Processo:640/13.8TCLRS.L1-2
Data do Acordão: 12/10/2016Relator: ONDINA CARMO ALVESTribunal:trl
Decisão: Meio processual:

1.A prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, sendo, porém, normalmente insuficiente para valer como prova de factos favoráveis à procedência da acção desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie. 2.A privação do uso do veículo constitui um dano patrimonial indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado no artigo 62.º da CRP e que pode ser economicamente valorizável, se necessário com recurso à equidade. (Sumário elaborado pela Relatora)

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ONDINA CARMO ALVES
Descritores
VEÍCULO AUTOMÓVEL PRIVAÇÃO DE USO DEPOIMENTO DE PARTE PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
No do documento
RL
Data do Acordão
10/13/2016
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
IMPROCEDENTE
Sumário
1.A prova por declarações de parte é apreciada livremente pelo tribunal, na parte que não constitua confissão, sendo, porém, normalmente insuficiente para valer como prova de factos favoráveis à procedência da acção desacompanhada de qualquer outra prova que a sustente ou sequer indicie. 2.A privação do uso do veículo constitui um dano patrimonial indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado no artigo 62.º da CRP e que pode ser economicamente valorizável, se necessário com recurso à equidade. (Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão integral
Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.RELATÓRIO:

 
PAULO ….., residente ……., intentou, em 23.01.2013, contra SEGUROS ….., com sede na ……, acção declarativa sob a forma de processo comum ordinário, através da qual pede a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 9 882,03, referente ao valor estimado ao momento do sinistro para a reparação da sua viatura, e a quantia de € 6 750,00, referente a aluguer da viatura de substituição.
 
Fundamentou o autor, no essencial, esta sua pretensão da seguinte forma:
1.No dia 17 de maio de 2012, pelas 22,00 horas, na Estrada ……, ocorreu um acidente de viação, em que foram interveniente o veículo de matrícula DD, propriedade do Autor e por este conduzido, e o veículo de matrícula XN, conduzido por Maria …..; 
2.O referido acidente de viação ocorreu por culpa desta condutora, que não respeitou o sinal de aproximação de via com proximidade, infringindo as regras estradais; 
3.Em virtude de tal conduta, o Autor sofreu danos patrimoniais que pretende ver ressarcidos.
 
Citada, a ré apresentou contestação, em 07.05.2013, invocando a ilegitimidade do autor, e impugnou os factos alegados na petição inicial.
  
Notificado, o autor apresentou articulado de réplica, em 13.05.2013, respondendo à excepção invocada.
 
Levada a efeito a audiência prévia, em 02.03.2015, na qual foi proferido o despacho saneador no âmbito do qual foi julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa invocada pela ré. Foi identificado o objecto do litígio e enunciados os Temas da Prova.
 
Foi levada a efeito a audiência final, em 15.04.2015, 28.04.2015 e 12.05.2015, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 25.06.2015, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte: 
 
Pelo exposto, nos termos das disposições legais supra citadas, julgo totalmente procedente, por provada, a presente ação declarativa de condenação instaurada por Paulo ….. contra a Companhia de Seguros …... e, em consequência:
- Condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia total de € 16 632,03, sendo o montante de € 9 882,03 referente ao valor da reparação da viatura e o montante de € 6 750,00  referente às despesas com o aluguer da viatura de substituição.
Custas da ação a cargo da Ré (artigo 527º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.
 
Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs recurso de apelação, em 23.09.2015, relativamente à sentença prolatada.
 
São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
 
i.Vem a Apelante recorrer da decisão vertida na sentença a fls… dos autos, que deu como integralmente provada a dinâmica do sinistro na versão do Apelado, com fundamento no erro de julgamento da matéria de facto dos autos e aplicação do direito a esses mesmo factos;
ii.Assim, contrariamente à posição do Tribunal a quo, entende a Apelante que as contradições evidentes nos depoimentos prestados, aliadas à demais informação carreada aos autos, impõem que seja dada como não provada a versão do sinistro, tal como alegada pelo Apelado, em sede de Petição Inicial.
iii.De facto, com todo o respeito e consideração pelo Tribunal, mais não faz a sentença em crise do que tábua rasa da prova produzida nos autos, abstendo-se de valorar a factualidade carreada, ou valorando-a, sem que se descortine da razão da sua valoração.
iv.Pois que, contrariamente ao entendimento do Tribunal, à prova da ocorrência de um sinistro, imperioso se revela a prova da sua aleatoriedade, a qual resultou frustrada.
v.Neste sentido, e previamente, não alcança a Apelante da fundamentação almejada na sentença, em crise, no que concerne à prova da factualidade atinente à dinâmica do sinistro, ancorada nos depoimentos das testemunhas Maria ….. e Manuel ….., quando, na mesma sentença é feita expressa referência a “ambiguidades” e “imprecisões” decorrentes dos mesmos, não alcançando a aqui Apelante da relevância da restante prova produzida, nem da aplicação do critério da “normalidade social”;
vi.Deste modo, a conclusão pela existência de “ambiguidades” e “imprecisões”, decorrentes dos depoimentos das referidas testemunhas, impunha que fosse dada como não provada a matéria 
vii.Concretizando, a testemunha Maria ….., alegada condutora do veículo seguro na aqui Apelante e, como tal, interveniente directo no sinistro - prestou um depoimento vago e impreciso, não conseguindo descrever o sinistro, tudo se passando como se não tivesse intervindo no mesmo;
viii.O mesmo se diga do depoimento da testemunha Manuel …., não alcançando a Apelante da fundamentação para a valoração do seu depoimento no que à dinâmica do sinistro concerne, pois que, pela mesma testemunha foi afirmado, aquando da sua inquirição, não ter presenciado o sinistro, apenas tendo chegado, alegadamente, ao local do embate, após a eclosão deste último, conclusão que vem expressa, em conformidade, na sentença, em crise;
ix.Bem como, no que respeita à demais factualidade atinente à ocorrência do sinistro, como seja o local do embate e da localização dos danos, entende a Apelante que a prova da factualidade alegada aos autos, pelo Apelado, resultou frustrada.
x.Neste preciso ponto, não pode a Apelante deixar de manifestar a sua tamanha perplexidade, porquanto a alegada condutora do veículo seguro, Maria ….. não soube descrever o local onde ocorrera o sinistro ou, ainda que assim fosse, fornecer qualquer pista que contribuísse para a sua caracterização, nem tão pouco se lembrara a razão pela qual se encontrava aí a circular, no dia e hora, do sinistro, não se alcançando, igualmente, neste ponto, da conclusão almejada pelo Tribunal a quo no sentido de que a testemunha em apreço “soube descrever as características do local”;
xi.De igual modo, no que concerne à localização dos danos nos veículos, a referida testemunha afirmou não se recordar do local do embate do veículo do Apelado, mas apenas, e tão só, do local do embate no seu veículo;
xii.Neste preciso ponto, a testemunha Manuel …. efetuou, de igual modo, um depoimento incapaz de dar como provada a matéria atinente à localização dos danos nos veículos, uma vez que, pese embora tenha afirmado, inicialmente, que os danos localizar-se-iam do lado direito do veículo do Apelado, não soube precisar a posição final dos veículos, por si observada, após o alegado embate;
xiii.Não obstante, certo é que, não pode deixar de causar estranheza que a testemunha não se recorde da posição final dos veículos, porquanto, uma vez afirmado que estaria a circular na mesma estrada e direcção do Apelado, e tendo avistado os veículos com danos, ter-se-ia, certamente, que se desviar da estrada, onde estaria o veículo do Apelado parado, após o embate;
xiv.Sendo certo que, posteriormente, no decurso da inquirição da aludida testemunha, quando confrontada com o facto de não ter saído do carro, veio a mesma a afirmar não ter visto os danos no veículo do Apelado;
xv.Neste sentido, assume relevância a factualidade atinente às averiguações encetadas pela Apelante, tendo como responsável a testemunha desta última, José ….., cujo depoimento foi desvalorizado pelo Tribunal a quo, porquanto “revelou não ter qualquer conhecimento directo”;
xvi.Ora, olvida o Tribunal a quo, sempre com todo o respeito e consideração que, pese embora a testemunha não tenha conhecimento directo do sinistro, tem conhecimento directo de factualidade acessória ao mesmo, essencial à prova deste último;
xvii.Em concreto, afigura-se essencial à boa decisão da causa em apreço, as conclusões almejadas pelo gabinete de peritagens da Apelante, com as premissas trazidas aos autos, no sentido da ausência de nexo de causalidade entre o sinistro relatado e os danos no veículo do Apelado; conhecimento demonstrado entre o Apelado e o marido da condutora do veículo seguro na Apelante; ausência de vestígios do sinistro, no local indicado para a ocorrência do mesmo;
xviii.Ora, para prova do conhecimento dos intervenientes foi junto, pela Apelante, no decurso da inquirição da testemunha José …., documento contendo prints das páginas pessoais do facebook dos intervenientes, factualidade que o Tribunal se absteu de analisar, encontrando-se a sentença, nessa parte, inquinada de nulidade, nos termos e para os efeitos constantes do artigo 615.º n.º 1 d) do CPC;
xix.Por tudo o exposto, concluiu-se que a prova produzida foi insuficiente para ver demonstrada a versão do sinistro, tal como alegada aos autos pelo Apelado e sufragada pelo mesmo em sede de declarações de parte, cujo valor probatório, conforme jurisprudência na matéria, na ausência de outros elementos de prova, no mesmo sentido, revela-se insuficiente para dar como provada dada realidade;
xx.Assim, deverá ser dada como não provada, ao invés, a factualidade constante dos artigos 2.º a 9.º da matéria de facto provada, correspondente à prova do requisito de ilicitude, nos termos e para os efeitos constantes do artigo 483.º do Código Civil e, bem assim e consequentemente, deverá, igualmente, sucumbir a prova do nexo de causalidade entre o facto ilícito (uma vez frustrada a prova do mesmo) e do dano, por via da falência de prova da factualidade contida no artigo 15.º da matéria de facto provada, que deverá incluir-se, por sua vez, no elenco dos factos não provados;
xxi.Mal andando o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, à revelia do artigo 413.º do CPC; 
 
xxii.Por último, no que concerne aos danos, obejcto de indemnização nos autos, entende a Apelante que a sentença em crise traduz uma deficiente aplicação do direito, aos factos.
xxiii.Assim, no que respeita à quantificação do valor dos danos, temos que, analisada a prova constante dos autos – em concreto Doc.1 junto com a Contestação – o valor constante do artigo 26.º do elenco dos factos provados, é um valor acrescido de IVA, o qual não corresponde ao valor orçamentado, devendo, ser alterada a redacção do aludido artigo, em conformidade: “26 – A reparação da viatura referida em 1), em estimativa feita na Auto Reparadora …..., é de €8.034,17, acrescido de IVA, respectivamente, na quantia de €1.847,86, no total de €9.882,03 (nove mil oitocentos e oitenta e dois euros e três cêntimos).”
xxiv.E bem assim, necessário à procedência da indemnização é a existência de dano, na esfera jurídica do Apelado, pelo que, a prova da existência deste último, com o conhecimento dos autos da efectiva reparação do veículo, apenas poderá ser concretizada, mediante a junção do recibo de pagamento, pelo Apelado;
xxv.Mal andando o tribunal a quo ao concluir pela existência de dano, à revelia do princípio geral da indemnização contido no artigo 564.º n.º 1 do Código Civil;
xxvi.Neste sentido, temos que, se absteve, uma vez mais, a sentença em crise, à revelia do artigo 615.º n.º 1 d) do CPC, de analisar matéria essencial à boa decisão a causa, como seja aquela que vem descrita no Requerimento enviado aos autos, pela Apelante, datado de 8 de Maio de 2015, acompanhado da junção de informação comercial acerca da empresa alegadamente responsável pela reparação do veículo do Apelado, “Auto Reparadora ……” ;
xxvii.Ora, tal matéria afigura-se relevante à conclusão pela existência de dupla indemnização na esfera jurídica do Apelado, na qualidade de “lesado” e sócio da empresa responsável pela reparação do veículo sua propriedade, não alcançando a Apelante, por esta via, da existência de dano, nos termos e para os efeitos constantes do artigo 564.º n.º 1 do Código Civil;
xxviii.Por último, igualmente neste ponto, padece a sentença, em crise, de grosseiro erro de julgamento, uma vez que, o alegado dano da privação do uso – na quantia de 6.750,00€ - apenas é imputável a este último, contribuindo o mesmo para o agravamento dos danos, pois que, sendo responsável pela reparação do veículo, tendo a mesma sido efectuada, directamente, por si, o protelamento da mesma, justificando o aluguer de viatura, apenas ao Apelado pode ser imputável.
xxix.Mas não consubstanciando tal pedido do que um verdadeiro abuso de direito, pois que, de acordo com a “normalidade social”, critério erigido pelo Tribunal a quo, não é defensável que o Apelado, com fundamento na necessidade de reparação de veículo – não efectuada por si alegadamente por ausência de meios económicos para tal – venha, ao invés, a proceder a aluguer de veículo pela quantia de 6.750,00€, quando o valor orçamentado da reparação é de €8.034,17, acrescido de IVA, respectivamente, na quantia de €1.847,86, no total de €9.882,03, ou seja, quantificando-se a diferença entre ambos os valores, em cerca de mil e poucos euros.
xxx.Mal andando o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, à revelia do principio geral da indemnização, contido nos artigos 562.º e 564.º do Código Civil.
                        
