O titular de crédito litigioso tem legitimidade para requerer a insolvência do pretenso devedor.
Processo nº 1795/11.1TJVNF.P1- Apelação 2ª Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão Relatora: Maria Amália Santos 1º Adjunto: Desembargador Pinto de Almeida 2º Adjunto: Desembargador Teles de Menezes*Acordam no Tribunal da Relação do Porto:*B…, casado, residente na Rua …, nº…, ….-… Vila Nova de Famalicão, instaurou o presente processo especial de insolvência contra “C…, Ldª”, sociedade por quotas, pessoa colectiva nº………, com sede na …, …., …, .º, sala ., ….-… Vila Nova de Famalicão. Para tanto e em síntese, alegou que a Requerida, sociedade comercial regularmente constituída, tem por objecto social a actividade de contabilidade, auditoria e consultadoria fiscal; estudos económicos e projectos de investimento; consultadoria empresarial e de gestão. O requerente foi sócio e gerente da requerida no período compreendido entre Fevereiro de 2001 (constituição da requerida) e Outubro de 2006 (data em que renunciou à gerência). Como sócia e gerente da requerida subsistia e subsiste a Sr.ª Dr.ª D…. Em meados de 2003 a requerida começou a sofrer dificuldades económicas, consequência das dificuldades financeiras dos seus clientes, que eram maioritariamente empresas. Nesse período, a pedido da sócia gerente D…, o Requerente, a título pessoal, “injectou” capital na sociedade Requerida, sendo a quantia de € 6.984,08 para a aquisição de equipamento da requerida e pagamento de despesas necessárias ao seu funcionamento, o apelidado “ fundo de maneio”, e a quantia de € 13.303, 27 teve como finalidade solver o pagamento de um veículo automóvel, marca Volvo, matrícula ..-..-JJ, que a requerida havia adquirido em 2002, recorrendo a um crédito ao consumo junto do Banco de crédito ao consumo, S.A “E…”, que o requerente liquidava em prestações através de cheques. Assim, o crédito que o Requerente detém sobre a Requerida perfaz a quantia global de € 20.287,35. Sucessivamente instada pelo Requerente para efectuar o pagamento daquele valor, a Requerida nada pagou. Mais alegou que tanto quanto é do seu conhecimento, existem dívidas avultadas quer à Segurança social (cerca de €15.400,00) quer dívidas fiscais (no montante de 76.194,03). Verificando-se a falta destes pagamentos fica bem demonstrada que a Requerida se encontra impossibilitada de solver as suas dívidas, são já vários os processos de infracções e execuções fiscais a correr termos nos serviços de Finanças 1 de Vila Nova de Famalicão. Acresce ainda o facto de existirem já processos judiciais relacionados com a Requerida, a saber: -Processo 795/08.3T JVNF, Juízos de competência Cível de V.N.Famalicão, 1º.Juizo Cível; -Processo 1990/06.5 TJVNF Juízos de competência Cível de V.N.Famalicão, 2º.Juízo Cível; -Processo 1222/06.6TJVNF-A, Juízos de competência Cível de V.N.Famalicão, 3º.Juízo Cível; Tal demonstração é ainda mais cabal se tivermos em conta que a Requerida tem igualmente dívidas avultadas e moras para com GRANDE PARTE dos seus credores. Segundo informação prestada pela própria Requerida, esta encerrou o estabelecimento e actividade, não se encontrando em funcionamento, desde 31.12.2006. E, relativamente ao Activo da requerida, o requerente concebe o veículo automóvel supra referido em 12º da presente peça, o qual se encontra penhorado ao abrigo do processo executivo nº 1222/06.6TJVNF-A, a correr termos no Tribunal Judicial de V. N. Famalicão, 3º juízo cível, bem como a fracção D do prédio urbano inscrito sob o artigo 1577, da freguesia de Vila Nova de Famalicão, concelho de Braga, penhorado ao abrigo do processo de execução fiscal nº ……………. e ap. a correr termos no Serviço de Finanças 1 de Vila Nova de Famalicão. Sendo o passivo ora discriminado elevado e não tendo a Requerida qualquer actividade desde 2006 urge pois concluir que o Activo é insuficiente para solver o passivo. Conclui dizendo que é indubitável, perante o cenário descrito, que se encontra verificado o indício de insolvência constante da al. b), do n.º 1, do art. 20º do CIRE. *Frustrada a citação da Requerida – cfr. fls.40-, veio o Requerente requerer a fls.56 que seja a Requerida citada na pessoa da “sócia e também ela representante da requerida, D… …”. Por esta sócia foi junto aos autos requerimento que faz fls.59 vº e segts., no qual a mesma alega que o Requerente da insolvência não é credor, mas devedor e gerente da sociedade requerida; - a pessoa que indica como gerente é IRMà do Requerente, está afastada da sociedade desde o ano de 2001, e formalizou a renúncia à gerência em 30.04.2004; - facto registado pela renunciante, apenas em Janeiro de 2005, por ter o ora Requerente, na qualidade de gerente da sociedade requerida omitido o cumprimento do dever de promover o registo do facto sujeito a registo obrigatório - é o próprio requerente da insolvência quem possui, deteve e detém toda a documentação necessária para cumprimento das obrigações legais decorrentes do pedido de insolvência. E se tanto não bastasse para exemplar condenação do Requerente como litigante de má fé poderia acrescentar-se que o requerimento de insolvência parece orientado exclusivamente pelo propósito de ver reconhecido um crédito sobre a sociedade…emergente do pagamento de prestações do preço do veículo automóvel em que o Requerente se fazia conduzir, utilizando-o em exclusivo proveito até à data da sua apreensão em 19.10.2010, no âmbito de um dos processos judiciais que diz desconhecer [processo 1222/06.6TJVNF deste 3º Juízo Cível]. O Requerente usou a sociedade requerida a seu bel-prazer; prejudicou a sociedade e a sócia sua irmã como entendeu ao longo de anos; não prestou contas da sua actividade; não convocou qualquer assembleia; encerrou as instalações da sociedade; entregou para penhora imóvel da sociedade; deixou de pagar impostos e contribuições devidas, o que tudo levou a citada a afastar-se da sociedade de que apenas o Requerente retirava proventos económicos. Mais alega que, no requerimento inicial o requerente protesta juntar seis documentos. Terá junto apenas, e esses instruíam a citação, os identificados com os nºs 1, 3, 5 e 6. Não juntou, ou pelo menos não instruíram a citação, os documentos relacionados com os números 2 e 4. Bem se percebe que os não junte. O documento 2 haveria de ser uma certidão de registo comercial. Porém, de qualquer certidão de registo comercial da sociedade só pode constar que a citada não é gerente da sociedade. Facto do conhecimento pessoal do requerente, que litiga contra a verdade. O documento 4, relacionado como balancete geral da requerida a 31.12.2003. Porém, não poderia o documento de 2003 conter menção ao crédito de 2006, invocado como constitutivo do direito de requerer a insolvência. Só com a junção dos documentos em falta se poderia aferir da legitimidade do Requerente e da capacidade da citada. Irregularidade que argui, e que deve ser conhecida e declarada por influenciar no exame da causa. Alega ainda que o Requerente é sócio da sociedade. O Requerente foi, desde a constituição, gerente de direito da sociedade. O Requerente foi, desde 30 de Abril de 2004, o único gerente de direito da sociedade. E, principalmente, o Requerente foi – desde a constituição da sociedade e até ao seu encerramento – o único gerente de facto da sociedade Requerida. A serem verdadeiros os factos articulados pelo próprio Requerente, as dificuldades da sociedade iniciaram-se no ano de 2003, período em que apenas o próprio Requerente geria a sociedade. O Requerente omitiu então, e omitiu subsequentemente, o dever de apresentação da sociedade que geria, à insolvência. Significativamente, nem a citada pediu, nem o requerente injectou capital na sociedade. Indiciando-se que o Requerente se serviu da sociedade de que era sócio e único gerente para financiar a aquisição de um veículo automóvel que usou para seu proveito pessoal… viatura que manteve na sua posse e detenção até ao presente, embora desde 19.10.2010 na qualidade de fiel depositário no âmbito do processo judicial 222/06.6TJVNF-A deste 3º Juízo Cível, em que é executada a sociedade Requerida. Não explicando o Requerente – a ser verdade ter-se afastado da sociedade em 2006 – porque razão deteve e utilizou, durante 4 anos, um veículo automóvel da sociedade que haveria de servir para pagar aos seus credores. Neste segmento cumpre impugnar a qualidade de credor do Requerente e os documentos juntos com o número 3, cheques pessoais sem conexão aparente com a actividade da sociedade requerida. Alega, por fim, que o Requerente da insolvência, além de reportar as dificuldades da sociedade ao ano de 2003, acaba por confessar ter renunciado à gerência em Outubro de 2006 e ter cessado a actividade, de facto, em Dezembro de 2006. A serem verdadeiros os factos que alega impunha-se-lhe, nessa data, que tivesse requerido a insolvência da sociedade, posto que era o único gerente de facto e de direito. Obrigação legal que não cumpriu, tendo – confessadamente – desertado. Com falsidade o Requerente diz desconhecer os elementos referidos no artigo 23 do CIRE. E mais indica a ora requerente como sócia e gerente actual da sociedade. A ora requerente documenta ter renunciado à gerência por carta registada com aviso de recepção datada de 30.04.2004. Mais documenta ter o facto da renúncia sido registado por apresentação de 20.01.2005. Dirigiu comunicação a todos os clientes de quem fora TOC, formalizando a cessação das funções e dando conhecimento ao Requerente e à sociedade Requerida, que aliás se confundem. O Requerente pouco depois de ter recebido a carta decidiu ele próprio renunciar à gerência da sociedade. Porém, o Requerente continuou a actuar como sócio-gerente da sociedade, praticando os actos e contratos que entendeu, cumprindo e deixando de cumprir as obrigações legais a que estava adstrito, sempre e como o entendeu, sem prestar quaisquer contas da vida da sociedade. Neste processo o Requerente apenas documenta o pagamento de prestações devidas pelo contrato de financiamento para aquisição da viatura que afectou ao seu uso particular. Uso que conservou para lá de Dezembro de 2006, data em que “fixa” a cessação da actividade. Viatura que lhe veio a ser penhorada em 19.10.2010. De qualquer forma, independentemente da renúncia à gerência do próprio requerente da insolvência, será ele próprio – B… – quem: a) Conservou e conserva os livros de registo dos actos da sociedade; b) Conservou e conserva os documentos de prestação de contas; c) Conservou e conserva todos os documentos de contabilidade; d) Conheceu e conhece os créditos e os débitos da sociedade; e) Conservou e conserva todos os elementos do activo da sociedade; f) Detém a chave do imóvel que constitui parte do activo da sociedade e de que é fiel depositário, nomeado no processo ……………. e apensos do Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão 1. Só o Requerente pode, como gerente que foi e como fiel depositário que é, aceder à sede social onde deverão encontrar-se todos os elementos necessários para instrução do processo de insolvência. Aliás, o Requerente B… continuou a invocar a qualidade de sócio gerente e a praticar actos em nome e representação da sociedade requerida… até junto deste Tribunal, como sucedeu no âmbito do processo 795/08.3TJVNF, do 1º Juízo Cível, no qual outorgou procuração a favor de advogada com data de 06.04.2008, na qualidade de legal representante da sociedade, e prestou depoimento de parte, na audiência de 27.10.2010, confessando designadamente que a sua irmã, agora identificada como “gerente”, se encontrava na sociedade sem “qualquer actividade ali desenvolvida ou responsabilidade assumida.”, “Permanecendo embora como gerente de direito da sociedade até Abril de 2004, data em que renunciou.” Conclui dizendo que é o Requerente a única pessoa em condições de cumprir, e de poder cumprir, as obrigações legais decorrentes dos artigos 23º, nº 2 e 24º do CIRE, sendo, por outro lado inequívoco que a citada, na qualidade de sócia não gerente, não dispõe de capacidade para representar a sociedade; art. 6º do CIRE. Assim, deve ser declarada a falta da citação, por erro na identificação do representante legal da sociedade requerida: art. 195º, nº 1, al. b) do CPC. *Foi oficiosamente solicitado pelo Tribunal à Conservatória do Registo Comercial certidão do teor da matrícula e de todas as inscrições em vigor, respeitante á aqui Requerida, dado que a que se encontrava junta aos autos remontava a 19.03.2007, tendo a mesma sido junta a fls. 127 e ss.