Processo:2775/06.4TBGDM.P1
Data do Acordão: 13/07/2010Relator: SÍLVIA PIRESTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I- Para se afirmar a excessiva onerosidade não basta demonstrar que o valor da reparação é superior ao valor venal do veículo, pois que se um dos pólos da determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação, o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado. II- O veículo, pela sua antiguidade, pode ter um valor comercial reduzido ou diminuto, mas mesmo assim ser apto a satisfazer as necessidades do seu proprietário que, de forma nenhuma poderá satisfazer com uma quantia correspondente a esse valor comercial, o que significa que, sem ele, poderá ver-se privado das comodidades que um veículo, ainda que “velho”, proporcionava. III- Esse valor, que integra o património do lesado, não pode ser desprezado no momento em que se pondere pela (in)adequação da reconstituição natural como forma de reparação do lesado. IV- Na situação concreta, pelo que se acaba de expor, não obstante o veículo ter apenas um valor comercial de € 8.000,00, não vêm demonstrados factos que determinem a conclusão que a sua reparação por uma quantia que pode ir até € 10.753,68 fosse excessivamente onerosa, sendo certo que cabia à Recorrente fazer essa prova.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
SÍLVIA PIRES
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO REPARAÇÃO EXCESSIVA ONEROSIDADE RECONSTITUIÇÃO NATURAL
No do documento
Data do Acordão
07/14/2010
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
CONFIRMADA.
Sumário
I- Para se afirmar a excessiva onerosidade não basta demonstrar que o valor da reparação é superior ao valor venal do veículo, pois que se um dos pólos da determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação, o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado. II- O veículo, pela sua antiguidade, pode ter um valor comercial reduzido ou diminuto, mas mesmo assim ser apto a satisfazer as necessidades do seu proprietário que, de forma nenhuma poderá satisfazer com uma quantia correspondente a esse valor comercial, o que significa que, sem ele, poderá ver-se privado das comodidades que um veículo, ainda que “velho”, proporcionava. III- Esse valor, que integra o património do lesado, não pode ser desprezado no momento em que se pondere pela (in)adequação da reconstituição natural como forma de reparação do lesado. IV- Na situação concreta, pelo que se acaba de expor, não obstante o veículo ter apenas um valor comercial de € 8.000,00, não vêm demonstrados factos que determinem a conclusão que a sua reparação por uma quantia que pode ir até € 10.753,68 fosse excessivamente onerosa, sendo certo que cabia à Recorrente fazer essa prova.
Decisão integral
Proc. 2775/06.4TBGDM.P1 do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar
Relatora: Sílvia Pires
Adjuntos: Henrique Antunes
                 Ana Lucinda Cabral


Autores: B……….. 
C………….

Réus: D………., S. A.
E…………, S. A.
F…………, S. A.

Intervenientes: G…………
H………….*
Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto
Os Autores intentaram a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, pedindo a condenação das Rés a pagarem-lhes a quantia de € 20 481,79, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação até integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão alegaram, em síntese:
 No dia 1 de Agosto de 2003, foram intervenientes em acidente de viação ocorrido por acto intencional dos condutores de dois veículos automóveis, de que resultaram diversos danos para o seu veículo automóvel. 
 Tinham celebrado com a Ré D………, SA, contrato de seguro de danos próprios, pelo qual essa Ré havia assumido a obrigação de indemnizar os autores pela verificação de danos surgidos no veículo automóvel pertença dos mesmos, de matrícula ..-..-RL, o que fundamenta a responsabilidade daquela pelos danos resultantes do referido sinistro. 
 As rés E………, SA, e F………, SA, haviam assumido a obrigação de indemnizar terceiros pelos danos causados pela utilização de cada um dos veículos causadores dos danos, o que funda a responsabilidade daqueles pelos danos ocorridos. 
 Do acidente ocorrido resultaram danos para seu o veículo em cuja reparação despenderam a quantia global de € 10 753,68. 
 À data da verificação do acidente em apreço utilizavam tal veículo na actividade de compra e venda de peixe e, em consequência do sinistro, deixaram de poder exercer essa actividade pelo período de 90 dias, deixando de auferir rendimento para cuja reposição entendem adequada a quantia global de € 7 500,00. 
 Despenderam a quantia global de € 228,11 na realização de orçamento de reparação e pela ocupação de espaço na garagem onde o mesmo foi levado a cabo. 
 O facto de terem sido obrigados a pagar integralmente o valor da reparação causou-lhes carências económicas, bem como tristeza e desgosto por terem de recorrer ao auxílio de familiares para custear o valor total da reparação, o que, defendem, consubstancia dano não patrimonial para cuja compensação entendem adequada a quantia global de € 2 000,00. 

A Ré D………., SA, contestou, aceitando ter celebrado contrato de seguro pelo qual se vinculou a indemnizar os Autores pelos danos sofridos, pelo veículo automóvel pertença dos mesmos, na sequência de actos de vandalismo, choque, colisão, furto ou roubo, afirmando, no entanto, que o valor do capital a pagar, nos termos contratualmente fixados, corresponde ao valor do veículo seguro no momento da concretização do risco, e esse valor, na data indicada na petição inicial, ascendia a € 8 042,62, o que, defende, limita a responsabilidade da contestante. 
Alegou, ainda, que, nos termos do contrato celebrado, o dano resultante da privação do uso do veículo estava limitado a 30 dias, e, ainda, que se mostram excluídos da garantia do seguro os lucros cessantes ou perda de benefícios advindos ao tomador do seguro ou segurado em virtude da privação do uso. 
Invoca que, na sequência da participação do acidente feita no próprio dia pelo Autor, a contestante desenvolveu as diligências de investigação que entendeu necessárias, concluindo que o valor necessário para a reparação do veículo seria excessivo face ao valor comercial do mesmo à data, pelo que, 6 dias após a reparação, comunicou aos Autores a sua decisão que pagar a quantia de € 6 292,62, correspondente ao valor do veículo à data do acidente, deduzido do valor do salvado (€ 1 750,00). 
Impugnou, por desconhecimento, a verificação e extensão dos danos invocados pelos Autores. 
Requereu a intervenção principal (ou, subsidiariamente, como parte acessória) de “I………, SA”, por ser parte interessada no contrato de seguro celebrado entre os autores e a contestante. 
Concluiu, pedindo: 
a) a intervenção da sociedade “I…….., SA”; 
b) a improcedência da acção quanto a si, com a sua consequente absolvição do pedido. 

A Ré E…….., SA, contestou, reconhecendo ter assumido por contrato de seguro a obrigação de indemnizar terceiros pelos danos decorrentes da utilização de um dos veículos automóveis referidos na petição inicial. 
Impugnou, por desconhecimento, a dinâmica do acidente invocada na petição inicial, bem como a verificação e extensão dos danos invocados na petição inicial. 
Concluiu, pedindo o julgamento da acção de acordo com a prova a produzir. 

