I – A privação do uso de veículo constitui, só por si, um dano patrimonial indemnizável, por traduzir uma lesão no património, de que faz parte o direito de utilização das coisas que o integram. II – A perda da possibilidade de utilização do veículo quando e como aprouver ao seu dono tem, claramente, valor económico, e não apenas quando outro veículo é alugado para substituir o danificado. III – Na fixação da correspondente indemnização e na ausência de prova de concretos danos, deve recorrer-se à equidade, fazendo um uso prudente das regras da experiência, com consideração – se disso for o caso – da quantia necessária para o aluguer de um veículo de características semelhantes.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. B………. e C………. vieram propor esta acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, contra Gabinete Português da Carta Verde e D………. . Pediram a condenação da primeira ré a pagar: - Ao autor C………. a indemnização global líquida de € 6463,67, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; - À autora B………. a indemnização global líquida de € 1000,00 acrescida de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento. Ou, se se entender de modo diverso, que a segunda ré seja condenada nesses mesmos pedidos. Como fundamento, alegaram que, no dia 28 de Dezembro de 2005, ocorreu um acidente de viação no ………., ………., em que foram intervenientes um veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-FH, propriedade do autor e na altura conduzido pela autora e o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula BE-……, propriedade de E………. e conduzido por F………. . O acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva desta condutora. Os danos importaram em € 1513,67. O veículo do autor ficou impossibilitado de circular até 3 de Março de 2006. O veículo sofreu ainda uma desvalorização. A autora sofreu danos não patrimoniais. O “Gabinete Carta Verde” deduziu contestação, pugnando pela improcedência da acção e absolvição dos pedidos, uma vez que o acidente não é imputável a culpa da condutora do veículo de matrícula suíça. Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, decidindo-se: a) condenar o primeiro réu Gabinete Português da Carta Verde a pagar ao autor a quantia de € 4.963,67 (quatro mil, novecentos e sessenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; b) absolver o mencionado réu do demais pedido. Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o réu, de apelação, tendo apresentado as seguintes Conclusões: ……………………………………………… ……………………………………………… ……………………………………………… Não foram apresentadas contra-legações. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a resolver: Trata-se de decidir se, no caso, é devida indemnização pelo dano de privação do uso do veículo. III. Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1) No dia 28 de Dezembro de 2005, pelas 10 horas e 30 minutos ocorreu um embate, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-FH, propriedade de C………. e conduzido na altura por B………., e o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula BE-……, propriedade de E………. e conduzido por F………. (alínea A) dos factos assentes). 2) A condutora do “FH” encontrava-se a circular na estrada, no ………., no sentido ……….-………. (alínea B) dos factos assentes). 3) A responsabilidade civil emergente de acidente de viação estava transferida para a segunda ré seguradora, D1………., através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ……., representada em Portugal pelo Gabinete Português da Carta Verde, mediante o qual esta se obrigou a cobrir aquela responsabilidade pelos danos causados com a utilização do veículo “BE-…….” (alínea C) dos factos assentes). 4) No circunstancialismo referido em 2) a condutora do veículo “FH” circulava a uma velocidade inferior a 50 Km/h (artigo 1º da base instrutória). 5) E pela sua mão, o mais encostada à direita possível (artigo 2º da base instrutória). 6) A condutora do “BE-……” encontrava-se estacionada, no mesmo sentido de marcha do “FH” (artigo 3º da base instrutória). 7) E tinha sinalizado tal manobra com o sinal intermitente de pisca do lado direito do veículo (artigo 4º da base instrutória). 8) Confrontada com o veículo “BE-……”, a condutora do veículo “FH” faz sinal de pisca do lado esquerdo, sinalizando a sua intenção de realizar a manobra de ultrapassagem (artigo 5º da base instrutória). 