a autora não pode ser considerada titular de qualquer direito a indemnização pela privação do uso do veículo, por não ter demonstrado ser dona do veículo sinistrado, de matrícula MJ. Tal como refere a A., nas suas contra-alegações, esta questão poderia parecer configurar uma questão nova, por jamais ter sido suscitada ao longo de toda a discussão da causa. Com efeito, a ré nem sequer impugna que à autora deva ser conferida a indemnização pelos danos sofridos pelo próprio veículo, correspondentes aos custos da sua própria reparação. Tal parte da sentença não está sob recurso, mostrando-se, por inerência, adquirida. Ora de facto, no que respeita à propriedade do veículo, é certo que a questão jamais chegou a ser verdadeiramente debatida: a ré aceitou que os danos sofridos pelo veículo e reclamados pela autora ascendiam a 11.000€, bem como que foi a autora quem suportou os custos do seu parqueamento; e apesar de impugnar a generalidade da matéria por desconhecimento, jamais suscitou a discussão sobre a propriedade do veículo, a qual também não chegou a ser estabelecida em razão da necessidade da sua resolução para afirmação de qualquer dos direitos invocados. Com efeito, no que respeita ao dano consubstanciado pela privação do veículo que a autora conduzia, a respectiva propriedade nem chega a ser um elemento essencial a essa consubstanciação. Provou-se, em termos que a ré já não impugna, que na sequência do acidente em questão, aquele "veículo da autora" ficou impossibilitado de circular; que ela necessitava e necessita da viatura para as deslocações da vida quotidiana e para lazer; que depois de ter entregue o veículo de aluguer cuja utilização supria a falta do MJ, ficou sem dispor de qualquer outro veículo para a sua utilização própria (pontos 22, 24 e 28 da descrição factual supra). Assim, independentemente de o veículo MJ pertencer a uma empresa financeira (J…), como consta do documento em que o tribunal baseou a sua convicção sobre a eclosão do sinistro (designadamente o auto de ocorrência realizado por autoridade policial, citado pela própria apelante nas suas alegações), ou ser "da autora" (nos termos mais genéricos e coloquiais utilizados no articulado inicial e na decisão da matéria de facto, compreensivelmente reduzidos à utilização do veículo e não à identificação do titular do direito de propriedade sobre o mesmo) o que é inequívoco é que foi a própria autora quem ficou privada da utilização do veículo. Essa utilidade, com um conteúdo económico evidente, foi o valor jurídico, o interesse, o direito se se quiser, violado pelo responsável pelo acidente, na medida em que o excluiu da esfera jurídica da autora, onde ele antes se encontrava sedeado. Resulta da decisão da matéria de facto em termos que não estão sob impugnação neste recurso, que a autora tinha a disponibilidade do MJ, que o utilizava na sua vida quotidiana e que, em razão dos danos que ele sofreu, deixou de poder dispôr dele. Dúvidas não há, pois, não só que ocorreu uma lesão de um interesse ou direito, com um conteúdo patrimonial inequívoco, bem que essa lesão se verificou na esfera jurídica da autora. E isso é assim, no caso concreto, independentemente de o direito de propriedade sobre o referido veículo estar ou não na titularidade da própria autora. É, quanto a esse direito, sedeado na esfera jurídica da autora, que se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar, prescritos no art. 483º do C. Civil e analisados na sentença recorrida. Não assiste, pois, razão à ré no que a esta questão se refere (conclusões II a IV). O seu recurso improcederá, pois, igualmente nesta parte.*A 3ª questão suscitada pela ré reveste-se igualmente de alguma peculiaridade. Na conclusão V do seu recurso, alega a ré que não assiste à autora direito à indemnização pela privação do uso daquele 'seu' veículo MJ porquanto "não ficou provado que aquele veículo não tivesse sido reparado depois do sinistro." Afirma a ré que só se justifica a indemnização pela privação do uso de um veículo que ainda exista, que ainda não tenha sido reparado e que ainda o possa ser. E bem assim que a autora nada disso provou, o que impede o seu direito. Acontece que tais factos - ter o veículo desaparecido, já ter sido reparado ou não poder sê-lo - sempre seriam impeditivos ou extintivos (parcial ou, por hipótese, totalmente) do direito da autora. Era, pois, à