O Autor apresentou contra-alegações, em 26.10.2015, propugnando pela improcedência do recurso interposto e a confirmação da Sentença recorrida, por a mesma se encontrar devidamente fundamentada e conforme ao direito, e formulou as seguintes CONCLUSÕES:

i.Resulta fácil a conclusão de que, não só dos depoimentos prestados, como ainda da documentação junta aos autos pelo autor e nunca posta em crise pela Ré, o desfecho lógico dos presentes autos, seria aquele que se encontra vertido na douta sentença ora recorrida.
ii.É igualmente obrigatória a consagração em sede de conclusões, que toda a prova carreada para os autos, pelas partes, foi não só objecto de ponderada análise, conclusão que se afirma como forçosa, pela simples leitura da decisão, mas acima de tudo, que sobre cada um dos factos dados como provados ou não provados, recaiu sempre, tal como resulta do próprio texto da sentença ora recorrida, um juízo de valor devidamente fundamentado. Lembremos a tal título, e no que concerne à valoração feita pelo tribunal “a quo” sobre cada um dos depoimentos, que é o próprio tribunal quem nos dá nota de algumas imprecisões ou ambiguidades nos dois ditos depoimentos, (de Maria…. e Manuel ….) mas que, acto contínuo, deixa o tribunal igualmente claro, que tais depoimentos só foram valorados, na parte em que foram inequivocamente confirmados pelos demais meios de prova e pela experiência comum e normalidade social.
iii.Impõe-se-nos igualmente concluir, e no que respeita à dinâmica do sinistro, que contrariamente ao sustentado pela Recorrente, a prova feita em sede de julgamento, foi de molde a assegurar sem margem para dúvidas e tal resulta igualmente do texto da sentença ora recorrida, matérias como, local do sinistro, sua envolvência, sinalização ali existente, danos sofridos em cada um dos veículos, hora do evento e condições de visibilidade no local.
iv.De igual modo sustentamos, por referência a quanto se deixou vertido na presente Contra Alegação, que não consideramos que nenhuma matéria com relevo para a boa decisão da causa ficou por analisar, não partilhando portanto também nesta matéria da opinião da Recorrente, pelas razões  expostas na presente peça.
v.De igual modo não podemos concordar com a alegação da insuficiência de prova para sustentar a versão do sinistro dada pelo Autor, já que tal matéria foi profusamente abordada ao longo do processo, onde assumiu carácter de muito particular relevância, por razões óbvias, e com a mesma relevância é consagrada no texto da douta sentença recorrida.
vi.De igual modo e de novo discordando da posição da Recorrente, é nosso entendimento que o montante indemnizatório se encontra devidamente fundamentado na douta sentença recorrida, não só e como já atrás dito, por referência ao Princípio Geral da Obrigação de Indemnização Artº. 562º. Cod. Civil, como ainda por referência ao Princípio da Reposição Natural, que no caso o tribunal a quo considerou como não excessivamente onerosa para o devedor no capítulo 2 denominado “do Montante Indemnizatório Devido”, mais consagrando e num claro exercício de equilíbrio dos interesses em causa, que por um lado “ da análise do valor da reparação não se pode concluir por uma excessiva onerosidade da reconstituição natural para a Ré e, por outro lado, há que ponderar que, para além do valor comercial, os veículos automóveis apresentam um valor utilitário para o seu utilizador, que igualmente assume relevo económico, a adicionar ao valor comercial.”
 
O Tribunal a quo pronunciou-se, em 25.01.2016, sobre a arguição de nulidade da sentença deduzida pela ré/apelantes, nos seguintes termos:

É nossa convicção que a decisão recorrida não enferma das nulidades previstas  no  artigo  615º, n.º 1 do  Código  de Processo  Civil,  porquanto  o 
tribunal não deixou de se pronunciar fundamentadamente sobre todas as questões que deveria apreciar.
Inexiste, portanto, em nosso entender e salvo o devido respeito, qualquer nulidade na sentença proferida, que cumpra agora suprir, nos termos do disposto no artigo 617º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
 
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.
 
Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
 
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
 
i)DA NULIDADE DA SENTENÇA AO ABRIGO DO DISPOSTO NA ALÍNEA D) DO N.º 1 DO ARTIGO 615.º DO CPC   
ii)DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da  matéria de facto.            
                           
E, venha ou não a ser alterada a decisão de facto, ponderar sobre:   
iii)A VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA
ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS  
O que implica a análise:      
a)DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTO ILÍCITO 
por forma a apurar: 
 
-DA CULPA NA ECLOSÃO DO ACIDENTE EM CAUSA NOS AUTOS;     
-O CRITÉRIO DE CÁLCULO DOS DANOS SOFRIDOS PELO AUTOR
§Do quantum indemnizatório pelo dano patrimonial, designadamente no que concerne à privação de uso. 
***
 
III.FUNDAMENTAÇÃO.

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:
 
1.Consta do documento único automóvel que o Autor é proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Citroen, com a matrícula DD e é titular do respetivo certificado de matrícula.
2. No dia 17 de maio de 2012, pelas 22,00 horas, o Autor circulava pela Estrada ……. conduzindo o veículo referido em 1).
3. O Autor aproximava-se de um entroncamento, em frente do cemitério …….
4. Numa outra estrada precedente da Encosta ….., a qual desemboca no entroncamento referido em 3), circulava a viatura, de marca Renault, modelo Scenic, com a matrícula XN, conduzida por Maria……, residente na ……
5. Encimando a estrada referida em 4) e precedendo o entroncamento referido em 3), encontrava-se colocado um sinal de trânsito, indicando a aproximação de estrada com prioridade.
6. O Autor pretendia passar o entroncamento referido em 3) e seguir em frente, em direção à grande superfície ……
7. Quando o Autor se encontrava dentro do entroncamento referido em 3), surgiu a viatura referida em 4).
8. A condutora da viatura referida em 4) pretendia virar à sua esquerda.
9. No meio do entroncamento referido em 3), ocorreu uma colisão entre o veículo referido em 1) e o veículo referido em 4).
10. A estrada referida em 2) era ladeada por um canavial, que, relativamente ao sentido de marcha do veículo conduzido pelo Autor, se apresentava à sua direita.
11. A estrada referida em 4) era ladeada por um canavial, que, relativamente ao sentido de marcha do veículo referido em 4), se apresentava à sua esquerda.
12. O veículo referido em 1) sofreu danos, designadamente, na parte frontal direita, no capot e no pára-choques.
13. O pneu da parte da frente do lado direito do veículo referido em 1) sofreu um rasgão.
14. A jante da parte da frente do lado direito do veículo referido em 1) quebrou-se.
15. O descrito em 12), 13) e 14) ocorreu por força da colisão referida em 9).
16. O airbag do lado do condutor e o airbag do lado direito do veículo referido em 1) foram acionados, em virtude da colisão referida em 9).
17. O Autor e a Ré firmaram um acordo escrito, mediante o qual aquele transferiu para esta a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo referido em 1), titulado pela apólice n.º 21247080.
18. Maria ……. e a Ré firmaram um acordo escrito, mediante o qual aquela transferiu para esta a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo referido em 4), titulado pela apólice n.º 2703303.
19. O Autor endereçou à Ré, via fax, uma carta datada de 7 de agosto de 2012, cuja cópia se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte: “No âmbito da Norma Regulamentar n.º 7/2006-R, de 30 de Agosto, venho participar o sinistro ocorrido no dia 17 de Maio de 2012, que teve como interveniente o vosso segurado – Maria …… – Apólice 0002703303 – Veículo A – Renault Sénic – Matrícula XN, e, a minha pessoa – Paulo ….. – Apólice P 037/0021247080 – Veículo B – Citroen C4 – Matrícula DD. Na qualidade de Tomador da Apólice P 037/0021247080, da Companhia de Seguros ……, solicito a Reavaliação do Sinistro, com a urgência que o mesmo carece, e o ressarcir de todos os danos que me foram causados. O meu veículo encontra-se inutilizado, no parque da oficina “Auto-Reparadora …..”, o que, me obrigou a alugar uma viatura para deslocações desde a data do acidente inclusive. Venho por este meio solicitar Protecção Jurídica e Reconstituição do Acidente acima mencionado. (...)”.
20. A Ré efetuou, pelo menos, quatro contactos escritos com o Autor.
21. A Ré endereçou ao Autor uma carta, datada de 14 de junho de 2012, cuja cópia se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte: “Assunto: Comunicação da responsabilidade. (...) De acordo com o previsto no artigo 36º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, compete à empresa de seguros comunicar a assunção, ou não, da responsabilidade ao lesado e ao tomador de seguro, de modo a que as partes envolvidas possam tomar conhecimento do desenrolar do processo. Neste sentido, dado que, até ao momento, a responsabilidade não foi claramente determinada e que, segundo o previsto nos artigos 342º e 487º do Código Civil, compete a quem invoca um direito apresentar prova adequada que fundamente a sua pretensão vimos, no estrito cumprimento do estabelecido na lei, formalizar a nossa não assunção da responsabilidade. (...)”.
22. A Ré endereçou ao Autor uma carta, datada de 15 de junho de 2012, cuja cópia se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por  integralmente  reproduzido,  da  qual  consta,  além  do mais, o seguinte: “Assunto: Proposta condicional de perda parcial. (...) No seguimento da vistoria efectuada constatámos que a viatura de V.ª Ex.ª sofreu danos cuja reparação se torna excessivamente onerosa face ao seu valor de mercado antes do acidente.
Na situação em concreto, considerando o valor estimado para a reparação 9.882,03 na oficina Auto Rep ….., a melhor proposta de aquisição da sua viatura com danos (3 090€), bem como o seu valor de mercado antes do acidente (10950€), e embora ainda não nos seja possível assumir uma posição quanto a responsabilidades, propomos condicionalmente a quantia de 7860€ solicitando que nos remeta fotocópias do bilhete de identidade, cartão de contribuinte do proprietário e documentos da viatura. Na eventualidade de pretender comercializar o veículo sinistrado no estado em que ele se encontra, pelo valor de 3090€, indicamos desde já a entidade que deverá contactar: U… (...) (Alertamos que a proposta de aquisição termina no dia 2 de Agosto de 2012, pelo que a partir desta data não nos responsabilizamos pela redução deste valor.). Na hipótese de V.ª Ex.ª não pretender reparar o veículo nem o comercializar no estado em que ele se encontra, cumpre-nos adverti-lo para a obrigação de obter um certificado de destruição da viatura com vista aos cancelamentos da matrícula e do registo de propriedade de acordo com as disposições legais dos veículos em fim de vida.
(...)”.
23. A Ré endereçou ao Autor uma carta, datada de 23 de junho de 2012, cuja cópia se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte: “Assunto: Comunicação da responsabilidade. Serve a presente para informar V.ª Ex.ª que, após análise aos elementos que integram o nosso processo, concluímos que o mesmo não ocorreu conforme participado. Assim sendo, não é da nossa responsabilidade a regularização dos prejuízos reclamados. (...)”.
24. A Ré endereçou ao Autor uma carta, datada de 10 de julho de 2012, cuja cópia se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte: “Assunto: Sua reclamação de 5 de Julho de 2012 (...) Acusamos a receção da exposição apresentada por V. Exa., na data acima indicada, cujo conteúdo mereceu a nossa melhor atenção e apreciação. Na sequência da mesma, e após análise do objeto da reclamação apresentada, vimos pelo presente meio esclarecer que em 21 de Maio de 2012 foi recebida a Declaração Amigável de Acidente Automóvel e aberto respectivo processo de sinistro. No dia 22 de Maio de 2012 foi efectuado contato para marcação de peritagem aos danos da viatura, tendo a respetiva peritagem sido marcada para o dia 24 de Maio de 2012. Em sequência, e face à necessidade e obtenção de elementos que nos clarificassem de forma objetiva as circunstâncias que o sinistro em causa teria ocorrido, foram efectuadas diversas diligências por parte dos nossos serviços técnicos, tendo sido V. Exa. informado, através de comunicação datada de 14 de Junho de 2012, da não assunção de responsabilidade. Posteriormente, e após a conclusão de todas as diligências que se encontravam em curso, uma vez que constatámos que não ficou estabelecida a relação entre a participação efectuada e os danos reclamados e tendo sido concluído que o sinistro não ocorreu conforme participado, procedemos ao envio de comunicação para a morada de V. Exa., informando-o em conformidade. Por tudo o supra exposto, reiteramos a posição anteriormente comunicada a V. Exa., pelos motivos e fundamentos já invocados, não sendo da responsabilidade da presente Seguradora a regularização dos prejuízos reclamados. 
(...)”.
25. A reparação da viatura referida em 1), em estimativa feita na Auto Reparadora ….., é de € 9 882,03.
26. Em consequência do descrito em 9), o Autor alugou uma viatura de substituição desde 1 de junho de 2012 até 10 de setembro de 2012, a que correspondem as faturas/contratos n.º 03773, 03776 e 03779, passadas pela empresa …Rent, que se encontram junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
27. O aluguer da viatura de substituição referido em 26) teve o custo total de € 6 765,00, constante da fatura/recibo que se encontra junto a fls. 37 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
28. Antes do descrito em 9), o veículo referido em 1) foi avaliado em € 10 950,00.
29. Após o descrito em 9), o veículo referido em 1) com danos foi avaliado em € 3 090,00.
30. A condutora do veículo de matrícula XN não cedeu a passagem ao veículo de matrícula DD.
31. O descrito em 9) ocorreu por força do descrito em 30).
 
B-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
 
i)DA NULIDADE DA SENTENÇA AO ABRIGO DO DISPOSTO NA ALÍNEA D) DO N.º 1 DO ARTIGO 615.º DO CPC;
 
Qualquer acto jurisdicional, nomeadamente uma sentença ou mesmo um despacho, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração  e  estruturação  ou  contra  o  conteúdo  e  limites  do  poder à sombra do qual é decretado e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1 do novo Código de Processo Civil.
 
A este respeito, estipula-se no apontado normativo, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, aplicável aos despachos ex vi do artigo 613º nº 3  do mesmo diploma que:
“1-É nula a sentença: 
(…)
A recorrente visa imputar à sentença a nulidade decorrente da alínea d) do citado normativo, a qual se reconduz a um vício de conteúdo, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, III, 1980, 302 a 306, ou seja, vício que enferma a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam.
 
A nulidade  prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º, nº 1 do CPC terá de ser aferida tendo em consideração o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC.
                        
Não pode, na verdade, o Tribunal conhecer senão das questões suscitadas pelas partes, excepto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras, pelo que a referida nulidade tem de resultar da violação do referido dever.
 
As questões a que alude a alínea em apreciação, como bem esclarece A. VARELA, RLJ, Ano 122.º, pág. 112, embora reportado ao anterior regime processual civil, mas que nesta parte se mantém inalterável são “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”. 
 
Esclarece M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, 1997, 220 e 221, que está em causa “o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte)  o  que  significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões “.
 
Como escreve ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, Vol. V, 143, a propósito da omissão de pronúncia, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.
 
E, refere ainda ALBERTO DOS REIS, ob. cit., 54, a propósito do que deverá entender-se por “questões suscitadas pelas partes”, que “para caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir. 
Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir), ..., também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”. 
 
E, refere ainda ALBERTO DOS REIS que: “uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”. 