*Em 26.09.2011 foi proferido o seguinte despacho: “Compulsados os autos, nomeadamente fls. 129/130 - certidão da Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Famalicão – constata-se que desde 06.03.2007 (data em que foi levada ao registo a renúncia da gerência de B…), a sociedade aqui requerida, “C…, Ldª.”, não tem quem a represente, já que a representação de uma sociedade por quotas cabe aos gerentes – cfr. art.252º, do Cod. das Sociedades Comerciais. Nos termos do disposto no art.21º, nº2, do C.P.C., sendo demandada pessoa colectiva ou sociedade que não tenha quem a represente, ou ocorrendo conflito de interesses entre a ré e o seu representante, designará o juiz da causa representante especial, salvo se a lei estabelecer outra forma de assegurar a respectiva representação em juízo. Nos presentes autos é pois necessário proceder à designação de representante especial da aqui requerida, afigurando-se que deverá ser designada para tanto a sócia D…. Assim sendo, pelo exposto, nomeio como representante especial da Requerida a sua sócia D…, nos termos e para os efeitos do disposto no art.21º, nº2, do C.P.C. Uma vez que a citação da Requerida foi feita na pessoa da sua sócia D…, na qualidade de sua legal representante que ainda não a representava (como já vimos), declaro a nulidade da citação efectuada, ordenando se proceda a nova citação da Requerida, na pessoa da sua sócia, ora nomeada sua representante especial. Notifique e cite.” *Devida e regularmente citada a Requerida, na pessoa da sua representante especial, veio a mesma, por requerimento entrado em juízo no dia 27.10.2011 – cfr. fls.143 e segts.-, dar por integralmente reproduzidas as alegações e a documentação já carreada para o processo dizendo ainda que da documentação remetida pelo Requerente – livros da sociedade todos em branco – inexistem indícios da qualidade de credor do Requerente e do estado actual da sociedade, não possuindo a documentação apresentada pelo sócio, último gerente e depositário, qualquer valor para revelação contabilística de quaisquer créditos e débitos do próprio, como da sociedade. A mesma juntou documentos que constituem fls.148 a 163 e três livros id. a fls.164. *Foi proferida decisão que declarou que o requerente não está legitimado para requerer a insolvência da requerida (art. 20º nº1 e 25º nº1, do CIRE), carecendo o mesmo de legitimidade processual para esse mesmo pedido. Que a verificação da falta de tal pressuposto processual constitui excepção dilatória, (art. 494º al. e) do C.P.Civil), absolvendo, consequentemente, a requerida da presente instância. *Não se conformando com a decisão proferida, pelo requerente foi interposto recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões: A) O âmbito do presente recurso refere-se à decisão da Meritíssima Juiz a quo, com a referência 3661263, datada de 9/12/2011, no âmbito do processo de insolvência requerida contra a sociedade comercial, «C…, Lda.», pelo ora Recorrente, B…, sócio da mesma, e gerente no período compreendido entre Fevereiro de 2001 (constituição da sociedade) e Outubro de 2006 (data em que renunciou à gerência). B) Nesta medida, o Recorrente veio a «injectar», por diversas vezes, dinheiro na sociedade, no valor global de € 20.287,35, que instada pelo Recorrente para efectuar o pagamento daquele valor, nada pagou. C) Acresce que tem vindo a ser instado para proceder a inúmeros pagamentos da Requerida, em processos de reversão fiscal, face ao incumprimento desta das suas obrigações. D) Por conseguinte, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 20 do CIRE, tem legitimidade para requer a insolvência da sociedade, quer face ao crédito que detém, quer face às responsabilidades legais que tem vindo a assumir no decurso do período em que exerceu funções de gerência na mesma. Acresce que, E) Existem avultadas dívidas, quer à Segurança Social, quer às Finanças, no montante global aproximado de € 91.594,03. F) Acresce ainda que a sociedade está parada, sem actividade. G) Sem sede – porque já vendida no âmbito de uma execução fiscal (n.º ……………. do Serviço de Finanças de V. N. de Famalicão 1). H) Tendo ambos os gerentes abandonado os destinos da empresa (como consta da certidão comercial anexa aos autos), sem contabilidade e em claro incumprimento das obrigações fiscais. I) Sendo o activo da requerida manifestamente insuficiente para solver o passivo. Demonstrando-se assim, inequivocamente, que a Requerida se encontra impossibilitada de solver as suas dívidas. J) Por conseguinte, o Recorrente é de opinião que se encontram preenchidos inúmeros requisitos para a declaração da insolvência da empresa nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 3.º e do artigo 20.º, n.º 1, al. a), b), c), e), g) e h), todos do CIRE, pelo que deveria ter sido decretada a insolvência da requerida. K) A decisão ora recorrida baseou-se na posição assumida pela representante especial nomeada, D… que, no entanto, nunca apresentou oposição, de acordo com o estatuído no art. 30.º do CIRE, nem liquidou a consequente taxa de justiça necessária para a prática de tal acto, nem, tão pouco, demonstrou ou provou a solvência da Requerida. L) O que constituiu uma excepção, de acordo com o art. 480.º, do CPC, aplicável por força do art. 17.º e n.º 5 do artigo 30.º, ambos do CIRE. Uma vez que a Requerida não apresentou oposição/contestação ao pedido de insolvência, consideram-se confessados os factos articulados pelo Requerente e, em consequência, deve ser a insolvência decretada no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo de 10 dias, após a citação para, querendo, deduzir oposição, tal como, por diversas vezes, foi requerido e desconsiderado sem qualquer fundamentação de facto ou direito, M) Tal como é entendimento do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3/11/2010, in www.dgsi.pt, supra melhor contextualizado, que aqui se considera reproduzido para os devidos e legais efeitos. N) No entanto, a Meritíssima Juiz «a quo», assim não entendeu, desconsiderando o crédito reclamado porque alegadamente litigioso. O) O que se não aceita e em contrário do entendimento do Tribunal da Relação do Porto, no douto acórdão de 19/9/2011, in www.dgsi.pt, acima melhor explanado. P) Todavia, ainda que assim fosse, dispõe o art. 20.º, n.º 1 do CIRE que a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito. Q) Posição reiterada doutrinalmente, quer pelo Dr. Menezes Leitão, in Direito de Insolvência, 3.ª Edição., quer por Catarina Serra, in “A falência no quadro da tutela jurisdicional dos direitos de crédito, Coimbra Editora”, quer, por fim, pelo Dr. Pedro de Sousa de Macedo, in “Manual de Direito das Falências, I, Almedina”, tal como melhor esclarecido na motivação de recurso. R) Seguindo o mesmo entendimento, o Tribunal da Relação do Porto no douto Acórdão de 3/11/2010, in www.dgsi.pt. S) Todavia, foi desconsiderada a prova requerida nos autos, nomeadamente a testemunhal. Em claro arrepio ao disposto no n.º 7 do artigo 35.º do CIRE, sem qualquer fundamentação de facto ou direito. T) Deste modo, o carácter controvertido, academicamente considerando, do crédito, não obsta à admissibilidade da apresentação da Requerida à insolvência, pelo Requerente. U) Posição igualmente assumida no douto Acórdão da Relação de Coimbra de 24.11.2009, in www.dgsi.pt. V) Aliás, é inequívoco que a lei faculta ao credor que faça a prova da existência do seu crédito, o que seria contraditório com o entendimento de que apenas os créditos já assentes, nomeadamente, por decisão judicial transitada em julgado ou não impugnados, pudessem suportar o pedido de insolvência. W) Até porque o n.º 5 do art. 35.º manda ao juiz seleccionar a matéria de facto relevante que considere assente e a que constitui a base instrutória, ao que se segue a produção de prova (n.º 7). X) Além de que se considera que as razões que se podem alegar para admitir o credor condicional a requerer a insolvência, valem também para o credor de crédito litigioso. Y) Assim, o carácter alegadamente litigioso do crédito não exclui a possibilidade de o credor requerer a declaração de insolvência, cuja procedência ou improcedência passa pela imperatividade de se facultar às partes a produção de prova em audiência. Z) Neste sentido podem consultar-se, entre outros, os seguintes acórdãos, in www.dgsi.pt: da Relação de Lisboa de 16.03.2010, Processo: 1742/09.0TBBNV.L1-1; da Relação de Coimbra de 02.03.2011, Processo: <a href="https://acordao.pt/decisoes/122592" target="_blank">335/10.4TBPCV.C1</a> e de 24.11.2009, Processo: <a href="https://acordao.pt/decisoes/123580" target="_blank">1896/09.6TBPBL.C1</a>; da Relação do Porto de 26.01.2010, Processo: <a href="https://acordao.pt/decisoes/144625" target="_blank">97/09.8TYVNG.P1</a>, e de 16.12.2009, Processo: <a href="https://acordao.pt/decisoes/144755" target="_blank">242/09.3TYVNG.P1</a>. AA) Considera, pois, o Requerente que a Meritíssima juiz a quo deveria ter prosseguido com os autos e declarado imediatamente a insolvência da requerida ou, quando muito, designado a data para a realização do julgamento para a produção da prova. Assim, a decisão recorrida violou o disposto no nº 1 do artº 20º, nº2, do artº 3º,al. a), b), c), e), g) e h) do nº 1 do artº 20º, nº 5 do artº 30º, nº 4 do artº 30º, 23º, 25º, nº 7 do artº 35º e 50º todos do CIRE e artº 488º do CPC, aplicado por remissão do artº 17º do CIRE. Pede, a final, que seja revogada a decisão proferida e, em consequência, que seja decretada a imediata insolvência da requerida, face à data da entrada da p.i. em juízo, tudo com as legais consequências.*Não foram apresentadas contra-alegações.*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:*O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso.*Nessa linha de orientação, a única questão a decidir, suscitada pelo recorrente na pesente apelação é a de saber se ele poderia requerer a insolvência da requerida, apesar do seu crédito ser litigioso.*Os factos a considerar para a decisão do recurso são os que resultam do relatório acima descrito.*Como é por todos sabido, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem por finalidade a liquidação de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista no plano de insolvência – cfr. art.1º do CIRE (aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de l8 de Março, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 200/2004, de l8 de Agosto). Parece, assim, estarmos perante uma acção executiva, uma vez que ela visa a reparação efectiva de direitos de crédito; mas com características especiais, já que se trata de uma execução colectiva, genérica ou total, e que segue um processo especial que, além do mais, contém elementos declarativos (cfr. Menezes Leitão in Direito da Insolvência, 18). No sentido de que o processo de insolvência não se resume a uma espécie do processo de execução, consistindo, antes, num processo autónomo, cfr. Catarina Serra, in A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito, 227 e ss.. Tal processo inicia-se com um pedido de declaração de insolvência – art.s 18º e ss. do CIRE -, que cabe, em primeira linha, ao devedor mas que pode ser requerida por outras pessoas para tal também legitimadas: por quem for responsável pelas suas dívidas; por qualquer credor, ainda que condicional, e qualquer que seja a natureza do seu crédito; e pelo MP, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados – art.20º, nº1, do CIRE. Na petição inicial devem ser expostos os factos que integram os pressupostos da declaração de insolvência – art.23º, nº1, do CIRE, e “quando o pedido não provenha do próprio devedor, o requerente da declaração de insolvência deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito, ou a sua responsabilidade pelos créditos sobre a insolvência, consoante o caso, e oferecer com ela os elementos que possua relativamente ao activo e passivo do devedor” – art.25º, nº1, do CIRE. Afastando-se do antigo regime falimentar em que se visava, sobretudo, a recuperação económica do falido, o CIRE assume um regime normativo de garantia patrimonial dos credores, pela forma mais eficiente possível, como seu principal desiderato. Em termos jurídico-processuais este desígnio altera a natureza do processo do CIRE, o qual passou a ser perspectivado, essencialmente, e pelo menos quando a insolvência é requerida por um credor, como um processo de partes em que sobressai, naturalmente, o princípio do contraditório – cf. os art.