I - O dano relativo à privação do uso do veículo pode ser perspectivado numa dupla dimensão: 1) enquanto causa de prejuízos patrimoniais, traduzidos nos encargos suportados com o recurso a meios de transporte substitutivos ou na perda de vantagens económicas que proporcionava (se, por exemplo, se tratava de veículo de aluguer, gerador de rendimentos que deixaram de ser recebidos); 2) e enquanto causa de prejuízos não patrimoniais, inerentes à privação dos cómodos que o uso do veículo proporciona, mesmo para fins de laser. II - Não é excessiva a indemnização fixada em € 1.000,00 para compensar a privação do uso do veículo pelo período de 2 anos e 8 meses.
Proc. n.º 6020/07.7TBVNG.P1 Recurso de Apelação Distribuído em 14-07-2009 Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto. I – RELATÓRIO 1. B………., residente na Rua ………., em Vila Nova de Gaia, instaurou, no Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Gaia, acção declarativa de condenação com processo comum sumário contra COMPANHIA DE SEGUROS C………., S.A., com sede em Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 6.788,87, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência de embate, ocorrido em 14-02-2007, pelas 22,25 horas, do veículo com a matrícula ..-..-RL, segurado na ré, no seu motociclo com a matrícula LO-..-.., acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, ou, em alternativa à quantia de € 3.288,87, a proceder à reparação do seu motociclo. A Ré contestou por impugnação, contradizendo a versão dos factos relativos ao embate ocorrido entre os dois veículos, de modo a justificar que a culpa por esse embate cabia apenas ao autor e assim excluir a sua obrigação de indemnizar, e, quanto aos danos, para além de os impugnar por desconhecimento, alegou ainda que o valor comercial do motociclo do autor era bastante inferior ao valor estimado da sua reparação, pelo que “a reconstituição natural sempre seria excessivamente onerosa” e assim haveria que proceder “à indemnização em dinheiro pelo valor do objecto”, como prevêem o n.º 1 do art. 566.º do Código Civil e o art. 20.º, n.º 1, do DL. 522/85, de 31/12. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a fls. 74-84, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a proceder à reparação do motociclo do autor com a matrícula LO-..-.., e ainda a pagar ao autor a quantia de € 2.000,00 a título de indemnização por outros danos sofridos (sendo 1.000€ por danos não patrimoniais e outros 1.000€ pela privação do uso do seu veículo), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data da citação da ré até integral pagamento. 2. A ré, não se conformando com essa decisão na parte em que a condenou a custear a reparação do motociclo do autor e a indemnizar este pela privação do referido veículo, recorreu para esta Relação, extraindo das suas alegações as conclusões seguintes: 1.ª - O veículo do A. foi matriculado em 1991. 2.ª - O seu valor comercial, antes do embate, era de 2.000,00 € e o autor poderia adquirir no mercado um veículo de características semelhantes por esse valor. 3.ª - O valor dos salvados era de 250,00 €, proposta máxima conseguida. 4.ª - A reparação do veículo do A. foi orçada em 3.228,87 €. 5.ª - O valor do orçamento para a reparação (3.228,87 €) excede largamente o valor comercial do veículo (2.000,00 €). 6.ª - Sendo assim, a reconstituição natural é excessivamente onerosa, pelo que se deveria ter optado antes pelo critério da indemnização em dinheiro, como se prevê no art. 566.º do Código Civil. 7.ª - O valor a atribuir ao A. deveria ser o do valor do objecto (2.000,00 €), deduzido, porém, do valor do salvado (250,00 €), o que dá o valor de 1.750,00 €. 8.ª - Com os valores da indemnização e do salvado (total de 2.000,00 €), o A. poderia adquirir no mercado um veículo de características semelhantes, o que ficou provado. 9.ª - Também o actual regime do seguro obrigatório (DL 291/2007, de 21/08) estabelece, no seu art. 41.º, o critério de perda total e as respectivas consequências, inteiramente coincidentes com a aplicação do disposto no alegado art. 566.º do Código Civil. 10.ª - A sentença recorrida violou, nesta parte, o disposto no art. 566.º do Código Civil. 11.ª - Quanto à indemnização pela privação de uso, não foi provado que tivesse havido qualquer prejuízo patrimonial para o autor. 12.ª - Mas ficou provado que a imobilização provocou no autor um abalo psicológico por se ver privado da sua mota que era a "menina dos seus olhos", o que não revela que o A. tenha sofrido danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 13.ª - Por isso, nenhuma indemnização deveria ter sido fixada a esse título. 14.ª - A douta sentença violou, nesta parte, o n.º 1 do art. 496.º do Código Civil. Dos autos não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações. 3. À tramitação e julgamento do presente recurso é ainda aplicável o regime processual anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008 (foi instaurada em 20-06-2007). E por força do disposto no n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, o regime introduzido por este diploma legal não se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2008 (art. 12.º do mesmo decreto-lei). De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o apelante extrai das suas alegações e reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, in fine, do CPC). Pelo que, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (art. 660.º, n.º 2, do CPC). Com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, a que alude o n.º 2 do art. 660.º do Código de Processo Civil, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, por muito respeitáveis que sejam, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como flui do disposto no art. 664.º do Código de Processo Civil (cfr., entre outros, ANTUNES VARELA, em Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688; Ac. do TC n.º 371/2008, em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/; acs. do STJ de 11-10-2001 e 10-04-2008 em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 01A2507 e 08B877; e ac. desta Relação de 15-12-2005, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 0535648). De modo que, tendo em conta os princípios antes enunciados e o teor das conclusões que a apelante extraiu das suas alegações, o objecto do recurso visa apenas a decisão de direito e compreende as seguintes questões: 1) se a condenação da ré a proceder à reparação do veículo do autor, com base no princípio da reconstituição natural, é excessivamente onerosa e impõe, face ao disposto no art. 566.º, n.º 1, do Código Civil, a opção pela indemnização em dinheiro; 2) se o autor não tem direito a indemnização pela privação do uso do veículo. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – FACTOS PROVADOS 4. Na primeira instância foram julgados provados os factos seguintes: 1) O Autor é dono do motociclo de marca Honda, modelo ……., com a matrícula LO-..-... 2) A Ré é uma sociedade anónima que se dedica à celebração de contratos de seguro, nomeadamente de veículos automóveis. 3) Em 14 de Fevereiro de 2007 o veículo automóvel de passageiros, de marca Opel …… e com a matrícula ..-..-RL pertencia a D………. . 4) No exercício da sua actividade, a Ré acordou com D………. assumir a responsabilidade pela indemnização dos danos causados a terceiros decorrentes da circulação do veículo de matrícula ..-..-RL, o que foi titulado pela apólice 06-………., encontrando-se tal acordo em vigor em 14/02/2007. 5) No dia 14 de Fevereiro de 2007, por volta das 22.25 h., o Autor conduzia o veículo referido em 1) na ………., Vila Nova de Gaia, no sentido Norte/Sul. 6) A referida avenida é constituída por duas faixas de circulação rodoviária, separadas por uma divisória em cimento, tendo a faixa no sentido Norte/Sul, duas vias de circulação, tendo cada uma a largura de mais ou menos 3,40 m. 7) Depois da curva que antecede a recta da faixa de circulação em que seguia o Autor e, antes da paragem de autocarros, em frente à entrada do E………., há duas vias de circulação rodoviária. 8) Estando, como normalmente está e se verificava no dia e hora referidos em 5), parte da via junto à berma ocupada com veículos automóveis estacionados. 9) Porém, permite a circulação de veículos de menor largura, como o do Autor, que continuou a utilizar a faixa do lado direito. 10) Próximo da entrada do E………. a faixa de rodagem em que seguia o Autor e o veículo RL alarga cerca de 3,30 m e numa extensão de mais ou menos 13 m, devido à existência de uma paragem de autocarros, originando uma terceira via de circulação que está sempre ocupada com veículos automóveis parados. 11) Os veículos circulavam a uma velocidade aproximada de 30 Km/h. 12) Era noite e o local do embate era uma recta com boa iluminação, e o piso é de alcatrão e estava seco. 13) O Autor circulava na sua faixa de rodagem, sinalizando com luzes a sua marcha. 14) O facto referido em 8) não permite a circulação de automóveis, por essa via direita, tendo estes que utilizar a via do lado esquerdo, o que fez o condutor do veículo RL. 15) O Autor e o veículo ..-..-RL, conduzido pelo seu proprietário, circulavam na direcção Norte/Sul, o primeiro na parte livre da via do lado direito e o segundo na via do lado esquerdo e atrás de outros veículos automóveis. 