Processo:419/04.8TBVLC.P1
Data do Acordão: 24/06/2009Relator: MÁRIO FERNANDESTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I – A excessiva onerosidade da restauração natural deve ser ponderada em função de uma manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural representa para o responsável. II – Para se aferir daquela excessiva onerosidade não pode entrar em linha de conta apenas o valor da reparação e o valor venal ou de mercado do veículo acidentado, posto que se impõe o seu confronto com o valor de uso que o lesado daquele extrai pelo facto de o ter à sua disposição para satisfação das suas necessidades. III – Ao lesado cabe apenas demonstrar o “quantum” indemnizatório e ao lesante cabe, por seu lado, demonstrar que esse montante é excessivamente oneroso, e não apenas oneroso, sendo que essa excessividade há-de aferir-se pela diferença entre dois polos, um deles tendo a ver com o preço da reparação, enquanto o outro não é o valor venal do veículo, antes o seu valor patrimonial, ou seja, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado. IV – Para a fixação de indemnização por privação do uso de veículo sinistrado releva o período compreendido entre a data do acidente e a da disponibilização, por parte da seguradora ao lesado, do montante fixado como custo da reparação do veículo.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
MÁRIO FERNANDES
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO REPARAÇÃO DA COISA PRIVAÇÃO DO USO
No do documento
Data do Acordão
06/25/2009
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
REVOGADA EM PARTE.
Sumário
I – A excessiva onerosidade da restauração natural deve ser ponderada em função de uma manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural representa para o responsável. II – Para se aferir daquela excessiva onerosidade não pode entrar em linha de conta apenas o valor da reparação e o valor venal ou de mercado do veículo acidentado, posto que se impõe o seu confronto com o valor de uso que o lesado daquele extrai pelo facto de o ter à sua disposição para satisfação das suas necessidades. III – Ao lesado cabe apenas demonstrar o “quantum” indemnizatório e ao lesante cabe, por seu lado, demonstrar que esse montante é excessivamente oneroso, e não apenas oneroso, sendo que essa excessividade há-de aferir-se pela diferença entre dois polos, um deles tendo a ver com o preço da reparação, enquanto o outro não é o valor venal do veículo, antes o seu valor patrimonial, ou seja, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado. IV – Para a fixação de indemnização por privação do uso de veículo sinistrado releva o período compreendido entre a data do acidente e a da disponibilização, por parte da seguradora ao lesado, do montante fixado como custo da reparação do veículo.
Decisão integral
Apelação n.º 419/2004-09 3.ª RP
 Relator   : Mário Fernandes (1011)
 Adjuntos: José Ferraz
                  Amaral Ferreira. 

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.


B…………….. e mulher C……………, residentes no ……………., Freguesia de ………….., Vale de Cambra,

vieram intentar acção emergente de acidente de viação contra

“D……………, S.A.”, com sede na Rua ……….., n.º ……., Porto,

pretendendo a condenação desta última a pagar-lhes as quantia global já liquidada de 19.884 euros, representando 1.000 euros a indemnização a título de danos não patrimoniais devida à Autora; bem ainda as importâncias respeitantes à paralisação do seu veículo e da sua desvalorização, a serem liquidadas em execução de sentença, a tudo acrescendo juros de mora desde a citação até integral pagamento dos montantes peticionados.

Fundamentam essas suas pretensões na ocorrência dum acidente de viação a 8.10.2003, em que intervieram a sua viatura de matrícula “..-..-SL” e uma outra de matrícula “..-..-AB”, segura na Ré, tendo o respectivo embate ficado a dever-se à conduta estradal do condutor do veículo seguro na Ré;
mais adiantaram ter-se verificado danos no seu identificado veículo, cuja reparação importava em 11.300 euros, bem como os decorrentes da sua paralisação e desvalorização, para além de danos de ordem não patrimonial.

A Ré, citada para os termos da acção, apresentou contestação em que não pôs em causa a responsabilidade pela mencionada ocorrência, centrando no essencial a sua defesa no facto de não ser devida a indemnização peticionada para reparação da viatura dos Autores, por se mostrar desajustada e desproporcionada, tendo ainda impugnado os demais danos invocados no articulado inicial.

Responderam os Autores, rejeitando os fundamentos adiantados pela Ré para não serem atribuídas os montantes peticionados, mantendo as pretensões por si deduzidas.

Findos os articulados, foi proferida despacho saneador tabelar, fixada a matéria de facto tida como assente e organizada a base instrutória, tendo estas últimas peças sido objecto de correcção, quer por efeito de reclamação, quer por iniciativa do tribunal.

Teve lugar audiência de julgamento, vindo a ser proferida decisão da matéria de facto, após o que se sentenciou a causa, julgando-se a mesma parcialmente procedente, nessa media se tendo condenado a Ré/seguradora a pagar aos Autores as seguintes parcelas indemnizatórias:

a/ o valor correspondente à reparação do veículo, pelo montante peticionado de 11.300 euros, nos termos do art. 661, n.º 1 do CPC;

b/ o valor de 8 euros por cada dia de imobilização do veículo, a contar da data do acidente até á reparação do veículo;

c/ o valor correspondente aos gastos com telefone, deslocações e expediente, inerentes á resolução do litígio, a liquidar em execução de sentença;

d/ o valor de 1.000 euros a pagar à Autora mulher, a título de danos não patrimoniais;
e
f/ os juros sobre cada um dos referidos valores, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento.