ºs 9° nº 2 como regra geral, 20°, nº l, no que respeita a alegação dos factos-índice pelo requerente e o art.º 30°, nºs 3 e 4, no que tange à prova da solvência pelo requerido. Nos termos do n.º 1 do art.º 23º, no requerimento de declaração de insolvência devem ser expostos os factos que integram os pressupostos da declaração requerida. O preceito tem lugar paralelo na alínea d) do n.º 1 do artigo 467º do Código de Processo Civil, quanto aos requisitos da petição inicial do processo de declaração, que manda expor os factos que servem de fundamento à acção. Não basta, assim, uma indicação vaga e a remissão para as disposições legais abstractamente aplicáveis.*Nos termos do artº 3 nº 1 daquele diploma legal, “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.” Por outro lado, as pessoas colectivas são também consideradas insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliado segundo as normas contabilísticas aplicáveis – nº 2 do mesmo artº 3º. Nos termos do artigo 20º, nº l, alíneas a) e b) a insolvência é declarada quando se verifique a suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas, bem como a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que pelas circunstâncias do incumprimento revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações. Sendo a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas o pressuposto verdadeiramente caracterizador da situação de insolvência, e tendo presente a dificuldade prática de demonstração de factos que a integrem, optou o legislador por enunciar determinadas factos ou situações que, vistos à luz da experiencia, denotam aquela mesma impossibilidade de cumprimento. São os normalmente designados “factos-índices” ou factos presuntivos da insolvência, cuja demonstração importa um juízo positivo sobre a verificação da situação de insolvência, salvo se o devedor, nos termos do artigo 350º do C. Civil e dos nºs 3 e 4 do art. 30º do CIRE, elidir a presunção em causa. Assim, sobre o requerente da acção de insolvência apenas recai o ónus de demonstrar algum dos factos indicadores dessa situação, enunciados nas diversas alíneas do art. 20º do CIRE. Cumprido esse ónus, é ao requerido que incumbe, se for caso disso, elidir a presunção de insolvência. De acordo com a al. b) do nº 1 do art. 20º do CIRE, um deles é a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações do devedor que, pelo montante envolvido ou pelas circunstancias em que ocorreu, for apta a revelar a impossibilidade daquele de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (Ac. TRL de 17-03-2009, P. 592/08.6TYLSB-7, relatado pela sra. Desembargadora Rosa Ribeiro Coelho). Segundo Carvalho Fernandes e João Labareda – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, I, pág. 70 – “…tem sido geral e pacificamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas. O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.” Acresce que segundo o art. 20º nº1 do CIRE, a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito.*Como se notou na decisão recorrida, dependendo a legitimidade (substantiva) do Requerente para requerer a declaração de insolvência da Requerida, da sua qualidade de credor – ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito –, duas questões têm sido amplamente debatidas na jurisprudência e doutrina: saber se o crédito do requerente tem de ser certo, líquido e exigível e se tal crédito tem de se encontrar reconhecido judicialmente, ou pelo menos, não se tratar de crédito litigioso. Relativamente à primeira questão, é doutrina tendencialmente dominante que o crédito do requerente da insolvência não tem de estar vencido. O credor a prazo ou condicional tem direito a requerer a falência, desde que prove que o devedor cessou pagamentos de dívidas certas e líquidas. Assim, o titular de um crédito não vencido tem o direito de requerer a insolvência do devedor, desde que alegue e prove que o mesmo se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. Maiores divergências se manifestam a nível jurisprudencial quanto à legitimidade do credor cujo crédito se repute de litigioso para requerer a insolvência. De acordo com o art. 25º, nºs. 1 e 2 do CIRE, quando o pedido não provenha do próprio devedor, o requerente da declaração de insolvência deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito, devendo oferecer todos os meios de prova de que disponha. Não se exige que o credor possua título executivo; no entanto, terá de fazer prova do crédito, prova que poderá ser realizada por qualquer meio, designadamente por testemunhas, apresentação do contrato que o gerou ou documentação da conta corrente. Assim, o facto de o crédito ser litigioso não lhe retira legitimidade processual para requerer a insolvência do pretenso devedor, pois disporá de legitimidade processual para requerer a insolvência qualquer terceiro/credor que se arrogue ser titular de crédito sobre o requerido, ainda que este crédito seja litigioso. No entanto, para que a insolvência venha a ser decretada, ele terá de demonstrar a sua qualidade de credor, como facto constitutivo do seu direito a requerer a insolvência do requerido. E tal demonstração poderá, em regra, ser efectuada no processo de insolvência, havendo que proceder-se, em regra, a audiência de julgamento para determinação da existência de tal crédito e dos demais pressupostos de que a lei faz depender a declaração de insolvência do devedor. *Reportando-nos agora ao caso dos autos, e fazendo aplicação aos mesmos dos preceitos legais e princípios acima explanados, vemos que o requerente, alegando a sua qualidade de credor da sociedade de que é sócio e da qual foi gerente (desde 2001 a 2006), invoca factos tendentes a demonstrar a incapacidade da requerida de cumprir as suas obrigações, muitas delas já vencidas. Efectivamente, o Requerente fundamenta o seu crédito no facto de no ano de 2003 ter “injectado” capital na sociedade Requerida, no valor global de € 20.287,35, a pedido da outra sócia gerente, sendo a quantia de € 6.984,08 para a aquisição de equipamento da requerida e pagamento de despesas necessárias ao seu funcionamento, o apelidado “ fundo de maneio”, e a quantia de € 13. 303,27, para pagamento de um veículo automóvel que a requerida havia adquirido em 2002. A Requerida, citada para a acção, nega o invocado crédito. Com base nesse facto, decidiu-se na sentença recorrida que “…do teor dos documentos juntos aos autos não resulta o alegado crédito (…). Assim, não obstante se admitir que, em regra, no processo de insolvência se possa discutir a existência do crédito alegado pelo requerente, o que é certo é que a prova a produzir no âmbito de tal processo não deixará de ser uma prova sumária, sendo que, por força dos princípios de “urgência e celeridade” que lhe subjazem, o processo não atribui às partes as garantias que um processo declarativo comum poderá atribuir. Assim sendo, tratando-se de crédito não reconhecido pela requerida e, não se encontrando o mesmo sustentado minimamente nos documentos juntos aos autos, entende o Tribunal que a demonstração daquele (…) não se mostra compatível com os termos simplificados do processo especial de insolvência, o qual, no sentido de garantir a celeridade processual, se encontra reduzido a dois articulados. Julgamos, pois, que o Requerente deverá demonstrar a existência do “seu eventual” crédito numa acção declarativa instaurada para o efeito. Concluindo: para efeitos de legitimidade para pedir a declaração de insolvência, quando não se trate de apresentação (pelo próprio devedor) à insolvência ou de pedido formulado pelo MºPº, exige-se a qualidade de credor (…), isto é que tenha créditos vencidos e exigíveis sobre a requerida da insolvência, cfr. arts. 3º nº 1, 20º nº 1 e 25º nº 1, todos do CIRE. No caso “sub judice”, o direito de crédito a que se arroga o requerente sobre a requerida é litigioso - cfr. art. 579º nº3 do C.C. Assim, o requerente, para o seu reconhecimento, terá necessidade de intentar acção contra a requerida, já que, na presente acção, a Requerida contestou a existência do crédito invocado. Não se mostra, nem se pode considerar judicialmente reconhecido, o que apenas ocorrerá quando for proferida uma sentença condenatória da requerida a pagar ao requerente o aludido crédito. Assim sendo e em conclusão, não se pode considerar, para efeitos do disposto no artº 20º nº1 e 25º nº1 do CIRE, que o requerente detém sobre a requerida direito de crédito vencido e exigível, pelo que carece o mesmo de legitimidade para requerer a insolvência da requerida. *É contra esta decisão que se insurge o requerente, e com razão, em nosso entender. Como acima já se notou, sobre a natureza do crédito invocado, a jurisprudência dos tribunais superiores não tem sido uniforme, embora ela tenda já, maioritariamente, para a tese de que a invocação de um crédito ainda que litigioso, é a mais acertada. Também a letra da lei inculca tal entendimento, sendo a doutrina mais consagrada defensora de que o crédito reclamado pelo requerente da insolvência pode ser litigioso, não carecendo de se mostrar reconhecido judicialmente ou de ser exequível. Dispõe, de facto, o art. 20.º/1 do CIRE que a declaração de insolvência pode ser requerida por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito. Também Menezes Leitão defende (em Direito da Insolvência, 3.ª ed., p. 136) que “A lei atribui legitimidade para requerer a declaração de insolvência a qualquer credor, ainda que condicional, e qualquer que seja a natureza do crédito. É, assim, necessário, para se poder requerer a declaração de insolvência, apenas a existência do crédito, não se exigindo que o mesmo esteja vencido, e muito menos que o credor possua título executivo, devendo o credor justificar na petição inicial a natureza, origem e montante do crédito (art. 25.º/1), tendo que fazer a prova do mesmo (art. 25.