Processo:6029/10.3TBMTS.P1
Data do Acordão: 28/05/2012Relator: MÁRCIA PORTELATribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I- A circunstância de as testemunhas poderem eventualmente, ao longo do seu depoimento, aludir a matéria não oportunamente alegada, não confere à parte o direito de dela se prevalecer, sem mais, muito menos em sede de recurso. II- Os factos novos, de natureza constitutiva, modificativa ou extintiva dos direitos invocados, desde que até então desconhecidos da parte que deles se pretende prevalecer, devem ser introduzidos nos autos através de articulado superveniente (506.° CPC). III- O tribunal não está impedido de recorrer às regras de experiência comum e às presunções naturais para a prova da culpa. Aliás, os acidentes de viação são um campo privilegiado para a aplicação de presunções naturais. IV- Constitui entendimento jurisprudêncial consolidado que da prova da inobservância das leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta inobservância da falta de diligência. V- A reparação da viatura (reconstituição natural) será excessivamente onerosa por confronto com a indemnização por equivalente, se for superior ao montante necessário para adquirir no mercado veículo com características idênticas ao sinistrado e que satisfizesse as mesmas utilidades ao lesado. VI- Só assim não, devendo se afastar tal presunção se a norma violada não se destinar a defender o interesse concreto ofendido, faltando causa adequada entre os danos e a violação da norma. VII- Não sendo avançada nenhuma razão plausível para o despiste de um veículo que circulava numa autoestrada, é legítimo presumir que tal se deveu a imperícia do condutor. VIII- A excessiva onerosidade tem de ser aferida pela diferença entre dois poios: um, é o custo da reparação; o outro não é o valor venal, mas o valor patrimonial, o valor que o veículo representa no património do lesado. IX- Ao autor cabe a prova do valor da reparação (artigo 342.°, n.° l, CC); à ré cabe a prova da excessiva onerosidade da reparação, já que a reparação por equivalente é uma excepção à regra da reconstituição natural (artigo 342.°, n.° 2, CC).

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
MÁRCIA PORTELA
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO CULPA ÓNUS DA PROVA CULPA PRESUMIDA DANO REPARAÇÃO EXCESSIVA ONEROSIDADE
No do documento
Data do Acordão
05/29/2012
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
REVOGADA.
Sumário
I- A circunstância de as testemunhas poderem eventualmente, ao longo do seu depoimento, aludir a matéria não oportunamente alegada, não confere à parte o direito de dela se prevalecer, sem mais, muito menos em sede de recurso. II- Os factos novos, de natureza constitutiva, modificativa ou extintiva dos direitos invocados, desde que até então desconhecidos da parte que deles se pretende prevalecer, devem ser introduzidos nos autos através de articulado superveniente (506.° CPC). III- O tribunal não está impedido de recorrer às regras de experiência comum e às presunções naturais para a prova da culpa. Aliás, os acidentes de viação são um campo privilegiado para a aplicação de presunções naturais. IV- Constitui entendimento jurisprudêncial consolidado que da prova da inobservância das leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta inobservância da falta de diligência. V- A reparação da viatura (reconstituição natural) será excessivamente onerosa por confronto com a indemnização por equivalente, se for superior ao montante necessário para adquirir no mercado veículo com características idênticas ao sinistrado e que satisfizesse as mesmas utilidades ao lesado. VI- Só assim não, devendo se afastar tal presunção se a norma violada não se destinar a defender o interesse concreto ofendido, faltando causa adequada entre os danos e a violação da norma. VII- Não sendo avançada nenhuma razão plausível para o despiste de um veículo que circulava numa autoestrada, é legítimo presumir que tal se deveu a imperícia do condutor. VIII- A excessiva onerosidade tem de ser aferida pela diferença entre dois poios: um, é o custo da reparação; o outro não é o valor venal, mas o valor patrimonial, o valor que o veículo representa no património do lesado. IX- Ao autor cabe a prova do valor da reparação (artigo 342.°, n.° l, CC); à ré cabe a prova da excessiva onerosidade da reparação, já que a reparação por equivalente é uma excepção à regra da reconstituição natural (artigo 342.°, n.° 2, CC).
Decisão integral
Apelação 6029/10.3TBMTS.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto
1. Relatório

B….. intentou  acção declarativa,  sob a forma de processo sumário,  contra C….., S.A., e D…., S.A, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 14.203,18, acrescida de juros legais que se vencerem a partir da citação até integral pagamento, condenação essa que deverá ainda ter lugar ainda que não se apure a culpa do condutor do veículo “QJ”, por aplicação do risco ou responsabilidade objectiva.

Alegou para o efeito, e em síntese, que no dia 2009.12.04, pelas 8h05m, na A28 Km 11.570, concelho de  Matosinhos,  ocorreu um acidente de  viação,  em  que  foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-..-MR, conduzido pelo A.,  e sua propriedade, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QJ, propriedade e conduzido por E…...

Tal acidente decorreu do despiste do QJ, ocasionado por uma condução desatenta do seu  condutor, e posterior embate entre os dois veículos supra mencionados. Mais alega o A. que o acidente não resultou de causa ou força maior estranha ao funcionamento dos veículos.

Invoca que do sinistro decorreram danos materiais no seu veículo, implicando para a sua reparação  um montante de 5.403,18 €, vendo-se ainda privado de utilizar o seu veículo por um período de 110 dias, sofrendo incómodos e vendo-se obrigado a recorrer, nas suas deslocações diárias de casa para o trabalho e no contacto com clientes, a empréstimo de um veículo equivalente ao veículo sinistrado, no que despendeu o valor de 8.800,00 €.

Mais alegou que a R. C…., S.A., assumiu por contrato de seguro em vigor à data do acidente, e posteriormente, a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo citado “QJ”, sendo a 2.ª co-R., D….., S.A., aqui demandada em virtude da Condição Especial IDS (indemnização Directa ao Segurado), à qual as seguradoras dos intervenientes aderiram.

Contestaram as RR.. 

A  R. D….., S.A., excepcionou a sua ilegitimidade por não ser a seguradora do veículo a cujo condutor o A. imputa a responsabilidade pelos danos reclamados nestes autos, sendo certo que a convenção IDS apenas a obrigava à regularização amigável do sinistro, em sede extrajudicial. Frustrando-se tal tentativa de resolução amigável, deixou de ser responsável pelo pagamento de qualquer quantia, daí decorrendo a sua ilegitimidade.

Impugnou ainda a 2ª R. parte da factualidade invocada na petição inicial,  alegando que nos termos do disposto no artigo 41.º, do Decreto-Lei .L. n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o A. só terá direito a indemnização equivalente ao valor venal do veículo, deduzido do valor do salvado, e não ao valor da reparação, posição que comunicou atempadamente ao A.. Mais invocou que só poderá ser considerada responsável pelos dias de paralisação que mediaram o acidente e a comunicação ao A. com a posição final sobre os danos.

A 1ª R., Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., impugnou parte da factualidade invocada na petição inicial, alegando também que atento o valor venal do veículo do A., e o valor estimado para a sua reparação, confrontamo-nos com uma situação de perda total, pelo que terá o A. apenas direito a uma indemnização de € 2.750,00, ou, caso fique na posse dos salvados, de € 2.525.00. Mais alegou que tendo sido comunicados tais valores a 29 de Dezembro de 2009, o A. não tem direito aos valores que reclama a título de privação do veículo.

Respondeu a A., pugnando pela improcedência da excepção.

Foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção de ilegitimidade arguida, face ao alegado pelo A.  e ao disposto no artigo 26.º CPC, e julgando a acção improcedente  quanto à co-R.  D…..,  S.A., absolvendo- a  do pedido.

Não se procedeu à selecção da matéria de facto dada a simplicidade da matéria controvertida,  nos termos do disposto no artigo 787.º, n.º 2, CPC.

Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a R. C….., S.A., no pagamento ao A. da indemnização de € 4.351,59, acrescida dos correspondentes juros de mora à taxa legal aplicável, desde a data da sua citação nos presentes autos até integral e efectivo pagamento.

Inconformados  recorreram o A. e a  R..

O A. apresentou as seguintes conclusões:

«1. No presente recurso, o recorrente pretende demonstrar e concluir que, a Douta Sentença recorrida, enferma de erro de interpretação dos factos, e de direito, os quais impõe, sempre a sua total procedência da acção e, não a sua procedência parcial, como foi decidido.

2. Com o devido respeito, não se nos afigura correcta a decisão ora posta em crise, quer no que respeita à apreciação da matéria de facto, quer no que concerne à aplicação de Direito.

3. Foram dados como provados os seguintes factos, especialmente relevantes para a decisão a adoptar:

a) No    dia  04   de Dezembro de 2009, pelas 8h05m, na A 28 Km 11.570, concelho   de  Matosinhos,  ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-..-MR, conduzido pelo autor, sua propriedade, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QJ, propriedade e conduzido por E…...

b) No indicado dia, hora e local, o autor conduzia o “MR”, no sentido Viana- Porto, pela hemifaixa direita, sendo esta, constituída por três vias.

c) O A. circulava pela via da esquerda, a velocidade não superior a 90 Km/hora e  com  atenção  ao trânsito que então se processava no local.

d) À mesma hora, pela mesma estrada e na via do meio, à frente do “MR”, seguia o veículo “QJ”, no mesmo sentido de marcha do autor.

e) De forma totalmente inesperada, o “QJ”, entrou em despiste, fazendo pião, de forma que o referido veículo, ficou em sentido oposto, do da sua marcha.

f) Consequentemente, o mencionado “QJ” subitamente embateu com a parte frontal do seu veículo, no veículo do autor.

g) O autor nada pôde fazer para evitar o acidente, em virtude do brusco e inesperado aparecimento do “QJ”. 

h) Como consequência directa e necessária do acidente, resultaram para o veículo automóvel do autor, múltiplos danos a exigir serviços de reparação de chapeiro, de pintor, de electricista e estofador, bem como, a substituição de múltiplas peças, que em consequência do embate ficaram destruídas e irreparáveis, designadamente, um guarda-lamas frente, uma óptica direita, um pisca direito, um para-choques frente, um espelho retrovisor direito, uma grelha, radiador, capôt, tudo no valor de 5.403,18 €, já acrescido do respectivo IVA.

i) Em consequência do acidente,   o autor  ficou  privado  da  utilização   do seu veículo,  por um 
período de 110 dias, necessários à aquisição de uma viatura equivalente, e por privado do seu uso, 
sofreu incómodos e viu-se obrigado a recorrer, nas suas deslocações diárias de casa para o trabalho e no contacto com clientes, a empréstimo de um veículo equivalente ao veículo sinistrado.

j) A R. C….., S.A., assumiu por contrato de seguro titulado pela apólice nº 0900353279 em vigor à data do acidente, a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo citado “QJ”.

4. O Douto Tribunal a quo, mediante esta factualidade, decidiu aplicar o regime do artigo 502º, do Código Civil, da responsabilidade civil objectiva, ou pelo risco, como subsidiariamente peticionou o recorrente, situação que se enquadrava neste regime, e não contemplando no artigo 493º, do Código Civil, da responsabilidade civil por factos ilícitos.

5. Sendo certo que, ocorreu um despiste do veículo “QJ”, fazendo peão, de forma a que o referido veículo ficou em sentido oposto, do da sua marcha.

6. Consequentemente, o mencionado “QJ”, subitamente embateu com a parte frontal do seu veículo, no veículo do recorrente, nada podendo este, fazer para evitar o acidente, em virtude do brusco e inesperado aparecimento do “QJ”.

7. Efectivamente, o condutor do “QJ” violou objectivamente a norma do Código de Estrada, vigorando a presunção «tantum juris», de negligência contra o autor material da contravenção, dispensando-se, pois, a prova, em concreto, da falta de diligência.

8. Efectuando  uma  síntese compreensiva  do  essencial  da factualidade que ficou consagrada, importa reter, neste particular, que o veículo automóvel “QJ” entrando em despiste e, consequentemente em peão, a conduta do condutor revela que actuou de forma grosseira, negligente, imperita, inconsiderada e inábil.

9. Consequentemente, impõe – se  concluir que  o acidente ficou a dever-se à culpa exclusiva do citado condutor do “QJ”.

10. Não concordamos assim, com a contradição explanada na sentença, se por um lado o Douto Tribunal considera que ocorreu um despiste e que o mesmo violou, objectivamente a norma do Código de Estrada, por outro lado, considera que não é possível imputar tal facto, ao referido condutor do “QJ” a título de dolo ou negligência.

11. E,  de  outra  maneira  não poderia  ser,  aquele que viola objectivamente a norma do Código de Estrada, fá-lo sempre, quanto mais não seja, a título de negligência.

12. Ao contrário da conduta automobilística, imperita e inábil do “QJ”, o recorrente circulava pela via da esquerda, a velocidade não superior a 90 Km/hora e com atenção ao trânsito, que então se processava no local, conforme resultou provado, da matéria de facto.

13. Assim, uma pessoa diligente, com a prudência e cuidado de um bom pai de família, toma as devidas precauções, para evitar o acidente e a referida colisão de veículos.

14. Pelo que, existe manifesta culpa do condutor do “QJ”.

15. A ser assim, encontram-se preenchidos todos os requisitos para a emergência da obrigação da Ré, C….., S.A., em virtude desta assumir por contrato de seguro, titulado pela apólice nº 0900353279, indemnizar o recorrente, no pagamento de 8.703,18 €, acrescido dos correspondentes juros de mora, à taxa legal aplicável, desde a data da sua citação, nos presentes autos, até integral e efectivo pagamento, por força da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, previsto pelo artº 483º do Código Civil.