Inconformada com tal decisão, interpôs recurso de apelação a Ré/seguradora, tendo concluído as suas alegações nos termos que se passam a transcrever:

- Sendo de 2.000 a 3.000 € o valor comercial do veículo dos Autores e de cerca de 200€ os respectivos salvados, não se justifica, do ponto de vista legal (citadas disposições legais) e da sua onerosidade, a sua reparação por uma quantia que se situará entre os 7.000 € (sem IVA) e 11.300€ (com IVA incluído);

- De qualquer modo, sendo “ilíquido”, nesta fase, o custo real da reparação do veículo, nunca a Ré poderia ser condenada naquilo que, de acordo com a matéria dada como provada, seria o custo máximo provável;

- A entender-se que, não obstante o referido, os Autores têm direito à reparação da sua viatura (art. 566º, 1 do CC), então teria de ser esse o pedido formulado na acção e, não o tendo sido, esta terá de improceder, necessariamente, quanto ao pedido do pagamento do eventual custo da reparação;

- Não tendo os Autores pedido que a Ré fosse condenada na obrigação de mandar reparar a sua viatura, também ela não pode ser condenada no pagamento da quantia diária de 8 € pela imobilização do veículo desde o acidente até à sua reparação – que os Autores, com o dinheiro na mão, poderão ou não mandar fazer e quando isso lhes aprouver! ou apetecer!!;

- Não se justifica, face ao disposto no art. 496, 1 do C. Civil, o pagamento à Autora de qualquer indemnização por danos não patrimoniais e muito menos da pretendida quantia de 1.000 €;

- A douta sentença recorrida violou as disposições legais que ficam citadas, pelo que deve dar-se provimento ao recurso em conformidade com as conclusões que antecedem.

Contra-alegaram os Autores, pugnando pela manutenção do julgado.

Corridos os vistos legais, cumpre tomar conhecimento do mérito do recurso, sendo que a instância mantém a sua validade.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

Vem dada como apurada na sentença impugnada a factualidade que se passa a enunciar:

1 - No dia 8.10.2003, pelas 12,40 h, na EN n.º 328, cerca do km 3,350, no Lugar de Rabaceira, concelho de Vale de Cambra, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula “..-..-AB”, na altura conduzido por E………….., e o veiculo ligeiro de passageiros de matrícula “..-..-SL”, na altura conduzido pela Autora/mulher;

2 - A Autora seguia no sentido Vale de Cambra / Sever do Vouga;

3 - O veículo de matrícula “SL” seguia no sentido Sever do Vouga / Vale de Cambra;

4 - No local do embate referido em 1, a faixa de rodagem tem a largura de cerca de 7,40 m e é marginado de ambos os lados por bermas, a que se seguem casas de habitação;

5 - No local referido em 1, a estrada desenvolve-se em recta, a qual é antecedida de uma curva para a esquerda, considerando o sentido de marcha vale de Cambra / Sever do Vouga e a essa recta segue-se outra curva para a esquerda, atento o mesmo sentido de marcha;
6 - No local e momento do embate referido em 1, a estrada tinha o piso seco e bem conservado;

7 - Na data referida em 1, o tempo estava bom;

8 - O veículo de matrícula “AB” passou a curva da Rabaceira, local onde entroncam os caminhos que dão ligação ao Lugar de Baçar, e deparou-se com um autocarro de passageiros;

9 - Em virtude do referido no Ponto anterior, o condutor do “AB” desviou o veículo para a esquerda, invadindo a hemi-faixa esquerda de rodagem, considerando o seu sentido de marcha e veio a embater no veículo de matrícula “SL”, que aí circulava;

10 - O embate referido em 1 supra ocorreu integralmente na hemi-faixa direita de rodagem atento o sentido de marcha do “SL”;

11 - O embate referido em 1 ocorreu entre a frente esquerda do veículo “SL” e a frente do lado direito do veículo “AB”;

12 - A Autora e o condutor do “SL” preencheram e assinaram o documento denominado “Declaração Amigável de Acidente Automóvel”, cuja cópia se mostra junta aos autos de fls. 12 e 13;

13 - O veículo “SL” sofreu estragos na parte dianteira;

14 - O veículo “SL” é de 1993 e tinha 99.319 kms;

15 - Ao tempo do acidente a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do automóvel de matrícula “..-..-AB” encontrava-se transferida para a Ré/seguradora mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 45805665570000;

16 - As bermas que ladeiam a estrada do lado direito, no local do embate referido em 1, têm a largura aproximada de 60 a 70 cms e estão em cimento;

17 - O autocarro tina a largura de cerca de 2 metros;

18 - E ocupava a pare mais à direita da hemi-faixa direita de rodagem, atendo o sentido de marcha Sever do Vouga / Vale de Cambra;

19 - Ao constatar o referido 9 supra, a Autora encostou o veículo que conduzia o mais possível para a direita;

20 - E travou;
21 - A reparação do veículo “SL” custa entre 7.000 euros, sem “IVA” incluído, e 11.300 euros, com “IVA” incluído à taxa de 19%;

22 - A Ré mão assumiu a responsabilidade pela reparação do veículo dos Autores;

23 - E os Autores não dispõem de verba necessária para proceder à reparação do veículo “SL”;

24 - E, por isso, ele ainda não foi reparado;

25 - O veículo “SL” encontra-se imobilizado desde a data do embate referido em 1 supra numa oficina de reparação automóvel;

26 - A Autora utilizava o veículo “SL” nas suas deslocações diárias quando se dirigia ao centro da cidade e para transportar os seus filhos, nas suas saídas de lazer e de descanso e nas idas ao médico;

27 - Desde a data do embate referida em 1 a Autora teve e tem de recorrer por vezes a táxis e a veículos emprestados, a quem paga para o efeito;

28 - A fim de obter da Ré o ressarcimento dos danos, ao Autores sofreram gastos com telefone, deslocações e expediente;

29 – Em virtude do embate referido em 1, a Autora sofreu pisaduras;

30 - E, por isso, sofreu dores, desgostos e incómodos;

31 - À data do embate referido em 1, o veículo “SL” valia cerca de 2.000 a 3.000 euros;

32 - E os salvados valiam 200 euros;

33 – O “SL” foi colocado na oficina e aí se mantém por iniciativa dos Autores.

Atendo-nos às conclusões formuladas pela apelante/seguradora, diremos que o objecto do recurso se encontra circunscrito a três questões essenciais, a saber:

- se é devido o montante indemnizatório respeitante à quantia tida como necessária à reparação do veículo pertencente aos Autores;

- se deve ser arbitrada indemnização pela privação do uso desse mesmo veículo;

- se à Autora deve ser atribuída indemnização por danos não patrimoniais.

Começando por aquela primeira problemática, em causa está a condenação de que a recorrente foi alvo de pagar aos Autores o montante de 11.300 euros tido como necessário para a reparação do veículo pertencente aos Autores (al. a/ da condenação acima enunciada em relatório).