º/2). A prova do crédito pode ser realizada por qualquer meio, designadamente por testemunhas, apresentação do contrato que o gerou, ou documentação da conta-corrente.” Catarina Serra refere também na sua obra (A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito, Coimbra Editora, p. 230) que “Em ponto algum do regime se exige que, para pedir a declaração de insolvência, o credor seja titular de um crédito lesado ou sequer vencido” e que “um dos efeitos da declaração de falência é tornar exigíveis todos os créditos”, acrescentando que “Os credores têm, no processo de insolvência, dois poderes de acção judicial fundamentais: o poder de propor a abertura do processo/requerer a declaração de insolvência (cfr. art. 20º, nº 1, do CIRE) e, uma vez aberto o processo/declarada a insolvência, o poder de reclamar o(s) seu(s) crédito(s) (cfr. art. 128º do CIRE)”. “Quanto ao primeiro poder (poder de propor a abertura do processo/requerer a declaração de insolvência), deve observar-se que ele é independente da natureza ou da qualidade do crédito. Isto significa que qualquer credor, comercial ou civil, comum ou preferente, pode exercê-lo, devendo entender-se ainda, embora a norma não o refira expressamente, que tão-pouco são relevantes o objecto (prestação de coisa ou prestação de facto) e o montante do crédito”. “Aquilo que o autor, seja ele quem for, pretende, é a obtenção de uma sentença judicial que declare a situação de insolvência e desencadeie o funcionamento dos mecanismos jurídicos adequados às necessidades especiais de tutela criados por aquela situação. Está, portanto, sempre em causa o exercício de um direito de acção judicial-declarativa e não o exercício do poder de execução”. “É verdade que, quando se trata de um credor, ele deve proceder à justificação do crédito, através da menção da origem, da natureza e do montante do seu crédito (cfr. art. 25º, nº1, do CIRE), uma vez que este acto representa já uma espécie de insinuação do crédito no processo, que, de certa forma, introduz já a sua pretensão. Mas seria incorrecto reconduzi-lo ao poder executivo; o que se trata, simplesmente, é de o credor requerente justificar a sua legitimidade processual, de demonstrar a qualidade de credor, que é requisito do seu direito de acção judicial (cfr. art. 20º, nº1, do CIRE)”. Aliás, se virmos bem, este mesmo entendimento era já manifestado, relativamente ao regime anterior da falência, constante do CPC, por Pedro de Sousa de Macedo (Manuel de Direito das Falências, I, Almedina, p. 383), que defendia que “não se exige título executivo, bastando um juízo sumário para se determinar a legitimidade do credor”. Razões de ordem prática e lógica jurídica têm também justificado tomadas de posição na nossa jurisprudência, no sentido apontado, de que nos dá conta, por exemplo o acórdão desta Relação de 03.11.2010 (Processo: <a href="https://acordao.pt/decisoes/143572" target="_blank">49/09.8TYVNG.P1</a>, relatado pelo Sr. Desembargador Filipe Caroço, do qual fomos adjunta, disponível em www.dgsi.pt) ao defender que “a atribuição de legitimidade para deduzir o pedido de insolvência apenas ao credor cujo crédito não tenha sido contestado, restringiria, grave e injustificadamente o meio de tutela jurisdicional do direito de crédito - seja do requerente da insolvência seja dos demais credores do requerido - representado pela insolvência: é que bastaria ao devedor, ainda que de forma patentemente infundada, contestar o crédito do requerente para se concluir pela ilegitimidade do requerente e, consequentemente, para se obstar à declaração de insolvência. (…) Então o requerente não poderia já demonstrar no processo de insolvência que é realmente credor do insolvente (…) e, portanto, que dispõe de legitimidade para requerer a insolvência. Ficaria o credor impedido de, no processo de insolvência, fazer a prova da existência (…) do seu crédito. Essa prova teria de ser produzida noutro processo e noutro tribunal, determinado de harmonia com as regras gerais de competência, absoluta e relativa. Todavia, este entendimento esbarra com o princípio processual da auto-suficiência (…) com o significado de que o processo de insolvência é, em regra, o lugar adequado ao conhecimento de todas as questões cuja solução se revele necessária para a decisão a tomar - a declaração de insolvência (art.º 96º, nº l, do Código de Processo Civil). (…) Na insolvência podem ser actuados quaisquer créditos, ainda que o tribunal da insolvência não seja materialmente competente para a sua apreciação. Há uma extensão da competência material do tribunal da insolvência (…) que justifica a admissibilidade do pedido da insolvência por créditos diversos, o que, aliás, ocorre em todos os processos concursais, i.e., em todos os processos em que haja lugar ao concurso de credores, dado que é admissível a reclamação de créditos públicos e também, por exemplo, de créditos laborais seja na execução singular pendente seja na insolvência em curso (art.º 864º, nº l, al. a), do Código de Processo Civil e art.º 128º, nº l, do CIRE).” Também no acórdão da Relação de Coimbra de 24.11.2009 (disponível em www.dgsi.pt) se consignou ser “de concluir que dispõe de legitimidade activa para requerer a declaração de insolvência qualquer terceiro/credor que se arrogue ser titular de crédito sobre o requerido/devedor, ainda que esse crédito seja litigioso” e que “pese embora o CIRE exija que o crédito do requerente esteja vencido, não exige que o mesmo esteja reconhecido por decisão judicial ou por reconhecimento do devedor, o que quer dizer que o crédito invocado pelo requerente até pode ser litigioso, discutindo-se a sua existência no processo de insolvência.” No sentido apontado vai também, entre outros, o acórdão desta Relação e secção, de 29 de Setembro de 2011, relatado pelo Sr. Desembargador Teles de Menezes e Melo, cujo entendimento, com a devida permissão, seguimos de perto (também disponível em www.dgsi.pt). Defendemos, assim, na esteira da doutrina mais avalizada (acima citada) e da jurisprudência maioritária (de que são apenas exemplos os acórdãos mencionados), que o carácter controvertido (e litigioso) do crédito do requerente não obsta à admissibilidade da sua reclamação no processo de insolvência, assim como à respectiva verificação. Como acima se disse, também a letra da lei inculca tal entendimento, dispondo o art. 20.º/1 do CIRE que a declaração de insolvência pode ser requerida por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito. Aliás, não faria sentido que se permitisse que o credor condicional pudesse reclamar o crédito e o não pudesse fazer o credor cujo crédito é controvertido, quando o art. 25.º/1 lhe impõe que justifique a origem, natureza e montante do seu crédito, e o n.º 2 o manda oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas. Como não faria também sentido que a oposição do devedor, segundo o n.º 3 do art. 30.º, se pudesse basear, como pode, na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado, se apenas um crédito já reconhecido judicialmente pudesse fundar o pedido do requerente. Atente-se ainda que nos termos do n.º 5 do art. 35.º do CIRE, a lei manda o juiz seleccionar a matéria de facto relevante considerada assente e a que constitui a base instrutória, ao que se segue a produção de prova (n.º 7). Assim sendo, e uma vez que o n.º 3 do art. 30.º tanto permite ao devedor opor-se à declaração de insolvência mediante a invocação da inexistência do facto em que se fundamenta o pedido, como na alegação da inexistência da situação de insolvência, a matéria controvertida a seleccionar tanto pode abranger uma como outra daquelas situações, como ambas, o que conduz à possibilidade de produção de prova sobre a existência do crédito e do seu montante. É, assim, inequívoco, face a tudo quanto se expôs, que a lei faculta ao credor que faça a prova da existência do seu crédito no processo de insolvência, o que seria contraditório com o entendimento de que apenas os créditos já assentes, nomeadamente por decisão judicial transitada em julgado ou não impugnados, pudessem suportar o pedido de insolvência. Aliás, se o credor fosse obrigado a esperar que o seu crédito fosse declarado por sentença transitada – como se defende na sentença recorrida -, poderia dar-se o caso de, na data do trânsito, o património do devedor já não existir. Como refere Catarina Serra, (ob. citada, pag. 264) “…com o processo de insolvência pretende-se, essencialmente, evitar que a crise do devedor cause danos graves: prevenir o incumprimento e, se já houve incumprimento, para além de compensar os lesados, prevenir danos maiores. Por isso, o credor pode requerer o início do processo de insolvência independentemente do incumprimento, da mora ou mesmo do vencimento do respectivo crédito”. Ora, se assim é, é manifesto que o direito de crédito do requerente não necessitava de estar já declarado, quando requereu a insolvência da devedora. Doutro modo, não podia, perante uma crise daquela, prevenir o incumprimento, ou o seu agravamento. O que ele pretende é a obtenção de uma sentença judicial que declare a situação de insolvência, desencadeando, desse modo, os mecanismos jurídicos adequados. Aliás, atente-se que nem na fase posterior de reclamação de créditos é necessário que os mesmos estejam já declarados: nos termos do art.128º do CIRE, tanto podem reclamar o seu crédito os credores munidos de título executivo, como os que não o estão – cfr. Catarina Serra, ob. cit., 269, Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, 11, e Remédio Marques, in Curso de Processo executivo à face do Código Revisto, 353. Dos preceitos legais citados resulta, assim, de forma manifesta, que sendo o pedido de insolvência requerido por qualquer legitimado que não o devedor, apenas deve ser alegada e provada a sua condição de interessado na declaração de insolvência, por um lado, e, por outro, a verificação de algum dos factos-índice referidos no art.20º do CIRE. Pelo que, a questão que se deve colocar, no caso dos autos, é, antes de mais, uma questão de legitimidade processual: saber quem pode requerer a insolvência da devedora. A lei, como já vimos, confere tal legitimidade, entre outros, aos credores do requerido, pelo que, verdadeiramente, o que importa saber é se o requerente é credor da requerida. E, concluindo-se que é – ou, pelo menos, foi tal qualidade aceite na decisão recorrida -, ele tem, então, legitimidade para intentar a acção, através da qual se vai averiguar se a requerida está em situação de insolvência, ou seja, “impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas” – art.3º, nº1, do CIRE. Não está em causa saber se o direito de crédito do requerente está vencido ou não, nem se está já declarado ou não. Importa apenas saber se existe na esfera jurídica do requerente. Porque só assim – sendo credor - tem legitimidade para intentar a acção. O facto de o crédito ser contestado pela requerida, como foi, sendo, por isso, litigioso, não exclui que seja exigível, já que obrigação exigível é a que está vencida ou que se vence com a citação do requerido e em relação à qual o credor não se encontre em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação. Pode, pois, o crédito ser exigível e, não obstante, ser litigioso, como pode ser não controvertido e, apesar disso, não ser exigível. Assim, o carácter litigioso do crédito não exclui a possibilidade de o credor requerer a declaração de insolvência, cuja procedência ou improcedência passa pela possibilidade das partes produzirem prova em audiência. É certo que o art. 3º/1, do CIRE diz que “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”, o que significa que só o incumprimento das obrigações vencidas permite o requerimento de insolvência por iniciativa de outro legitimado que não o próprio devedor, o que é confirmado pela disposição do art.º 20º/1-a) (Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código Da Insolvência E Da Recuperação de Empresas Anotado, I vol., pp. 69), mas, como vimos, isso não implica que o crédito tenha que ser incontroverso, já que se pode fazer prova sobre a sua existência. Em conclusão, e ao contrário do entendimento seguido na sentença recorrida, o facto de ser controvertido o crédito do requerente, o mesmo não conduz à sua ilegitimidade e, muito menos, à improcedência da acção. Pelo que o recurso merece provimento, devendo os autos prosseguir os seus termos para apuramento da factualidade relevante alegada, a fim de se extrair, depois, as consequências jurídicas devidas.*Sumário: I – A contestação, pela requerida, do crédito do requerente da insolvência não afecta a sua exigibilidade, nem obsta à legitimidade do requerente para apresentar o pedido de declaração de insolvência. II – Formulado esse pedido e contestada a existência do crédito, o processo de insolvência deve prosseguir, designadamente para que o requerente possa fazer prova da existência daquele seu direito. *DECISÃO: Pelo exposto: Julga-se procedente a Apelação, revogando-se a decisão recorrida. Custas (da Apelação) pela massa insolvente Porto, 22.3.2012 Maria Amália Pereira dos Santos Rocha Fernando Manuel Pinto de Almeida Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Processo nº 1795/11.1TJVNF.P1- Apelação 2ª Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão Relatora: Maria Amália Santos 1º Adjunto: Desembargador Pinto de Almeida 2º Adjunto: Desembargador Teles de Menezes*Acordam no Tribunal da Relação do Porto:*B…, casado, residente na Rua …, nº…, ….