Processo:3986/06.8TBVFR.P1
Data do Acordão: 18/03/2009Relator: BARATEIRO MARTINSTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I – A privação do uso de uma coisa, inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui, em termos naturalísticos, uma perda cuja constatação não é escamoteável. II – Em termos de distribuição do ónus da prova, pode-se ir ao ponto de afirmar que a privação do uso corresponde a um facto constitutivo do direito de indemnização correspondente ao dano imediatamente emergente e que, constatada a privação do uso determinativa da perda temporária das faculdades inerentes ao direito de propriedade, a negação da indemnização pressuporá a contraprova de factos atinentes ao inerente prejuízo patrimonial, isto é, que há um ónus da prova (contraprova) dos factos impeditivos, a cargo do responsável pela paralisação. III – Salvaguardadas as exigências da boa fé – art. 762º, do CC –, não existe suficiente justificação legal para exigir do lesado, como condição do oferecimento dum veículo de substituição, a comprovação do tipo de utilização que habitualmente dava ao veículo ou, sequer, a demonstração do uso que pretende dar ao veículo substitutivo. IV – A paralisação forçada da viatura é só por si um prejuízo indemnizável, não sendo pressuposto necessário de tal indemnização a alegação e prova de todas as despesas suportadas com transportes alternativos e/ou com veículos de substituição durante o período da paralisação, o que apenas contende com o “quantum” da indemnização, com a possibilidade de aceder a despesas acrescidas, mas não com o acesso à compensação devida pela privação do uso. V – Na hipótese de falta de prova de prejuízos concretos e quantificados, deve a mera privação do uso ser ressarcida com recurso à equidade.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
BARATEIRO MARTINS
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO PRIVAÇÃO DO USO EQUIDADE
No do documento
Data do Acordão
03/19/2009
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
REVOGADA EM PARTE.
Sumário
I – A privação do uso de uma coisa, inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui, em termos naturalísticos, uma perda cuja constatação não é escamoteável. II – Em termos de distribuição do ónus da prova, pode-se ir ao ponto de afirmar que a privação do uso corresponde a um facto constitutivo do direito de indemnização correspondente ao dano imediatamente emergente e que, constatada a privação do uso determinativa da perda temporária das faculdades inerentes ao direito de propriedade, a negação da indemnização pressuporá a contraprova de factos atinentes ao inerente prejuízo patrimonial, isto é, que há um ónus da prova (contraprova) dos factos impeditivos, a cargo do responsável pela paralisação. III – Salvaguardadas as exigências da boa fé – art. 762º, do CC –, não existe suficiente justificação legal para exigir do lesado, como condição do oferecimento dum veículo de substituição, a comprovação do tipo de utilização que habitualmente dava ao veículo ou, sequer, a demonstração do uso que pretende dar ao veículo substitutivo. IV – A paralisação forçada da viatura é só por si um prejuízo indemnizável, não sendo pressuposto necessário de tal indemnização a alegação e prova de todas as despesas suportadas com transportes alternativos e/ou com veículos de substituição durante o período da paralisação, o que apenas contende com o “quantum” da indemnização, com a possibilidade de aceder a despesas acrescidas, mas não com o acesso à compensação devida pela privação do uso. V – Na hipótese de falta de prova de prejuízos concretos e quantificados, deve a mera privação do uso ser ressarcida com recurso à equidade.
Decisão integral
Rel.: Barateiro Martins
Adjs.: Espírito Santo e Madeira Pinto
Apelação n.º 3986/06.8TBVFR.P1
T. Comarca de S. M. da Feira – 3.º Juízo Cível
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:
I – Relatório
B…………….., viúva, e C…………, solteiro, maior, ambos residentes na Rua ………….., ….., …º Esq., em Leça do Balio, propuseram acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra a “D……………, S.A.”, com sede na Praça …………, nº…., no Porto, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de € 8.227,40, acrescida das quantias vincendas e dos juros moratórios vencidos desde a citação até integral pagamento.
Alegaram, em síntese, que, no dia 16 de Dezembro de 2005, cerca das 02 horas, o veículo automóvel de matrícula ..-..-GC, seguro na Ré, embateu no veículo automóvel de matrícula PQ-..-.., pertença da Autora B…………. e conduzido pelo Autor C…………., embate que ocorreu por culpa exclusiva do condutor do “GC”.
Mais alegaram que, em virtude do acidente em causa, o veículo “PQ” ficou danificado, importando a sua substituição o montante de € 2.200,00, tendo ainda os Autores sofrido outros danos respeitantes ao depósito/recolha do veículo, ao aluguer de uma viatura de substituição e às deslocações, incómodos e atrasos na resolução deste assunto, que computam em € 1.719,90, € 3.307,50 e € 1.000,00, respectivamente, até à data da propositura da acção.
Contestou a Ré, aceitando a culpa do condutor do veículo por si seguro na produção do acidente, esclarecendo que os danos da viatura representaram “perda total” da mesma e impugnando, no mais, a factualidade vertida na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador e dispensada a selecção da matéria de facto assente e da base instrutória; instruído o processo e realizada a audiência, a Exma Juíza proferiu sentença em que concluiu do seguinte modo:
“ (…) julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decido:
a) Condenar a Ré “D………… Sagres, S.A.” a pagar à Autora B…………. a quantia de € 2.200,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento;
b) Absolver a Ré “D………….., S.A.” dos demais pedidos contra si formulados pelos Autores.
(…) ”

Inconformados com tal decisão, interpuseram os AA recurso de apelação, visando a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que conceda procedência a todos os pedidos formulados.
Terminam a sua alegação com conclusões em que – desprezando o disposto no art. 690.º, n.º 1, do CPC, na parte em que se diz que o recorrente “concluirá de forma sintética” – reproduzem quase na íntegra o que antes alegaram[1].
De tão prolixas conclusões – motivo por que aqui não se reproduzem – é possível extrair que impugnam as respostas negativas dadas aos artigos 17.º a 19.º da PI; que deve ser actualizado em função da taxa de inflação – atento o tempo decorrido entre a data da PI e a Sentença – o montante de 2.200,00 € correspondente ao valor do veículo; e que lhes devem ser atribuídos os 3 montantes indemnizatórios parcelares, decorrentes da paralisação do veículo, e que a sentença recorrida julgou totalmente improcedentes.

A R. respondeu, terminando as suas contra-alegações sustentando, em síntese, que deve ser mantida a sentença recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.*
*II – “Reapreciação” da decisão de facto
Como “questão prévia” à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação do apelante (art. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC) – analisar a questão a propósito da decisão de facto colocada a este Tribunal.