própria ré que caberia alegá-los e demonstrá-los, sendo caso disso. Tal é a solução prescrita pelo art. 342º, nº 2 do Código Civil. Porém, sobre tal matéria, a ré nada alegou oportunamente e, subsequentemente, nada demonstrou. À afirmação do direito da autora bastou a demonstração de que, por efeito do acidente, ficou privada da utilização do veículo e que isso afectou a sua vivência quotidiana, consubstanciando um dano. Para impedir o reconhecimento da continuidade desse dano - pelo menos no âmbito da presente questão, pois o tema surgirá ainda a propósito de outro dos fundamentos do recurso - só à ré caberia alegar qualquer facto de onde se inferisse a sua cessação, por exemplo, o de que em determinado momento o veículo fora reparado ou que a autora passara a dispor de outro. Como se referiu, nada fez. Por conseguinte, nenhuma razão lhe assiste a este propósito.*A quarta questão é suscitada pela alegação da ré de que, estando tal veículo coberto por um seguro de danos próprios junto da seguradora Fidelidade Mundial, a autora só não reclamou desta o capital seguro para o risco verificado porque não quis. Com essa sua conduta teria contribuído para o agravamento do mesmo dano, pelo que, deverá, face ao previsto nos artºs 563º e 570º/1 do CC, ser excluída a respectiva indemnização. Tem razão a ré no que respeita à afirmação de uma obrigação imposta ao lesado de que actue no sentido de impedir a ocorrência de novos danos ou o agravamento dos determinados pelo acto lesivo, sob pena de ver diminuída ou excluída a respectiva indemnização. Tal é o regime prescrito no nº 1 do art. 570º do C. Civil. Por outro lado, sendo a culpa do lesado, quanto à verificação ou agravamento dos danos, um facto impeditivo, modificativo ou mesmo extintivo do direito à indemnização, pareceria que, tal como em relação à questão anterior, sempre haveria a ré de a ter alegado em tempo oportuno, nos termos do nº 2 do art. 342º do C. Civil, já citado. No entanto, o art. 572º, na 2ª parte do seu dispositivo, estabelece uma excepção a este respeito: o tribunal deve conhecer da culpa do lesado, ainda que não tenha sido alegada. Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (C.C. Anotado, vol I, em anotação á norma citada) prescreve-se aqui o conhecimento oficioso da culpa do lesado, ainda que o autor da lesão a invoque, protegendo-se uma "negligência processual" para evitar uma condenação injusta. Note-se, porém, que o que está aqui em causa, suprindo-se a omissão da parte pelo conhecimento oficioso do tribunal, é a "conclusiva" invocação da culpa do lesado, pelo autor da lesão, e não uma actividade judicial mais ampla, que ultrapasse os próprios factos alegados e provados pelas partes. No caso, jamais estaria a ré dispensada de, em tempo oportuno, ter alegado a existência de um contrato de seguro, com cobertura de danos próprios, por efeito do qual a autora poderia, sem condições desfavoráveis para si, ter obtido a reparação do veículo MJ, assim fazendo cessar o dano de privação de uso de um veículo, isto é, do dano que agora invoca. Mas não o fez. Ora não pode agora o tribunal, e ainda mais o tribunal de recurso, indagar factos que jamais foram alegados ou discutidos, para conhecer da culpa do lesado (neste sentido, entre outros, cfr. Ac. do STJ de 20/05/2010, no proc. 10338/06.8TBOER.L1.S1; ac. do TRG de 14/01/2010, no proc. nº 8309/06.3TBBRG.G1, onde se escreveu: "O conhecimento da culpa do lesado imposto pela segunda parte do art.º 572º do Código Civil, não permite que o juiz aprecie, por sua iniciativa, factos não alegados pelas partes que não se incluam nos casos previstos no art.º 264º nºs 2 e 3 do CPC, em que se impõe ao julgador o seu conhecimento, não obstante a omissão de tal alegação." - ambos os acs. publicados em dgsi.pt). Com efeito, estaria o contrato de seguro que agora a ré invoca, em vigor? Quais seriam as suas coberturas? Teria uma franquia tão elevada que não compensaria à autora solicitar a produção dos respectivos efeitos? Foi só por não querer, antes optando por deixar crescer o prejuízo inerente à falta de um veículo, para obter com isso uma indemnização, que a ré não providenciou pela sua reparação? Como é óbvio, esta matéria jamais foi discutida, porquanto sobre ela nada foi alegado oportunamente pela ré. Nem sobre ela teve a autora oportunidade de se pronunciar, isto é, de se