Contra esta condenação esgrime a impugnante três ordens de razões, tendo uma delas a ver com a circunstância de se estar perante a fixação duma reparação excessivamente onerosa; não ter sido peticionada essa mesma reparação, antes tão só o custo da mesma; para além do seu valor dever considerar-se, nesta fase e atento o apurado, como ilíquido.
Adiantemos algumas reflexões sobre cada uma dos enunciados argumentos.

O princípio geral que preside à obrigação de indemnizar é o da restauração natural, sendo sucedâneo o da indemnização por equivalente, pois que, como decorre do disposto no art. 562 do CC, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.

A indemnização em dinheiro, dado o seu carácter subsidiário, está reservada para as situações em que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente o dano ou ainda quando seja excessivamente onerosa para o devedor – art. 566, n.º 1 do CC.

Defrontando-nos perante dano em veículo na sequência de acidente de viação, ao lesado assistir-lhe-á exigir do lesante a restituição dum veículo idêntico ou então que lho repare, se isso for possível, sendo que a reparação do bem danificado constitui restauração natural e não indemnização por equivalente.

Como escreve A. Varela, “se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóias, etc.) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação, ou substituição da coisa pelo agente” – in “Das Obrigações Em Geral”, Vol., 10.ª ed., pág. 904.

Assim e a nosso ver, nada obsta a que o lesado opte pelos custos de reparação dum bem danificado, exigindo do lesante o montante necessário para sua concretização, situando-nos ainda em tal situação no domínio da restauração natural – assim, segundo nos parece, Júlio Gomes, in “Cadernos de Direito Privado”, n.º 3, pág. 57.

Na base do já explicitado, é desde já possível responder àquele segundo tipo de argumentação aduzida pela recorrente, ou seja, não se descortinam obstáculos à pretensão formulada pelos Autores de, visando a reparação do seu veículo, exigirem da apelante/ré o pagamento da quantia necessária para eles mesmos procederem por sua iniciativa a essa reparação, já que, como vimos, estaremos ainda nessa hipótese no domínio da restauração natural.

Contudo, a impugnante coloca ainda em causa esse tipo de indemnização por no caso dever considerar-se excessivamente onerosa, ponderando, por um lado, o valor comercial do veículo dos Autores (entre 2.000 a 3.000 euros) aquando do acidente, valendo os respectivos salvados cerca de 200 euros, e, por outro, o custo da reparação a importar numa quantia entre os 7.000 euros (sem IVA) e 11.300 euros (com IVA incluído).

Adiante-se que a excessiva onerosidade da restauração natural deve ser ponderada em função de uma manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural representa para o responsável – neste sentido, P. de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª ed., pág. 582.

Como adverte Vaz Serra, para indemnizar o proprietário é frequente que se tenha de abonar, não já o que o objecto vale no mercado, mas a quantia que tenha de se desembolsar para adquirir outro equivalente; a perda sofrida não consiste precisamente na destruição daquele valor, mas na necessidade de adquirir outro objecto para substituir o perdido;
mais esclarecendo que a excessiva onerosidade deve ser entendida no sentido de que não pode ser feita oficiosamente, e que se dá quando, nas condições concretas, importaria despesa demasiada para qualquer outro devedor – “Obrigação de Indemnização”, in BMJ 84, págs. 137 e 143 (nota 283).

A este propósito reflecte Menezes Cordeiro que “recorrendo aos princípios gerais, diremos que uma indemnização específica é excessivamente onerosa quando a sua exigência atente gravemente contra os princípios da boa fé” – in “Direito das Obrigações”, 2.º Vol., pág. 401.

Na base destes considerandos doutrinais, também a jurisprudência do STJ vem firmando o entendimento de que, para se aferir da aludia onerosidade, não pode entrar em linha de conta apenas o valor da reparação e o valor venal ou de mercado do veículo acidentado, posto que se impõe o seu confronto com o valor de uso que o lesado daquele extrai pelo facto de o ter à sua disposição para satisfação das suas necessidades – v, por todos, o recente acórdão do STJ de 18.3.09, na base dados do MJ.

Como se assinala neste último acórdão, ao lesado cabe apenas demonstrar o “quantum” indemnizatório e ao lesante cabe, por seu lado, demonstrar que esse montante é excessivamente oneroso, e não apenas oneroso, sendo que essa excessividade há-de aferir-se pela diferença entre dois pólos, um deles tendo a ver com o preço da reparação, enquanto o outro não é o valor venal do veículo, antes o seu valor patrimonial, ou seja, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado.
Revertendo ao caso em apreço, temos como apurado que a reparação do “SL” (veículo dos autores) importa numa quantia, já com “IVA” à taxa de 19%, entre 8.330 euros e 11.300 euros, sendo que o seu valor de mercado, à data do acidente, variava entre os 2.000 e os 3.000 euros, valendo os respectivos salvados 200 euros (v. Pontos 21, 31 e 32 supra).

Para além disso, vem ainda adquirido para os autos que a dita viatura vinha sendo utilizada pela Autora nas suas deslocações diárias para os fins indicados no Ponto 26 supra, só não tendo sido objecto de reparação por falta de meios por parte dos Autores, vendo-se a Autora obrigada a recorrer a outros meios de transporte para efectuar aquelas deslocações, suportando os respectivos encargos (v. Pontos 23, 24, 26 e 27).

Já, por outro lado, não decorre da factualidade acima elencada que a reparação do dito veículo seja impossível ou insuficiente para o fim a que se destina; que a mesma não garanta condições de segurança para permitir a circulação da dita viatura; tão pouco vindo apurado que os Autores, com o valor venal da sua viatura e dos salvados, possam adquirir um veículo automóvel no mesmo estado de conservação e que lhes garanta o mesmo nível de satisfação de necessidades (v. a resposta negativa concedida ao quesito 23 da base instrutória, onde vinha perguntado se “um veículo idêntico ao ‘SL’ custava cerca de 2.000 euros”).

Diante destes considerandos e tendo apenas como referência o assinalado custo de reparação da aludida viatura (entre 8.330 a 11.300 euros) em confronto com o seu valor venal, situado entre os 2.000 a 3.000 euros, cremos não vir configurado um quadro factual suficiente para dar como demonstrada a excessiva onerosidade da dita reconstituição natural, a impor a eventual consideração duma indemnização por equivalente para os termos do disposto no n.º 1 do art. 566 do CC.