-… Vila Nova de Famalicão, instaurou o presente processo especial de insolvência contra “C…, Ldª”, sociedade por quotas, pessoa colectiva nº………, com sede na …, …., …, .º, sala ., ….-… Vila Nova de Famalicão. Para tanto e em síntese, alegou que a Requerida, sociedade comercial regularmente constituída, tem por objecto social a actividade de contabilidade, auditoria e consultadoria fiscal; estudos económicos e projectos de investimento; consultadoria empresarial e de gestão. O requerente foi sócio e gerente da requerida no período compreendido entre Fevereiro de 2001 (constituição da requerida) e Outubro de 2006 (data em que renunciou à gerência). Como sócia e gerente da requerida subsistia e subsiste a Sr.ª Dr.ª D…. Em meados de 2003 a requerida começou a sofrer dificuldades económicas, consequência das dificuldades financeiras dos seus clientes, que eram maioritariamente empresas. Nesse período, a pedido da sócia gerente D…, o Requerente, a título pessoal, “injectou” capital na sociedade Requerida, sendo a quantia de € 6.984,08 para a aquisição de equipamento da requerida e pagamento de despesas necessárias ao seu funcionamento, o apelidado “ fundo de maneio”, e a quantia de € 13.303, 27 teve como finalidade solver o pagamento de um veículo automóvel, marca Volvo, matrícula ..-..-JJ, que a requerida havia adquirido em 2002, recorrendo a um crédito ao consumo junto do Banco de crédito ao consumo, S.A “E…”, que o requerente liquidava em prestações através de cheques. Assim, o crédito que o Requerente detém sobre a Requerida perfaz a quantia global de € 20.287,35. Sucessivamente instada pelo Requerente para efectuar o pagamento daquele valor, a Requerida nada pagou. Mais alegou que tanto quanto é do seu conhecimento, existem dívidas avultadas quer à Segurança social (cerca de €15.400,00) quer dívidas fiscais (no montante de 76.194,03). Verificando-se a falta destes pagamentos fica bem demonstrada que a Requerida se encontra impossibilitada de solver as suas dívidas, são já vários os processos de infracções e execuções fiscais a correr termos nos serviços de Finanças 1 de Vila Nova de Famalicão. Acresce ainda o facto de existirem já processos judiciais relacionados com a Requerida, a saber: -Processo 795/08.3T JVNF, Juízos de competência Cível de V.N.Famalicão, 1º.Juizo Cível; -Processo 1990/06.5 TJVNF Juízos de competência Cível de V.N.Famalicão, 2º.Juízo Cível; -Processo 1222/06.6TJVNF-A, Juízos de competência Cível de V.N.Famalicão, 3º.Juízo Cível; Tal demonstração é ainda mais cabal se tivermos em conta que a Requerida tem igualmente dívidas avultadas e moras para com GRANDE PARTE dos seus credores. Segundo informação prestada pela própria Requerida, esta encerrou o estabelecimento e actividade, não se encontrando em funcionamento, desde 31.12.2006. E, relativamente ao Activo da requerida, o requerente concebe o veículo automóvel supra referido em 12º da presente peça, o qual se encontra penhorado ao abrigo do processo executivo nº 1222/06.6TJVNF-A, a correr termos no Tribunal Judicial de V. N. Famalicão, 3º juízo cível, bem como a fracção D do prédio urbano inscrito sob o artigo 1577, da freguesia de Vila Nova de Famalicão, concelho de Braga, penhorado ao abrigo do processo de execução fiscal nº ……………. e ap. a correr termos no Serviço de Finanças 1 de Vila Nova de Famalicão. Sendo o passivo ora discriminado elevado e não tendo a Requerida qualquer actividade desde 2006 urge pois concluir que o Activo é insuficiente para solver o passivo. Conclui dizendo que é indubitável, perante o cenário descrito, que se encontra verificado o indício de insolvência constante da al. b), do n.º 1, do art. 20º do CIRE. *Frustrada a citação da Requerida – cfr. fls.40-, veio o Requerente requerer a fls.56 que seja a Requerida citada na pessoa da “sócia e também ela representante da requerida, D… …”. Por esta sócia foi junto aos autos requerimento que faz fls.59 vº e segts., no qual a mesma alega que o Requerente da insolvência não é credor, mas devedor e gerente da sociedade requerida; - a pessoa que indica como gerente é IRMà do Requerente, está afastada da sociedade desde o ano de 2001, e formalizou a renúncia à gerência em 30.04.2004; - facto registado pela renunciante, apenas em Janeiro de 2005, por ter o ora Requerente, na qualidade de gerente da sociedade requerida omitido o cumprimento do dever de promover o registo do facto sujeito a registo obrigatório - é o próprio requerente da insolvência quem possui, deteve e detém toda a documentação necessária para cumprimento das obrigações legais decorrentes do pedido de insolvência. E se tanto não bastasse para exemplar condenação do Requerente como litigante de má fé poderia acrescentar-se que o requerimento de insolvência parece orientado exclusivamente pelo propósito de ver reconhecido um crédito sobre a sociedade…emergente do pagamento de prestações do preço do veículo automóvel em que o Requerente se fazia conduzir, utilizando-o em exclusivo proveito até à data da sua apreensão em 19.10.2010, no âmbito de um dos processos judiciais que diz desconhecer [processo 1222/06.6TJVNF deste 3º Juízo Cível]. O Requerente usou a sociedade requerida a seu bel-prazer; prejudicou a sociedade e a sócia sua irmã como entendeu ao longo de anos; não prestou contas da sua actividade; não convocou qualquer assembleia; encerrou as instalações da sociedade; entregou para penhora imóvel da sociedade; deixou de pagar impostos e contribuições devidas, o que tudo levou a citada a afastar-se da sociedade de que apenas o Requerente retirava proventos económicos. Mais alega que, no requerimento inicial o requerente protesta juntar seis documentos. Terá junto apenas, e esses instruíam a citação, os identificados com os nºs 1, 3, 5 e 6. Não juntou, ou pelo menos não instruíram a citação, os documentos relacionados com os números 2 e 4. Bem se percebe que os não junte. O documento 2 haveria de ser uma certidão de registo comercial. Porém, de qualquer certidão de registo comercial da sociedade só pode constar que a citada não é gerente da sociedade. Facto do conhecimento pessoal do requerente, que litiga contra a verdade. O documento 4, relacionado como balancete geral da requerida a 31.12.2003. Porém, não poderia o documento de 2003 conter menção ao crédito de 2006, invocado como constitutivo do direito de requerer a insolvência. Só com a junção dos documentos em falta se poderia aferir da legitimidade do Requerente e da capacidade da citada. Irregularidade que argui, e que deve ser conhecida e declarada por influenciar no exame da causa. Alega ainda que o Requerente é sócio da sociedade. O Requerente foi, desde a constituição, gerente de direito da sociedade. O Requerente foi, desde 30 de Abril de 2004, o único gerente de direito da sociedade. E, principalmente, o Requerente foi – desde a constituição da sociedade e até ao seu encerramento – o único gerente de facto da sociedade Requerida. A serem verdadeiros os factos articulados pelo próprio Requerente, as dificuldades da sociedade iniciaram-se no ano de 2003, período em que apenas o próprio Requerente geria a sociedade. O Requerente omitiu então, e omitiu subsequentemente, o dever de apresentação da sociedade que geria, à insolvência. Significativamente, nem a citada pediu, nem o requerente injectou capital na sociedade. Indiciando-se que o Requerente se serviu da sociedade de que era sócio e único gerente para financiar a aquisição de um veículo automóvel que usou para seu proveito pessoal… viatura que manteve na sua posse e detenção até ao presente, embora desde 19.10.2010 na qualidade de fiel depositário no âmbito do processo judicial 222/06.6TJVNF-A deste 3º Juízo Cível, em que é executada a sociedade Requerida. Não explicando o Requerente – a ser verdade ter-se afastado da sociedade em 2006 – porque razão deteve e utilizou, durante 4 anos, um veículo automóvel da sociedade que haveria de servir para pagar aos seus credores. Neste segmento cumpre impugnar a qualidade de credor do Requerente e os documentos juntos com o número 3, cheques pessoais sem conexão aparente com a actividade da sociedade requerida. Alega, por fim, que o Requerente da insolvência, além de reportar as dificuldades da sociedade ao ano de 2003, acaba por confessar ter renunciado à gerência em Outubro de 2006 e ter cessado a actividade, de facto, em Dezembro de 2006. A serem verdadeiros os factos que alega impunha-se-lhe, nessa data, que tivesse requerido a insolvência da sociedade, posto que era o único gerente de facto e de direito. Obrigação legal que não cumpriu, tendo – confessadamente – desertado. Com falsidade o Requerente diz desconhecer os elementos referidos no artigo 23 do CIRE. E mais indica a ora requerente como sócia e gerente actual da sociedade. A ora requerente documenta ter renunciado à gerência por carta registada com aviso de recepção datada de 30.04.2004. Mais documenta ter o facto da renúncia sido registado por apresentação de 20.01.2005. Dirigiu comunicação a todos os clientes de quem fora TOC, formalizando a cessação das funções e dando conhecimento ao Requerente e à sociedade Requerida, que aliás se confundem. O Requerente pouco depois de ter recebido a carta decidiu ele próprio renunciar à gerência da sociedade. Porém, o Requerente continuou a actuar como sócio-gerente da sociedade, praticando os actos e contratos que entendeu, cumprindo e deixando de cumprir as obrigações legais a que estava adstrito, sempre e como o entendeu, sem prestar quaisquer contas da vida da sociedade. Neste processo o Requerente apenas documenta o pagamento de prestações devidas pelo contrato de financiamento para aquisição da viatura que afectou ao seu uso particular. Uso que conservou para lá de Dezembro de 2006, data em que “fixa” a cessação da actividade. Viatura que lhe veio a ser penhorada em 19.10.2010. De qualquer forma, independentemente da renúncia à gerência do próprio requerente da insolvência, será ele próprio – B… – quem: a) Conservou e conserva os livros de registo dos actos da sociedade; b) Conservou e conserva os documentos de prestação de contas; c) Conservou e conserva todos os documentos de contabilidade; d) Conheceu e conhece os créditos e os débitos da sociedade; e) Conservou e conserva todos os elementos do activo da sociedade; f) Detém a chave do imóvel que constitui parte do activo da sociedade e de que é fiel depositário, nomeado no processo ……………. e apensos do Serviço de Finanças de Vila Nova de Famalicão 1. Só o Requerente pode, como gerente que foi e como fiel depositário que é, aceder à sede social onde deverão encontrar-se todos os elementos necessários para instrução do processo de insolvência. Aliás, o Requerente B… continuou a invocar a qualidade de sócio gerente e a praticar actos em nome e representação da sociedade requerida… até junto deste Tribunal, como sucedeu no âmbito do processo 795/08.3TJVNF, do 1º Juízo Cível, no qual outorgou procuração a favor de advogada com data de 06.04.2008, na qualidade de legal representante da sociedade, e prestou depoimento de parte, na audiência de 27.10.2010, confessando designadamente que a sua irmã, agora identificada como “gerente”, se encontrava na sociedade sem “qualquer actividade ali desenvolvida ou responsabilidade assumida.”, “Permanecendo embora como gerente de direito da sociedade até Abril de 2004, data em que renunciou.” Conclui dizendo que é o Requerente a única pessoa em condições de cumprir, e de poder cumprir, as obrigações legais decorrentes dos artigos 23º, nº 2 e 24º do CIRE, sendo, por outro lado inequívoco que a citada, na qualidade de sócia não gerente, não dispõe de capacidade para representar a sociedade; art. 6º do CIRE. Assim, deve ser declarada a falta da citação, por erro na identificação do representante legal da sociedade requerida: art. 195º, nº 1, al. b) do CPC. *Foi oficiosamente solicitado pelo Tribunal à Conservatória do Registo Comercial certidão do teor da matrícula e de todas as inscrições em vigor, respeitante á aqui Requerida, dado que a que se encontrava junta aos autos remontava a 19.03.2007, tendo a mesma sido junta a fls. 127 e ss.