16) O condutor do RL, no local onde a faixa de rodagem forma 3 vias de circulação, não verificando que o Autor seguia quase que a seu lado, guinou para a direita invadindo a via em que o Autor circulava. 17) E fê-lo sem que nada o justificasse, sem qualquer sinalização, imprevista e repentinamente. 18) E em bateu de forma brusca, com a porta da frente e retrovisor do lado direito no lado esquerdo da mota do Autor. 19) A colisão provocou o desequilíbrio da mota e do Autor e o consequente descontrolo daquela, que veio a ser projectada para a direita. 20) Vindo o Autor a cair no chão e a mota a embater nas traseiras de um veículo automóvel que estava parado mais à frente e junto à berma, ficando aí imobilizada no chão. 21) Em consequência a viatura do Autor sofreu estragos, tendo várias peças ficado inutilizadas e a necessitar de ser substituídas, tendo a reparação desse veículo sido orçada em € 3.228,87. 22) O Autor sofreu várias escoriações, tendo recebido tratamento no hospital ………. . 23) A Ré não deu ordens para reparação do veículo do Autor o qual, por esse facto e devido aos danos que sofreu, se encontra imobilizado nas oficinas da F………. . 24) Tal imobilização provocou no Autor um abalo psicológico, pois que a partir da data do acidente e até à presente data se viu privado da sua mota que era a "menina dos seus olhos". 25) O valor comercial do veículo LO antes do acidente era de € 2.000, sendo que o Autor poderia adquirir no mercado um veículo de características semelhantes ao LO por esse valor. 26) Pelos salvados do LO não foi conseguida pela Ré proposta de valor superior a € 250,00. 27) O LO foi matriculado em 1991. Estes factos não foram impugnados pela apelante, pelo que se têm por definitivamente fixados, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 684.º, n.ºs 2, 3 e 4, 690.º-A, n.º 1, e 712.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil. III – AS QUESTÕES DO RECURSO 5. A primeira questão que a recorrente suscita refere-se à modalidade da prestação fixada na sentença recorrida por conta da obrigação de indemnizar o autor pelos danos sofridos no seu motociclo. Entende a recorrente que a sua condenação a proceder à reparação do veículo do autor, com base no princípio da reconstituição natural, é excessivamente onerosa e, por isso, o preceito do n.º 1 do art. 566.º do Código Civil impõe que a indemnização seja fixada em dinheiro (cfr. conclusão 6.ª). Esta questão já havia sido suscitada pela ré na sua contestação, na medida em que o autor tinha pedido, a título de reparação dos danos sofridos no seu motociclo, que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 3.288,87 correspondente ao custo da reparação do motociclo, ou, em alternativa, a proceder à reparação do motociclo. Pronunciando-se sobre esta questão, a sentença recorrida apreciou-a e decidiu-a nos seguintes termos: «O objectivo da indemnização é idealmente colocar o lesado na situação em que se encontraria se não fosse o acontecimento produtor do dano. … o art. 566.º, n.ºs 1 e 2, do citado diploma legal [refere-se ao Código Civil] consagra a prevalência da indemnização por reconstituição natural, só se admitindo a indemnização pecuniária sucedânea da reparação em espécie quando essa reparação não for possível, ou não reparar integralmente os danos, ou for excessivamente gravosa para o devedor. No caso em apreço, em consequência do acidente o veículo do Autor ficou com várias peças inutilizadas e a necessitar de ser substituídas, tendo a sua reparação sido orçada em € 3.228,87. O veículo ainda não se encontra reparado, encontrando-se imobilizado numa oficina, pelo que a reparação em forma específica ainda é possível. Ora a Ré não fez prova de que a reparação fosse excessivamente onerosa para si própria, ou que o custo da mesma fosse flagrantemente desproporcionado em relação à satisfação do interesse na reintegração da situação anterior ao sinistro. Apenas se provou que o veículo valia € 2.000 [valor comercial] antes do embate; que pelos salvados a Ré não conseguiu proposta superior a € 250 e que o custo da reparação foi orçado em € 3.228,87. Acresce que sobre a Ré impende a obrigação de repor o património do Autor no estado em que se encontrava antes do acidente, sendo que nessa data este dispunha de um veículo que satisfazia as suas necessidades, tendo, consequentemente direito a que seja reposta a sua situação patrimonial existente antes do acidente. Deste modo não há que levar aqui em conta o valor venal do veículo à data do acidente calculado como se o Autor o vendesse nessa data ou comprasse outro equivalente, mas antes o valor do prejuízo sofrido pelo Autor em consequência do acidente, que corresponde precisamente ao montante necessário para proceder à reparação do seu veículo. Assim sendo, não pode prevalecer a tese defendida pela Ré na sua contestação quanto ao modo de ressarcimento do dano sofrido pelo Autor, devendo esta reparar o veículo, repondo-o no estado em que o mesmo se encontrava antes do embate.» Ressalvado um ou outro pormenor de redacção — não nos parece exacto que a ré, enquanto obrigada a indemnizar, tenha que “repor o património do autor no estado em que se encontrava antes do acidente”, mas temos por exacto que o autor “tem direito a que seja reposta a sua situação patrimonial que existiria se não tivesse ocorrido o acidente”, porquanto o art. 562.º do Código Civil dispõe que “o obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, referindo-se, portanto, não à situação (real) anterior à lesão, mas à situação (hipotética) que existira se não fosse a lesão (v. ANTUNES VARELA, em Das Obrigações em Geral, vol. I, 2.ª edição, Almedina, 1973, p. 761) — concordamos com o essencial desta análise, designadamente na parte em que considera, como elemento particularmente relevante, que, à data do acidente, “o veículo satisfazia as necessidades do autor” e, por isso, “não há que levar aqui (apenas) em conta o valor venal do veículo à data do acidente, calculado como se o Autor o vendesse nessa data …, mas antes o valor do prejuízo (económico) sofrido pelo Autor em consequência do acidente, que corresponde precisamente ao montante necessário para proceder à reparação do seu veículo”. Com todo o respeito por opinião contrária, cremos que esta apreciação é a que melhor se harmoniza com o princípio da reparação integral do dano com prevalência pela modalidade da reconstituição natural, a que aludem os arts. 562.º e 566.º, n.º 1, do Código Civil e, bem assim, com a interpretação que lhes é dada pela doutrina e pela jurisprudência. Com efeito, o artigo 562.º do Código Civil, ao dispor que o “obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, consagra o princípio da reparação integral do dano através da “reconstituição da situação que existiria”, se o facto lesivo não se tivesse verificado. Por sua vez, o n.º 1 do art. 566.º do Código Civil prescreve que “a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. Consagrando, de forma inequívoca, o princípio da prevalência da reconstituição natural sobre a indemnização em dinheiro ou restituição por equivalente (cfr. M. J. ALMEIDA COSTA, em Direito das Obrigações, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1984, p. 524). Escreve o PROF. ANTUNES VARELA (ob. cit. p. 760) que “o fim precípuo da lei nesta matéria é, por conseguinte, o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes”. E concretizando, exemplifica: “Se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóia, etc.) … há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado”, ou [se o dano consistiu] em estragos nele produzidos [há que proceder] ao conserto, reparação ou substituição da coisa por conta do agente”. A reconstituição natural do dano só será substituída pela indemnização em dinheiro se, no caso concreto, ocorrer uma das três situações referidas no n.º 1 do art. 566.º do Código Civil, ou seja: 1) se não for possível a reconstituição natural; 2) se a reconstituição natural não repare integralmente os danos; 3) ou se a reconstituição natural se tornar “excessivamente onerosa” para o devedor. Verificando-se alguma destas situações, desde que alegadas e provadas pelas respectivos interessados, a reparação do dano faz-se através da indemnização em dinheiro. Neste caso, a ré alegou que a reparação do dano pela reconstituição natural, ou seja, a custear a reparação dos estragos causados no veículo do autor, era “excessivamente onerosa”. Justificando esta “excessiva onerosidade” na desproporção existente entre o valor comercial do veículo (2.000€) e o valor da reparação (€3.288,87). Assim, o ponto nuclear da questão radica no conceito normativo de “excessivamente oneroso”. O que leva a definir se o carácter excessivamente oneroso da reparação deve ser apenas reportado ao valor comercial do veículo, como faz a recorrente, ou se deve, antes, ser reportado ao “interesse do lesado” que foi violado, aferido não só pelo valor patrimonial do veículo mas também pelo conjunto de vantagens económicas que o veículo proporcionava ao autor, como considerou a sentença recorrida. O PROF. ANTUNES VARELA (em ob. cit. p. 762) entende que a reconstituição natural é excessivamente onerosa “quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável”. Também o PROF. ALMEIDA COSTA (ob. cit. p. 525) diz que a reconstituição natural é excessivamente onerosa “sempre que exista flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custo da restauração