A Ré “F………, SA, contestou, reconhecendo ter assumido por contrato de seguro a obrigação de indemnizar terceiros pelos danos decorrentes da utilização de um dos veículos automóveis referidos na petição inicial. 
Impugnou, por desconhecimento, a verificação e extensão dos danos invocados na petição inicial. 
Alegou que, a demonstrar-se a versão dos factos apresentada pelos autores, o acidente invocado foi causado por acção intencional de G……… e H………., requerendo a sua intervenção acessória. 
Concluiu, pedindo: 
a) o julgamento da acção de acordo com a prova a produzir; 
b) a intervenção provocada acessória de G……… e H………. 

Os Autores apresentaram réplica e quanto às contestações das Rés E…….., SA, e F…….., SA, mantiveram o por si afirmado na petição inicial, concluindo como nesta. 
Quanto à contestação da Ré D………, SA, alegaram que as cláusulas agora invocadas por esta Ré como fonte de limitação da sua responsabilidade jamais lhes foram comunicadas, devendo as mesmas ser excluídas, nos termos previstos nos artigos 5º, 6º e 8º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, mantendo o pedido de condenação desta Ré, nos termos formulados na petição inicial. 
Manifestaram a sua oposição à intervenção como parte no processo de I………., SA. 
Concluíram, pedindo: 
a) a improcedência das excepções invocadas; 
b) a exclusão, do contrato de seguro em causa, das cláusulas contratuais invocadas pela Ré D………, SA, na sua contestação, por aplicação da norma consagrada no artigo 8º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro; 
c) a declaração de nulidade das cláusulas contratuais invocadas pela Ré D…….., SA, na sua contestação, por aplicação das normas consagradas nos artigos 18º e 21º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro; 
d) o indeferimento do pedido de intervenção, como parte principal ou acessória, da sociedade “I………, SA”; 
e) a condenação das Rés nos termos pedidos na petição inicial. 

A Ré D……., SA, apresentou tréplica, na qual afirma que as condições contratuais relativas ao contrato em apreço foram de facto transmitidas e explicadas aos Autores. 
Concluiu, pedindo a sua absolvição. 

Foi proferida decisão que indeferiu o pedido de intervenção como parte da sociedade I………, SA. 
Foi proferida decisão que admitiu a intervenção provocada acessória de H……… e de G………. 

Citados os chamados, pelos mesmos não foi apresentada contestação. 

Veio a ser proferida sentença que julgou a causa nos seguintes termos:
Pelo exposto,
I – Julgo a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência, 
i. Condeno solidariamente as rés “E………., SA”, e “F………, SA”, a pagar aos autores B……… e C……..: 
1. a quantia de € 228,11, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso; 
2. a quantia, a liquidar em decisão ulterior, com o limite de € 10 753,68, respeitante ao valor que os autores despenderam com a reparação dos danos causados ao veículo automóvel de matrícula ..-..-RL pelos diversos embates, no dia 01 de Agosto de 2003, com os veículos automóveis de matrícula ..-..-TB e ..-..-GP; 
3. a quantia, a liquidar em decisão ulterior, com o limite de € 7 500,00, respeitante ao lucro que os autores deixaram de retirar da actividade profissional de compra e venda de peixe, nos 90 dias subsequentes a 01 de Agosto de 2003, devido à paralisação do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL; 
ii. Condeno a ré “D…….., SA”, a pagar aos autores a quantia global de € 6 250,00, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso; 
II – Julgo a presente acção improcedente na parte restante. *Inconformadas com esta decisão dela interpuseram recurso as Rés F…….., o qual veio a ser julgado deserto, e a E…….. que apresentou alegações com as seguintes conclusões:
1- Não sendo possível conhecer que danos, em concreto, foram provocados no veículo dos autores por cada um dos veículos de matrícula ..-..-GP e ..-..-TB, a factualidade provada permite concluir ser maior a medida da contribuição do veiculo ..-..-TB, seguro na F……… S.A., do que a contribuição do veículo de matrícula ..-..-GP, seguro na ora recorrente, E………. S.A.; 
2- De acordo com um juízo de equidade ao caso aplicável, afigura-se equitativa e adequada aos factos provados, atribuir ao veículo de matrícula ..-..-TB a proporção de 60% e ao veículo de matrícula ..-..-GP, seguro na ora recorrente, a proporção de 40%; 
3- Devendo, assim, a ora recorrente ser condenada no pagamento aos autores de uma percentagem de 40% dos montantes indemnizatórios liquidados e dos que vierem a ser liquidados em decisão ulterior; 
4- 	O veículo de matrícula ..-..-RL sofreu danos para cuja reparação os autores despenderam a quantia global de € 10.753,68; 
5- O seu valor comercial, à data do acidente, ascendia a cerca de € 8.000,00, e o salvado, após os embates que sofreu, ascendia a cerca de € 1.7500,00; 
6- O valor do salvado do veículo dos autores, de matrícula ..-..-RL, acrescido do valor da reparação, é superior ao valor venal que o referido veículo tinha à data do sinistro; 
7- Ora, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 20°-I do DL 83/2006 de 3 de Maio, em vigor à data da prolação da douta decisão recorrida, o veiculo dos autores de matrícula ..-..-RL, é considerado perda total pelo que a indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo; 
8- E estando demonstrado nos autos que os autores permaneceram na posse do salvado, tendo sido efectuada, por sua iniciativa, a reparação do veículo, cujo valor pagaram, a obrigação de indemnizar é do valor de € 6.250,00, correspondente à dedução do valor do salvado ao valor do veículo à data do sinistro, conforme dispõe o n.º 3 do referido art.º 20º-I; 
9- O facto dos autores terem promovido por sua iniciativa, a reparação dos danos do ..-..-RL, e pago o respectivo preço, não altera a obrigação de indemnizar tal como é estabelecida pela disposição legal anteriormente citada; 
10- Deverá, assim, e ao contrário do doutamente decidido, ser definitivamente fixado no valor de € 6.250,00 a obrigação das rés indemnizarem os autores pelos danos sofridos pelo veiculo de matrícula ..-..-RL, em consequência dos embates sofridos no dia 1 de Agosto de 2003; 
11- E como anteriormente se sustentou, o referido valor de € 6.250,00 deverá ser suportado na proporção de 60% pela F……..S.A., e na de 40% pela ora recorrente, E……… S.A.; 
12- A douta decisão recorrida violou o disposto nos art.º 483°, 564° n.º 1 do Cor. Civil e art.º 20º-I n.º 1 alínea a) e n.º 3 do Desselei n.º 83/2006 de 3 de Maio. 
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, graduando-se a responsabilidade da recorrente em 40% e a da F………. S.A. em 60%, e fixando-se, a título definitivo, no valor de € 6.250,00 o direito dos autores a serem ressarcidos pelos danos sofridos no seu veículo de matricula ..-..-RL e, em consequência, revogando-se, parcialmente, a douta decisão recorrida, assim se condenando as rés, a ora recorrente E……… S.A. e a F………., a pagar aos autores, na proporção, respectivamente, de 40% e 60%: 
a) a quantia de € 228,11; 
b ) a quantia de € 6.250,00 a título de indemnização pelos danos sofridos pelo veículo automóvel de matricula ..-..-RL em consequência dos embates sofridos no dia 1 de Agosto de 2003, confirmando-se, em tudo o mais, a douta decisão recorrida. 