Caso assim não se entenda, por mera cautela se dirá o seguinte: 

16. Discorda, o ora recorrente dos fundamentos utilizados na Douta Sentença recorrida, para justificarem as decididas equivalências do grau de contributo dos condutores para o acidente e a similitude da gravidade das infracções.

17. Considerando as circunstâncias concretas do acidente em apreço, nomeadamente, de forma totalmente inesperada, o despiste do “QJ”, fazendo peão, de forma, a que o referido veículo, ficou em sentido oposto, do da sua marcha, nada podendo fazer, o recorrente para evitar o acidente, em virtude do brusco inesperado aparecimento do “QJ”, e, consequentemente resultaram para o veículo  automóvel  do  recorrente  múltiplos  danos  a exigir serviços de reparação de chapeiro, de  pintor, de electricista e estofador, bem como, a substituição de múltiplas peças, que em consequência do embate ficaram destruídas e irreparáveis, designadamente, um guarda-lamas frente, uma óptica direita, um pisca direito, um para-choques frente, um espelho retrovisor direito, uma grelha, radiador, capôt, tudo no valor de 5.403,18 €, já acrescido do respectivo IVA.

18. Em consequência do acidente o recorrente ficou privado da utilização do seu veículo por um período de 110 dias, necessários à aquisição de uma viatura equivalente, e por privado do seu uso, sofreu incómodos e viu-se obrigado a recorrer, nas suas deslocações diárias de casa para o trabalho e no contacto com clientes, a empréstimo de um veículo equivalente ao veículo sinistrado.

19. Afigura-se ao ora recorrente, ser irrazoável a arbitrada repartição de culpas, por quanto, a causa do acidente foi tão somente a imprudente e insensata manobra levada a cabo pelo condutor do “QJ”.

20. Ao contrário da conduta automobilística, imperita e inábil do “QJ”, o recorrente circulava pela via da esquerda, a velocidade não superior a 90 Km/hora e com atenção ao trânsito, que então se processava no local, conforme resultou provado, da matéria de facto. 

21. Há, pois, que se alterar a Douta Sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue em conformidade,  com  o  atrás  descrito  e  condene  exclusivamente a ré C….., S.A..

22. Sendo certo que, nos presentes autos, depara-se com uma situação de colisão entre dois veículos automóveis, com as matrículas ..-..-QJ e ..-..-MR, respectivamente.

23. Colisão entre dois veículos que geram benefícios aos seus possuidores ou utilizadores, gerando, no entanto, riscos, advenientes da sua utilização.

24. Para casos, como o presente, previu o legislador um regime especial: o previsto no artigo 506º do Código Civil.

25. Assim sendo, não se provando a culpa de nenhum dos condutores, na colisão dos dois veículos automóveis, cai-se no domínio da responsabilidade objectiva e, como só houve danos, quanto ao recorrente, porque só este, os reclamou, o réu condutor é responsável pela indemnização a pagar ao lesado.

26. Na verdade, os danos foram causados, somente por um dos veículos, designadamente, do réu condutor, não se apurando a culpa de qualquer um deles, só a pessoa por eles responsáveis é obrigada a indemnizar, conforme prevê o artigo 506º, nº 3, do Código Civil.

27. Apenas, o veículo automóvel “QJ” contribuiu para a produção dos danos, então responde o condutor do veículo causador dos danos.

28. Portanto, segundo a referida disposição legal, o réu condutor é obrigado a indemnizar o recorrente, por todos os danos causados.

29. Por sua vez, o veículo “QJ”, havia transferido a responsabilidade civil emergente do acidente de viação para a recorrida, C….., S.A.

30. Pelo  que,  recai  sobre  a  ré  C…..,  S.A.,  a  obrigação de indemnizar o recorrente, pelos danos causados, que se impõe a indemnização total de 8.703,18 €.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, e, em consequência, revogar-se a Douta Sentença proferida nos autos, e substituí-la por outro Acórdão, que condene a C…., S.A., no pagamento de indemnização total de 8.703,18 €, acrescido dos correspondentes juros de mora, à taxa legal aplicável, desde a data da sua citação, nos presentes autos, até integral e efectivo pagamento, com base na responsabilidade civil por factos ilícitos, caso assim, não se entenda, condenar a C….., S.A., no pagamento de indemnização total de 8.703,18 €, acrescido dos correspondentes juros de mora, à taxa legal aplicável, desde a data da sua citação, nos presentes autos, até integral e  efectivo pagamento, pela responsabilidade pelo risco, que subsidiariamente invoca.

Assim farão Vossas Excelências, como sempre
JUSTIÇA».

A R. concluiu nos termos seguintes:

«1. Da prova produzida em audiência de julgamento, resultou que o Autor, munido com o montante de € 2.750,00, valor correspondente ao valor venal, podia, à data do acidente, adquirir um veículo da mesma marca e modelo do MR e com características semelhantes, do qual poderia retirar as mesmas utilidades e fazer uso igual ao que fazia com o MR.

2. Resultou  igualmente   que  o  Autor, ao invés de reparar o MR, adquiriu um veículo, para fazer face às necessidades que, antes do acidente, satisfazia com o MR.

3. Devem tais factos, pois, ser aditados à matéria de facto dada como provada, o que desde já se requer a este Venerando Tribunal, por aplicação do disposto nos art.ºs 663º e 712º, ambos do CPCivil.

4. Ao ter adquirido um veículo novo, para substituir o MR, o Autor inviabilizou a reconstituição natural (tornando-a impossível), uma vez que, no que ao veículo danificado diz respeito, se colocou na situação em que estava antes da ocorrência do acidente dos autos.

5. Dessa maneira, o arbitramento de uma indemnização ao Autor com base no valor da reparação do MR é desadequada e inapropriada, uma vez que, para além de a reconstituição natural já não ser possível, o Autor manifestou o seu desinteresse na mesma, ao ter adquirido um veículo para substituir o MR.

6. No caso sub judice, a reconstituição natural é excessivamente onerosa para o devedor, ora Recorrente.

7. O valor da reparação do MR é quase o dobro do valor pelo qual o Autor, comprovadamente, conseguiria adquirir um veículo da mesma marca, modelo e características do MR, e do qual poderia retirar a mesma utilidade.

8. A sentença recorrida, ao condenar a Ré a pagar ao Autor uma indemnização com base no valor da reparação do MR cria uma vantagem patrimonial ilegítima e despropositada, para o Autor.

9. O valor do prejuízo do Autor, no que diz respeito aos danos sofridos pelo MR é de € 2.750,00, pelo que será esse o valor a ter em conta na fixação de uma indemnização a pagar pela Ré.

10. Na douta sentença recorrida fez-se menos correcta interpretação dos factos e errada aplicação da Lei, designadamente, do disposto no art.º 566º do CPCivil.

TERMOS EM QUE, no provimento do presente recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada nos termos supra descritos, assim se fazendo
JUSTIÇA»

E contra-alegou, assim concluindo:

«1. Dos factos dados como provados, resulta a reparação da viatura automóvel do autor, referente aos danos ou seja, de € 5.403,18 - cfr. factos provados 8) e 13).

2. A indemnização por perda total do veículo, nos termos e com os limites assinalados no citado artigo 41º, do Decreto-Lei 291/2007, aplica-se, tão só, nos casos de resolução extra-judicial do litígio perante a seguradora.

3. Conforme  se  decidiu  no  Ac.  da  Relação do Porto, Proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/143844" target="_blank">425/09.6TBPFR.P1</a>, publicado em www.dgsi.pt, a que aderimos, o Decreto-Lei 291/2007, de 21 de Agosto, “tal como o que o antecedeu (DL 83/2006), teve como objectivo reduzir a conflitualidade existente entre as seguradoras e os seus segurados e terceiros e reforçar a protecção dos interesses económicos dos consumidores, através da introdução de procedimentos a adoptar pelas empresas de seguros e da fixação de prazos com vista à regularização rápida de litígios e do estabelecimento de princípios base na gestão de sinistros.

4. Porém, se não houver acordo, e se houver necessidade de recorrer às vias judiciais, a determinação da espécie e o quantum da indemnização passam a ser regulados pelos regras e princípios gerais da responsabilidade civil e da obrigação de indemnização, entre os quais avultam, de um lado, o princípio da reparação in natura e, de outro, o princípio da reparação integral  do  dano,  ficando  afastada  a   aplicação  dos  critérios  previstos  no  Capítulo III do 
Decreto-Lei 291/2007, designadamente o art. 41º”.

5. Ou seja, ultrapassada a fase de resolução extra-judicial do litígio, e recorrendo o autor aos Tribunais para ressarcimento dos seus danos, passa a interessar-nos o regime previsto no CC nos artigos 562º e ss, e não o constante do referido Decreto-Lei para fixação da proposta razoável de indemnização.

6. No âmbito de regime previsto no CC a restauração natural – que se traduz aqui na reparação do veículo – traduz-se na forma preferencial de reparar o dano. É o que resulta, claramente, do disposto no artigo 562º do CC. A reconstituição natural será apenas afastada quando “não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor” – cfr. art. 566º do CC.

7. Pese embora a diferença entre o valor estimado para a reparação e o valor venal do veículo sinistrado do Autor, a verdade é que, tal como se decidiu no Ac. Da Relação do Porto, Proc. 2247708.2TBMTS.P1, em www.dgsi.pt, num caso semelhante ao presente, “não é exacto, à luz da teoria da diferença, equacionar o problema da excessiva onerosidade da reconstituição natural usando como termo o valor venal ou de mercado do veículo; o parâmetro adequado é, antes, o do seu valor patrimonial, no contexto do património do lesado, o do seu valor de uso e das utilidades que aquele extraía desse bem”.

8. E aqui, tal   como em  tal  caso, antes  da  verificação  do  facto danoso o Autor dispunha de um veículo que, embora usado, satisfazia as suas necessidades.

Depois da verificação daquele facto, o veículo ficou inapto para satisfazer tais necessidades. E só a reparação do veículo – tecnicamente possível – restituirá à situação em que se encontraria na ausência do facto causador do dano.

9. Conclui-se,  tal  como   aquele  Acórdão,   que  “entendimento   diverso   conduziria  a  solução 
Juridicamente  inaceitável:  a  atribuição  de  uma  indemnização  irrisória  ao  lesado,  que não o restitui à situação anterior à lesão, com injusto benefício para o responsável”.

10. Concluindo-se como na sentença, ora recorrida que a indemnização a fixar pelos danos materiais imediatamente resultantes da colisão dos veículos, descritos no facto provado 8), equivale, não à quantia fixada nos termos do citado art. 41º do Decreto-Lei 291/2007, mas sim à quantia necessária para a reparação de tais danos, ou seja, de € 5.403,18 - cfr. factos provados 8) e 13).

11. Não merecendo a sentença recorrida, nessa parte, para a reparação dos danos, qualquer reparo.

TERMOS  EM  QUE,  deverá  o  recurso   interposto  pela  ré,  ser julgado improcedente, relativamente ao valor do prejuízo respeitantes aos danos sofridos pelo MR, correspondente a o valor de 2.750,00 €, valor esse, a ter em conta na fixação de uma indemnização a pagar pela recorrente, fará V. Exa., como  sempre
JUSTIÇA»

2. Fundamentos de facto

A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos, que não foram objecto de impugnação:

2.1. No dia 04 de Dezembro de 2009, pelas 8h05m, na A 28 Km 11.570, concelho de Matosinhos, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-..-MR, conduzido pelo autor, sua propriedade, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QJ, propriedade e conduzido por E…..

2.2. No   indicado   dia, hora  e local,  o A. conduzia o “MR”, no sentido Viana-Porto, pela hemi faixa direita, sendo esta, constituída por três vias.

2.3. O A. circulava pela via da esquerda, a velocidade não superior a 90 Km/hora e com atenção ao trânsito que então se processava no local.

2.4. À mesma hora, pela mesma estrada e na via do meio, à frente do “MR”, seguia o veículo  “QJ”, no mesmo sentido de marcha do autor.

2.5. De forma totalmente inesperada, o “QJ”, entrou em despiste, fazendo pião, de forma que o referido veículo ficou em sentido oposto do da sua marcha.

2.6. Consequentemente, o mencionado “QJ” subitamente embateu com a parte frontal do seu veículo, no veículo do A..

2.7. O A. nada pôde fazer para evitar o acidente,  em virtude  do brusco e inesperado aparecimento do “QJ”.

2.8. Como consequência directa e necessária do acidente, resultaram para o veículo automóvel do A. múltiplos danos a exigir serviços de reparação de chapeiro, de pintor, de electricista e de estofador, bem como, a substituição de múltiplas peças, que em consequência do embate ficaram destruídas e irreparáveis, designadamente, um guarda-lamas frente, uma óptica direita, um pisca direito, um para-choques frente, um espelho retrovisor direito, uma grelha, radiador, capôt, tudo no valor de 5.403,18 €, já acrescido do respectivo IVA.

2.9. Em consequência do acidente o A. ficou privado da utilização do seu veículo por um período de 110 dias, necessários à aquisição de uma viatura equivalente, e por privado do seu uso, sofreu incómodos e viu-se obrigado a recorrer, nas suas deslocações diárias de casa para o trabalho e no contacto com clientes, a empréstimo de um veículo equivalente ao veículo sinistrado.

2.10. A R. C…., S.A., assumiu por contrato de seguro titulado pela apólice nº 0900353279 em vigor à data do acidente, a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo citado “QJ”.

2.11. Acidente de viação a que se reportam os presentes autos começou a ser inicialmente regularizado, por vontade do próprio autor, ao abrigo da Convenção IDS.