defender. Assim, nem oficiosamente, ao abrigo do disposto no citado art. 572º, nº 2 do C. Civil poderia o tribunal recorrido apreciar tal matéria. E se isso assim é no que respeita à primeira instância, por maioria de razão deve ter-se por subtraída a questão à apreciação desta Relação, no presente recurso. Trata-se, aqui, de uma questão nova, que não foi oportunamente deduzida perante o tribunal recorrido. Como se referiu, nesse tribunal, esta mesma questão não podia ter sido, nem foi, conhecida, por falta de substrato factual em que pudesse assentar a correspondente decisão. Então, também nesta instância de recurso, e apesar de a questão constituir matéria de conhecimento oficioso, pelo que ainda poderia ser recuperada por este tribunal apesar de ser nova, uma tal intervenção sempre estará prejudicado, com os mesmos fundamentos, i. é., por falta do já referido suporte factual. Pelo exposto, também nesta parte improcedem as razões da apelante.*A 5ª e a 6ª questão complementam-se, sendo ligeiramente diferentes da anterior: aqui trata-se de saber se o direito a indemnização pela privação do uso do veículo deve ser excluído para além do prazo de 30 dias, por o decurso deste prazo permitir a conclusão ao lesado de que a seguradora não o indemnizará, impondo-lhe a decisão de reparar ou não o veículo, sob pena de abuso de direito; e se tal direito deve ser excluído relativamente ao período que a autora deixou decorrer até interpor a acção, desde a data do acidente, isto é entre 5/12/2006 e 16/1/2009 Sobre estas questões, contrapôs a autora/apelada que as mesmas não foram colocadas perante o tribunal de 1ª instância, pelo que, sendo novas, não podem ser apreciadas pelo tribunal de recurso. Esta problemática, da apresentação de questões novas em sede de recurso, foi sendo mencionada quanto a questões anteriores, mas sem que tenha chegado a ser necessário desenvolver a sua análise. A este respeito, tem razão a apelada quando afirma que um recurso de apelação, tal como está consagrado no nosso sistema processual civil, está formatado por um modelo de reponderação, destinado à reapreciação da decisão recorrida quanto às questões que lhe foram endereçadas, e não à reformulação da decisão perante novo contexto e novas questões. Os efeitos deste modelo processual mencionaram-se já, a propósito da apreciação da 2ª das questões identificadas supra, mas sem que esta tenha sido decidida no âmbito de tais interesses. E mencionaram-se de novo a propósito da 4ª questão, sem prejuízo de logo se ter referido que, ainda que novas, sempre poderão ser apreciadas pelo tribunal de recurso questões que sejam objecto de conhecimento oficioso. Seria o caso da apreciação da culpa do lesado, se factualidade houvesse que o sustentasse, como se referiu. Mas será igualmente o caso do abuso de direito ou da verificação de pressupostos processuais, se for caso disso. Veja-se, decidindo em conformidade com esta afirmação, o seguinte acórdão do TRC, de 8/11/2011, proferido no processo nº 39/10.8TBMDA.C1 (in dgsi.pt) com cuja solução se concorda: "(...) IV - Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais – e não meios de julgamento de julgamento de questões novas. V - Face ao modelo do recurso de reponderação que o direito português consagra, o âmbito do recurso encontra-se objectivamente limitado pelas questões colocadas no tribunal recorrido pelo que, em regra, não é possível solicitar ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre uma questão que não se integra no objecto da causa tal como foi apresentada e decidida na 1ª instância. VI - Não obstante o modelo português de recursos se estruturar decididamente em torno de modelo de reponderação, que torna imune a instância de recurso à modificação do contexto em que foi proferida a decisão recorrida, o sistema não é inteiramente fechado. VII - A primeira e significativa excepção a esse modelo é a representada pelas questões de conhecimento oficioso: ao tribunal ad quem é sempre lícita a apreciação de qualquer questão de conhecimento oficioso ainda que esta não tenha sido decidida ou sequer colocada na instância recorrida. Estas questões – como, por exemplo, o abuso do direito ou os pressupostos processuais, gerais ou especiais, oficiosamente cognoscíveis – constituem um objecto implícito do recurso, que torna lícita a sua apreciação na instância correspondente, embora, quando isso suceda, de modo a assegurar a previsibilidade da decisão e evitar as chamadas decisões-surpresa, o tribunal ad quem deva dar uma efectiva possibilidade às partes de se pronunciarem sobre elas (artº 3º, nº 3 do CPC).