I - Uma portaria não prevalece sobre um decreto-lei. II – A eventual violação do prazo para a verificação periódica do alcoolímetro não determina a nulidade da prova que do mesmo resulta. III - A verificação periódica dos alcoolímetros é anual e a validade estende-se até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização.
Processo nº 270/10.6GAALJ Tribunal judicial de Alijó Relatora: Olga Maurício Adjunto: Artur Oliveira Acordam na 2ª secção criminal (4ª secção judicial) do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO 1. Nos presentes autos foi o arguido B… absolvido da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, do art. 292º do Código Penal. 2. Inconformado, o Ministério Público recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões: «a) Por sentença proferida nos presentes autos, o tribunal decidiu absolver o arguido B… como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º do Código Penal; b) Fê-lo ao dar como não provado "que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1º o arguido apresentasse uma taxa de álcool no sangue de 2,55 g/I", não valorando o teste efectuado; c) Para dar como não provado tal facto, o tribunal entendeu que o aparelho, no qual foi realizado o teste à quantidade de álcool no ar expirado, já há muito teria ultrapassado o prazo de validade do aparelho; d) O teste objecto do presente recurso foi efectuado em 30 de Setembro de 2010; e) O aludido aparelho foi aprovado pelo IPQ a 24 de Abril de 2009, através do despacho nº 11037/07 e pela ANSR a 25 de Junho de 2009, através do despacho nº 19684/09, publicado no DR nº 166, 2ª Série de 27 de Agosto de 2009; f) No que concerne aos prazos de verificação do aparelho supra citado, reina o DL nº 291/90, de 20 de Setembro, que estabelece o Regime Geral do Controle Metrológico, pois o aparelho em causa é um aparelho de medição. g) Prescreve o artigo 4º nº 5 do citado diploma legal que "a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário". h) A concreta regulamentação aprovada em matéria de alcoolímetros (cf. artigo 1º, nº1, parte final e 15º, do DL nº291/90, de 20 de Setembro) que consta hoje da Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro, e aprova o denominado Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, isto é, dos "instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado" (cf. 2º, nº1, da referida Portaria). i) Tal Regulamento veio, estabelecer regras relativas às verificações metrológicas: j) “a primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano" (cf. artigo 7º, nº1). k) “a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo" (cf. artigo 7º, nº2)". l) Face a este quadro, diremos que o aparelho em causa foi aprovado e colocado em funcionamento em 25 de Junho de 2009. m) Assim, e nos termos do art. 4º nº 5 do DL 291/90 de 20 de Setembro, o mesmo estaria dispensado de verificação até ao dia 31 de Dezembro de 2010. n) Os Decretos-lei, nos termos do art. 112º da Constituição da República Portuguesa, são actos normativos, e portanto como tal, só poderão ser derrogados, ou postos em causa por acto normativo da mesma natureza. o) Sucede porém que uma portaria não é um acto normativo, mas simplesmente um acto administrativo, o qual, não se pode sobrepor, nem afastar o estatuído num Decreto-Lei, não podendo, jamais, criar um regime especial face a este, porquanto terá de se conformar com ele, como resulta das regras de hierarquias de normas. p) No entanto, nem cremos que seja esse o caso, pois é possível e deveria o Mmo Juiz ter feito uma interpretação das duas normas de forma a compatibilizá-Ias. q) Obviamente que assim entendendo o aparelho em causa não teria qualquer problema de verificação e validação, e o facto dado como não provado deveria ter sido dado como provado, tendo o arguido sido condenado. r) O aparelho está ainda dispensado das verificações periódicas anuais a que alude o artigo 7º do Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros. s) Com efeito, resulta expresso no nº2 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 291/90, de 20 de Setembro que, «os instrumentos de medição são dispensados de verificação periódica até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua primeira verificação, salvo regulamentação específica em contrário». t) Encontrando-se o aparelho aprovado para fiscalização - e efectuada a sua verificação metrológica dentro dos períodos temporais legalmente previstos - e não existindo pois quaisquer elementos factuais que permitam duvidar da fiabilidade do aparelho - tanto mais que o próprio arguido na altura não requereu contra-prova e em sede de audiência admitiu que tinha bebido - não ficou o tribunal colocado perante qualquer dúvida, susceptível de operar a favor do arguido por força do principio in dubio pro reo, devendo ter sido condenado. u) Nos termos do artigo 118º, nº 1, do Código de Processo Penal, a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente comi nada na lei. Ou seja, neste preceito consagra-se o princípio da legalidade no domínio das nulidades dos actos processuais. Assim, para que algum acto processual, relativamente ao qual tenha havido violação ou inobservância das disposições legais do processo penal, padeça do vício da nulidade é necessário que a lei processual o diga expressamente. v) Como muito bem se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13.09.2010 (proc. nº431/10.8GAFL.Gl, in www.dgsi.pt). não existe "nulidade do exame efectuado" nas situações em que esteja em causa a falta de inspecção periódica do alcoolímetro, pois que "inexiste norma que comine a falta da inspecção periódica com o vício da nulidade". w) Na esteira do defendido no recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 03/03/2010, processo 58/09.7PAMDL, disponível em www.dgsi.pt, que não constitui o exame ao álcool no sangue realizado por alcoolímetro um meio de prova, como é por exemplo a prova pericial, mas meio de obtenção de prova. x) Como resulta de fls. 3 do presente processo, o arguido declarou não desejar ser submetido a exame de contraprova, demonstrando assim a vontade de que se conformava com o resultado que lhe era apresentado. y) Decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30/01/2008, processo 295/07.9GTLRA.Cl, igualmente disponível em www.dgsi.pt, no qual se reiterou que ae dúvidas subsistem sobre a idoneidade do valor medido, o que a lei prevê é a possibilidade de ser feita a contraprova, ou através de novo exame em aparelho aprovado, ou através de análise ao sangue, à escolha do examinando (art. 153º, nº 3, do C. da Estrada). z) No decorrer da audiência de julgamento, o arguido quis prestar declarações, conforme consta da acta (fls. 17 e 18), e na sequência das mesmas o arguido declarou pretender confessar de forma livre, integral e sem reservas os factos que' lhe são imputados. aa) Conforme ficou plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/02/2007, processo nº 4030/07, disponível em www.trp.pt. se a lei considera que provados os factos confessados, é porque desconsidera quaisquer irregularidades dos meios de prova junto aos autos. (…) A confissão não pode servir para evitar que o tribunal esclareça pontos que, mais tarde, são invocados para fundamentar a nulidade da própria confissão. (…) Quando a lei considera os factos provados, está também a considerar irrelevantes as questões que poderiam inquinar quer a validade, quer a eficácia probatória dos respectivos meios. A confissão integral e sem reservas do arguido sobrepõe-se a tais irregularidades, por uma razão simples: a lei aceita que o arguido queria dizer a verdade, desprezando inclusivamente as eventuais incongruências da prova recolhida. bb) Não haveria razão para o mesmo ter sido considerado como prova proibida, pois o aparelho não padecia de qualquer vício, estando aprovado e certificado para o efeito. cc) O Mmo. Juiz duvidou do resultado do exame de pesquisa de álcool no ar expirado efectuado ao arguido. dd) Dispõe o artigo 340º nº1 do Código de Processo Penal que: "O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa". ee) É, assim, nosso entendimento que tal decisão violou o disposto nos artigos 118º, nº 1 e 2, 340º nº 1 e 2 e 379º nº1 alínea c) do Código de Processo Penal, padecendo ainda dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) todos do Código do Processo Penal, devendo ser revogada na parte em que deu como não provado o facto de "que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1º o arguido apresentasse uma taxa de álcool no sangue de 1,90 g/I", não valorando o teste efectuado", devendo este facto ser dado como provado, e por essa via, ser o arguido condenado pela prática do crime pelo qual vinha acusado». Termina pugnando pela revogação da sentença recorrida, com a consequente condenação do arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez. 3. O recurso foi admitido. 4. O arguido respondeu, defendendo a manutenção do decidido. O Exmº P.G.A. junto desta relação não se pronunciou. 5. Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais. Realizou-se a audiência. Cumpre decidir.* *FACTOS PROVADOS 6. Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos: «1º - No dia 30 de Setembro de 2010, pelas 00h28, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, matricula ..-..-LS, no …, …, …, Alijó. 2º - Antes de conduzir o arguido havia ingerido, pelo menos, um whisky e um copo de vinho. 3º - Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1º, o arguido foi submetido por agentes da GNR a exame efectuado no ar expirado. 4º - O arguido sabia que não lhe era permitido conduzir veículos automóveis com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l. 5º - Ao proceder como referido em 1º e 2º, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente. Mais se apurou que: 6° - O exame referido em 3º foi efectuado com o aparelho DRAGER Alcotest 7110MKIIIP, tendo a sua última verificação ocorrido no dia 13.05.2009. 7º - O arguido é agricultor, trabalhando por conta de outrem. 8º - Aufere mensalmente, em média, a quantia de € 250,00. 9º - Vive em casa de um irmão e contribui com cerca de € 50,00 para as despesas domésticas. 10º - Como habilitações literárias tem o 2º ano de escolaridade. 11º - Tem antecedentes criminais, tendo sido condenado: a) A 15.09.2003, no âmbito do processo nº 611/03.2GTVRL, que correu os seus termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 14.09.2003, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º do CP, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €3,00, bem como na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses; b) A 10.07.2007, no âmbito do processo nº 671/06.4GTVRL, que correu os seus termos no Tribunal Judicial de Murça, pela prática, a 4.03.2005, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º do CP, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €4,00, bem como na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses». 7. Quanto aos factos não provados foi dado como não provado «que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1º o arguido apresentasse uma taxa de álcool no sangue de 2,55 g/l». 