2.12. A  peritagem  e  análise  aos  danos e prejuízos sofridos pelo A. em consequência directa e necessária do acidente foram realizados pela D…., S.A., para a qual o autor, à data do acidente, havia transferido a responsabilidade civil emergente da circulação ao MR.

2.13. A estimativa de reparação do MR aos danos sofridos em consequência do acidente ascendia ao valor referido em 2.8.

2.14. À data do acidente o valor venal do mesmo veículo era de € 2.750,00.

2.15. Aos salvados do MR foi atribuído o valor de € 225,00.

2.16. Os  valores  referidos em 2.13 a 2.15 foram comunicados ao A. pela D….. em 29 de Dezembro de 2009.

3. Do mérito do recurso

O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684.º, n.º 3, e 685.º A, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas  (artigo 660.º, n.º 2, in fine, e 684.º, n.º 4, CPC ), consubstancia-se nas seguintes questões:

— impugnação da matéria de facto; 

— responsabilidade pelo acidente: culpa do condutor seguro na apelada ou responsabilidade pelo risco; 

— excessiva onerosidade da reparação por confronto com o valor venal do veículo.

3.1. Da impugnação da matéria de facto 

A apelante questiona a matéria de facto por não ter sido considerado provada a matéria alegada no artigo 10.º da contestação, e que o apelado adquiriu uma carrinha nova para substituir o MR.

É o seguinte o teor do artigo 10.º da contestação: 

Com a quantia de €  2750,00, o A. podia, à data do acidente, adquirir um veículo de iguais características ao MR, no mesmo estado de conservação  e que em  tudo satisfizesse, tal como o MR, as suas necessidades de locomoção?

Segundo a apelante, a testemunha F….,  perito averiguador da empresa  G…. S.A., declarou que o valor da reparação do MR ascendia a € 5.403,00, tendo junto o respectivo «Relatório de Peritagem Final – Perda Total», a fls. 160.

E  exibiu igualmente um documento de avaliação da empresa H…., da qual constava a cotação do MR: preço de compra - € 1.900,00, preço de venda - € 2.750,00 e preço de venda corrigido - € 2.633,00, documento que se encontra junto aos autos, a fls. 159 e 160. 

A testemunha I…. depôs no sentido de  que a H….. é a única entidade que fornece cotações “oficiais” de veículos usados, sendo que é utilizada para esse efeito pela generalidade das companhias de seguros. E que, no que diz respeito aos diversos anúncios de veículos usados que existem em revistas ou na internet, os valores peticionados pelos respectivos proprietários não espelham as cotações dos mesmos, mas tão só os valores que os proprietários pretendem receber pelos seus veículos, pelo que os valores constantes dos mesmos são muito discrepantes.

Face às declarações desta testemunha o apelado juntou aos autos, a fls. 177,  cópia de dois anúncios de veículos da marca  Ford Transit, um no valor de € 4.900,00 e outro de € 5.000,00, constando do primeiro o ano da matrícula (1999) que é omitido no segundo (refere apenas a quilometragem).

Em resposta a apelada juntou, a fls. 179-81, três anúncios de veículos da mesma marca, nos valores de € 3.000,00, 2.500,00 e 2.000,00, sendo o primeiro de 1998, o segundo de ano não identificado e o terceiro de 1999.

Entende  a  apelante, com base estes  elementos   que foi produzida prova  com 
Força   suficiente  que  levasse a  concluir que  o  A.,  munido da quantia de € 2.750,00, poderia,  à data do acidente, adquirir um veículo da mesma marca e modelo do MR e com características semelhantes, do qual pudesse retirar o mesmo proveito, quer para a sua vida profissional, quer para a sua vida pessoal.

São duas as questões que se suscitam a este propósito.

Em primeiro lugar, a formulação do artigo 10.º reveste natureza marcadamente conclusiva, pois os autos são completamente omissos acerca das concretas características do veículo do apelado, o que não é despiciendo.

A quilometragem e o estado geral do veículo (quer a nível da componente mecânica, quer de chaparia e pintura) são particularmente relevantes, pois, como é óbvio, os automóveis em melhor estado obterão preços mais elevados.

Automóveis usados  do mesmo ano e com as mesmas características atingem no mercado preços muito distintos.

Ora, para poder se concluir que a quantia de € 2.750,00 era suficiente para a aquisição de automóvel com idênticas características às do sinistrado  era necessário saber quais as concretas características deste  e dos veículos anunciados.

Desnecessário será dizer-se que não se compram veículos automóveis sem os ver e experimentar, não bastando a junção de anúncios ou de cotações ditas oficiais para que se possa concluir pela adequação do veículo a uma determinada situação, em especial por comparação com outro.

Em segundo lugar, as cotações ditas oficiais são valores médios, o que não significa que todos os automóveis da mesma marca e do mesmo ano com características tenham o mesmo preço. Obviamente que um automóvel muito bem conservado do ponto de vista da mecânica e da pintura, com relativamente pouca quilometragem não vale o mesmo que um veículo com as mesmas características (marca e ano de fabrico) com problemas de mecânica, pintura danificada, quilometragem elevada.

E se é verdade que os preços dos anúncios são os preços que os proprietários pretendem pelos seus veículos, não é menos verdade que não se pode obrigá-los a vender pela cotação média.

A prova produzida não permite, contrariamente ao pretendido pela apelante, que se considere provada a matéria do artigo 10.º da contestação.

O segundo facto que a apelante pretende que se considere provado é que o apelado adquiriu um veículo novo para substituir o sinistrado, porque tal facto  terá resultado  do depoimento das testemunhas J….., K…. e L…. que o Autor, a certa altura, terá adquirido uma carrinha nova, para substituir o MR.

Sustenta que, apesar de não ter sido alegado por nenhuma das partes  nas suas peças processuais, chegou ao conhecimento do Tribunal, pelo depoimento das supra identificadas testemunhas, tratando-se de um facto que, pelo menos, modifica o direito que o A. pretende fazer valer, pelo que deveria ter sido tido em consideração e levado à lista de factos considerados como provados, nos termos do disposto no artigo 663.º do CPC.

Apreciando: 

O  juiz apenas pode  servir-se de factos que  tenham sido alegados pelas partes (artigo 664º CPC), a quem cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiem as excepções  (artigo 264º, nº 1,  CPC).

Apenas em situações excepcionais pode o juiz considerar oficiosamente factos não alegados: quando se trate de factos instrumentais que resultem da decisão da causa (artigo 264º, nº 2, CPC), ou, tratando-se de factos essenciais à procedência das pretensões ou das excepções deduzidas, que sejam complemento ou concretização de factos oportunamente alegados e resultem da instrução da causa, desde que a parte interessada manifeste a vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório (artigo 264º, nº 3, CPC).

Trata-se de corolários do princípio do dispositivo, um dos princípios estruturantes do processo civil, na vertente do princípio da controvérsia.

Segundo Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, pgs. 122-3, o princípio do dispositivo se desdobra em dois: o princípio do dispositivo hoc sensu, e o princípio da controvérsia.

O princípio do dispositivo hoc sensu,  recondutível à ideia da disponibilidade da tutela jurisdicional, comporta a disponibilidade da instância (disponibilidade do início, termo e suspensão do processo) e a  disponibilidade da conformação da instância  (disponibilidade do objecto e das partes).

Já   o   princípio   da   controvérsia  reconduz-se,  nas   palavras  do mesmo autor, à  responsabilidade  pelo  material  fáctico da   causa, evocando os  princípios  da  preclusão e da auto-responsabilidade das partes.

Nessa conformidade, a circunstância de as testemunhas poderem eventualmente, ao longo do seu depoimento, aludir a  matéria não oportunamente alegada, não confere à parte o direito de dela se prevalecer, sem mais, muito menos em sede de recurso.

O mecanismo estabelecido no artigo em análise  pressupõe que o facto a considerar, sendo essencial à procedência da pretensão formulada ou de excepções deduzidas, seja  concretização  ou complementação de outros factos que as partes hajam oportunamente alegado (cfr. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I, pg. 466 e ss.).

Na síntese de Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, Almedina, pg. 202, 
« …tendo a parte alegado satisfatoriamente o núcleo fáctico essencial, integrador a causa de pedir ou da excepção deduzida (sem o qual a petição seria, aliás, claramente inepta no primeiro caso, por falta de causa de pedir) omite a concretização ou densificação da  acção, da reconvenção ou da excepção». 

E continua na parte seguinte:

«A eliminação das regras de rígida preclusão  quanto  a tais factos “complementares” ou “concretizadores” não poderá nunca implicar convolação para uma causa de pedir diversa da invocada (violando-se o princípio da imutabilidade da causa de pedir, afirmado no artigo 273.º) ou quebra da regra de que toda a defesa é deduzida na contestação,  tendo  o  réu  o  ónus  de   aí  impugnar  os  factos  articulados na petição (artigos 489.° e 490.º) – cfr., aliás, o disposto  no n.º 5 do art. 508.º.
Precisamente   por   que   se   têm   de  revelar como meramente “complementares” ou “concretizadores” da matéria alegada é que os factos omitidos no articulado da parte não podem implicar a convolação para uma causa de pedir diferente da invocada, o suprimento de uma petição inepta por falta de causa de pedir, ou traduzir-se na extemporânea invocação de uma excepção peremptória – não minimamente concretizada na contestação, fora dos casos em que tal é possível, nos termos do art. 489.º.»

Os factos novos, de natureza constitutiva, modificativa ou extintiva  dos direitos invocados, desde que até então desconhecidos da parte que deles se pretende prevalecer, devem ser introduzidos nos autos através de articulado superveniente (506.º CPC).

A simples circunstância de um facto relevante ter sido referido por uma testemunha não permite que o mesmo passe a figurar, sem mais, no elenco dos factos provados.

Improcede, pois, a pretensão da apelante relativamente à matéria de facto.

3.2. Responsabilidade pelo acidente: culpa do condutor seguro na apelada ou responsabilidade pelo risco

Dos pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual — facto ilícito, dano, nexo de causalidade entre o facto e o dano  e a culpa — apenas se discute a culpa.

Lê-se na sentença recorrida: 

«Sucede  porém   que   nada  na  factualidade  provada  nos  permite   concluir  pelo preenchimento do último dos requisitos elencados para a emergência da obrigação de indemnizar   fundada  em  responsabilidade  civil  extra-contratual  por  facto  ilícito:  a imputação do facto ao lesante ou, por outras palavras, a sua culpa na prática do facto.
A culpa consubstancia um juízo de censura ou reprovação ao agente por parte da ordem jurídica. Só pode dizer-se que alguém agiu com culpa quando é imputável (capacidade intelectual e volitiva quanto à importância e efeitos dos seus actos) e, no caso concreto, podia e devia ter agido de outro modo.
A culpa envolve um nexo psicológico entre o facto e o agente, que pode assumir as modalidades de dolo directo (o lesante representa e quer o resultado, apesar de conhecer a ilicitude desse resultado), necessário (não querendo directamente o facto ilícito, o agente todavia, previu-o como uma consequência necessária da sua conduta) ou eventual (o agente, ao actuar, não confiou em que o efeito possível da sua actividade se não verificaria), ou de negligência consciente (o agente só actuou porque confiou que o resultado não se produziria; o agente previu, como possível, a produção do facto e não tomou as medidas necessárias para o evitar) ou inconsciente (imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, omissão do dever de diligência).
A culpa é apreciada em abstracto, a partir do critério do bonus pater familias, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil), cabendo ao lesado provar a culpa do lesante, salvo se existir presunção legal de culpa (artigo 487.º, n.º 1 do Código Civil).
No caso em apreço inexiste qualquer presunção de culpa que incida sobra o condutor do veículo QJ. Cabia assim ao Autor, para a procedência do pedido de condenação no pagamento de indemnização baseada no regime de responsabilidade civil agora em apreço, alegar e provar os factos que consubstanciassem a culpa do condutor do veículo QJ na ocorrência do despiste e posterior embate. E, no caso dos presentes autos, atentos os factos provados, não é possível dizer que um cidadão médio adoptaria uma condução distinta da adoptada pelo condutor do veículo QJ. Não é possível dizer que o mesmo podia e devia ter conduzido de modo distinto.  
É   certo  que  ocorreu  um  despiste  e que o  mesmo violou,  objectivamente,  a 
norma do Código da Estrada supra citada. Mas não é possível imputar tal facto ao referido condutor a título de dolo ou negligência.
Tanto quanto sabemos, os eventos descritos não decorreram de uma vontade expressa do mesmo, ou de uma violação de regras de cuidado, ou de regras estradais, que impendessem sobre o mesmo na circulação rodoviária. Nada resultou provado quanto a uma circulação a velocidade desadequada ou em violação de deveres de cuidado por parte do mesmo. Não é assim possível dirigir um juízo de censura ao aludido condutor e, nessa medida, não se preenche o requisito em análise: o da culpa na ocorrência do facto ilícito causal dos danos.
Nessa medida, não é o referido condutor responsável pelo pagamento de qualquer indemnização emergente de responsabilidade civil extra-contratual por facto ilícito, não o sendo também, consequentemente, a Ré C….., S.A., que através do contrato de seguro titulado pela apólice nº 0900353279 em vigor à data do acidente, assumiu a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo citado veículo “QJ”.

E concluiu pela verificação de responsabilidade pelo risco, na proporção de 50% para cada uma dos veículos envolvidos.

Não podemos acompanhar a sentença recorrida neste segmento.

Dos    pressupostos   da  responsabilidade   civil   extra-contratual  o   único  que  está 
questionado é a culpa.