No caso vertente, os diversos depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª instância se baseou para decidir a matéria de facto, foram gravados. Constam, assim, do processo todos os elementos probatórios com que aquela instância se confrontou, quando decidiu a matéria de facto e é possível modificar aquela decisão, se enfermar de erro de julgamento[2].
Todavia, adverte-se, convém ser extremamente cauteloso e prudente no uso de tal faculdade, tanto mais que existem elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo de exteriorização e verbalização dos depoentes, não importados para a gravação, susceptíveis de influir, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhes.[3].
Será pois ciente dos riscos e dificuldades que sempre envolve a reapreciação da matéria de facto por este Tribunal irá enfrentar as questões, nesta sede, suscitadas.
Efectuado tal prévio esclarecimento e debruçando-nos sobre as concretas questões suscitadas em sede de recurso da matéria de facto, importa começar por referir – analisados os documentos juntos aos autos e ouvido o registo da sessão de julgamento – que não assiste razão aos apelantes.
Os factos que, segundo os AA/apelantes, foram incorrectamente julgados são os respeitantes ao desapossamento do veículo (por o veículo estar imobilizado e depositado na oficina E…………); ao pagamento diário por tal depósito; e ao aluguer dum veículo de substituição e respectivo custo diário.
Quanto ao 1.º facto, a impugnação é um equívoco.
O que foi dado como provado – e que consta do facto 16 deste acórdão – é factualmente suficiente e concludente; a dispensa da selecção da matéria de facto assente e da base instrutória – como foi o caso – tem, entre outros, o presente efeito: chegado o momento da impugnação da decisão de facto, faz-se abarcar nesta factos irrelevantes ou até matéria que não é de facto.
Quanto aos 2.º e 3.º factos, apreciando toda a prova produzida, entendemos que as respostas não podem ser diferentes das que a 1.ª Instância lhes deu.
As testemunhas que depuseram sobre o aparcamento — os F…………. e G…………. — não afirmaram que tenha sido feito, até ao momento, qualquer pagamento, pelo que, estando-se perante um “salvado” e atento o lapso de tempo decorrido, é razoável, num plano de normalidade, a dúvida sobre o custo diário (de € 11,49) invocado.
No que respeita à invocada utilização de uma viatura de substituição e respectivo custo, não obstante o depoimento da testemunha F…………, pairou a mesma dúvida; uma vez que foi impreciso quanto ao custo diário e visto que reconheceu que ainda nada foi pago.
Ademais, para prova de tais valores e pagamentos, não foram juntos quaisquer documentos idóneos; já que os de fls. 21 a 22 são, verdadeiramente, depoimentos escritos feitos por quem não tem a prerrogativa de depor por escrito (cfr. 624.º, n.º 2, do CPC).
Improcede assim o recurso de facto.*III. Fundamentação de Facto.
1 – A 1ª Autora é proprietária do veículo automóvel de marca Nissan, modelo Sunny, com a matrícula PQ-..-..;
2 – No dia 16 de Dezembro de 2005, cerca das 02:00h, na Rua Inacor, na freguesia de Fiães, concelho de Santa Maria da Feira, circulava o veículo “PQ” conduzido pelo 2º Autor;
3 – Na aludida rua circulava o veículo de marca Citroen, modelo AX, de matrícula ..-..-GC, propriedade de H………….., conduzido por I…………….. e no interesse e por conta de H……………;
4 – Naquele dia e hora, o veículo “GC” pretendia virar à esquerda, isto é, no sentido onde circulava o “PQ”;
5 – O condutor do veículo “GC” circulava em faixa de rodagem sinalizada por STOP;
6 – O condutor do veículo “GC” avançou para além do sinal STOP, colidindo com o veículo “PQ”;
7 – Acto contínuo, o veículo “PQ” foi embater num outro veículo de marca Fiat Punto, com a matrícula ..-..-GQ;
8 – Em consequência do embate, o veículo “PQ” sofreu danos visíveis na frente e lateral direita, mormente capô, radiador, grelha, reservatório de água e guarda-lamas lateral direito;
9 – Que impedem a circulação do veículo, o qual se encontra imobilizado desde a data do acidente até hoje;
10 – Em virtude do acidente, foi subscrita declaração amigável, assumindo o veículo “GC” a responsabilidade exclusiva dos danos ocasionados pelo acidente;
11 – Foi feita peritagem ao veículo pertença da 1ª Autora;
12 – Por carta datada de 2 de Janeiro de 2006, a Ré comunicou à 1ª Autora, concluindo que a reparação do veículo “PQ” “não é viável quer em termos técnicos quer em termos económicos”;
13 – Nessa missiva a Ré manifestou a sua proposta, oferecendo a quantia de € 1.500,00, ficando o salvado em poder da 1ª Autora;
14 – Porque a 1ª Autora não subscreveu aquela proposta e porque a Ré tardava na resolução da questão, o 2º Autor deslocou-se, no início do mês de Fevereiro de 2006, às instalações da Ré;
15 – Quando aí foi informado pelos representantes da Ré e confrontado pelos mesmos de e com uma carta data de 6 de Janeiro de 2006, do seguinte teor:
“(…)
Acusamos a recepção da carta de V. Exa. datada de 4 do corrente mês, cujo teor notámos.
Efectuamos uma nova análise ao processo em questão e cumpre-nos informar que após peritagem à viatura em epígrafe, os nossos serviços técnicos, constataram que a estimativa de reparação sem desmontagem elaborada pela oficina de s/ preferência é de € 3.076,07 com tendência a aumentar.
Face ao acima exposto, constata-se que a reparação da viatura seria excessivamente onerosa para o devedor – cfr n1-artº 566 Código Civil.
Relembramos, que a melhor oferta para a compra do salvado é de € 250,00.
Face às circunstâncias que envolveram o sinistro e com o intuito de uma imediata regularização, colocamos à S/ disposição a quantia de € 1500,00 por todos os danos ficando o salvado em poder do seu proprietário, totalizando a indemnização em € 1750,00.
Desde já queremos fazer sentir que procedimento contrário que venha a ser adoptado, poderá dar origem a um agravamento de danos pelo qual em caso algum poderemos ser responsabilizados.
Salientamos que esta proposta em sede própria não será contemplada.
Assim, ficamos a aguardar a sua concordância para emitirmos o respectivo de indemnização.