8. O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos: «A convicção do tribunal relativamente aos factos que considerou provados fundou-se na apreciação livre e critica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de acordo com o preceituado no artigo 127º do Código de Processo Penal. Assim para dar como provados os factos elencados de 1º a 5º, o tribunal teve em consideração desde logo a confissão do arguido quanto aos mesmos, a qual foi livre, integral e sem reservas. Ademais, teve ainda em consideração o tribunal o teor do auto de notícia de fls. 3. No que tange ao ponto 6º, o tribunal baseou-se no teor do talão de fls. 4. Por sua vez, no que concerne aos factos que se deram com provados de 7º a 10º, o tribunal estribou a sua convicção nos esclarecimentos prestados pelo arguido quanto às suas condições sócio-económicas, não se vislumbrando razões para neles não fazer fé. Finalmente, no que tange ao ponto 11º dos factos provados, teve o tribunal em consideração o teor do CRC junto aos autos. Relativamente ao facto que se deu como não provado cumpre tecer algumas considerações de modo mais cuidado. A este propósito, e antes de mais, cumpre analisar o alcance da confissão do arguido no âmbito do tipo legal aqui em causa. Ora, em nosso entender, a confissão do arguido não pode senão abranger as circunstâncias de ter ingerido bebidas alcoólicas e conduzido. Com efeito, a concreta TAS de que era portador, em nosso entender, consiste num facto que o arguido não pode confessar, porquanto tal apenas pode ser, efectivamente medido, através de um controlo de natureza técnica e científica que o arguido não está habilitado a fornecer ao tribunal. Assim, muito embora o arguido possa, de facto, ter ficado ciente da TAS indicada pelo aparelho no controlo de que foi alvo, tal não significa que se possa dar como provada tal taxa com base na confissão, pois que o arguido, como referido, não possui, nem poderia deter, qualquer conhecimento acerca da TAS de que na realidade era portador. Isto posto, e em conclusão, é entendimento do tribunal que a prova de todos os factos da acusação não se basta, no caso, com a confissão do arguido, devendo a mesma ser complementada, necessariamente, pela prova resultante do controlo que ao mesmo foi efectuado. Ultrapassadas estas primeira considerações, cumpre proceder à análise da validade do resultado do sobredito controlo efectuado enquanto meio de prova. Da prova produzida, mais concretamente do teor do talão de fls. 4, resultou que o exame de pesquisa de álcool no sangue que foi efectuado ao arguido, o foi através do aparelho DRAGER, modelo 7110 MK IIIP. O aludido aparelho foi aprovado pelo IPQ a 24 de Abril de 2009, através do despacho nº 11037/07 e pela ANSR a 25 de Junho de 2009, através do despacho nº 19684/09, publicado no DR nº 166, 2ª Série, de 27 de Agosto de 2009. Neste último despacho refere-se que o aludido modelo "contém os elementos necessários para medir a concentração de álcool no sangue". Por sua vez, prescreve o artigo 1º, nº1, do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº18/2007, de 17 de Maio, que "a presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo". Por sua vez, dispõe o nº2 do mesmo artigo 1º do aludido Regulamento, que "a quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue". Finalmente, o artigo 14º do Regulamento em apreço refere que "nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária". Mais se consagra que "a aprovação (…) é precedida de homologação de modelo a efectuar pelo Instituto Português de Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros". Assim sendo, dúvidas não existem quanto à possibilidade de utilização do aparelho em causa - DRAGER Alcotest 7110 MK IIIP - para efeitos da fiscalização do estado de condução sob influência do álcool, tanto mais que a aprovação do modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação do modelo (cf. artigos 2º, nº2, do DL nº291/90, de 20 de Setembro, 6º, nº3, do Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro, bem como o Despacho da ANSR nº19684/2009, a contrario). Todavia, a vexata questio que se coloca no caso dos autos consiste em saber qual seja a validade, como meio de prova, do resultado de um controlo efectuado com aparelho que, apesar de regulamente aprovado, em concreto, ultrapassou o prazo de validade, sem ter sido submetido ao controle de medição. Ou, acrescentando, e ainda a montante, saber se, no caso do autos, o aparelho usado para efectuar o controlo da TAS ao arguido havia ou não ultrapassado tal prazo. Vejamos. Decorre do já mencionado talão de fls. 4 que a data de verificação do aparelho utilizado no controlo remonta a 13.05.09. Por sua vez, o controlo efectuado ao arguido ocorreu no dia 30.09.2010. Analisemos então as normas legais aplicáveis. O DL nº291/90, de 20 de Setembro, veio proceder à "harmonização do regime anteriormente aplicável ao controlo metrológico com o direito comunitário, assegurando à indústria nacional de instrumentos de medição entrada nos mercados da CEE em igualdade de circunstâncias" (cf. Preâmbulo do DL em apreço). Dessa forma, veio estabelecer um regime regulador do "controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição envolvidos em operações comerciais, fiscais ou salariais, ou utilizados nos domínios da segurança, da saúde ou da economia de energia, bem como das quantidades dos produtos pré-embalados e, ainda dos bancos de ensaio e demais meios de medição (…). A metrologia, enquanto ciência da medição, "assenta num conjunto de pressupostos prévios que (…) simplificam a actuação concreta de uma multiplicidade de situações que vão do campo do direito à actividade industrial". Nessa medida, a metrologia legal "baseia-se no estabelecimento de um conjunto de características dos instrumentos de medição e na sujeição obrigatória destes a uma operação de aprovação de modelo, prévia à sua inclusão nos actos de controlo metrológico, operação que garante que os mesmos estão de acordo com a norma aplicável. Antes de entrarem em funcionamento e, depois, em intervalos regulares durante a sua vida útil, estes instrumentos são sujeitos a operações de verificação metrológica, que garantem que as características metrológicas continuam a satisfazer os requisitos legais (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1.10.2008, proc. 0843774, in www.dgsi.pt, citando JORGE FRADIQUE, ISABEL MORGADO LEAL e RUI SA, in "A Primeira Verificação de instrumentos de pressão, de 2002 a 2004, como garantia metrológica) Ora, é o sobredito DL nº291/90, de 20 de Setembro, que estabelece o Regime Geral do Controle Metrológico, constituindo o mesmo um diploma de aplicação generalizada aos diversos métodos ou instrumentos de medição. Nessa medida, ali se prevê a existência de quatro operações de controlo metrológico: a aprovação do modelo, a primeira verificação, a verificação periódica e a verificação extraordinária (cf. artigo 1º, nº3). Nos termos do disposto no artigo 2º, nº1, sempre do mesmo diploma legal, "a aprovação de modelo é o acto que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria (…). Por sua vez, "a primeira verificação é o exame e o conjunto de operações destinados a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respectivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis" (cf. artigo 3º, nº1). Já a verificação periódica "é o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo" (cf. artigo 4º, nº1). Finalmente, "a verificação extraordinária ocorre apenas em casos de dúvidas ou de reclamações específicas" (cf. artigo 5º, nº1). Visto este regime geral, cumpre analisar a concreta regulamentação aprovada em matéria de alcoolímetros (cf. artigo 1º, nº1, parte final e 15º, do DL nº291/90, de 20 de Setembro). Tal regulamentação consta hoje da Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro, e aprova o denominado Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, isto é, dos "instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado" (cf. 2º, nº1, da referida Portaria). O referido Regulamento veio, também ele, estabelecer regras relativas às verificações metrológicas. Assim, ali se estabelece que "a primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano" (cf. artigo 7º, nº1). Por sua vez, também ali se dispõe que "a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo" (cf. artigo 7º, nº2). Finalmente, estabelece-se que "a verificação extraordinária compreende os ensaios da verificação periódica e tem a mesma validade". Ora, a resposta de uma das questões acima colocadas, nomeadamente a de saber se, no caso dos autos, o aparelho usado para efectuar o controlo da TAS ao arguido havia ou não ultrapassado o prazo estabelecido pela lei para a verificação periódica, passará pela interpretação da norma acima transcrita, prevista no artigo 7º, nº2, da Portaria nº1556/2007, em confronto com a norma prevista no artigo 4º, nº5, do DL nº291/90, de 20 de Setembro. Prescreve este último artigo que "a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário". Cumpre tomar posição. Assim sendo, constata-se o seguinte: O Regime Geral do Controlo Metrológico permite que a verificação periódica permaneça válida até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte. Porém, no aludido regime (geral) não se refere que a verificação periódica tenha qualquer tipo de limite (por exemplo, mensal, trimestral, semestral, anual, etc.). Ora, da análise do regime especial em que se traduz o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, constata-se, por um lado, que a verificação periódica para este tipo concreto e específico de instrumentos de medição deve obedecer a uma periodicidade anual, salvo se diferente indicação constar do despacho de aprovação de modelo (no caso, o Despacho nº19684/2009 da ANSR), o que, todavia, não sucede. Assim sendo, em nosso entender, a Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro, veio estabelecer um verdadeiro regime especial relativamente ao DL nº291/90, de 20 de Setembro, traduzindo-se em regulamentação específica contrária ao ali previsto no artigo 4º, nº5. E assim concluímos por quatro ordens de razões. A primeira prende-se com o facto já acima aflorado de o regime geral, contrariamente ao especial, não estabelecer nenhum prazo máximo para realização da verificação periódica, mas tão-somente um critério abstracto de duração da respectiva validade. Assim, e nesse seguimento, cremos que, ao estabelecer a periodicidade anual para a verificação periódica, a Portaria aqui em análise veio regulamentar o Regime Geral de modo contrário às prescrições nele constantes. A segunda razão prende-se com a interpretação a dar à expressão "anual" constante do artigo 7º, nº2, da Portaria nº1556/2007. Em nosso entender, preconizar o entendimento da aplicação do preceituado no artigo 4º, nº5, do DL nº291/90 ao regime do controlo metrológico dos alcoolímetros, significaria que o legislador havia pretendido consagrar (no regime especial) que a verificação periódica haveria de fazer-se "uma vez em cada ano". Ora, no caso, não só o legislador não optou por tal redacção, nem tão-pouco, de forma eventualmente clarificadora, estabeleceu qualquer remissão da Portaria para o aludido artigo 4º, nº5, do DL nº291/90. Assim, cremos que não deverá o intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu, devendo, ademais, presumir-se que o legislador soube, em cada momento, exprimir-se de modo adequado e consagrar as soluções mais acertadas (cf. artigo 9º, nº3, do CC). Uma terceira linha de argumentação reporta-se à razão de ser das verificações periódicas. Assim, se as mesmas visam constatar a qualidade metrológica dos instrumentos de medição, nomeadamente, mantendo-os dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo, é nosso entender que o legislador terá no caso (concreto) dos alcoolímetros querido, efectivamente, e pela especificidade que comportam (face a outros instrumentos de medição), fixar em 1 ano a verificação periódica de tais aparelhos, por entender ser esse o limite máximo a partir do qual os mesmos necessitam de ser submetidos a nova inspecção para determinar a sua fiabilidade enquanto meio de aquisição de prova. De resto, entender em sentido contrário, aplicando ao caso dos alcoolímetros sem mais o disposto no artigo 4º, nº5, do DL nº291/90, seria permitir que uma determinada verificação periódica pudesse ocorrer, de modo objectivo, e na prática, já perto dos dois anos, para tanto bastando que tal verificação ocorra no início de um determinado ano, mantendo-se a sua validade intacta até ao final do ano seguinte (imagine-se por hipótese um intervalo de verificações situado entre Janeiro de 2009 e Dezembro de 2010). Interpretar deste modo é, em nosso entender, violar frontalmente o regime legal constante da Portaria, regime esse em que o legislador quis verter e prever as especificidades concernentes ao instrumento de medição específico que é o alcoolímetro, sem olvidar que a sua utilização é feita, essencialmente, para fins de recolha de prova no âmbito de processos judiciais. Finalmente, em quarto lugar, e sem prejuízo de toda a argumentação exposta, somos ainda de entendimento que, mesmo que alguma dúvida se suscitasse na articulação dos regimes geral e especial, sempre a mesma haveria que ser solucionada por via do recurso ao princípio geral da interpretação mais favorável ao arguido. Isto posto, e descendo novamente ao caso concreto, somos de entendimento que, no caso concreto, aquando do controlo efectuado ao arguido a 30.09.2010, já há muito se encontrava ultrapassado o prazo de validade do aparelho utilizado para a realização do controlo/medição da respectiva TAS. Decidido este aspecto, há que tomar posição quanto à segunda questão que nos propusemos resolver, ou seja, a da validade probatória a conferir ao controlo efectuado. Assim, e desde já adiantando, cremos que, efectivamente, "não pode valer como meio de prova um controlo efectuado com aparelho que ultrapassou o prazo de validade, sem ter ido ao controle de medição para aferir do rigor da medição feita pelo mesmo" (cf. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.03.2009, proc. nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/123951" target="_blank">141/08.6GTGRD.C1</a>). De facto, e como já acima se foi referindo, se a verificação periódica visa garantir a fiabilidade de um determinado aparelho de medição, no caso o alcoolímetro, é de duvidar de tal fiabilidade quando o mesmo é utilizado em controlos ocorridos em momento posterior ao prazo máximo estabelecido para renovação da necessária verificação periódica. Aparentemente, em sentido contrário pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13.09.2010 (proc. nº431/10.8GAFL.G1, in www.dgsi.pt). quando, a certa altura refere que não existir "nulidade do exame efectuado" nas situações em que esteja em causa a falta de inspecção periódica do alcoolímetro, pois que "inexiste norma que comine a falta da inspecção periódica com o vício da nulidade". Todavia, cremos que o enquadramento a fazer da presente questão não se situa no âmbito da validade ou nulidade do exame/controlo em si, mas antes na validade da prova que do mesmo resulta. Isto é, sendo o exame/controlo um meio de obtenção de prova, admitimos que o mesmo não seja nulo se violar alguma das normas do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, por falta de norma expressa que o preveja. No entanto, cremos que há que distinguir entre o meio de obtenção da prova e o seu resultado, isto é, a prova em si e a sua validade/fiabilidade, sendo que, neste campo, e como acima referido, não cremos ser de valorar positivamente a prova obtida mediante a utilização de um aparelho de medição que ultrapassou o respectivo prazo de validade. Sem prejuízo, a este propósito, poderia ainda, eventualmente, argumentar-se com a possibilidade de, mesmo neste caso, se de lançar mão das margens de erro admissíveis (EMA), previstas no Anexo à Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro. Porém não cremos que tal solução seja admissível. Com efeito, cremos que a Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro, não estabelece qualquer margem de erro, mínimo ou máximo, para aferir dos resultados obtidos pelos analisadores quantitativos da detecção do teor de álcool no sangue, numa qualquer medição concreta. Na verdade, é nosso entendimento, que as margens de erro a que acima se faz alusão respeitam, tão só, à aprovação e verificação periódica dos aparelhos de medição. Com efeito, o controlo metrológico tem por finalidade a certificação do controlo e conformidade metrológica encontrada, e, bem assim, garantir a inviolabilidade do instrumento de medição. Tal controlo metrológico dos alcoolímetros ou analisadores quantitativos, é da competência do Instituto Português da Qualidade, que procede às operações legais de aprovação do modelo - primeira verificação - segunda verificação - verificação extraordinária. (cf. art. 5º da Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro) Assim, uma vez verificado, pelo sobredito instituto, que o aparelho de medição não ultrapassa os erros (máximo e mínimo), a que faz alusão o art. 8º da Portaria, é aposta marca de qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis. Com efeito, os EMA "são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra. É sabido que a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto da aprovação de modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas, por forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos erros máximos admissíveis prescritos no respectivo regulamento" (cf. CÉU FERREIRA e ANTÓNIO CRUZ, "Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português de Qualidade", citado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.5.2008, proc. 0841722, in www.dgsi.pt). Nessa conformidade, não podem, em momento ulterior, designadamente quando o agente de autoridade está a proceder à acção de fiscalização, ser considerados quaisquer valores de erro (EMA) a deduzir ao valor apurado ou obtido pelo alcoolímetro ou analisador quantitativo. É que, como acima de disse, os erros máximos admissíveis são, apenas, objecto de valoração e ponderação no momento do controlo metrológico e em momento anterior à certificação pelo IPQ (cf. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30.1.2008, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/124541" target="_blank">91/07.3PANZR.C1</a>; Acórdãos da Relação de Lisboa de 23.10.2007, proc. 3226/2007-5; de 3.10.2007, proc. 4223/20073; de 9.10.2007, proc. 5995/2007-5; de 18.10.2007, proc. 7213/2007-9; de 23.10.2007, proc. 7089/2007-5; de 23.10.2007, proc. 7226/2007-5; de 20.02.2008, proc. 183/2008-3; e de 8.04.2008, proc. 1491/2008-5; Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 6.02.2008, proc, 0716626; de 12.12.2007, proc. 0744023; de 14.03.2007, proc. 0617247; de 1.10.2008, proc. 0843774; e, em sentido contrário, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26.02.2007, proc. 2602/06-2; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.12.2007, proc. 0746058; de 2.04.2008, proc. 0810479; de 7.05.2008, proc. 0810638; de 15.10.2008, proc. 0813607; de 3.02.2010, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/144582" target="_blank">658/09.5GBAMT.P1</a>; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22.05.2007, proc. 442/07-5, todos in www.dgsi.pt). Face ao exposto, o tribunal entende não valorar positivamente o resultado do teste de medição da TAS feito ao arguido, motivo pelo qual não deu como provado ponto da acusação pública contra ele formulada».*DECISÃO Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código. Por via dessa delimitação são as seguintes as questões que este tribunal tem a resolver: I – Violação do art. 118º, nº 1, do C.P.P. por a nulidade proclamada na decisão não constar da lei II – Violação do art. 340º nº1 do C.P.P., por omissão de diligências tendentes à verificação da fiabilidade do aparelho usado III – Verificação dos vícios do nº 2 do art. 410º do C.P.P. *I – Violação do art. 118º, nº 1, do C.P.P. por a nulidade proclamada não constar da lei O arguido foi absolvido do crime de condução em estado de embriaguez porque o resultado do aparelho de medição usado não foi valorado enquanto prova. Isto deveu-se ao facto de ter sido entendido que o controlo feito ao aparelho já ter ultrapassado o prazo de validade quando o exame ao arguido ocorreu (relembrando, o primeiro foi em 13-5-2009 e o segundo em 30-9-2010). A decisão recorrida decidiu deste modo porque, conforme se diz, harmonizando o disposto nos art. 7º, nº 2, da Portaria nº 1556/2007, de 10/12 – que dispõe «a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo» -, e 4º, nº 5, do DL nº 291/90, de 20/9 – que diz «a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário» -, concluiu que aquela portaria, e citamos, «veio estabelecer um verdadeiro regime especial relativamente ao DL nº 291/90, de 20 de Setembro, traduzindo-se em regulamentação específica contrária ao ali previsto no artigo 4º, nº5». Vejamos, então. A Portaria nº 1556/2007, de 10/12, regulamenta o controlo metrológico dos alcoolímetros, aplicável aos alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos (art. 1º). Estes aparelhos estão sujeitos a quatro verificações, como resulta do art. 5º, que são a verificação para aprovação de modelo, a primeira verificação, a verificação periódica e a verificação extraordinária: a aprovação de modelo é o acto que atesta a conformidade de um instrumento de medição com as especificações aplicáveis à sua categoria; a primeira verificação é o exame e o conjunto de operações destinados a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respectivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis; a verificação periódica é o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo; finalmente, a verificação extraordinária ocorre apenas em casos de dúvidas ou de reclamações específicas. O art. 7º dispõe sobre as verificações metrológicas dos aparelhos e determina, no seu nº 2, que «a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo». Por seu turno o D.L. nº 291/90, de 20/9, procedeu à harmonização do regime nacional com o direito comunitário sobre o controlo metrológico dos aparelhos de medição. Nos termos do seu art. 1º, nº 1, «o controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição envolvidos em operações comerciais, fiscais ou salariais, ou utilizados nos domínios da segurança, da saúde ou da economia de energia, bem como das quantidades dos produtos pré-embalados e, ainda, dos bancos de ensaio e demais meios de medição abrangidos pelo artigo 6º é exercido nos termos do presente diploma e dos respectivos diplomas regulamentares». Tal como para a portaria, também para este diploma as operações a realizar no âmbito do controlo metrológico são a aprovação de modelo, a primeira verificação, a verificação periódica e a verificação extraordinária (art. 1º, nº 3). A verificação periódica está tratada no art. 4º, nos seguintes termos: «1 - Verificação periódica é o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo, devendo ser requerida pelo utilizador do instrumento de medição. 2 - Os instrumentos de medição são dispensados de verificação periódica até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua primeira verificação, salvo regulamentação específica em contrário. 3 - Nos instrumentos de medição cuja qualidade metrológica esteja dentro das tolerâncias admissíveis, relativamente ao respectivo modelo, será aposta, no acto da operação, a marca de verificação periódica. 4 - A marca referida no número anterior será aposta por forma a garantir a inviolabilidade do instrumento de medição. 5 - A verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário». Decorre do nº 1 do art. 9º do Código Civil, que dispõe sobre a “interpretação da lei”, que o primeiro passo para dissipar dúvidas de interpretação é ler o texto da lei, que corporiza a vontade do legislador. Mas ao mesmo tempo que é ponto de partida, o texto é também limite à interpretação, uma vez que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» - nº 2. Face aos diplomas que regulamentam a matéria discutida no presente recurso é seguro, no que respeita à verificação periódica dos aparelhos de medição, que ela é anual e que a sua validade se estende até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização. Parece-nos que a clareza da lei não permite dúvidas sobre esta concreta questão. Mas concedendo que podia não ser clara a determinação da validade da verificação, nunca a dúvida podia ser superada nem com o recurso ao chamado «princípio geral da interpretação mais favorável ao arguido», nem dando a primazia à norma inserida em diploma de valor hierarquicamente inferior. O recurso ao princípio mais favorável não é unanimemente aceite em sede de interpretação da lei. Mas já o é o repúdio de tal princípio quando interpretado em termos de tal modo amplos que leve ao afastamento do sentido da lei resultante da aplicação das regras gerais de interpretação [1]. Para além disso na interpretação não pode eleger-se como fundamental o sentido que resulte de diploma de valor hierarquicamente inferior. O art. 112º da Constituição da República Portuguesa, que versa sobre os «actos normativos», concretiza os princípios da hierarquia das fontes de direito, da tipicidade das leis e da legalidade da administração [2]. Os actos normativos contemplados são os actos legislativos e os actos regulamentares, sendo actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais – nº 1. O principal acto normativo infra constitucional é, portanto, o acto legislativo. Quanto à portaria, que não integra o conceito de acto normativo, é um acto administrativo, com hierarquia inferior, cujo conteúdo tem que respeitar as fontes legais de hierarquia superior. Considerando, portanto, a hierarquia das leis, nunca uma lei de hierarquia inferior pode contrariar lei de hierarquia superior, antes tem de se conformar com ela. Mas se o fizer é a primeira que vale, em sede de aplicação do direito. Mas se, conforme decidiu a sentença recorrida, a validade da verificação anual se