Nos termos do artigo 487.º, n.º 1,  CC, é sobre o lesado que recai a prova da culpa, a qual, nos termos do n.º 2, é apreciada de acordo com  a diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias do caso.

É esta a regra geral, à falta de presunção legal de culpa (cfr. artigo 350.º CC).

Daqui não resulta, porém, que, não se tendo apurado as circunstâncias em que ocorreu o despiste do veículo seguro na apelada, se tenha de concluir necessariamente pela falta de culpa do condutor.

Segundo Vaz Serra, Culpa do devedor ou do agente,  BMJ 68.º/87 

«a jurisprudência … tem facilitado  a prova da culpa: basta provar a culpa que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, tornem muito verosímil a culpa. Mas o autor do prejuízo pode afastar esta chamada prova prima facie, demonstrando, por seu lado, outros factos que tomem verosímil ter-se produzido o dano sem culpa sua. Com isto, destrói a aparência a ele contrária e força o  prejudicado a demonstrar  completamente a culpa, já que ao admitir-se a prova  prima facie, só se dá uma facilidade para a produção da prova e não uma total inversão do ónus da prova.» 

Assim, o tribunal não está impedido de recorrer às regras de experiência comum e às presunções naturais para a prova da culpa. Aliás, os acidentes de viação são  um campo privilegiado para a aplicação de presunções naturais.

A prova por presunção encontra-se regulada nos artigos 349.º e ss. CC

Nos termos do artigo 349º CC, presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, esclarecendo o artigo 351º CC que as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.

Trata-se de uma prova de primeira aparência, em que o julgador faz apelo às regras de experiência comum — o id quoad plerumque accidit —  para, a partir de um facto conhecido, inferir um facto desconhecido.

Nas palavras de Vaz Serra, Provas, BMJ 110/190, 

«Estas presunções são afinal o produto de regras de experiência: o juiz, valendo-se de certo facto e de regras de experiência, conclui que aquele denuncia a existência de um outro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência da vida, da qual resulta que um acto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra de experiência ou, se se quiser, vale-se de uma prova de primeira aparência».

Constitui entendimento jurisprudencial consolidado que  da prova da inobservância das leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta inobservância da falta de diligência.

Nas palavras do acórdão recorrido apreciado pelo acórdão do STJ, de 2003.11.20, Moreira Camilo, www.dgsi.pt.jstj, proc. 03A3450, 

«É que, embora em matéria de responsabilidade civil extracontratual a culpa do autor da lesão em princípio não se presuma, tendo de ser provada pelo lesado (artº. 487º, nº. 1, do Cód. Civil), a posição deste é frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova de primeira aparência (presunção simples): se esta prova aponta no sentido da culpa do lesante, passa a caber a este o ónus da contraprova. Para provar a culpa, basta assim que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, a tornem muito verosímil, cabendo ao lesante fazer a contraprova, no sentido de demonstrar que a actuação foi estranha à sua vontade ou que não foi determinante para o desencadeamento do facto danoso. Isto não está sequer em contradição com o disposto no artº. 342º do Cód. Civil, que consagra um critério de normalidade no que respeita à repartição do ónus da prova, no sentido de que aquele que invoca determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram, tendo a parte contrária de provar, por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos do direito.
Assim sendo, no caso dos autos, a Ré Seguradora, e ora recorrente, teria de provar que o facto de o condutor da viatura em si segura circular fora da sua faixa de rodagem não teria sido determinante para o evento ou que esse facto foi causado por factores estranhos à sua vontade».

Para além da jurisprudência citada neste acórdão refiram-se ainda  os acórdãos do STJ, de 2007.07, Silva Paixão, www.dgsi.pt.jstj, proc. 96A558, de 2002.10.24, CJSTJ, 2002, III, 107; de 2000. 02.01, Silva Paixão www.dgsi.pt.jstj, proc. 00A010.

Só assim não, devendo se afastar tal presunção se a norma violada não se destinar a  defender o interesse concreto ofendido, faltando caus adequada entre  os danos e a violação da norma (acórdão do STJ, de 2000.11.07, Reis Figueira, CJSTJ, 2000, III, 105, e da Relação do Porto, de 2004.03.16, Fernando Samões, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0420857). 

Revertendo ao caso dos autos, os dois veículos intervenientes no acidente circulavam numa auto-estrada, no mesmo sentido de marcha, um na faixa esquerda e outro na do meio, quando  o veículo seguro na apelada, que circulava mais à frente, despistou-se e fez um pião por forma  a que o ficou em sentido oposto do da sua marcha, indo embater com a parte frontal do seu veículo no veículo do apelante. 

Não  foi   avançada   nenhuma  razão   plausível   para  o  despiste,  como por exemplo, o rebentamento de um pneu, um obstáculo na via, uma mancha de óleo.

É,   pois,   legítimo  presumir que o despiste se deveu a imperícia do condutor do veículo seguro na apelada que, em condições normais, não conseguiu controlar o veículo que conduzia.

Ocorrendo culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na apelada,  a sentença 
recorrida não pode subsistir nessa parte.

3.3. Da excessiva onerosidade

A forma e medida da reparação do dano sofrido pelo lesado relativamente ao seu veículo há de ser encontrada por aplicação das regras gerais da responsabilidade civil (artigos 562.º e ss. CC).

O legislador optou claramente pelo princípio da reconstituição natural, relegando a indemnização em dinheiro para aquelas situações em que a reconstituição natural não é possível, não repare integralmente o dano ou seja excessivamente onerosa para o devedor — artigo 566.º, n.º 1,  CC.

A primazia  é dada à reconstituição natural, operando o sucedâneo pecuniário apenas nas situações enunciadas.

Antunes Varela,  Das Obrigações em Geral, Almedina, vol. I, 10.ª edição, pg. 904, 
explica:
«Ora, como se procede à reparação dos danos? Reconstituindo in natura a situação hipotética para que aponta o artigo 562.º? Repondo, à custa do lesante, o veículo danificado? Compensando  o  lesado,  mediante  indemnização  pecuniária  equivalente  aos danos?   Dando  ao lesado  a quantia necessária para ele, querendo, mandar efectuar a reparação?

O   artigo 566.°, 1, opta pela primeira alternativa, mandando, em princípio, reparar o dano mediante a reconstituição natural, apesar de o lesado preferir possivelmente em muitos casos a indemnização em dinheiro. 
O  fim precípuo da lei nesta matéria é, por conseguinte, o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes».

No caso vertente, o apelado pretende a reconstituição natural (reparação da viatura) enquanto a apelante pugna pela indemnização por equivalente escudando-se na excessiva onerosidade da reparação, por o valor do veículo sinistrado antes do acidente ser € 2.750,00 e a reparação ascender  a € 5.403,18.

A excessiva onerosidade não pode ser aferida apenas em função dos valores envolvidos, numa simples operação aritmética, mas antes em função dos interesses do lesado cujo ressarcimento está em causa.

Com efeito, e como se sublinha no acórdão da Relação de Lisboa, de 98.06.16,Silva Pereira,  CJ, 98, III, 124, 

«O entendimento no sentido de não ser aconselhável a reparação quando o custo desta é superior ao valor comercial do veículo é válido apenas quando o veículo danificado é novo ou a reparação não garanta a restituição do lesado à situação anterior. Em todo o caso, esse entendimento não pode servir para, em benefício do responsável, não restituir o lesado à situação que teria se não fosse a lesão. Um veículo muito usado fica desvalorizado e vale pouco dinheiro, mas, mesmo assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto que a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor comercial pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, o que é o mesmo que dizer que pode não reconstituir a situação que o 
lesado teria se não fossem os danos»

A reconstituição natural será excessivamente onerosa «quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável» (Antunes Varela, op. cit., pg. 906).

A consideração do valor venal do veículo é manifestamente insuficiente para medir o valor do prejuízo sofrido pelo lesado, pois um automóvel, para além do seu valor, presta diversas utilidades ao seu proprietário, enquanto meio de transporte e de lazer. Uma coisa é o valor de um automóvel destinado à venda  — caso em que o valor do prejuízo coincide com o valor do bem —, outra de um automóvel que é instrumento de trabalho, de locomoção ou lazer.

Discorrendo sobre a insuficiência do critério do valor venal, escreve Júlio Manuel Vieira Gomes, Custos das Reparações, valor venal ou valor de substituição, Revista de Direito Privado, n.º 3, pg. 57 e ss., em anotação ao acórdão do STJ, de 2003.02.27, Ferreira Girão:

«A exclusão do carácter decisivo do valor venal parece-nos ser inteiramente de aplaudir. Por um lado, porque não existe propriamente um valor de mercado, e sim vários, mas, e sobretudo, porque atender  estritamente ao valor de mercado do bem (no sentido do seu valor de venda) seria converter a responsabilidade civil numa forma de expropriação privada, pelo preço de mercado. É certo que, sobretudo em Itália, este resultado tem sido defendido por um certo sector da doutrina, que entende que, embora o dano consista numa lesão do valor de uso, concreto e subjectivo, quando se discute a indemnização por equivalente, transitar-se-ia, necessariamente, para o plano objectivo ou intersubjectivo do valor de troca. A restauração por equivalente assumiria os contornos de transacção forçada, devendo o lesado receber, apenas, o valor comercial do seu bem, sob pena de, a não ser assim, ficar enriquecido pela reparação. Este entendimento não protege efectivamente os bens do lesado, mas tão-só o preço que com a sua venda ele poderia obter, tutelando o lesado apenas na sua função social de potencial alienante. 
Afigura-se-nos muito mais completa a protecção que ao lesado é concedida, se se atender, em regra não apenas ao valor venal do veículo, mas ao custo da sua substituição. Num mercado perfeito, os dois coincidiriam. Contudo, há uma extensa série de  razões pelas quais o valor venal de um veículo usado não corresponde ao valor do veículo de substituição. Em primeiro lugar, porque o valor venal tem em conta, frequentemente, tabelas que se orientam por padrões médios de depreciação e que não têm, obviamente, em conta, a situação específica daquele veículo. Depois, porque sendo o mercado imperfeito, haverá sempre custos adicionais com a procura de um  veículo substitutivo e não será possível obter, em regra, um veículo exactamente idêntico. A própria  urgência em obter um veículo de substituição poderá forçar o lesado a pagar um preço superior pelo veículo substitutivo. Por tudo isto, concorda-se com o tribunal, quando este afirma que «todas estas (alegadas e comprovadas) características e utilizações do veículo têm que ser devidamente valoradas e cumuladas com o valor venal do veículo, por forma a que se fixe uma indemnização a favor do autor que lhe permita no vasto mercado de automóveis usados, adquirir um de marca, tipo, idade e estado de conservação idêntico ao sinistrado». 

Assim, e seguindo o acórdão do STJ, de 2007.12.04, Pires da Rosa, www.dgsi.pt.jstj, proc. 06B4219, a excessiva onerosidade tem de ser aferida pela diferença entre dois polos: um, é o custo da reparação; o outro não é o valor venal, mas o valor patrimonial, o valor que o veículo representa no património do lesado (i.e., as utilidades que o lesado poderia retirar do bem). «Uma coisa é ter o valor; outra é ter a coisa», afirma-se sugestivamente no mesmo acórdão.

Só com a aquisição de um bem que proporcione as mesmas utilidades que o veículo sinistrado propiciava é que  se reconstituiria a situação que existiria, caso não tivesse ocorrido a lesão (artigo 562.º, n.º 1, CC).

Assim, a reparação da viatura (reconstituição natural) será excessivamente onerosa por confronto com a indemnização por equivalente,  se for superior ao  montante necessário  para  adquirir no mercado veículo com características idênticas ao sinistrado e que satisfizesse as mesmas utilidades ao lesado.

Sobre a problemática da onerosidade da reparação veja-se, a título meramente exemplificativo, os acórdãos do STJ, de 2007.01.11, e 2009.03.13, Custódio Montes, www.dgsi.pt, proc. proc. 06B4430 e  09B0520, respectivamente; da Relação do Porto, de 2011.07.04, Adelaide Domingos; de  2010.09.07, Ramos Lopes;  de  2010.07.14, Sílvia Pires;  de  2010.06.14, Henrique Antunes; de  2010.06.14, Ramos Lopes;  de 2010.06.01, Ramos Lopes; de  2009.10.06, Rodrigues Pires,   proc. 1937/06; <a href="https://acordao.pt/decisoes/143833" target="_blank">905/08.0TBPFR.P1</a>, <a href="https://acordao.pt/decisoes/143876" target="_blank">2775/06.4TBGDM.P1</a>, 2247/08TBMTS.P1, <a href="https://acordao.pt/decisoes/144071" target="_blank">1944/08.7TBAMT.P1</a>, <a href="https://acordao.pt/decisoes/145105" target="_blank">2707/06.0TBOAZ.P1</a>, respectivamente.

Ao autor cabe a prova do valor da reparação (artigo 342.º, n.º 1, CC); à ré cabe a prova da excessiva onerosidade da reparação, já que a reparação por equivalente é uma excepção à regra da reconstituição natural (artigo 342.º, n.º 2, CC).

A apelante alegou, mas não logrou provar, que o lesado poderia adquirir no mercado veículo de características ao sinistrado pelo valor de € 2.750,00.

Por outro lado, é irrelevante que o apelado tenha adquirido um  veículo automóvel para satisfazer as suas necessidades de locomoção, pois daí, e contrariamente ao que pretende apelante, não se pode inferir pelo seu desinteresse na reparação do veículo. 