Não seria, pois, por via da primeira ordem de argumentação esgrimida pela recorrente (restauração natural excessivamente onerosa) que a pretensão de lhe impor o pagamento do valor da reparação da aludida viatura devia improceder.

Contudo, ainda no âmbito desta primeira problemática, argumenta a impugnante que não podia ocorrer tal condenação, posto ser ilíquida essa parcela indemnizatória, enquanto vem dado como apurado que o custo da reparação varia ente os 8.330 a 11.300 euros (incluindo o “IVA” à taxa de 19%), nada legitimando apontar-se para o valor máximo correspondente a esse custo.

Diga-se que, em rigor, ao contrário do defendido pela apelante, a condenação questionada não viola o disposto no n.º 1 do art. 661 do CPC, pois que a mesma não representa quantia superior ou objecto diverso do inicialmente peticionado.

O que poderá afirmar-se é que se não se encontra definitivamente concretizado o “quantum” que deve atingir essa parcela indemnizatória, vindo tão só definidos os limites mínimo e máximo desse valor, a importar a sua liquidação em momento posterior para os termos do n.º 2 do citado art. 661.

Impor-se-á, assim, nesta sede proceder à correcção dos termos da condenação acima elencada sob a al. a/, por forma a que a segurador/ré seja condenada a pagar aos Autores o valor correspondente à reparação do seu veículo “SL”, a liquidar em momento posterior e no incidente próprio, com o limite máximo de 11.300 euros.

Entrando agora na apreciação da segunda problemática suscitada pela apelante/seguradora, em causa está ser ou não devida indemnização pela paralisação da dita viatura (privação do seu uso), tendo em conta o que a esse propósito ficou sentenciado (v. al. b/ da condenação acima enunciada).

Insurge-se a recorrente quanto a tal condenação, por não vir peticionado pelos Autores que a Ré fosse condenada na obrigação de mandar reparar a identificada viatura, tão pouco se justificando o pagamento da respectiva parcela indemnizatória até ocorrer a efectiva reparação da mesma.

Numa primeira observação diremos que não vem questionada o princípio básico e genérico que subjaz à atribuição duma indemnização pela privação do uso decorrente da paralisação de veículo acidentado, aqui se acolhendo o princípio geral e opção tomada na sentença impugnada (no confronto das várias teses jurisprudenciais que se vêm firmando sobre tal matéria) a balizar a atribuição da mencionada parcela indemnizatória, dispensando-nos de repetir critério como qual concordamos e vem suficientemente explanado na sentença recorrida.

Ainda assim, face aos termos em que a impugnante articula a sua posição na situação em apreço, importa tecer um outro tipo de justificação.

Como decorre do já ponderado quanto à anterior problemática, sendo de acolher a pretensão de pagamento pela seguradora/ré do custo da reparação do aludido veículo, deixa de ter sustentáculo a argumentação da impugnante de que a mencionada parcela indemnizatória seria indevida na base precisamente da ausência de fundamento para a procedência daquele mencionado pedido.

Com efeito, reconhecida a validade daquela primeira pretensão – custo da reparação a suportar pela impugnante e não necessariamente reparação a efectuar pela mesma – prejudicada fica a tese argumentativa da recorrente para ver afastada a atribuição da aludida parcela indemnizatória.

Porém, ainda que a apelante/seguradora não centre a sua discordância no valor diário a pautar o cômputo da mencionada indemnização, já parece questionar o momento até ao qual deve ser a mesma ser contabilizada, ou seja, tanto quanto depreendemos do alcance das conclusões formuladas, seria desproporcionado colocar na disponibilidade dos Autores o momento da reparação do seu veículo.

Cremos neste aspecto assistir premência a tal argumento, impondo-se dentro dum critério de equidade – o qual, além do mais, subjaz, como se reflecte na decisão impugnada, à quantificação de tal tipo de indemnização – determinar com maior equilíbrio o momento até ao qual deve ser aquela (indemnização) contabilizada.

Assim, nesse âmbito, temos como mais ajustado impor que o aludido valor de 8 euros por cada dia de imobilização do aludido veículo seja contabilizado desde a data do acidente até ao momento da disponibilização pela seguradora/ré aos Autores do montante que vier a ser fixado relativo ao custo da reparação, no seguimento aliás da apreciação feita à anterior problemática.

Quanto à condenação que vimos analisando (enunciada supra sob a al. b/), embora não havendo motivos para sem mais a rejeitar como pretende a recorrente, sempre haverá motivos para proceder à correcção (alteração) nos termos apontados.

Resta, por último, analisar a questão atinente à indemnização por danos não patrimoniais fixada a favor da Autora (al. d/ acima delineada) no montante de 1.000 euros, sendo que a recorrente defende não ser devida, face ao preceituado no art. 496, n.º 1 do CC, para além da sua quantificação ser exagerada.

Relativamente à consideração desse tipo de danos relativamente à Autora, apesar da singeleza da respectiva factualidade dada como apurada – “em virtude do referido embate, a Autora sofreu pisaduras, por isso suportando dores, desgostos e incómodos” (Pontos 29 e 30) – acompanhamos a reflexão feita pelo tribunal “a quo” no sentido de nos defrontarmos perante realidade a merecer a tutela do direito, por a mesma não configurar meros incómodos ou contrariedades, também por isso estando a coberto da previsão contida no citado normativo.

Relativamente à quantificação desses danos, reconhecendo embora a escassez de elementos para caracterizar a dimensão das lesões sofridas – fala-se de “pisaduras”, sem identificação do local atingido, mas sempre tendo determinado dores, desgostos e incómodos – não vemos motivos para alterar o montante arbitrado, sendo que a recorrente nada avança de relevante nesse aspecto, para além do que o valor encontrado não pode considerar-se exagerado, face aos parâmetros mencionados no art. 494 do CC.

É, assim, de manter neste aspecto o que decidido foi pelo tribunal “a quo”.

III.CONCLUSÃO.

Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, nessa medida, alterando-se o sentenciado, condena-se a seguradora/ré a pagar aos Autores, por força do acidente relatado nos autos, as seguintes parcelas indemnizatórias:

a/ o valor correspondente à reparação do veículo “SL” pelo valor a liquidar ulteriormente e por via do incidente próprio, até ao limite máximo de 11.300 euros;

b/ o valor de 8 euros por cada dia de imobilização desse mesmo veículo, a contar desde a data do acidente até ao pagamento pela Ré do montante a que se alude na alínea anterior;

c/ o valor correspondente aos gastos com telefone, deslocações e expediente inerentes à resolução do litígio, também a liquidar em incidente próprio;

d/ o montante de 1.000 euros a favor da Autora, a título de danos não patrimoniais, sendo devidos juros de mora civis, quanto às quantias já liquidas, desde a citação até seu integral pagamento.

Custas em ambas as instâncias a cargo de Autores e Ré na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente, sem prejuízo do apoio judiciário de que aqueles beneficiam e da correcção que se impuser em função do que venha a decidir-se em sede de incidente de liquidação.

Porto, 25 de Junho de 2009
Mário Manuel Baptista Fernandes
José Manuel Carvalho Ferraz
António do Amaral Ferreira

Apelação n.º 419/2004-09 3.ª RP Relator : Mário Fernandes (1011) Adjuntos: José Ferraz Amaral Ferreira. Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I. RELATÓRIO. B…………….. e mulher C……………, residentes no ……………., Freguesia de ………….., Vale de Cambra, vieram intentar acção emergente de acidente de viação contra “D……………, S.A.”, com sede na Rua ……….., n.º ……., Porto, pretendendo a condenação desta última a pagar-lhes as quantia global já liquidada de 19.884 euros, representando 1.000 euros a indemnização a título de danos não patrimoniais devida à Autora; bem ainda as importâncias respeitantes à paralisação do seu veículo e da sua desvalorização, a serem liquidadas em execução de sentença, a tudo acrescendo juros de mora desde a citação até integral pagamento dos montantes peticionados. Fundamentam essas suas pretensões na ocorrência dum acidente de viação a 8.10.2003, em que intervieram a sua viatura de matrícula “..-..-SL” e uma outra de matrícula “..-..-AB”, segura na Ré, tendo o respectivo embate ficado a dever-se à conduta estradal do condutor do veículo seguro na Ré; mais adiantaram ter-se verificado danos no seu identificado veículo, cuja reparação importava em 11.300 euros, bem como os decorrentes da sua paralisação e desvalorização, para além de danos de ordem não patrimonial. A Ré, citada para os termos da acção, apresentou contestação em que não pôs em causa a responsabilidade pela mencionada ocorrência, centrando no essencial a sua defesa no facto de não ser devida a indemnização peticionada para reparação da viatura dos Autores, por se mostrar desajustada e desproporcionada, tendo ainda impugnado os demais danos invocados no articulado inicial. Responderam os Autores, rejeitando os fundamentos adiantados pela Ré para não serem atribuídas os montantes peticionados, mantendo as pretensões por si deduzidas. Findos os articulados, foi proferida despacho saneador tabelar, fixada a matéria de facto tida como assente e organizada a base instrutória, tendo estas últimas peças sido objecto de correcção, quer por efeito de reclamação, quer por iniciativa do tribunal. Teve lugar audiência de julgamento, vindo a ser proferida decisão da matéria de facto, após o que se sentenciou a causa, julgando-se a mesma parcialmente procedente, nessa media se tendo condenado a Ré/seguradora a pagar aos Autores as seguintes parcelas indemnizatórias: a/ o valor correspondente à reparação do veículo, pelo montante peticionado de 11.300 euros, nos termos do art. 661, n.º 1 do CPC; b/ o valor de 8 euros por cada dia de imobilização do veículo, a contar da data do acidente até á reparação do veículo; c/ o valor correspondente aos gastos com telefone, deslocações e expediente, inerentes á resolução do litígio, a liquidar em execução de sentença; d/ o valor de 1.000 euros a pagar à Autora mulher, a título de danos não patrimoniais; e f/ os juros sobre cada um dos referidos valores, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento. Inconformada com tal decisão, interpôs recurso de apelação a Ré/seguradora, tendo concluído as suas alegações nos termos que se passam a transcrever: - Sendo de 2.000 a 3.000 € o valor comercial do veículo dos Autores e de cerca de 200€ os respectivos salvados, não se justifica, do ponto de vista legal (citadas disposições legais) e da sua onerosidade, a sua reparação por uma quantia que se situará entre os 7.000 € (sem IVA) e 11.300€ (com IVA incluído); - De qualquer modo, sendo “ilíquido”, nesta fase, o custo real da reparação do veículo, nunca a Ré poderia ser condenada naquilo que, de acordo com a matéria dada como provada, seria o custo máximo provável; - A entender-se que, não obstante o referido, os Autores têm direito à reparação da sua viatura (art. 566º, 1 do CC), então teria de ser esse o pedido formulado na acção e, não o tendo sido, esta terá de improceder, necessariamente, quanto ao pedido do pagamento do eventual custo da reparação; - Não tendo os Autores pedido que a Ré fosse condenada na obrigação de mandar reparar a sua viatura, também ela não pode ser condenada no pagamento da quantia diária de 8 € pela imobilização do veículo desde o acidente até à sua reparação – que os Autores, com o dinheiro na mão, poderão ou não mandar fazer e quando isso lhes aprouver! ou apetecer!!; - Não se justifica, face ao disposto no art. 496, 1 do C. Civil, o pagamento à Autora de qualquer indemnização por danos não patrimoniais e muito menos da pretendida quantia de 1.000 €; - A douta sentença recorrida violou as disposições legais que ficam citadas, pelo que deve dar-se provimento ao recurso em conformidade com as conclusões que antecedem. Contra-alegaram os Autores, pugnando pela manutenção do julgado. Corridos os vistos legais, cumpre tomar conhecimento do mérito do recurso, sendo que a instância mantém a sua validade. II. FUNDAMENTAÇÃO. Vem dada como apurada na sentença impugnada a factualidade que se passa a enunciar: 1 - No dia 8.10.2003, pelas 12,40 h, na EN n.º 328, cerca do km 3,350, no Lugar de Rabaceira, concelho de Vale de Cambra, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula “..-..-AB”, na altura conduzido por E………….., e o veiculo ligeiro de passageiros de matrícula “..-..-SL”, na altura conduzido pela Autora/mulher; 2 - A Autora seguia no sentido Vale de Cambra / Sever do Vouga; 3 - O veículo de matrícula “SL” seguia no sentido Sever do Vouga / Vale de Cambra; 4 - No local do embate referido em 1, a faixa de rodagem tem a largura de cerca de 7,40 m e é marginado de ambos os lados por bermas, a que se seguem casas de habitação; 5 - No local referido em 1, a estrada desenvolve-se em recta, a qual é antecedida de uma curva para a esquerda, considerando o sentido de marcha vale de Cambra / Sever do Vouga e a essa recta segue-se outra curva para a esquerda, atento o mesmo sentido de marcha; 6 - No local e momento do embate referido em 1, a estrada tinha o piso seco e bem conservado; 7 - Na data referida em 1, o tempo estava bom; 8 - O veículo de matrícula “AB” passou a curva da Rabaceira, local onde entroncam os caminhos que dão ligação ao Lugar de Baçar, e deparou-se com um autocarro de passageiros; 9 - Em virtude do referido no Ponto anterior, o condutor do “AB” desviou o veículo para a esquerda, invadindo a hemi-faixa esquerda de rodagem, considerando o seu sentido de marcha e veio a embater no veículo de matrícula “SL”, que aí circulava; 10 - O embate referido em 1 supra ocorreu integralmente na hemi-faixa direita de rodagem atento o sentido de marcha do “SL”; 11 - O embate referido em 1 ocorreu entre a frente esquerda do veículo “SL” e a frente do lado direito do veículo “AB”; 12 - A Autora e o condutor do “SL” preencheram e assinaram o documento denominado “Declaração Amigável de Acidente Automóvel”, cuja cópia se mostra junta aos autos de fls. 12 e 13; 13 - O veículo “SL” sofreu estragos na parte dianteira; 14 - O veículo “SL” é de 1993 e tinha 99.319 kms; 15 - Ao tempo do acidente a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do automóvel de matrícula “..-..-AB” encontrava-se transferida para a Ré/seguradora mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 45805665570000; 16 - As bermas que ladeiam a estrada do lado direito, no local do embate referido em 1, têm a largura aproximada de 60 a 70 cms e estão em cimento; 17 - O autocarro tina a largura de cerca de 2 metros; 18 - E ocupava a pare mais à direita da hemi-faixa direita de rodagem, atendo o sentido de marcha Sever do Vouga / Vale de Cambra; 19 - Ao constatar o referido 9 supra, a Autora encostou o veículo que conduzia o mais possível para a direita; 20 - E travou; 21 - A reparação do veículo “SL” custa entre 7.000 euros, sem “IVA” incluído, e 11.300 euros, com “IVA” incluído à taxa de 19%; 22 - A Ré mão assumiu a responsabilidade pela reparação do veículo dos Autores; 23 - E os Autores não dispõem de verba necessária para proceder à reparação do veículo “SL”; 24 - E, por isso, ele ainda não foi reparado; 25 - O veículo “SL” encontra-se imobilizado desde a data do embate referido em 1 supra numa oficina de reparação automóvel; 26 - A Autora utilizava o veículo “SL” nas suas deslocações diárias quando se dirigia ao centro da cidade e para transportar os seus filhos, nas suas saídas de lazer e de descanso e nas idas ao médico; 27 - Desde a data do embate referida em 1 a Autora teve e tem de recorrer por vezes a táxis e a veículos emprestados, a quem paga para o efeito; 28 - A fim de obter da Ré o ressarcimento dos danos, ao Autores sofreram gastos com telefone, deslocações e expediente; 29 – Em virtude do embate referido em 1, a Autora sofreu pisaduras; 30 - E, por isso, sofreu dores, desgostos e incómodos; 31 - À data do embate referido em 1, o veículo “SL” valia cerca de 2.000 a 3.000 euros; 32 - E os salvados valiam 200 euros; 33 – O “SL” foi colocado na oficina e aí se mantém por iniciativa dos Autores. Atendo-nos às conclusões formuladas pela apelante/seguradora, diremos que o objecto do recurso se encontra circunscrito a três questões essenciais, a saber: - se é devido o montante indemnizatório respeitante à quantia tida como necessária à reparação do veículo pertencente aos Autores; - se deve ser arbitrada indemnização pela privação do uso desse mesmo veículo; - se à Autora deve ser atribuída indemnização por danos não patrimoniais. Começando por aquela primeira problemática, em causa está a condenação de que a recorrente foi alvo de pagar aos Autores o montante de 11.300 euros tido como necessário para a reparação do veículo pertencente aos Autores (al. a/ da condenação acima enunciada em relatório). Contra esta condenação esgrime a impugnante três ordens de razões, tendo uma delas a ver com a circunstância de se estar perante a fixação duma reparação excessivamente onerosa; não ter sido peticionada essa mesma reparação, antes tão só o custo da mesma; para além do seu valor dever considerar-se, nesta fase e atento o apurado, como ilíquido. Adiantemos algumas reflexões sobre cada uma dos enunciados argumentos. O princípio geral que preside à obrigação de indemnizar é o da restauração natural, sendo sucedâneo o da indemnização por equivalente, pois que, como decorre do disposto no art. 562 do CC, “quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. A indemnização em dinheiro, dado o seu carácter subsidiário, está reservada para as situações em que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente o dano ou ainda quando seja excessivamente onerosa para o devedor – art. 566, n.º 1 do CC. Defrontando-nos perante dano em veículo na sequência de acidente de viação, ao lesado assistir-lhe-á exigir do lesante a restituição dum veículo idêntico ou então que lho repare, se isso for possível, sendo que a reparação do bem danificado constitui restauração natural e não indemnização por equivalente. Como escreve A. Varela, “se o dano (real) consistiu na destruição ou no desaparecimento de certa coisa (veículo, quadro, jóias, etc.) ou em estragos nela produzidos, há que proceder à aquisição de uma coisa da mesma natureza e à sua entrega ao lesado, ou ao conserto, reparação, ou substituição da coisa pelo agente” – in “Das Obrigações Em Geral”, Vol., 10.ª ed., pág. 904. Assim e a nosso ver, nada obsta a que o lesado opte pelos custos de reparação dum bem danificado, exigindo do lesante o montante necessário para sua concretização, situando-nos ainda em tal situação no domínio da restauração natural – assim, segundo nos parece, Júlio Gomes, in “Cadernos de Direito Privado”, n.º 3, pág. 57. Na base do já explicitado, é desde já possível responder àquele segundo tipo de argumentação aduzida pela recorrente, ou seja, não se descortinam obstáculos à pretensão formulada pelos Autores de, visando a reparação do seu veículo, exigirem da apelante/ré o pagamento da quantia necessária para eles mesmos procederem por sua iniciativa a essa reparação, já que, como vimos, estaremos ainda nessa hipótese no domínio da restauração natural. Contudo, a impugnante coloca ainda em causa esse tipo de indemnização por no caso dever considerar-se excessivamente onerosa, ponderando, por um lado, o valor comercial do veículo dos Autores (entre 2.000 a 3.000 euros) aquando do acidente, valendo os respectivos salvados cerca de 200 euros, e, por outro, o custo da reparação a importar numa quantia entre os 7.000 euros (sem IVA) e 11.300 euros (com IVA incluído). Adiante-se que a excessiva onerosidade da restauração natural deve ser ponderada em função de uma manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural representa para o responsável – neste sentido, P. de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª ed., pág. 582. Como adverte Vaz Serra, para indemnizar o proprietário é frequente que se tenha de abonar, não já o que o objecto vale no mercado, mas a quantia que tenha de se desembolsar para adquirir outro equivalente; a perda sofrida não consiste precisamente na destruição daquele valor, mas na necessidade de adquirir outro objecto para substituir o perdido; mais esclarecendo que a excessiva onerosidade deve ser entendida no sentido de que não pode ser feita oficiosamente, e que se dá quando, nas condições concretas, importaria despesa demasiada para qualquer outro devedor – “Obrigação de Indemnização”, in BMJ 84, págs. 137 e 143 (nota 283). A este propósito reflecte Menezes Cordeiro que “recorrendo aos princípios gerais, diremos que uma indemnização específica é excessivamente onerosa quando a sua exigência atente gravemente contra os princípios da boa fé” – in “Direito das Obrigações”, 2.º Vol., pág. 401. Na base destes considerandos doutrinais, também a jurisprudência do STJ vem firmando o entendimento de que, para se aferir da aludia onerosidade, não pode entrar em linha de conta apenas o valor da reparação e o valor venal ou de mercado do veículo acidentado, posto que se impõe o seu confronto com o valor de uso que o lesado daquele extrai pelo facto de o ter à sua disposição para satisfação das suas necessidades – v, por todos, o recente acórdão do STJ de 18.3.09, na base dados do MJ. Como se assinala neste último acórdão, ao lesado cabe apenas demonstrar o “quantum” indemnizatório e ao lesante cabe, por seu lado, demonstrar que esse montante é excessivamente oneroso, e não apenas oneroso, sendo que essa excessividade há-de aferir-se pela diferença entre dois pólos, um deles tendo a ver com o preço da reparação, enquanto o outro não é o valor venal do veículo, antes o seu valor patrimonial, ou seja, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado. Revertendo ao caso em apreço, temos como apurado que a reparação do “SL” (veículo dos autores) importa numa quantia, já com “IVA” à taxa de 19%, entre 8.330 euros e 11.300 euros, sendo que o seu valor de mercado, à data do acidente, variava entre os 2.000 e os 3.000 euros, valendo os respectivos salvados 200 euros (v. Pontos 21, 31 e 32 supra). Para além disso, vem ainda adquirido para os autos que a dita viatura vinha sendo utilizada pela Autora nas suas deslocações diárias para os fins indicados no Ponto 26 supra, só não tendo sido objecto de reparação por falta de meios por parte dos Autores, vendo-se a Autora obrigada a recorrer a outros meios de transporte para efectuar aquelas deslocações, suportando os respectivos encargos (v. Pontos 23, 24, 26 e 27). Já, por outro lado, não decorre da factualidade acima elencada que a reparação do dito veículo seja impossível ou insuficiente para o fim a que se destina; que a mesma não garanta condições de segurança para permitir a circulação da dita viatura; tão pouco vindo apurado que os Autores, com o valor venal da sua viatura e dos salvados, possam adquirir um veículo automóvel no mesmo estado de conservação e que lhes garanta o mesmo nível de satisfação de necessidades (v. a resposta negativa concedida ao quesito 23 da base instrutória, onde vinha perguntado se “um veículo idêntico ao ‘SL’ custava cerca de 2.000 euros”). Diante destes considerandos e tendo apenas como referência o assinalado custo de reparação da aludida viatura (entre 8.330 a 11.300 euros) em confronto com o seu valor venal, situado entre os 2.000 a 3.000 euros, cremos não vir configurado um quadro factual suficiente para dar como demonstrada a excessiva onerosidade da dita reconstituição natural, a impor a eventual consideração duma indemnização por equivalente para os termos do disposto no n.º 1 do art. 566 do CC. Não seria, pois, por via da primeira ordem de argumentação esgrimida pela recorrente (restauração natural excessivamente onerosa) que a pretensão de lhe impor o pagamento do valor da reparação da aludida viatura devia improceder. Contudo, ainda no âmbito desta primeira problemática, argumenta a impugnante que não podia ocorrer tal condenação, posto ser ilíquida essa parcela indemnizatória, enquanto vem dado como apurado que o custo da reparação varia ente os 8.330 a 11.300 euros (incluindo o “IVA” à taxa de 19%), nada legitimando apontar-se para o valor máximo correspondente a esse custo. Diga-se que, em rigor, ao contrário do defendido pela apelante, a condenação questionada não viola o disposto no n.º 1 do art. 661 do CPC, pois que a mesma não representa quantia superior ou objecto diverso do inicialmente peticionado. O que poderá afirmar-se é que se não se encontra definitivamente concretizado o “quantum” que deve atingir essa parcela indemnizatória, vindo tão só definidos os limites mínimo e máximo desse valor, a importar a sua liquidação em momento posterior para os termos do n.