natural para o responsável”. Como se vê, ambos equacionam a questão na relação de proporcionalidade entre a dimensão do “interesse do lesado a reparar” e “o custo da reparação natural”. E não apenas entre “o valor patrimonial da coisa danificada”, que comporta uma dimensão valorativa mais restrita do que pode ter “o interesse do lesado a reparar”, e “o custo da sua reparação natural”. Ao nível da jurisprudência, a questão tem sido colocada, por diversas vezes, em relação a casos concretos idênticos ao sub judicio. E na globalidade desses casos, a jurisprudência tem considerado que a excessiva onerosidade tem que ser aferida entre o custo efectivo da reparação e o valor que o veículo representa na esfera patrimonial do lesado. E não apenas o valor comercial ou de mercado do veículo. Decidiram neste sentido, citando apenas os mais recentes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-03-2009, 05-06-2008, 04-12-2007 e 05-07-2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 09B0520, 08P1370, 07B4219 e 07B1849, respectivamente. É também este o entendimento que tem sido seguido nesta Relação, de que é exemplo mais recente o acórdão de 25-06-2009, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/145355" target="_blank">419/04.8TBVLC.P1</a>. Concretizando as situações apreciadas nalgumas dessas decisões e que podem servir de referência ao caso destes autos, o ac. do STJ de 19-03-2009 decidiu que «verificando-se que o veículo sinistrado era uma viatura pesada de transporte de cimento a granel e que na altura do acidente circulava por força da dessa actividade da A., estando “especialmente preparado” para a mesma, apesar de o valor do veículo ser de apenas 3.500€ e de o valor da reparação ser de 23.584,74€, tal não implica excessiva onerosidade, pois a matéria de facto não indicia que com aquele montante, a lesada pudesse adquirir um veículo idêntico». E os acs. do STJ de 05-06/2008 e de 05-07-2007 consideraram que “na ponderação da situação da excessiva onerosidade para o devedor não podem deixar de ser considerados factores subjectivos, respeitantes não só (embora primacialmente) à pessoa do devedor, e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, mas também às condições do lesado, e ao seu justificado interesse específico na reparação do objecto danificado, antes que no percebimento do seu valor em dinheiro”. Por isso, o primeiro concluiu que “não é de considerar excessivamente onerosa para a ré – uma companhia de seguros – a reparação do veículo do autor, danificado em acidente de viação ocorrido por culpa do segurado daquela, sendo de € 15.500,00 o valor de mercado do veículo à data do acidente, de € 1.000,00 o valor dos salvados, e de € 17.277,89 o valor da reparação…”. E o segundo concluiu que “um veículo já com muito uso pode ter um valor comercial pouco significativo, mas, ainda assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor de mercado, pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, por não lhe permitir a aquisição de uma viatura da mesma marca, com as mesmas características e com o mesmo uso”. Por sua vez, o ac. do STJ de 04-12-2007 refere que “um dos pólos da determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação; o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado”. Por isso concluiu: “Se a ré seguradora quer beneficiar da excepção não lhe basta «encostar-se» ao valor venal; antes precisa de alegar e provar que o autor podia adquirir no mercado, e por que preço, um outro veículo que igualmente lhe satisfizesse as suas necessidades «danificadas»”. Foi também neste sentido que concluiu o acórdão da Relação do Porto acima citado: “Para se aferir daquela excessiva onerosidade não pode entrar em linha de conta apenas o valor da reparação e o valor venal ou de mercado do veículo acidentado, posto que se impõe o seu confronto com o valor de uso que o lesado daquele extrai pelo facto de o ter à sua disposição para satisfação das suas necessidades”. Foi este o entendimento que foi seguido na sentença recorrida para alcançar a decisão condenatória da ré a proceder ou (o que é a mesma coisa) a custear o valor da reparação do motociclo do autor. É certo que, neste caso, consta provado que “o Autor poderia adquirir no mercado um veículo de características semelhantes” ao seu pelo valor comercial que a este foi atribuído, de € 2.000 [cfr. item 25) dos factos provados]. Mas poder adquirir um outro veículo de “características semelhantes” não é a mesma coisa, em termos de valor económico, que poder adquirir um veículo que pudesse garantir ao autor a mesma utilização e proporcionar as mesmas vantagens que este prestava. Tanto mais que, com é do conhecimento geral e pode ser constado através de qualquer catálogo de veículos usados, o valor comercial dos veículos usados é aferido, sobretudo, pelo ano da matrícula, independentemente do seu estado de conservação e funcionamento. Quer isto dizer que o facto de o autor poder comprar um outro motociclo de características semelhantes, ou seja, da mesma marca, do mesmo modelo ou com a mesma cilindrada, tal não significa que o seu estado de conservação e funcionamento fosse idêntico e lhe pudesse proporcionar o mesmo nível de utilização. E é também, ou sobretudo, ao nível do funcionamento do veículo e do seu estado de utilização que o prejuízo ou o “interesse lesado” tem que ser avaliado e comparado com o custo da reparação. Era, pois, necessário que também estivesse provado que, com o mesmo dinheiro, o autor podia comprar um veículo que, para além de ter características semelhantes ao seu, teria um estado de conservação e de funcionamento semelhantes e podia garantir-lhe um nível de utilização semelhante. E é a perda dessa utilidade económica que não está confirmada como passível de reparação mediante o pagamento ao autor do custo do valor comercial do veículo. Deste modo, há que confirmar a decisão da 1.ª instância relativa à obrigação de indemnizar imposta à ré baseada no pagamento do custo da reparação do veículo. Resta, porém, acrescentar uma breve nota, a propósito do teor da conclusão 9.ª, para dizer que o art. 41.º do DL 291/2007, de 21/08, para além de não ser aplicável a este caso, insere-se no capítulo da regularização extra-judicial dos sinistros. Em nada interferindo com a interpretação que ficou exposta a propósito da aplicação ao caso dos arts. 562.º e 566.º, n.º 1, do Código Civil. Mas a sua invocação aqui pela recorrente não deixa de sugerir alguma perversidade, na medida em que não consta que tenha disponibilizado ao autor o veículo de substituição a que alude o art. 42.º do mesmo Decreto-Lei, como, coerentemente, lhe era exigido que disponibilizasse. E assim também evitaria que o autor viesse pedir indemnização pelo dano relativo à privação do uso do seu veículo, a que se refere a questão seguinte. 6. Discorda ainda a ré da decisão que também a condenou a indemnizar o autor pelo dano da privação do uso do seu veículo. Defende a recorrente que não há lugar a esta indemnização porque “não foi provado que tivesse havido qualquer prejuízo patrimonial para o autor” (cfr. conclusão 11.ª) e porque o “abalo psicológico” que essa situação lhe causou, nos termos referidos no item 24) dos factos provados, não tem gravidade suficiente para merecer tutela indemnizatória (cfr. conclusão 12.ª). A indemnização fixada a favor do autor pela privação do uso do seu veículo reporta-se ao facto provado descrito no item 23), que refere que “a ré não deu ordens para a reparação do veículo do Autor, o qual, por esse facto e devido aos danos que sofreu, se encontra imobilizado nas oficinas da F……….”. E a sentença recorrida justificou-a no seguinte contexto: «Da matéria de facto provada não é possível concluir pela existência de prejuízos patrimoniais na esfera jurídica do Autor pelo facto de ter ficado privado do seu veículo, nem que este tivesse tido que despender qualquer quantia com vista a substituir o mesmo por qualquer outro meio de transporte, nem que em consequência dessa situação o Autor tivesse deixado de obter um benefício concreto. Já os incómodos derivados da impossibilidade de utilizar esse veículo durante o período de cerca de dois anos constituem danos de natureza não patrimonial. A posição clássica da doutrina e da jurisprudência relativamente a esta matéria era a de que, traduzindo-se a privação do veículo em meros incómodos, esses danos não seriam tutelados pelo direito, pelo que não deveriam ser indemnizáveis (neste sentido, vide Pires de Lima e Antunes Varela, in C.Civil Anotado, anotação ao art. 496.º). Porém, considera-se que actualmente essa posição se encontra desactualizada, uma vez que a utilização dos veículos motorizados faz já parte do dia a dia dos cidadãos, que contam com eles para satisfazer muitas das suas necessidades pessoais e profissionais, podendo a sua falta, sobretudo se prolongada, causar graves transtornos ao lesado, quer directamente, quer pela desorganização da sua vida familiar – neste sentido, vide Ac. da RL de 4/6/98, in C.J., T/I, pág. 123.» Como se constata, a sentença recorrida perspectivou o dano relativo à privação do uso do veículo numa dupla dimensão: 1) enquanto causa de prejuízos patrimoniais, traduzidos nos encargos acrescidos com o recurso a meios de transporte substitutivos ou na perda de vantagens económicas que proporcionava (se, por exemplo, se tratava de veículo de aluguer, gerador de rendimentos que deixaram de ser recebidos); 2) e enquanto causa de prejuízos não patrimoniais, inerentes à privação dos cómodos que o uso do veículo proporciona mesmo para fins de laser. Vindo a fixar indemnização, não a título de prejuízo patrimonial, mas a título de prejuízo não patrimonial, nos termos do disposto no art. 496.