Salienta-se, por outro lado, no Ac. do STJ de 06.05.04 (Pº 04B1409), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt, a propósito da omissão de pronúncia, que “(...) terá o julgador que identificar, caso a caso, quais as questões que lhe foram postas e que deverá decidir. (....) E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou vice-versa, qualifica juridicamente mal uma determinada questão, aplica uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia ”.      
                                                
No caso em apreciação, invoca a apelante que a sentença padece da nulidade prevista na aludida alínea d) do citado normativo, visto entender que o Tribunal a quo não analisou a factualidade decorrente de um documento junto pela apelante, aquando da inquirição da testemunha José ….., documento esse contendo prints das páginas pessoais do facebook de intervenientes. 
 
Como resulta do que acima ficou dito, questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem. 
 
Apreciar e rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência ou a improcedência da acção, bem como a circunstância de lhes fazer, ou não, referência, não determina a nulidade da sentença por excesso ou omissão de pronúncia.
 
Ora, na sentença recorrida, o tribunal a quo, tendo em consideração   os   factos   que   entendeu   terem   sido   alegados   e   que considerou provados, aplicou o direito que julgou adequado e pertinente ao caso em apreciação, discorrendo sobre o pedido e a causa de pedir formulados na petição inicial, não se vislumbrando que se não haja conhecido de questões de que o Tribunal não poderia deixar de  conhecer.
 
Situação diversa da nulidade da sentença é a de saber se houve erro de julgamento, pois como se refere no Ac. do STJ de 21.05.2009 (Pº 692-A/2001.S1), acessível no supra citado sítio da Internet Se a questão é abordada mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, não “errore in procedendo”.
                        
E, no caso em apreciação, infere-se da alegação de recurso que a recorrente discorda é da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto.
 
O aludido vício de conteúdo a que se refere o artigo 615º, n.º 1, alínea d) do Código do Processo Civil, não se verifica, por conseguinte, na sentença recorrida, pelo que improcede o que, relativamente ao qualificado vício da sentença, consta das conclusões da alegação da apelante.
                        
Importa, então, apurar se há errore in judicando ou erro judicial, o que implica a análise das concretas questões suscitadas no recurso, designadamente tendo em consideração a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. 
***

ii) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da  matéria de facto         
                                
Os poderes do Tribunal da Relação, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, estão consagrados no artigo 662º do CPC, no qual se estatui:
 
1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2. A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
(…)
 
No que concerne ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelece o artigo 640ºdo CPC que:
1.Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
(…) 

A recorrente está em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente ao local do embate, à localização dos danos nos veículos, à dinâmica do sinistro, impugnando expressamente a factualidade constante dos nºs 2 a 9 e 15 da matéria provada, defendendo que a mesma deveria ser dada como não provada, e propugnado pela alteração da redacção dada ao nº 25 de matéria provada.
                        
Há, pois, que aferir da pertinência da alegação da apelante, ponderando se, in casu, se verifica a ausência da razoabilidade da respectiva decisão em face de todas as provas produzidas, conduzindo necessariamente à modificabilidade da decisão de facto.
 
Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Exma. Juíza do Tribunal a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto directo com a prova testemunhal que, em regra, melhor possibilita ao julgador a percepção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.
 
Há, pois, que atentar na prova gravada e na supra referida ponderação, por forma a concluir se a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância é, ou não, merecedora de reparos. 
 
-Vejamos:
 
Consta do nº 2 dos Factos dados como Provados:
No dia 17 de maio de 2012, pelas 22,00 horas, o Autor circulava pela Estrada ……, conduzindo o veículo referido em 1).
Consta do nº 3 dos Factos dados como Provados:
O Autor aproximava-se de um entroncamento, em frente do cemitério …... 
Consta do nº 4 dos Factos dados como Provados:
Numa outra estrada precedente da Encosta …., a qual desemboca no entroncamento referido em 3), circulava a viatura, de marca Renault, modelo Scenic, com a matrícula XN, conduzida por Maria ……, residente na ……..
Consta do nº 5 dos Factos dados como Provados:
Encimando a estrada referida em 4) e precedendo o entroncamento referido em 3), encontrava-se colocado um sinal de trânsito, indicando a aproximação de estrada com prioridade.
Consta do nº 6 dos Factos dados como Provados:
O Autor pretendia passar o entroncamento referido em 3) e seguir em frente, em direção à grande superfície ……
Consta do nº 7 dos Factos dados como Provados:
Quando o Autor se encontrava dentro do entroncamento referido em 3), surgiu a viatura referida em 4).
Consta do nº 8 dos Factos dados como Provados:
A condutora da viatura referida em 4) pretendia virar à sua esquerda.
Consta do nº 9 dos Factos dados como Provados:
No meio do entroncamento referido em 3), ocorreu uma colisão entre o veículo referido em 1) e o veículo referido em 4).
Consta do nº 15 dos Factos dados como Provados:
O descrito em 12), 13) e 14) ocorreu por força da colisão referida em 9).
Consta do nº 25 dos Factos dados como Provados:
A reparação da viatura referida em 1), em estimativa feita na Auto Reparadora ….. é de € 9 882,03.
 
Fundamentou a Exma. Juíza do Tribunal a quo, da seguinte forma a decisão sobre a matéria de facto: 
(…)

Foram inquiridas à matéria aqui em apreciação, todas as testemunhas arroladas, quer pelo autor (Manuel …., Vitor …..), quer pelo réu (Maria ……, Alves …. e Jorge …..).
 
Defende, em suma, a apelante, que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova, no que concerne ao depoimento da testemunha por si arrolada, M.L.P.Gonçalves, e também quanto ao depoimento de R.M.R.Sequeira, desvalorizando-se o depoimento da testemunha Jorge ….., por si indicada.
 
Importa, então, analisar os depoimentos prestados em audiência, indicados pelo recorrente como relevantes, a propósito da matéria de facto aqui em causa, em confronto com a restante prova produzida, designadamente documental, para verificar se a factualidade impugnada deveria merecer decisão em consonância com o preconizado pela apelante, ou se, ao invés, a mesma não merece censura, atenta a fundamentação aduzida pela Exma. Juíza do Tribunal a quo.
 
De todo o modo, é sempre relevante relembrar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.
 
De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.
 
Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do NCPC (artigo 655.º do anterior CPC) o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg.
 
A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436. 
                                   
É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.
  
Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente. 
 
Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (Pº 1156/2002.L1.S1).
 
No caso vertente, e face ao teor dos depoimentos das testemunhas ouvidas, globalmente analisado e ponderado, entende-se, tendo em conta as considerações antes aduzidas, que não há como alterar a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, no que concerne à factualidade impugnada.
 
Senão vejamos, 
 
A versão mais detalhada sobre a ocorrência do acidente e suas consequências, e que consta da matéria dada como provada, foi transmitida pelo autor, nas declarações de parte que prestou, efectuando, é certo, um depoimento credível, objectivo, plausível e sereno.
 
Esclareceu o autor, em pormenor, qual o local e as circunstâncias em que ocorreu a colisão, os danos verificados na sua viatura, as insistências junto da ré seguradora com vista à resolução do caso, a necessidade que teve de alugar uma viatura de substituição da sinistrada, cujo pagamento foi efectuando faseadamente, tal como sucedeu com a reparação do veículo.
 
Ora, como é sabido, a prova por declarações de parte, surgiu com a entrada em vigor do actual CPC - Lei 41/2013, de 26 de Junho - estando previsto no artigo 466º.
 
Na Exposição de Motivos do diploma esclareceu-se que, agora se prevê “a   possibilidade de  prestarem  declarações  em  audiência as próprias  partes, quando  face  à  natureza  pessoal  dos  factos a  averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão”.

O novo meio probatório corresponde ao acolhimento da possibilidade de a parte se pronunciar, a requerimento próprio, sobre factos que lhe são favoráveis, com intencionalidade probatória, restrita porém a factos de directa e pessoal intervenção da parte ou do seu directo conhecimento.
 
Assim, o actual CPC, a par do depoimento de parte, consagrou a possibilidade de as próprias partes tomarem a iniciativa de prestação de declarações, ainda que com carácter facultativo, na medida em que é a própria parte que se oferece para depor, requerendo a prestação de declarações.
 
A natureza supletiva da prova por declarações de parte é salientada por PAULO PIMENTA, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, 257 ao referir que será um meio a que as partes recorrerão “nos casos em que, face à natureza pessoal dos factos a averiguar, pressintam que os outros meios probatórios usados não terão sido bastantes para assegurar o convencimento do juiz”.
 
Sobre o valor probatório das declarações de parte, o n.º 3 do artigo 466º do CPC esclarece que “O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”.
 
Não obstante as declarações de parte possam ser livremente apreciadas pelo julgador, como decorre da lei, admite-se que as mesmas denotam, em regra, uma insuficiência probatória ou fraca fiabilidade.
 
A este propósito referem PAULO RAMOS DE FARIA E ANA LUÍSA LOUREIRO,  Primeiras  Notas  ao  Código  de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, 2.ª ed., 2014, 395 que “A experiência sugere que a fiabilidade das declarações em benefício próprio é reduzida. Por esta razão, compreende-se que se recuse ao depoimento não confessório força para, desacompanhado de qualquer outra prova, permitir a demonstração do facto favorável ao depoente.” 
 
Mas, embora se concorde que em relação a factos que são favoráveis à procedência da acção, o juiz não pode ficar convencido apenas com o relato efectuado pela própria parte, interessada na procedência da acção, que presta declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas, a verdade é que, no caso vertente, a descrição do acidente foi corroborada, nos aspectos mais significativos, pelas restantes testemunhas do autor e pela testemunha da ré, condutora do outro veículo interveniente no acidente, que prestaram depoimentos plausíveis.
 
A testemunha Manuel ….. que seguia na sua viatura e passou no local da colisão, pouco depois da ocorrência do mesmo, uma vez que seguia para o Bairro ….. no mesmo sentido que o autor, embora fosse de noite, parou por momentos para saber se os ocupantes dos veículos se tinham aleijado. Viu depois que era o veículo do autor, que é seu amigo (Citroen cinzento – C4), tendo-lhe este dito que a situação estava controlada. Verificou que o veículo do autor se encontrava bastante batido na parte da frente do lado direito, tendo com ele falado por pouco tempo, e nem sequer saiu da sua viatura. 
 
Esclareceu a testemunha, porque conhecedora do local, já que, ao tempo, por ali passava frequentemente, a configuração da via ligeiramente curva e do entroncamento, das características da via por onde circulava a condutora do outro veículo interveniente na colisão (rua ingreme, em sentido ascendente para quem se dirige ao entroncamento). 
 
Salientou que a estrada é escura, que ele circulava sempre com  os  máximos  ligados  e  que  é  uma  zona com mutos canaviais que impedem a visibilidade, tendo confirmado as fotografias que sobre o local do acidente constam dos autos.
 
Confirmou a testemunha, confrontada com as fotografias constantes nos autos, nomeadamente a de fls. 110, ser esse o local do acidente, que era a Encosta ….
 
Igualmente a testemunha do autor, Vitor ….., empregado na oficina de que o autor é sócio, deu contributos no sentido de elucidar a configuração do local onde se deu o embate, melhor esclarecendo as fotografias existentes nos autos, confirmando também o referido, a este propósito pelo autor nas suas declarações.
 
Por seu turno, a testemunha Maria ……, confirmou ser a condutora do outro veículo interveniente que colidiu com o veículo do autor. Esclareceu que ao tempo da ocorrência do acidente não conhecia aquele local e que continua a não conhecer, mas que pensava ser na Serra da …... 
 
Referiu que seguia numa rua a subir que pretendia virar à esquerda no entroncamento ali existente e que, a anteceder o mesmo, existia um sinal de perda de prioridade. Como não havia muita visibilidade, convencida que não vinha nenhum veículo avançou muito lentamente para o entroncamento, para passar a circular por uma via que tinha uma ligeira curva e só se recordava que, no momento, “já tinha um carro em cima” e que o veículo que conduzia ficou embatido na frente do lado esquerdo.
 
Esclareceu ainda que na altura ficou extremamente nervosa e assustada e telefonou ao seu companheiro, e foi este que tratou de preencher a declaração amigável, ela confirmou que o acidente se tinha dado como consta do croqui e depois assinou a dita declaração.
 
Esclareceu também que era de noite, havia pouca visibilidade, e no local existiam umas ervas, mas não poderia precisar se seria um canavial. Seguia com as luzes ligadas, provavelmente os médios, e que o embate ocorreu já depois do sinal de perda de prioridade existente na rua por onde circulava e que subia para o dito entroncamento.
 
A testemunha do autor, Vitor ….., mostrou-se igualmente conhecedora do local onde se deu o acidente e, quanto aos danos decorrentes da colisão, a testemunha confirmou ter visto o veículo do autor após o acidente, posto que o mesmo foi levado para a oficina onde trabalha. Os danos eram avultados na parte da frente direita, na suspensão, nas rodas, na jante e nos amortecedores, tendo ambos os airbags disparado.
 
Corroborou esta testemunha, no respectivo depoimento, no essencial, as declarações do autor que admitiu que o veículo foi reparado na oficina de que é sócio e que a reparação foi sendo efectuada ao longo de vários meses. A testemunha também afirmou saber que o autor havia alugado um veículo durante algum tempo, que não soube precisar, porquanto o autor não poderia passar sem ter uma viatura.
 
A discriminação dos danos existentes no veículo foi efectuada pelo perito da ré seguradora, a testemunha Alves, tendo sido elaborado um orçamento para reparação do veículo, no valor de € 9.882,03. A testemunha confirmou o que consta dos documentos de fls. 63 a 76, admitindo que o veículo poderia ser reparado, mas que tal não era economicamente viável, esclarecendo, assim, a razão pela qual, a fls. 74, se menciona “Perda Parcial”. E, nas pesquisas que fez em sites da internet da especialidade apenas encontrou um veículo idêntico, cujo valor era de dez mil e tal euros, que confirmou ser o que consta do documento de fls. 75-76.
 
O valor orçamentado pelo perito da ré seguradora é precisamente aquele que consta da factura elaborada pela sociedade Auto Reparadora …., de que o autor é sócio (docs. fls. 14, 166 a 168) – v. nº 25 da decisão de facto.
Esclareceu ainda a testemunha nada saber sobre a forma como ocorreu o sinistro, estando convencido que, na altura, teve acesso à declaração amigável e que, atento o montante em causa, teve de enviar o caso para os serviços respectivos da seguradora (triagem de aplicação).
 