contasse desde o dia em que a mesma tivesse lugar? Mesmo neste caso o resultado não seria aquele a que se chegou. Conforme se diz no recurso a nossa lei acolheu, no art. 118º do C.P.P., o princípio da legalidade das nulidades ao estabelecer, no nº 1, que «a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei»; acrescenta o nº 2 que «nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular». Dito de outra forma, as nulidades figuram expressamente na lei como tal. Não podendo ser criadas por via interpretativa. E aplicando a lei ao nosso caso, resulta dela que a eventual violação da periodicidade das verificações periódicas dos aparelhos de medição nunca poderia determinar a nulidade, simplesmente porque a lei não sanciona como tal esse vício. Para tornear este obstáculo e a propósito do decidido pela Relação de Guimarães em 13-9-2010, no processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/197417" target="_blank">431/10.8GAFL.G1</a>, que decidiu que «ainda que estivesse em falta a inspecção periódica do aparelho em causa, a verdade é que inexiste norma que comine a falta da inspecção periódica com o vício da nulidade», refere a sentença recorrida o seguinte: «o enquadramento a fazer da presente questão não se situa no âmbito da validade ou nulidade do exame/controlo em si, mas antes na validade da prova que do mesmo resulta … sendo o exame/controlo um meio de obtenção de prova, admitimos que o mesmo não seja nulo se violar alguma das normas do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, por falta de norma expressa que o preveja. No entanto, cremos que há que distinguir entre o meio de obtenção da prova e o seu resultado, isto é, a prova em si e a sua validade/fiabilidade, sendo que, neste campo, e como acima referido, não cremos ser de valorar positivamente a prova obtida mediante a utilização de um aparelho de medição que ultrapassou o respectivo prazo de validade». Embora reconheça que o exame efectuado não é nulo a decisão concluiu pela nulidade do seu resultado, solução com a qual não concordamos, pelos motivos referidos. E não sendo nulo o resultado impõe-se (art. 163º do C.P.P.), estando subtraído à livre apreciação do julgador. Concedendo mais uma vez que a vigência das verificações periódicas vale durante o ano contado desde o dia da última verificação e sendo certo que o desrespeito por tal periodicidade nunca integraria uma nulidade, então estaríamos perante uma irregularidade. As irregularidades, assim o diz o art. 123º, nº 1, do C.P.P., só determinam a invalidade dos actos quando tiverem sido arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a ele não tiverem assistido, nos 3 dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado. Se não forem arguidas o acto produzirá todos os seus efeitos jurídicos. No entanto o nº 2 permite que o juiz determine, oficiosamente, a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que dela tomar conhecimento e quando a mesma puder afectar o valor do acto praticado. Ora, se o tribunal tinha dúvida sobre o resultado do teste realizado ao arguido, por a validade da verificação periódica feita ter, alegadamente, expirado, então deveria ter procedido à realização de diligências no sentido de apurar se os resultados do aparelho utilizado se continham dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo. Concordando com a tese do recurso, haveria, pois, que lançar mão da previsão do nº 2 do art. 340º do C.P.P. para ultrapassar a dúvida entretanto surgida.*III – Verificação dos vícios do nº 2 do art. 410º do C.P.P. «O erro notório na apreciação da prova consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto, quando a conclusão deveria manifestamente ter sido a contrária, já por força de uma incongruência lógica, já por ofender princípios ou leis formulados cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas, ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, já por se ter violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova …» [3]. Trata-se de um erro de julgamento, que resulta da própria decisão, e consiste em dar como provado ou como não provado determinado facto contrariando as regras da experiência, da lógica ou os princípios legais sobre provas. Ao dar como não provado que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 2,55 g/l a decisão recorrida incorreu em erro notório na apreciação da prova, pois contrariou prova plena sem que se tenha demonstrado que o facto revelado não era verdadeiro [4]. O vício verificado é suprível por esta Relação, dado que o processo contém todos os elementos necessários à alteração do decidido. Assim, e em conformidade com o disposto nos art. 428º e 431º do C.P.P., modifica-se a decisão relativa à matéria de facto e acrescenta-se aos factos provados mais um, que será o 12º, com a seguinte redacção: - «12º - Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1º o arguido apresentou uma taxa de álcool no sangue de 2,55 g/l». Em consequência do decidido resulta que nenhum facto relevante é dado como não provado (desaparecendo da decisão aquele que anteriormente constava deste item).*Concluímos que o arguido cometeu, pois, um crime de condução em estado de embriaguez punível, nos termos do nº 1 do art. 292º do Código Penal, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias e em proibição de conduzir por um período de 3 meses a 3 anos (art. 69º, nº 1, al. a) do Código Penal). O crime de condução em estado de embriaguez é, como sabemos, um crime de perigo abstracto, em que a acção é em si mesma considerada perigosa, sem necessidade da criação de um perigo concreto: o preenchimento do tipo objectivo basta-se com a condução na via pública ou equiparada com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l. Não obstante, a taxa concreta apresentada deve relevar para a determinação da punição, pois que verificação de um concreto perigo é tanto maior quanto maior for a taxa de álcool apresentada. A taxa de álcool com que o arguido conduzia, de 2,55g/l, integra-se na chamada fase da descoordenação, que vai dos 1,5 g/l aos 3 g/l, caracteriza-se por desordem de pensamento, sonolência progressiva até ao torpor, descoordenação motora, visão dupla, vertigens, náuseas, vómitos, taquicardia. Percebemos melhor, agora, o enorme perigo potencial criado por um indivíduo que conduza em tal estado, quer para o próprio quer, sobretudo, para os demais utentes da via. Para além deste dado de enorme relevo temos que o arguido já sofreu duas condenações pela prática do mesmo crime: uma em 15-9-2003, por crime cometido em 14-9.2003 (70 dias de multa à taxa diária de €3,00, e em inibição de conduzir veículos por de 3 meses); outra em 10-7-2007, por crime ocorrido em 4-3-2005 (90 dias de multa à taxa diária de €4,00 e na inibição de conduzir por de 5 meses). Cabe, agora, proceder à escolha e determinação da pena e nestas operações teremos que atender aos critérios enunciados nos art. 70º e 71º, nº 1 e 2, do Código Penal. Diz o primeiro, sobre o critério de escolha da pena, que «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». Quanto ao segundo, estabelece que a pena é fixada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, e considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo da sua execução deste e a gravidade das suas consequências, e ainda o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; e f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. As finalidades da aplicação de uma pena consistem na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade: as preocupações são, pois, a tutela dos bens jurídicos violados, primeiro, e depois, as necessidades de reinserção, caso estas se coloquem no caso. Os factos, onde se incluem condenações anteriores pela comissão de crime de igual natureza igual à do ora cometido, revelam prementes exigências de prevenção especial no que respeita a este concreto tipo de crime, sendo que a pena de multa não se mostra suficiente ao caso. Daí que opção recaia na pena detentiva. Agora, e na determinação da medida da pena, há que considerar todos os parâmetros acima enumerados e outros que se apresentem no caso e que sejam tidos por relevantes. Relevamos, nesta sede, a taxa de álcool com que o arguido conduzia, o facto de já ter sofrido condenações anteriores e, ainda, a realidade portuguesa, realçada recentemente em acórdão desta relação, de 29-9-2010 [5]: «… É conhecida a grande taxa de criminalidade conexa com a circulação rodoviária. Os dados estatísticos e os sucessivos estudos dão conta da dimensão e gravidade do problema. O recente Relatório do Observatório Permanente da Justiça, CES/Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, 2009, “A Justiça penal, Uma reforma em avaliação”, p. 195 é eloquente: Ao longo dos anos (2000-2008), mais de 50% da criminalidade na fase de julgamento distribui-se por 3 tipos de criminalidade agrupada: crimes contra a segurança das comunicações, crimes contra a propriedade e crimes contra a integridade física, maus tratos e infracções de regras de segurança, com clara preponderância do primeiro tipo, cujo peso relativo médio na estrutura da criminalidade nesta fase ultrapassa os 30%. Esta realidade reclama uma reacção adequada por parte de quem aplica as leis, nomeadamente em termos de valoração da prevenção geral. De outro modo a tutela dos bens jurídicos visados e as expectativas da comunidade na validade da norma infringida sairiam frustradas …». Considerando o grau de ilicitude, elevado, a repetição ocorrida, julgamos adequada a pena de prisão de três meses. No entanto, sempre entendemos que a simples ameaça da sua execução será suficiente ao caso, pelo que suspendemos a execução desta pena pelo período de um ano (art. 50º, nº 1 e 5, do Código Penal). Quanto à proibição de conduzir, esta situa-se entre os 3 meses e os 3 anos, como vimos, sendo que a sua determinação concreta se faz, também, à luz do art. 71º, citado. Esta pena, tal como refere o acórdão desta relação, acima citado, citando Schonke-Schroder-Stree, constitui uma chamada de atenção, uma sanção adicional com a qual se pretende dar uma lição exemplar ao arguido pela sua conduta, resultando da sua imposição uma eficácia consideravelmente reforçada da condenação penal. Na esteira desta mesma decisão diremos que se tem que existir alguma proporcionalidade entre ambas, a sua determinação obedece a uma geometria variável considerando, não necessariamente proporcional. Tudo visto temos por adequada aplicar ao arguido a proibição de conduzir pelo período de seis meses.*DISPOSITIVO Pelos fundamentos expostos: I - Concedendo provimento ao recurso, vai o arguido B… condenado na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, e em 6 meses de proibição de conduzir veículos com motor, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punível pelos art. 292º, nº 1, e 69º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal. II - Em consequência, terá o arguido que proceder à entrega do título de condução na secretaria do tribunal de Alijó ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias após o trânsito desta decisão, sob pena de cometer um crime de desobediência. III - Sem custas. IV – Notifique e comunique a decisão Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (art. 69º, nº 4, do Código Penal). Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P. Porto, 2011-04-06 Olga Maria dos Santos Maurício Artur Manuel da Silva Oliveira _______________ [1] Sobre a interpretação da lei penal Eduardo Correia, Direito Criminal, I, 1971, pág. 150 e segs. e Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, I, 1982, pág. 111 e segs. [2] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 2ª ed., 2º vol., pág. 54 e segs. [3] Acórdão do S.T.J. de 20-4-2006, processo 06P363. [4] “Consubstancia erro na apreciação da prova alterar o valor da TAS certificada pelo alcoolímetro” – acórdão desta relação de 16-12-2009, processo 51/09.0GNPRT. [5] Relatado pelo sr. desembargador António Gama.