º do Código Civil. Esta dupla dimensão já foi por nós relevada em anteriores decisões e é conceptualmente admitida na jurisprudência, embora se reconheça persistir uma tendência claramente maioritária para integrar aquelas duas situações no âmbito dos danos patrimoniais. São disso exemplo, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-01-2008, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 07B3557, e de 05-07-2007, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 07B1849. O primeiro considerou que: “O ressarcimento do dano da privação do uso do veículo, imobilizado para reparação dos estragos sofridos em consequência do acidente, alcança-se facultando ao lesado um veículo de substituição, ou indemnizando-o pelas despesas por ele suportadas em consequência da privação do veículo. O princípio da restauração «in natura» impõe, no que concerne ao veículo de substituição, que o lesante (ou a sua seguradora) disponibilize ao lesado um veículo da mesma gama ou semelhante, com características idênticas às do danificado, ou assuma a obrigação do pagamento do aluguer de um tal veículo. Provado que o autor … ficou privado da utilização do seu veículo … em consequência dos danos por este sofridos em acidente de viação devido a culpa exclusiva do segurado da ré, tem ele direito a uma viatura de substituição de características idênticas, da mesma ou de outra marca. Não lhe tendo a seguradora da ré disponibilizado tal viatura de substituição, deve indemnizar o autor pelas despesas que este suportou com o aluguer de um outro veículo”. O segundo, a propósito de uma situação de mera privação da disponibilidade do uso do veículo, considerou que “a privação do uso de um veículo automóvel, em consequência dos danos por ele sofridos em acidente de trânsito, envolve, para o seu proprietário, a perda de uma utilidade do veículo — a de o utilizar quando e como lhe aprouver — que, considerada em si mesma, tem valor pecuniário. Assim, essa privação constitui, só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566.º/3 do Código Civil, para fixar o valor da respectiva indemnização”, quando não for possível apurar o valor exacto desse prejuízo. No mesmo sentido deste último, também decidiram, entre muitos outros, os recentes acórdãos desta Relação de 25-06-2009 e 19-03-2009, ambos em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ procs. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/145349" target="_blank">134/06.8TBARC.P1</a> e n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/145730" target="_blank">3986/06.8TBVFR.P1</a>, respectivamente, e ainda o ac. da Relação de Lisboa de 23-10-2007, em www.dgsi.pt/jtrl.nsf/ proc. n.º 8457/2007-7, relatado por Abrantes Geraldes, também autor da obra intitulada “Indemnização do Dano da Privação do Uso” (3.ª edição da Almedina), onde equaciona as teses que se confrontam sobre esta questão e cita abundante doutrina e jurisprudência, claramente prevalecentes a favor da obrigação de indemnizar a mera privação do uso do veículo como dano autónomo. E o certo é que o art. 42.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08 — citado pela recorrente a propósito do art. 41.º sobre a perda total do veículo, nos termos já acima referidos — veio conferir razão a esta doutrina, ao dispor, no seu n.º 1, que “verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente, nos termos previstos nos artigos anteriores”. Obrigação que, aliás, também já decorria dos arts. 483.º, n.º 1, e 562.º do Código Civil. E como se percebe, a obrigação de disponibilizar ao lesado o veículo de substituição é mera consequência da imobilização do veículo sinistrado, sem sujeição a outros condicionamentos relativos à prova da necessidade do veículo de substituição pelo lesado ou à prova do tipo de utilização que o lesado fazia do veículo sinistrado. De modo que, não tendo a seguradora disponibilizado ao autor um veículo de substituição, como devia, resta-lhe indemnizá-lo pelo dano inerente à privação que sofreu de utilizar quando e como lhe apetecia o seu veículo. Foi este o dano que a sentença recorrida valorou e a que atribuiu indemnização, e, independentemente de se caracterizar como dano patrimonial ou não patrimonial, o que importa reter é que esse dano é, em si mesmo, indemnizável. Não é, porém, exacto, que esta indemnização esteja relacionada com o «abalo psicológico» do autor, a que alude o item 24) dos factos provados. Quanto ao valor da indemnização, basta atender que o veículo do autor está imobilizado, numa oficina à espera de reparação — porque a ré não autorizou que fosse feita [cfr. item 23) dos factos provados] — desde a data do acidente, em 14-02-2007, até ao presente. O que quer dizer que o autor está privado do seu veículo desde há dois anos e 8 meses. E neste contexto, o montante fixado, de 1.000€, não é excessivo. Consequentemente, a indemnização fixada deve ser mantida. 7. Sumário: 1) O preceito do n.º 1 do art. 566.º do Código Civil consagra, de forma inequívoca, o princípio da prevalência da reconstituição natural sobre a indemnização em dinheiro ou restituição por equivalente. 2) O conceito normativo de “excessivamente oneroso” a que alude o mesmo preceito legal, para efeitos da substituição da reconstituição natural do dano pela indemnização em dinheiro, deve equacionar-se na relação de proporcionalidade entre a dimensão do “interesse do lesado a reparar” e “o custo da reparação natural”. 3) Estando em causa a reparação de um veículo sinistrado em acidente de viação, o carácter excessivamente oneroso da reparação deve ser aferido, não apenas pela desproporção entre o valor venal ou de mercado do veículo à data do acidente, e o custo real da reparação, mas tomando em conta o valor global que o veículo representava na esfera patrimonial do lesado, nele se incluindo todas as vantagens e utilidades que o veículo proporcionava. 4) Neste sentido, não é excessivamente onerosa a reparação de um veículo pela quantia de € 3.228,87, cujo valor de mercado é de apenas € 2000,00, se não for provado que o lesado podia comprar, por este mesmo preço, um veículo com características semelhantes, em idêntico estado de conservação e de funcionamento e com o mesmo nível de utilização. 5) O dano relativo à privação do uso do veículo pode ser perspectivado numa dupla dimensão: 1) enquanto causa de prejuízos patrimoniais, traduzidos nos encargos suportados com o recurso a meios de transporte substitutivos ou na perda de vantagens económicas que proporcionava (se, por exemplo, se tratava de veículo de aluguer, gerador de rendimentos que deixaram de ser recebidos); 2) e enquanto causa de prejuízos não patrimoniais, inerentes à privação dos cómodos que o uso do veículo proporciona, mesmo para fins de laser. 6) Independentemente dessa caracterização, a jurisprudência prevalecente tem considerado que a mera privação do uso do veículo sempre envolve, para o seu proprietário, a perda de vantagens e utilidades que o mesmo lhe proporciona no dia a dia, designadamente a vantagem de o utilizar quando e como lhe aprouver, e, como tal, constitui, só por si, um dano indemnizável. 7) Não é excessiva a indemnização fixada em € 1.000,00 para compensar a privação do uso do veículo pelo período de 2 anos e 8 meses. IV – DECISÃO Por tudo o exposto: 1) Julga-se improcedente a presente apelação e confirma-se a sentença recorrida. 2) Custas pela apelante (art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).* Relação do Porto, 13-10-2009 António Guerra Banha Anabela Dias da Silva Sílvia Maria Pereira Pires (junto declaração) ___________________________ Proc. n.° 6020/07.7TBVNG.P1 DECLARAÇÃO DE VOTO Acompanho a decisão, discordando, contudo, quanto à fundamentação da atribuição da indemnização pelo dano resultante da privação do uso do veículo do Autor. Relativamente a esta indemnização, entendo que, visando o ressarcimento dos danos a reconstituição da situação que existiria caso não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação — art.° 562°, do C. Civil —, apenas são indemnizáveis os danos efectivamente verificados e não os meramente putativos, hipotéticos ou possíveis, exigindo-se que ocorra uma alteração negativa no património, na pessoa ou no modo de vida do lesado. Estes danos podem ser patrimoniais ou não patrimoniais, mas têm de ser reais. No caso em análise, verifica-se, em consequência de um acidente de viação, uma privação do poder de uso de um bem. Em resultado dessa privação, foram apuradas consequências concretas negativas para a pessoa do lesado, uma vez que resultou provado que a imobilização do veículo provocou no Autor um abalo psicológico, pois que a partir da data do acidente e até à presente data se viu privado da sua mota que era a “menina dos seus olhos”. Está, deste modo, provado um dano não patrimonial concreto para o Autor, resultante da imobilização do veículo, com a gravidade suficiente para lhe ser atribuída uma indemnização com o valor que foi fixado neste acórdão. Por isso subscrevi essa decisão, mas com esta fundamentação. * Porto, 13 de Outubro de 2009. Sílvia Maria Pereira Pires
Proc. n.º 6020/07.7TBVNG.P1 Recurso de Apelação Distribuído em 14-07-2009 Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto. I – RELATÓRIO 1. B………., residente na Rua ………., em Vila Nova de Gaia, instaurou, no Tribunal Judicial da comarca de Vila Nova de Gaia, acção declarativa de condenação com processo comum sumário contra COMPANHIA DE SEGUROS C………., S.A., com sede em Lisboa, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 6.788,87, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência de embate, ocorrido em 14-02-2007, pelas 22,25 horas, do veículo com a matrícula ..-..-RL, segurado na ré, no seu motociclo com a matrícula LO-..-.., acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, ou, em alternativa à quantia de € 3.288,87, a proceder à reparação do seu motociclo. A Ré contestou por impugnação, contradizendo a versão dos factos relativos ao embate ocorrido entre os dois veículos, de modo a justificar que a culpa por esse embate cabia apenas ao autor e assim excluir a sua obrigação de indemnizar, e, quanto aos danos, para além de os impugnar por desconhecimento, alegou ainda que o valor comercial do motociclo do autor era bastante inferior ao valor estimado da sua reparação, pelo que “a reconstituição natural sempre seria excessivamente onerosa” e assim haveria que proceder “à indemnização em dinheiro pelo valor do objecto”, como prevêem o n.º 1 do art. 566.º do Código Civil e o art. 20.º, n.º 1, do DL. 522/85, de 31/12. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, a fls. 74-84, que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a ré a proceder à reparação do motociclo do autor com a matrícula LO-..-.., e ainda a pagar ao autor a quantia de € 2.000,00 a título de indemnização por outros danos sofridos (sendo 1.000€ por danos não patrimoniais e outros 1.000€ pela privação do uso do seu veículo), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, desde a data da citação da ré até integral pagamento. 2. A ré, não se conformando com essa decisão na parte em que a condenou a custear a reparação do motociclo do autor e a indemnizar este pela privação do referido veículo, recorreu para esta Relação, extraindo das suas alegações as conclusões seguintes: 1.ª - O veículo do A. foi matriculado em 1991. 2.ª - O seu valor comercial, antes do embate, era de 2.000,00 € e o autor poderia adquirir no mercado um veículo de características semelhantes por esse valor. 3.ª - O valor dos salvados era de 250,00 €, proposta máxima conseguida. 4.ª - A reparação do veículo do A. foi orçada em 3.228,87 €. 5.ª - O valor do orçamento para a reparação (3.228,87 €) excede largamente o valor comercial do veículo (2.000,00 €). 6.ª - Sendo assim, a reconstituição natural é excessivamente onerosa, pelo que se deveria ter optado antes pelo critério da indemnização em dinheiro, como se prevê no art. 566.º do Código Civil. 7.ª - O valor a atribuir ao A. deveria ser o do valor do objecto (2.000,00 €), deduzido, porém, do valor do salvado (250,00 €), o que dá o valor de 1.750,00 €. 8.ª - Com os valores da indemnização e do salvado (total de 2.000,00 €), o A. poderia adquirir no mercado um veículo de características semelhantes, o que ficou provado. 9.ª - Também o actual regime do seguro obrigatório (DL 291/2007, de 21/08) estabelece, no seu art. 41.º, o critério de perda total e as respectivas consequências, inteiramente coincidentes com a aplicação do disposto no alegado art. 566.º do Código Civil. 10.ª - A sentença recorrida violou, nesta parte, o disposto no art. 566.º do Código Civil. 11.ª - Quanto à indemnização pela privação de uso, não foi provado que tivesse havido qualquer prejuízo patrimonial para o autor. 12.ª - Mas ficou provado que a imobilização provocou no autor um abalo psicológico por se ver privado da sua mota que era a "menina dos seus olhos", o que não revela que o A. tenha sofrido danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 13.ª - Por isso, nenhuma indemnização deveria ter sido fixada a esse título. 14.ª - A douta sentença violou, nesta parte, o n.º 1 do art. 496.º do Código Civil. Dos autos não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações. 3. À tramitação e julgamento do presente recurso é ainda aplicável o regime processual anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, porquanto respeita a acção instaurada antes de 1 de Janeiro de 2008 (foi instaurada em 20-06-2007). E por força do disposto no n.º 1 do art. 11.º do Decreto-Lei n.º 303/2007, o regime introduzido por este diploma legal não se aplica aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, que ocorreu em 1 de Janeiro de 2008 (art. 12.º do mesmo decreto-lei). De harmonia com as disposições contidas nos arts. 676.º, n.º 1, 684.º, n.ºs 2 e 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção aplicável, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que o apelante extrai das suas alegações e reportadas à decisão recorrida, sem prejuízo das questões que o tribunal deva conhecer oficiosamente (art. 660.º, n.º 2, in fine, do CPC). Pelo que, dentro desse âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que as partes submetam à sua apreciação, exceptuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outras (art. 660.º, n.º 2, do CPC). Com a ressalva de que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, a que alude o n.º 2 do art. 660.º do Código de Processo Civil, não se confunde nem compreende o dever de responder a todos os “argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes”, os quais, por muito respeitáveis que sejam, nenhum vínculo comportam para o tribunal, como flui do disposto no art. 664.º do Código de Processo Civil (cfr., entre outros, ANTUNES VARELA, em Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, p. 677-688; Ac. do TC n.º 371/2008, em www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/; acs. do STJ de 11-10-2001 e 10-04-2008 em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 01A2507 e 08B877; e ac. desta Relação de 15-12-2005, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 0535648). De modo que, tendo em conta os princípios antes enunciados e o teor das conclusões que a apelante extraiu das suas alegações, o objecto do recurso visa apenas a decisão de direito e compreende as seguintes questões: 1) se a condenação da ré a proceder à reparação do veículo do autor, com base no princípio da reconstituição natural, é excessivamente onerosa e impõe, face ao disposto no art. 566.º, n.º 1, do Código Civil, a opção pela indemnização em dinheiro; 2) se o autor não tem direito a indemnização pela privação do uso do veículo. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II – FACTOS PROVADOS 4. Na primeira instância foram julgados provados os factos seguintes: 1) O Autor é dono do motociclo de marca Honda, modelo ……., com a matrícula LO-..-... 2) A Ré é uma sociedade anónima que se dedica à celebração de contratos de seguro, nomeadamente de veículos automóveis. 3) Em 14 de Fevereiro de 2007 o veículo automóvel de passageiros, de marca Opel …… e com a matrícula ..-..-RL pertencia a D………. . 4) No exercício da sua actividade, a Ré acordou com D………. assumir a responsabilidade pela indemnização dos danos causados a terceiros decorrentes da circulação do veículo de matrícula ..-..-RL, o que foi titulado pela apólice 06-………., encontrando-se tal acordo em vigor em 14/02/2007. 5) No dia 14 de Fevereiro de 2007, por volta das 22.25 h., o Autor conduzia o veículo referido em 1) na ………., Vila Nova de Gaia, no sentido Norte/Sul. 6) A referida avenida é constituída por duas faixas de circulação rodoviária, separadas por uma divisória em cimento, tendo a faixa no sentido Norte/Sul, duas vias de circulação, tendo cada uma a largura de mais ou menos 3,40 m. 7) Depois da curva que antecede a recta da faixa de circulação em que seguia o Autor e, antes da paragem de autocarros, em frente à entrada do E………., há duas vias de circulação rodoviária. 8) Estando, como normalmente está e se verificava no dia e hora referidos em 5), parte da via junto à berma ocupada com veículos automóveis estacionados. 9) Porém, permite a circulação de veículos de menor largura, como o do Autor, que continuou a utilizar a faixa do lado direito. 10) Próximo da entrada do E………. a faixa de rodagem em que seguia o Autor e o veículo RL alarga cerca de 3,30 m e numa extensão de mais ou menos 13 m, devido à existência de uma paragem de autocarros, originando uma terceira via de circulação que está sempre ocupada com veículos automóveis parados. 11) Os veículos circulavam a uma velocidade aproximada de 30 Km/h. 12) Era noite e o local do embate era uma recta com boa iluminação, e o piso é de alcatrão e estava seco. 13) O Autor circulava na sua faixa de rodagem, sinalizando com luzes a sua marcha. 14) O facto referido em 8) não permite a circulação de automóveis, por essa via direita, tendo estes que utilizar a via do lado esquerdo, o que fez o condutor do veículo RL. 15) O Autor e o veículo ..-..-RL, conduzido pelo seu proprietário, circulavam na direcção Norte/Sul, o primeiro na parte livre da via do lado direito e o segundo na via do lado esquerdo e atrás de outros veículos automóveis. 