E, se é certo que conforme decorre do artigo 346º do Código Civil, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos, circunstância que no caso em análise não sucedeu.
 
É que, muito embora a testemunha, José ….., empregado da ré, responsável pelo sector de avaliações, haja confirmado que a seguradora recusou a responsabilidade do sinistro, por o mesmo não ter ocorrido como foi participado, como resulta das cartas enviadas pela ré seguradora ao autor e constantes de fls. 45 e 46, a verdade é que não foram avançados dados suficientemente concretos para pôr em causa a versão do acidente decorrente, quer das declarações do autor, quer dos depoimentos das testemunhas acima identificadas, sendo certo que nem sequer foi a referida testemunha quem efectuou as diligências que denominou de “investigação de campo”.
 
Limitou-se, a testemunha, de forma por demais categórica e assertiva, a afirmar que da sua experiência os danos verificados no veículo do autor não poderiam resultar da “alegada colisão” e que era o lesado quem devia provar. Colocou em causa as fotografias junto aos autos, por  desconhecer  onde  foram  tiradas. Que no local não foram avistados vestígios, tendo afirmado, posteriormente, que os peritos foram ao local 15 dias após o acidente. Tão pouco qualquer referência foi efectuada pela testemunha, comparativamente com os danos sofridos pelo veículo da segurada da ré.
 
Lançou, porém, a testemunha suspeitas acerca de uma eventual relação de amizade entre o companheiro da condutora do outro veículo interveniente no acidente, a testemunha Maria …… (cuja identidade nunca foi aventada ou referida durante todo o julgamento e que, portanto, o Tribunal desconhece), fazendo juntar um “print” que disse ser do Facebook (docs. fls. 145 a 147), afirmando que “P.Marques” será “amigo facebookiano” de “P.Gonçalves”.
 
Ora, como é bom de ver, daquele denominado “print”, que nem sequer se sabe, se e quando, terá sido extraído, nenhuma contraprova dele poderá decorrer susceptível de infirmar, ou sequer colocar em dúvida, a prova produzida em julgamento e constante da decisão de facto proferida pela 1ª instância, devidamente fundamentada.
 
Assim sendo, entende-se que nada permite afastar a convicção criada no espírito do julgador do tribunal recorrido, convicção essa que não é merecedora de qualquer reparo, porque perfeitamente adequada à prova produzida, corroborando-se a fundamentação efectuada pela Exma. Juíza do Tribunal a quo, na decisão sobre a matéria de facto, assente no depoimento das testemunhas ali enumeradas que foram merecedores de credibilidade, tal como o atestou o Tribunal a quo, entendimento com o qual se concorda.
 
Será, portanto, de manter a decisão de facto, mormente os Nºs 2 a 9, 15 e 25, tal como foi decidido na 1ª instância, pelo que improcede tudo o que, em adverso, consta da alegação de recurso da ré/apelante.
 
E, improcedendo a pretensão da apelante, no que concerne à alteração da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se a mesma inalterável, importa analisar as restantes questões invocadas no recurso da ré.
 
ii.DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTO ILÍCITO 
   por forma a apurar: 
-DA CULPA NA ECLOSÃO DO ACIDENTE EM CAUSA NOS AUTOS;     
-O CRITÉRIO DE CÁLCULO DOS DANOS SOFRIDOS PELO AUTOR
§Do quantum indemnizatório pelo dano patrimonial, designadamente no que concerne à privação de uso.
 
Fundamentou o autor o seu pedido de indemnização por danos que para si advieram, decorrentes de um acidente de viação que imputa ao condutor do outro veículo interveniente do acidente, cuja responsabilidade civil por danos se encontrava transferida para ré.
 
Como é sabido, face ao pedido formulado, necessário se torna que exista um facto voluntário, ilícito, imputável ao lesante. Exige-se ainda que dessa violação sobrevenha dano e, que entre o facto praticado pelo lesante e o dano sofrido se verifique nexo de causalidade, de modo a poder afirmar-se que o dano resulta da violação.
                        
No caso vertente, ficou provado que no dia 17.05.2012 ocorreu uma colisão entre o veículo matrícula DD, pertencente ao autor e o veículo matrícula XN, conduzido por Maria ….., a qual se introduziu na via por onde circulava o veículo do autor, que era uma via prioritária, visto no local por onde provinha o veículo XN existir um sinal de trânsito, indicando a aproximação de estrada com prioridade - v. Nºs 1 a 11 da Fundamentação de Facto.
 
Está, pois, verificada a ilicitude do facto voluntário praticado pela condutora do veículo matrícula 88-35-XN, traduzida na violação de norma estradal consignada no Código da Estrada vigente à data dos factos – Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de maio, sucessivamente alterado, pelos Decretos-Leis nºs 2/98, de 3.01, 265-A/2001, de 28.09, Lei nº 20/2002, de 21.08, Decretos-Leis nºs 44/2005, de 23.02, 113/2008, de 01.07, 113/2009, de 18.05, 78/2009 de 13.08, Lei n.º 46/2010, de 07.09 e Decretos-Leis n.ºs 82/2011, de 20.06 e 138/2012, de 05.07 - consistente na não observância da regra contida no artigo 29º, nº 1, sendo certo que o sinal de cedência de passagem B1 indica aproximação de estrada com prioridade, o que significa que o condutor deve ceder a passagem a rodos os veículos que circulem na via de que se aproxima (v. artigos 7º e 21º do Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 1.10.1998).
 
Por outro lado, estando em causa, como está, a omissão de regras ou cautelas de que a lei procura rodear certa actividade perigosa, como é a da circulação rodoviária e mecânica, bem como a ausência de uma perícia e destreza mínimas, absolutamente necessárias a essa actividade - v. DARIO MARTINS DE ALMEIDA, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 1980, 73 - concomitantemente, com a circunstância de se mostrar igualmente provada a culpa do lesante, traduzida na conduta da condutora do veículo matrícula XN, em face da concreta situação em causa, não se pode deixar de se concluir que a mesma é merecedora de reprovação ou da censura do direito, posto que poderia e deveria ter agido de outro modo.
Fez pois, o autor, prova da culpa do autor da lesão - como lhe incumbia, nos termos dos artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1, ambos do Código Civil – e nenhuma conduta violadora das regras estradais se demonstrou ter sido praticada pelo autor.
 
Acresce que se verificaram danos no veículo pertencente ao autor, os quais foram causa directa do facto ilícito e culposo praticado pela condutora do veículo matrícula 88-35.XN – v. Nºs 9 e 30 da Fundamentação de Facto. 
 
E, como resulta do disposto do artigo 562º do Cód. Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. E, segundo o disposto no artigo 563º do CC “A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, ali se consagrando a teoria da causalidade adequada.  
 
Ademais, o dever de indemnizar compreende o prejuízo causado e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, e ainda os danos futuros, desde que previsíveis e determináveis, conforme resulta do disposto no artigo 564º, nºs 1 e 2 do mesmo Código, sendo a indemnização fixada em dinheiro, sempre que a restituição natural não seja possível e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data, se não existissem os danos - v. artigo 566º, nº 1 do C.C. 
 
Tendo em consideração toda a prova produzida e o disposto nos aludidos preceitos do Código Civil, a ré para a qual foi transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, emergentes de acidente de viação, relativamente ao veículo matrícula ...-...-XN – v. Nº 18 da Fundamentação de Facto – será responsável pelos prejuízos de natureza patrimonial que advieram para o autor, com a reparação do seu veículo, no montante de € 9.882,03 – v. Nº 25 da Fundamentação de Facto – montante coincidente com o que havia sido anteriormente orçamentado pela própria ré seguradora, inexistindo qualquer dupla indemnização, como a ré invoca na sua apelação, pela circunstância de a reparação ter sido realizada na oficina pertencente à sociedade de que o autor é sócio.

Coloca igualmente a apelante em causa a demonstração da ocorrência de danos, relativamente ao aluguer, pelo autor, de uma viatura de substituição, conforme resulta do nº 27 dos Factos Provados.
 
Esta questão pressupõe a ponderação sobre a problemática da reparabilidade do dano da privação do uso, cuja solução não tem sido unívoca, quer na doutrina, quer na jurisprudência, com maior incidência a propósito da responsabilidade civil automóvel. 
 
A clivagem jurisprudencial, não se limita à qualificação da natureza do dano de privação do uso, como dano não patrimonial ou patrimonial, já que mesmo quando se aceita a sua natureza patrimonial, existe dissensão.

É que, para uma corrente de opinião, basta, para que seja reparável, a demonstração do não uso do bem atingido, uma vez que a indemnização é quase co-natural a essa mesma privação, defendendo-se que a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização, constituindo ainda a opção pelo não uso uma manifestação dos poderes do proprietário, também afectado pela privação do uso – v. a propósito ANTÓNIO S. ABRANTES GERALDES, Temas da Responsabilidade Civil – Indemnização do dano da privação do uso, 2.ª Edição, Almedina.

Também para LUÍS M. T. DE MENEZES LEITÃO,  Direito das Obrigações, Volume I, 4.ª Edição, 317 “o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano”.

Considerou-se, designadamente, no acórdão do STJ de 12.01.2010 (Pº 314/06.6TBCSC.S1), que: “O proprietário privado por terceiro do uso de uma coisa tem, por esse simples facto e independentemente da prova cabal da perda de rendimentos que com ela obteria, direito a ser indemnizado por essa privação, indemnização essa a suportar por quem leva a cabo a privação em causa. A privação do uso do veículo constitui um dano indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado (art. 62.º da CRP) – Cfr. em idêntico sentido Acs. STJ de 28.09.2011 (Pº 2511/07.8TACSC.L2.S1) e de 06.05.2008 (Pº 08A1279), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
 
Para outra corrente jurisprudencial, é insuficiente essa demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial.
 
Defende-se no Acórdão do STJ de 18.11.2008 (Pº 08B2732), no mesmo sítio da internet que: “A mera privação do uso de um imóvel, decorrente de ocupação ilícita, por ofensiva do direito de propriedade do reivindicante (artº 1305º nº1 do CC), não confere a este, sem mais, direito a indemnização em «quantum» correspondente ao do apurado valor locativo daquele, ou outro, mesmo apelando às regras da equidade, ao autor, antes, sopesados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que pretende efectivar e o exarado nos artºs 342º nº1, 483º nº1, 487º, 562º a 564º e 566º, todos do CC, cumprindo alegar e provar facticidade donde ressaltem danos consectários da mora na restituição da coisa sua pertença.

É certo que já se defendeu na jurisprudência do STJ que:

-A privação injustificada do uso de uma coisa pode constituir um ilícito susceptível de gerar obrigação de indemnizar, uma vez que, na normalidade dos casos, impedirá o respectivo proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, impedindo-o de usar a coisa, de fruir as utilidades que ela normalmente lhe proporcionaria e de dela dispor como melhor lhe aprouver, violando o seu direito de propriedade (…). Competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver ressarcido, não chega alegar e provar a privação da coisa, pura e simplesmente, mostrando-se ainda necessário que o autor alegue e demonstre que pretendia usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou algumas delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela actuação ilícita do lesante (Ac. de 16.03.2011 (Pº 3922/07.2TBVCT.G1.S1), ou, 
 
-A privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, de usar, fruir e dispor do bem, nos termos genericamente consentidos pelo art. 1305.º do CC. Não é suficiente, todavia, a simples privação em si mesma: torna-se necessário que o lesado alegue e prove que a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real – concreto e efectivo –  de proceder à sua utilização. A privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano correspondente a essa realidade de facto - Ac.de 03.05.2011 (Pº 2618/08.6TBOVR.P1), acessíveis em www.dgsi.pt
 
Entende-se, todavia, que a privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, é lícito ao proprietário gozar, i.e., o uso e fruição da coisa. 
 
A supressão dessa faculdade, impedindo o proprietário de extrair do bem todas as suas utilidades constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação – v. Acs. R.L. de 12.10.2006 (Pº 6600/2006-6) e de 15.12.2011 (Pº 1470/09.4TCNT-L1-8) e Ac. R.P. de 13.10.2009 (Pº <a href="https://acordao.pt/decisoes/145085" target="_blank">3570/05.3TBVNG.P1</a>), e ainda Ac.R.L. de 11.10.2012 (Pº 3525/09.9TBCSC.L1 – de que foi relatora a ora relatora), todos acessíveis em www.dgsi.pt.
 
Ou, como se entendeu no Ac. R.L. de 21.05.2009 (Pº 1252/08.3TBFUN.L1) acessível no sítio da internet www.dgsi.pt e, também, na Colectânea de Jurisprudência, ano XXXIV, tomo III, pág. 78 e seguintes, de que a ora relatora foi ali 1ª adjunta, a mera privação do uso do veículo constitui para o respectivo proprietário um dano patrimonial, que é economicamente valorizável, se necessário com recurso à equidade (art.º 566.º n.º 3 do Código Civil).
 
No caso vertente, provado ficou que em consequência do acidente aqui em causa, o autor alugou uma viatura de substituição - v. Nºs 26 e 27 da Fundamentação de Facto.
 
Assim sendo, o autor têm direito, como se ajuizou na sentença recorrida, ao pagamento do montante relativo á reparação da viatura, e bem assim ao ressarcimento do dano consubstanciado na forçada privação da viatura, consistente no aluguer de uma viatura de substituição durante cerca de três meses. E, não se diga que o autor agravou os danos protelando a reparação do veículo.
 
É que, o acidente ocorreu em 17.05.2012, as negociações com a ré seguradora goraram-se em Julho de 2012, pelo que se afigura razoável o período do aluguer do veículo, atenta a gravidade dos danos e o tempo de duração da respectiva reparação, período esse que só não se prolongou por mais tempo porque o autor decidiu efectuar, ele próprio, essa reparação da viatura, face à recusa da ré em assumir a responsabilidade pelos danos decorrentes do acidente imputável ao seu segurado.
 
Destarte, improcede a apelação, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
 
A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Novo Código de Processo.
 
IV.-DECISÃO.
 
Pelo exposto, acordam os Juízes desta ...ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Condena-se a apelante no pagamento das custas respectivas.