9) E, abrandando, inicia a manobra de ultrapassagem do veículo “BE-……” (artigo 6º da base instrutória). 10) De forma repentina a condutora do “BE-……” vira à sua esquerda, em direcção a um portão de uma propriedade (artigo 7º da base instrutória). 11) Passando a ocupar a hemi faixa de rodagem por onde a condutora do “FH” circulava, atento o sentido de marcha ……….-………. (artigo 8º da base instrutória). 12) Ao realizar a referida manobra, a condutora do veículo”BE-……” veio a colher o veículo “FH” na faixa de rodagem deste (artigo 9º da base instrutória). 13) Devido à manobra referida em 10) a condutora do “FH” não realizou qualquer travagem (artigo 10º da base instrutória). 14) A condutora do veículo “FH” tentou desviar o mesmo para a berma da esquerda (artigo 11º da base instrutória). 15) Mas não logrou bom resultado (artigo 12º da base instrutória). 16) Com o embate da frente lateral esquerda do veículo “BE-……” na frente lateral direita do veículo “FH”, este último foi projectado para a berma esquerda da via, atento o sentido de marcha ……….-………. (artigo 13º da base instrutória). 17) Por via de tal embate, veio o veículo “FH” a embater nuns esteios, bem como num pilar em pedra e ainda numa vedação de rede (artigo 14º da base instrutória). 18) O veículo “FH” foi projectado para o exterior da estrada por onde se encontrava a circular (artigo 15º da base instrutória). 19) E ficou imobilizado a cerca de 7 metros do local do embate (artigo 16º da base instrutória). 20) Como consequência directa e necessária do embate, o veículo “FH” sofreu destruição do capot (artigo 18º da base instrutória). 21) E destruição de pára-choques frontal (artigo 19º da base instrutória). 22) E destruição dos dois guarda-lamas da frente (artigo 20º da base instrutória). 23) E destruição da forra interior do capot (artigo 21º da base instrutória). 24) E destruição da forra interior do guarda-lamas direito e esquerdo (artigo 22º da base instrutória). 25) E destruição de um pneu (artigo 23º da base instrutória). 26) E destruição da óptica da frente direita (artigo 24º da base instrutória). 27) E destruição da grelha (artigo 25º da base instrutória). 28) E destruição da cava de roda esquerda e direita (artigo 26º da base instrutória). 29) Os danos referidos de 20) a 28) importam um custo de €1513,67 (artigo 27º da base instrutória). 30) O veículo “FH” ficou impossibilitado de circular (artigo 28º da base instrutória). 31) Desde 28 de Dezembro de 2005 até 3 de Março de 2006 o autor esteve privado de usar o veículo “FH” (artigo 29º da base instrutória). 32) Um veículo da gama do “FH” custa em média € 54,93 (artigo 30º da base instrutória). 33) O veículo, à data referida em 1), encontrava-se no estado de semi- novo (artigo 31º da base instrutória). IV. Está apenas em causa no recurso saber se deve ser atribuída indemnização pelo dano de privação do uso do veículo do autor. Na sentença, a este respeito, afirmou-se somente que O veículo do autor esteve imobilizado desde a data do acidente até 3 de Março de 2006. Atento os factos provados sob os artigos 30) a 32) dos factos provados, tem a ré que pagar ao autor a quantia de € 3450, pela reparação do veículo. Esses factos, como se viu, são os seguintes: O veículo “FH” ficou impossibilitado de circular Desde 28 de Dezembro de 2005 até 3 de Março de 2006 o autor esteve privado de usar o veículo “FH”. Um veículo da gama do “FH” custa em média € 54,93. Sustenta o Recorrente que não se tendo apurado que o autor tivesse sofrido qualquer diminuição patrimonial, pelo facto de o seu veículo ter estado impedido de circular, não é devida qualquer compensação indemnizatória a esse título. Tem razão em parte, uma vez que o montante fixado na sentença parece excessivo. Temos defendido que a privação do uso de veículo constitui, só por si, um dano patrimonial indemnizável, por traduzir uma lesão no património, de que faz parte o direito de utilização das coisas que o integram[1]. Como se afirma no Acórdão do STJ de 05.07.2007, o dano produzido atinge, neste caso, a propriedade – direito que tem como manifestações, entre outras, a possibilidade de utilizar a coisa e a capacidade de dispor materialmente dela; possibilidade e capacidade que são retiradas ao proprietário durante o tempo em que, por via do dano produzido, está privado do veículo. E a perda da possibilidade de utilização do veículo quando e como lhe aprouver tem, claramente, valor económico, e não apenas