(…)”;
16 – Até à data de hoje o veículo encontra-se imobilizado, encontrando-se depositado na Oficina “E………….”, sita na ………., nº…, em Leça do Balio;
17 – A 1ª Autora é irmã do 2º Autor e emprestou a este o veículo “PQ”, o qual era utilizado pelo 2º Autor, de forma contínua e frequente, no exercício da sua profissão;
18 – O 2º Autor é auxiliar de um Lar sito na freguesia …………., concelho do Porto, prestando frequentemente trabalho nocturno;
19 – Por via disso, necessita de veículo automóvel para se deslocar para o seu trabalho;
20 – Por contrato de seguro titulado pela Apólice nº90.318670, o proprietário do veículo ..-..-GC transferiu para a Ré a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação do veículo ..-..-GC;
21 – Em negociações e na ânsia da resolução extrajudicial da questão, a Ré assumiu o pagamento do valor de € 2.200,00 pela substituição da viatura;
22 – A substituição da viatura de matrícula PQ-..-.. por outra de idêntica classe, cilindrada e modelo importa no montante de € 2.200,00;
23 – Os danos sofridos pelo veículo da Autora constituíram perda total da viatura.*IV – Fundamentação de Direito
A apreciação e decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes (art. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC), passa, exclusivamente, pela apreciação de montantes indemnizatórios peticionados.
Do ponto de vista jurídico, funda-se a presente acção nas regras da responsabilidade civil.
Em princípio, é responsável civilmente quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem causando-lhe danos.
Competia assim aos AA. – e aqui apelantes – alegar e provar os vários requisitos da responsabilidade civil (483º e ss. do C. C.).
Ónus que cumpriram quanto à alegação; e cuja discussão, quanto à prova – estando já assente nos autos (verdadeiramente, nunca esteve em discussão) que o culpado na eclosão do acidente foi o segurado da R/apelada – se encontra circunscrita aos montantes indemnizatórios a atribuir pelos danos sofridos.
Debrucemo-nos pois sobre os danos e o respectivo “quantum” indemnizatório; começando pela questão nuclear do recurso, isto é, pelo questão respeitante à paralisação da viatura.
Escreveu-se em termos conclusivos, a tal propósito, na sentença recorrida que “ (…) face ao nosso ordenamento jurídico, a mera privação do uso de um veículo automóvel, isto é, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, ou seja, se dela não resultar um dano específico, emergente ou na vertente de lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil (…)” e, nesta sequência de raciocínio, denegaram-se as pretensões indemnizatórias associadas à paralisação da viatura.
Sem prejuízo de se reconhecer que o raciocínio ínsito na sentença está bem estruturado e tem fundamento – para além do longo percurso que tal entendimento fez e ainda faz na doutrina e jurisprudência nacionais – não se concorda com o mesmo.
A questão da paralisação – numa linha que já se desenha de forma firme na jurisprudência mais recente[4] – deve ser perspectivada do seguinte e modo algo diverso.
É incontroverso que o nosso sistema confere ao lesado o direito à reconstituição natural (art. 562.º e 566.º, n.º 1, do CC).
Assim, resultando dum acidente a impossibilidade de circulação para o veículo (que no caso teve “perda total”), a reconstituição natural só se conseguirá com a entrega (durante a carência) dum veículo com características semelhantes ao danificado; ou com a atribuição da quantia suficiente para o lesado proceder, se o entender, ao aluguer dum veículo com características semelhantes.
Efectivamente, a privação do uso de uma coisa, inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui, em termos naturalísticos, uma perda, cuja constatação não é escamoteável.
Sendo pois incontroverso o direito à reconstituição natural, não pode conduzir à total liberação do responsável o facto da referida faculdade alternativa não haver sido utilizada, isto é, de o lesado não ter solicitado ou de lhe ter sido recusada a substituição do veículo.
Em tal hipótese, a recomposição da situação danosa reclama que, pela única via possível, ou seja, pela atribuição de um equivalente pecuniário, o lesado consiga ser reintegrado a posteriori.
É justamente o caso.
“Se a privação do uso do veículo durante um determinado período originou a perda das utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se essa perda não foi reparada mediante a forma natural de reconstituição impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente. Fazer depender a indemnização da prova da ocorrência de danos imputáveis directamente à privação é solução que pode justificar-se quando o lesado pretenda a atribuição de uma quantia suplementar correspondente aos benefícios que deixou de obter, ou seja, aos lucros cessantes, nos termos do art. 564.º, n.º 1, ou às despesas acrescidas que o evento determinou; já não quando o seu interesse se reduza à compensação devida pela privação que, nos termos da mesma norma, corresponde ao prejuízo causado, isto é, aos danos emergentes.”[5]
Este é o ponto.
Impõe-se presumir – concorda-se plenamente com Abrantes Geraldes – que foi um legislador, sensato, ponderado e com sentido de justiça que procedeu à regulamentação abstracta das situações da vida real; e estamos – também se concorda – num campo em que se justifica “ uma maior esforço de esgotamento de todas as potencialidades do sistema normativo, por forma a acolher pretensões que aprioristicamente se revelem substancialmente justas”.
“A realidade social que subjaz às normas vigentes e que sempre deverá estar presente quando se trata de proceder à sua aplicação revela que, em regra, o proprietário de um veículo (em geral, qualquer proprietário) faz do mesmo uma utilização normal, mais ou menos frequente, mais ou menos produtiva, raramente lhe sendo indiferente a situação emergente da sua privação decorrente da prática de um facto ilícito imputado a terceiro.
(…) é essa normalidade a que o juiz deve recorrer quando se trata de dirimir litígios, em vez de partir do pressuposto, que nem a experiência, nem as circunstâncias de facto permitem confirmar, que o veículo representa tão só um elemento do património sem qualquer função regular, extraindo daí, através duma generalização abusiva, a conclusão da ausência de qualquer prejuízo ressarcível.”[6]
Sendo inquestionável que o direito de propriedade integra, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição, também nesta perspectiva, sendo a indisponibilidade material dos bens um dos principais reflexos do direito de propriedade, apenas excepcionalmente, perante um quadro factual mais complexo, será possível afirmar que a paralisação não foi causa adequada de danos significativos merecedores de justa indemnização.
De tal modo que, em termos de distribuição do ónus da prova, se pode ir ao ponto de afirmar que a privação do uso corresponde a um facto constitutivo do direito de indemnização correspondente ao dano imediatamente emergente; e que, constatada a privação do uso determinativa da perda temporária das faculdades inerentes ao direito de propriedade, a negação da indemnização pressuporá a contraprova de factos atinentes ao inerente prejuízo patrimonial, isto é, que há um ónus da prova (contraprova) dos factos impeditivos, a cargo do responsável pela paralisação.
Dano imediatamente emergente em que, é certo, os prejuízos podem assumir alguma variação de acordo com as circunstâncias; com a real e concreta utilização dada pelo lesado àquele veículo
Todavia, como aproximação ao justo valor, não será despiciendo utilizar como “critério” a quantia necessária para proceder ao aluguer de um veículo de características semelhantes ao sinistrado; ainda que, na ausência de aluguer efectivo, não possa recorrer-se automaticamente a tal preço – em que estão incluídas as despesas e o lucro da empresa de aluguer; mas, mesmo em tal hipótese de ausência de aluguer efectivo, tal elemento não deve ser indiferente para a concretização da indemnização equitativa.
Tudo ponderado – como sempre convém – pelas regras da boa fé (762.º do CC), que vedam ao lesado fazer exigências irrazoáveis reveladoras de um comportamento abusivo que desvie as normas da tutela do seu objectivo principal, consistente no ressarcimento de danos efectivos e não no agravamento de posição do responsável.
Todavia, fora disto – da boa fé – não existe suficiente justificação legal para exigir do lesado, como condição do oferecimento dum veículo de substituição, a comprovação do tipo de utilização que habitualmente dava ao veículo ou sequer a demonstração do uso que pretende dar ao veículo substitutivo; e se, na ponderação final, não deve admitir-se para o lesado um benefício indevido, também parece inadequado que seja o agente causador do sinistro (ou a sua seguradora) a beneficiar com uma injustificada poupança de despesas.
Aqui chegados, revertendo ao caso dos autos e da apelação, tendo-se provado que a viatura ficou imobilizada e que os danos sofridos constituíram perda total, ficou provado o dano emergente e o direito à correspondente indemnização. 
Efectivamente, a paralisação forçada da viatura é só por si um prejuízo indemnizável; não sendo pressuposto necessário de tal indemnização a alegação e prova de todas as despesas suportadas com transportes alternativos e/ou com veículos de substituição durante o período da paralisação.
Esta alegação e prova contende já com o quantum da indemnização; com a possibilidade de aceder a despesas acrescidas, mas não com o acesso à compensação devida pela privação do uso.
E, no caso, o que não se provou foi a existência de tais despesas acrescidas e/ou o seu exacto montante; não se provou, designadamente, que haja sido alugado um veículo de substituição.
Em tal hipótese, de falta de prova de prejuízos concretos e quantificados, deve a mera privação do uso ser ressarcida com recurso à equidade; figura que tem na responsabilidade civil um campo de eleição, uma vez que se está recorrentemente perante a indisponibilidade de elementos objectivos ou face à impossibilidade duma determinação exacta dos danos (566.º, n.º 3).
E, ponderando as diversas circunstâncias do caso, designadamente:
- a provada utilização contínua e frequente do veículo;
- o provado empréstimo ao irmão para nele se deslocar ao trabalho;
- o facto da viatura ser logo dada como irrecuperável e perdida[7];
- o facto e a seguradora 4/5 meses depois do acidente, pelo menos, ter assumido o pagamento do valor provado do veículo;
- a circunstância de a indemnização pela privação do uso dever corresponder ao período de tempo que seja razoável para o lesado encontrar um veículo idêntico; e 
não perdendo de vista as regras da boa fé (762.º do CC) – fugindo de igual modo quer às exigências irrazoáveis quer ao não ressarcimento dos danos efectivos – tomando em conta “todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida”[8], temos como justo e equilibrado fixar, como compensação do dano de privação do uso, o montante de 750,00 € (reportado e actualizado à presente data).
E, na mesma linha de raciocínio, ponderando o mesmo ciscunstancionalismo – principalmente, o respeitante ao tempo que razoavelmente o assunto da perda total levou a solucionar-se e o facto de se haver provado que o “salvado” do veículo se encontra imobilizado numa oficina – recorrendo de novo à boa fé e ao uso prudente das regras da experiência, temos como justo e equilibrado fixar, como compensação pela despesa com a guarda/depósito do “salvado” da viatura, o montante de 250,00 €. (reportado e actualizado à presente data).
Montantes indemnizatórios estes – de 750 € e 250 € – que encerram a nossa divergência em relação à decisão recorrida.
Efectivamente, nenhuma razão assiste aos apelantes quanto à pretendida actualização, em função da taxa de inflação, do montante de 2.200,00 € (correspondente ao valor do veículo); quanto à indemnização pelos incómodos e transtornos causados pelo atraso na resolução da questão; e quanto a ser concedido qualquer montante indemnizatório ao A/apelante C……………….
Sobre o montante de 2.200,00 € foram pedidos e foram concedidos juros moratórios desde a citação; juros estes que têm como função compensar a erosão nominal e repor o valor real de tal indemnização, pelo que a referida e pretendida actualização configuraria, em acumulação com os juros, um verdadeiro enriquecimento sem causa.
Quanto aos incómodos e transtornos, tratam-se, no caso, de contrariedades e adversidades que não revestem gravidade suficiente a ponto de merecer a tutela do direito; isto é, não configuram danos não patrimoniais indemnizáveis (art. 496.º, n.º 1, do CC). Pode mesmo dizer-se, de certa perspectiva, que se a A/apelante, em face da paralisação do veículo, ficou sujeita a incómodos e transtornos nas suas deslocações, isso já foi compensado ao nível da indemnização do dano patrimonial de privação de uso.
Quanto ao A/apelante C…………, ele não é nem nunca foi lesado; não foi violado ilicitamente qualquer direito de que seja titular ou qualquer disposição legal destinada a proteger os seus interesses. Por conseguinte, não lhe assiste direito – seja a que título for – a qualquer indemnização:

Enfim, concluindo, consideramos procedente o recurso na parte referida - aumento da indemnização em 1.000 € - considerando em tudo o mais, por razões idênticas às constantes da decisão impugnada, improcedente o que foi invocado na alegação recursiva, o que determina o inerente naufrágio do recurso, com a referida excepção, do sentenciado na 1ª instância, que não merece nessa parte os reparos que se lhe apontam.*IV - Decisão
Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a absolvição respeitante a dois dos danos invocados, que se substitui pela condenação da R a pagar, a tal título, à A B…………… a quantia de 1.000,00 €, acrescida de juros à taxa legal desde a presente data até integral pagamento; confirmando-se em tudo o mais a sentença recorrida[9].
Custas em ambas as instâncias por AA/apelantes e R/apelada na proporção de 2/3 e 1/3.*Porto, 19/03/09
António Fernando Barateiro Dias Martins
Luís Filipe Castelo Branco do Espírito Santo
Manuel Lopes Madeira Pinto
_____________
[1] Conclusões que, além do desprezo pelo art. 690.º, n.º 1, do CPC, revelam um controverso e questionável relacionamento com os deveres de recíproca correcção e de urbanidade (artigos 266.º-B do CPC e 90.º do E. O. A.), designadamente, quando sobre a sentença recorrida se diz – a nosso ver, injustificada e desnecessariamente – que a mesma decidiu de forma catatónica.
[2] Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, pág. 154 e António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 1997, pág. 254.
[3] “Certas reacções e comportamentos dos depoentes apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro Tribunal, que vá reapreciar o modo como, no primeiro, se formou a convicção dos julgadores" - Cfr. António Abrantes dos Santos Geraldes, obra citada, pág. 257.
[4] Cfr., entre outros Ac. Rel. de Coimbra de 09-11-99, Ac. STJ de 05-03-02, Ac. STJ de 09-05-02 (em anexo ao “Temas de Responsabilidade Civil, I Vol., António Abrantes Geraldes) e Ac. Rel Coimbra de 26-11-02, in CJ, Tomo V, pág. 19.
[5] “Temas de Responsabilidade Civil”, I Vol., António Abrantes Geraldes, pág. 49.
[6] “Temas de Responsabilidade Civil”, I Vol., António Abrantes Geraldes, pág. 54.
[7] O que tornava mais aconselhável a aquisição dum veículo de substituição em vez do aluguer doutra viatura – cfr. Brandão Proença, in a Conduta do Lesado, pág. 689.
[8] Pires de lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, 4ª ed., Vol. 1º, p. 501.
[9] O que significa, em face da alteração agora introduzida na condenação, que a R. fica condenada no pagamento de uma indemnização de 3.200,00 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a data de citação sobre o montante de 2.200,00 e desde a presente data sobre o montante de 1.000,00; em ambos os casos até efectivo e integral pagamento.

Rel.: Barateiro Martins Adjs.: Espírito Santo e Madeira Pinto Apelação n.º 3986/06.8TBVFR.P1 T. Comarca de S. M. da Feira – 3.º Juízo Cível Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório B…………….., viúva, e C…………, solteiro, maior, ambos residentes na Rua ………….., ….., …º Esq., em Leça do Balio, propuseram acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra a “D……………, S.A.”, com sede na Praça …………, nº…., no Porto, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia global de € 8.227,40, acrescida das quantias vincendas e dos juros moratórios vencidos desde a citação até integral pagamento. Alegaram, em síntese, que, no dia 16 de Dezembro de 2005, cerca das 02 horas, o veículo automóvel de matrícula ..-..-GC, seguro na Ré, embateu no veículo automóvel de matrícula PQ-..-.., pertença da Autora B…………. e conduzido pelo Autor C…………., embate que ocorreu por culpa exclusiva do condutor do “GC”. Mais alegaram que, em virtude do acidente em causa, o veículo “PQ” ficou danificado, importando a sua substituição o montante de € 2.200,00, tendo ainda os Autores sofrido outros danos respeitantes ao depósito/recolha do veículo, ao aluguer de uma viatura de substituição e às deslocações, incómodos e atrasos na resolução deste assunto, que computam em € 1.719,90, € 3.307,50 e € 1.000,00, respectivamente, até à data da propositura da acção. Contestou a Ré, aceitando a culpa do condutor do veículo por si seguro na produção do acidente, esclarecendo que os danos da viatura representaram “perda total” da mesma e impugnando, no mais, a factualidade vertida na petição inicial. Foi proferido despacho saneador e dispensada a selecção da matéria de facto assente e da base instrutória; instruído o processo e realizada a audiência, a Exma Juíza proferiu sentença em que concluiu do seguinte modo: “ (…) julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decido: a) Condenar a Ré “D………… Sagres, S.A.” a pagar à Autora B…………. a quantia de € 2.200,00, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento; b) Absolver a Ré “D………….., S.A.” dos demais pedidos contra si formulados pelos Autores. (…) ” Inconformados com tal decisão, interpuseram os AA recurso de apelação, visando a revogação da sentença proferida e a sua substituição por outra que conceda procedência a todos os pedidos formulados. Terminam a sua alegação com conclusões em que – desprezando o disposto no art. 690.º, n.º 1, do CPC, na parte em que se diz que o recorrente “concluirá de forma sintética” – reproduzem quase na íntegra o que antes alegaram[1]. De tão prolixas conclusões – motivo por que aqui não se reproduzem – é possível extrair que impugnam as respostas negativas dadas aos artigos 17.º a 19.º da PI; que deve ser actualizado em função da taxa de inflação – atento o tempo decorrido entre a data da PI e a Sentença – o montante de 2.200,00 € correspondente ao valor do veículo; e que lhes devem ser atribuídos os 3 montantes indemnizatórios parcelares, decorrentes da paralisação do veículo, e que a sentença recorrida julgou totalmente improcedentes. A R. respondeu, terminando as suas contra-alegações sustentando, em síntese, que deve ser mantida a sentença recorrida. Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.* *II – “Reapreciação” da decisão de facto Como “questão prévia” à enunciação dos factos provados, importa – atento o âmbito do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação do apelante (art. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC) – analisar a questão a propósito da decisão de facto colocada a este Tribunal. No caso vertente, os diversos depoimentos prestados em audiência, nos quais a 1ª instância se baseou para decidir a matéria de facto, foram gravados. Constam, assim, do processo todos os elementos probatórios com que aquela instância se confrontou, quando decidiu a matéria de facto e é possível modificar aquela decisão, se enfermar de erro de julgamento[2]. Todavia, adverte-se, convém ser extremamente cauteloso e prudente no uso de tal faculdade, tanto mais que existem elementos intraduzíveis e subtis, como a mímica e todo o processo de exteriorização e verbalização dos depoentes, não importados para a gravação, susceptíveis de influir, quase tanto como as suas palavras, no crédito a prestar-lhes.[3]. Será pois ciente dos riscos e dificuldades que sempre envolve a reapreciação da matéria de facto por este Tribunal irá enfrentar as questões, nesta sede, suscitadas. Efectuado tal prévio esclarecimento e debruçando-nos sobre as concretas questões suscitadas em sede de recurso da matéria de facto, importa começar por referir – analisados os documentos juntos aos autos e ouvido o registo da sessão de julgamento – que não assiste razão aos apelantes. Os factos que, segundo os AA/apelantes, foram incorrectamente julgados são os respeitantes ao desapossamento do veículo (por o veículo estar imobilizado e depositado na oficina E…………); ao pagamento diário por tal depósito; e ao aluguer dum veículo de substituição e respectivo custo diário. Quanto ao 1.º facto, a impugnação é um equívoco. O que foi dado como provado – e que consta do facto 16 deste acórdão – é factualmente suficiente e concludente; a dispensa da selecção da matéria de facto assente e da base instrutória – como foi o caso – tem, entre outros, o presente efeito: chegado o momento da impugnação da decisão de facto, faz-se abarcar nesta factos irrelevantes ou até matéria que não é de facto. Quanto aos 2.º e 3.º factos, apreciando toda a prova produzida, entendemos que as respostas não podem ser diferentes das que a 1.ª Instância lhes deu. As testemunhas que depuseram sobre o aparcamento — os F…………. e G…………. — não afirmaram que tenha sido feito, até ao momento, qualquer pagamento, pelo que, estando-se perante um “salvado” e atento o lapso de tempo decorrido, é razoável, num plano de normalidade, a dúvida sobre o custo diário (de € 11,49) invocado. No que respeita à invocada utilização de uma viatura de substituição e respectivo custo, não obstante o depoimento da testemunha F…………, pairou a mesma dúvida; uma vez que foi impreciso quanto ao custo diário e visto que reconheceu que ainda nada foi pago. Ademais, para prova de tais valores e pagamentos, não foram juntos quaisquer documentos idóneos; já que os de fls. 21 a 22 são, verdadeiramente, depoimentos escritos feitos por quem não tem a prerrogativa de depor por escrito (cfr. 624.º, n.º 2, do CPC). Improcede assim o recurso de facto.*III. Fundamentação de Facto. 1 – A 1ª Autora é proprietária do veículo automóvel de marca Nissan, modelo Sunny, com a matrícula PQ-..-..; 2 – No dia 16 de Dezembro de 2005, cerca das 02:00h, na Rua Inacor, na freguesia de Fiães, concelho de Santa Maria da Feira, circulava o veículo “PQ” conduzido pelo 2º Autor; 3 – Na aludida rua circulava o veículo de marca Citroen, modelo AX, de matrícula ..-..-GC, propriedade de H………….., conduzido por I…………….. e no interesse e por conta de H……………; 4 – Naquele dia e hora, o veículo “GC” pretendia virar à esquerda, isto é, no sentido onde circulava o “PQ”; 5 – O condutor do veículo “GC” circulava em faixa de rodagem sinalizada por STOP; 6 – O condutor do veículo “GC” avançou para além do sinal STOP, colidindo com o veículo “PQ”; 7 – Acto contínuo, o veículo “PQ” foi embater num outro veículo de marca Fiat Punto, com a matrícula ..-..-GQ; 8 – Em consequência do embate, o veículo “PQ” sofreu danos visíveis na frente e lateral direita, mormente capô, radiador, grelha, reservatório de água e guarda-lamas lateral direito; 9 – Que impedem a circulação do veículo, o qual se encontra imobilizado desde a data do acidente até hoje; 10 – Em virtude do acidente, foi subscrita declaração amigável, assumindo o veículo “GC” a responsabilidade exclusiva dos danos ocasionados pelo acidente; 11 – Foi feita peritagem ao veículo pertença da 1ª Autora; 12 – Por carta datada de 2 de Janeiro de 2006, a Ré comunicou à 1ª Autora, concluindo que a reparação do veículo “PQ” “não é viável quer em termos técnicos quer em termos económicos”; 13 – Nessa missiva a Ré manifestou a sua proposta, oferecendo a quantia de € 1.500,00, ficando o salvado em poder da 1ª Autora; 14 – Porque a 1ª Autora não subscreveu aquela proposta e porque a Ré tardava na resolução da questão, o 2º Autor deslocou-se, no início do mês de Fevereiro de 2006, às instalações da Ré; 15 – Quando aí foi informado pelos representantes da Ré e confrontado pelos mesmos de e com uma carta data de 6 de Janeiro de 2006, do seguinte teor: “(…) Acusamos a recepção da carta de V. Exa. datada de 4 do corrente mês, cujo teor notámos. Efectuamos uma nova análise ao processo em questão e cumpre-nos informar que após peritagem à viatura em epígrafe, os nossos serviços técnicos, constataram que a estimativa de reparação sem desmontagem elaborada pela oficina de s/ preferência é de € 3.076,07 com tendência a aumentar. Face ao acima exposto, constata-se que a reparação da viatura seria excessivamente onerosa para o devedor – cfr n1-artº 566 Código Civil. Relembramos, que a melhor oferta para a compra do salvado é de € 250,00. Face às circunstâncias que envolveram o sinistro e com o intuito de uma imediata regularização, colocamos à S/ disposição a quantia de € 1500,00 por todos os danos ficando o salvado em poder do seu proprietário, totalizando a indemnização em € 1750,00. Desde já queremos fazer sentir que procedimento contrário que venha a ser adoptado, poderá dar origem a um agravamento de danos pelo qual em caso algum poderemos ser responsabilizados. Salientamos que esta proposta em sede própria não será contemplada. Assim, ficamos a aguardar a sua concordância para emitirmos o respectivo de indemnização. (…)”; 16 – Até à data de hoje o veículo encontra-se imobilizado, encontrando-se depositado na Oficina “E………….”, sita na ………., nº…, em Leça do Balio; 17 – A 1ª Autora é irmã do 2º Autor e emprestou a este o veículo “PQ”, o qual era utilizado pelo 2º Autor, de forma contínua e frequente, no exercício da sua profissão; 18 – O 2º Autor é auxiliar de um Lar sito na freguesia …………., concelho do Porto, prestando frequentemente trabalho nocturno; 19 – Por via disso, necessita de veículo automóvel para se deslocar para o seu trabalho; 20 – Por contrato de seguro titulado pela Apólice nº90.318670, o proprietário do veículo ..-..-GC transferiu para a Ré a sua responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação do veículo ..-..-GC; 21 – Em negociações e na ânsia da resolução extrajudicial da questão, a Ré assumiu o pagamento do valor de € 2.200,00 pela substituição da viatura; 22 – A substituição da viatura de matrícula PQ-..-.. por outra de idêntica classe, cilindrada e modelo importa no montante de € 2.200,00; 23 – Os danos sofridos pelo veículo da Autora constituíram perda total da viatura.*IV – Fundamentação de Direito A apreciação e decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes (art. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC), passa, exclusivamente, pela apreciação de montantes indemnizatórios peticionados. Do ponto de vista jurídico, funda-se a presente acção nas regras da responsabilidade civil. Em princípio, é responsável civilmente quem, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem causando-lhe danos. Competia assim aos AA. – e aqui apelantes – alegar e provar os vários requisitos da responsabilidade civil (483º e ss. do C. C.). Ónus que cumpriram quanto à alegação; e cuja discussão, quanto à prova – estando já assente nos autos (verdadeiramente, nunca esteve em discussão) que o culpado na eclosão do acidente foi o segurado da R/apelada – se encontra circunscrita aos montantes indemnizatórios a atribuir pelos danos sofridos. Debrucemo-nos pois sobre os danos e o respectivo “quantum” indemnizatório; começando pela questão nuclear do recurso, isto é, pelo questão respeitante à paralisação da viatura. Escreveu-se em termos conclusivos, a tal propósito, na sentença recorrida que “ (…) face ao nosso ordenamento jurídico, a mera privação do uso de um veículo automóvel, isto é, sem qualquer repercussão negativa no património do lesado, ou seja, se dela não resultar um dano específico, emergente ou na vertente de lucro cessante, é insusceptível de fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil (…)” e, nesta sequência de raciocínio, denegaram-se as pretensões indemnizatórias associadas à paralisação da viatura. Sem prejuízo de se reconhecer que o raciocínio ínsito na sentença está bem estruturado e tem fundamento – para além do longo percurso que tal entendimento fez e ainda faz na doutrina e jurisprudência nacionais – não se concorda com o mesmo. A questão da paralisação – numa linha que já se desenha de forma firme na jurisprudência mais recente[4] – deve ser perspectivada do seguinte e modo algo diverso. É incontroverso que o nosso sistema confere ao lesado o direito à reconstituição natural (art. 562.