º 2 do citado art. 661. Impor-se-á, assim, nesta sede proceder à correcção dos termos da condenação acima elencada sob a al. a/, por forma a que a segurador/ré seja condenada a pagar aos Autores o valor correspondente à reparação do seu veículo “SL”, a liquidar em momento posterior e no incidente próprio, com o limite máximo de 11.300 euros. Entrando agora na apreciação da segunda problemática suscitada pela apelante/seguradora, em causa está ser ou não devida indemnização pela paralisação da dita viatura (privação do seu uso), tendo em conta o que a esse propósito ficou sentenciado (v. al. b/ da condenação acima enunciada). Insurge-se a recorrente quanto a tal condenação, por não vir peticionado pelos Autores que a Ré fosse condenada na obrigação de mandar reparar a identificada viatura, tão pouco se justificando o pagamento da respectiva parcela indemnizatória até ocorrer a efectiva reparação da mesma. Numa primeira observação diremos que não vem questionada o princípio básico e genérico que subjaz à atribuição duma indemnização pela privação do uso decorrente da paralisação de veículo acidentado, aqui se acolhendo o princípio geral e opção tomada na sentença impugnada (no confronto das várias teses jurisprudenciais que se vêm firmando sobre tal matéria) a balizar a atribuição da mencionada parcela indemnizatória, dispensando-nos de repetir critério como qual concordamos e vem suficientemente explanado na sentença recorrida. Ainda assim, face aos termos em que a impugnante articula a sua posição na situação em apreço, importa tecer um outro tipo de justificação. Como decorre do já ponderado quanto à anterior problemática, sendo de acolher a pretensão de pagamento pela seguradora/ré do custo da reparação do aludido veículo, deixa de ter sustentáculo a argumentação da impugnante de que a mencionada parcela indemnizatória seria indevida na base precisamente da ausência de fundamento para a procedência daquele mencionado pedido. Com efeito, reconhecida a validade daquela primeira pretensão – custo da reparação a suportar pela impugnante e não necessariamente reparação a efectuar pela mesma – prejudicada fica a tese argumentativa da recorrente para ver afastada a atribuição da aludida parcela indemnizatória. Porém, ainda que a apelante/seguradora não centre a sua discordância no valor diário a pautar o cômputo da mencionada indemnização, já parece questionar o momento até ao qual deve ser a mesma ser contabilizada, ou seja, tanto quanto depreendemos do alcance das conclusões formuladas, seria desproporcionado colocar na disponibilidade dos Autores o momento da reparação do seu veículo. Cremos neste aspecto assistir premência a tal argumento, impondo-se dentro dum critério de equidade – o qual, além do mais, subjaz, como se reflecte na decisão impugnada, à quantificação de tal tipo de indemnização – determinar com maior equilíbrio o momento até ao qual deve ser aquela (indemnização) contabilizada. Assim, nesse âmbito, temos como mais ajustado impor que o aludido valor de 8 euros por cada dia de imobilização do aludido veículo seja contabilizado desde a data do acidente até ao momento da disponibilização pela seguradora/ré aos Autores do montante que vier a ser fixado relativo ao custo da reparação, no seguimento aliás da apreciação feita à anterior problemática. Quanto à condenação que vimos analisando (enunciada supra sob a al. b/), embora não havendo motivos para sem mais a rejeitar como pretende a recorrente, sempre haverá motivos para proceder à correcção (alteração) nos termos apontados. Resta, por último, analisar a questão atinente à indemnização por danos não patrimoniais fixada a favor da Autora (al. d/ acima delineada) no montante de 1.000 euros, sendo que a recorrente defende não ser devida, face ao preceituado no art. 496, n.º 1 do CC, para além da sua quantificação ser exagerada. Relativamente à consideração desse tipo de danos relativamente à Autora, apesar da singeleza da respectiva factualidade dada como apurada – “em virtude do referido embate, a Autora sofreu pisaduras, por isso suportando dores, desgostos e incómodos” (Pontos 29 e 30) – acompanhamos a reflexão feita pelo tribunal “a quo” no sentido de nos defrontarmos perante realidade a merecer a tutela do direito, por a mesma não configurar meros incómodos ou contrariedades, também por isso estando a coberto da previsão contida no citado normativo. Relativamente à quantificação desses danos, reconhecendo embora a escassez de elementos para caracterizar a dimensão das lesões sofridas – fala-se de “pisaduras”, sem identificação do local atingido, mas sempre tendo determinado dores, desgostos e incómodos – não vemos motivos para alterar o montante arbitrado, sendo que a recorrente nada avança de relevante nesse aspecto, para além do que o valor encontrado não pode considerar-se exagerado, face aos parâmetros mencionados no art. 494 do CC. É, assim, de manter neste aspecto o que decidido foi pelo tribunal “a quo”. III.CONCLUSÃO. Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, nessa medida, alterando-se o sentenciado, condena-se a seguradora/ré a pagar aos Autores, por força do acidente relatado nos autos, as seguintes parcelas indemnizatórias: a/ o valor correspondente à reparação do veículo “SL” pelo valor a liquidar ulteriormente e por via do incidente próprio, até ao limite máximo de 11.300 euros; b/ o valor de 8 euros por cada dia de imobilização desse mesmo veículo, a contar desde a data do acidente até ao pagamento pela Ré do montante a que se alude na alínea anterior; c/ o valor correspondente aos gastos com telefone, deslocações e expediente inerentes à resolução do litígio, também a liquidar em incidente próprio; d/ o montante de 1.000 euros a favor da Autora, a título de danos não patrimoniais, sendo devidos juros de mora civis, quanto às quantias já liquidas, desde a citação até seu integral pagamento. Custas em ambas as instâncias a cargo de Autores e Ré na proporção de 1/3 e 2/3, respectivamente, sem prejuízo do apoio judiciário de que aqueles beneficiam e da correcção que se impuser em função do que venha a decidir-se em sede de incidente de liquidação. Porto, 25 de Junho de 2009 Mário Manuel Baptista Fernandes José Manuel Carvalho Ferraz António do Amaral Ferreira