(...)". Assim, apesar de tal questão ter surgido ex novo no âmbito deste recurso, introduzida apenas nas alegações oferecidas pela apelante, importa ponderar se a actuação da autora, convivendo com o prolongamento da situação pendente da reparação do seu veículo, sem se decidir pela sua reparação ou substituição, de forma a fazer cessar esse estado de carência de um veículo próprio para utilização quotidiana, consubstancia um abuso de direito. E, assim, se esse abuso se verifica findo o prazo de 30 dias, ou por via do decurso do tempo entre o sinistro e a propositura da presente acção. Na ponderação desta questão, é útil ter presente que, em relação a outros problemas, a autora teve outro comportamento. Com efeito, depois de a viatura ter sido rebocada para a H…, onde foi vistoriada e ficou a aguardar ordem de reparação, gerando custos de parqueamento, a autora fê-los cessar, removendo dali o veículo em termos que levaram à liquidação desse custo num montante final de 3.827,36€ (ponto 21 da matéria provada). Esse custo, correspondente também a um dano indemnizável e relativamente ao qual a ré nada opôs neste recurso, cessou por intervenção da autora (naturalmente retirando o carro daquela situação de parqueamento na H…, que estava a gerar custos), que o pagou. Actuação idêntica teve a autora relativamente ao prejuízo constituído pelo custo do aluguer de um veículo de substituição daquele de que estava privada. É certo que o fez por não conseguir continuar a suportar o respectivo preço, mas o efeito dessa decisão é, ao fim e ao cabo, o de que esse prejuízo, com dimensão significativa (1.004,00€ num mês) e relativamente ao qual a apelante também não reage neste recurso, deixou de aumentar, ao fim de um mês. Temos, assim, duas categorias de danos relativamente aos quais foi imputada à ora apelante a responsabilidade pela sua indemnização e relativamente aos quais a própria autora teve uma actuação que não foi alvo de qualquer crítica da ré. Certo é, no entanto, que a autora ficou privada do utilização de qualquer veículo, desde 17/3/2007 até ao presente, tendo o tribunal arbitrado uma indemnização diária para esse prejuízo, de 20€, até que a ré satisfaça a obrigação a que está obrigada. Poderemos dizer que a exigência da reparação deste dano, pela autora, consubstancia um abuso de direito? Alega a ré que assim é, já que uma actuação conforme à boa fé consistiria em a autora, verificando que a ré lhe recusava a indemnização, decidisse reparar o carro, exigindo depois o preço da reparação; ou optasse por vender o salvado, exigindo depois a diferença de valor. Em qualquer caso, com isso cessaria o dano cuja indemnização agora pede, por um período de cerca de seis anos. Mais sugere que o haveria de ter feito ao fim de 30 dias, invocando como referência o disposto no art 36º, nº 1, als. e) e f) do D.L. 291/07, de 21/08, “tempo reputado pela lei como suficiente para uma seguradora apresentar a respectiva proposta razoável, precisamente para permitir ao lesado, a partir dele, presumir que aquela não aceitará indemnizá-lo e, dessa forma, poder, por si, tomar a decisão de reparação expressamente prevista na alínea f) daquele normativo legal. (art. 44º das respectivas alegações de recurso). As normas citadas, dispõem o seguinte: “e) Comunicar a assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo de 30 dias úteis, a contar do termo do prazo fixado na alínea a), informando desse facto o tomador do seguro ou o segurado e o terceiro lesado, por escrito ou por documento electrónico; f) Na comunicação referida na alínea anterior, a empresa de seguros deve mencionar, ainda, que o proprietário do veículo tem a possibilidade de dar ordem de reparação, caso esta deva ter lugar, assumindo este o custo da reparação até ao apuramento das responsabilidades pela empresa de seguros e na medida desse apuramento.” No caso em análise, nada revela que a ré tenha empreendido qualquer dos procedimentos previstos nas normas que acabam de se citar, nem ao tempo do acidente, em que ainda nem sequer estavam em vigor, nem em momento ulterior. De resto, nem alegou a ré ter adoptado