*Em 26.09.2011 foi proferido o seguinte despacho: “Compulsados os autos, nomeadamente fls. 129/130 - certidão da Conservatória do Registo Comercial de Vila Nova de Famalicão – constata-se que desde 06.03.2007 (data em que foi levada ao registo a renúncia da gerência de B…), a sociedade aqui requerida, “C…, Ldª.”, não tem quem a represente, já que a representação de uma sociedade por quotas cabe aos gerentes – cfr. art.252º, do Cod. das Sociedades Comerciais. Nos termos do disposto no art.21º, nº2, do C.P.C., sendo demandada pessoa colectiva ou sociedade que não tenha quem a represente, ou ocorrendo conflito de interesses entre a ré e o seu representante, designará o juiz da causa representante especial, salvo se a lei estabelecer outra forma de assegurar a respectiva representação em juízo. Nos presentes autos é pois necessário proceder à designação de representante especial da aqui requerida, afigurando-se que deverá ser designada para tanto a sócia D…. Assim sendo, pelo exposto, nomeio como representante especial da Requerida a sua sócia D…, nos termos e para os efeitos do disposto no art.21º, nº2, do C.P.C. Uma vez que a citação da Requerida foi feita na pessoa da sua sócia D…, na qualidade de sua legal representante que ainda não a representava (como já vimos), declaro a nulidade da citação efectuada, ordenando se proceda a nova citação da Requerida, na pessoa da sua sócia, ora nomeada sua representante especial. Notifique e cite.” *Devida e regularmente citada a Requerida, na pessoa da sua representante especial, veio a mesma, por requerimento entrado em juízo no dia 27.10.2011 – cfr. fls.143 e segts.-, dar por integralmente reproduzidas as alegações e a documentação já carreada para o processo dizendo ainda que da documentação remetida pelo Requerente – livros da sociedade todos em branco – inexistem indícios da qualidade de credor do Requerente e do estado actual da sociedade, não possuindo a documentação apresentada pelo sócio, último gerente e depositário, qualquer valor para revelação contabilística de quaisquer créditos e débitos do próprio, como da sociedade. A mesma juntou documentos que constituem fls.148 a 163 e três livros id. a fls.164. *Foi proferida decisão que declarou que o requerente não está legitimado para requerer a insolvência da requerida (art. 20º nº1 e 25º nº1, do CIRE), carecendo o mesmo de legitimidade processual para esse mesmo pedido. Que a verificação da falta de tal pressuposto processual constitui excepção dilatória, (art. 494º al. e) do C.P.Civil), absolvendo, consequentemente, a requerida da presente instância. *Não se conformando com a decisão proferida, pelo requerente foi interposto recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões: A) O âmbito do presente recurso refere-se à decisão da Meritíssima Juiz a quo, com a referência 3661263, datada de 9/12/2011, no âmbito do processo de insolvência requerida contra a sociedade comercial, «C…, Lda.», pelo ora Recorrente, B…, sócio da mesma, e gerente no período compreendido entre Fevereiro de 2001 (constituição da sociedade) e Outubro de 2006 (data em que renunciou à gerência). B) Nesta medida, o Recorrente veio a «injectar», por diversas vezes, dinheiro na sociedade, no valor global de € 20.287,35, que instada pelo Recorrente para efectuar o pagamento daquele valor, nada pagou. C) Acresce que tem vindo a ser instado para proceder a inúmeros pagamentos da Requerida, em processos de reversão fiscal, face ao incumprimento desta das suas obrigações. D) Por conseguinte, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 20 do CIRE, tem legitimidade para requer a insolvência da sociedade, quer face ao crédito que detém, quer face às responsabilidades legais que tem vindo a assumir no decurso do período em que exerceu funções de gerência na mesma. Acresce que, E) Existem avultadas dívidas, quer à Segurança Social, quer às Finanças, no montante global aproximado de € 91.594,03. F) Acresce ainda que a sociedade está parada, sem actividade. G) Sem sede – porque já vendida no âmbito de uma execução fiscal (n.º ……………. do Serviço de Finanças de V. N. de Famalicão 1). H) Tendo ambos os gerentes abandonado os destinos da empresa (como consta da certidão comercial anexa aos autos), sem contabilidade e em claro incumprimento das obrigações fiscais. I) Sendo o activo da requerida manifestamente insuficiente para solver o passivo. Demonstrando-se assim, inequivocamente, que a Requerida se encontra impossibilitada de solver as suas dívidas. J) Por conseguinte, o Recorrente é de opinião que se encontram preenchidos inúmeros requisitos para a declaração da insolvência da empresa nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 3.º e do artigo 20.º, n.º 1, al. a), b), c), e), g) e h), todos do CIRE, pelo que deveria ter sido decretada a insolvência da requerida. K) A decisão ora recorrida baseou-se na posição assumida pela representante especial nomeada, D… que, no entanto, nunca apresentou oposição, de acordo com o estatuído no art. 30.º do CIRE, nem liquidou a consequente taxa de justiça necessária para a prática de tal acto, nem, tão pouco, demonstrou ou provou a solvência da Requerida. L) O que constituiu uma excepção, de acordo com o art. 480.º, do CPC, aplicável por força do art. 17.º e n.º 5 do artigo 30.º, ambos do CIRE. Uma vez que a Requerida não apresentou oposição/contestação ao pedido de insolvência, consideram-se confessados os factos articulados pelo Requerente e, em consequência, deve ser a insolvência decretada no primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo de 10 dias, após a citação para, querendo, deduzir oposição, tal como, por diversas vezes, foi requerido e desconsiderado sem qualquer fundamentação de facto ou direito, M) Tal como é entendimento do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 3/11/2010, in www.dgsi.pt, supra melhor contextualizado, que aqui se considera reproduzido para os devidos e legais efeitos. N) No entanto, a Meritíssima Juiz «a quo», assim não entendeu, desconsiderando o crédito reclamado porque alegadamente litigioso. O) O que se não aceita e em contrário do entendimento do Tribunal da Relação do Porto, no douto acórdão de 19/9/2011, in www.dgsi.pt, acima melhor explanado. P) Todavia, ainda que assim fosse, dispõe o art. 20.º, n.º 1 do CIRE que a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito. Q) Posição reiterada doutrinalmente, quer pelo Dr. Menezes Leitão, in Direito de Insolvência, 3.ª Edição., quer por Catarina Serra, in “A falência no quadro da tutela jurisdicional dos direitos de crédito, Coimbra Editora”, quer, por fim, pelo Dr. Pedro de Sousa de Macedo, in “Manual de Direito das Falências, I, Almedina”, tal como melhor esclarecido na motivação de recurso. R) Seguindo o mesmo entendimento, o Tribunal da Relação do Porto no douto Acórdão de 3/11/2010, in www.dgsi.pt. S) Todavia, foi desconsiderada a prova requerida nos autos, nomeadamente a testemunhal. Em claro arrepio ao disposto no n.º 7 do artigo 35.º do CIRE, sem qualquer fundamentação de facto ou direito. T) Deste modo, o carácter controvertido, academicamente considerando, do crédito, não obsta à admissibilidade da apresentação da Requerida à insolvência, pelo Requerente. U) Posição igualmente assumida no douto Acórdão da Relação de Coimbra de 24.11.2009, in www.dgsi.pt. V) Aliás, é inequívoco que a lei faculta ao credor que faça a prova da existência do seu crédito, o que seria contraditório com o entendimento de que apenas os créditos já assentes, nomeadamente, por decisão judicial transitada em julgado ou não impugnados, pudessem suportar o pedido de insolvência. W) Até porque o n.º 5 do art. 35.º manda ao juiz seleccionar a matéria de facto relevante que considere assente e a que constitui a base instrutória, ao que se segue a produção de prova (n.º 7). X) Além de que se considera que as razões que se podem alegar para admitir o credor condicional a requerer a insolvência, valem também para o credor de crédito litigioso. Y) Assim, o carácter alegadamente litigioso do crédito não exclui a possibilidade de o credor requerer a declaração de insolvência, cuja procedência ou improcedência passa pela imperatividade de se facultar às partes a produção de prova em audiência. Z) Neste sentido podem consultar-se, entre outros, os seguintes acórdãos, in www.dgsi.pt: da Relação de Lisboa de 16.03.2010, Processo: 1742/09.0TBBNV.L1-1; da Relação de Coimbra de 02.03.2011, Processo: 335/10.4TBPCV.C1 e de 24.11.2009, Processo: 1896/09.6TBPBL.C1; da Relação do Porto de 26.01.2010, Processo: 97/09.8TYVNG.P1, e de 16.12.2009, Processo: 242/09.3TYVNG.P1. AA) Considera, pois, o Requerente que a Meritíssima juiz a quo deveria ter prosseguido com os autos e declarado imediatamente a insolvência da requerida ou, quando muito, designado a data para a realização do julgamento para a produção da prova. Assim, a decisão recorrida violou o disposto no nº 1 do artº 20º, nº2, do artº 3º,al. a), b), c), e), g) e h) do nº 1 do artº 20º, nº 5 do artº 30º, nº 4 do artº 30º, 23º, 25º, nº 7 do artº 35º e 50º todos do CIRE e artº 488º do CPC, aplicado por remissão do artº 17º do CIRE. Pede, a final, que seja revogada a decisão proferida e, em consequência, que seja decretada a imediata insolvência da requerida, face à data da entrada da p.i. em juízo, tudo com as legais consequências.*Não foram apresentadas contra-alegações.*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:*O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso.*Nessa linha de orientação, a única questão a decidir, suscitada pelo recorrente na pesente apelação é a de saber se ele poderia requerer a insolvência da requerida, apesar do seu crédito ser litigioso.*Os factos a considerar para a decisão do recurso são os que resultam do relatório acima descrito.*Como é por todos sabido, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem por finalidade a liquidação de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista no plano de insolvência – cfr. art.1º do CIRE (aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de l8 de Março, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 200/2004, de l8 de Agosto). Parece, assim, estarmos perante uma acção executiva, uma vez que ela visa a reparação efectiva de direitos de crédito; mas com características especiais, já que se trata de uma execução colectiva, genérica ou total, e que segue um processo especial que, além do mais, contém elementos declarativos (cfr. Menezes Leitão in Direito da Insolvência, 18). No sentido de que o processo de insolvência não se resume a uma espécie do processo de execução, consistindo, antes, num processo autónomo, cfr. Catarina Serra, in A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito, 227 e ss.. Tal processo inicia-se com um pedido de declaração de insolvência – art.s 18º e ss. do CIRE -, que cabe, em primeira linha, ao devedor mas que pode ser requerida por outras pessoas para tal também legitimadas: por quem for responsável pelas suas dívidas; por qualquer credor, ainda que condicional, e qualquer que seja a natureza do seu crédito; e pelo MP, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados – art.20º, nº1, do CIRE. Na petição inicial devem ser expostos os factos que integram os pressupostos da declaração de insolvência – art.23º, nº1, do CIRE, e “quando o pedido não provenha do próprio devedor, o requerente da declaração de insolvência deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito, ou a sua responsabilidade pelos créditos sobre a insolvência, consoante o caso, e oferecer com ela os elementos que possua relativamente ao activo e passivo do devedor” – art.25º, nº1, do CIRE. Afastando-se do antigo regime falimentar em que se visava, sobretudo, a recuperação económica do falido, o CIRE assume um regime normativo de garantia patrimonial dos credores, pela forma mais eficiente possível, como seu principal desiderato. Em termos jurídico-processuais este desígnio altera a natureza do processo do CIRE, o qual passou a ser perspectivado, essencialmente, e pelo menos quando a insolvência é requerida por um credor, como um processo de partes em que sobressai, naturalmente, o princípio do contraditório – cf. os art.