º e 566.º, n.º 1, do CC). Assim, resultando dum acidente a impossibilidade de circulação para o veículo (que no caso teve “perda total”), a reconstituição natural só se conseguirá com a entrega (durante a carência) dum veículo com características semelhantes ao danificado; ou com a atribuição da quantia suficiente para o lesado proceder, se o entender, ao aluguer dum veículo com características semelhantes. Efectivamente, a privação do uso de uma coisa, inibindo o proprietário ou detentor de exercer sobre a mesma os inerentes poderes, constitui, em termos naturalísticos, uma perda, cuja constatação não é escamoteável. Sendo pois incontroverso o direito à reconstituição natural, não pode conduzir à total liberação do responsável o facto da referida faculdade alternativa não haver sido utilizada, isto é, de o lesado não ter solicitado ou de lhe ter sido recusada a substituição do veículo. Em tal hipótese, a recomposição da situação danosa reclama que, pela única via possível, ou seja, pela atribuição de um equivalente pecuniário, o lesado consiga ser reintegrado a posteriori. É justamente o caso. “Se a privação do uso do veículo durante um determinado período originou a perda das utilidades que o mesmo era susceptível de proporcionar e se essa perda não foi reparada mediante a forma natural de reconstituição impõe-se que o responsável compense o lesado na medida equivalente. Fazer depender a indemnização da prova da ocorrência de danos imputáveis directamente à privação é solução que pode justificar-se quando o lesado pretenda a atribuição de uma quantia suplementar correspondente aos benefícios que deixou de obter, ou seja, aos lucros cessantes, nos termos do art. 564.º, n.º 1, ou às despesas acrescidas que o evento determinou; já não quando o seu interesse se reduza à compensação devida pela privação que, nos termos da mesma norma, corresponde ao prejuízo causado, isto é, aos danos emergentes.”[5] Este é o ponto. Impõe-se presumir – concorda-se plenamente com Abrantes Geraldes – que foi um legislador, sensato, ponderado e com sentido de justiça que procedeu à regulamentação abstracta das situações da vida real; e estamos – também se concorda – num campo em que se justifica “ uma maior esforço de esgotamento de todas as potencialidades do sistema normativo, por forma a acolher pretensões que aprioristicamente se revelem substancialmente justas”. “A realidade social que subjaz às normas vigentes e que sempre deverá estar presente quando se trata de proceder à sua aplicação revela que, em regra, o proprietário de um veículo (em geral, qualquer proprietário) faz do mesmo uma utilização normal, mais ou menos frequente, mais ou menos produtiva, raramente lhe sendo indiferente a situação emergente da sua privação decorrente da prática de um facto ilícito imputado a terceiro. (…) é essa normalidade a que o juiz deve recorrer quando se trata de dirimir litígios, em vez de partir do pressuposto, que nem a experiência, nem as circunstâncias de facto permitem confirmar, que o veículo representa tão só um elemento do património sem qualquer função regular, extraindo daí, através duma generalização abusiva, a conclusão da ausência de qualquer prejuízo ressarcível.”[6] Sendo inquestionável que o direito de propriedade integra, como um dos seus elementos fundamentais, o poder de exclusiva fruição, também nesta perspectiva, sendo a indisponibilidade material dos bens um dos principais reflexos do direito de propriedade, apenas excepcionalmente, perante um quadro factual mais complexo, será possível afirmar que a paralisação não foi causa adequada de danos significativos merecedores de justa indemnização. De tal modo que, em termos de distribuição do ónus da prova, se pode ir ao ponto de afirmar que a privação do uso corresponde a um facto constitutivo do direito de indemnização correspondente ao dano imediatamente emergente; e que, constatada a privação do uso determinativa da perda temporária das faculdades inerentes ao direito de propriedade, a negação da indemnização pressuporá a contraprova de factos atinentes ao inerente prejuízo patrimonial, isto é, que há um ónus da prova (contraprova) dos factos impeditivos, a cargo do responsável pela paralisação. Dano imediatamente emergente em que, é certo, os prejuízos podem assumir alguma variação de acordo com as circunstâncias; com a real e concreta utilização dada pelo lesado àquele veículo Todavia, como aproximação ao justo valor, não será despiciendo utilizar como “critério” a quantia necessária para proceder ao aluguer de um veículo de características semelhantes ao sinistrado; ainda que, na ausência de aluguer efectivo, não possa recorrer-se automaticamente a tal preço – em que estão incluídas as despesas e o lucro da empresa de aluguer; mas, mesmo em tal hipótese de ausência de aluguer efectivo, tal elemento não deve ser indiferente para a concretização da indemnização equitativa. Tudo ponderado – como sempre convém – pelas regras da boa fé (762.º do CC), que vedam ao lesado fazer exigências irrazoáveis reveladoras de um comportamento abusivo que desvie as normas da tutela do seu objectivo principal, consistente no ressarcimento de danos efectivos e não no agravamento de posição do responsável. Todavia, fora disto – da boa fé – não existe suficiente justificação legal para exigir do lesado, como condição do oferecimento dum veículo de substituição, a comprovação do tipo de utilização que habitualmente dava ao veículo ou sequer a demonstração do uso que pretende dar ao veículo substitutivo; e se, na ponderação final, não deve admitir-se para o lesado um benefício indevido, também parece inadequado que seja o agente causador do sinistro (ou a sua seguradora) a beneficiar com uma injustificada poupança de despesas. Aqui chegados, revertendo ao caso dos autos e da apelação, tendo-se provado que a viatura ficou imobilizada e que os danos sofridos constituíram perda total, ficou provado o dano emergente e o direito à correspondente indemnização. Efectivamente, a paralisação forçada da viatura é só por si um prejuízo indemnizável; não sendo pressuposto necessário de tal indemnização a alegação e prova de todas as despesas suportadas com transportes alternativos e/ou com veículos de substituição durante o período da paralisação. Esta alegação e prova contende já com o quantum da indemnização; com a possibilidade de aceder a despesas acrescidas, mas não com o acesso à compensação devida pela privação do uso. E, no caso, o que não se provou foi a existência de tais despesas acrescidas e/ou o seu exacto montante; não se provou, designadamente, que haja sido alugado um veículo de substituição. Em tal hipótese, de falta de prova de prejuízos concretos e quantificados, deve a mera privação do uso ser ressarcida com recurso à equidade; figura que tem na responsabilidade civil um campo de eleição, uma vez que se está recorrentemente perante a indisponibilidade de elementos objectivos ou face à impossibilidade duma determinação exacta dos danos (566.