Com efeito, necessitando o apelado de um veículo automóvel, se não tivesse adquirido um veículo de substituição, agravaria a indemnização por privação de uso,  facto que apelante certamente não deixaria de invocar.

Não tendo a apelante logrado demonstrar a excessiva onerosidade da reparação, improcede a apelação da seguradora.

4. Decisão

Termos em que, julgando a apelação do apelante A. procedente e improcedente a apelação da apelante R., revoga-se a sentença recorrida, condenando-se a  C….., S.A., a  pagar a B….. a quantia de € 8.703,18, acrescida de juros desde a citação.

Custas pela apelante seguradora.

Porto, 29 de Maio de 2012
Márcia Portela
Manuel Pinto dos Santos
Ondina  Carmo Alves
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Sumário

1. A circunstância de as testemunhas poderem eventualmente, ao longo do seu depoimento, aludir a  matéria não oportunamente alegada, não confere à parte o direito de dela se prevalecer, sem mais, muito menos em sede de recurso.
2. Os factos novos, de natureza constitutiva, modificativa ou extintiva  dos direitos invocados, desde que até então desconhecidos da parte que deles se pretende prevalecer, devem ser introduzidos nos autos através de articulado superveniente (506.º CPC).
3. O tribunal não está impedido de recorrer às regras de experiência comum e às presunções naturais para a prova da culpa. Aliás, os acidentes de viação são  um campo privilegiado para a aplicação de presunções naturais.
4. Constitui entendimento jurisprudencial consolidado que  da prova da inobservância das leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta inobservância da falta de diligência.
5. A reparação da viatura (reconstituição natural) será excessivamente onerosa por confronto com a indemnização por equivalente,  se for superior ao  montante necessário  para  adquirir no mercado veículo com características idênticas ao sinistrado e que satisfizesse as mesmas utilidades ao lesado.
6. Só assim não, devendo se afastar tal presunção se a norma violada não se destinar a  defender o interesse concreto ofendido, faltando caus adequada entre  os danos e a violação da norma.
7. Não sendo avançada nenhuma razão plausível para o despiste de um veículo que circulava numa autoestrada, é legítimo presumir que tal se deveu a imperícia do condutor. 
8. A excessiva onerosidade tem de ser aferida pela diferença entre dois polos: um, é o custo da reparação; o outro não é o valor venal, mas o valor patrimonial, o valor que o veículo representa no património do lesado.
9. Ao autor cabe a prova do valor da reparação (artigo 342.º, n.º 1, CC); à ré cabe a prova da excessiva onerosidade da reparação, já que a reparação por equivalente é uma excepção à regra da reconstituição natural (artigo 342.º, n.º 2, CC).