A Ré F…….. apresentou contra-alegações, defendendo a confirmação da decisão.*1. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cumpre apreciar as seguintes questões:
a) A contribuição do segurado da recorrente para a produção do acidente deve ser fixada em 40%?
b) O valor da indemnização devida pelos danos sofridos pelo veículo de matrícula ..-..-RI deve ser fixado de acordo com o critério do n.º 3, do art.º 20º-I, do DL 83/2006, de 3.5, em € 6.250,00?*2. Os Factos:

São os seguintes os factos provados:

I – Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 8037…., J…….. transferiu para a “E………, SA”, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel de matrícula ..-..-GP. 
II – Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 310100400…, K…….., SA, transferiu para a “F………, SA”, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel de matrícula ..-..-TB. 

III – Por contrato de seguro titulado pela apólice nº AU78014…, o Autor transferiu para a D…….., SA, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, o qual inclui cobertura de danos próprios. 

IV – Consta das condições particulares da apólice referida em III que a cobertura em caso de actos de vandalismo é a do valor seguro. 

V – Consta do artigo 38º das condições gerais da apólice referida em III que: «O valor seguro é calculado em função do ano de fabrico do veículo seguro, de acordo com a Tabela de Desvalorização Anexa a estas Condições Gerais» (constante de fls. 58). 

VI – Consta das condições particulares da apólice referida em III, ao lado de Privação de Uso a expressão “30 dias”. 

VII – Consta da cláusula 37º/1/k) das condições gerais da apólice referida em 3-: «Salvo convenção em contrário, ficam excluídos os lucros cessantes ou perda de benefícios ou resultados advindos ao Tomador de Seguro ou ao Segurado em virtude de privação de uso, gastos de substituição ou depreciação do veículo seguro em razão de sinistro ou provenientes de depreciação, desgaste ou consumo naturais». 

VIII – No dia 1 de Agosto de 2003, pelas 04 h 50 m, na estrada nacional n.º 108, no sentido, Entre-os-Rios/Porto, o veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, propriedade dos autores, foi ultrapassado pelo veículo automóvel de matrícula ..-..-TB. 

IX – Depois de efectuar a ultrapassagem, o veículo automóvel de matrícula ..-..-TB atravessou-se à frente do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, conseguindo imobilizá-lo. 

X – Nesse momento, o condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-TB saiu do carro, e, munido de um taco de basebol, desferiu com ele uma pancada no vidro da porta do lado do condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL. 

XI – Os Autores conseguiram colocar o seu veículo em marcha em direcção ao Porto. 

XII – O veículo automóvel de matrícula ..-..-TB encetou nova perseguição ao veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, acompanhado pelo veículo automóvel de matrícula ..-..-GP. 

XIII – Quando se encontrava na rua de Cabanas, S. Cosme, Gondomar, o veículo automóvel de matrícula ..-..-RL foi por diversas vezes atingido lateralmente pelos veículos automóveis de matrícula ..-..-TB e ..-..-GP.

XIV – A direcção do veículo automóvel de matrícula ..-..-GP partiu-se, continuando o veículo automóvel de matrícula ..-..-TB a perseguição. 

XV – Junto ao n.º 95 da rua Fernando Lopes Graça, em S. Cosme, Gondomar, o veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, na sequência da perseguição que estava a ser alvo, acabou por embater no passeio, imobilizando-se. 

XVI – Em consequência dos factos referidos em X, XIII e XV, o veículo automóvel de matrícula ..-..-RL sofreu danos para cuja reparação os autores despenderam a quantia global de € 10 753,68. 

XVII – Os Autores procederam ao pagamento de tal quantia. 

XVIII – Os Autores têm como actividade a compra e venda de peixe, que exercem de forma ambulante. 

XIX – O veículo automóvel de matrícula ..-..-RL possui caixa térmica para efeitos de conservação do produto do comércio dos Autores. 

XX – Em consequência do acidente, os Autores estiveram privados do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL durante cerca de 90 dias. 
XXI – Os Autores, durante o período em que estiveram privados da utilização do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, estiveram impedidos de exercer a actividade referida em XVIII. 

XXII – Os Autores despenderam a quantia de € 228,11 na verificação da viatura para orçamento de reparação e ocupação de espaço na “L…….., SA”. 

XXIII – Os Autores promoveram a reparação do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL. 

XXIV – Os Autores recorreram à ajuda de amigos, uma vez que não dispunham da totalidade do valor necessário à reparação.

XXV – A situação referida em VIII a XXIV provocou tristeza e desgosto aos Autores. 

XXVI – O valor comercial do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, em Agosto de 2003, ascendia a cerca de € 8 000,00. 

XXVII – O valor comercial do salvado resultante do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL após o embate de que versam os autos, em Agosto de 2003, ascendia a cerca de € 1 750,00. 

XXVIII – Por iniciativa da ré “D………, SA”, foi realizada peritagem para avaliação do valor da reparação dos danos sofridos pelo veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, que concluiu ascender aquela a € 7596,63. *3. O Direito Aplicável

3.1. Da medida da culpa

Com este recurso pretende a Ré E…….. que a sentença proferida seja alterada no que respeita à fixação medida da contribuição da culpa de cada um dos condutores para a produção do acidente, defendendo que a mesma deve ser graduada em 40% para o seu segurado e em 60% para o segurado da Ré F……...
Na presente acção emergente de acidente de viação os Autores formularam o pedido de condenação solidária das Rés a pagarem-lhe a quantia de € 20.481,79 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência da actuação dos seus segurados.
A sentença recorrida conforme consta do respectivo segmento decisório condenou solidariamente as Rés E…….. e F…….. a pagar aos Autores as quantias ali especificadas.
Nada consta na decisão quanto à medida da responsabilidade de cada uma destas Rés pelo pagamento daquelas quantias, constando inequivocamente que estamos perante uma condenação solidária, emergente de uma obrigação com a mesma natureza.
O n.º 1, do art.º 497º do C. Civil, determina a solidariedade da responsabilidade no caso de comparticipação no facto ilícito e de vários factos produzirem conjuntamente o dano.
Dispõe o art.º 512º, n.º 1, do C. Civil:
A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles.
Deste modo cada um dos co-autores é responsável pela reparação integral do dano pois qualquer dos comparticipantes pode ter causado toda a ofensa. 
Em caso de danos provocados por uma pluralidade de lesantes não há lugar a duas ou mais pretensões distintas, não havendo direito, por parte do lesado, a duas ou mais indemnizações, mas apenas a uma indemnização, embora com diversos fundamentos [1], sendo característica das obrigações solidárias a unidade da prestação [2].
A graduação da culpabilidade só é relevante no caso de pluralidade de responsáveis pelos danos, em que a obrigação de indemnização é solidária – art.º 497º, n.º 1, do C. Civil – para a repartição de responsabilidades nas relações internas entre os devedores, de acordo com a medida das respectivas culpas, que se presumem iguais – art.º 497º, n.º 2 e 507º, n.º 2, ambos do C. Civil [3].
No caso que nos ocupa, atento o pedido formulado, não fazia parte do objecto da acção decidir da repartição da responsabilidade de cada uma das Rés, uma vez que foram demandados com base na solidariedade da sua responsabilidade, tendo, como se disse, sido as duas Rés condenadas solidariamente a pagar aos Autores as quantias arbitradas a título de indemnização.
Na responsabilidade solidária a repartição de responsabilidades é questão que somente revela interesse nas relações internas entre os vários devedores, sendo indiferente para o credor qual a medida de cada um. Assim, só em ulterior acção de regresso de uma das Rés contra a outra é que essa medida irá ser determinada, para efeitos do disposto no art.º 514º do C. Civil.
É certo que decisão recorrida, em sede de fundamentação, pronunciou-se pela medida da culpa de cada um dos veículos para a produção do acidente, referindo-se que na ausência de dados seria de presumir a mesma medida para cada um deles.
No entanto este juízo não teve qualquer influência na decisão final, a qual consiste unicamente na condenação solidária das duas rés, não havendo referência à medida da culpa de cada um dos segurados.
Trata-se de um mero obicter dictum, não coberto pela força do caso julgado da decisão, perfeitamente inócuo, pelo que não cumpre a este Tribunal apreciar a sua correcção, por ser destituída de qualquer interesse prático [4].