quando outro veículo é alugado para substituir o danificado. Segundo A. Abrantes Geraldes[2], a privação do uso, desacompanhada da sua substituição por um outro ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma “fatia” dos poderes inerentes ao proprietário. Nestas circunstâncias, não custa compreender que a simples privação do uso seja causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que possa servir de base à determinação da indemnização. E mesmo que se considere que a situação não atinge a gravidade susceptível de merecer a sua inclusão na categoria de danos morais, nos termos do art. 496º nº 1 do CC, é incontornável a percepção de que entre a situação que existia se não houvesse o sinistro e aquela que se verifica na pendência da privação existe um desequilíbrio que, na falta de outra alternativa, deve ser compensado através da única forma possível, ou seja, mediante a atribuição de uma quantia adequada. Neste sentido se pronuncia também L. Teles de Menezes Leitão[3], referindo que entre os danos patrimoniais se inclui naturalmente a privação do uso das coisas ou prestações, como sucede no caso de alguém ser privado da utilização de um veículo seu (...). Efectivamente, o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano. Acrescenta este Autor que a avaliação pecuniária do dano far-se-á naturalmente pela consideração do valor locativo do veículo. Do mesmo modo, A. Abrantes Geraldes, depois de aludir ao recurso à equidade, defende que os riscos de se cair no campo da discricionariedade, também ela potenciadora de injustiças, podem ser atenuados se se fizer um uso prudente das regras da experiência, tomando, por exemplo, como ponto de referência a quantia necessária para o aluguer de um bem de características semelhantes[4]. No caso, o montante da indemnização não pode ser simplesmente reportado ao valor diário do aluguer de um veículo automóvel da mesma gama do acidentado, uma vez que não se provou, nem sequer foi alegado, que, designadamente, o autor utilize diariamente o veículo nas suas deslocações. O autor alegou apenas que deve ser indemnizado por este dano, porquanto ficou privado de um meio de transporte imprescindível para o desenvolvimento da sua actividade e da sua vida normal, o que é manifestamente vago e conclusivo. Apenas se provou a privação do uso daquele veículo, não se tendo apurado que o autor tenha sofrido um prejuízo efectivo resultante dessa privação. É certo, porém, que ao autor deveria ser facultado, durante a paralisação, um veículo com as mesmas características do acidentado. Adverte A. Abrantes Geraldes[5] que, se não deve admitir-se para o lesado um benefício, também parece inadequado que seja o agente causador do sinistro (ou a sua seguradora) a beneficiar com uma injustificada poupança das despesas a que a paralisação o obrigaria. Apesar da exiguidade dos elementos provados, crê-se possível, com recurso à equidade e a regras de experiência, fixar o montante adequado para ressarcir este dano. Assim, considerando a privação do uso do veículo que a propriedade deste normalmente propiciaria e tendo como referência o valor do aluguer de um veículo da mesma gama do acidentado, que deveria ser facultado ao autor, parece-nos equilibrado e ajustado, para compensar aquele dano, o montante diário de €12,50. Atendendo a que a paralisação ocorreu entre 28 de Dezembro e 3 de Março, durante 64 dias, fixa-se a indemnização por este dano em € 800,00. V. Em face do exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente, revogando-se em parte a sentença e, em consequência: - condena-se o réu Gabinete Português da Carta Verde a pagar ao autor a quantia de € 2.313,67 (dois mil, trezentos e treze euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; - mantém-se o mais decidido. Custas nesta instância a cargo do apelante e do apelado na proporção do decaimento. Porto, 25 de Junho de 2009 Fernando Manuel Pinto de Almeida Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes _____________________ [1] Cfr. o acórdão desta Relação, por nós proferido, de 05.02.2004, CJ XXIX, 1, 178; neste sentido, os Acórdãos do STJ de 29.11.2005, CJ STJ XIII, 3, 151 e de 05.07.2007, em www.dgsi.pt. [2] Indemnização do Dano da Privação do Uso, 39. [3] Direito das Obrigações, Vol., 297; no mesmo sentido, Júlio Gomes, RDE 12 (1986), 169 e segs. Cfr. ainda do mesmo Autor, O Conceito de Enriquecimento, 278 e Cadernos de Direito Privado 3/2003, 62; também Brandão Proença, A Conduta do Lesado..., 676 e os Acs. desta Relação de 24.09.96 e de 01.04.2003, em http://www.dgsi.pt. [4] Ob. Cit. 53. [5] Ob. Cit., 51.
Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. B………. e C………. vieram propor esta acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, contra Gabinete Português da Carta Verde e D………. . Pediram a condenação da primeira ré a pagar: - Ao autor C………. a indemnização global líquida de € 6463,67, acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; - À autora B………. a indemnização global líquida de € 1000,00 acrescida de juros legais desde a citação até efectivo e integral pagamento. Ou, se se entender de modo diverso, que a segunda ré seja condenada nesses mesmos pedidos. Como fundamento, alegaram que, no dia 28 de Dezembro de 2005, ocorreu um acidente de viação no ………., ………., em que foram intervenientes um veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-FH, propriedade do autor e na altura conduzido pela autora e o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula BE-……, propriedade de E………. e conduzido por F………. . O acidente ficou a dever-se a culpa exclusiva desta condutora. Os danos importaram em € 1513,67. O veículo do autor ficou impossibilitado de circular até 3 de Março de 2006. O veículo sofreu ainda uma desvalorização. A autora sofreu danos não patrimoniais. O “Gabinete Carta Verde” deduziu contestação, pugnando pela improcedência da acção e absolvição dos pedidos, uma vez que o acidente não é imputável a culpa da condutora do veículo de matrícula suíça. Percorrida a tramitação normal, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, decidindo-se: a) condenar o primeiro réu Gabinete Português da Carta Verde a pagar ao autor a quantia de € 4.963,67 (quatro mil, novecentos e sessenta e sete euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; b) absolver o mencionado réu do demais pedido. Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o réu, de apelação, tendo apresentado as seguintes Conclusões: ……………………………………………… ……………………………………………… ……………………………………………… Não foram apresentadas contra-legações. Após os vistos legais, cumpre decidir. II. Questões a resolver: Trata-se de decidir se, no caso, é devida indemnização pelo dano de privação do uso do veículo. III. Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos: 1) No dia 28 de Dezembro de 2005, pelas 10 horas e 30 minutos ocorreu um embate, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-FH, propriedade de C………. e conduzido na altura por B………., e o veículo ligeiro de passageiros, de matrícula BE-……, propriedade de E………. e conduzido por F………. (alínea A) dos factos assentes). 2) A condutora do “FH” encontrava-se a circular na estrada, no ………., no sentido ……….-………. (alínea B) dos factos assentes). 3) A responsabilidade civil emergente de acidente de viação estava transferida para a segunda ré seguradora, D1………., através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º ……., representada em Portugal pelo Gabinete Português da Carta Verde, mediante o qual esta se obrigou a cobrir aquela responsabilidade pelos danos causados com a utilização do veículo “BE-…….” (alínea C) dos factos assentes). 4) No circunstancialismo referido em 2) a condutora do veículo “FH” circulava a uma velocidade inferior a 50 Km/h (artigo 1º da base instrutória). 5) E pela sua mão, o mais encostada à direita possível (artigo 2º da base instrutória). 6) A condutora do “BE-……” encontrava-se estacionada, no mesmo sentido de marcha do “FH” (artigo 3º da base instrutória). 7) E tinha sinalizado tal manobra com o sinal intermitente de pisca do lado direito do veículo (artigo 4º da base instrutória). 8) Confrontada com o veículo “BE-……”, a condutora do veículo “FH” faz sinal de pisca do lado esquerdo, sinalizando a sua intenção de realizar a manobra de ultrapassagem (artigo 5º da base instrutória). 9) E, abrandando, inicia a manobra de ultrapassagem do veículo “BE-……” (artigo 6º da base instrutória). 10) De forma repentina a condutora do “BE-……” vira à sua esquerda, em direcção a um portão de uma propriedade (artigo 7º da base instrutória). 11) Passando a ocupar a hemi faixa de rodagem por onde a condutora do “FH” circulava, atento o sentido de marcha ……….-………. (artigo 8º da base instrutória). 12) Ao realizar a referida manobra, a condutora do veículo”BE-……” veio a colher o veículo “FH” na faixa de rodagem deste (artigo 9º da base instrutória). 