Apelação 6029/10.3TBMTS.P1 Acordam no Tribunal da Relação do Porto 1. Relatório B….. intentou acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra C….., S.A., e D…., S.A, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 14.203,18, acrescida de juros legais que se vencerem a partir da citação até integral pagamento, condenação essa que deverá ainda ter lugar ainda que não se apure a culpa do condutor do veículo “QJ”, por aplicação do risco ou responsabilidade objectiva. Alegou para o efeito, e em síntese, que no dia 2009.12.04, pelas 8h05m, na A28 Km 11.570, concelho de Matosinhos, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-..-MR, conduzido pelo A., e sua propriedade, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QJ, propriedade e conduzido por E…... Tal acidente decorreu do despiste do QJ, ocasionado por uma condução desatenta do seu condutor, e posterior embate entre os dois veículos supra mencionados. Mais alega o A. que o acidente não resultou de causa ou força maior estranha ao funcionamento dos veículos. Invoca que do sinistro decorreram danos materiais no seu veículo, implicando para a sua reparação um montante de 5.403,18 €, vendo-se ainda privado de utilizar o seu veículo por um período de 110 dias, sofrendo incómodos e vendo-se obrigado a recorrer, nas suas deslocações diárias de casa para o trabalho e no contacto com clientes, a empréstimo de um veículo equivalente ao veículo sinistrado, no que despendeu o valor de 8.800,00 €. Mais alegou que a R. C…., S.A., assumiu por contrato de seguro em vigor à data do acidente, e posteriormente, a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo citado “QJ”, sendo a 2.ª co-R., D….., S.A., aqui demandada em virtude da Condição Especial IDS (indemnização Directa ao Segurado), à qual as seguradoras dos intervenientes aderiram. Contestaram as RR.. A R. D….., S.A., excepcionou a sua ilegitimidade por não ser a seguradora do veículo a cujo condutor o A. imputa a responsabilidade pelos danos reclamados nestes autos, sendo certo que a convenção IDS apenas a obrigava à regularização amigável do sinistro, em sede extrajudicial. Frustrando-se tal tentativa de resolução amigável, deixou de ser responsável pelo pagamento de qualquer quantia, daí decorrendo a sua ilegitimidade. Impugnou ainda a 2ª R. parte da factualidade invocada na petição inicial, alegando que nos termos do disposto no artigo 41.º, do Decreto-Lei .L. n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o A. só terá direito a indemnização equivalente ao valor venal do veículo, deduzido do valor do salvado, e não ao valor da reparação, posição que comunicou atempadamente ao A.. Mais invocou que só poderá ser considerada responsável pelos dias de paralisação que mediaram o acidente e a comunicação ao A. com a posição final sobre os danos. A 1ª R., Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., impugnou parte da factualidade invocada na petição inicial, alegando também que atento o valor venal do veículo do A., e o valor estimado para a sua reparação, confrontamo-nos com uma situação de perda total, pelo que terá o A. apenas direito a uma indemnização de € 2.750,00, ou, caso fique na posse dos salvados, de € 2.525.00. Mais alegou que tendo sido comunicados tais valores a 29 de Dezembro de 2009, o A. não tem direito aos valores que reclama a título de privação do veículo. Respondeu a A., pugnando pela improcedência da excepção. Foi proferido despacho saneador, julgando improcedente a excepção de ilegitimidade arguida, face ao alegado pelo A. e ao disposto no artigo 26.º CPC, e julgando a acção improcedente quanto à co-R. D….., S.A., absolvendo- a do pedido. Não se procedeu à selecção da matéria de facto dada a simplicidade da matéria controvertida, nos termos do disposto no artigo 787.º, n.º 2, CPC. Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a R. C….., S.A., no pagamento ao A. da indemnização de € 4.351,59, acrescida dos correspondentes juros de mora à taxa legal aplicável, desde a data da sua citação nos presentes autos até integral e efectivo pagamento. Inconformados recorreram o A. e a R.. O A. apresentou as seguintes conclusões: «1. No presente recurso, o recorrente pretende demonstrar e concluir que, a Douta Sentença recorrida, enferma de erro de interpretação dos factos, e de direito, os quais impõe, sempre a sua total procedência da acção e, não a sua procedência parcial, como foi decidido. 2. Com o devido respeito, não se nos afigura correcta a decisão ora posta em crise, quer no que respeita à apreciação da matéria de facto, quer no que concerne à aplicação de Direito. 3. Foram dados como provados os seguintes factos, especialmente relevantes para a decisão a adoptar: a) No dia 04 de Dezembro de 2009, pelas 8h05m, na A 28 Km 11.570, concelho de Matosinhos, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-..-MR, conduzido pelo autor, sua propriedade, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QJ, propriedade e conduzido por E…... b) No indicado dia, hora e local, o autor conduzia o “MR”, no sentido Viana- Porto, pela hemifaixa direita, sendo esta, constituída por três vias. c) O A. circulava pela via da esquerda, a velocidade não superior a 90 Km/hora e com atenção ao trânsito que então se processava no local. d) À mesma hora, pela mesma estrada e na via do meio, à frente do “MR”, seguia o veículo “QJ”, no mesmo sentido de marcha do autor. e) De forma totalmente inesperada, o “QJ”, entrou em despiste, fazendo pião, de forma que o referido veículo, ficou em sentido oposto, do da sua marcha. f) Consequentemente, o mencionado “QJ” subitamente embateu com a parte frontal do seu veículo, no veículo do autor. g) O autor nada pôde fazer para evitar o acidente, em virtude do brusco e inesperado aparecimento do “QJ”. h) Como consequência directa e necessária do acidente, resultaram para o veículo automóvel do autor, múltiplos danos a exigir serviços de reparação de chapeiro, de pintor, de electricista e estofador, bem como, a substituição de múltiplas peças, que em consequência do embate ficaram destruídas e irreparáveis, designadamente, um guarda-lamas frente, uma óptica direita, um pisca direito, um para-choques frente, um espelho retrovisor direito, uma grelha, radiador, capôt, tudo no valor de 5.403,18 €, já acrescido do respectivo IVA. i) Em consequência do acidente, o autor ficou privado da utilização do seu veículo, por um período de 110 dias, necessários à aquisição de uma viatura equivalente, e por privado do seu uso, sofreu incómodos e viu-se obrigado a recorrer, nas suas deslocações diárias de casa para o trabalho e no contacto com clientes, a empréstimo de um veículo equivalente ao veículo sinistrado. j) A R. C….., S.A., assumiu por contrato de seguro titulado pela apólice nº 0900353279 em vigor à data do acidente, a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo citado “QJ”. 4. O Douto Tribunal a quo, mediante esta factualidade, decidiu aplicar o regime do artigo 502º, do Código Civil, da responsabilidade civil objectiva, ou pelo risco, como subsidiariamente peticionou o recorrente, situação que se enquadrava neste regime, e não contemplando no artigo 493º, do Código Civil, da responsabilidade civil por factos ilícitos. 5. Sendo certo que, ocorreu um despiste do veículo “QJ”, fazendo peão, de forma a que o referido veículo ficou em sentido oposto, do da sua marcha. 6. Consequentemente, o mencionado “QJ”, subitamente embateu com a parte frontal do seu veículo, no veículo do recorrente, nada podendo este, fazer para evitar o acidente, em virtude do brusco e inesperado aparecimento do “QJ”. 7. Efectivamente, o condutor do “QJ” violou objectivamente a norma do Código de Estrada, vigorando a presunção «tantum juris», de negligência contra o autor material da contravenção, dispensando-se, pois, a prova, em concreto, da falta de diligência. 8. Efectuando uma síntese compreensiva do essencial da factualidade que ficou consagrada, importa reter, neste particular, que o veículo automóvel “QJ” entrando em despiste e, consequentemente em peão, a conduta do condutor revela que actuou de forma grosseira, negligente, imperita, inconsiderada e inábil. 9. Consequentemente, impõe – se concluir que o acidente ficou a dever-se à culpa exclusiva do citado condutor do “QJ”. 10. Não concordamos assim, com a contradição explanada na sentença, se por um lado o Douto Tribunal considera que ocorreu um despiste e que o mesmo violou, objectivamente a norma do Código de Estrada, por outro lado, considera que não é possível imputar tal facto, ao referido condutor do “QJ” a título de dolo ou negligência. 11. E, de outra maneira não poderia ser, aquele que viola objectivamente a norma do Código de Estrada, fá-lo sempre, quanto mais não seja, a título de negligência. 12. Ao contrário da conduta automobilística, imperita e inábil do “QJ”, o recorrente circulava pela via da esquerda, a velocidade não superior a 90 Km/hora e com atenção ao trânsito, que então se processava no local, conforme resultou provado, da matéria de facto. 13. Assim, uma pessoa diligente, com a prudência e cuidado de um bom pai de família, toma as devidas precauções, para evitar o acidente e a referida colisão de veículos. 14. Pelo que, existe manifesta culpa do condutor do “QJ”. 15. A ser assim, encontram-se preenchidos todos os requisitos para a emergência da obrigação da Ré, C….., S.A., em virtude desta assumir por contrato de seguro, titulado pela apólice nº 0900353279, indemnizar o recorrente, no pagamento de 8.703,18 €, acrescido dos correspondentes juros de mora, à taxa legal aplicável, desde a data da sua citação, nos presentes autos, até integral e efectivo pagamento, por força da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, previsto pelo artº 483º do Código Civil. Caso assim não se entenda, por mera cautela se dirá o seguinte: 16. Discorda, o ora recorrente dos fundamentos utilizados na Douta Sentença recorrida, para justificarem as decididas equivalências do grau de contributo dos condutores para o acidente e a similitude da gravidade das infracções. 17. Considerando as circunstâncias concretas do acidente em apreço, nomeadamente, de forma totalmente inesperada, o despiste do “QJ”, fazendo peão, de forma, a que o referido veículo, ficou em sentido oposto, do da sua marcha, nada podendo fazer, o recorrente para evitar o acidente, em virtude do brusco inesperado aparecimento do “QJ”, e, consequentemente resultaram para o veículo automóvel do recorrente múltiplos danos a exigir serviços de reparação de chapeiro, de pintor, de electricista e estofador, bem como, a substituição de múltiplas peças, que em consequência do embate ficaram destruídas e irreparáveis, designadamente, um guarda-lamas frente, uma óptica direita, um pisca direito, um para-choques frente, um espelho retrovisor direito, uma grelha, radiador, capôt, tudo no valor de 5.403,18 €, já acrescido do respectivo IVA. 18. Em consequência do acidente o recorrente ficou privado da utilização do seu veículo por um período de 110 dias, necessários à aquisição de uma viatura equivalente, e por privado do seu uso, sofreu incómodos e viu-se obrigado a recorrer, nas suas deslocações diárias de casa para o trabalho e no contacto com clientes, a empréstimo de um veículo equivalente ao veículo sinistrado. 19. Afigura-se ao ora recorrente, ser irrazoável a arbitrada repartição de culpas, por quanto, a causa do acidente foi tão somente a imprudente e insensata manobra levada a cabo pelo condutor do “QJ”. 20. Ao contrário da conduta automobilística, imperita e inábil do “QJ”, o recorrente circulava pela via da esquerda, a velocidade não superior a 90 Km/hora e com atenção ao trânsito, que então se processava no local, conforme resultou provado, da matéria de facto. 21. Há, pois, que se alterar a Douta Sentença recorrida, substituindo-a por outra que julgue em conformidade, com o atrás descrito e condene exclusivamente a ré C….., S.A.. 22. Sendo certo que, nos presentes autos, depara-se com uma situação de colisão entre dois veículos automóveis, com as matrículas ..-..-QJ e ..-..-MR, respectivamente. 23. Colisão entre dois veículos que geram benefícios aos seus possuidores ou utilizadores, gerando, no entanto, riscos, advenientes da sua utilização. 24. Para casos, como o presente, previu o legislador um regime especial: o previsto no artigo 506º do Código Civil. 25. Assim sendo, não se provando a culpa de nenhum dos condutores, na colisão dos dois veículos automóveis, cai-se no domínio da responsabilidade objectiva e, como só houve danos, quanto ao recorrente, porque só este, os reclamou, o réu condutor é responsável pela indemnização a pagar ao lesado. 26. Na verdade, os danos foram causados, somente por um dos veículos, designadamente, do réu condutor, não se apurando a culpa de qualquer um deles, só a pessoa por eles responsáveis é obrigada a indemnizar, conforme prevê o artigo 506º, nº 3, do Código Civil. 27. Apenas, o veículo automóvel “QJ” contribuiu para a produção dos danos, então responde o condutor do veículo causador dos danos. 28. Portanto, segundo a referida disposição legal, o réu condutor é obrigado a indemnizar o recorrente, por todos os danos causados. 29. Por sua vez, o veículo “QJ”, havia transferido a responsabilidade civil emergente do acidente de viação para a recorrida, C….., S.A. 30. Pelo que, recai sobre a ré C….., S.A., a obrigação de indemnizar o recorrente, pelos danos causados, que se impõe a indemnização total de 8.703,18 €. Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, e, em consequência, revogar-se a Douta Sentença proferida nos autos, e substituí-la por outro Acórdão, que condene a C…., S.A., no pagamento de indemnização total de 8.703,18 €, acrescido dos correspondentes juros de mora, à taxa legal aplicável, desde a data da sua citação, nos presentes autos, até integral e efectivo pagamento, com base na responsabilidade civil por factos ilícitos, caso assim, não se entenda, condenar a C….., S.A., no pagamento de indemnização total de 8.703,18 €, acrescido dos correspondentes juros de mora, à taxa legal aplicável, desde a data da sua citação, nos presentes autos, até integral e efectivo pagamento, pela responsabilidade pelo risco, que subsidiariamente invoca. Assim farão Vossas Excelências, como sempre JUSTIÇA». A R. concluiu nos termos seguintes: «1. Da prova produzida em audiência de julgamento, resultou que o Autor, munido com o montante de € 2.750,00, valor correspondente ao valor venal, podia, à data do acidente, adquirir um veículo da mesma marca e modelo do MR e com características semelhantes, do qual poderia retirar as mesmas utilidades e fazer uso igual ao que fazia com o MR. 2. Resultou igualmente que o Autor, ao invés de reparar o MR, adquiriu um veículo, para fazer face às necessidades que, antes do acidente, satisfazia com o MR. 3. Devem tais factos, pois, ser aditados à matéria de facto dada como provada, o que desde já se requer a este Venerando Tribunal, por aplicação do disposto nos art.ºs 663º e 712º, ambos do CPCivil. 4. Ao ter adquirido um veículo novo, para substituir o MR, o Autor inviabilizou a reconstituição natural (tornando-a impossível), uma vez que, no que ao veículo danificado diz respeito, se colocou na situação em que estava antes da ocorrência do acidente dos autos. 5. Dessa maneira, o arbitramento de uma indemnização ao Autor com base no valor da reparação do MR é desadequada e inapropriada, uma vez que, para além de a reconstituição natural já não ser possível, o Autor manifestou o seu desinteresse na mesma, ao ter adquirido um veículo para substituir o MR. 6. No caso sub judice, a reconstituição natural é excessivamente onerosa para o devedor, ora Recorrente. 7. O valor da reparação do MR é quase o dobro do valor pelo qual o Autor, comprovadamente, conseguiria adquirir um veículo da mesma marca, modelo e características do MR, e do qual poderia retirar a mesma utilidade. 8. A sentença recorrida, ao condenar a Ré a pagar ao Autor uma indemnização com base no valor da reparação do MR cria uma vantagem patrimonial ilegítima e despropositada, para o Autor. 9. O valor do prejuízo do Autor, no que diz respeito aos danos sofridos pelo MR é de € 2.750,00, pelo que será esse o valor a ter em conta na fixação de uma indemnização a pagar pela Ré. 10. Na douta sentença recorrida fez-se menos correcta interpretação dos factos e errada aplicação da Lei, designadamente, do disposto no art.º 566º do CPCivil. TERMOS EM QUE, no provimento do presente recurso, deve a douta sentença recorrida ser revogada nos termos supra descritos, assim se fazendo JUSTIÇA» E contra-alegou, assim concluindo: «1. Dos factos dados como provados, resulta a reparação da viatura automóvel do autor, referente aos danos ou seja, de € 5.403,18 - cfr. factos provados 8) e 13). 2. A indemnização por perda total do veículo, nos termos e com os limites assinalados no citado artigo 41º, do Decreto-Lei 291/2007, aplica-se, tão só, nos casos de resolução extra-judicial do litígio perante a seguradora. 3. Conforme se decidiu no Ac. da Relação do Porto, Proc. 425/09.6TBPFR.P1, publicado em www.dgsi.pt, a que aderimos, o Decreto-Lei 291/2007, de 21 de Agosto, “tal como o que o antecedeu (DL 83/2006), teve como objectivo reduzir a conflitualidade existente entre as seguradoras e os seus segurados e terceiros e reforçar a protecção dos interesses económicos dos consumidores, através da introdução de procedimentos a adoptar pelas empresas de seguros e da fixação de prazos com vista à regularização rápida de litígios e do estabelecimento de princípios base na gestão de sinistros. 4. Porém, se não houver acordo, e se houver necessidade de recorrer às vias judiciais, a determinação da espécie e o quantum da indemnização passam a ser regulados pelos regras e princípios gerais da responsabilidade civil e da obrigação de indemnização, entre os quais avultam, de um lado, o princípio da reparação in natura e, de outro, o princípio da reparação integral do dano, ficando afastada a aplicação dos critérios previstos no Capítulo III do Decreto-Lei 291/2007, designadamente o art. 41º”. 