qualquer destes procedimentos, a não ser o de ter imputado à autora e a outros a prática de um crime, por via da participação e reclamação de uma indemnização por este sinistro. Parece-nos, assim, estarmos perante uma situação tão afastada da pressuposta pelos procedimentos referidos, que é enganosa a respectiva invocação. Mas a isto acresce que nem os preceitos citados permitem a interpretação que a apelante sugere, designadamente a da exclusão da responsabilidade da seguradora pelos danos inerentes à, paralisação de um veículo sinistrado, findo o prazo de 30 dias previsto no art 36º, nº 1, als. e) e f) do D.L. 291/07, de 21/08, como que, se passado esse prazo e enjeitada a responsabilidade pela indemnização dos danos pela seguradora esta visse, por essa via, limitada a esse período de tempo uma tal responsabilidade. No caso, não obstante a alegação da ré de que o sinistro que é causa de pedir na acção fora simulado, não o logrou demonstrar, nem em sede cível, nem em sede criminal. Essa tese foi, pois, afastada, tendo-se provado suficientemente uma realidade factual perante a qual ela é a responsável civil pela indemnização dos danos verificados. Esta parte da decisão recorrida não está, sequer, impugnada neste recurso. Ora se é certo que a situação se prolongou ao longo de anos, desde a data da produção do acidente até ao presente, também o é que tal só à ré acaba por ser imputável, porquanto sendo responsável civil pelo ressarcimento dos danos sofridos pela autora, jamais se apresentou a cumprir essa obrigação. Pelo contrário, como salienta a autora na sua resposta ao recurso, até acabou por dar azo à dilatação deste período, requerendo, em termos que lhe foram consentidos, a suspensão da instância até á solução do inquérito criminal que havia feito nascer com a sua queixa criminal. E enquanto tudo isto sempre foi decorrendo, a autora continuou sem poder dispor de um carro para as utilidades e necessidades da sua vida quotidiana, como dispunha antes do sinistro. Ou seja: o dano foi-se mantendo, porquanto quem estava obrigado á sua reparação jamais se apresentou a cumprir essa obrigação. Não deve, pois, a ré eximir-se a tal responsabilidade, com fundamento no protelamento de uma situação, que ela própria deixou de solucionar, conforme lhe cabia (cfr. neste sentido Ac. do TRP de 5/2/2004, doc nº RP200402050333931, de que se retira o seguinte Sumário: “A privação de uso de um veículo, para o efeito de fixação de uma indemnização, no caso de a restauração natural não ser possível, também deve ser considerada e persiste ou subsiste até ao momento em que ao lesado seja satisfeita a indemnização correspondente.”). Mas será que não se impunha à própria autora o dever de providenciar pela reparação do veículo, desembolsando os 11.000€ em que estava orçada a sua reparação, a fim de poder retomar a sua disponibilidade, colhendo dele a sua utilidade? Alega a ré que sim e que, não o tendo feito, abusa do seu direito. Não nos parece, no entanto, que com razão. De resto, a este propósito, por exemplar, citamos aqui o que, em caso muito semelhante, se decidiu no ac. do TRG de 26/04/2012, proferido no proc. nº 2082/09.0TBBRG.G1 (em dgsi.pt): "Alega assim a ré seguradora que o dever de boa-fé das partes no cumprimento das obrigações, bem como no exercício de direitos imporia comportamento diferente, que passaria pela reparação do carro. (...). Antes da entrada em vigor do actual Código Civil, já Manuel de Andrade defendia a existência de abuso de direito quando este era exercido "em termos clamorosa­mente ofensivos da justiça", mostrando-se "gravemente chocante e reprovável para o sen­timento jurídico prevalecente na colectividade" - Teoria Geral das Obrigações, página 63. E Vaz Serra, na mesma linha de pensamento, aludia à "clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante" - Boletim do Ministério da Justiça nº85, página 253. Hoje, de acordo com o estabelecido no artigo 334º do CC, "é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito". Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, adoptou-se neste preceito a concepção objectiva de abuso de direito, uma vez que "não é necessária a consciência de se excederem com o seu exercício os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites " - cfr. Código Civil Anotado, volume I, página 298. Não se contentou a lei, assim, com qualquer excesso; o excesso cometido tem que ser manifesto para poder desencadear a aplicabilidade do artigo 334º. Por isso, os tribunais só podem fiscalizar a "moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que os legitimam, se houver manifesto abuso " - autores e obra citada. (...) Seja como for, para que possa funcionar o comando contido no artigo 334º, do Código Civil, tem de haver um excesso manifesto, o que significa que a existência do abuso de direito tem de ser facilmente apreensível sem que seja preciso o recurso a extensas congeminações. Haverá abuso de direito, segundo o critério proposto por Coutinho de Abreu "quando um comportamento aparentando ser exercício de um direito se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumental e na negação de interesses sensíveis de outrém" (Abuso de Direito, p. 43). Configura-se, assim, um comportamento antijurídico que se caracteriza pelo exercício anormal do direito próprio, que não pela violação de um direito de outrém ou pela ofensa de uma norma tuteladora de um interesse alheio. E para que o abuso de direito exista, não basta que o exercício do direito pelo seu titular, cause prejuízo a alguém - a atribuição de um direito traduz deliberadamente a supremacia de certos interesses sobre outros interesses com aqueles confluentes, sendo necessário, sim, que o titular dele manifestamente exceda os limites que lhe cumpre observar, impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do próprio direito exercido. Ora, sendo obrigação da recorrente proceder à reparação do veículo sinistrado, o que esta ainda não cumpriu, nem se dispôs a colocar veículo de substituição à disposição dos AA. (...) não se vislumbra como a conduta daqueles de alugarem um veículo para se transportarem e de parquearem o veículo acidentado, até para minimizarem os danos neste, pode constituir um exercício ilegítimo(...). Também não se lhes impunha que diligenciassem tal, com vista a impedir o avolumar dos custos de aluguer e parqueamento, uma vez que, além daquela carência de meios, a ré seguradora (ou a sua congénere “Lusitânia”) jamais aceitou que se procedesse a essa reparação por ser viável (só em sentença tal foi decidido), antes assumindo que se tratava de uma perda total de veículo. Em conclusão, essa álea de reparação ou perda total que a seguradora quis jogar teve efeitos mais gravosos que sobre esta se repercutem! Os lesados limitaram-se a exercer legitimamente o seu direito à indemnização." Como sobressai da semelhança entre o caso decidido pelo acórdão citado e o caso sub judice, para que o exercício do direito à indemnização pela privação do uso do veículo MJ pela autora consubstanciasse abuso de direito, os autos haveriam de revelar elementos em face dos quais se pudesse concluir que essa pretensão excedia "manifestamente" os "limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito" (art. 334º do C. Civil). Tal poderia ocorrer, por exemplo no caso de se ter apurado que a autora, com facilidade, poderia ter ordenado a reparação do veículo, com o que deixaria de estar privada dele, por tal lhe ser acessível em razão das suas posses, em razão do reduzido valor da reparação, em razão da possibilidade que tinha de, por qualquer outra forma, ter suprido essa privação. No entanto, nada disto alegou a ré, nem se descortina do processo. E o custo da reparação assume um valor significativo, perante o qual não podemos admitir simplesmente que a autora dispusesse de meios para o efeito, só não os tendo aplicado a esse fim para explorar a responsabilidade da ré. Em qualquer caso, sempre haveria de ser a ré a demonstrar que a autora deles dispunha e não os quis usar para obter a indemnização que agora pede. E, como já se referiu, nada disto se apurou, até porque em tempo oportuno nada foi alegado. Assim, a situação que se desenha perante nós é a de um lesado que se mantém sujeito à permanência da lesão, sem que o obrigado à sua reparação se apreste a resolver o problema, proporcionando a reparação do dano, ainda que o fizesse condicionalmente. Ora, como se refere no sumário do Ac. do TRG citado "É ao autor da lesão (e, consequentemente, à seguradora para quem tenha sido transferida a responsabilidade), e não ao lesado, que compete agir, e de forma diligente, para que o dano seja reparado, de modo que as implicações danosas acrescidas decorrentes do decurso do tempo correm por conta do obrigado à reparação do dano e não por conta do lesado." Sem prejuízo de se reconhecer ao lesado o dever já falado de prevenir o agravamento dos danos[1], não podemos deixar de constatar que a autora o fez precisamente em relação a duas fontes de prejuízo. E se o não fez relativamente à privação do uso do veículo, nada nos autos revela que tal conduta lhe possa ser censurada, por se considerar violadora dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do seu direito. Em conclusão, nada nos permite concluir por ser abusivo o seu direito. Aliás, o mesmo se diga em relação ao facto de a acção só ter sido proposta em Janeiro de 2009, isto é, quase dois anos após o evento danoso. Tal factualidade, desacompanhada de qualquer outra que permita contextualizá-la ou compreendê-la em termos que induzam a conclusão de que a autora apenas o fez nessa altura em violação de qualquer dever, mesmo de cooperação para com o responsável civil, não permite fundar qualquer juízo, designadamente tendente à qualificação dessa conduta como juridicamente abusiva ou violadora de princípios de boa fé. De resto, importa lembrar que a própria ré só em inícios de 2009 apresentou queixa crime contra a autora e outros, na sequência do que até veio requerer a suspensão da instância nesta causa, o que veio a ser determinado, até ao arquivamento de tal inquérito criminal. Não se conclui, pois, que a este propósito assista qualquer razão à autora, nem se identifica qualquer motivo de crítica sobre a decisão recorrida. Haverá, pelo exposto, de ser a autora indemnizada pela privação do uso do veículo, desde 17/3/2007 e até que a ré lhe proporcione a indemnização necessária à reparação do mesmo, forma prescrita na sentença como adequada para a reparação desse dano. Note-se, por fim, que a este propósito não estava em causa, neste recurso, nem a identificação do dano em questão, isto é, se efectivamente se provaram factos perante os quais se devesse reconhecer que a autora passou a suportar um tal dano de privação do uso do seu veículo, nem a respectiva quantificação, à razão de 20€ por dia. Tais elementos da decisão não foram colocados em causa no recurso, pelo que sempre haveriam de ter-se por adquiridos. Haverá, pois, de manter-se a decisão recorrida, também nesta parte.*A última questão colocada pela apelante refere-se a saber se o tribunal incorreu em lapso no cálculo da indemnização desse dano, duplicando o cômputo do período decorrido entre 17/3/2007 e 16/1/2009. A própria autora, embora invocando um valor diferente do considerado na sentença, reconhece razão à ré nesta alegação. Verifica-se que a ré havia peticionado uma indemnização por privação de uso do seu veículo, à razão diária de 20€, desde a data do acidente (5/12/2006) até 15/02/2007, e desde 17/3/2007 até à data da propositura da acção. Indemnização essa que calculou em 14.740€. E peticionou a atribuição de outro valor a calcular desde esta data - 16/01/2009 - até á data do seu efectivo ressarcimento, a calcular ulteriormente. Ora, na sentença, o tribunal computou a indemnização em atenção às datas consideradas na p.i., em 14.140€. E as datas consideradas na p.i. foram as que acabam de se mencionar, até à data da propositura da acção, isto é, até 16/1/2009. Quanto a este valor, menor que o peticionado na sentença, nada foi oposto pela autora. Temos, assim, de concluir, acompanhando a apelante, que foi fixada no citado montante de 14.140€ a indemnização pelo dano da privação do uso do veículo MJ até 16/1/2009. A tal valor acrescerá um outro, à razão de 20€/dia, desde 17/1/2009 até efectivo ressarcimento da autora. Procederá, pois, apenas nesta medida, a presente apelação.*Em conclusão, (art. 713º, nº 7 do CPC): -Do disposto no art. 646º, nº 4 do C.P.C. quando ali se prescreve que devem por ter-se por não escritas respostas que sejam conclusivas, decorre a proibição de que se resolva, em sede da decisão sobre a factualidade controvertida na causa, o tratamento jurídico que, num segundo momento, tal matéria deve merecer. A “conclusividade” que ali se previne, é aquela que compreende já uma apreciação jurídica de um facto, e não a que se reporta em exclusivo ao substrato fáctico em discussão. - Na ponderação da indemnização do dano de privação do uso de um veículo automóvel, ter o veículo desaparecido, já ter sido reparado ou não poder sê-lo, sempre seriam factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do lesado (autor). É, pois, à ré Seguradora que cabe alegá-los e demonstrá-los, sendo caso disso, em observância do disposto no art. 342º, nº 2 do Código Civil. - Sendo a culpa do lesado pela verificação ou agravamento dos danos, um facto impeditivo, modificativo ou mesmo extintivo do direito à indemnização, pareceria que caberia à ré Seguradora invocá-lo em tempo oportuno, nos termos do nº 2 do art. 342º do C. Civil. No entanto, o art. 572º, estabelece uma excepção a esta regra: o tribunal deve conhecer da culpa do lesado, ainda que não tenha sido alegada. Porém, o que está aí previsto, suprindo-se a omissão da parte pelo conhecimento oficioso do tribunal, é a "conclusiva" invocação da culpa do lesado, pelo autor da lesão, e não uma actividade judicial mais ampla: não pode o tribunal indagar factos que jamais foram alegados ou discutidos, para conhecer oficiosamente da culpa do lesado. - um recurso de apelação, tal como está consagrado no nosso sistema processual civil, está formatado por um modelo de reponderação, destinado à reapreciação da decisão recorrida quanto às questões que lhe foram endereçadas, e não à reformulação da decisão perante novo contexto e novas questões. Porém, ainda que novas, sempre poderão ser apreciadas pelo tribunal de recurso questões que sejam objecto de conhecimento oficioso. É o caso da apreciação da culpa do lesado, se houver factualidade que o sustente, do abuso de direito ou da verificação de pressupostos processuais. - para que se conclua que o exercício do direito à indemnização pela privação do uso de um veículo consubstancia abuso de direito, os autos deverão revelar elementos em face dos quais se possa concluir que essa pretensão excede "manifestamente" os "limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito" (art. 334º do C. Civil). Tal poderá ocorrer, por exemplo, no caso de se verificar que o lesado, com facilidade, poderia ter ordenado a reparação do veículo, com o que deixaria de estar privado dele, por tal lhe ser acessível em razão das suas posses, em razão do reduzido valor da reparação, em razão da possibilidade que tinha de, por qualquer outra forma, ter suprido essa privação. Se nada disso se constata no processo, não se pode concluir por abuso de direito. É ao responsável civil, e não ao lesado, que compete agir, e de forma diligente, para que o dano seja reparado, de modo a prevenir o seu agravamento pelo decurso do tempo. 3 - DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar parcialmente procedente a apelação e em alterar em conformidade a douta decisão recorrida, em razão do que se condena a ré a pagar à autora, no que respeita à indemnização pelo dano de privação do uso do veículo MJ, uma quantia de 14.140€ (catorze mil cento e quarenta euros) a acrescer com o valor correspondente ao montante diário de 20€ (vinte euros) desde 17/1/2009, até efectivo pagamento. Em tudo o mais se confirma a decisão recorrida.*Custas pela apelante, nesta instância, na proporção do seu decaimento.*Porto, 18/06/2013 Rui Manuel Correia Moreira Henrique Luís de Brito Araújo Fernando Augusto Samões _________________ [1] Cfr. Brandão Proença, A conduta do lesado como pressuposto e critério de imputação do dano extracontratual, 1997, pg. 669 e ss: "(...) se numa correcta ponderação de interesses, a atitude individual do lesado, que não se mostre objectivamente justificada ou cuja justificação subjectiva pertença ao puro foro das convicções ideológicas, não pode levar ao agravamento da responsabilidade do lesante, também a deficiente gestão do dano sofrido, a indiferença do lesado perante o seu próprio prejuízo, a omissão em conter, sem grandes custos, as sequelas danosas de uma lesão, a que certamente não se mostraria indiferente no caso de ser causada solitariamente, e a irrazoabilidade da sua passividade, contrária ao padrão de uma normalidade interventora (sobretudo na zona dos danos patrimoniais), permitem (na maioria dos casos) considerar «culposa» a inércia do lesado e defender uma auto-responsabilidade que, sendo actuada pela ponderação das duas condutas e pela consequente repartição do dano global, só logrará atingir o seu significado se o lesado vier a receber uma indemnização nunca superior àquela que receberia caso tivesse contido o dano”.