º, n.º 3). E, ponderando as diversas circunstâncias do caso, designadamente: - a provada utilização contínua e frequente do veículo; - o provado empréstimo ao irmão para nele se deslocar ao trabalho; - o facto da viatura ser logo dada como irrecuperável e perdida[7]; - o facto e a seguradora 4/5 meses depois do acidente, pelo menos, ter assumido o pagamento do valor provado do veículo; - a circunstância de a indemnização pela privação do uso dever corresponder ao período de tempo que seja razoável para o lesado encontrar um veículo idêntico; e não perdendo de vista as regras da boa fé (762.º do CC) – fugindo de igual modo quer às exigências irrazoáveis quer ao não ressarcimento dos danos efectivos – tomando em conta “todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida”[8], temos como justo e equilibrado fixar, como compensação do dano de privação do uso, o montante de 750,00 € (reportado e actualizado à presente data). E, na mesma linha de raciocínio, ponderando o mesmo ciscunstancionalismo – principalmente, o respeitante ao tempo que razoavelmente o assunto da perda total levou a solucionar-se e o facto de se haver provado que o “salvado” do veículo se encontra imobilizado numa oficina – recorrendo de novo à boa fé e ao uso prudente das regras da experiência, temos como justo e equilibrado fixar, como compensação pela despesa com a guarda/depósito do “salvado” da viatura, o montante de 250,00 €. (reportado e actualizado à presente data). Montantes indemnizatórios estes – de 750 € e 250 € – que encerram a nossa divergência em relação à decisão recorrida. Efectivamente, nenhuma razão assiste aos apelantes quanto à pretendida actualização, em função da taxa de inflação, do montante de 2.200,00 € (correspondente ao valor do veículo); quanto à indemnização pelos incómodos e transtornos causados pelo atraso na resolução da questão; e quanto a ser concedido qualquer montante indemnizatório ao A/apelante C………………. Sobre o montante de 2.200,00 € foram pedidos e foram concedidos juros moratórios desde a citação; juros estes que têm como função compensar a erosão nominal e repor o valor real de tal indemnização, pelo que a referida e pretendida actualização configuraria, em acumulação com os juros, um verdadeiro enriquecimento sem causa. Quanto aos incómodos e transtornos, tratam-se, no caso, de contrariedades e adversidades que não revestem gravidade suficiente a ponto de merecer a tutela do direito; isto é, não configuram danos não patrimoniais indemnizáveis (art. 496.º, n.º 1, do CC). Pode mesmo dizer-se, de certa perspectiva, que se a A/apelante, em face da paralisação do veículo, ficou sujeita a incómodos e transtornos nas suas deslocações, isso já foi compensado ao nível da indemnização do dano patrimonial de privação de uso. Quanto ao A/apelante C…………, ele não é nem nunca foi lesado; não foi violado ilicitamente qualquer direito de que seja titular ou qualquer disposição legal destinada a proteger os seus interesses. Por conseguinte, não lhe assiste direito – seja a que título for – a qualquer indemnização: Enfim, concluindo, consideramos procedente o recurso na parte referida - aumento da indemnização em 1.000 € - considerando em tudo o mais, por razões idênticas às constantes da decisão impugnada, improcedente o que foi invocado na alegação recursiva, o que determina o inerente naufrágio do recurso, com a referida excepção, do sentenciado na 1ª instância, que não merece nessa parte os reparos que se lhe apontam.*IV - Decisão Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a absolvição respeitante a dois dos danos invocados, que se substitui pela condenação da R a pagar, a tal título, à A B…………… a quantia de 1.000,00 €, acrescida de juros à taxa legal desde a presente data até integral pagamento; confirmando-se em tudo o mais a sentença recorrida[9]. Custas em ambas as instâncias por AA/apelantes e R/apelada na proporção de 2/3 e 1/3.*Porto, 19/03/09 António Fernando Barateiro Dias Martins Luís Filipe Castelo Branco do Espírito Santo Manuel Lopes Madeira Pinto _____________ [1] Conclusões que, além do desprezo pelo art. 690.º, n.º 1, do CPC, revelam um controverso e questionável relacionamento com os deveres de recíproca correcção e de urbanidade (artigos 266.º-B do CPC e 90.º do E. O. A.), designadamente, quando sobre a sentença recorrida se diz – a nosso ver, injustificada e desnecessariamente – que a mesma decidiu de forma catatónica. [2] Cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, pág. 154 e António Santos Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 1997, pág. 254. [3] “Certas reacções e comportamentos dos depoentes apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro Tribunal, que vá reapreciar o modo como, no primeiro, se formou a convicção dos julgadores" - Cfr. António Abrantes dos Santos Geraldes, obra citada, pág. 257. [4] Cfr., entre outros Ac. Rel. de Coimbra de 09-11-99, Ac. STJ de 05-03-02, Ac. STJ de 09-05-02 (em anexo ao “Temas de Responsabilidade Civil, I Vol., António Abrantes Geraldes) e Ac. Rel Coimbra de 26-11-02, in CJ, Tomo V, pág. 19. [5] “Temas de Responsabilidade Civil”, I Vol., António Abrantes Geraldes, pág. 49. [6] “Temas de Responsabilidade Civil”, I Vol., António Abrantes Geraldes, pág. 54. [7] O que tornava mais aconselhável a aquisição dum veículo de substituição em vez do aluguer doutra viatura – cfr. Brandão Proença, in a Conduta do Lesado, pág. 689. [8] Pires de lima e Antunes Varela, C. C. Anotado, 4ª ed., Vol. 1º, p. 501. [9] O que significa, em face da alteração agora introduzida na condenação, que a R. fica condenada no pagamento de uma indemnização de 3.200,00 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, calculados desde a data de citação sobre o montante de 2.200,00 e desde a presente data sobre o montante de 1.000,00; em ambos os casos até efectivo e integral pagamento.