ºs 9° nº 2 como regra geral, 20°, nº l, no que respeita a alegação dos factos-índice pelo requerente e o art.º 30°, nºs 3 e 4, no que tange à prova da solvência pelo requerido. Nos termos do n.º 1 do art.º 23º, no requerimento de declaração de insolvência devem ser expostos os factos que integram os pressupostos da declaração requerida. O preceito tem lugar paralelo na alínea d) do n.º 1 do artigo 467º do Código de Processo Civil, quanto aos requisitos da petição inicial do processo de declaração, que manda expor os factos que servem de fundamento à acção. Não basta, assim, uma indicação vaga e a remissão para as disposições legais abstractamente aplicáveis.*Nos termos do artº 3 nº 1 daquele diploma legal, “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.” Por outro lado, as pessoas colectivas são também consideradas insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliado segundo as normas contabilísticas aplicáveis – nº 2 do mesmo artº 3º. Nos termos do artigo 20º, nº l, alíneas a) e b) a insolvência é declarada quando se verifique a suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas, bem como a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que pelas circunstâncias do incumprimento revelem a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações. Sendo a impossibilidade de cumprimento das obrigações vencidas o pressuposto verdadeiramente caracterizador da situação de insolvência, e tendo presente a dificuldade prática de demonstração de factos que a integrem, optou o legislador por enunciar determinadas factos ou situações que, vistos à luz da experiencia, denotam aquela mesma impossibilidade de cumprimento. São os normalmente designados “factos-índices” ou factos presuntivos da insolvência, cuja demonstração importa um juízo positivo sobre a verificação da situação de insolvência, salvo se o devedor, nos termos do artigo 350º do C. Civil e dos nºs 3 e 4 do art. 30º do CIRE, elidir a presunção em causa. Assim, sobre o requerente da acção de insolvência apenas recai o ónus de demonstrar algum dos factos indicadores dessa situação, enunciados nas diversas alíneas do art. 20º do CIRE. Cumprido esse ónus, é ao requerido que incumbe, se for caso disso, elidir a presunção de insolvência. De acordo com a al. b) do nº 1 do art. 20º do CIRE, um deles é a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações do devedor que, pelo montante envolvido ou pelas circunstancias em que ocorreu, for apta a revelar a impossibilidade daquele de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações (Ac. TRL de 17-03-2009, P. 592/08.6TYLSB-7, relatado pela sra. Desembargadora Rosa Ribeiro Coelho). Segundo Carvalho Fernandes e João Labareda – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, I, pág. 70 – “…tem sido geral e pacificamente entendido pela doutrina e pela jurisprudência que para caracterizar a insolvência, a impossibilidade de cumprimento não tem de abranger todas as obrigações assumidas pelo insolvente e vencidas. O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.” Acresce que segundo o art. 20º nº1 do CIRE, a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito.*Como se notou na decisão recorrida, dependendo a legitimidade (substantiva) do Requerente para requerer a declaração de insolvência da Requerida, da sua qualidade de credor – ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito –, duas questões têm sido amplamente debatidas na jurisprudência e doutrina: saber se o crédito do requerente tem de ser certo, líquido e exigível e se tal crédito tem de se encontrar reconhecido judicialmente, ou pelo menos, não se tratar de crédito litigioso. Relativamente à primeira questão, é doutrina tendencialmente dominante que o crédito do requerente da insolvência não tem de estar vencido. O credor a prazo ou condicional tem direito a requerer a falência, desde que prove que o devedor cessou pagamentos de dívidas certas e líquidas. Assim, o titular de um crédito não vencido tem o direito de requerer a insolvência do devedor, desde que alegue e prove que o mesmo se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas. Maiores divergências se manifestam a nível jurisprudencial quanto à legitimidade do credor cujo crédito se repute de litigioso para requerer a insolvência. De acordo com o art. 25º, nºs. 1 e 2 do CIRE, quando o pedido não provenha do próprio devedor, o requerente da declaração de insolvência deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito, devendo oferecer todos os meios de prova de que disponha. Não se exige que o credor possua título executivo; no entanto, terá de fazer prova do crédito, prova que poderá ser realizada por qualquer meio, designadamente por testemunhas, apresentação do contrato que o gerou ou documentação da conta corrente. Assim, o facto de o crédito ser litigioso não lhe retira legitimidade processual para requerer a insolvência do pretenso devedor, pois disporá de legitimidade processual para requerer a insolvência qualquer terceiro/credor que se arrogue ser titular de crédito sobre o requerido, ainda que este crédito seja litigioso. No entanto, para que a insolvência venha a ser decretada, ele terá de demonstrar a sua qualidade de credor, como facto constitutivo do seu direito a requerer a insolvência do requerido. E tal demonstração poderá, em regra, ser efectuada no processo de insolvência, havendo que proceder-se, em regra, a audiência de julgamento para determinação da existência de tal crédito e dos demais pressupostos de que a lei faz depender a declaração de insolvência do devedor. *Reportando-nos agora ao caso dos autos, e fazendo aplicação aos mesmos dos preceitos legais e princípios acima explanados, vemos que o requerente, alegando a sua qualidade de credor da sociedade de que é sócio e da qual foi gerente (desde 2001 a 2006), invoca factos tendentes a demonstrar a incapacidade da requerida de cumprir as suas obrigações, muitas delas já vencidas. Efectivamente, o Requerente fundamenta o seu crédito no facto de no ano de 2003 ter “injectado” capital na sociedade Requerida, no valor global de € 20.287,35, a pedido da outra sócia gerente, sendo a quantia de € 6.984,08 para a aquisição de equipamento da requerida e pagamento de despesas necessárias ao seu funcionamento, o apelidado “ fundo de maneio”, e a quantia de € 13. 303,27, para pagamento de um veículo automóvel que a requerida havia adquirido em 2002. A Requerida, citada para a acção, nega o invocado crédito. Com base nesse facto, decidiu-se na sentença recorrida que “…do teor dos documentos juntos aos autos não resulta o alegado crédito (…). Assim, não obstante se admitir que, em regra, no processo de insolvência se possa discutir a existência do crédito alegado pelo requerente, o que é certo é que a prova a produzir no âmbito de tal processo não deixará de ser uma prova sumária, sendo que, por força dos princípios de “urgência e celeridade” que lhe subjazem, o processo não atribui às partes as garantias que um processo declarativo comum poderá atribuir. Assim sendo, tratando-se de crédito não reconhecido pela requerida e, não se encontrando o mesmo sustentado minimamente nos documentos juntos aos autos, entende o Tribunal que a demonstração daquele (…) não se mostra compatível com os termos simplificados do processo especial de insolvência, o qual, no sentido de garantir a celeridade processual, se encontra reduzido a dois articulados. Julgamos, pois, que o Requerente deverá demonstrar a existência do “seu eventual” crédito numa acção declarativa instaurada para o efeito. Concluindo: para efeitos de legitimidade para pedir a declaração de insolvência, quando não se trate de apresentação (pelo próprio devedor) à insolvência ou de pedido formulado pelo MºPº, exige-se a qualidade de credor (…), isto é que tenha créditos vencidos e exigíveis sobre a requerida da insolvência, cfr. arts. 3º nº 1, 20º nº 1 e 25º nº 1, todos do CIRE. No caso “sub judice”, o direito de crédito a que se arroga o requerente sobre a requerida é litigioso - cfr. art. 579º nº3 do C.C. Assim, o requerente, para o seu reconhecimento, terá necessidade de intentar acção contra a requerida, já que, na presente acção, a Requerida contestou a existência do crédito invocado. Não se mostra, nem se pode considerar judicialmente reconhecido, o que apenas ocorrerá quando for proferida uma sentença condenatória da requerida a pagar ao requerente o aludido crédito. Assim sendo e em conclusão, não se pode considerar, para efeitos do disposto no artº 20º nº1 e 25º nº1 do CIRE, que o requerente detém sobre a requerida direito de crédito vencido e exigível, pelo que carece o mesmo de legitimidade para requerer a insolvência da requerida. *É contra esta decisão que se insurge o requerente, e com razão, em nosso entender. Como acima já se notou, sobre a natureza do crédito invocado, a jurisprudência dos tribunais superiores não tem sido uniforme, embora ela tenda já, maioritariamente, para a tese de que a invocação de um crédito ainda que litigioso, é a mais acertada. Também a letra da lei inculca tal entendimento, sendo a doutrina mais consagrada defensora de que o crédito reclamado pelo requerente da insolvência pode ser litigioso, não carecendo de se mostrar reconhecido judicialmente ou de ser exequível. Dispõe, de facto, o art. 20.º/1 do CIRE que a declaração de insolvência pode ser requerida por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito. Também Menezes Leitão defende (em Direito da Insolvência, 3.ª ed., p. 136) que “A lei atribui legitimidade para requerer a declaração de insolvência a qualquer credor, ainda que condicional, e qualquer que seja a natureza do crédito. É, assim, necessário, para se poder requerer a declaração de insolvência, apenas a existência do crédito, não se exigindo que o mesmo esteja vencido, e muito menos que o credor possua título executivo, devendo o credor justificar na petição inicial a natureza, origem e montante do crédito (art. 25.º/1), tendo que fazer a prova do mesmo (art. 25.