16) O condutor do RL, no local onde a faixa de rodagem forma 3 vias de circulação, não verificando que o Autor seguia quase que a seu lado, guinou para a direita invadindo a via em que o Autor circulava. 17) E fê-lo sem que nada o justificasse, sem qualquer sinalização, imprevista e repentinamente. 18) E em bateu de forma brusca, com a porta da frente e retrovisor do lado direito no lado esquerdo da mota do Autor. 19) A colisão provocou o desequilíbrio da mota e do Autor e o consequente descontrolo daquela, que veio a ser projectada para a direita. 20) Vindo o Autor a cair no chão e a mota a embater nas traseiras de um veículo automóvel que estava parado mais à frente e junto à berma, ficando aí imobilizada no chão. 21) Em consequência a viatura do Autor sofreu estragos, tendo várias peças ficado inutilizadas e a necessitar de ser substituídas, tendo a reparação desse veículo sido orçada em € 3.228,87. 22) O Autor sofreu várias escoriações, tendo recebido tratamento no hospital ………. . 23) A Ré não deu ordens para reparação do veículo do Autor o qual, por esse facto e devido aos danos que sofreu, se encontra imobilizado nas oficinas da F………. . 24) Tal imobilização provocou no Autor um abalo psicológico, pois que a partir da data do acidente e até à presente data se viu privado da sua mota que era a "menina dos seus olhos". 25) O valor comercial do veículo LO antes do acidente era de € 2.000, sendo que o Autor poderia adquirir no mercado um veículo de características semelhantes ao LO por esse valor. 26) Pelos salvados do LO não foi conseguida pela Ré proposta de valor superior a € 250,00. 27) O LO foi matriculado em 1991. Estes factos não foram impugnados pela apelante, pelo que se têm por definitivamente fixados, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 684.º, n.ºs 2, 3 e 4, 690.º-A, n.º 1, e 712.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Civil. III – AS QUESTÕES DO RECURSO 5. A primeira questão que a recorrente suscita refere-se à modalidade da prestação fixada na sentença recorrida por conta da obrigação de indemnizar o autor pelos danos sofridos no seu motociclo. Entende a recorrente que a sua condenação a proceder à reparação do veículo do autor, com base no princípio da reconstituição natural, é excessivamente onerosa e, por isso, o preceito do n.º 1 do art. 566.º do Código Civil impõe que a indemnização seja fixada em dinheiro (cfr. conclusão 6.ª). Esta questão já havia sido suscitada pela ré na sua contestação, na medida em que o autor tinha pedido, a título de reparação dos danos sofridos no seu motociclo, que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 3.288,87 correspondente ao custo da reparação do motociclo, ou, em alternativa, a proceder à reparação do motociclo. Pronunciando-se sobre esta questão, a sentença recorrida apreciou-a e decidiu-a nos seguintes termos: «O objectivo da indemnização é idealmente colocar o lesado na situação em que se encontraria se não fosse o acontecimento produtor do dano. … o art. 566.º, n.ºs 1 e 2, do citado diploma legal [refere-se ao Código Civil] consagra a prevalência da indemnização por reconstituição natural, só se admitindo a indemnização pecuniária sucedânea da reparação em espécie quando essa reparação não for possível, ou não reparar integralmente os danos, ou for excessivamente gravosa para o devedor. No caso em apreço, em consequência do acidente o veículo do Autor ficou com várias peças inutilizadas e a necessitar de ser substituídas, tendo a sua reparação sido orçada em € 3.228,87. O veículo ainda não se encontra reparado, encontrando-se imobilizado numa oficina, pelo que a reparação em forma específica ainda é possível. Ora a Ré não fez prova de que a reparação fosse excessivamente onerosa para si própria, ou que o custo da mesma fosse flagrantemente desproporcionado em relação à satisfação do interesse na reintegração da situação anterior ao sinistro. Apenas se provou que o veículo valia € 2.000 [valor comercial] antes do embate; que pelos salvados a Ré não conseguiu proposta superior a € 250 e que o custo da reparação foi orçado em € 3.228,87. Acresce que sobre a Ré impende a obrigação de repor o património do Autor no estado em que se encontrava antes do acidente, sendo que nessa data este dispunha de um veículo que satisfazia as suas necessidades, tendo, consequentemente direito a que seja reposta a sua situação patrimonial existente antes do acidente. Deste modo não há que levar aqui em conta o valor venal do veículo à data do acidente calculado como se o Autor o vendesse nessa data ou comprasse outro equivalente, mas antes o valor do prejuízo sofrido pelo Autor em consequência do acidente, que corresponde precisamente ao montante necessário para proceder à reparação do seu veículo. Assim sendo, não pode prevalecer a tese defendida pela Ré na sua contestação quanto ao modo de ressarcimento do dano sofrido pelo Autor, devendo esta reparar o veículo, repondo-o no estado em que o mesmo se encontrava antes do embate.» Ressalvado um ou outro pormenor de redacção — não nos parece exacto que a ré, enquanto obrigada a indemnizar, tenha que “repor o património do autor no estado em que se encontrava antes do acidente”, mas temos por exacto que o autor “tem direito a que seja reposta a sua situação patrimonial que existiria se não tivesse ocorrido o acidente”, porquanto o art. 562.º do Código Civil dispõe que “o obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, referindo-se, portanto, não à situação (real) anterior à lesão, mas à situação (hipotética) que existira se não fosse a lesão (v. ANTUNES VARELA, em Das Obrigações em Geral, vol. I, 2.ª edição, Almedina, 1973, p. 761) — concordamos com o essencial desta análise, designadamente na parte em que considera, como elemento particularmente relevante, que, à data do acidente, “o veículo satisfazia as necessidades do autor” e, por isso, “não há que levar aqui (apenas) em conta o valor venal do veículo à data do acidente, calculado como se o Autor o vendesse nessa data …, mas antes o valor do prejuízo (económico) sofrido pelo Autor em consequência do acidente, que corresponde precisamente ao montante necessário para proceder à reparação do seu veículo”. Com todo o respeito por opinião contrária, cremos que esta apreciação é a que melhor se harmoniza com o princípio da reparação integral do dano com prevalência pela modalidade da reconstituição natural, a que aludem os arts. 562.º e 566.º, n.º 1, do Código Civil e, bem assim, com a interpretação que lhes é dada pela doutrina e pela jurisprudência. Com efeito, o artigo 562.º do Código Civil, ao dispor que o “obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”, consagra o princípio da reparação integral do dano através da “reconstituição da situação que existiria”, se o facto lesivo não se tivesse verificado. Por sua vez, o n.º 1 do art. 566.º do Código Civil prescreve que “a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”. Consagrando, de forma inequívoca, o princípio da prevalência da reconstituição natural sobre a indemnização em dinheiro ou restituição por equivalente (cfr. M. J. ALMEIDA COSTA, em Direito das Obrigações, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1984, p. 524). Escreve o PROF. ANTUNES VARELA (ob. cit. p. 760) que “o fim precípuo da lei nesta matéria é, por conseguinte, o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes”. E concretizando, exemplifica: “Se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóia, etc.) … há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado”, ou [se o dano consistiu] em estragos nele produzidos [há que proceder] ao conserto, reparação ou substituição da coisa por conta do agente”. A reconstituição natural do dano só será substituída pela indemnização em dinheiro se, no caso concreto, ocorrer uma das três situações referidas no n.º 1 do art. 566.º do Código Civil, ou seja: 1) se não for possível a reconstituição natural; 2) se a reconstituição natural não repare integralmente os danos; 3) ou se a reconstituição natural se tornar “excessivamente onerosa” para o devedor. Verificando-se alguma destas situações, desde que alegadas e provadas pelas respectivos interessados, a reparação do dano faz-se através da indemnização em dinheiro. Neste caso, a ré alegou que a reparação do dano pela reconstituição natural, ou seja, a custear a reparação dos estragos causados no veículo do autor, era “excessivamente onerosa”. Justificando esta “excessiva onerosidade” na desproporção existente entre o valor comercial do veículo (2.000€) e o valor da reparação (€3.288,87). Assim, o ponto nuclear da questão radica no conceito normativo de “excessivamente oneroso”. O que leva a definir se o carácter excessivamente oneroso da reparação deve ser apenas reportado ao valor comercial do veículo, como faz a recorrente, ou se deve, antes, ser reportado ao “interesse do lesado” que foi violado, aferido não só pelo valor patrimonial do veículo mas também pelo conjunto de vantagens económicas que o veículo proporcionava ao autor, como considerou a sentença recorrida. O PROF. ANTUNES VARELA (em ob. cit. p. 762) entende que a reconstituição natural é excessivamente onerosa “quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável”. Também o PROF. ALMEIDA COSTA (ob. cit. p. 525) diz que a reconstituição natural é excessivamente onerosa “sempre que exista flagrante desproporção entre o interesse do lesado e o custo da restauração natural para o responsável”. Como se vê, ambos equacionam a questão na relação de proporcionalidade entre a dimensão do “interesse do lesado a reparar” e “o custo da reparação natural”. E não apenas entre “o valor patrimonial da coisa danificada”, que comporta uma dimensão valorativa mais restrita do que pode ter “o interesse do lesado a reparar”, e “o custo da sua reparação natural”. Ao nível da jurisprudência, a questão tem sido colocada, por diversas vezes, em relação a casos concretos idênticos ao sub judicio. E na globalidade desses casos, a jurisprudência tem considerado que a excessiva onerosidade tem que ser aferida entre o custo efectivo da reparação e o valor que o veículo representa na esfera patrimonial do lesado. E não apenas o valor comercial ou de mercado do veículo. Decidiram neste sentido, citando apenas os mais recentes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-03-2009, 05-06-2008, 04-12-2007 e 05-07-2007, todos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ procs. n.º 09B0520, 08P1370, 07B4219 e 07B1849, respectivamente. É também este o entendimento que tem sido seguido nesta Relação, de que é exemplo mais recente o acórdão de 25-06-2009, em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ proc. n.º 419/04.8TBVLC.P1. Concretizando as situações apreciadas nalgumas dessas decisões e que podem servir de referência ao caso destes autos, o ac. do STJ de 19-03-2009 decidiu que «verificando-se que o veículo sinistrado era uma viatura pesada de transporte de cimento a granel e que na altura do acidente circulava por força da dessa actividade da A., estando “especialmente preparado” para a mesma, apesar de o valor do veículo ser de apenas 3.500€ e de o valor da reparação ser de 23.584,74€, tal não implica excessiva onerosidade, pois a matéria de facto não indicia que com aquele montante, a lesada pudesse adquirir um veículo idêntico». E os acs. do STJ de 05-06/2008 e de 05-07-2007 consideraram que “na ponderação da situação da excessiva onerosidade para o devedor não podem deixar de ser considerados factores subjectivos, respeitantes não só (embora primacialmente) à pessoa do devedor, e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, mas também às condições do lesado, e ao seu justificado interesse específico na reparação do objecto danificado, antes que no percebimento do seu valor em dinheiro”. Por isso, o primeiro concluiu que “não é de considerar excessivamente onerosa para a ré – uma companhia de seguros – a reparação do veículo do autor, danificado em acidente de viação ocorrido por culpa do segurado daquela, sendo de € 15.500,00 o valor de mercado do veículo à data do acidente, de € 1.000,00 o valor dos salvados, e de € 17.277,89 o valor da reparação…”. E o segundo concluiu que “um veículo já com muito uso pode ter um valor comercial pouco significativo, mas, ainda assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor de mercado, pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, por não lhe permitir a aquisição de uma viatura da mesma marca, com as mesmas características e com o mesmo uso”. Por sua vez, o ac. do STJ de 04-12-2007 refere que “um dos pólos da determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação; o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado”. Por isso concluiu: “Se a ré seguradora quer beneficiar da excepção não lhe basta «encostar-se» ao valor venal; antes precisa de alegar e provar que o autor podia adquirir no mercado, e por que preço, um outro veículo que igualmente lhe satisfizesse as suas necessidades «danificadas»”. Foi também neste sentido que concluiu o acórdão da Relação do Porto acima citado: “Para se aferir daquela excessiva onerosidade não pode entrar em linha de conta apenas o valor da reparação e o valor venal ou de mercado do veículo acidentado, posto que se impõe o seu confronto com o valor de uso que o lesado daquele extrai pelo facto de o ter à sua disposição para satisfação das suas necessidades”. Foi este o entendimento que foi seguido na sentença recorrida para alcançar a decisão condenatória da ré a proceder ou (o que é a mesma coisa) a custear o valor da reparação do motociclo do autor. É certo que, neste caso, consta provado que “o Autor poderia adquirir no mercado um veículo de características semelhantes” ao seu pelo valor comercial que a este foi atribuído, de € 2.000 [cfr. item 25) dos factos provados]. Mas poder adquirir um outro veículo de “características semelhantes” não é a mesma coisa, em termos de valor económico, que poder adquirir um veículo que pudesse garantir ao autor a mesma utilização e proporcionar as mesmas vantagens que este prestava. Tanto mais que, com é do conhecimento geral e pode ser constado através de qualquer catálogo de veículos usados, o valor comercial dos veículos usados é aferido, sobretudo, pelo ano da matrícula, independentemente do seu estado de conservação e funcionamento. Quer isto dizer que o facto de o autor poder comprar um outro motociclo de características semelhantes, ou seja, da mesma marca, do mesmo modelo ou com a mesma cilindrada, tal não significa que o seu estado de conservação e funcionamento fosse idêntico e lhe pudesse proporcionar o mesmo nível de utilização. E é também, ou sobretudo, ao nível do funcionamento do veículo e do seu estado de utilização que o prejuízo ou o “interesse lesado” tem que ser avaliado e comparado com o custo da reparação. Era, pois, necessário que também estivesse provado que, com o mesmo dinheiro, o autor podia comprar um veículo que, para além de ter características semelhantes ao seu, teria um estado de conservação e de funcionamento semelhantes e podia garantir-lhe um nível de utilização semelhante. E é a perda dessa utilidade económica que não está confirmada como passível de reparação mediante o pagamento ao autor do custo do valor comercial do veículo. Deste modo, há que confirmar a decisão da 1.ª instância relativa à obrigação de indemnizar imposta à ré baseada no pagamento do custo da reparação do veículo. Resta, porém, acrescentar uma breve nota, a propósito do teor da conclusão 9.ª, para dizer que o art. 41.º do DL 291/2007, de 21/08, para além de não ser aplicável a este caso, insere-se no capítulo da regularização extra-judicial dos sinistros. Em nada interferindo com a interpretação que ficou exposta a propósito da aplicação ao caso dos arts. 562.º e 566.º, n.º 1, do Código Civil. Mas a sua invocação aqui pela recorrente não deixa de sugerir alguma perversidade, na medida em que não consta que tenha disponibilizado ao autor o veículo de substituição a que alude o art. 42.º do mesmo Decreto-Lei, como, coerentemente, lhe era exigido que disponibilizasse. E assim também evitaria que o autor viesse pedir indemnização pelo dano relativo à privação do uso do seu veículo, a que se refere a questão seguinte. 6. Discorda ainda a ré da decisão que também a condenou a indemnizar o autor pelo dano da privação do uso do seu veículo. Defende a recorrente que não há lugar a esta indemnização porque “não foi provado que tivesse havido qualquer prejuízo patrimonial para o autor” (cfr. conclusão 11.ª) e porque o “abalo psicológico” que essa situação lhe causou, nos termos referidos no item 24) dos factos provados, não tem gravidade suficiente para merecer tutela indemnizatória (cfr. conclusão 12.ª). A indemnização fixada a favor do autor pela privação do uso do seu veículo reporta-se ao facto provado descrito no item 23), que refere que “a ré não deu ordens para a reparação do veículo do Autor, o qual, por esse facto e devido aos danos que sofreu, se encontra imobilizado nas oficinas da F……….”. E a sentença recorrida justificou-a no seguinte contexto: «Da matéria de facto provada não é possível concluir pela existência de prejuízos patrimoniais na esfera jurídica do Autor pelo facto de ter ficado privado do seu veículo, nem que este tivesse tido que despender qualquer quantia com vista a substituir o mesmo por qualquer outro meio de transporte, nem que em consequência dessa situação o Autor tivesse deixado de obter um benefício concreto. Já os incómodos derivados da impossibilidade de utilizar esse veículo durante o período de cerca de dois anos constituem danos de natureza não patrimonial. A posição clássica da doutrina e da jurisprudência relativamente a esta matéria era a de que, traduzindo-se a privação do veículo em meros incómodos, esses danos não seriam tutelados pelo direito, pelo que não deveriam ser indemnizáveis (neste sentido, vide Pires de Lima e Antunes Varela, in C.Civil Anotado, anotação ao art. 496.º). Porém, considera-se que actualmente essa posição se encontra desactualizada, uma vez que a utilização dos veículos motorizados faz já parte do dia a dia dos cidadãos, que contam com eles para satisfazer muitas das suas necessidades pessoais e profissionais, podendo a sua falta, sobretudo se prolongada, causar graves transtornos ao lesado, quer directamente, quer pela desorganização da sua vida familiar – neste sentido, vide Ac. da RL de 4/6/98, in C.J., T/I, pág. 123.» Como se constata, a sentença recorrida perspectivou o dano relativo à privação do uso do veículo numa dupla dimensão: 1) enquanto causa de prejuízos patrimoniais, traduzidos nos encargos acrescidos com o recurso a meios de transporte substitutivos ou na perda de vantagens económicas que proporcionava (se, por exemplo, se tratava de veículo de aluguer, gerador de rendimentos que deixaram de ser recebidos); 2) e enquanto causa de prejuízos não patrimoniais, inerentes à privação dos cómodos que o uso do veículo proporciona mesmo para fins de laser. Vindo a fixar indemnização, não a título de prejuízo patrimonial, mas a título de prejuízo não patrimonial, nos termos do disposto no art. 496.