5. Ou seja, ultrapassada a fase de resolução extra-judicial do litígio, e recorrendo o autor aos Tribunais para ressarcimento dos seus danos, passa a interessar-nos o regime previsto no CC nos artigos 562º e ss, e não o constante do referido Decreto-Lei para fixação da proposta razoável de indemnização. 6. No âmbito de regime previsto no CC a restauração natural – que se traduz aqui na reparação do veículo – traduz-se na forma preferencial de reparar o dano. É o que resulta, claramente, do disposto no artigo 562º do CC. A reconstituição natural será apenas afastada quando “não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor” – cfr. art. 566º do CC. 7. Pese embora a diferença entre o valor estimado para a reparação e o valor venal do veículo sinistrado do Autor, a verdade é que, tal como se decidiu no Ac. Da Relação do Porto, Proc. 2247708.2TBMTS.P1, em www.dgsi.pt, num caso semelhante ao presente, “não é exacto, à luz da teoria da diferença, equacionar o problema da excessiva onerosidade da reconstituição natural usando como termo o valor venal ou de mercado do veículo; o parâmetro adequado é, antes, o do seu valor patrimonial, no contexto do património do lesado, o do seu valor de uso e das utilidades que aquele extraía desse bem”. 8. E aqui, tal como em tal caso, antes da verificação do facto danoso o Autor dispunha de um veículo que, embora usado, satisfazia as suas necessidades. Depois da verificação daquele facto, o veículo ficou inapto para satisfazer tais necessidades. E só a reparação do veículo – tecnicamente possível – restituirá à situação em que se encontraria na ausência do facto causador do dano. 9. Conclui-se, tal como aquele Acórdão, que “entendimento diverso conduziria a solução Juridicamente inaceitável: a atribuição de uma indemnização irrisória ao lesado, que não o restitui à situação anterior à lesão, com injusto benefício para o responsável”. 10. Concluindo-se como na sentença, ora recorrida que a indemnização a fixar pelos danos materiais imediatamente resultantes da colisão dos veículos, descritos no facto provado 8), equivale, não à quantia fixada nos termos do citado art. 41º do Decreto-Lei 291/2007, mas sim à quantia necessária para a reparação de tais danos, ou seja, de € 5.403,18 - cfr. factos provados 8) e 13). 11. Não merecendo a sentença recorrida, nessa parte, para a reparação dos danos, qualquer reparo. TERMOS EM QUE, deverá o recurso interposto pela ré, ser julgado improcedente, relativamente ao valor do prejuízo respeitantes aos danos sofridos pelo MR, correspondente a o valor de 2.750,00 €, valor esse, a ter em conta na fixação de uma indemnização a pagar pela recorrente, fará V. Exa., como sempre JUSTIÇA» 2. Fundamentos de facto A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos, que não foram objecto de impugnação: 2.1. No dia 04 de Dezembro de 2009, pelas 8h05m, na A 28 Km 11.570, concelho de Matosinhos, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-..-MR, conduzido pelo autor, sua propriedade, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-QJ, propriedade e conduzido por E….. 2.2. No indicado dia, hora e local, o A. conduzia o “MR”, no sentido Viana-Porto, pela hemi faixa direita, sendo esta, constituída por três vias. 2.3. O A. circulava pela via da esquerda, a velocidade não superior a 90 Km/hora e com atenção ao trânsito que então se processava no local. 2.4. À mesma hora, pela mesma estrada e na via do meio, à frente do “MR”, seguia o veículo “QJ”, no mesmo sentido de marcha do autor. 2.5. De forma totalmente inesperada, o “QJ”, entrou em despiste, fazendo pião, de forma que o referido veículo ficou em sentido oposto do da sua marcha. 2.6. Consequentemente, o mencionado “QJ” subitamente embateu com a parte frontal do seu veículo, no veículo do A.. 2.7. O A. nada pôde fazer para evitar o acidente, em virtude do brusco e inesperado aparecimento do “QJ”. 2.8. Como consequência directa e necessária do acidente, resultaram para o veículo automóvel do A. múltiplos danos a exigir serviços de reparação de chapeiro, de pintor, de electricista e de estofador, bem como, a substituição de múltiplas peças, que em consequência do embate ficaram destruídas e irreparáveis, designadamente, um guarda-lamas frente, uma óptica direita, um pisca direito, um para-choques frente, um espelho retrovisor direito, uma grelha, radiador, capôt, tudo no valor de 5.403,18 €, já acrescido do respectivo IVA. 2.9. Em consequência do acidente o A. ficou privado da utilização do seu veículo por um período de 110 dias, necessários à aquisição de uma viatura equivalente, e por privado do seu uso, sofreu incómodos e viu-se obrigado a recorrer, nas suas deslocações diárias de casa para o trabalho e no contacto com clientes, a empréstimo de um veículo equivalente ao veículo sinistrado. 2.10. A R. C…., S.A., assumiu por contrato de seguro titulado pela apólice nº 0900353279 em vigor à data do acidente, a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo citado “QJ”. 2.11. Acidente de viação a que se reportam os presentes autos começou a ser inicialmente regularizado, por vontade do próprio autor, ao abrigo da Convenção IDS. 2.12. A peritagem e análise aos danos e prejuízos sofridos pelo A. em consequência directa e necessária do acidente foram realizados pela D…., S.A., para a qual o autor, à data do acidente, havia transferido a responsabilidade civil emergente da circulação ao MR. 2.13. A estimativa de reparação do MR aos danos sofridos em consequência do acidente ascendia ao valor referido em 2.8. 2.14. À data do acidente o valor venal do mesmo veículo era de € 2.750,00. 2.15. Aos salvados do MR foi atribuído o valor de € 225,00. 2.16. Os valores referidos em 2.13 a 2.15 foram comunicados ao A. pela D….. em 29 de Dezembro de 2009. 3. Do mérito do recurso O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684.º, n.º 3, e 685.º A, n.º 1 CPC), salvo questões do conhecimento oficioso não transitadas (artigo 660.º, n.º 2, in fine, e 684.º, n.º 4, CPC ), consubstancia-se nas seguintes questões: — impugnação da matéria de facto; — responsabilidade pelo acidente: culpa do condutor seguro na apelada ou responsabilidade pelo risco; — excessiva onerosidade da reparação por confronto com o valor venal do veículo. 3.1. Da impugnação da matéria de facto A apelante questiona a matéria de facto por não ter sido considerado provada a matéria alegada no artigo 10.º da contestação, e que o apelado adquiriu uma carrinha nova para substituir o MR. É o seguinte o teor do artigo 10.º da contestação: Com a quantia de € 2750,00, o A. podia, à data do acidente, adquirir um veículo de iguais características ao MR, no mesmo estado de conservação e que em tudo satisfizesse, tal como o MR, as suas necessidades de locomoção? Segundo a apelante, a testemunha F…., perito averiguador da empresa G…. S.A., declarou que o valor da reparação do MR ascendia a € 5.403,00, tendo junto o respectivo «Relatório de Peritagem Final – Perda Total», a fls. 160. E exibiu igualmente um documento de avaliação da empresa H…., da qual constava a cotação do MR: preço de compra - € 1.900,00, preço de venda - € 2.750,00 e preço de venda corrigido - € 2.633,00, documento que se encontra junto aos autos, a fls. 159 e 160. A testemunha I…. depôs no sentido de que a H….. é a única entidade que fornece cotações “oficiais” de veículos usados, sendo que é utilizada para esse efeito pela generalidade das companhias de seguros. E que, no que diz respeito aos diversos anúncios de veículos usados que existem em revistas ou na internet, os valores peticionados pelos respectivos proprietários não espelham as cotações dos mesmos, mas tão só os valores que os proprietários pretendem receber pelos seus veículos, pelo que os valores constantes dos mesmos são muito discrepantes. Face às declarações desta testemunha o apelado juntou aos autos, a fls. 177, cópia de dois anúncios de veículos da marca Ford Transit, um no valor de € 4.900,00 e outro de € 5.000,00, constando do primeiro o ano da matrícula (1999) que é omitido no segundo (refere apenas a quilometragem). Em resposta a apelada juntou, a fls. 179-81, três anúncios de veículos da mesma marca, nos valores de € 3.000,00, 2.500,00 e 2.000,00, sendo o primeiro de 1998, o segundo de ano não identificado e o terceiro de 1999. Entende a apelante, com base estes elementos que foi produzida prova com Força suficiente que levasse a concluir que o A., munido da quantia de € 2.750,00, poderia, à data do acidente, adquirir um veículo da mesma marca e modelo do MR e com características semelhantes, do qual pudesse retirar o mesmo proveito, quer para a sua vida profissional, quer para a sua vida pessoal. São duas as questões que se suscitam a este propósito. Em primeiro lugar, a formulação do artigo 10.º reveste natureza marcadamente conclusiva, pois os autos são completamente omissos acerca das concretas características do veículo do apelado, o que não é despiciendo. A quilometragem e o estado geral do veículo (quer a nível da componente mecânica, quer de chaparia e pintura) são particularmente relevantes, pois, como é óbvio, os automóveis em melhor estado obterão preços mais elevados. Automóveis usados do mesmo ano e com as mesmas características atingem no mercado preços muito distintos. Ora, para poder se concluir que a quantia de € 2.750,00 era suficiente para a aquisição de automóvel com idênticas características às do sinistrado era necessário saber quais as concretas características deste e dos veículos anunciados. Desnecessário será dizer-se que não se compram veículos automóveis sem os ver e experimentar, não bastando a junção de anúncios ou de cotações ditas oficiais para que se possa concluir pela adequação do veículo a uma determinada situação, em especial por comparação com outro. Em segundo lugar, as cotações ditas oficiais são valores médios, o que não significa que todos os automóveis da mesma marca e do mesmo ano com características tenham o mesmo preço. Obviamente que um automóvel muito bem conservado do ponto de vista da mecânica e da pintura, com relativamente pouca quilometragem não vale o mesmo que um veículo com as mesmas características (marca e ano de fabrico) com problemas de mecânica, pintura danificada, quilometragem elevada. E se é verdade que os preços dos anúncios são os preços que os proprietários pretendem pelos seus veículos, não é menos verdade que não se pode obrigá-los a vender pela cotação média. A prova produzida não permite, contrariamente ao pretendido pela apelante, que se considere provada a matéria do artigo 10.º da contestação. O segundo facto que a apelante pretende que se considere provado é que o apelado adquiriu um veículo novo para substituir o sinistrado, porque tal facto terá resultado do depoimento das testemunhas J….., K…. e L…. que o Autor, a certa altura, terá adquirido uma carrinha nova, para substituir o MR. Sustenta que, apesar de não ter sido alegado por nenhuma das partes nas suas peças processuais, chegou ao conhecimento do Tribunal, pelo depoimento das supra identificadas testemunhas, tratando-se de um facto que, pelo menos, modifica o direito que o A. pretende fazer valer, pelo que deveria ter sido tido em consideração e levado à lista de factos considerados como provados, nos termos do disposto no artigo 663.º do CPC. Apreciando: O juiz apenas pode servir-se de factos que tenham sido alegados pelas partes (artigo 664º CPC), a quem cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiem as excepções (artigo 264º, nº 1, CPC). Apenas em situações excepcionais pode o juiz considerar oficiosamente factos não alegados: quando se trate de factos instrumentais que resultem da decisão da causa (artigo 264º, nº 2, CPC), ou, tratando-se de factos essenciais à procedência das pretensões ou das excepções deduzidas, que sejam complemento ou concretização de factos oportunamente alegados e resultem da instrução da causa, desde que a parte interessada manifeste a vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório (artigo 264º, nº 3, CPC). Trata-se de corolários do princípio do dispositivo, um dos princípios estruturantes do processo civil, na vertente do princípio da controvérsia. Segundo Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, pgs. 122-3, o princípio do dispositivo se desdobra em dois: o princípio do dispositivo hoc sensu, e o princípio da controvérsia. O princípio do dispositivo hoc sensu, recondutível à ideia da disponibilidade da tutela jurisdicional, comporta a disponibilidade da instância (disponibilidade do início, termo e suspensão do processo) e a disponibilidade da conformação da instância (disponibilidade do objecto e das partes). Já o princípio da controvérsia reconduz-se, nas palavras do mesmo autor, à responsabilidade pelo material fáctico da causa, evocando os princípios da preclusão e da auto-responsabilidade das partes. Nessa conformidade, a circunstância de as testemunhas poderem eventualmente, ao longo do seu depoimento, aludir a matéria não oportunamente alegada, não confere à parte o direito de dela se prevalecer, sem mais, muito menos em sede de recurso. O mecanismo estabelecido no artigo em análise pressupõe que o facto a considerar, sendo essencial à procedência da pretensão formulada ou de excepções deduzidas, seja concretização ou complementação de outros factos que as partes hajam oportunamente alegado (cfr. Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. I, pg. 466 e ss.). Na síntese de Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo Civil, Almedina, pg. 202, « …tendo a parte alegado satisfatoriamente o núcleo fáctico essencial, integrador a causa de pedir ou da excepção deduzida (sem o qual a petição seria, aliás, claramente inepta no primeiro caso, por falta de causa de pedir) omite a concretização ou densificação da acção, da reconvenção ou da excepção». E continua na parte seguinte: «A eliminação das regras de rígida preclusão quanto a tais factos “complementares” ou “concretizadores” não poderá nunca implicar convolação para uma causa de pedir diversa da invocada (violando-se o princípio da imutabilidade da causa de pedir, afirmado no artigo 273.º) ou quebra da regra de que toda a defesa é deduzida na contestação, tendo o réu o ónus de aí impugnar os factos articulados na petição (artigos 489.° e 490.º) – cfr., aliás, o disposto no n.º 5 do art. 508.º. Precisamente por que se têm de revelar como meramente “complementares” ou “concretizadores” da matéria alegada é que os factos omitidos no articulado da parte não podem implicar a convolação para uma causa de pedir diferente da invocada, o suprimento de uma petição inepta por falta de causa de pedir, ou traduzir-se na extemporânea invocação de uma excepção peremptória – não minimamente concretizada na contestação, fora dos casos em que tal é possível, nos termos do art. 489.º.» Os factos novos, de natureza constitutiva, modificativa ou extintiva dos direitos invocados, desde que até então desconhecidos da parte que deles se pretende prevalecer, devem ser introduzidos nos autos através de articulado superveniente (506.º CPC). A simples circunstância de um facto relevante ter sido referido por uma testemunha não permite que o mesmo passe a figurar, sem mais, no elenco dos factos provados. Improcede, pois, a pretensão da apelante relativamente à matéria de facto. 3.2. Responsabilidade pelo acidente: culpa do condutor seguro na apelada ou responsabilidade pelo risco Dos pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual — facto ilícito, dano, nexo de causalidade entre o facto e o dano e a culpa — apenas se discute a culpa. Lê-se na sentença recorrida: «Sucede porém que nada na factualidade provada nos permite concluir pelo preenchimento do último dos requisitos elencados para a emergência da obrigação de indemnizar fundada em responsabilidade civil extra-contratual por facto ilícito: a imputação do facto ao lesante ou, por outras palavras, a sua culpa na prática do facto. A culpa consubstancia um juízo de censura ou reprovação ao agente por parte da ordem jurídica. Só pode dizer-se que alguém agiu com culpa quando é imputável (capacidade intelectual e volitiva quanto à importância e efeitos dos seus actos) e, no caso concreto, podia e devia ter agido de outro modo. A culpa envolve um nexo psicológico entre o facto e o agente, que pode assumir as modalidades de dolo directo (o lesante representa e quer o resultado, apesar de conhecer a ilicitude desse resultado), necessário (não querendo directamente o facto ilícito, o agente todavia, previu-o como uma consequência necessária da sua conduta) ou eventual (o agente, ao actuar, não confiou em que o efeito possível da sua actividade se não verificaria), ou de negligência consciente (o agente só actuou porque confiou que o resultado não se produziria; o agente previu, como possível, a produção do facto e não tomou as medidas necessárias para o evitar) ou inconsciente (imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, omissão do dever de diligência). A culpa é apreciada em abstracto, a partir do critério do bonus pater familias, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487.º, n.º 2 do Código Civil), cabendo ao lesado provar a culpa do lesante, salvo se existir presunção legal de culpa (artigo 487.º, n.