13) Devido à manobra referida em 10) a condutora do “FH” não realizou qualquer travagem (artigo 10º da base instrutória). 14) A condutora do veículo “FH” tentou desviar o mesmo para a berma da esquerda (artigo 11º da base instrutória). 15) Mas não logrou bom resultado (artigo 12º da base instrutória). 16) Com o embate da frente lateral esquerda do veículo “BE-……” na frente lateral direita do veículo “FH”, este último foi projectado para a berma esquerda da via, atento o sentido de marcha ……….-………. (artigo 13º da base instrutória). 17) Por via de tal embate, veio o veículo “FH” a embater nuns esteios, bem como num pilar em pedra e ainda numa vedação de rede (artigo 14º da base instrutória). 18) O veículo “FH” foi projectado para o exterior da estrada por onde se encontrava a circular (artigo 15º da base instrutória). 19) E ficou imobilizado a cerca de 7 metros do local do embate (artigo 16º da base instrutória). 20) Como consequência directa e necessária do embate, o veículo “FH” sofreu destruição do capot (artigo 18º da base instrutória). 21) E destruição de pára-choques frontal (artigo 19º da base instrutória). 22) E destruição dos dois guarda-lamas da frente (artigo 20º da base instrutória). 23) E destruição da forra interior do capot (artigo 21º da base instrutória). 24) E destruição da forra interior do guarda-lamas direito e esquerdo (artigo 22º da base instrutória). 25) E destruição de um pneu (artigo 23º da base instrutória). 26) E destruição da óptica da frente direita (artigo 24º da base instrutória). 27) E destruição da grelha (artigo 25º da base instrutória). 28) E destruição da cava de roda esquerda e direita (artigo 26º da base instrutória). 29) Os danos referidos de 20) a 28) importam um custo de €1513,67 (artigo 27º da base instrutória). 30) O veículo “FH” ficou impossibilitado de circular (artigo 28º da base instrutória). 31) Desde 28 de Dezembro de 2005 até 3 de Março de 2006 o autor esteve privado de usar o veículo “FH” (artigo 29º da base instrutória). 32) Um veículo da gama do “FH” custa em média € 54,93 (artigo 30º da base instrutória). 33) O veículo, à data referida em 1), encontrava-se no estado de semi- novo (artigo 31º da base instrutória). IV. Está apenas em causa no recurso saber se deve ser atribuída indemnização pelo dano de privação do uso do veículo do autor. Na sentença, a este respeito, afirmou-se somente que O veículo do autor esteve imobilizado desde a data do acidente até 3 de Março de 2006. Atento os factos provados sob os artigos 30) a 32) dos factos provados, tem a ré que pagar ao autor a quantia de € 3450, pela reparação do veículo. Esses factos, como se viu, são os seguintes: O veículo “FH” ficou impossibilitado de circular Desde 28 de Dezembro de 2005 até 3 de Março de 2006 o autor esteve privado de usar o veículo “FH”. Um veículo da gama do “FH” custa em média € 54,93. Sustenta o Recorrente que não se tendo apurado que o autor tivesse sofrido qualquer diminuição patrimonial, pelo facto de o seu veículo ter estado impedido de circular, não é devida qualquer compensação indemnizatória a esse título. Tem razão em parte, uma vez que o montante fixado na sentença parece excessivo. Temos defendido que a privação do uso de veículo constitui, só por si, um dano patrimonial indemnizável, por traduzir uma lesão no património, de que faz parte o direito de utilização das coisas que o integram[1]. Como se afirma no Acórdão do STJ de 05.07.2007, o dano produzido atinge, neste caso, a propriedade – direito que tem como manifestações, entre outras, a possibilidade de utilizar a coisa e a capacidade de dispor materialmente dela; possibilidade e capacidade que são retiradas ao proprietário durante o tempo em que, por via do dano produzido, está privado do veículo. E a perda da possibilidade de utilização do veículo quando e como lhe aprouver tem, claramente, valor económico, e não apenas quando outro veículo é alugado para substituir o danificado. Segundo A. Abrantes Geraldes[2], a privação do uso, desacompanhada da sua substituição por um outro ou do pagamento de uma quantia bastante para alcançar o mesmo efeito, reflecte o corte definitivo e irrecuperável de uma “fatia” dos poderes inerentes ao proprietário. Nestas circunstâncias, não custa compreender que a simples privação do uso seja causa adequada de uma modificação negativa na relação entre o lesado e o seu património que possa servir de base à determinação da indemnização. E mesmo que se considere que a situação não atinge a gravidade susceptível de merecer a sua inclusão na categoria de danos morais, nos termos do art. 496º nº 1 do CC, é incontornável a percepção de que entre a situação que existia se não houvesse o sinistro e aquela que se verifica na pendência da privação existe um desequilíbrio que, na falta de outra alternativa, deve ser compensado através da única forma possível, ou seja, mediante a atribuição de uma quantia adequada. Neste sentido se pronuncia também L. Teles de Menezes Leitão[3], referindo que entre os danos patrimoniais se inclui naturalmente a privação do uso das coisas ou prestações, como sucede no caso de alguém ser privado da utilização de um veículo seu (...). Efectivamente, o simples uso constitui uma vantagem susceptível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui naturalmente um dano. Acrescenta este Autor que a avaliação pecuniária do dano far-se-á naturalmente pela consideração do valor locativo do veículo. Do mesmo modo, A. Abrantes Geraldes, depois de aludir ao recurso à equidade, defende que os riscos de se cair no campo da discricionariedade, também ela potenciadora de injustiças, podem ser atenuados se se fizer um uso prudente das regras da experiência, tomando, por exemplo, como ponto de referência a quantia necessária para o aluguer de um bem de características semelhantes[4]. No caso, o montante da indemnização não pode ser simplesmente reportado ao valor diário do aluguer de um veículo automóvel da mesma gama do acidentado, uma vez que não se provou, nem sequer foi alegado, que, designadamente, o autor utilize diariamente o veículo nas suas deslocações. O autor alegou apenas que deve ser indemnizado por este dano, porquanto ficou privado de um meio de transporte imprescindível para o desenvolvimento da sua actividade e da sua vida normal, o que é manifestamente vago e conclusivo. Apenas se provou a privação do uso daquele veículo, não se tendo apurado que o autor tenha sofrido um prejuízo efectivo resultante dessa privação. É certo, porém, que ao autor deveria ser facultado, durante a paralisação, um veículo com as mesmas características do acidentado. Adverte A. Abrantes Geraldes[5] que, se não deve admitir-se para o lesado um benefício, também parece inadequado que seja o agente causador do sinistro (ou a sua seguradora) a beneficiar com uma injustificada poupança das despesas a que a paralisação o obrigaria. Apesar da exiguidade dos elementos provados, crê-se possível, com recurso à equidade e a regras de experiência, fixar o montante adequado para ressarcir este dano. Assim, considerando a privação do uso do veículo que a propriedade deste normalmente propiciaria e tendo como referência o valor do aluguer de um veículo da mesma gama do acidentado, que deveria ser facultado ao autor, parece-nos equilibrado e ajustado, para compensar aquele dano, o montante diário de €12,50. Atendendo a que a paralisação ocorreu entre 28 de Dezembro e 3 de Março, durante 64 dias, fixa-se a indemnização por este dano em € 800,00. V. Em face do exposto, julga-se a apelação parcialmente procedente, revogando-se em parte a sentença e, em consequência: - condena-se o réu Gabinete Português da Carta Verde a pagar ao autor a quantia de € 2.313,67 (dois mil, trezentos e treze euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora vincendos, contados à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; - mantém-se o mais decidido. Custas nesta instância a cargo do apelante e do apelado na proporção do decaimento. Porto, 25 de Junho de 2009 Fernando Manuel Pinto de Almeida Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo Mário Manuel Baptista Fernandes _____________________ [1] Cfr. o acórdão desta Relação, por nós proferido, de 05.02.2004, CJ XXIX, 1, 178; neste sentido, os Acórdãos do STJ de 29.11.2005, CJ STJ XIII, 3, 151 e de 05.07.2007, em www.dgsi.pt. [2] Indemnização do Dano da Privação do Uso, 39. [3] Direito das Obrigações, Vol., 297; no mesmo sentido, Júlio Gomes, RDE 12 (1986), 169 e segs. Cfr. ainda do mesmo Autor, O Conceito de Enriquecimento, 278 e Cadernos de Direito Privado 3/2003, 62; também Brandão Proença, A Conduta do Lesado..., 676 e os Acs. desta Relação de 24.09.96 e de 01.04.2003, em http://www.dgsi.pt. [4] Ob. Cit. 53. [5] Ob. Cit., 51.