º do Código Civil. Esta dupla dimensão já foi por nós relevada em anteriores decisões e é conceptualmente admitida na jurisprudência, embora se reconheça persistir uma tendência claramente maioritária para integrar aquelas duas situações no âmbito dos danos patrimoniais. São disso exemplo, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24-01-2008, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 07B3557, e de 05-07-2007, em www.dgsi.pt/jstj.nsf/ proc. n.º 07B1849. O primeiro considerou que: “O ressarcimento do dano da privação do uso do veículo, imobilizado para reparação dos estragos sofridos em consequência do acidente, alcança-se facultando ao lesado um veículo de substituição, ou indemnizando-o pelas despesas por ele suportadas em consequência da privação do veículo. O princípio da restauração «in natura» impõe, no que concerne ao veículo de substituição, que o lesante (ou a sua seguradora) disponibilize ao lesado um veículo da mesma gama ou semelhante, com características idênticas às do danificado, ou assuma a obrigação do pagamento do aluguer de um tal veículo. Provado que o autor … ficou privado da utilização do seu veículo … em consequência dos danos por este sofridos em acidente de viação devido a culpa exclusiva do segurado da ré, tem ele direito a uma viatura de substituição de características idênticas, da mesma ou de outra marca. Não lhe tendo a seguradora da ré disponibilizado tal viatura de substituição, deve indemnizar o autor pelas despesas que este suportou com o aluguer de um outro veículo”. O segundo, a propósito de uma situação de mera privação da disponibilidade do uso do veículo, considerou que “a privação do uso de um veículo automóvel, em consequência dos danos por ele sofridos em acidente de trânsito, envolve, para o seu proprietário, a perda de uma utilidade do veículo — a de o utilizar quando e como lhe aprouver — que, considerada em si mesma, tem valor pecuniário. Assim, essa privação constitui, só por si, um dano patrimonial indemnizável, devendo recorrer-se à equidade, nos termos do disposto no art. 566.º/3 do Código Civil, para fixar o valor da respectiva indemnização”, quando não for possível apurar o valor exacto desse prejuízo. No mesmo sentido deste último, também decidiram, entre muitos outros, os recentes acórdãos desta Relação de 25-06-2009 e 19-03-2009, ambos em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ procs. n.º 134/06.8TBARC.P1 e n.º 3986/06.8TBVFR.P1, respectivamente, e ainda o ac. da Relação de Lisboa de 23-10-2007, em www.dgsi.pt/jtrl.nsf/ proc. n.º 8457/2007-7, relatado por Abrantes Geraldes, também autor da obra intitulada “Indemnização do Dano da Privação do Uso” (3.ª edição da Almedina), onde equaciona as teses que se confrontam sobre esta questão e cita abundante doutrina e jurisprudência, claramente prevalecentes a favor da obrigação de indemnizar a mera privação do uso do veículo como dano autónomo. E o certo é que o art. 42.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21/08 — citado pela recorrente a propósito do art. 41.º sobre a perda total do veículo, nos termos já acima referidos — veio conferir razão a esta doutrina, ao dispor, no seu n.º 1, que “verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente, nos termos previstos nos artigos anteriores”. Obrigação que, aliás, também já decorria dos arts. 483.º, n.º 1, e 562.º do Código Civil. E como se percebe, a obrigação de disponibilizar ao lesado o veículo de substituição é mera consequência da imobilização do veículo sinistrado, sem sujeição a outros condicionamentos relativos à prova da necessidade do veículo de substituição pelo lesado ou à prova do tipo de utilização que o lesado fazia do veículo sinistrado. De modo que, não tendo a seguradora disponibilizado ao autor um veículo de substituição, como devia, resta-lhe indemnizá-lo pelo dano inerente à privação que sofreu de utilizar quando e como lhe apetecia o seu veículo. Foi este o dano que a sentença recorrida valorou e a que atribuiu indemnização, e, independentemente de se caracterizar como dano patrimonial ou não patrimonial, o que importa reter é que esse dano é, em si mesmo, indemnizável. Não é, porém, exacto, que esta indemnização esteja relacionada com o «abalo psicológico» do autor, a que alude o item 24) dos factos provados. Quanto ao valor da indemnização, basta atender que o veículo do autor está imobilizado, numa oficina à espera de reparação — porque a ré não autorizou que fosse feita [cfr. item 23) dos factos provados] — desde a data do acidente, em 14-02-2007, até ao presente. O que quer dizer que o autor está privado do seu veículo desde há dois anos e 8 meses. E neste contexto, o montante fixado, de 1.000€, não é excessivo. Consequentemente, a indemnização fixada deve ser mantida. 7. Sumário: 1) O preceito do n.º 1 do art. 566.º do Código Civil consagra, de forma inequívoca, o princípio da prevalência da reconstituição natural sobre a indemnização em dinheiro ou restituição por equivalente. 2) O conceito normativo de “excessivamente oneroso” a que alude o mesmo preceito legal, para efeitos da substituição da reconstituição natural do dano pela indemnização em dinheiro, deve equacionar-se na relação de proporcionalidade entre a dimensão do “interesse do lesado a reparar” e “o custo da reparação natural”. 3) Estando em causa a reparação de um veículo sinistrado em acidente de viação, o carácter excessivamente oneroso da reparação deve ser aferido, não apenas pela desproporção entre o valor venal ou de mercado do veículo à data do acidente, e o custo real da reparação, mas tomando em conta o valor global que o veículo representava na esfera patrimonial do lesado, nele se incluindo todas as vantagens e utilidades que o veículo proporcionava. 4) Neste sentido, não é excessivamente onerosa a reparação de um veículo pela quantia de € 3.228,87, cujo valor de mercado é de apenas € 2000,00, se não for provado que o lesado podia comprar, por este mesmo preço, um veículo com características semelhantes, em idêntico estado de conservação e de funcionamento e com o mesmo nível de utilização. 5) O dano relativo à privação do uso do veículo pode ser perspectivado numa dupla dimensão: 1) enquanto causa de prejuízos patrimoniais, traduzidos nos encargos suportados com o recurso a meios de transporte substitutivos ou na perda de vantagens económicas que proporcionava (se, por exemplo, se tratava de veículo de aluguer, gerador de rendimentos que deixaram de ser recebidos); 2) e enquanto causa de prejuízos não patrimoniais, inerentes à privação dos cómodos que o uso do veículo proporciona, mesmo para fins de laser. 6) Independentemente dessa caracterização, a jurisprudência prevalecente tem considerado que a mera privação do uso do veículo sempre envolve, para o seu proprietário, a perda de vantagens e utilidades que o mesmo lhe proporciona no dia a dia, designadamente a vantagem de o utilizar quando e como lhe aprouver, e, como tal, constitui, só por si, um dano indemnizável. 7) Não é excessiva a indemnização fixada em € 1.000,00 para compensar a privação do uso do veículo pelo período de 2 anos e 8 meses. IV – DECISÃO Por tudo o exposto: 1) Julga-se improcedente a presente apelação e confirma-se a sentença recorrida. 2) Custas pela apelante (art. 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).* Relação do Porto, 13-10-2009 António Guerra Banha Anabela Dias da Silva Sílvia Maria Pereira Pires (junto declaração) ___________________________ Proc. n.° 6020/07.7TBVNG.P1 DECLARAÇÃO DE VOTO Acompanho a decisão, discordando, contudo, quanto à fundamentação da atribuição da indemnização pelo dano resultante da privação do uso do veículo do Autor. Relativamente a esta indemnização, entendo que, visando o ressarcimento dos danos a reconstituição da situação que existiria caso não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação — art.° 562°, do C. Civil —, apenas são indemnizáveis os danos efectivamente verificados e não os meramente putativos, hipotéticos ou possíveis, exigindo-se que ocorra uma alteração negativa no património, na pessoa ou no modo de vida do lesado. Estes danos podem ser patrimoniais ou não patrimoniais, mas têm de ser reais. No caso em análise, verifica-se, em consequência de um acidente de viação, uma privação do poder de uso de um bem. Em resultado dessa privação, foram apuradas consequências concretas negativas para a pessoa do lesado, uma vez que resultou provado que a imobilização do veículo provocou no Autor um abalo psicológico, pois que a partir da data do acidente e até à presente data se viu privado da sua mota que era a “menina dos seus olhos”. Está, deste modo, provado um dano não patrimonial concreto para o Autor, resultante da imobilização do veículo, com a gravidade suficiente para lhe ser atribuída uma indemnização com o valor que foi fixado neste acórdão. Por isso subscrevi essa decisão, mas com esta fundamentação. * Porto, 13 de Outubro de 2009. Sílvia Maria Pereira Pires