º 1 do Código Civil). No caso em apreço inexiste qualquer presunção de culpa que incida sobra o condutor do veículo QJ. Cabia assim ao Autor, para a procedência do pedido de condenação no pagamento de indemnização baseada no regime de responsabilidade civil agora em apreço, alegar e provar os factos que consubstanciassem a culpa do condutor do veículo QJ na ocorrência do despiste e posterior embate. E, no caso dos presentes autos, atentos os factos provados, não é possível dizer que um cidadão médio adoptaria uma condução distinta da adoptada pelo condutor do veículo QJ. Não é possível dizer que o mesmo podia e devia ter conduzido de modo distinto. É certo que ocorreu um despiste e que o mesmo violou, objectivamente, a norma do Código da Estrada supra citada. Mas não é possível imputar tal facto ao referido condutor a título de dolo ou negligência. Tanto quanto sabemos, os eventos descritos não decorreram de uma vontade expressa do mesmo, ou de uma violação de regras de cuidado, ou de regras estradais, que impendessem sobre o mesmo na circulação rodoviária. Nada resultou provado quanto a uma circulação a velocidade desadequada ou em violação de deveres de cuidado por parte do mesmo. Não é assim possível dirigir um juízo de censura ao aludido condutor e, nessa medida, não se preenche o requisito em análise: o da culpa na ocorrência do facto ilícito causal dos danos. Nessa medida, não é o referido condutor responsável pelo pagamento de qualquer indemnização emergente de responsabilidade civil extra-contratual por facto ilícito, não o sendo também, consequentemente, a Ré C….., S.A., que através do contrato de seguro titulado pela apólice nº 0900353279 em vigor à data do acidente, assumiu a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pelo citado veículo “QJ”. E concluiu pela verificação de responsabilidade pelo risco, na proporção de 50% para cada uma dos veículos envolvidos. Não podemos acompanhar a sentença recorrida neste segmento. Dos pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual o único que está questionado é a culpa. Nos termos do artigo 487.º, n.º 1, CC, é sobre o lesado que recai a prova da culpa, a qual, nos termos do n.º 2, é apreciada de acordo com a diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias do caso. É esta a regra geral, à falta de presunção legal de culpa (cfr. artigo 350.º CC). Daqui não resulta, porém, que, não se tendo apurado as circunstâncias em que ocorreu o despiste do veículo seguro na apelada, se tenha de concluir necessariamente pela falta de culpa do condutor. Segundo Vaz Serra, Culpa do devedor ou do agente, BMJ 68.º/87 «a jurisprudência … tem facilitado a prova da culpa: basta provar a culpa que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, tornem muito verosímil a culpa. Mas o autor do prejuízo pode afastar esta chamada prova prima facie, demonstrando, por seu lado, outros factos que tomem verosímil ter-se produzido o dano sem culpa sua. Com isto, destrói a aparência a ele contrária e força o prejudicado a demonstrar completamente a culpa, já que ao admitir-se a prova prima facie, só se dá uma facilidade para a produção da prova e não uma total inversão do ónus da prova.» Assim, o tribunal não está impedido de recorrer às regras de experiência comum e às presunções naturais para a prova da culpa. Aliás, os acidentes de viação são um campo privilegiado para a aplicação de presunções naturais. A prova por presunção encontra-se regulada nos artigos 349.º e ss. CC Nos termos do artigo 349º CC, presunções são ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, esclarecendo o artigo 351º CC que as presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal. Trata-se de uma prova de primeira aparência, em que o julgador faz apelo às regras de experiência comum — o id quoad plerumque accidit — para, a partir de um facto conhecido, inferir um facto desconhecido. Nas palavras de Vaz Serra, Provas, BMJ 110/190, «Estas presunções são afinal o produto de regras de experiência: o juiz, valendo-se de certo facto e de regras de experiência, conclui que aquele denuncia a existência de um outro facto. Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode utilizar o juiz a experiência da vida, da qual resulta que um acto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra de experiência ou, se se quiser, vale-se de uma prova de primeira aparência». Constitui entendimento jurisprudencial consolidado que da prova da inobservância das leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta inobservância da falta de diligência. Nas palavras do acórdão recorrido apreciado pelo acórdão do STJ, de 2003.11.20, Moreira Camilo, www.dgsi.pt.jstj, proc. 03A3450, «É que, embora em matéria de responsabilidade civil extracontratual a culpa do autor da lesão em princípio não se presuma, tendo de ser provada pelo lesado (artº. 487º, nº. 1, do Cód. Civil), a posição deste é frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova de primeira aparência (presunção simples): se esta prova aponta no sentido da culpa do lesante, passa a caber a este o ónus da contraprova. Para provar a culpa, basta assim que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, a tornem muito verosímil, cabendo ao lesante fazer a contraprova, no sentido de demonstrar que a actuação foi estranha à sua vontade ou que não foi determinante para o desencadeamento do facto danoso. Isto não está sequer em contradição com o disposto no artº. 342º do Cód. Civil, que consagra um critério de normalidade no que respeita à repartição do ónus da prova, no sentido de que aquele que invoca determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram, tendo a parte contrária de provar, por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos do direito. Assim sendo, no caso dos autos, a Ré Seguradora, e ora recorrente, teria de provar que o facto de o condutor da viatura em si segura circular fora da sua faixa de rodagem não teria sido determinante para o evento ou que esse facto foi causado por factores estranhos à sua vontade». Para além da jurisprudência citada neste acórdão refiram-se ainda os acórdãos do STJ, de 2007.07, Silva Paixão, www.dgsi.pt.jstj, proc. 96A558, de 2002.10.24, CJSTJ, 2002, III, 107; de 2000. 02.01, Silva Paixão www.dgsi.pt.jstj, proc. 00A010. Só assim não, devendo se afastar tal presunção se a norma violada não se destinar a defender o interesse concreto ofendido, faltando caus adequada entre os danos e a violação da norma (acórdão do STJ, de 2000.11.07, Reis Figueira, CJSTJ, 2000, III, 105, e da Relação do Porto, de 2004.03.16, Fernando Samões, www.dgsi.pt.jtrp, proc. 0420857). Revertendo ao caso dos autos, os dois veículos intervenientes no acidente circulavam numa auto-estrada, no mesmo sentido de marcha, um na faixa esquerda e outro na do meio, quando o veículo seguro na apelada, que circulava mais à frente, despistou-se e fez um pião por forma a que o ficou em sentido oposto do da sua marcha, indo embater com a parte frontal do seu veículo no veículo do apelante. Não foi avançada nenhuma razão plausível para o despiste, como por exemplo, o rebentamento de um pneu, um obstáculo na via, uma mancha de óleo. É, pois, legítimo presumir que o despiste se deveu a imperícia do condutor do veículo seguro na apelada que, em condições normais, não conseguiu controlar o veículo que conduzia. Ocorrendo culpa exclusiva do condutor do veículo seguro na apelada, a sentença recorrida não pode subsistir nessa parte. 3.3. Da excessiva onerosidade A forma e medida da reparação do dano sofrido pelo lesado relativamente ao seu veículo há de ser encontrada por aplicação das regras gerais da responsabilidade civil (artigos 562.º e ss. CC). O legislador optou claramente pelo princípio da reconstituição natural, relegando a indemnização em dinheiro para aquelas situações em que a reconstituição natural não é possível, não repare integralmente o dano ou seja excessivamente onerosa para o devedor — artigo 566.º, n.º 1, CC. A primazia é dada à reconstituição natural, operando o sucedâneo pecuniário apenas nas situações enunciadas. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Almedina, vol. I, 10.ª edição, pg. 904, explica: «Ora, como se procede à reparação dos danos? Reconstituindo in natura a situação hipotética para que aponta o artigo 562.º? Repondo, à custa do lesante, o veículo danificado? Compensando o lesado, mediante indemnização pecuniária equivalente aos danos? Dando ao lesado a quantia necessária para ele, querendo, mandar efectuar a reparação? O artigo 566.°, 1, opta pela primeira alternativa, mandando, em princípio, reparar o dano mediante a reconstituição natural, apesar de o lesado preferir possivelmente em muitos casos a indemnização em dinheiro. O fim precípuo da lei nesta matéria é, por conseguinte, o de prover à directa remoção do dano real à custa do responsável, visto ser esse o meio mais eficaz de garantir o interesse capital da integridade das pessoas, dos bens ou dos direitos sobre estes». No caso vertente, o apelado pretende a reconstituição natural (reparação da viatura) enquanto a apelante pugna pela indemnização por equivalente escudando-se na excessiva onerosidade da reparação, por o valor do veículo sinistrado antes do acidente ser € 2.750,00 e a reparação ascender a € 5.403,18. A excessiva onerosidade não pode ser aferida apenas em função dos valores envolvidos, numa simples operação aritmética, mas antes em função dos interesses do lesado cujo ressarcimento está em causa. Com efeito, e como se sublinha no acórdão da Relação de Lisboa, de 98.06.16,Silva Pereira, CJ, 98, III, 124, «O entendimento no sentido de não ser aconselhável a reparação quando o custo desta é superior ao valor comercial do veículo é válido apenas quando o veículo danificado é novo ou a reparação não garanta a restituição do lesado à situação anterior. Em todo o caso, esse entendimento não pode servir para, em benefício do responsável, não restituir o lesado à situação que teria se não fosse a lesão. Um veículo muito usado fica desvalorizado e vale pouco dinheiro, mas, mesmo assim, pode satisfazer as necessidades do dono, enquanto que a quantia, muitas vezes irrisória, equivalente ao seu valor comercial pode não conduzir à satisfação dessas mesmas necessidades, o que é o mesmo que dizer que pode não reconstituir a situação que o lesado teria se não fossem os danos» A reconstituição natural será excessivamente onerosa «quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e o custo que a reparação natural envolve para o responsável» (Antunes Varela, op. cit., pg. 906). A consideração do valor venal do veículo é manifestamente insuficiente para medir o valor do prejuízo sofrido pelo lesado, pois um automóvel, para além do seu valor, presta diversas utilidades ao seu proprietário, enquanto meio de transporte e de lazer. Uma coisa é o valor de um automóvel destinado à venda — caso em que o valor do prejuízo coincide com o valor do bem —, outra de um automóvel que é instrumento de trabalho, de locomoção ou lazer. Discorrendo sobre a insuficiência do critério do valor venal, escreve Júlio Manuel Vieira Gomes, Custos das Reparações, valor venal ou valor de substituição, Revista de Direito Privado, n.º 3, pg. 57 e ss., em anotação ao acórdão do STJ, de 2003.02.27, Ferreira Girão: «A exclusão do carácter decisivo do valor venal parece-nos ser inteiramente de aplaudir. Por um lado, porque não existe propriamente um valor de mercado, e sim vários, mas, e sobretudo, porque atender estritamente ao valor de mercado do bem (no sentido do seu valor de venda) seria converter a responsabilidade civil numa forma de expropriação privada, pelo preço de mercado. É certo que, sobretudo em Itália, este resultado tem sido defendido por um certo sector da doutrina, que entende que, embora o dano consista numa lesão do valor de uso, concreto e subjectivo, quando se discute a indemnização por equivalente, transitar-se-ia, necessariamente, para o plano objectivo ou intersubjectivo do valor de troca. A restauração por equivalente assumiria os contornos de transacção forçada, devendo o lesado receber, apenas, o valor comercial do seu bem, sob pena de, a não ser assim, ficar enriquecido pela reparação. Este entendimento não protege efectivamente os bens do lesado, mas tão-só o preço que com a sua venda ele poderia obter, tutelando o lesado apenas na sua função social de potencial alienante. Afigura-se-nos muito mais completa a protecção que ao lesado é concedida, se se atender, em regra não apenas ao valor venal do veículo, mas ao custo da sua substituição. Num mercado perfeito, os dois coincidiriam. Contudo, há uma extensa série de razões pelas quais o valor venal de um veículo usado não corresponde ao valor do veículo de substituição. Em primeiro lugar, porque o valor venal tem em conta, frequentemente, tabelas que se orientam por padrões médios de depreciação e que não têm, obviamente, em conta, a situação específica daquele veículo. Depois, porque sendo o mercado imperfeito, haverá sempre custos adicionais com a procura de um veículo substitutivo e não será possível obter, em regra, um veículo exactamente idêntico. A própria urgência em obter um veículo de substituição poderá forçar o lesado a pagar um preço superior pelo veículo substitutivo. Por tudo isto, concorda-se com o tribunal, quando este afirma que «todas estas (alegadas e comprovadas) características e utilizações do veículo têm que ser devidamente valoradas e cumuladas com o valor venal do veículo, por forma a que se fixe uma indemnização a favor do autor que lhe permita no vasto mercado de automóveis usados, adquirir um de marca, tipo, idade e estado de conservação idêntico ao sinistrado». Assim, e seguindo o acórdão do STJ, de 2007.12.04, Pires da Rosa, www.dgsi.pt.jstj, proc. 06B4219, a excessiva onerosidade tem de ser aferida pela diferença entre dois polos: um, é o custo da reparação; o outro não é o valor venal, mas o valor patrimonial, o valor que o veículo representa no património do lesado (i.e., as utilidades que o lesado poderia retirar do bem). «Uma coisa é ter o valor; outra é ter a coisa», afirma-se sugestivamente no mesmo acórdão. Só com a aquisição de um bem que proporcione as mesmas utilidades que o veículo sinistrado propiciava é que se reconstituiria a situação que existiria, caso não tivesse ocorrido a lesão (artigo 562.º, n.º 1, CC). Assim, a reparação da viatura (reconstituição natural) será excessivamente onerosa por confronto com a indemnização por equivalente, se for superior ao montante necessário para adquirir no mercado veículo com características idênticas ao sinistrado e que satisfizesse as mesmas utilidades ao lesado. Sobre a problemática da onerosidade da reparação veja-se, a título meramente exemplificativo, os acórdãos do STJ, de 2007.01.11, e 2009.03.13, Custódio Montes, www.dgsi.pt, proc. proc. 06B4430 e 09B0520, respectivamente; da Relação do Porto, de 2011.07.04, Adelaide Domingos; de 2010.09.07, Ramos Lopes; de 2010.07.14, Sílvia Pires; de 2010.06.14, Henrique Antunes; de 2010.06.14, Ramos Lopes; de 2010.06.01, Ramos Lopes; de 2009.10.06, Rodrigues Pires, proc. 1937/06; 905/08.0TBPFR.P1, 2775/06.4TBGDM.P1, 2247/08TBMTS.P1, 1944/08.7TBAMT.P1, 2707/06.0TBOAZ.P1, respectivamente. Ao autor cabe a prova do valor da reparação (artigo 342.º, n.º 1, CC); à ré cabe a prova da excessiva onerosidade da reparação, já que a reparação por equivalente é uma excepção à regra da reconstituição natural (artigo 342.º, n.º 2, CC). A apelante alegou, mas não logrou provar, que o lesado poderia adquirir no mercado veículo de características ao sinistrado pelo valor de € 2.750,00. Por outro lado, é irrelevante que o apelado tenha adquirido um veículo automóvel para satisfazer as suas necessidades de locomoção, pois daí, e contrariamente ao que pretende apelante, não se pode inferir pelo seu desinteresse na reparação do veículo. Com efeito, necessitando o apelado de um veículo automóvel, se não tivesse adquirido um veículo de substituição, agravaria a indemnização por privação de uso, facto que apelante certamente não deixaria de invocar. Não tendo a apelante logrado demonstrar a excessiva onerosidade da reparação, improcede a apelação da seguradora. 4. Decisão Termos em que, julgando a apelação do apelante A. procedente e improcedente a apelação da apelante R., revoga-se a sentença recorrida, condenando-se a C….., S.A., a pagar a B….. a quantia de € 8.703,18, acrescida de juros desde a citação. Custas pela apelante seguradora. Porto, 29 de Maio de 2012 Márcia Portela Manuel Pinto dos Santos Ondina Carmo Alves __________________ Sumário 1. A circunstância de as testemunhas poderem eventualmente, ao longo do seu depoimento, aludir a matéria não oportunamente alegada, não confere à parte o direito de dela se prevalecer, sem mais, muito menos em sede de recurso. 2. Os factos novos, de natureza constitutiva, modificativa ou extintiva dos direitos invocados, desde que até então desconhecidos da parte que deles se pretende prevalecer, devem ser introduzidos nos autos através de articulado superveniente (506.º CPC). 3. O tribunal não está impedido de recorrer às regras de experiência comum e às presunções naturais para a prova da culpa. Aliás, os acidentes de viação são um campo privilegiado para a aplicação de presunções naturais. 4. Constitui entendimento jurisprudencial consolidado que da prova da inobservância das leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta inobservância da falta de diligência. 5. A reparação da viatura (reconstituição natural) será excessivamente onerosa por confronto com a indemnização por equivalente, se for superior ao montante necessário para adquirir no mercado veículo com características idênticas ao sinistrado e que satisfizesse as mesmas utilidades ao lesado. 6. Só assim não, devendo se afastar tal presunção se a norma violada não se destinar a defender o interesse concreto ofendido, faltando caus adequada entre os danos e a violação da norma. 7. Não sendo avançada nenhuma razão plausível para o despiste de um veículo que circulava numa autoestrada, é legítimo presumir que tal se deveu a imperícia do condutor. 8. A excessiva onerosidade tem de ser aferida pela diferença entre dois polos: um, é o custo da reparação; o outro não é o valor venal, mas o valor patrimonial, o valor que o veículo representa no património do lesado. 9. Ao autor cabe a prova do valor da reparação (artigo 342.º, n.º 1, CC); à ré cabe a prova da excessiva onerosidade da reparação, já que a reparação por equivalente é uma excepção à regra da reconstituição natural (artigo 342.º, n.º 2, CC).