 
Lisboa, 13 de Outubro de 2016


Ondina Carmo Alves – Relatora   
Pedro Martins 
Lúcia Sousa

Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa. I.RELATÓRIO: PAULO ….., residente ……., intentou, em 23.01.2013, contra SEGUROS ….., com sede na ……, acção declarativa sob a forma de processo comum ordinário, através da qual pede a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 9 882,03, referente ao valor estimado ao momento do sinistro para a reparação da sua viatura, e a quantia de € 6 750,00, referente a aluguer da viatura de substituição. Fundamentou o autor, no essencial, esta sua pretensão da seguinte forma: 1.No dia 17 de maio de 2012, pelas 22,00 horas, na Estrada ……, ocorreu um acidente de viação, em que foram interveniente o veículo de matrícula DD, propriedade do Autor e por este conduzido, e o veículo de matrícula XN, conduzido por Maria …..; 2.O referido acidente de viação ocorreu por culpa desta condutora, que não respeitou o sinal de aproximação de via com proximidade, infringindo as regras estradais; 3.Em virtude de tal conduta, o Autor sofreu danos patrimoniais que pretende ver ressarcidos. Citada, a ré apresentou contestação, em 07.05.2013, invocando a ilegitimidade do autor, e impugnou os factos alegados na petição inicial.   Notificado, o autor apresentou articulado de réplica, em 13.05.2013, respondendo à excepção invocada. Levada a efeito a audiência prévia, em 02.03.2015, na qual foi proferido o despacho saneador no âmbito do qual foi julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa invocada pela ré. Foi identificado o objecto do litígio e enunciados os Temas da Prova. Foi levada a efeito a audiência final, em 15.04.2015, 28.04.2015 e 12.05.2015, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 25.06.2015, constando do Dispositivo da Sentença o seguinte: Pelo exposto, nos termos das disposições legais supra citadas, julgo totalmente procedente, por provada, a presente ação declarativa de condenação instaurada por Paulo ….. contra a Companhia de Seguros …... e, em consequência: - Condeno a Ré a pagar ao Autor a quantia total de € 16 632,03, sendo o montante de € 9 882,03 referente ao valor da reparação da viatura e o montante de € 6 750,00  referente às despesas com o aluguer da viatura de substituição. Custas da ação a cargo da Ré (artigo 527º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil). Registe e notifique. Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs recurso de apelação, em 23.09.2015, relativamente à sentença prolatada. São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente: i.Vem a Apelante recorrer da decisão vertida na sentença a fls… dos autos, que deu como integralmente provada a dinâmica do sinistro na versão do Apelado, com fundamento no erro de julgamento da matéria de facto dos autos e aplicação do direito a esses mesmo factos; ii.Assim, contrariamente à posição do Tribunal a quo, entende a Apelante que as contradições evidentes nos depoimentos prestados, aliadas à demais informação carreada aos autos, impõem que seja dada como não provada a versão do sinistro, tal como alegada pelo Apelado, em sede de Petição Inicial. iii.De facto, com todo o respeito e consideração pelo Tribunal, mais não faz a sentença em crise do que tábua rasa da prova produzida nos autos, abstendo-se de valorar a factualidade carreada, ou valorando-a, sem que se descortine da razão da sua valoração. iv.Pois que, contrariamente ao entendimento do Tribunal, à prova da ocorrência de um sinistro, imperioso se revela a prova da sua aleatoriedade, a qual resultou frustrada. v.Neste sentido, e previamente, não alcança a Apelante da fundamentação almejada na sentença, em crise, no que concerne à prova da factualidade atinente à dinâmica do sinistro, ancorada nos depoimentos das testemunhas Maria ….. e Manuel ….., quando, na mesma sentença é feita expressa referência a “ambiguidades” e “imprecisões” decorrentes dos mesmos, não alcançando a aqui Apelante da relevância da restante prova produzida, nem da aplicação do critério da “normalidade social”; vi.Deste modo, a conclusão pela existência de “ambiguidades” e “imprecisões”, decorrentes dos depoimentos das referidas testemunhas, impunha que fosse dada como não provada a matéria vii.Concretizando, a testemunha Maria ….., alegada condutora do veículo seguro na aqui Apelante e, como tal, interveniente directo no sinistro - prestou um depoimento vago e impreciso, não conseguindo descrever o sinistro, tudo se passando como se não tivesse intervindo no mesmo; viii.O mesmo se diga do depoimento da testemunha Manuel …., não alcançando a Apelante da fundamentação para a valoração do seu depoimento no que à dinâmica do sinistro concerne, pois que, pela mesma testemunha foi afirmado, aquando da sua inquirição, não ter presenciado o sinistro, apenas tendo chegado, alegadamente, ao local do embate, após a eclosão deste último, conclusão que vem expressa, em conformidade, na sentença, em crise; ix.Bem como, no que respeita à demais factualidade atinente à ocorrência do sinistro, como seja o local do embate e da localização dos danos, entende a Apelante que a prova da factualidade alegada aos autos, pelo Apelado, resultou frustrada. x.Neste preciso ponto, não pode a Apelante deixar de manifestar a sua tamanha perplexidade, porquanto a alegada condutora do veículo seguro, Maria ….. não soube descrever o local onde ocorrera o sinistro ou, ainda que assim fosse, fornecer qualquer pista que contribuísse para a sua caracterização, nem tão pouco se lembrara a razão pela qual se encontrava aí a circular, no dia e hora, do sinistro, não se alcançando, igualmente, neste ponto, da conclusão almejada pelo Tribunal a quo no sentido de que a testemunha em apreço “soube descrever as características do local”; xi.De igual modo, no que concerne à localização dos danos nos veículos, a referida testemunha afirmou não se recordar do local do embate do veículo do Apelado, mas apenas, e tão só, do local do embate no seu veículo; xii.Neste preciso ponto, a testemunha Manuel …. efetuou, de igual modo, um depoimento incapaz de dar como provada a matéria atinente à localização dos danos nos veículos, uma vez que, pese embora tenha afirmado, inicialmente, que os danos localizar-se-iam do lado direito do veículo do Apelado, não soube precisar a posição final dos veículos, por si observada, após o alegado embate; xiii.Não obstante, certo é que, não pode deixar de causar estranheza que a testemunha não se recorde da posição final dos veículos, porquanto, uma vez afirmado que estaria a circular na mesma estrada e direcção do Apelado, e tendo avistado os veículos com danos, ter-se-ia, certamente, que se desviar da estrada, onde estaria o veículo do Apelado parado, após o embate; xiv.Sendo certo que, posteriormente, no decurso da inquirição da aludida testemunha, quando confrontada com o facto de não ter saído do carro, veio a mesma a afirmar não ter visto os danos no veículo do Apelado; xv.Neste sentido, assume relevância a factualidade atinente às averiguações encetadas pela Apelante, tendo como responsável a testemunha desta última, José ….., cujo depoimento foi desvalorizado pelo Tribunal a quo, porquanto “revelou não ter qualquer conhecimento directo”; xvi.Ora, olvida o Tribunal a quo, sempre com todo o respeito e consideração que, pese embora a testemunha não tenha conhecimento directo do sinistro, tem conhecimento directo de factualidade acessória ao mesmo, essencial à prova deste último; xvii.Em concreto, afigura-se essencial à boa decisão da causa em apreço, as conclusões almejadas pelo gabinete de peritagens da Apelante, com as premissas trazidas aos autos, no sentido da ausência de nexo de causalidade entre o sinistro relatado e os danos no veículo do Apelado; conhecimento demonstrado entre o Apelado e o marido da condutora do veículo seguro na Apelante; ausência de vestígios do sinistro, no local indicado para a ocorrência do mesmo; xviii.Ora, para prova do conhecimento dos intervenientes foi junto, pela Apelante, no decurso da inquirição da testemunha José …., documento contendo prints das páginas pessoais do facebook dos intervenientes, factualidade que o Tribunal se absteu de analisar, encontrando-se a sentença, nessa parte, inquinada de nulidade, nos termos e para os efeitos constantes do artigo 615.º n.º 1 d) do CPC; xix.Por tudo o exposto, concluiu-se que a prova produzida foi insuficiente para ver demonstrada a versão do sinistro, tal como alegada aos autos pelo Apelado e sufragada pelo mesmo em sede de declarações de parte, cujo valor probatório, conforme jurisprudência na matéria, na ausência de outros elementos de prova, no mesmo sentido, revela-se insuficiente para dar como provada dada realidade; xx.Assim, deverá ser dada como não provada, ao invés, a factualidade constante dos artigos 2.º a 9.º da matéria de facto provada, correspondente à prova do requisito de ilicitude, nos termos e para os efeitos constantes do artigo 483.º do Código Civil e, bem assim e consequentemente, deverá, igualmente, sucumbir a prova do nexo de causalidade entre o facto ilícito (uma vez frustrada a prova do mesmo) e do dano, por via da falência de prova da factualidade contida no artigo 15.º da matéria de facto provada, que deverá incluir-se, por sua vez, no elenco dos factos não provados; xxi.Mal andando o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, à revelia do artigo 413.º do CPC; xxii.Por último, no que concerne aos danos, obejcto de indemnização nos autos, entende a Apelante que a sentença em crise traduz uma deficiente aplicação do direito, aos factos. xxiii.Assim, no que respeita à quantificação do valor dos danos, temos que, analisada a prova constante dos autos – em concreto Doc.1 junto com a Contestação – o valor constante do artigo 26.º do elenco dos factos provados, é um valor acrescido de IVA, o qual não corresponde ao valor orçamentado, devendo, ser alterada a redacção do aludido artigo, em conformidade: “26 – A reparação da viatura referida em 1), em estimativa feita na Auto Reparadora …..., é de €8.034,17, acrescido de IVA, respectivamente, na quantia de €1.847,86, no total de €9.882,03 (nove mil oitocentos e oitenta e dois euros e três cêntimos).” xxiv.E bem assim, necessário à procedência da indemnização é a existência de dano, na esfera jurídica do Apelado, pelo que, a prova da existência deste último, com o conhecimento dos autos da efectiva reparação do veículo, apenas poderá ser concretizada, mediante a junção do recibo de pagamento, pelo Apelado; xxv.Mal andando o tribunal a quo ao concluir pela existência de dano, à revelia do princípio geral da indemnização contido no artigo 564.º n.º 1 do Código Civil; xxvi.Neste sentido, temos que, se absteve, uma vez mais, a sentença em crise, à revelia do artigo 615.º n.º 1 d) do CPC, de analisar matéria essencial à boa decisão a causa, como seja aquela que vem descrita no Requerimento enviado aos autos, pela Apelante, datado de 8 de Maio de 2015, acompanhado da junção de informação comercial acerca da empresa alegadamente responsável pela reparação do veículo do Apelado, “Auto Reparadora ……” ; xxvii.Ora, tal matéria afigura-se relevante à conclusão pela existência de dupla indemnização na esfera jurídica do Apelado, na qualidade de “lesado” e sócio da empresa responsável pela reparação do veículo sua propriedade, não alcançando a Apelante, por esta via, da existência de dano, nos termos e para os efeitos constantes do artigo 564.º n.º 1 do Código Civil; xxviii.Por último, igualmente neste ponto, padece a sentença, em crise, de grosseiro erro de julgamento, uma vez que, o alegado dano da privação do uso – na quantia de 6.750,00€ - apenas é imputável a este último, contribuindo o mesmo para o agravamento dos danos, pois que, sendo responsável pela reparação do veículo, tendo a mesma sido efectuada, directamente, por si, o protelamento da mesma, justificando o aluguer de viatura, apenas ao Apelado pode ser imputável. xxix.Mas não consubstanciando tal pedido do que um verdadeiro abuso de direito, pois que, de acordo com a “normalidade social”, critério erigido pelo Tribunal a quo, não é defensável que o Apelado, com fundamento na necessidade de reparação de veículo – não efectuada por si alegadamente por ausência de meios económicos para tal – venha, ao invés, a proceder a aluguer de veículo pela quantia de 6.750,00€, quando o valor orçamentado da reparação é de €8.034,17, acrescido de IVA, respectivamente, na quantia de €1.847,86, no total de €9.882,03, ou seja, quantificando-se a diferença entre ambos os valores, em cerca de mil e poucos euros. xxx.Mal andando o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, à revelia do principio geral da indemnização, contido nos artigos 562.º e 564.º do Código Civil.                         O Autor apresentou contra-alegações, em 26.10.2015, propugnando pela improcedência do recurso interposto e a confirmação da Sentença recorrida, por a mesma se encontrar devidamente fundamentada e conforme ao direito, e formulou as seguintes CONCLUSÕES: i.Resulta fácil a conclusão de que, não só dos depoimentos prestados, como ainda da documentação junta aos autos pelo autor e nunca posta em crise pela Ré, o desfecho lógico dos presentes autos, seria aquele que se encontra vertido na douta sentença ora recorrida. ii.É igualmente obrigatória a consagração em sede de conclusões, que toda a prova carreada para os autos, pelas partes, foi não só objecto de ponderada análise, conclusão que se afirma como forçosa, pela simples leitura da decisão, mas acima de tudo, que sobre cada um dos factos dados como provados ou não provados, recaiu sempre, tal como resulta do próprio texto da sentença ora recorrida, um juízo de valor devidamente fundamentado. Lembremos a tal título, e no que concerne à valoração feita pelo tribunal “a quo” sobre cada um dos depoimentos, que é o próprio tribunal quem nos dá nota de algumas imprecisões ou ambiguidades nos dois ditos depoimentos, (de Maria…. e Manuel ….) mas que, acto contínuo, deixa o tribunal igualmente claro, que tais depoimentos só foram valorados, na parte em que foram inequivocamente confirmados pelos demais meios de prova e pela experiência comum e normalidade social. iii.Impõe-se-nos igualmente concluir, e no que respeita à dinâmica do sinistro, que contrariamente ao sustentado pela Recorrente, a prova feita em sede de julgamento, foi de molde a assegurar sem margem para dúvidas e tal resulta igualmente do texto da sentença ora recorrida, matérias como, local do sinistro, sua envolvência, sinalização ali existente, danos sofridos em cada um dos veículos, hora do evento e condições de visibilidade no local. iv.De igual modo sustentamos, por referência a quanto se deixou vertido na presente Contra Alegação, que não consideramos que nenhuma matéria com relevo para a boa decisão da causa ficou por analisar, não partilhando portanto também nesta matéria da opinião da Recorrente, pelas razões  expostas na presente peça. v.De igual modo não podemos concordar com a alegação da insuficiência de prova para sustentar a versão do sinistro dada pelo Autor, já que tal matéria foi profusamente abordada ao longo do processo, onde assumiu carácter de muito particular relevância, por razões óbvias, e com a mesma relevância é consagrada no texto da douta sentença recorrida. vi.De igual modo e de novo discordando da posição da Recorrente, é nosso entendimento que o montante indemnizatório se encontra devidamente fundamentado na douta sentença recorrida, não só e como já atrás dito, por referência ao Princípio Geral da Obrigação de Indemnização Artº. 562º. Cod. Civil, como ainda por referência ao Princípio da Reposição Natural, que no caso o tribunal a quo considerou como não excessivamente onerosa para o devedor no capítulo 2 denominado “do Montante Indemnizatório Devido”, mais consagrando e num claro exercício de equilíbrio dos interesses em causa, que por um lado “ da análise do valor da reparação não se pode concluir por uma excessiva onerosidade da reconstituição natural para a Ré e, por outro lado, há que ponderar que, para além do valor comercial, os veículos automóveis apresentam um valor utilitário para o seu utilizador, que igualmente assume relevo económico, a adicionar ao valor comercial.” O Tribunal a quo pronunciou-se, em 25.01.2016, sobre a arguição de nulidade da sentença deduzida pela ré/apelantes, nos seguintes termos: É nossa convicção que a decisão recorrida não enferma das nulidades previstas  no  artigo  615º, n.º 1 do  Código  de Processo  Civil,  porquanto  o tribunal não deixou de se pronunciar fundamentadamente sobre todas as questões que deveria apreciar. Inexiste, portanto, em nosso entender e salvo o devido respeito, qualquer nulidade na sentença proferida, que cumpra agora suprir, nos termos do disposto no artigo 617º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II.ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO. Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões: i)DA NULIDADE DA SENTENÇA AO ABRIGO DO DISPOSTO NA ALÍNEA D) DO N.º 1 DO ARTIGO 615.º DO CPC   ii)DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da  matéria de facto.                                        E, venha ou não a ser alterada a decisão de facto, ponderar sobre:   iii)A VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS  O que implica a análise:      a)DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTO ILÍCITO por forma a apurar: -DA CULPA NA ECLOSÃO DO ACIDENTE EM CAUSA NOS AUTOS;     -O CRITÉRIO DE CÁLCULO DOS DANOS SOFRIDOS PELO AUTOR §Do quantum indemnizatório pelo dano patrimonial, designadamente no que concerne à privação de uso. *** III.FUNDAMENTAÇÃO. A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO. Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte: 1.Consta do documento único automóvel que o Autor é proprietário do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Citroen, com a matrícula DD e é titular do respetivo certificado de matrícula. 2. No dia 17 de maio de 2012, pelas 22,00 horas, o Autor circulava pela Estrada ……. conduzindo o veículo referido em 1). 3. O Autor aproximava-se de um entroncamento, em frente do cemitério ……. 4. Numa outra estrada precedente da Encosta ….., a qual desemboca no entroncamento referido em 3), circulava a viatura, de marca Renault, modelo Scenic, com a matrícula XN, conduzida por Maria……, residente na …… 5. Encimando a estrada referida em 4) e precedendo o entroncamento referido em 3), encontrava-se colocado um sinal de trânsito, indicando a aproximação de estrada com prioridade. 6. O Autor pretendia passar o entroncamento referido em 3) e seguir em frente, em direção à grande superfície …… 7. Quando o Autor se encontrava dentro do entroncamento referido em 3), surgiu a viatura referida em 4). 8. A condutora da viatura referida em 4) pretendia virar à sua esquerda. 9. No meio do entroncamento referido em 3), ocorreu uma colisão entre o veículo referido em 1) e o veículo referido em 4). 10. A estrada referida em 2) era ladeada por um canavial, que, relativamente ao sentido de marcha do veículo conduzido pelo Autor, se apresentava à sua direita. 11. A estrada referida em 4) era ladeada por um canavial, que, relativamente ao sentido de marcha do veículo referido em 4), se apresentava à sua esquerda. 12. O veículo referido em 1) sofreu danos, designadamente, na parte frontal direita, no capot e no pára-choques. 13. O pneu da parte da frente do lado direito do veículo referido em 1) sofreu um rasgão. 14. A jante da parte da frente do lado direito do veículo referido em 1) quebrou-se. 15. O descrito em 12), 13) e 14) ocorreu por força da colisão referida em 9). 16. O airbag do lado do condutor e o airbag do lado direito do veículo referido em 1) foram acionados, em virtude da colisão referida em 9). 17. O Autor e a Ré firmaram um acordo escrito, mediante o qual aquele transferiu para esta a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo referido em 1), titulado pela apólice n.º 21247080. 18. Maria ……. e a Ré firmaram um acordo escrito, mediante o qual aquela transferiu para esta a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo referido em 4), titulado pela apólice n.º 2703303. 19. O Autor endereçou à Ré, via fax, uma carta datada de 7 de agosto de 2012, cuja cópia se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte: “No âmbito da Norma Regulamentar n.º 7/2006-R, de 30 de Agosto, venho participar o sinistro ocorrido no dia 17 de Maio de 2012, que teve como interveniente o vosso segurado – Maria …… – Apólice 0002703303 – Veículo A – Renault Sénic – Matrícula XN, e, a minha pessoa – Paulo ….. – Apólice P 037/0021247080 – Veículo B – Citroen C4 – Matrícula DD. Na qualidade de Tomador da Apólice P 037/0021247080, da Companhia de Seguros ……, solicito a Reavaliação do Sinistro, com a urgência que o mesmo carece, e o ressarcir de todos os danos que me foram causados. O meu veículo encontra-se inutilizado, no parque da oficina “Auto-Reparadora …..”, o que, me obrigou a alugar uma viatura para deslocações desde a data do acidente inclusive. Venho por este meio solicitar Protecção Jurídica e Reconstituição do Acidente acima mencionado. (...)”. 20. A Ré efetuou, pelo menos, quatro contactos escritos com o Autor. 21. A Ré endereçou ao Autor uma carta, datada de 14 de junho de 2012, cuja cópia se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte: “Assunto: Comunicação da responsabilidade. (...) De acordo com o previsto no artigo 36º, alínea e), do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, compete à empresa de seguros comunicar a assunção, ou não, da responsabilidade ao lesado e ao tomador de seguro, de modo a que as partes envolvidas possam tomar conhecimento do desenrolar do processo. Neste sentido, dado que, até ao momento, a responsabilidade não foi claramente determinada e que, segundo o previsto nos artigos 342º e 487º do Código Civil, compete a quem invoca um direito apresentar prova adequada que fundamente a sua pretensão vimos, no estrito cumprimento do estabelecido na lei, formalizar a nossa não assunção da responsabilidade. (...)”. 22. A Ré endereçou ao Autor uma carta, datada de 15 de junho de 2012, cuja cópia se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por  integralmente  reproduzido,  da  qual  consta,  além  do mais, o seguinte: “Assunto: Proposta condicional de perda parcial. (...) No seguimento da vistoria efectuada constatámos que a viatura de V.ª Ex.ª sofreu danos cuja reparação se torna excessivamente onerosa face ao seu valor de mercado antes do acidente. Na situação em concreto, considerando o valor estimado para a reparação 9.882,03 na oficina Auto Rep ….., a melhor proposta de aquisição da sua viatura com danos (3 090€), bem como o seu valor de mercado antes do acidente (10950€), e embora ainda não nos seja possível assumir uma posição quanto a responsabilidades, propomos condicionalmente a quantia de 7860€ solicitando que nos remeta fotocópias do bilhete de identidade, cartão de contribuinte do proprietário e documentos da viatura. Na eventualidade de pretender comercializar o veículo sinistrado no estado em que ele se encontra, pelo valor de 3090€, indicamos desde já a entidade que deverá contactar: U… (...) (Alertamos que a proposta de aquisição termina no dia 2 de Agosto de 2012, pelo que a partir desta data não nos responsabilizamos pela redução deste valor.). Na hipótese de V.ª Ex.ª não pretender reparar o veículo nem o comercializar no estado em que ele se encontra, cumpre-nos adverti-lo para a obrigação de obter um certificado de destruição da viatura com vista aos cancelamentos da matrícula e do registo de propriedade de acordo com as disposições legais dos veículos em fim de vida. (...)”. 23. A Ré endereçou ao Autor uma carta, datada de 23 de junho de 2012, cuja cópia se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte: “Assunto: Comunicação da responsabilidade. Serve a presente para informar V.ª Ex.ª que, após análise aos elementos que integram o nosso processo, concluímos que o mesmo não ocorreu conforme participado. Assim sendo, não é da nossa responsabilidade a regularização dos prejuízos reclamados. (...)”. 24. A Ré endereçou ao Autor uma carta, datada de 10 de julho de 2012, cuja cópia se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte: “Assunto: Sua reclamação de 5 de Julho de 2012 (...) Acusamos a receção da exposição apresentada por V. Exa., na data acima indicada, cujo conteúdo mereceu a nossa melhor atenção e apreciação. Na sequência da mesma, e após análise do objeto da reclamação apresentada, vimos pelo presente meio esclarecer que em 21 de Maio de 2012 foi recebida a Declaração Amigável de Acidente Automóvel e aberto respectivo processo de sinistro. No dia 22 de Maio de 2012 foi efectuado contato para marcação de peritagem aos danos da viatura, tendo a respetiva peritagem sido marcada para o dia 24 de Maio de 2012. Em sequência, e face à necessidade e obtenção de elementos que nos clarificassem de forma objetiva as circunstâncias que o sinistro em causa teria ocorrido, foram efectuadas diversas diligências por parte dos nossos serviços técnicos, tendo sido V. Exa. informado, através de comunicação datada de 14 de Junho de 2012, da não assunção de responsabilidade. Posteriormente, e após a conclusão de todas as diligências que se encontravam em curso, uma vez que constatámos que não ficou estabelecida a relação entre a participação efectuada e os danos reclamados e tendo sido concluído que o sinistro não ocorreu conforme participado, procedemos ao envio de comunicação para a morada de V. Exa., informando-o em conformidade. Por tudo o supra exposto, reiteramos a posição anteriormente comunicada a V. Exa., pelos motivos e fundamentos já invocados, não sendo da responsabilidade da presente Seguradora a regularização dos prejuízos reclamados. (...)”. 25. A reparação da viatura referida em 1), em estimativa feita na Auto Reparadora ….., é de € 9 882,03. 26. Em consequência do descrito em 9), o Autor alugou uma viatura de substituição desde 1 de junho de 2012 até 10 de setembro de 2012, a que correspondem as faturas/contratos n.º 03773, 03776 e 03779, passadas pela empresa …Rent, que se encontram junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 27. O aluguer da viatura de substituição referido em 26) teve o custo total de € 6 765,00, constante da fatura/recibo que se encontra junto a fls. 37 dos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. 28. Antes do descrito em 9), o veículo referido em 1) foi avaliado em € 10 950,00. 29. Após o descrito em 9), o veículo referido em 1) com danos foi avaliado em € 3 090,00. 30. A condutora do veículo de matrícula XN não cedeu a passagem ao veículo de matrícula DD. 31. O descrito em 9) ocorreu por força do descrito em 30). B-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO. i)DA NULIDADE DA SENTENÇA AO ABRIGO DO DISPOSTO NA ALÍNEA D) DO N.º 1 DO ARTIGO 615.º DO CPC;   Qualquer acto jurisdicional, nomeadamente uma sentença ou mesmo um despacho, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração  e  estruturação  ou  contra  o  conteúdo  e  limites  do  poder à sombra do qual é decretado e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1 do novo Código de Processo Civil. A este respeito, estipula-se no apontado normativo, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, aplicável aos despachos ex vi do artigo 613º nº 3  do mesmo diploma que: “1-É nula a sentença: (…) A recorrente visa imputar à sentença a nulidade decorrente da alínea d) do citado normativo, a qual se reconduz a um vício de conteúdo, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, III, 1980, 302 a 306, ou seja, vício que enferma a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam. A nulidade  prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º, nº 1 do CPC terá de ser aferida tendo em consideração o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC.                         Não pode, na verdade, o Tribunal conhecer senão das questões suscitadas pelas partes, excepto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras, pelo que a referida nulidade tem de resultar da violação do referido dever. As questões a que alude a alínea em apreciação, como bem esclarece A. VARELA, RLJ, Ano 122.º, pág. 112, embora reportado ao anterior regime processual civil, mas que nesta parte se mantém inalterável são “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”. Esclarece M. TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o novo Processo Civil, Lex, 1997, 220 e 221, que está em causa “o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (art. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte)  o  que  significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões “. Como escreve ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, Vol. V, 143, a propósito da omissão de pronúncia, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”. E, refere ainda ALBERTO DOS REIS, ob. cit., 54, a propósito do que deverá entender-se por “questões suscitadas pelas partes”, que “para caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir. Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir), ..., também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”. E, refere ainda ALBERTO DOS REIS que: “uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”. Salienta-se, por outro lado, no Ac. do STJ de 06.05.04 (Pº 04B1409), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt, a propósito da omissão de pronúncia, que “(...) terá o julgador que identificar, caso a caso, quais as questões que lhe foram postas e que deverá decidir. (....) E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou vice-versa, qualifica juridicamente mal uma determinada questão, aplica uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia ”.                                                       No caso em apreciação, invoca a apelante que a sentença padece da nulidade prevista na aludida alínea d) do citado normativo, visto entender que o Tribunal a quo não analisou a factualidade decorrente de um documento junto pela apelante, aquando da inquirição da testemunha José ….., documento esse contendo prints das páginas pessoais do facebook de intervenientes. Como resulta do que acima ficou dito, questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem. Apreciar e rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência ou a improcedência da acção, bem como a circunstância de lhes fazer, ou não, referência, não determina a nulidade da sentença por excesso ou omissão de pronúncia.   Ora, na sentença recorrida, o tribunal a quo, tendo em consideração   os   factos   que   entendeu   terem   sido   alegados   e   que considerou provados, aplicou o direito que julgou adequado e pertinente ao caso em apreciação, discorrendo sobre o pedido e a causa de pedir formulados na petição inicial, não se vislumbrando que se não haja conhecido de questões de que o Tribunal não poderia deixar de  conhecer. Situação diversa da nulidade da sentença é a de saber se houve erro de julgamento, pois como se refere no Ac. do STJ de 21.05.2009 (Pº 692-A/2001.S1), acessível no supra citado sítio da Internet Se a questão é abordada mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, não “errore in procedendo”.                         E, no caso em apreciação, infere-se da alegação de recurso que a recorrente discorda é da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto. O aludido vício de conteúdo a que se refere o artigo 615º, n.º 1, alínea d) do Código do Processo Civil, não se verifica, por conseguinte, na sentença recorrida, pelo que improcede o que, relativamente ao qualificado vício da sentença, consta das conclusões da alegação da apelante.                         Importa, então, apurar se há errore in judicando ou erro judicial, o que implica a análise das concretas questões suscitadas no recurso, designadamente tendo em consideração a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. *** ii) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da impugnação da  matéria de facto                                         Os poderes do Tribunal da Relação, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, estão consagrados no artigo 662º do CPC, no qual se estatui: 1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. 2. A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: (…) No que concerne ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelece o artigo 640ºdo CPC que: 1.Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: (…) A recorrente está em desacordo com a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente ao local do embate, à localização dos danos nos veículos, à dinâmica do sinistro, impugnando expressamente a factualidade constante dos nºs 2 a 9 e 15 da matéria provada, defendendo que a mesma deveria ser dada como não provada, e propugnado pela alteração da redacção dada ao nº 25 de matéria provada.                         Há, pois, que aferir da pertinência da alegação da apelante, ponderando se, in casu, se verifica a ausência da razoabilidade da respectiva decisão em face de todas as provas produzidas, conduzindo necessariamente à modificabilidade da decisão de facto. Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Exma. Juíza do Tribunal a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto directo com a prova testemunhal que, em regra, melhor possibilita ao julgador a percepção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas. Há, pois, que atentar na prova gravada e na supra referida ponderação, por forma a concluir se a convicção criada no espírito do julgador de 1ª instância é, ou não, merecedora de reparos. -Vejamos: Consta do nº 2 dos Factos dados como Provados: No dia 17 de maio de 2012, pelas 22,00 horas, o Autor circulava pela Estrada ……, conduzindo o veículo referido em 1). Consta do nº 3 dos Factos dados como Provados: O Autor aproximava-se de um entroncamento, em frente do cemitério …... Consta do nº 4 dos Factos dados como Provados: Numa outra estrada precedente da Encosta …., a qual desemboca no entroncamento referido em 3), circulava a viatura, de marca Renault, modelo Scenic, com a matrícula XN, conduzida por Maria ……, residente na …….. Consta do nº 5 dos Factos dados como Provados: Encimando a estrada referida em 4) e precedendo o entroncamento referido em 3), encontrava-se colocado um sinal de trânsito, indicando a aproximação de estrada com prioridade. Consta do nº 6 dos Factos dados como Provados: O Autor pretendia passar o entroncamento referido em 3) e seguir em frente, em direção à grande superfície …… Consta do nº 7 dos Factos dados como Provados: Quando o Autor se encontrava dentro do entroncamento referido em 3), surgiu a viatura referida em 4). Consta do nº 8 dos Factos dados como Provados: A condutora da viatura referida em 4) pretendia virar à sua esquerda. Consta do nº 9 dos Factos dados como Provados: No meio do entroncamento referido em 3), ocorreu uma colisão entre o veículo referido em 1) e o veículo referido em 4). Consta do nº 15 dos Factos dados como Provados: O descrito em 12), 13) e 14) ocorreu por força da colisão referida em 9). Consta do nº 25 dos Factos dados como Provados: A reparação da viatura referida em 1), em estimativa feita na Auto Reparadora ….. é de € 9 882,03. Fundamentou a Exma. Juíza do Tribunal a quo, da seguinte forma a decisão sobre a matéria de facto: (…) Foram inquiridas à matéria aqui em apreciação, todas as testemunhas arroladas, quer pelo autor (Manuel …., Vitor …..), quer pelo réu (Maria ……, Alves …. e Jorge …..). Defende, em suma, a apelante, que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova, no que concerne ao depoimento da testemunha por si arrolada, M.L.P.Gonçalves, e também quanto ao depoimento de R.M.R.Sequeira, desvalorizando-se o depoimento da testemunha Jorge ….., por si indicada. Importa, então, analisar os depoimentos prestados em audiência, indicados pelo recorrente como relevantes, a propósito da matéria de facto aqui em causa, em confronto com a restante prova produzida, designadamente documental, para verificar se a factualidade impugnada deveria merecer decisão em consonância com o preconizado pela apelante, ou se, ao invés, a mesma não merece censura, atenta a fundamentação aduzida pela Exma. Juíza do Tribunal a quo. De todo o modo, é sempre relevante relembrar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual, o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a Lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial. De harmonia com este princípio, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais. Nos termos do disposto, especificamente, no artigo 396.º do C.C. e do princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5 do NCPC (artigo 655.º do anterior CPC) o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência – v. sobre o conteúdo e limites deste princípio, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, A livre apreciação da prova em processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), 115 e seg. A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada – cfr. a este propósito ANTUNES VARELA, MIGUEL BEZERRA E SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 435-436.                                    É certo que, com a prova de um facto, não se pode obter a absoluta certeza da verificação desse facto, atenta a precariedade dos meios de conhecimento da realidade. Mas, para convencer o julgador, em face das circunstâncias concretas, e das regras de experiência, basta um elevado grau da sua veracidade ou, ao menos, que essa realidade seja mais provável que a ausência dela.   Ademais, há que considerar que a reapreciação da matéria de facto visa apreciar pontos concretos da matéria de facto, por regra, com base em determinados depoimentos que são indicados pelo recorrente. Porém, a convicção probatória, sendo um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implica a valoração de todo o acervo probatório a que o tribunal recorrido teve acesso – v. neste sentido, Ac. STJ de 24.01.2012 (Pº 1156/2002.L1.S1). No caso vertente, e face ao teor dos depoimentos das testemunhas ouvidas, globalmente analisado e ponderado, entende-se, tendo em conta as considerações antes aduzidas, que não há como alterar a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, no que concerne à factualidade impugnada. Senão vejamos, A versão mais detalhada sobre a ocorrência do acidente e suas consequências, e que consta da matéria dada como provada, foi transmitida pelo autor, nas declarações de parte que prestou, efectuando, é certo, um depoimento credível, objectivo, plausível e sereno. Esclareceu o autor, em pormenor, qual o local e as circunstâncias em que ocorreu a colisão, os danos verificados na sua viatura, as insistências junto da ré seguradora com vista à resolução do caso, a necessidade que teve de alugar uma viatura de substituição da sinistrada, cujo pagamento foi efectuando faseadamente, tal como sucedeu com a reparação do veículo. Ora, como é sabido, a prova por declarações de parte, surgiu com a entrada em vigor do actual CPC - Lei 41/2013, de 26 de Junho - estando previsto no artigo 466º. Na Exposição de Motivos do diploma esclareceu-se que, agora se prevê “a   possibilidade de  prestarem  declarações  em  audiência as próprias  partes, quando  face  à  natureza  pessoal  dos  factos a  averiguar tal diligência se justifique, as quais são livremente valoradas pelo juiz, na parte em que não representem confissão”. O novo meio probatório corresponde ao acolhimento da possibilidade de a parte se pronunciar, a requerimento próprio, sobre factos que lhe são favoráveis, com intencionalidade probatória, restrita porém a factos de directa e pessoal intervenção da parte ou do seu directo conhecimento. Assim, o actual CPC, a par do depoimento de parte, consagrou a possibilidade de as próprias partes tomarem a iniciativa de prestação de declarações, ainda que com carácter facultativo, na medida em que é a própria parte que se oferece para depor, requerendo a prestação de declarações. A natureza supletiva da prova por declarações de parte é salientada por PAULO PIMENTA, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, 257 ao referir que será um meio a que as partes recorrerão “nos casos em que, face à natureza pessoal dos factos a averiguar, pressintam que os outros meios probatórios usados não terão sido bastantes para assegurar o convencimento do juiz”. Sobre o valor probatório das declarações de parte, o n.º 3 do artigo 466º do CPC esclarece que “O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão”. Não obstante as declarações de parte possam ser livremente apreciadas pelo julgador, como decorre da lei, admite-se que as mesmas denotam, em regra, uma insuficiência probatória ou fraca fiabilidade. A este propósito referem PAULO RAMOS DE FARIA E ANA LUÍSA LOUREIRO,  Primeiras  Notas  ao  Código  de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, 2.ª ed., 2014, 395 que “A experiência sugere que a fiabilidade das declarações em benefício próprio é reduzida. Por esta razão, compreende-se que se recuse ao depoimento não confessório força para, desacompanhado de qualquer outra prova, permitir a demonstração do facto favorável ao depoente.” Mas, embora se concorde que em relação a factos que são favoráveis à procedência da acção, o juiz não pode ficar convencido apenas com o relato efectuado pela própria parte, interessada na procedência da acção, que presta declarações como parte, se não houver um mínimo de corroboração de outras provas, a verdade é que, no caso vertente, a descrição do acidente foi corroborada, nos aspectos mais significativos, pelas restantes testemunhas do autor e pela testemunha da ré, condutora do outro veículo interveniente no acidente, que prestaram depoimentos plausíveis. A testemunha Manuel ….. que seguia na sua viatura e passou no local da colisão, pouco depois da ocorrência do mesmo, uma vez que seguia para o Bairro ….. no mesmo sentido que o autor, embora fosse de noite, parou por momentos para saber se os ocupantes dos veículos se tinham aleijado. Viu depois que era o veículo do autor, que é seu amigo (Citroen cinzento – C4), tendo-lhe este dito que a situação estava controlada. Verificou que o veículo do autor se encontrava bastante batido na parte da frente do lado direito, tendo com ele falado por pouco tempo, e nem sequer saiu da sua viatura. Esclareceu a testemunha, porque conhecedora do local, já que, ao tempo, por ali passava frequentemente, a configuração da via ligeiramente curva e do entroncamento, das características da via por onde circulava a condutora do outro veículo interveniente na colisão (rua ingreme, em sentido ascendente para quem se dirige ao entroncamento). Salientou que a estrada é escura, que ele circulava sempre com  os  máximos  ligados  e  que  é  uma  zona com mutos canaviais que impedem a visibilidade, tendo confirmado as fotografias que sobre o local do acidente constam dos autos. Confirmou a testemunha, confrontada com as fotografias constantes nos autos, nomeadamente a de fls. 110, ser esse o local do acidente, que era a Encosta …. Igualmente a testemunha do autor, Vitor ….., empregado na oficina de que o autor é sócio, deu contributos no sentido de elucidar a configuração do local onde se deu o embate, melhor esclarecendo as fotografias existentes nos autos, confirmando também o referido, a este propósito pelo autor nas suas declarações. Por seu turno, a testemunha Maria ……, confirmou ser a condutora do outro veículo interveniente que colidiu com o veículo do autor. Esclareceu que ao tempo da ocorrência do acidente não conhecia aquele local e que continua a não conhecer, mas que pensava ser na Serra da …... Referiu que seguia numa rua a subir que pretendia virar à esquerda no entroncamento ali existente e que, a anteceder o mesmo, existia um sinal de perda de prioridade. Como não havia muita visibilidade, convencida que não vinha nenhum veículo avançou muito lentamente para o entroncamento, para passar a circular por uma via que tinha uma ligeira curva e só se recordava que, no momento, “já tinha um carro em cima” e que o veículo que conduzia ficou embatido na frente do lado esquerdo. Esclareceu ainda que na altura ficou extremamente nervosa e assustada e telefonou ao seu companheiro, e foi este que tratou de preencher a declaração amigável, ela confirmou que o acidente se tinha dado como consta do croqui e depois assinou a dita declaração.   