Processo nº 270/10.6GAALJ Tribunal judicial de Alijó Relatora: Olga Maurício Adjunto: Artur Oliveira Acordam na 2ª secção criminal (4ª secção judicial) do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO 1. Nos presentes autos foi o arguido B… absolvido da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, do art. 292º do Código Penal. 2. Inconformado, o Ministério Público recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões: «a) Por sentença proferida nos presentes autos, o tribunal decidiu absolver o arguido B… como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º do Código Penal; b) Fê-lo ao dar como não provado "que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1º o arguido apresentasse uma taxa de álcool no sangue de 2,55 g/I", não valorando o teste efectuado; c) Para dar como não provado tal facto, o tribunal entendeu que o aparelho, no qual foi realizado o teste à quantidade de álcool no ar expirado, já há muito teria ultrapassado o prazo de validade do aparelho; d) O teste objecto do presente recurso foi efectuado em 30 de Setembro de 2010; e) O aludido aparelho foi aprovado pelo IPQ a 24 de Abril de 2009, através do despacho nº 11037/07 e pela ANSR a 25 de Junho de 2009, através do despacho nº 19684/09, publicado no DR nº 166, 2ª Série de 27 de Agosto de 2009; f) No que concerne aos prazos de verificação do aparelho supra citado, reina o DL nº 291/90, de 20 de Setembro, que estabelece o Regime Geral do Controle Metrológico, pois o aparelho em causa é um aparelho de medição. g) Prescreve o artigo 4º nº 5 do citado diploma legal que "a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário". h) A concreta regulamentação aprovada em matéria de alcoolímetros (cf. artigo 1º, nº1, parte final e 15º, do DL nº291/90, de 20 de Setembro) que consta hoje da Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro, e aprova o denominado Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, isto é, dos "instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado" (cf. 2º, nº1, da referida Portaria). i) Tal Regulamento veio, estabelecer regras relativas às verificações metrológicas: j) “a primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano" (cf. artigo 7º, nº1). k) “a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo" (cf. artigo 7º, nº2)". l) Face a este quadro, diremos que o aparelho em causa foi aprovado e colocado em funcionamento em 25 de Junho de 2009. m) Assim, e nos termos do art. 4º nº 5 do DL 291/90 de 20 de Setembro, o mesmo estaria dispensado de verificação até ao dia 31 de Dezembro de 2010. n) Os Decretos-lei, nos termos do art. 112º da Constituição da República Portuguesa, são actos normativos, e portanto como tal, só poderão ser derrogados, ou postos em causa por acto normativo da mesma natureza. o) Sucede porém que uma portaria não é um acto normativo, mas simplesmente um acto administrativo, o qual, não se pode sobrepor, nem afastar o estatuído num Decreto-Lei, não podendo, jamais, criar um regime especial face a este, porquanto terá de se conformar com ele, como resulta das regras de hierarquias de normas. p) No entanto, nem cremos que seja esse o caso, pois é possível e deveria o Mmo Juiz ter feito uma interpretação das duas normas de forma a compatibilizá-Ias. q) Obviamente que assim entendendo o aparelho em causa não teria qualquer problema de verificação e validação, e o facto dado como não provado deveria ter sido dado como provado, tendo o arguido sido condenado. r) O aparelho está ainda dispensado das verificações periódicas anuais a que alude o artigo 7º do Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros. s) Com efeito, resulta expresso no nº2 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 291/90, de 20 de Setembro que, «os instrumentos de medição são dispensados de verificação periódica até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua primeira verificação, salvo regulamentação específica em contrário». t) Encontrando-se o aparelho aprovado para fiscalização - e efectuada a sua verificação metrológica dentro dos períodos temporais legalmente previstos - e não existindo pois quaisquer elementos factuais que permitam duvidar da fiabilidade do aparelho - tanto mais que o próprio arguido na altura não requereu contra-prova e em sede de audiência admitiu que tinha bebido - não ficou o tribunal colocado perante qualquer dúvida, susceptível de operar a favor do arguido por força do principio in dubio pro reo, devendo ter sido condenado. u) Nos termos do artigo 118º, nº 1, do Código de Processo Penal, a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente comi nada na lei. Ou seja, neste preceito consagra-se o princípio da legalidade no domínio das nulidades dos actos processuais. Assim, para que algum acto processual, relativamente ao qual tenha havido violação ou inobservância das disposições legais do processo penal, padeça do vício da nulidade é necessário que a lei processual o diga expressamente. v) Como muito bem se afirma no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13.09.2010 (proc. nº431/10.8GAFL.Gl, in www.dgsi.pt). não existe "nulidade do exame efectuado" nas situações em que esteja em causa a falta de inspecção periódica do alcoolímetro, pois que "inexiste norma que comine a falta da inspecção periódica com o vício da nulidade". w) Na esteira do defendido no recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 03/03/2010, processo 58/09.7PAMDL, disponível em www.dgsi.pt, que não constitui o exame ao álcool no sangue realizado por alcoolímetro um meio de prova, como é por exemplo a prova pericial, mas meio de obtenção de prova. x) Como resulta de fls. 3 do presente processo, o arguido declarou não desejar ser submetido a exame de contraprova, demonstrando assim a vontade de que se conformava com o resultado que lhe era apresentado. y) Decidiu o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 30/01/2008, processo 295/07.9GTLRA.Cl, igualmente disponível em www.dgsi.pt, no qual se reiterou que ae dúvidas subsistem sobre a idoneidade do valor medido, o que a lei prevê é a possibilidade de ser feita a contraprova, ou através de novo exame em aparelho aprovado, ou através de análise ao sangue, à escolha do examinando (art. 153º, nº 3, do C. da Estrada). z) No decorrer da audiência de julgamento, o arguido quis prestar declarações, conforme consta da acta (fls. 17 e 18), e na sequência das mesmas o arguido declarou pretender confessar de forma livre, integral e sem reservas os factos que' lhe são imputados. aa) Conforme ficou plasmado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13/02/2007, processo nº 4030/07, disponível em www.trp.pt. se a lei considera que provados os factos confessados, é porque desconsidera quaisquer irregularidades dos meios de prova junto aos autos. (…) A confissão não pode servir para evitar que o tribunal esclareça pontos que, mais tarde, são invocados para fundamentar a nulidade da própria confissão. (…) Quando a lei considera os factos provados, está também a considerar irrelevantes as questões que poderiam inquinar quer a validade, quer a eficácia probatória dos respectivos meios. A confissão integral e sem reservas do arguido sobrepõe-se a tais irregularidades, por uma razão simples: a lei aceita que o arguido queria dizer a verdade, desprezando inclusivamente as eventuais incongruências da prova recolhida. bb) Não haveria razão para o mesmo ter sido considerado como prova proibida, pois o aparelho não padecia de qualquer vício, estando aprovado e certificado para o efeito. cc) O Mmo. Juiz duvidou do resultado do exame de pesquisa de álcool no ar expirado efectuado ao arguido. dd) Dispõe o artigo 340º nº1 do Código de Processo Penal que: "O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa". ee) É, assim, nosso entendimento que tal decisão violou o disposto nos artigos 118º, nº 1 e 2, 340º nº 1 e 2 e 379º nº1 alínea c) do Código de Processo Penal, padecendo ainda dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) todos do Código do Processo Penal, devendo ser revogada na parte em que deu como não provado o facto de "que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1º o arguido apresentasse uma taxa de álcool no sangue de 1,90 g/I", não valorando o teste efectuado", devendo este facto ser dado como provado, e por essa via, ser o arguido condenado pela prática do crime pelo qual vinha acusado». Termina pugnando pela revogação da sentença recorrida, com a consequente condenação do arguido pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez. 3. O recurso foi admitido. 4. O arguido respondeu, defendendo a manutenção do decidido. O Exmº P.G.A. junto desta relação não se pronunciou. 5. Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais. Realizou-se a audiência. Cumpre decidir.* *FACTOS PROVADOS 6. Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos: «1º - No dia 30 de Setembro de 2010, pelas 00h28, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de mercadorias, matricula ..-..-LS, no …, …, …, Alijó. 2º - Antes de conduzir o arguido havia ingerido, pelo menos, um whisky e um copo de vinho. 3º - Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1º, o arguido foi submetido por agentes da GNR a exame efectuado no ar expirado. 4º - O arguido sabia que não lhe era permitido conduzir veículos automóveis com uma taxa de álcool no sangue superior a 1,2 g/l. 5º - Ao proceder como referido em 1º e 2º, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente. Mais se apurou que: 6° - O exame referido em 3º foi efectuado com o aparelho DRAGER Alcotest 7110MKIIIP, tendo a sua última verificação ocorrido no dia 13.05.2009. 7º - O arguido é agricultor, trabalhando por conta de outrem. 8º - Aufere mensalmente, em média, a quantia de € 250,00. 9º - Vive em casa de um irmão e contribui com cerca de € 50,00 para as despesas domésticas. 10º - Como habilitações literárias tem o 2º ano de escolaridade. 11º - Tem antecedentes criminais, tendo sido condenado: a) A 15.09.2003, no âmbito do processo nº 611/03.2GTVRL, que correu os seus termos no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Vila Real, pela prática, a 14.09.2003, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º do CP, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de €3,00, bem como na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 3 meses; b) A 10.07.2007, no âmbito do processo nº 671/06.4GTVRL, que correu os seus termos no Tribunal Judicial de Murça, pela prática, a 4.03.2005, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º do CP, na pena de 90 dias de multa à taxa diária de €4,00, bem como na pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses». 7. Quanto aos factos não provados foi dado como não provado «que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1º o arguido apresentasse uma taxa de álcool no sangue de 2,55 g/l». 8. O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos: «A convicção do tribunal relativamente aos factos que considerou provados fundou-se na apreciação livre e critica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, de acordo com o preceituado no artigo 127º do Código de Processo Penal. Assim para dar como provados os factos elencados de 1º a 5º, o tribunal teve em consideração desde logo a confissão do arguido quanto aos mesmos, a qual foi livre, integral e sem reservas. Ademais, teve ainda em consideração o tribunal o teor do auto de notícia de fls. 3. No que tange ao ponto 6º, o tribunal baseou-se no teor do talão de fls. 4. Por sua vez, no que concerne aos factos que se deram com provados de 7º a 10º, o tribunal estribou a sua convicção nos esclarecimentos prestados pelo arguido quanto às suas condições sócio-económicas, não se vislumbrando razões para neles não fazer fé. Finalmente, no que tange ao ponto 11º dos factos provados, teve o tribunal em consideração o teor do CRC junto aos autos. Relativamente ao facto que se deu como não provado cumpre tecer algumas considerações de modo mais cuidado. A este propósito, e antes de mais, cumpre analisar o alcance da confissão do arguido no âmbito do tipo legal aqui em causa. Ora, em nosso entender, a confissão do arguido não pode senão abranger as circunstâncias de ter ingerido bebidas alcoólicas e conduzido. Com efeito, a concreta TAS de que era portador, em nosso entender, consiste num facto que o arguido não pode confessar, porquanto tal apenas pode ser, efectivamente medido, através de um controlo de natureza técnica e científica que o arguido não está habilitado a fornecer ao tribunal. Assim, muito embora o arguido possa, de facto, ter ficado ciente da TAS indicada pelo aparelho no controlo de que foi alvo, tal não significa que se possa dar como provada tal taxa com base na confissão, pois que o arguido, como referido, não possui, nem poderia deter, qualquer conhecimento acerca da TAS de que na realidade era portador. Isto posto, e em conclusão, é entendimento do tribunal que a prova de todos os factos da acusação não se basta, no caso, com a confissão do arguido, devendo a mesma ser complementada, necessariamente, pela prova resultante do controlo que ao mesmo foi efectuado. Ultrapassadas estas primeira considerações, cumpre proceder à análise da validade do resultado do sobredito controlo efectuado enquanto meio de prova. Da prova produzida, mais concretamente do teor do talão de fls. 4, resultou que o exame de pesquisa de álcool no sangue que foi efectuado ao arguido, o foi através do aparelho DRAGER, modelo 7110 MK IIIP. O aludido aparelho foi aprovado pelo IPQ a 24 de Abril de 2009, através do despacho nº 11037/07 e pela ANSR a 25 de Junho de 2009, através do despacho nº 19684/09, publicado no DR nº 166, 2ª Série, de 27 de Agosto de 2009. Neste último despacho refere-se que o aludido modelo "contém os elementos necessários para medir a concentração de álcool no sangue". Por sua vez, prescreve o artigo 1º, nº1, do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, aprovado pela Lei nº18/2007, de 17 de Maio, que "a presença de álcool no sangue é indiciada por meio de teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo". Por sua vez, dispõe o nº2 do mesmo artigo 1º do aludido Regulamento, que "a quantificação da taxa de álcool no sangue é feita por teste no ar expirado, efectuado em analisador quantitativo, ou por análise de sangue". Finalmente, o artigo 14º do Regulamento em apreço refere que "nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária". Mais se consagra que "a aprovação (…) é precedida de homologação de modelo a efectuar pelo Instituto Português de Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros". Assim sendo, dúvidas não existem quanto à possibilidade de utilização do aparelho em causa - DRAGER Alcotest 7110 MK IIIP - para efeitos da fiscalização do estado de condução sob influência do álcool, tanto mais que a aprovação do modelo é válida por 10 anos, salvo disposição em contrário no despacho de aprovação do modelo (cf. artigos 2º, nº2, do DL nº291/90, de 20 de Setembro, 6º, nº3, do Regulamento de Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, aprovado pela Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro, bem como o Despacho da ANSR nº19684/2009, a contrario). Todavia, a vexata questio que se coloca no caso dos autos consiste em saber qual seja a validade, como meio de prova, do resultado de um controlo efectuado com aparelho que, apesar de regulamente aprovado, em concreto, ultrapassou o prazo de validade, sem ter sido submetido ao controle de medição. Ou, acrescentando, e ainda a montante, saber se, no caso do autos, o aparelho usado para efectuar o controlo da TAS ao arguido havia ou não ultrapassado tal prazo. Vejamos. Decorre do já mencionado talão de fls. 4 que a data de verificação do aparelho utilizado no controlo remonta a 13.05.09. Por sua vez, o controlo efectuado ao arguido ocorreu no dia 30.09.2010. Analisemos então as normas legais aplicáveis. O DL nº291/90, de 20 de Setembro, veio proceder à "harmonização do regime anteriormente aplicável ao controlo metrológico com o direito comunitário, assegurando à indústria nacional de instrumentos de medição entrada nos mercados da CEE em igualdade de circunstâncias" (cf. Preâmbulo do DL em apreço). Dessa forma, veio estabelecer um regime regulador do "controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição envolvidos em operações comerciais, fiscais ou salariais, ou utilizados nos domínios da segurança, da saúde ou da economia de energia, bem como das quantidades dos produtos pré-embalados e, ainda dos bancos de ensaio e demais meios de medição (…). A metrologia, enquanto ciência da medição, "assenta num conjunto de pressupostos prévios que (…) simplificam a actuação concreta de uma multiplicidade de situações que vão do campo do direito à actividade industrial". Nessa medida, a metrologia legal "baseia-se no estabelecimento de um conjunto de características dos instrumentos de medição e na sujeição obrigatória destes a uma operação de aprovação de modelo, prévia à sua inclusão nos actos de controlo metrológico, operação que garante que os mesmos estão de acordo com a norma aplicável. Antes de entrarem em funcionamento e, depois, em intervalos regulares durante a sua vida útil, estes instrumentos são sujeitos a operações de verificação metrológica, que garantem que as características metrológicas continuam a satisfazer os requisitos legais (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 1.10.2008, proc. 0843774, in www.dgsi.pt, citando JORGE FRADIQUE, ISABEL MORGADO LEAL e RUI SA, in "A Primeira Verificação de instrumentos de pressão, de 2002 a 2004, como garantia metrológica) Ora, é o sobredito DL nº291/90, de 20 de Setembro, que estabelece o Regime Geral do Controle Metrológico, constituindo o mesmo um diploma de aplicação generalizada aos diversos métodos ou instrumentos de medição. Nessa medida, ali se prevê a existência de quatro operações de controlo metrológico: a aprovação do modelo, a primeira verificação, a verificação periódica e a verificação extraordinária (cf. artigo 1º, nº3). Nos termos do disposto no artigo 2º, nº1, sempre do mesmo diploma legal, "a aprovação de modelo é o acto que atesta a conformidade de um instrumento de medição ou de um dispositivo complementar com as especificações aplicáveis à sua categoria (…). Por sua vez, "a primeira verificação é o exame e o conjunto de operações destinados a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respectivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis" (cf. artigo 3º, nº1). Já a verificação periódica "é o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo" (cf. artigo 4º, nº1). Finalmente, "a verificação extraordinária ocorre apenas em casos de dúvidas ou de reclamações específicas" (cf. artigo 5º, nº1). Visto este regime geral, cumpre analisar a concreta regulamentação aprovada em matéria de alcoolímetros (cf. artigo 1º, nº1, parte final e 15º, do DL nº291/90, de 20 de Setembro). Tal regulamentação consta hoje da Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro, e aprova o denominado Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, isto é, dos "instrumentos destinados a medir a concentração mássica de álcool por unidade de volume na análise do ar alveolar expirado" (cf. 2º, nº1, da referida Portaria). O referido Regulamento veio, também ele, estabelecer regras relativas às verificações metrológicas. Assim, ali se estabelece que "a primeira verificação é efectuada antes da colocação do instrumento no mercado, após a sua reparação e sempre que ocorra violação do sistema de selagem, dispensando-se a verificação periódica nesse ano" (cf. artigo 7º, nº1). Por sua vez, também ali se dispõe que "a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo" (cf. artigo 7º, nº2). Finalmente, estabelece-se que "a verificação extraordinária compreende os ensaios da verificação periódica e tem a mesma validade". Ora, a resposta de uma das questões acima colocadas, nomeadamente a de saber se, no caso dos autos, o aparelho usado para efectuar o controlo da TAS ao arguido havia ou não ultrapassado o prazo estabelecido pela lei para a verificação periódica, passará pela interpretação da norma acima transcrita, prevista no artigo 7º, nº2, da Portaria nº1556/2007, em confronto com a norma prevista no artigo 4º, nº5, do DL nº291/90, de 20 de Setembro. Prescreve este último artigo que "a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário". Cumpre tomar posição. Assim sendo, constata-se o seguinte: O Regime Geral do Controlo Metrológico permite que a verificação periódica permaneça válida até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte. Porém, no aludido regime (geral) não se refere que a verificação periódica tenha qualquer tipo de limite (por exemplo, mensal, trimestral, semestral, anual, etc.). Ora, da análise do regime especial em que se traduz o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, constata-se, por um lado, que a verificação periódica para este tipo concreto e específico de instrumentos de medição deve obedecer a uma periodicidade anual, salvo se diferente indicação constar do despacho de aprovação de modelo (no caso, o Despacho nº19684/2009 da ANSR), o que, todavia, não sucede. Assim sendo, em nosso entender, a Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro, veio estabelecer um verdadeiro regime especial relativamente ao DL nº291/90, de 20 de Setembro, traduzindo-se em regulamentação específica contrária ao ali previsto no artigo 4º, nº5. E assim concluímos por quatro ordens de razões. A primeira prende-se com o facto já acima aflorado de o regime geral, contrariamente ao especial, não estabelecer nenhum prazo máximo para realização da verificação periódica, mas tão-somente um critério abstracto de duração da respectiva validade. Assim, e nesse seguimento, cremos que, ao estabelecer a periodicidade anual para a verificação periódica, a Portaria aqui em análise veio regulamentar o Regime Geral de modo contrário às prescrições nele constantes. A segunda razão prende-se com a interpretação a dar à expressão "anual" constante do artigo 7º, nº2, da Portaria nº1556/2007. Em nosso entender, preconizar o entendimento da aplicação do preceituado no artigo 4º, nº5, do DL nº291/90 ao regime do controlo metrológico dos alcoolímetros, significaria que o legislador havia pretendido consagrar (no regime especial) que a verificação periódica haveria de fazer-se "uma vez em cada ano". Ora, no caso, não só o legislador não optou por tal redacção, nem tão-pouco, de forma eventualmente clarificadora, estabeleceu qualquer remissão da Portaria para o aludido artigo 4º, nº5, do DL nº291/90. Assim, cremos que não deverá o intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu, devendo, ademais, presumir-se que o legislador soube, em cada momento, exprimir-se de modo adequado e consagrar as soluções mais acertadas (cf. artigo 9º, nº3, do CC). Uma terceira linha de argumentação reporta-se à razão de ser das verificações periódicas. Assim, se as mesmas visam constatar a qualidade metrológica dos instrumentos de medição, nomeadamente, mantendo-os dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo, é nosso entender que o legislador terá no caso (concreto) dos alcoolímetros querido, efectivamente, e pela especificidade que comportam (face a outros instrumentos de medição), fixar em 1 ano a verificação periódica de tais aparelhos, por entender ser esse o limite máximo a partir do qual os mesmos necessitam de ser submetidos a nova inspecção para determinar a sua fiabilidade enquanto meio de aquisição de prova. De resto, entender em sentido contrário, aplicando ao caso dos alcoolímetros sem mais o disposto no artigo 4º, nº5, do DL nº291/90, seria permitir que uma determinada verificação periódica pudesse ocorrer, de modo objectivo, e na prática, já perto dos dois anos, para tanto bastando que tal verificação ocorra no início de um determinado ano, mantendo-se a sua validade intacta até ao final do ano seguinte (imagine-se por hipótese um intervalo de verificações situado entre Janeiro de 2009 e Dezembro de 2010). Interpretar deste modo é, em nosso entender, violar frontalmente o regime legal constante da Portaria, regime esse em que o legislador quis verter e prever as especificidades concernentes ao instrumento de medição específico que é o alcoolímetro, sem olvidar que a sua utilização é feita, essencialmente, para fins de recolha de prova no âmbito de processos judiciais. Finalmente, em quarto lugar, e sem prejuízo de toda a argumentação exposta, somos ainda de entendimento que, mesmo que alguma dúvida se suscitasse na articulação dos regimes geral e especial, sempre a mesma haveria que ser solucionada por via do recurso ao princípio geral da interpretação mais favorável ao arguido. Isto posto, e descendo novamente ao caso concreto, somos de entendimento que, no caso concreto, aquando do controlo efectuado ao arguido a 30.09.2010, já há muito se encontrava ultrapassado o prazo de validade do aparelho utilizado para a realização do controlo/medição da respectiva TAS. Decidido este aspecto, há que tomar posição quanto à segunda questão que nos propusemos resolver, ou seja, a da validade probatória a conferir ao controlo efectuado. Assim, e desde já adiantando, cremos que, efectivamente, "não pode valer como meio de prova um controlo efectuado com aparelho que ultrapassou o prazo de validade, sem ter ido ao controle de medição para aferir do rigor da medição feita pelo mesmo" (cf. neste sentido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 25.03.2009, proc. nº 141/08.6GTGRD.C1). De facto, e como já acima se foi referindo, se a verificação periódica visa garantir a fiabilidade de um determinado aparelho de medição, no caso o alcoolímetro, é de duvidar de tal fiabilidade quando o mesmo é utilizado em controlos ocorridos em momento posterior ao prazo máximo estabelecido para renovação da necessária verificação periódica. Aparentemente, em sentido contrário pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13.09.2010 (proc. nº431/10.8GAFL.G1, in www.dgsi.pt). quando, a certa altura refere que não existir "nulidade do exame efectuado" nas situações em que esteja em causa a falta de inspecção periódica do alcoolímetro, pois que "inexiste norma que comine a falta da inspecção periódica com o vício da nulidade". Todavia, cremos que o enquadramento a fazer da presente questão não se situa no âmbito da validade ou nulidade do exame/controlo em si, mas antes na validade da prova que do mesmo resulta. Isto é, sendo o exame/controlo um meio de obtenção de prova, admitimos que o mesmo não seja nulo se violar alguma das normas do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, por falta de norma expressa que o preveja. No entanto, cremos que há que distinguir entre o meio de obtenção da prova e o seu resultado, isto é, a prova em si e a sua validade/fiabilidade, sendo que, neste campo, e como acima referido, não cremos ser de valorar positivamente a prova obtida mediante a utilização de um aparelho de medição que ultrapassou o respectivo prazo de validade. Sem prejuízo, a este propósito, poderia ainda, eventualmente, argumentar-se com a possibilidade de, mesmo neste caso, se de lançar mão das margens de erro admissíveis (EMA), previstas no Anexo à Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro. Porém não cremos que tal solução seja admissível. Com efeito, cremos que a Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro, não estabelece qualquer margem de erro, mínimo ou máximo, para aferir dos resultados obtidos pelos analisadores quantitativos da detecção do teor de álcool no sangue, numa qualquer medição concreta. Na verdade, é nosso entendimento, que as margens de erro a que acima se faz alusão respeitam, tão só, à aprovação e verificação periódica dos aparelhos de medição. Com efeito, o controlo metrológico tem por finalidade a certificação do controlo e conformidade metrológica encontrada, e, bem assim, garantir a inviolabilidade do instrumento de medição. Tal controlo metrológico dos alcoolímetros ou analisadores quantitativos, é da competência do Instituto Português da Qualidade, que procede às operações legais de aprovação do modelo - primeira verificação - segunda verificação - verificação extraordinária. (cf. art. 5º da Portaria nº1556/2007, de 10 de Dezembro) Assim, uma vez verificado, pelo sobredito instituto, que o aparelho de medição não ultrapassa os erros (máximo e mínimo), a que faz alusão o art. 8º da Portaria, é aposta marca de qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis. Com efeito, os EMA "são limites definidos convencionalmente em função não só das características dos instrumentos, como da finalidade para que são usados. Ou seja, tais valores limite, para mais e para menos, não representam valores reais de erro, numa qualquer medição concreta, mas um intervalo dentro do qual, com toda a certeza (uma vez respeitados os procedimentos de medição), o valor da indicação se encontra. É sabido que a qualquer resultado de medição está sempre associada uma incerteza de medição, uma vez que não existem instrumentos de medição absolutamente exactos. Esta incerteza de medição é avaliada no acto da aprovação de modelo por forma a averiguar se o instrumento durante a sua vida útil possui características construtivas, por forma a manter as qualidades metrológicas regulamentares, nomeadamente fornecer indicações dentro dos erros máximos admissíveis prescritos no respectivo regulamento" (cf. CÉU FERREIRA e ANTÓNIO CRUZ, "Controlo Metrológico de Alcoolímetros no Instituto Português de Qualidade", citado no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 28.5.2008, proc. 0841722, in www.dgsi.pt). Nessa conformidade, não podem, em momento ulterior, designadamente quando o agente de autoridade está a proceder à acção de fiscalização, ser considerados quaisquer valores de erro (EMA) a deduzir ao valor apurado ou obtido pelo alcoolímetro ou analisador quantitativo. É que, como acima de disse, os erros máximos admissíveis são, apenas, objecto de valoração e ponderação no momento do controlo metrológico e em momento anterior à certificação pelo IPQ (cf. neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30.1.2008, proc. 91/07.3PANZR.C1; Acórdãos da Relação de Lisboa de 23.10.2007, proc. 3226/2007-5; de 3.10.2007, proc. 4223/20073; de 9.10.2007, proc. 5995/2007-5; de 18.10.2007, proc. 7213/2007-9; de 23.10.2007, proc. 7089/2007-5; de 23.10.2007, proc. 7226/2007-5; de 20.02.2008, proc. 183/2008-3; e de 8.04.2008, proc. 1491/2008-5; Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 6.02.2008, proc, 0716626; de 12.12.2007, proc. 0744023; de 14.03.2007, proc. 0617247; de 1.10.2008, proc. 0843774; e, em sentido contrário, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26.02.2007, proc. 2602/06-2; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19.12.2007, proc. 0746058; de 2.04.2008, proc. 0810479; de 7.05.2008, proc. 0810638; de 15.10.2008, proc. 0813607; de 3.02.2010, proc. 658/09.5GBAMT.P1; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22.05.2007, proc. 442/07-5, todos in www.dgsi.pt). Face ao exposto, o tribunal entende não valorar positivamente o resultado do teste de medição da TAS feito ao arguido, motivo pelo qual não deu como provado ponto da acusação pública contra ele formulada».*DECISÃO Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código. Por via dessa delimitação são as seguintes as questões que este tribunal tem a resolver: I – Violação do art. 118º, nº 1, do C.P.P. por a nulidade proclamada na decisão não constar da lei II – Violação do art. 340º nº1 do C.P.P., por omissão de diligências tendentes à verificação da fiabilidade do aparelho usado III – Verificação dos vícios do nº 2 do art. 410º do C.P.P. *I – Violação do art. 118º, nº 1, do C.P.P. por a nulidade proclamada não constar da lei O arguido foi absolvido do crime de condução em estado de embriaguez porque o resultado do aparelho de medição usado não foi valorado enquanto prova. Isto deveu-se ao facto de ter sido entendido que o controlo feito ao aparelho já ter ultrapassado o prazo de validade quando o exame ao arguido ocorreu (relembrando, o primeiro foi em 13-5-2009 e o segundo em 30-9-2010). A decisão recorrida decidiu deste modo porque, conforme se diz, harmonizando o disposto nos art. 7º, nº 2, da Portaria nº 1556/2007, de 10/12 – que dispõe «a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo» -, e 4º, nº 5, do DL nº 291/90, de 20/9 – que diz «a verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário» -, concluiu que aquela portaria, e citamos, «veio estabelecer um verdadeiro regime especial relativamente ao DL nº 291/90, de 20 de Setembro, traduzindo-se em regulamentação específica contrária ao ali previsto no artigo 4º, nº5». Vejamos, então. A Portaria nº 1556/2007, de 10/12, regulamenta o controlo metrológico dos alcoolímetros, aplicável aos alcoolímetros quantitativos ou analisadores quantitativos (art. 1º). Estes aparelhos estão sujeitos a quatro verificações, como resulta do art. 5º, que são a verificação para aprovação de modelo, a primeira verificação, a verificação periódica e a verificação extraordinária: a aprovação de modelo é o acto que atesta a conformidade de um instrumento de medição com as especificações aplicáveis à sua categoria; a primeira verificação é o exame e o conjunto de operações destinados a constatar a conformidade da qualidade metrológica dos instrumentos de medição, novos ou reparados, com a dos respectivos modelos aprovados e com as disposições regulamentares aplicáveis; a verificação periódica é o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo; finalmente, a verificação extraordinária ocorre apenas em casos de dúvidas ou de reclamações específicas. O art. 7º dispõe sobre as verificações metrológicas dos aparelhos e determina, no seu nº 2, que «a verificação periódica é anual, salvo indicação em contrário no despacho de aprovação de modelo». Por seu turno o D.L. nº 291/90, de 20/9, procedeu à harmonização do regime nacional com o direito comunitário sobre o controlo metrológico dos aparelhos de medição. Nos termos do seu art. 1º, nº 1, «o controlo metrológico dos métodos e instrumentos de medição envolvidos em operações comerciais, fiscais ou salariais, ou utilizados nos domínios da segurança, da saúde ou da economia de energia, bem como das quantidades dos produtos pré-embalados e, ainda, dos bancos de ensaio e demais meios de medição abrangidos pelo artigo 6º é exercido nos termos do presente diploma e dos respectivos diplomas regulamentares». Tal como para a portaria, também para este diploma as operações a realizar no âmbito do controlo metrológico são a aprovação de modelo, a primeira verificação, a verificação periódica e a verificação extraordinária (art. 1º, nº 3). A verificação periódica está tratada no art. 4º, nos seguintes termos: «1 - Verificação periódica é o conjunto de operações destinadas a constatar se os instrumentos de medição mantêm a qualidade metrológica dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo, devendo ser requerida pelo utilizador do instrumento de medição. 2 - Os instrumentos de medição são dispensados de verificação periódica até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua primeira verificação, salvo regulamentação específica em contrário. 3 - Nos instrumentos de medição cuja qualidade metrológica esteja dentro das tolerâncias admissíveis, relativamente ao respectivo modelo, será aposta, no acto da operação, a marca de verificação periódica. 4 - A marca referida no número anterior será aposta por forma a garantir a inviolabilidade do instrumento de medição. 5 - A verificação periódica é válida até 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização, salvo regulamentação específica em contrário». Decorre do nº 1 do art. 9º do Código Civil, que dispõe sobre a “interpretação da lei”, que o primeiro passo para dissipar dúvidas de interpretação é ler o texto da lei, que corporiza a vontade do legislador. Mas ao mesmo tempo que é ponto de partida, o texto é também limite à interpretação, uma vez que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» - nº 2. Face aos diplomas que regulamentam a matéria discutida no presente recurso é seguro, no que respeita à verificação periódica dos aparelhos de medição, que ela é anual e que a sua validade se estende até ao dia 31 de Dezembro do ano seguinte ao da sua realização. Parece-nos que a clareza da lei não permite dúvidas sobre esta concreta questão. Mas concedendo que podia não ser clara a determinação da validade da verificação, nunca a dúvida podia ser superada nem com o recurso ao chamado «princípio geral da interpretação mais favorável ao arguido», nem dando a primazia à norma inserida em diploma de valor hierarquicamente inferior. O recurso ao princípio mais favorável não é unanimemente aceite em sede de interpretação da lei. Mas já o é o repúdio de tal princípio quando interpretado em termos de tal modo amplos que leve ao afastamento do sentido da lei resultante da aplicação das regras gerais de interpretação [1]. Para além disso na interpretação não pode eleger-se como fundamental o sentido que resulte de diploma de valor hierarquicamente inferior. O art. 112º da Constituição da República Portuguesa, que versa sobre os «actos normativos», concretiza os princípios da hierarquia das fontes de direito, da tipicidade das leis e da legalidade da administração [2]. Os actos normativos contemplados são os actos legislativos e os actos regulamentares, sendo actos legislativos as leis, os decretos-leis e os decretos legislativos regionais – nº 1. O principal acto normativo infra constitucional é, portanto, o acto legislativo. Quanto à portaria, que não integra o conceito de acto normativo, é um acto administrativo, com hierarquia inferior, cujo conteúdo tem que respeitar as fontes legais de hierarquia superior. Considerando, portanto, a hierarquia das leis, nunca uma lei de hierarquia inferior pode contrariar lei de hierarquia superior, antes tem de se conformar com ela. Mas se o fizer é a primeira que vale, em sede de aplicação do direito. Mas se, conforme decidiu a sentença recorrida, a validade da verificação anual se contasse desde o dia em que a mesma tivesse lugar? Mesmo neste caso o resultado não seria aquele a que se chegou. Conforme se diz no recurso a nossa lei acolheu, no art. 118º do C.P.P., o princípio da legalidade das nulidades ao estabelecer, no nº 1, que «a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei»; acrescenta o nº 2 que «nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular». Dito de outra forma, as nulidades figuram expressamente na lei como tal. Não podendo ser criadas por via interpretativa. E aplicando a lei ao nosso caso, resulta dela que a eventual violação da periodicidade das verificações periódicas dos aparelhos de medição nunca poderia determinar a nulidade, simplesmente porque a lei não sanciona como tal esse vício. Para tornear este obstáculo e a propósito do decidido pela Relação de Guimarães em 13-9-2010, no processo 431/10.8GAFL.G1, que decidiu que «ainda que estivesse em falta a inspecção periódica do aparelho em causa, a verdade é que inexiste norma que comine a falta da inspecção periódica com o vício da nulidade», refere a sentença recorrida o seguinte: «o enquadramento a fazer da presente questão não se situa no âmbito da validade ou nulidade do exame/controlo em si, mas antes na validade da prova que do mesmo resulta … sendo o exame/controlo um meio de obtenção de prova, admitimos que o mesmo não seja nulo se violar alguma das normas do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, por falta de norma expressa que o preveja. No entanto, cremos que há que distinguir entre o meio de obtenção da prova e o seu resultado, isto é, a prova em si e a sua validade/fiabilidade, sendo que, neste campo, e como acima referido, não cremos ser de valorar positivamente a prova obtida mediante a utilização de um aparelho de medição que ultrapassou o respectivo prazo de validade». Embora reconheça que o exame efectuado não é nulo a decisão concluiu pela nulidade do seu resultado, solução com a qual não concordamos, pelos motivos referidos. E não sendo nulo o resultado impõe-se (art. 163º do C.P.P.), estando subtraído à livre apreciação do julgador. Concedendo mais uma vez que a vigência das verificações periódicas vale durante o ano contado desde o dia da última verificação e sendo certo que o desrespeito por tal periodicidade nunca integraria uma nulidade, então estaríamos perante uma irregularidade. As irregularidades, assim o diz o art. 123º, nº 1, do C.P.P., só determinam a invalidade dos actos quando tiverem sido arguidas pelos interessados no próprio acto ou, se a ele não tiverem assistido, nos 3 dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado. Se não forem arguidas o acto produzirá todos os seus efeitos jurídicos. No entanto o nº 2 permite que o juiz determine, oficiosamente, a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que dela tomar conhecimento e quando a mesma puder afectar o valor do acto praticado. Ora, se o tribunal tinha dúvida sobre o resultado do teste realizado ao arguido, por a validade da verificação periódica feita ter, alegadamente, expirado, então deveria ter procedido à realização de diligências no sentido de apurar se os resultados do aparelho utilizado se continham dentro das tolerâncias admissíveis relativamente ao modelo respectivo. Concordando com a tese do recurso, haveria, pois, que lançar mão da previsão do nº 2 do art. 340º do C.P.P. para ultrapassar a dúvida entretanto surgida.*III – Verificação dos vícios do nº 2 do art. 410º do C.P.P. «O erro notório na apreciação da prova consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto, quando a conclusão deveria manifestamente ter sido a contrária, já por força de uma incongruência lógica, já por ofender princípios ou leis formulados cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas, ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, já por se ter violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova …» [3]. Trata-se de um erro de julgamento, que resulta da própria decisão, e consiste em dar como provado ou como não provado determinado facto contrariando as regras da experiência, da lógica ou os princípios legais sobre provas. Ao dar como não provado que o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 2,55 g/l a decisão recorrida incorreu em erro notório na apreciação da prova, pois contrariou prova plena sem que se tenha demonstrado que o facto revelado não era verdadeiro [4]. O vício verificado é suprível por esta Relação, dado que o processo contém todos os elementos necessários à alteração do decidido. Assim, e em conformidade com o disposto nos art. 428º e 431º do C.P.P., modifica-se a decisão relativa à matéria de facto e acrescenta-se aos factos provados mais um, que será o 12º, com a seguinte redacção: - «12º - Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1º o arguido apresentou uma taxa de álcool no sangue de 2,55 g/l». Em consequência do decidido resulta que nenhum facto relevante é dado como não provado (desaparecendo da decisão aquele que anteriormente constava deste item).*Concluímos que o arguido cometeu, pois, um crime de condução em estado de embriaguez punível, nos termos do nº 1 do art. 292º do Código Penal, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias e em proibição de conduzir por um período de 3 meses a 3 anos (art. 69º, nº 1, al. a) do Código Penal). O crime de condução em estado de embriaguez é, como sabemos, um crime de perigo abstracto, em que a acção é em si mesma considerada perigosa, sem necessidade da criação de um perigo concreto: o preenchimento do tipo objectivo basta-se com a condução na via pública ou equiparada com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l. Não obstante, a taxa concreta apresentada deve relevar para a determinação da punição, pois que verificação de um concreto perigo é tanto maior quanto maior for a taxa de álcool apresentada. A taxa de álcool com que o arguido conduzia, de 2,55g/l, integra-se na chamada fase da descoordenação, que vai dos 1,5 g/l aos 3 g/l, caracteriza-se por desordem de pensamento, sonolência progressiva até ao torpor, descoordenação motora, visão dupla, vertigens, náuseas, vómitos, taquicardia. Percebemos melhor, agora, o enorme perigo potencial criado por um indivíduo que conduza em tal estado, quer para o próprio quer, sobretudo, para os demais utentes da via. Para além deste dado de enorme relevo temos que o arguido já sofreu duas condenações pela prática do mesmo crime: uma em 15-9-2003, por crime cometido em 14-9.2003 (70 dias de multa à taxa diária de €3,00, e em inibição de conduzir veículos por de 3 meses); outra em 10-7-2007, por crime ocorrido em 4-3-2005 (90 dias de multa à taxa diária de €4,00 e na inibição de conduzir por de 5 meses). Cabe, agora, proceder à escolha e determinação da pena e nestas operações teremos que atender aos critérios enunciados nos art. 70º e 71º, nº 1 e 2, do Código Penal. Diz o primeiro, sobre o critério de escolha da pena, que «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição». Quanto ao segundo, estabelece que a pena é fixada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, e considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo da sua execução deste e a gravidade das suas consequências, e ainda o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; e f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. As finalidades da aplicação de uma pena consistem na tutela dos bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade: as preocupações são, pois, a tutela dos bens jurídicos violados, primeiro, e depois, as necessidades de reinserção, caso estas se coloquem no caso. Os factos, onde se incluem condenações anteriores pela comissão de crime de igual natureza igual à do ora cometido, revelam prementes exigências de prevenção especial no que respeita a este concreto tipo de crime, sendo que a pena de multa não se mostra suficiente ao caso. Daí que opção recaia na pena detentiva. Agora, e na determinação da medida da pena, há que considerar todos os parâmetros acima enumerados e outros que se apresentem no caso e que sejam tidos por relevantes. Relevamos, nesta sede, a taxa de álcool com que o arguido conduzia, o facto de já ter sofrido condenações anteriores e, ainda, a realidade portuguesa, realçada recentemente em acórdão desta relação, de 29-9-2010 [5]: «… É conhecida a grande taxa de criminalidade conexa com a circulação rodoviária. Os dados estatísticos e os sucessivos estudos dão conta da dimensão e gravidade do problema. O recente Relatório do Observatório Permanente da Justiça, CES/Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, 2009, “A Justiça penal, Uma reforma em avaliação”, p. 195 é eloquente: Ao longo dos anos (2000-2008), mais de 50% da criminalidade na fase de julgamento distribui-se por 3 tipos de criminalidade agrupada: crimes contra a segurança das comunicações, crimes contra a propriedade e crimes contra a integridade física, maus tratos e infracções de regras de segurança, com clara preponderância do primeiro tipo, cujo peso relativo médio na estrutura da criminalidade nesta fase ultrapassa os 30%. Esta realidade reclama uma reacção adequada por parte de quem aplica as leis, nomeadamente em termos de valoração da prevenção geral. De outro modo a tutela dos bens jurídicos visados e as expectativas da comunidade na validade da norma infringida sairiam frustradas …». Considerando o grau de ilicitude, elevado, a repetição ocorrida, julgamos adequada a pena de prisão de três meses. No entanto, sempre entendemos que a simples ameaça da sua execução será suficiente ao caso, pelo que suspendemos a execução desta pena pelo período de um ano (art. 50º, nº 1 e 5, do Código Penal). Quanto à proibição de conduzir, esta situa-se entre os 3 meses e os 3 anos, como vimos, sendo que a sua determinação concreta se faz, também, à luz do art. 71º, citado. Esta pena, tal como refere o acórdão desta relação, acima citado, citando Schonke-Schroder-Stree, constitui uma chamada de atenção, uma sanção adicional com a qual se pretende dar uma lição exemplar ao arguido pela sua conduta, resultando da sua imposição uma eficácia consideravelmente reforçada da condenação penal. Na esteira desta mesma decisão diremos que se tem que existir alguma proporcionalidade entre ambas, a sua determinação obedece a uma geometria variável considerando, não necessariamente proporcional. Tudo visto temos por adequada aplicar ao arguido a proibição de conduzir pelo período de seis meses.*DISPOSITIVO Pelos fundamentos expostos: I - Concedendo provimento ao recurso, vai o arguido B… condenado na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, e em 6 meses de proibição de conduzir veículos com motor, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punível pelos art. 292º, nº 1, e 69º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal. II - Em consequência, terá o arguido que proceder à entrega do título de condução na secretaria do tribunal de Alijó ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 dias após o trânsito desta decisão, sob pena de cometer um crime de desobediência. III - Sem custas. IV – Notifique e comunique a decisão Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (art. 69º, nº 4, do Código Penal). Elaborado em computador e revisto pela relatora, 1ª signatária – art. 94º, nº 2, do C.P.P. Porto, 2011-04-06 Olga Maria dos Santos Maurício Artur Manuel da Silva Oliveira _______________ [1] Sobre a interpretação da lei penal Eduardo Correia, Direito Criminal, I, 1971, pág. 150 e segs. e Cavaleiro Ferreira, Direito Penal Português, I, 1982, pág. 111 e segs. [2] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 2ª ed., 2º vol., pág. 54 e segs. [3] Acórdão do S.T.J. de 20-4-2006, processo 06P363. [4] “Consubstancia erro na apreciação da prova alterar o valor da TAS certificada pelo alcoolímetro” – acórdão desta relação de 16-12-2009, processo 51/09.0GNPRT. [5] Relatado pelo sr. desembargador António Gama.