3.2 Da aplicação do critério do n.º 3, do art.º 20º-I, do DL 83/2006

A Ré E……… pretende que a decisão recorrida seja revogada na parte em que relegou para incidente de indemnização a fixação do montante dos danos sofridos pelo veículo dos Autores, defendendo que deve ser tal montante fixado desde já no valor de € 6.250,00.
A Ré para fundamentar esta sua pretensão alega que deve ser aplicado o art.º 20º-I, do DL 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL 83/2006, de 3 de Maio, concluindo que, tendo resultado provado que os Autores despenderam na reparação da viatura € 10.753,68, que o valor comercial do veículo na data do acidente era de € 8.000,00 e que o valor dos salvados era de € 1.750,00, que o valor desta indemnização corresponde à dedução do valor do salvado ao valor do veículo à data do sinistro, conforme dispõe o art.º 3º, daquele art.º 20º-I.
O DL 83/2006, de 3 de Maio – já revogado pelo DL 291/2007, de 21 de Agosto, entrado em vigor em 2.10.07 – procedeu à transposição parcial para a ordem jurídica nacional da Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11.5 (art. 1º), e visou reduzir a conflitualidade existente entre as seguradoras e seus segurados e terceiros e reforçar a protecção dos interesses económicos dos consumidores, introduzindo procedimentos a adoptar pelas empresas de seguros e da fixação de prazos com vista à regularização rápida dos litígios e do estabelecimento de princípios base na gestão de sinistros.
Assim, por aquele DL foram aditados ao DL 522/85, de 31.12, os art.º 20º-I e 20º-J, visando uma resolução amigável e rápida dos litígios entre as seguradoras e seus segurados e terceiros numa fase extrajudicial, conforme resulta do n.º 2, do seu art.º 1:
O presente decreto-lei fixa ainda as regras e os procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro automóvel.
Por sua vez o art.º art.º 21º-I, no n.º 3, dispõe:
O valor da indemnização por perda total é determinado com base no valor venal do veículo, calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado, caso este permaneça na posse do seu proprietário.
No entanto, não sendo possível chegar a acordo e revelando-se necessário o recurso aos tribunais, devem ser aplicados os princípios e as regras do direito de indemnização estabelecidas no Código Civil, nomeadamente, o princípio da restauração natural [5].
O lesante deve colocar o lesado na situação patrimonial em que se encontraria não fora o acontecimento produtor do dano. O modo mais adequado e eficaz de o fazer é remover o dano real ou efectivamente sofrido pelo lesado, pela restauração natural. É por esta forma de indemnização que, em regra, se deve optar, como determina o art.º 566º, n.º 1, do C. Civil. 
Assim, quando o dano se traduz em estragos num veículo automóvel, o lesado tem direito à reparação desses estragos de modo a que o veículo sinistrado seja reposto na situação em que se encontrava antes do acidente.
O veículo foi reparado por iniciativa dos Autores, tendo pago por essa reparação a quantia de € 10.753,68.
Não se tendo provado que os lesantes ou outros responsáveis pela indemnização daquele dano se tenham oferecido para proceder à sua reparação in natura, tinham os Autores direito a promover a sua realização, cobrando daqueles o seu custo.
A circunstância do valor comercial do veículo na data do acidente ser de € 8.000,00 e o valor dos salvados de € 1.750,00, não obsta ao reconhecimento do direito dos Autores de exigirem o pagamento do custo da reparação efectuada, uma vez que a indemnização pelo pagamento do equivalente em dinheiro só pode ocorrer quando a reconstituição natural é impossível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art.º 566º, n.º 1, do C. Civil).
No presente caso a reconstituição não era impossível e cobria todo o dano em causa.
A excessiva onerosidade só é de considerar e, por isso, de afastar a reconstituição in natura, quando a reconstituição natural se apresenta como um sacrifício manifestamente desproporcionado para o lesante e se deva considerar abusiva por contrária à boa fé a sua exigência do lesado [6].
Para se afirmar a excessiva onerosidade não basta demonstrar que o valor da reparação é superior ao valor venal do veículo, pois que se um dos pólos da determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação, o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado [7].
Para tanto a Ré teria que demonstrar que com a quantia que se dispôs a pagar poderia a apelada satisfazer as mesmas necessidades que satisfazia com o veículo acidentado, nomeadamente que poderia adquirir um outro veículo, com as mesmas características e qualidades, apto a satisfazer essas necessidades, de igual modo, em termos de comodidade e segurança [8].
O veículo, pela sua antiguidade, pode ter um valor comercial reduzido ou diminuto, mas mesmo assim ser apto a satisfazer as necessidades do seu proprietário que, de forma nenhuma poderá satisfazer com uma quantia correspondente a esse valor comercial, o que significa que, sem ele, poderá ver-se privado das comodidades que um veículo, ainda que “velho”, proporcionava. Esse valor, que integra o património do lesado, não pode ser desprezado no momento em que se pondere pela (in)adequação da reconstituição natural como forma de reparação do lesado.
Na situação concreta, pelo que se acaba de expor, não obstante o veículo ter apenas um valor comercial de € 8.000,00, não vêm demonstrados factos que determinem a conclusão que a sua reparação por uma quantia que pode ir até € 10.753,68 fosse excessivamente onerosa, sendo certo que cabia à Recorrente fazer essa prova.
Deste modo, não sendo de aplicar o critério indemnizatório proposto pela Recorrente, mostra-se adequada a decisão proferida, improcedendo também este fundamento do recurso.*Decisão

Nos termos expostos, julgando-se improcedente o recurso interposto, confirma-se a decisão recorrida.*Custas do recurso pela Ré E…….., S. A.*Porto, 14 de Julho de 2010.
Sílvia Maria Pereira Pires
Henrique Ataíde Rosa Antunes
Ana Lucinda Mendes Cabral
________________
[1] Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, pág. 720, 9ª ed., Almedina.
[2] Almeida Costa, in Direito das Obrigações, pág. 685, 12ª ed. revista e actualizada, Almedina.
[3] Menezes de Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. I, pág. 285, ed. 2000, Almedina.
[4] Neste sentido também se pronunciou o Ac. do T. R. do Porto, de 13.10.2009, relatado por Guerra Banha, acessível em www.dgsi.pt, proc. n.º 198/1998.P1. 
[5] Neste sentido o Ac. do S. T. J., de 5.11.09, relatado por Oliveira Rocha, acessível em www.dgsi.pt, proc. TBAW.S1.
[6] Menezes Leitão, na ob. cit., pág. 353.
[7] In Ac. do S.T.J., de 4.12.2007, relatado por Pires da Rosa, acessível em www.dgsi.pt, proc. 06B4219.
[8] No mesmo sentido, o Ac. citado na nota anterior e o Ac. da Relação do Porto, de 6.12.2009, relatado por Carvalho Fer­raz, acessível em www.dgsi.pt, proc. 2859/07.1BMAIP1.

Proc. 2775/06.4TBGDM.P1 do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Gondomar Relatora: Sílvia Pires Adjuntos: Henrique Antunes Ana Lucinda Cabral Autores: B……….. C…………. Réus: D………., S. A. E…………, S. A. F…………, S. A. Intervenientes: G………… H………….* Acordam na 1ª secção cível do Tribunal da Relação do Porto Os Autores intentaram a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, pedindo a condenação das Rés a pagarem-lhes a quantia de € 20 481,79, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação até integral pagamento. Para fundamentar a sua pretensão alegaram, em síntese: No dia 1 de Agosto de 2003, foram intervenientes em acidente de viação ocorrido por acto intencional dos condutores de dois veículos automóveis, de que resultaram diversos danos para o seu veículo automóvel. Tinham celebrado com a Ré D………, SA, contrato de seguro de danos próprios, pelo qual essa Ré havia assumido a obrigação de indemnizar os autores pela verificação de danos surgidos no veículo automóvel pertença dos mesmos, de matrícula ..-..-RL, o que fundamenta a responsabilidade daquela pelos danos resultantes do referido sinistro. As rés E………, SA, e F………, SA, haviam assumido a obrigação de indemnizar terceiros pelos danos causados pela utilização de cada um dos veículos causadores dos danos, o que funda a responsabilidade daqueles pelos danos ocorridos. Do acidente ocorrido resultaram danos para seu o veículo em cuja reparação despenderam a quantia global de € 10 753,68. À data da verificação do acidente em apreço utilizavam tal veículo na actividade de compra e venda de peixe e, em consequência do sinistro, deixaram de poder exercer essa actividade pelo período de 90 dias, deixando de auferir rendimento para cuja reposição entendem adequada a quantia global de € 7 500,00. Despenderam a quantia global de € 228,11 na realização de orçamento de reparação e pela ocupação de espaço na garagem onde o mesmo foi levado a cabo. O facto de terem sido obrigados a pagar integralmente o valor da reparação causou-lhes carências económicas, bem como tristeza e desgosto por terem de recorrer ao auxílio de familiares para custear o valor total da reparação, o que, defendem, consubstancia dano não patrimonial para cuja compensação entendem adequada a quantia global de € 2 000,00. A Ré D………., SA, contestou, aceitando ter celebrado contrato de seguro pelo qual se vinculou a indemnizar os Autores pelos danos sofridos, pelo veículo automóvel pertença dos mesmos, na sequência de actos de vandalismo, choque, colisão, furto ou roubo, afirmando, no entanto, que o valor do capital a pagar, nos termos contratualmente fixados, corresponde ao valor do veículo seguro no momento da concretização do risco, e esse valor, na data indicada na petição inicial, ascendia a € 8 042,62, o que, defende, limita a responsabilidade da contestante. Alegou, ainda, que, nos termos do contrato celebrado, o dano resultante da privação do uso do veículo estava limitado a 30 dias, e, ainda, que se mostram excluídos da garantia do seguro os lucros cessantes ou perda de benefícios advindos ao tomador do seguro ou segurado em virtude da privação do uso. Invoca que, na sequência da participação do acidente feita no próprio dia pelo Autor, a contestante desenvolveu as diligências de investigação que entendeu necessárias, concluindo que o valor necessário para a reparação do veículo seria excessivo face ao valor comercial do mesmo à data, pelo que, 6 dias após a reparação, comunicou aos Autores a sua decisão que pagar a quantia de € 6 292,62, correspondente ao valor do veículo à data do acidente, deduzido do valor do salvado (€ 1 750,00). Impugnou, por desconhecimento, a verificação e extensão dos danos invocados pelos Autores. Requereu a intervenção principal (ou, subsidiariamente, como parte acessória) de “I………, SA”, por ser parte interessada no contrato de seguro celebrado entre os autores e a contestante. Concluiu, pedindo: a) a intervenção da sociedade “I…….., SA”; b) a improcedência da acção quanto a si, com a sua consequente absolvição do pedido. A Ré E…….., SA, contestou, reconhecendo ter assumido por contrato de seguro a obrigação de indemnizar terceiros pelos danos decorrentes da utilização de um dos veículos automóveis referidos na petição inicial. Impugnou, por desconhecimento, a dinâmica do acidente invocada na petição inicial, bem como a verificação e extensão dos danos invocados na petição inicial. Concluiu, pedindo o julgamento da acção de acordo com a prova a produzir. A Ré “F………, SA, contestou, reconhecendo ter assumido por contrato de seguro a obrigação de indemnizar terceiros pelos danos decorrentes da utilização de um dos veículos automóveis referidos na petição inicial. Impugnou, por desconhecimento, a verificação e extensão dos danos invocados na petição inicial. Alegou que, a demonstrar-se a versão dos factos apresentada pelos autores, o acidente invocado foi causado por acção intencional de G……… e H………., requerendo a sua intervenção acessória. Concluiu, pedindo: a) o julgamento da acção de acordo com a prova a produzir; b) a intervenção provocada acessória de G……… e H………. Os Autores apresentaram réplica e quanto às contestações das Rés E…….., SA, e F…….., SA, mantiveram o por si afirmado na petição inicial, concluindo como nesta. Quanto à contestação da Ré D………, SA, alegaram que as cláusulas agora invocadas por esta Ré como fonte de limitação da sua responsabilidade jamais lhes foram comunicadas, devendo as mesmas ser excluídas, nos termos previstos nos artigos 5º, 6º e 8º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, mantendo o pedido de condenação desta Ré, nos termos formulados na petição inicial. Manifestaram a sua oposição à intervenção como parte no processo de I………., SA. Concluíram, pedindo: a) a improcedência das excepções invocadas; b) a exclusão, do contrato de seguro em causa, das cláusulas contratuais invocadas pela Ré D………, SA, na sua contestação, por aplicação da norma consagrada no artigo 8º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro; c) a declaração de nulidade das cláusulas contratuais invocadas pela Ré D…….., SA, na sua contestação, por aplicação das normas consagradas nos artigos 18º e 21º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro; d) o indeferimento do pedido de intervenção, como parte principal ou acessória, da sociedade “I………, SA”; e) a condenação das Rés nos termos pedidos na petição inicial. A Ré D……., SA, apresentou tréplica, na qual afirma que as condições contratuais relativas ao contrato em apreço foram de facto transmitidas e explicadas aos Autores. Concluiu, pedindo a sua absolvição. Foi proferida decisão que indeferiu o pedido de intervenção como parte da sociedade I………, SA. Foi proferida decisão que admitiu a intervenção provocada acessória de H……… e de G………. Citados os chamados, pelos mesmos não foi apresentada contestação. Veio a ser proferida sentença que julgou a causa nos seguintes termos: Pelo exposto, I – Julgo a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência, i. Condeno solidariamente as rés “E………., SA”, e “F………, SA”, a pagar aos autores B……… e C……..: 1. a quantia de € 228,11, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso; 2. a quantia, a liquidar em decisão ulterior, com o limite de € 10 753,68, respeitante ao valor que os autores despenderam com a reparação dos danos causados ao veículo automóvel de matrícula ..-..-RL pelos diversos embates, no dia 01 de Agosto de 2003, com os veículos automóveis de matrícula ..-..-TB e ..-..-GP; 3. a quantia, a liquidar em decisão ulterior, com o limite de € 7 500,00, respeitante ao lucro que os autores deixaram de retirar da actividade profissional de compra e venda de peixe, nos 90 dias subsequentes a 01 de Agosto de 2003, devido à paralisação do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL; ii. Condeno a ré “D…….., SA”, a pagar aos autores a quantia global de € 6 250,00, acrescida de juros de mora contados, à taxa legal, desde a citação e até integral reembolso; II – Julgo a presente acção improcedente na parte restante. *Inconformadas com esta decisão dela interpuseram recurso as Rés F…….., o qual veio a ser julgado deserto, e a E…….. que apresentou alegações com as seguintes conclusões: 1- Não sendo possível conhecer que danos, em concreto, foram provocados no veículo dos autores por cada um dos veículos de matrícula ..-..-GP e ..-..-TB, a factualidade provada permite concluir ser maior a medida da contribuição do veiculo ..-..-TB, seguro na F……… S.A., do que a contribuição do veículo de matrícula ..-..-GP, seguro na ora recorrente, E………. S.A.; 2- De acordo com um juízo de equidade ao caso aplicável, afigura-se equitativa e adequada aos factos provados, atribuir ao veículo de matrícula ..-..-TB a proporção de 60% e ao veículo de matrícula ..-..-GP, seguro na ora recorrente, a proporção de 40%; 3- Devendo, assim, a ora recorrente ser condenada no pagamento aos autores de uma percentagem de 40% dos montantes indemnizatórios liquidados e dos que vierem a ser liquidados em decisão ulterior; 4- O veículo de matrícula ..-..-RL sofreu danos para cuja reparação os autores despenderam a quantia global de € 10.753,68; 5- O seu valor comercial, à data do acidente, ascendia a cerca de € 8.000,00, e o salvado, após os embates que sofreu, ascendia a cerca de € 1.7500,00; 6- O valor do salvado do veículo dos autores, de matrícula ..-..-RL, acrescido do valor da reparação, é superior ao valor venal que o referido veículo tinha à data do sinistro; 7- Ora, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 20°-I do DL 83/2006 de 3 de Maio, em vigor à data da prolação da douta decisão recorrida, o veiculo dos autores de matrícula ..-..-RL, é considerado perda total pelo que a indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo; 8- E estando demonstrado nos autos que os autores permaneceram na posse do salvado, tendo sido efectuada, por sua iniciativa, a reparação do veículo, cujo valor pagaram, a obrigação de indemnizar é do valor de € 6.250,00, correspondente à dedução do valor do salvado ao valor do veículo à data do sinistro, conforme dispõe o n.º 3 do referido art.º 20º-I; 9- O facto dos autores terem promovido por sua iniciativa, a reparação dos danos do ..-..-RL, e pago o respectivo preço, não altera a obrigação de indemnizar tal como é estabelecida pela disposição legal anteriormente citada; 10- Deverá, assim, e ao contrário do doutamente decidido, ser definitivamente fixado no valor de € 6.250,00 a obrigação das rés indemnizarem os autores pelos danos sofridos pelo veiculo de matrícula ..-..-RL, em consequência dos embates sofridos no dia 1 de Agosto de 2003; 11- E como anteriormente se sustentou, o referido valor de € 6.250,00 deverá ser suportado na proporção de 60% pela F……..S.A., e na de 40% pela ora recorrente, E……… S.A.; 12- A douta decisão recorrida violou o disposto nos art.º 483°, 564° n.º 1 do Cor. Civil e art.º 20º-I n.º 1 alínea a) e n.º 3 do Desselei n.º 83/2006 de 3 de Maio. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, graduando-se a responsabilidade da recorrente em 40% e a da F………. S.A. em 60%, e fixando-se, a título definitivo, no valor de € 6.250,00 o direito dos autores a serem ressarcidos pelos danos sofridos no seu veículo de matricula ..-..-RL e, em consequência, revogando-se, parcialmente, a douta decisão recorrida, assim se condenando as rés, a ora recorrente E……… S.A. e a F………., a pagar aos autores, na proporção, respectivamente, de 40% e 60%: a) a quantia de € 228,11; b ) a quantia de € 6.250,00 a título de indemnização pelos danos sofridos pelo veículo automóvel de matricula ..-..-RL em consequência dos embates sofridos no dia 1 de Agosto de 2003, confirmando-se, em tudo o mais, a douta decisão recorrida. A Ré F…….. apresentou contra-alegações, defendendo a confirmação da decisão.*1. Do objecto do recurso Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cumpre apreciar as seguintes questões: a) A contribuição do segurado da recorrente para a produção do acidente deve ser fixada em 40%? b) O valor da indemnização devida pelos danos sofridos pelo veículo de matrícula ..-..-RI deve ser fixado de acordo com o critério do n.º 3, do art.º 20º-I, do DL 83/2006, de 3.5, em € 6.250,00?*2. Os Factos: São os seguintes os factos provados: I – Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 8037…., J…….. transferiu para a “E………, SA”, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel de matrícula ..-..-GP. II – Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 310100400…, K…….., SA, transferiu para a “F………, SA”, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel de matrícula ..-..-TB. III – Por contrato de seguro titulado pela apólice nº AU78014…, o Autor transferiu para a D…….., SA, a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, o qual inclui cobertura de danos próprios. IV – Consta das condições particulares da apólice referida em III que a cobertura em caso de actos de vandalismo é a do valor seguro. V – Consta do artigo 38º das condições gerais da apólice referida em III que: «O valor seguro é calculado em função do ano de fabrico do veículo seguro, de acordo com a Tabela de Desvalorização Anexa a estas Condições Gerais» (constante de fls. 58). VI – Consta das condições particulares da apólice referida em III, ao lado de Privação de Uso a expressão “30 dias”. VII – Consta da cláusula 37º/1/k) das condições gerais da apólice referida em 3-: «Salvo convenção em contrário, ficam excluídos os lucros cessantes ou perda de benefícios ou resultados advindos ao Tomador de Seguro ou ao Segurado em virtude de privação de uso, gastos de substituição ou depreciação do veículo seguro em razão de sinistro ou provenientes de depreciação, desgaste ou consumo naturais». VIII – No dia 1 de Agosto de 2003, pelas 04 h 50 m, na estrada nacional n.º 108, no sentido, Entre-os-Rios/Porto, o veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, propriedade dos autores, foi ultrapassado pelo veículo automóvel de matrícula ..-..-TB. IX – Depois de efectuar a ultrapassagem, o veículo automóvel de matrícula ..-..-TB atravessou-se à frente do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, conseguindo imobilizá-lo. X – Nesse momento, o condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-TB saiu do carro, e, munido de um taco de basebol, desferiu com ele uma pancada no vidro da porta do lado do condutor do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL. XI – Os Autores conseguiram colocar o seu veículo em marcha em direcção ao Porto. XII – O veículo automóvel de matrícula ..-..-TB encetou nova perseguição ao veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, acompanhado pelo veículo automóvel de matrícula ..-..-GP. XIII – Quando se encontrava na rua de Cabanas, S. Cosme, Gondomar, o veículo automóvel de matrícula ..-..-RL foi por diversas vezes atingido lateralmente pelos veículos automóveis de matrícula ..-..-TB e ..-..-GP. XIV – A direcção do veículo automóvel de matrícula ..-..-GP partiu-se, continuando o veículo automóvel de matrícula ..-..-TB a perseguição. XV – Junto ao n.º 95 da rua Fernando Lopes Graça, em S. Cosme, Gondomar, o veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, na sequência da perseguição que estava a ser alvo, acabou por embater no passeio, imobilizando-se. XVI – Em consequência dos factos referidos em X, XIII e XV, o veículo automóvel de matrícula ..-..-RL sofreu danos para cuja reparação os autores despenderam a quantia global de € 10 753,68. XVII – Os Autores procederam ao pagamento de tal quantia. XVIII – Os Autores têm como actividade a compra e venda de peixe, que exercem de forma ambulante. XIX – O veículo automóvel de matrícula ..-..-RL possui caixa térmica para efeitos de conservação do produto do comércio dos Autores. XX – Em consequência do acidente, os Autores estiveram privados do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL durante cerca de 90 dias. XXI – Os Autores, durante o período em que estiveram privados da utilização do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, estiveram impedidos de exercer a actividade referida em XVIII. XXII – Os Autores despenderam a quantia de € 228,11 na verificação da viatura para orçamento de reparação e ocupação de espaço na “L…….., SA”. XXIII – Os Autores promoveram a reparação do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL. XXIV – Os Autores recorreram à ajuda de amigos, uma vez que não dispunham da totalidade do valor necessário à reparação. XXV – A situação referida em VIII a XXIV provocou tristeza e desgosto aos Autores. XXVI – O valor comercial do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, em Agosto de 2003, ascendia a cerca de € 8 000,00. XXVII – O valor comercial do salvado resultante do veículo automóvel de matrícula ..-..-RL após o embate de que versam os autos, em Agosto de 2003, ascendia a cerca de € 1 750,00. XXVIII – Por iniciativa da ré “D………, SA”, foi realizada peritagem para avaliação do valor da reparação dos danos sofridos pelo veículo automóvel de matrícula ..-..-RL, que concluiu ascender aquela a € 7596,63. *3. O Direito Aplicável 3.1. Da medida da culpa Com este recurso pretende a Ré E…….. que a sentença proferida seja alterada no que respeita à fixação medida da contribuição da culpa de cada um dos condutores para a produção do acidente, defendendo que a mesma deve ser graduada em 40% para o seu segurado e em 60% para o segurado da Ré F……... Na presente acção emergente de acidente de viação os Autores formularam o pedido de condenação solidária das Rés a pagarem-lhe a quantia de € 20.481,79 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência da actuação dos seus segurados. A sentença recorrida conforme consta do respectivo segmento decisório condenou solidariamente as Rés E…….. e F…….. a pagar aos Autores as quantias ali especificadas. Nada consta na decisão quanto à medida da responsabilidade de cada uma destas Rés pelo pagamento daquelas quantias, constando inequivocamente que estamos perante uma condenação solidária, emergente de uma obrigação com a mesma natureza. O n.º 1, do art.º 497º do C. Civil, determina a solidariedade da responsabilidade no caso de comparticipação no facto ilícito e de vários factos produzirem conjuntamente o dano. Dispõe o art.º 512º, n.º 1, do C. Civil: A obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles. Deste modo cada um dos co-autores é responsável pela reparação integral do dano pois qualquer dos comparticipantes pode ter causado toda a ofensa. Em caso de danos provocados por uma pluralidade de lesantes não há lugar a duas ou mais pretensões distintas, não havendo direito, por parte do lesado, a duas ou mais indemnizações, mas apenas a uma indemnização, embora com diversos fundamentos [1], sendo característica das obrigações solidárias a unidade da prestação [2]. A graduação da culpabilidade só é relevante no caso de pluralidade de responsáveis pelos danos, em que a obrigação de indemnização é solidária – art.º 497º, n.º 1, do C. Civil – para a repartição de responsabilidades nas relações internas entre os devedores, de acordo com a medida das respectivas culpas, que se presumem iguais – art.º 497º, n.º 2 e 507º, n.º 2, ambos do C. Civil [3]. No caso que nos ocupa, atento o pedido formulado, não fazia parte do objecto da acção decidir da repartição da responsabilidade de cada uma das Rés, uma vez que foram demandados com base na solidariedade da sua responsabilidade, tendo, como se disse, sido as duas Rés condenadas solidariamente a pagar aos Autores as quantias arbitradas a título de indemnização. Na responsabilidade solidária a repartição de responsabilidades é questão que somente revela interesse nas relações internas entre os vários devedores, sendo indiferente para o credor qual a medida de cada um. Assim, só em ulterior acção de regresso de uma das Rés contra a outra é que essa medida irá ser determinada, para efeitos do disposto no art.º 514º do C. Civil. É certo que decisão recorrida, em sede de fundamentação, pronunciou-se pela medida da culpa de cada um dos veículos para a produção do acidente, referindo-se que na ausência de dados seria de presumir a mesma medida para cada um deles. No entanto este juízo não teve qualquer influência na decisão final, a qual consiste unicamente na condenação solidária das duas rés, não havendo referência à medida da culpa de cada um dos segurados. Trata-se de um mero obicter dictum, não coberto pela força do caso julgado da decisão, perfeitamente inócuo, pelo que não cumpre a este Tribunal apreciar a sua correcção, por ser destituída de qualquer interesse prático [4]. 3.2 Da aplicação do critério do n.º 3, do art.º 20º-I, do DL 83/2006 A Ré E……… pretende que a decisão recorrida seja revogada na parte em que relegou para incidente de indemnização a fixação do montante dos danos sofridos pelo veículo dos Autores, defendendo que deve ser tal montante fixado desde já no valor de € 6.250,00. A Ré para fundamentar esta sua pretensão alega que deve ser aplicado o art.º 20º-I, do DL 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL 83/2006, de 3 de Maio, concluindo que, tendo resultado provado que os Autores despenderam na reparação da viatura € 10.753,68, que o valor comercial do veículo na data do acidente era de € 8.000,00 e que o valor dos salvados era de € 1.750,00, que o valor desta indemnização corresponde à dedução do valor do salvado ao valor do veículo à data do sinistro, conforme dispõe o art.º 3º, daquele art.º 20º-I. O DL 83/2006, de 3 de Maio – já revogado pelo DL 291/2007, de 21 de Agosto, entrado em vigor em 2.10.07 – procedeu à transposição parcial para a ordem jurídica nacional da Directiva n.º 2005/14/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11.5 (art. 1º), e visou reduzir a conflitualidade existente entre as seguradoras e seus segurados e terceiros e reforçar a protecção dos interesses económicos dos consumidores, introduzindo procedimentos a adoptar pelas empresas de seguros e da fixação de prazos com vista à regularização rápida dos litígios e do estabelecimento de princípios base na gestão de sinistros. Assim, por aquele DL foram aditados ao DL 522/85, de 31.12, os art.º 20º-I e 20º-J, visando uma resolução amigável e rápida dos litígios entre as seguradoras e seus segurados e terceiros numa fase extrajudicial, conforme resulta do n.º 2, do seu art.º 1: O presente decreto-lei fixa ainda as regras e os procedimentos a observar pelas empresas de seguros com vista a garantir, de forma pronta e diligente, a assunção da sua responsabilidade e o pagamento das indemnizações devidas em caso de sinistro no âmbito do seguro automóvel. Por sua vez o art.º art.º 21º-I, no n.º 3, dispõe: O valor da indemnização por perda total é determinado com base no valor venal do veículo, calculado nos termos do número anterior, deduzido do valor do respectivo salvado, caso este permaneça na posse do seu proprietário. No entanto, não sendo possível chegar a acordo e revelando-se necessário o recurso aos tribunais, devem ser aplicados os princípios e as regras do direito de indemnização estabelecidas no Código Civil, nomeadamente, o princípio da restauração natural [5]. O lesante deve colocar o lesado na situação patrimonial em que se encontraria não fora o acontecimento produtor do dano. O modo mais adequado e eficaz de o fazer é remover o dano real ou efectivamente sofrido pelo lesado, pela restauração natural. É por esta forma de indemnização que, em regra, se deve optar, como determina o art.º 566º, n.º 1, do C. Civil. Assim, quando o dano se traduz em estragos num veículo automóvel, o lesado tem direito à reparação desses estragos de modo a que o veículo sinistrado seja reposto na situação em que se encontrava antes do acidente. O veículo foi reparado por iniciativa dos Autores, tendo pago por essa reparação a quantia de € 10.753,68. Não se tendo provado que os lesantes ou outros responsáveis pela indemnização daquele dano se tenham oferecido para proceder à sua reparação in natura, tinham os Autores direito a promover a sua realização, cobrando daqueles o seu custo. A circunstância do valor comercial do veículo na data do acidente ser de € 8.000,00 e o valor dos salvados de € 1.750,00, não obsta ao reconhecimento do direito dos Autores de exigirem o pagamento do custo da reparação efectuada, uma vez que a indemnização pelo pagamento do equivalente em dinheiro só pode ocorrer quando a reconstituição natural é impossível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor (art.º 566º, n.º 1, do C. Civil). No presente caso a reconstituição não era impossível e cobria todo o dano em causa. A excessiva onerosidade só é de considerar e, por isso, de afastar a reconstituição in natura, quando a reconstituição natural se apresenta como um sacrifício manifestamente desproporcionado para o lesante e se deva considerar abusiva por contrária à boa fé a sua exigência do lesado [6]. Para se afirmar a excessiva onerosidade não basta demonstrar que o valor da reparação é superior ao valor venal do veículo, pois que se um dos pólos da determinação da excessiva onerosidade é o preço da reparação, o outro não é o valor venal do veículo mas o seu valor patrimonial, o valor que o veículo representa dentro do património do lesado [7]. Para tanto a Ré teria que demonstrar que com a quantia que se dispôs a pagar poderia a apelada satisfazer as mesmas necessidades que satisfazia com o veículo acidentado, nomeadamente que poderia adquirir um outro veículo, com as mesmas características e qualidades, apto a satisfazer essas necessidades, de igual modo, em termos de comodidade e segurança [8]. O veículo, pela sua antiguidade, pode ter um valor comercial reduzido ou diminuto, mas mesmo assim ser apto a satisfazer as necessidades do seu proprietário que, de forma nenhuma poderá satisfazer com uma quantia correspondente a esse valor comercial, o que significa que, sem ele, poderá ver-se privado das comodidades que um veículo, ainda que “velho”, proporcionava. Esse valor, que integra o património do lesado, não pode ser desprezado no momento em que se pondere pela (in)adequação da reconstituição natural como forma de reparação do lesado. Na situação concreta, pelo que se acaba de expor, não obstante o veículo ter apenas um valor comercial de € 8.000,00, não vêm demonstrados factos que determinem a conclusão que a sua reparação por uma quantia que pode ir até € 10.753,68 fosse excessivamente onerosa, sendo certo que cabia à Recorrente fazer essa prova. Deste modo, não sendo de aplicar o critério indemnizatório proposto pela Recorrente, mostra-se adequada a decisão proferida, improcedendo também este fundamento do recurso.*Decisão Nos termos expostos, julgando-se improcedente o recurso interposto, confirma-se a decisão recorrida.*Custas do recurso pela Ré E…….., S. A.*Porto, 14 de Julho de 2010. Sílvia Maria Pereira Pires Henrique Ataíde Rosa Antunes Ana Lucinda Mendes Cabral ________________ [1] Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, pág. 720, 9ª ed., Almedina. [2] Almeida Costa, in Direito das Obrigações, pág. 685, 12ª ed. revista e actualizada, Almedina. [3] Menezes de Leitão, in Direito das Obrigações, Vol. I, pág. 285, ed. 2000, Almedina. [4] Neste sentido também se pronunciou o Ac. do T. R. do Porto, de 13.10.2009, relatado por Guerra Banha, acessível em www.dgsi.pt, proc. n.º 198/1998.P1. [5] Neste sentido o Ac. do S. T. J., de 5.11.09, relatado por Oliveira Rocha, acessível em www.dgsi.pt, proc. TBAW.S1. [6] Menezes Leitão, na ob. cit., pág. 353. [7] In Ac. do S.T.J., de 4.12.2007, relatado por Pires da Rosa, acessível em www.dgsi.pt, proc. 06B4219. [8] No mesmo sentido, o Ac. citado na nota anterior e o Ac. da Relação do Porto, de 6.12.2009, relatado por Carvalho Fer­raz, acessível em www.dgsi.pt, proc. 2859/07.1BMAIP1.