Esclareceu também que era de noite, havia pouca visibilidade, e no local existiam umas ervas, mas não poderia precisar se seria um canavial. Seguia com as luzes ligadas, provavelmente os médios, e que o embate ocorreu já depois do sinal de perda de prioridade existente na rua por onde circulava e que subia para o dito entroncamento. A testemunha do autor, Vitor ….., mostrou-se igualmente conhecedora do local onde se deu o acidente e, quanto aos danos decorrentes da colisão, a testemunha confirmou ter visto o veículo do autor após o acidente, posto que o mesmo foi levado para a oficina onde trabalha. Os danos eram avultados na parte da frente direita, na suspensão, nas rodas, na jante e nos amortecedores, tendo ambos os airbags disparado. Corroborou esta testemunha, no respectivo depoimento, no essencial, as declarações do autor que admitiu que o veículo foi reparado na oficina de que é sócio e que a reparação foi sendo efectuada ao longo de vários meses. A testemunha também afirmou saber que o autor havia alugado um veículo durante algum tempo, que não soube precisar, porquanto o autor não poderia passar sem ter uma viatura. A discriminação dos danos existentes no veículo foi efectuada pelo perito da ré seguradora, a testemunha Alves, tendo sido elaborado um orçamento para reparação do veículo, no valor de € 9.882,03. A testemunha confirmou o que consta dos documentos de fls. 63 a 76, admitindo que o veículo poderia ser reparado, mas que tal não era economicamente viável, esclarecendo, assim, a razão pela qual, a fls. 74, se menciona “Perda Parcial”. E, nas pesquisas que fez em sites da internet da especialidade apenas encontrou um veículo idêntico, cujo valor era de dez mil e tal euros, que confirmou ser o que consta do documento de fls. 75-76. O valor orçamentado pelo perito da ré seguradora é precisamente aquele que consta da factura elaborada pela sociedade Auto Reparadora …., de que o autor é sócio (docs. fls. 14, 166 a 168) – v. nº 25 da decisão de facto. Esclareceu ainda a testemunha nada saber sobre a forma como ocorreu o sinistro, estando convencido que, na altura, teve acesso à declaração amigável e que, atento o montante em causa, teve de enviar o caso para os serviços respectivos da seguradora (triagem de aplicação). E, se é certo que conforme decorre do artigo 346º do Código Civil, à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório, pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torná-los duvidosos, circunstância que no caso em análise não sucedeu. É que, muito embora a testemunha, José ….., empregado da ré, responsável pelo sector de avaliações, haja confirmado que a seguradora recusou a responsabilidade do sinistro, por o mesmo não ter ocorrido como foi participado, como resulta das cartas enviadas pela ré seguradora ao autor e constantes de fls. 45 e 46, a verdade é que não foram avançados dados suficientemente concretos para pôr em causa a versão do acidente decorrente, quer das declarações do autor, quer dos depoimentos das testemunhas acima identificadas, sendo certo que nem sequer foi a referida testemunha quem efectuou as diligências que denominou de “investigação de campo”. Limitou-se, a testemunha, de forma por demais categórica e assertiva, a afirmar que da sua experiência os danos verificados no veículo do autor não poderiam resultar da “alegada colisão” e que era o lesado quem devia provar. Colocou em causa as fotografias junto aos autos, por  desconhecer  onde  foram  tiradas. Que no local não foram avistados vestígios, tendo afirmado, posteriormente, que os peritos foram ao local 15 dias após o acidente. Tão pouco qualquer referência foi efectuada pela testemunha, comparativamente com os danos sofridos pelo veículo da segurada da ré. Lançou, porém, a testemunha suspeitas acerca de uma eventual relação de amizade entre o companheiro da condutora do outro veículo interveniente no acidente, a testemunha Maria …… (cuja identidade nunca foi aventada ou referida durante todo o julgamento e que, portanto, o Tribunal desconhece), fazendo juntar um “print” que disse ser do Facebook (docs. fls. 145 a 147), afirmando que “P.Marques” será “amigo facebookiano” de “P.Gonçalves”. Ora, como é bom de ver, daquele denominado “print”, que nem sequer se sabe, se e quando, terá sido extraído, nenhuma contraprova dele poderá decorrer susceptível de infirmar, ou sequer colocar em dúvida, a prova produzida em julgamento e constante da decisão de facto proferida pela 1ª instância, devidamente fundamentada. Assim sendo, entende-se que nada permite afastar a convicção criada no espírito do julgador do tribunal recorrido, convicção essa que não é merecedora de qualquer reparo, porque perfeitamente adequada à prova produzida, corroborando-se a fundamentação efectuada pela Exma. Juíza do Tribunal a quo, na decisão sobre a matéria de facto, assente no depoimento das testemunhas ali enumeradas que foram merecedores de credibilidade, tal como o atestou o Tribunal a quo, entendimento com o qual se concorda. Será, portanto, de manter a decisão de facto, mormente os Nºs 2 a 9, 15 e 25, tal como foi decidido na 1ª instância, pelo que improcede tudo o que, em adverso, consta da alegação de recurso da ré/apelante. E, improcedendo a pretensão da apelante, no que concerne à alteração da decisão sobre a matéria de facto, mantendo-se a mesma inalterável, importa analisar as restantes questões invocadas no recurso da ré. ii.DA RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTO ILÍCITO    por forma a apurar: -DA CULPA NA ECLOSÃO DO ACIDENTE EM CAUSA NOS AUTOS;     -O CRITÉRIO DE CÁLCULO DOS DANOS SOFRIDOS PELO AUTOR §Do quantum indemnizatório pelo dano patrimonial, designadamente no que concerne à privação de uso. Fundamentou o autor o seu pedido de indemnização por danos que para si advieram, decorrentes de um acidente de viação que imputa ao condutor do outro veículo interveniente do acidente, cuja responsabilidade civil por danos se encontrava transferida para ré. Como é sabido, face ao pedido formulado, necessário se torna que exista um facto voluntário, ilícito, imputável ao lesante. Exige-se ainda que dessa violação sobrevenha dano e, que entre o facto praticado pelo lesante e o dano sofrido se verifique nexo de causalidade, de modo a poder afirmar-se que o dano resulta da violação.                         No caso vertente, ficou provado que no dia 17.05.2012 ocorreu uma colisão entre o veículo matrícula DD, pertencente ao autor e o veículo matrícula XN, conduzido por Maria ….., a qual se introduziu na via por onde circulava o veículo do autor, que era uma via prioritária, visto no local por onde provinha o veículo XN existir um sinal de trânsito, indicando a aproximação de estrada com prioridade - v. Nºs 1 a 11 da Fundamentação de Facto. Está, pois, verificada a ilicitude do facto voluntário praticado pela condutora do veículo matrícula 88-35-XN, traduzida na violação de norma estradal consignada no Código da Estrada vigente à data dos factos – Decreto-Lei n.º 114/94, de 3 de maio, sucessivamente alterado, pelos Decretos-Leis nºs 2/98, de 3.01, 265-A/2001, de 28.09, Lei nº 20/2002, de 21.08, Decretos-Leis nºs 44/2005, de 23.02, 113/2008, de 01.07, 113/2009, de 18.05, 78/2009 de 13.08, Lei n.º 46/2010, de 07.09 e Decretos-Leis n.ºs 82/2011, de 20.06 e 138/2012, de 05.07 - consistente na não observância da regra contida no artigo 29º, nº 1, sendo certo que o sinal de cedência de passagem B1 indica aproximação de estrada com prioridade, o que significa que o condutor deve ceder a passagem a rodos os veículos que circulem na via de que se aproxima (v. artigos 7º e 21º do Decreto Regulamentar nº 22-A/98, de 1.10.1998). Por outro lado, estando em causa, como está, a omissão de regras ou cautelas de que a lei procura rodear certa actividade perigosa, como é a da circulação rodoviária e mecânica, bem como a ausência de uma perícia e destreza mínimas, absolutamente necessárias a essa actividade - v. DARIO MARTINS DE ALMEIDA, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, 1980, 73 - concomitantemente, com a circunstância de se mostrar igualmente provada a culpa do lesante, traduzida na conduta da condutora do veículo matrícula XN, em face da concreta situação em causa, não se pode deixar de se concluir que a mesma é merecedora de reprovação ou da censura do direito, posto que poderia e deveria ter agido de outro modo. Fez pois, o autor, prova da culpa do autor da lesão - como lhe incumbia, nos termos dos artigos 487º, nº 1 e 342º, nº 1, ambos do Código Civil – e nenhuma conduta violadora das regras estradais se demonstrou ter sido praticada pelo autor. Acresce que se verificaram danos no veículo pertencente ao autor, os quais foram causa directa do facto ilícito e culposo praticado pela condutora do veículo matrícula 88-35.XN – v. Nºs 9 e 30 da Fundamentação de Facto. E, como resulta do disposto do artigo 562º do Cód. Civil, quem estiver obrigado a reparar um dano deve restituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. E, segundo o disposto no artigo 563º do CC “A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, ali se consagrando a teoria da causalidade adequada.  Ademais, o dever de indemnizar compreende o prejuízo causado e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, e ainda os danos futuros, desde que previsíveis e determináveis, conforme resulta do disposto no artigo 564º, nºs 1 e 2 do mesmo Código, sendo a indemnização fixada em dinheiro, sempre que a restituição natural não seja possível e tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data, se não existissem os danos - v. artigo 566º, nº 1 do C.C. Tendo em consideração toda a prova produzida e o disposto nos aludidos preceitos do Código Civil, a ré para a qual foi transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, emergentes de acidente de viação, relativamente ao veículo matrícula ...-...-XN – v. Nº 18 da Fundamentação de Facto – será responsável pelos prejuízos de natureza patrimonial que advieram para o autor, com a reparação do seu veículo, no montante de € 9.882,03 – v. Nº 25 da Fundamentação de Facto – montante coincidente com o que havia sido anteriormente orçamentado pela própria ré seguradora, inexistindo qualquer dupla indemnização, como a ré invoca na sua apelação, pela circunstância de a reparação ter sido realizada na oficina pertencente à sociedade de que o autor é sócio. Coloca igualmente a apelante em causa a demonstração da ocorrência de danos, relativamente ao aluguer, pelo autor, de uma viatura de substituição, conforme resulta do nº 27 dos Factos Provados. Esta questão pressupõe a ponderação sobre a problemática da reparabilidade do dano da privação do uso, cuja solução não tem sido unívoca, quer na doutrina, quer na jurisprudência, com maior incidência a propósito da responsabilidade civil automóvel. A clivagem jurisprudencial, não se limita à qualificação da natureza do dano de privação do uso, como dano não patrimonial ou patrimonial, já que mesmo quando se aceita a sua natureza patrimonial, existe dissensão. É que, para uma corrente de opinião, basta, para que seja reparável, a demonstração do não uso do bem atingido, uma vez que a indemnização é quase co-natural a essa mesma privação, defendendo-se que a simples privação do uso é causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que pode servir de base à determinação da indemnização, constituindo ainda a opção pelo não uso uma manifestação dos poderes do proprietário, também afectado pela privação do uso – v. a propósito ANTÓNIO S. ABRANTES GERALDES, Temas da Responsabilidade Civil – Indemnização do dano da privação do uso, 2.ª Edição, Almedina. Também para LUÍS M. T. DE MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, Volume I, 4.ª Edição, 317 “o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano”. Considerou-se, designadamente, no acórdão do STJ de 12.01.2010 (Pº 314/06.6TBCSC.S1), que: “O proprietário privado por terceiro do uso de uma coisa tem, por esse simples facto e independentemente da prova cabal da perda de rendimentos que com ela obteria, direito a ser indemnizado por essa privação, indemnização essa a suportar por quem leva a cabo a privação em causa. A privação do uso do veículo constitui um dano indemnizável, por se tratar de uma ofensa ao direito de propriedade e caber ao proprietário optar livremente entre utilizá-lo ou não, porquanto a livre disponibilidade do bem é inerente àquele direito constitucionalmente consagrado (art. 62.º da CRP) – Cfr. em idêntico sentido Acs. STJ de 28.09.2011 (Pº 2511/07.8TACSC.L2.S1) e de 06.05.2008 (Pº 08A1279), todos acessíveis em www.dgsi.pt. Para outra corrente jurisprudencial, é insuficiente essa demonstração, sendo ainda necessária a prova de um autónomo ou específico dano patrimonial. Defende-se no Acórdão do STJ de 18.11.2008 (Pº 08B2732), no mesmo sítio da internet que: “A mera privação do uso de um imóvel, decorrente de ocupação ilícita, por ofensiva do direito de propriedade do reivindicante (artº 1305º nº1 do CC), não confere a este, sem mais, direito a indemnização em «quantum» correspondente ao do apurado valor locativo daquele, ou outro, mesmo apelando às regras da equidade, ao autor, antes, sopesados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual que pretende efectivar e o exarado nos artºs 342º nº1, 483º nº1, 487º, 562º a 564º e 566º, todos do CC, cumprindo alegar e provar facticidade donde ressaltem danos consectários da mora na restituição da coisa sua pertença. É certo que já se defendeu na jurisprudência do STJ que: -A privação injustificada do uso de uma coisa pode constituir um ilícito susceptível de gerar obrigação de indemnizar, uma vez que, na normalidade dos casos, impedirá o respectivo proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, impedindo-o de usar a coisa, de fruir as utilidades que ela normalmente lhe proporcionaria e de dela dispor como melhor lhe aprouver, violando o seu direito de propriedade (…). Competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver ressarcido, não chega alegar e provar a privação da coisa, pura e simplesmente, mostrando-se ainda necessário que o autor alegue e demonstre que pretendia usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou algumas delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela actuação ilícita do lesante (Ac. de 16.03.2011 (Pº 3922/07.2TBVCT.G1.S1), ou, -A privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, de usar, fruir e dispor do bem, nos termos genericamente consentidos pelo art. 1305.º do CC. Não é suficiente, todavia, a simples privação em si mesma: torna-se necessário que o lesado alegue e prove que a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real – concreto e efectivo – de proceder à sua utilização. A privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano correspondente a essa realidade de facto - Ac.de 03.05.2011 (Pº 2618/08.6TBOVR.P1), acessíveis em www.dgsi.pt Entende-se, todavia, que a privação do uso de um bem é susceptível de constituir, por si, dano patrimonial, visto que se traduz na lesão do direito real de propriedade correspondente, assente na exclusão de uma das faculdades que, de acordo com o preceituado no artigo 1305º do Código Civil, é lícito ao proprietário gozar, i.e., o uso e fruição da coisa. A supressão dessa faculdade, impedindo o proprietário de extrair do bem todas as suas utilidades constitui, juridicamente, um dano que tem uma expressão pecuniária e que, como tal, deverá ser passível de reparação – v. Acs. R.L. de 12.10.2006 (Pº 6600/2006-6) e de 15.12.2011 (Pº 1470/09.4TCNT-L1-8) e Ac. R.P. de 13.10.2009 (Pº 3570/05.3TBVNG.P1), e ainda Ac.R.L. de 11.10.2012 (Pº 3525/09.9TBCSC.L1 – de que foi relatora a ora relatora), todos acessíveis em www.dgsi.pt. Ou, como se entendeu no Ac. R.L. de 21.05.2009 (Pº 1252/08.3TBFUN.L1) acessível no sítio da internet www.dgsi.pt e, também, na Colectânea de Jurisprudência, ano XXXIV, tomo III, pág. 78 e seguintes, de que a ora relatora foi ali 1ª adjunta, a mera privação do uso do veículo constitui para o respectivo proprietário um dano patrimonial, que é economicamente valorizável, se necessário com recurso à equidade (art.º 566.º n.º 3 do Código Civil). No caso vertente, provado ficou que em consequência do acidente aqui em causa, o autor alugou uma viatura de substituição - v. Nºs 26 e 27 da Fundamentação de Facto. Assim sendo, o autor têm direito, como se ajuizou na sentença recorrida, ao pagamento do montante relativo á reparação da viatura, e bem assim ao ressarcimento do dano consubstanciado na forçada privação da viatura, consistente no aluguer de uma viatura de substituição durante cerca de três meses. E, não se diga que o autor agravou os danos protelando a reparação do veículo. É que, o acidente ocorreu em 17.05.2012, as negociações com a ré seguradora goraram-se em Julho de 2012, pelo que se afigura razoável o período do aluguer do veículo, atenta a gravidade dos danos e o tempo de duração da respectiva reparação, período esse que só não se prolongou por mais tempo porque o autor decidiu efectuar, ele próprio, essa reparação da viatura, face à recusa da ré em assumir a responsabilidade pelos danos decorrentes do acidente imputável ao seu segurado. Destarte, improcede a apelação, confirmando-se integralmente a decisão recorrida. A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Novo Código de Processo. IV.-DECISÃO. Pelo exposto, acordam os Juízes desta ...ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Condena-se a apelante no pagamento das custas respectivas. Lisboa, 13 de Outubro de 2016 Ondina Carmo Alves – Relatora    Pedro Martins Lúcia Sousa