º/2). A prova do crédito pode ser realizada por qualquer meio, designadamente por testemunhas, apresentação do contrato que o gerou, ou documentação da conta-corrente.” Catarina Serra refere também na sua obra (A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito, Coimbra Editora, p. 230) que “Em ponto algum do regime se exige que, para pedir a declaração de insolvência, o credor seja titular de um crédito lesado ou sequer vencido” e que “um dos efeitos da declaração de falência é tornar exigíveis todos os créditos”, acrescentando que “Os credores têm, no processo de insolvência, dois poderes de acção judicial fundamentais: o poder de propor a abertura do processo/requerer a declaração de insolvência (cfr. art. 20º, nº 1, do CIRE) e, uma vez aberto o processo/declarada a insolvência, o poder de reclamar o(s) seu(s) crédito(s) (cfr. art. 128º do CIRE)”. “Quanto ao primeiro poder (poder de propor a abertura do processo/requerer a declaração de insolvência), deve observar-se que ele é independente da natureza ou da qualidade do crédito. Isto significa que qualquer credor, comercial ou civil, comum ou preferente, pode exercê-lo, devendo entender-se ainda, embora a norma não o refira expressamente, que tão-pouco são relevantes o objecto (prestação de coisa ou prestação de facto) e o montante do crédito”. “Aquilo que o autor, seja ele quem for, pretende, é a obtenção de uma sentença judicial que declare a situação de insolvência e desencadeie o funcionamento dos mecanismos jurídicos adequados às necessidades especiais de tutela criados por aquela situação. Está, portanto, sempre em causa o exercício de um direito de acção judicial-declarativa e não o exercício do poder de execução”. “É verdade que, quando se trata de um credor, ele deve proceder à justificação do crédito, através da menção da origem, da natureza e do montante do seu crédito (cfr. art. 25º, nº1, do CIRE), uma vez que este acto representa já uma espécie de insinuação do crédito no processo, que, de certa forma, introduz já a sua pretensão. Mas seria incorrecto reconduzi-lo ao poder executivo; o que se trata, simplesmente, é de o credor requerente justificar a sua legitimidade processual, de demonstrar a qualidade de credor, que é requisito do seu direito de acção judicial (cfr. art. 20º, nº1, do CIRE)”. Aliás, se virmos bem, este mesmo entendimento era já manifestado, relativamente ao regime anterior da falência, constante do CPC, por Pedro de Sousa de Macedo (Manuel de Direito das Falências, I, Almedina, p. 383), que defendia que “não se exige título executivo, bastando um juízo sumário para se determinar a legitimidade do credor”. Razões de ordem prática e lógica jurídica têm também justificado tomadas de posição na nossa jurisprudência, no sentido apontado, de que nos dá conta, por exemplo o acórdão desta Relação de 03.11.2010 (Processo: 49/09.8TYVNG.P1, relatado pelo Sr. Desembargador Filipe Caroço, do qual fomos adjunta, disponível em www.dgsi.pt) ao defender que “a atribuição de legitimidade para deduzir o pedido de insolvência apenas ao credor cujo crédito não tenha sido contestado, restringiria, grave e injustificadamente o meio de tutela jurisdicional do direito de crédito - seja do requerente da insolvência seja dos demais credores do requerido - representado pela insolvência: é que bastaria ao devedor, ainda que de forma patentemente infundada, contestar o crédito do requerente para se concluir pela ilegitimidade do requerente e, consequentemente, para se obstar à declaração de insolvência. (…) Então o requerente não poderia já demonstrar no processo de insolvência que é realmente credor do insolvente (…) e, portanto, que dispõe de legitimidade para requerer a insolvência. Ficaria o credor impedido de, no processo de insolvência, fazer a prova da existência (…) do seu crédito. Essa prova teria de ser produzida noutro processo e noutro tribunal, determinado de harmonia com as regras gerais de competência, absoluta e relativa. Todavia, este entendimento esbarra com o princípio processual da auto-suficiência (…) com o significado de que o processo de insolvência é, em regra, o lugar adequado ao conhecimento de todas as questões cuja solução se revele necessária para a decisão a tomar - a declaração de insolvência (art.º 96º, nº l, do Código de Processo Civil). (…) Na insolvência podem ser actuados quaisquer créditos, ainda que o tribunal da insolvência não seja materialmente competente para a sua apreciação. Há uma extensão da competência material do tribunal da insolvência (…) que justifica a admissibilidade do pedido da insolvência por créditos diversos, o que, aliás, ocorre em todos os processos concursais, i.e., em todos os processos em que haja lugar ao concurso de credores, dado que é admissível a reclamação de créditos públicos e também, por exemplo, de créditos laborais seja na execução singular pendente seja na insolvência em curso (art.º 864º, nº l, al. a), do Código de Processo Civil e art.º 128º, nº l, do CIRE).” Também no acórdão da Relação de Coimbra de 24.11.2009 (disponível em www.dgsi.pt) se consignou ser “de concluir que dispõe de legitimidade activa para requerer a declaração de insolvência qualquer terceiro/credor que se arrogue ser titular de crédito sobre o requerido/devedor, ainda que esse crédito seja litigioso” e que “pese embora o CIRE exija que o crédito do requerente esteja vencido, não exige que o mesmo esteja reconhecido por decisão judicial ou por reconhecimento do devedor, o que quer dizer que o crédito invocado pelo requerente até pode ser litigioso, discutindo-se a sua existência no processo de insolvência.” No sentido apontado vai também, entre outros, o acórdão desta Relação e secção, de 29 de Setembro de 2011, relatado pelo Sr. Desembargador Teles de Menezes e Melo, cujo entendimento, com a devida permissão, seguimos de perto (também disponível em www.dgsi.pt). Defendemos, assim, na esteira da doutrina mais avalizada (acima citada) e da jurisprudência maioritária (de que são apenas exemplos os acórdãos mencionados), que o carácter controvertido (e litigioso) do crédito do requerente não obsta à admissibilidade da sua reclamação no processo de insolvência, assim como à respectiva verificação. Como acima se disse, também a letra da lei inculca tal entendimento, dispondo o art. 20.º/1 do CIRE que a declaração de insolvência pode ser requerida por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito. Aliás, não faria sentido que se permitisse que o credor condicional pudesse reclamar o crédito e o não pudesse fazer o credor cujo crédito é controvertido, quando o art. 25.º/1 lhe impõe que justifique a origem, natureza e montante do seu crédito, e o n.º 2 o manda oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas. Como não faria também sentido que a oposição do devedor, segundo o n.º 3 do art. 30.º, se pudesse basear, como pode, na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado, se apenas um crédito já reconhecido judicialmente pudesse fundar o pedido do requerente. Atente-se ainda que nos termos do n.º 5 do art. 35.º do CIRE, a lei manda o juiz seleccionar a matéria de facto relevante considerada assente e a que constitui a base instrutória, ao que se segue a produção de prova (n.º 7). Assim sendo, e uma vez que o n.º 3 do art. 30.º tanto permite ao devedor opor-se à declaração de insolvência mediante a invocação da inexistência do facto em que se fundamenta o pedido, como na alegação da inexistência da situação de insolvência, a matéria controvertida a seleccionar tanto pode abranger uma como outra daquelas situações, como ambas, o que conduz à possibilidade de produção de prova sobre a existência do crédito e do seu montante. É, assim, inequívoco, face a tudo quanto se expôs, que a lei faculta ao credor que faça a prova da existência do seu crédito no processo de insolvência, o que seria contraditório com o entendimento de que apenas os créditos já assentes, nomeadamente por decisão judicial transitada em julgado ou não impugnados, pudessem suportar o pedido de insolvência. Aliás, se o credor fosse obrigado a esperar que o seu crédito fosse declarado por sentença transitada – como se defende na sentença recorrida -, poderia dar-se o caso de, na data do trânsito, o património do devedor já não existir. Como refere Catarina Serra, (ob. citada, pag. 264) “…com o processo de insolvência pretende-se, essencialmente, evitar que a crise do devedor cause danos graves: prevenir o incumprimento e, se já houve incumprimento, para além de compensar os lesados, prevenir danos maiores. Por isso, o credor pode requerer o início do processo de insolvência independentemente do incumprimento, da mora ou mesmo do vencimento do respectivo crédito”. Ora, se assim é, é manifesto que o direito de crédito do requerente não necessitava de estar já declarado, quando requereu a insolvência da devedora. Doutro modo, não podia, perante uma crise daquela, prevenir o incumprimento, ou o seu agravamento. O que ele pretende é a obtenção de uma sentença judicial que declare a situação de insolvência, desencadeando, desse modo, os mecanismos jurídicos adequados. Aliás, atente-se que nem na fase posterior de reclamação de créditos é necessário que os mesmos estejam já declarados: nos termos do art.128º do CIRE, tanto podem reclamar o seu crédito os credores munidos de título executivo, como os que não o estão – cfr. Catarina Serra, ob. cit., 269, Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, 11, e Remédio Marques, in Curso de Processo executivo à face do Código Revisto, 353. Dos preceitos legais citados resulta, assim, de forma manifesta, que sendo o pedido de insolvência requerido por qualquer legitimado que não o devedor, apenas deve ser alegada e provada a sua condição de interessado na declaração de insolvência, por um lado, e, por outro, a verificação de algum dos factos-índice referidos no art.20º do CIRE. Pelo que, a questão que se deve colocar, no caso dos autos, é, antes de mais, uma questão de legitimidade processual: saber quem pode requerer a insolvência da devedora. A lei, como já vimos, confere tal legitimidade, entre outros, aos credores do requerido, pelo que, verdadeiramente, o que importa saber é se o requerente é credor da requerida. E, concluindo-se que é – ou, pelo menos, foi tal qualidade aceite na decisão recorrida -, ele tem, então, legitimidade para intentar a acção, através da qual se vai averiguar se a requerida está em situação de insolvência, ou seja, “impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas” – art.3º, nº1, do CIRE. Não está em causa saber se o direito de crédito do requerente está vencido ou não, nem se está já declarado ou não. Importa apenas saber se existe na esfera jurídica do requerente. Porque só assim – sendo credor - tem legitimidade para intentar a acção. O facto de o crédito ser contestado pela requerida, como foi, sendo, por isso, litigioso, não exclui que seja exigível, já que obrigação exigível é a que está vencida ou que se vence com a citação do requerido e em relação à qual o credor não se encontre em mora na aceitação da prestação ou quanto à realização de uma contraprestação. Pode, pois, o crédito ser exigível e, não obstante, ser litigioso, como pode ser não controvertido e, apesar disso, não ser exigível. Assim, o carácter litigioso do crédito não exclui a possibilidade de o credor requerer a declaração de insolvência, cuja procedência ou improcedência passa pela possibilidade das partes produzirem prova em audiência. É certo que o art. 3º/1, do CIRE diz que “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”, o que significa que só o incumprimento das obrigações vencidas permite o requerimento de insolvência por iniciativa de outro legitimado que não o próprio devedor, o que é confirmado pela disposição do art.º 20º/1-a) (Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código Da Insolvência E Da Recuperação de Empresas Anotado, I vol., pp. 69), mas, como vimos, isso não implica que o crédito tenha que ser incontroverso, já que se pode fazer prova sobre a sua existência. Em conclusão, e ao contrário do entendimento seguido na sentença recorrida, o facto de ser controvertido o crédito do requerente, o mesmo não conduz à sua ilegitimidade e, muito menos, à improcedência da acção. Pelo que o recurso merece provimento, devendo os autos prosseguir os seus termos para apuramento da factualidade relevante alegada, a fim de se extrair, depois, as consequências jurídicas devidas.*Sumário: I – A contestação, pela requerida, do crédito do requerente da insolvência não afecta a sua exigibilidade, nem obsta à legitimidade do requerente para apresentar o pedido de declaração de insolvência. II – Formulado esse pedido e contestada a existência do crédito, o processo de insolvência deve prosseguir, designadamente para que o requerente possa fazer prova da existência daquele seu direito. *DECISÃO: Pelo exposto: Julga-se procedente a Apelação, revogando-se a decisão recorrida. Custas (da Apelação) pela massa insolvente Porto, 22.3.2012 Maria Amália Pereira dos Santos Rocha Fernando Manuel Pinto de Almeida Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo