Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I 1 – Nos autos de processo comum em referência, o arguido, A. – filho de..., casado, pedreiro, natural e nacional de Cabo Verde, nascido a 12 de Julho de 1977, agora preventivamente preso, à ordem dos presentes autos –, acusado pelo Ministério Público, e tendo oferecido «o merecimento dos autos», foi submetido a julgamento e, a final, por acórdão de 16 de Outubro de 2013, foi condenado nos seguintes termos: (a) pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A e I-B anexa a este diploma, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; (b) na pena de expulsão do território nacional, nos termos do artigo 34.º do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, pelo período de 4 (quatro) anos. 2 – O arguido interpôs recurso do acórdão condenatório, pretendendo ver revogada a decisão recorrida e substituída por outra que: a) considere provada a nulidade insanável invocada, por procedente e provada com as legais consequências; b) sem prescindir nem conceder, pretende ver-se absolvido, atenta a falta de prova e caso assim não se entenda mediante a aplicação do princípio in dubio pro reo; c) sem prescindir, caso assim se não considere, face aos factos dados por provados, pretende que se aplique ao ora recorrente pena de prisão nunca superior a 4 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, sob regime de prova. Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões: «I - O ora recorrente é primário - cfr. CRC a fls. 908 dos autos, relatório social a fls. 914 a 917 dos autos - fato considerado provado no ponto 26 do douto acórdão recorrido. II. O ora recorrente é cidadão caboverdiano, não domina a língua portuguesa, tendo por esse motivo sido nomeado ao arguido ora recorrente intérprete de criolo - cfr. douto acórdão recorrido, TIR de fls. ... e docs, de fls. 831 a 856, docs de fls. 914 a 918. III - Em todos os atos processuais respeitantes ao ora recorrente, exceto a constituição de arguido, deveria o mesmo ter sido assistido por defensor, o que não sucedeu no auto de reconhecimento de fls. 311 e 312 dos autos - al c) do n.º 1 do artigo 64.º e al. c) do artigo 119.º do CPP. IV- O auto de reconhecimento de fls. 311 e 312 contribuiu para a formação da convicção do tribunal de determinação da medida da pena, sendo um dos elementos tido como prova contra o ora recorrente. V- O auto de reconhecimento de fls. 311 e 312 dos autos, na qual assentou a convição do Tribunal a quo para a condenação do ora recorrente e consequente medida da pena constitui nulidade insanável com as legais consequências devendo o julgamento ser considerado nulo - al c) do n.º 1 do artigo 64.º e al. c) do artigo 119.º do CPP. POR OUTRO LADO E SEM CONCEDER, VI- Os autos assentam na convicção transmitida de que os fatos foram praticados por um individuo conhecido por " DINO", o qual não é o arguido. VII - O ora recorrente é A, com o Cartão de Residência n.º ...N, valida até 16.04.2014, portador do passaporte n.º JI--- emitido em 27.01.2066, pela República de Cabo Verde com o visto n.ºPO---, emitido em 02.02.2007, com o NIF ...., NISS ....- cfr. 834, 835, 836, 837 e ss. dos autos. VIII - Da prova produzida não foram presenciados concretos atos de venda heroína e cocaína por parte do ora recorrente. IX - Nos autos existem vasta investigação, mas nada se prova que o ora recorrente seja o individuo chamado de " Dino" e que se dedicasse ao tráfico de estupefacientes, designadamente os produtos apreendidos sejam pertença do ora recorrente. X - O produto estupefaciente apreendido em 31.03.2012 e demais objetos não pertenciam ao ora recorrente. XI - O ora recorrente desconhece o individuo alegadamente interveniente no episódio do dia 31.03.2012, e se alguém foi detido, sendo certo que o ora recorrente não foi identificado nem detido. XII - O que resulta provado é a clara existência de mais pessoas de raça negra no mato tanto no dia 31.03.2013 e aquando da detenção do ora recorrente em 13.12.2012, sendo que o arguido, ora recorrente, foi detido por ser de raça negra e se encontrar no local, nada mais. XIII - Não se encontra provado que o produto estupefaciente e demais obejtos apreendidos, designadamente os telemóveis sejam pertença do ora recorrente ou que alguma vez fossem utilizados pelo recorrente. XIV - O ora recorrente, foi detido como mero transportador, nada mais se lhe pode imputar, apesar da vasta investigação nos autos e da prova produzida. XV - O ora recorrente nem é o dono do produto estupefaciente, nem o seu intermediário, nem o vendedor, sendo que ele próprio assume o consumo de produto estupefacientes, como admite. XVI - Foi apenas uma mera peça de um mecanismo maior em que foi envolvido, que não domina, que não conhece. XVII - Nem o ora recorrente nem respetivo agregado familiar têm sinais exteriores de riqueza, o que seria bem visível caso o tráfico existisse ainda mais na intensidade considerada como provada. XIX - Nas pesquisas exaustivas para a apurar a existência de eventuais quantias de dinheiro depositadas em inúmeras instituições bancárias, verifica-se que o ora arguido ora recorrente não é titular nem co titular de contas bancárias. XX- Os elementos da segurança Social e administração tributária de fls. 765 a fls. 778 e do SEF de fls. 785 a fls. 870, provam que o ora recorrente encontra-se inserido pessoal, familiar e profissionalmente em Portugal. XXII - O ora recorrente tem regularizada a sua estadia em Portugal a título de reagrupamento familiar, sendo portador de autorização de residência valida. XXIII - O Ora recorrente encontra-se pessoal, social e familiarmente inserido em Portugal - cfr. relatório social, as declarações da companheira do recorrente e do próprio recorrente e docs. supra indicados. XXIV - O ora recorrente tem um filho, H, menor nascido em Portugal em 20.11.2011 que está muito ligado afetivamente ao pai e que necessita do apoio do mesmo. XXVI - Ao aplicar a pena concreta que aplicou ao Recorrente, o Tribunal “a quo” violou assim artigo 71º do Código Penal; e face aos factos e ao direito apurados no julgamento, a pena de prisão aplicado igualmente ultrapassa a medida da culpa, violando-se também pelo Tribunal “ a quo” o n.º 2 do artigo 40º do C.P. XXVII - No entanto e sem conceder e atendendo aos critérios acima ponderados na globalidade do caso concreto considera-se justo adequado e proporcional ao caso concreto aplicar ao Recorrente uma pena de quatro anos de prisão suspensa na sua execução sob regime de prova. XXVIII – Pois assim será a pena correta a aplicar ao caso concreto, (caso não entenda pela nulidade acima invocada e restante invocado) ao Recorrente, pois as penas são para satisfazer a necessidade de prevenção geral e especial, e permitir assim a futura reabilitação do arguido na sociedade, afim deste se integrar na sociedade a fim de se estabelecer quer a nível laboral quer familiar, isto é de se reintegrar na sociedade, não deixando de salientar que o acompanhamento de um pai no crescimento do seu filho de tenra idade nascido em Portugal assim como dos outros três filhos que tem em Cabo Verde tem bastante importância.» 3 – O recurso foi admitido, por despacho de 6 de Dezembro de 2013. 4 – A Ex.ma Magistrada do Ministério Público, em 1.ª instância, sem extractar conclusões da respectiva minuta, respondeu, defendendo o não provimento do recurso. 5 – Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta é de parecer que o recurso não deve lograr provimento. Pondera, em abono, muito em síntese, (a) que, designadamente em vista do relatório social, se afigura de concluir que o arguido não é desconhecedor da língua portuguesa, nos termos e para os efeitos estatuídos no artigo 64.º n.º 1 alínea d), do Código de Processo Penal (CPP), e, sem embargo, a validade da demais prova produzida não justifica a pretendida modificação da matéria de facto julgada provada, com a consequente absolvição do arguido; (b) que não resulta do texto do acórdão revidendo qualquer dos vícios prevenidos no artigo 410.º n.º 2, do CPP; (c) que o recorrente não deu cumprimento ao disposto no artigo 413.º n.os 3 alíneas a) e b), e 4, do CPP, por isso que este Tribunal não pode conhecer da impugnação do julgamento da matéria de facto. 6 – Tomando as conclusões da motivação do recorrente, que (afora as questões cujo conhecimento se impõe de ofício) demarcam o objecto do processo, cumpre examinar, alinhadas segundo um critério de lógica e cronologia conclusivas, as seguintes questões: (i) da nulidade do auto de reconhecimento de fls. 311/312; (ii) dos vícios do acórdão revidendo; (iii) do erro do Colectivo a quo no julgamento da matéria de facto; (iv) do erro do Colectivo a quo no julgamento da matéria de direito, no que respeita à escolha e medida da pena. II 7 – Importa, antes de mais, fazer presente a decisão do Tribunal Colectivo a quo sobre a matéria de facto. Tal seja: «1. 1 Factos provados 1. O arguido que é conhecido pela alcunha de “Dino” pelo menos, no dia 31 de Março de 2012 e no 13 de Dezembro de 2012 (data em que foi detido à ordem destes autos) dedicou-se à venda de heroína e cocaína nos locais de mato conotados com o tráfico de estupefaciente, designados por “Brita”, “Britadeira” e Sitio da Vaca” e “Monte da Vaca”, em Boliqueime. 2. O arguido nos dias e locais identificados no ponto n.º 1 dos factos provados vendeu heroína e cocaína aos consumidores que o procuravam. 3. Para contactar e para ser contactado pelos consumidores o arguido utilizava vários números de telefone, designadamente, os números 92xxxx e 96xxxxx. 4. No dia 31 de Março de 2012 o arguido dedicava-se à venda de heroína e cocaína na zona de mato designada por “Barra Brita”, “Brita” ou “Britadeira”, em Boliqueime, Loulé. 5. Nesse dia 31 de Março de 2012, pelas 15:00 horas, na sequência de contacto telefónico com o arguido e a pedido deste, a consumidora M. adquiriu num restaurante duas refeições, as quais foi entregar ao arguido ao referido local. 6. Em troca das refeições o arguido entregou à referida consumidora uma saqueta de heroína. 7. O arguido, quando estava a comer a refeição que lhe tinha sido levada pela referida consumidora, ao ver militares da GNR, de imediato, iniciou fuga apeada. 8. O arguido fugiu levando consigo um saco com 29 pacotes de heroína com o peso de 117,450 gramas e 24 pacotes de cocaína com o peso de 3,445 gramas. 9. Durante a fuga o arguido deixou cair o saco para o chão, o qual foi apreendido juntamente com o produto estupefaciente que se encontrava no seu interior. 10. No dia 13 de Dezembro de 2012, pelas 17:00 horas, na zona de mato conhecida por “Sitio da Vaca” ou “Monte da Vaca”, em Boliqueime, o arguido procedia à venda de estupefacientes. 11. O arguido foi contactado para o seu telemóvel pelo consumidor NT, pelo menos, no dia 13 de Dezembro de 2013. 12. Nesse dia 13 de Dezembro de 2013 o referido consumidor deslocou-se ao sitio do “Monte da Vaca”, em Boliqueime, para adquirir um pacote de heroína, o que apenas não aconteceu porque o arguido foi detido por militares da GNR, 13. Ao visualizar militares da GNR, o arguido, de imediato iniciou fuga apeada, acabando por cair e ser imobilizado e detido pelos militares. 14. O arguido detinha junto ao corpo uma mala preta a tiracolo, que continha no seu interior os seguintes objectos que foram apreendidos:80 pacotes de heroína com o peso de 224,04 gramas;21 pacotes de cocaína com o peso de 15,205 gramas;a quantia monetária €196,70 em notas do Banco Central Europeu de €10,00 e €20,00 e moedas;três telemóveis da marca Nokia, um com o IMEI 358xxxx e com o cartão n.º 92xxx, outro com o IMEI 358xxx e com o cartão 96xxx e outro com o IMEI 3588xxxx;um lenço com resíduos de cocaína; uma carteira em pele de cor castanha;um carregador de telemóvel;três baterias de telemóvel;um cartão da TMN;um isqueiro de cor preta;uma bolsa de cartões transparente e dois cartões de transportes da zona de Lisboa; o arguido detinha ainda no bolso das calças dois sacos de plástico. 15. O arguido actuou até ao momento da sua detenção com a intenção de obter proveitos com a venda de produtos estupefacientes, o que logrou conseguir. 16. O arguido conhecia bem as características dos produtos que detinha e vendia, designadamente, a sua natureza estupefaciente, e bem assim que as mesmas eram altamente nocivas para a integridade física e psíquica e para a saúde de quem as consumisse, e sabia que não era titular de nenhuma autorização para comprar, ceder, vender, transportar ou deter as referidas substâncias. 17. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente e sabia que deter, guardar, transportar, comprar, vender, distribuir, ceder ou proporcionar a outrem produtos estupefacientes, nomeadamente, cocaína e heroína, constituem actos proibidos e sancionados pela lei penal. 18. Todos os objectos apreendidos nos autos foram adquiridos ou utilizados na compra e venda de substâncias estupefacientes e entraram na posse do arguido em consequência da venda de substâncias estupefacientes. 19. O dinheiro apreendido foi proveniente das vendas de saquetas de cocaína e heroína efectuadas pelo arguido. 20. Os telemóveis apreendidos eram utilizados pelo arguido para contactar e para ser contactado pelos consumidores. 21. O arguido é natural de Cabo Verde e tem nacionalidade cabo-verdiana. 22. Ao arguido não lhe é conhecida qualquer actividade profissional lícita nem quaisquer fontes de rendimentos lícitas. 23. O arguido nunca exerceu qualquer profissão em Portugal e vive exclusivamente dos proventos auferidos com o tráfico de produtos estupefacientes. 24. O arguido não é consumidor de estupefacientes, pelo que a actividade de tráfico desenvolvida constitui um negócio para o mesmo e o seu único modo de vida. 25. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente e sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Mais se provou que: 26. Do relatório social do arguido consta que: “A. é natural de Cabo Verde provindo de uma estrutura familiar numerosa (9 irmãos uterinos) e inscrita num estrato socioeconómico modesto. Durante o seu processo de crescimento parece ter usufruído de ambiente familiar normativo pautado por consistentes sentimentos de pertença e de cooperação familiar, não havendo referências alusivas a envolvimentos judiciais, por parte dos demais elementos da família alargada. O seu percurso escolar, surge pouco investido, tendo apenas completado o 3° de escolaridade, aparentemente por factores de ordem económica e familiar. Posteriormente terá iniciado actividade laboral como indiferenciado primacialmente no ramo da construção civil e agricultura como ajudante. Em Julho de 2007 o arguido desloca-se para Portugal com o objectivo de vir a usufruir de melhores condições de vida, integrando o agregado de um irmão, imigrante na área de Lisboa (Cacém), já há alguns anos. Neste contexto o arguido terá iniciado actividade laboral em coadjuvação do irmão enquanto sucateiro, actividade que refere ter mantido intercalada com biscates na construção civil, mas em moldes precários e sem vínculos de contratação. Em termos sócio afectivos refere um primeiro relacionamento no país de origem, da qual refere ter três filhos e face aos quais parece co-assumir o seu sustento na medida das suas possibilidades. Há cerca de cindo anos estabeleceu relação marital com uma conterrânea, com a qual passou a coabitar e da qual tem actualmente um filho com dois anos de idade. Aparentemente e segundo o veiculado pelo arguido e companheira, detém percurso vivencial e compoitamental normativo, não registando a montante e jusante do processo sub Júdice, outros envolvimentos judiciais. À data dos factos subjacentes ao processo sub Júdice o arguido residia com a companheira e o filho menor em apartamento arrendado de tipologia Tl, no Cacém/Lisboa, descrito como detentor de condições de habitabilidade. Em termos laborais refere desenvolver a actividade de sucateiro, o que justificaria a sua deslocação ao Algarve. Não obstante a companheira caracterizar a relação conjugal com globalmente positiva, referindo uma efectiva assumpção das suas responsabilidades familiares, quer em termos económicos quer afectivos, nomeadamente para com o filho, reconhece algumas falhas ao nivel do diálogo mutuo quanto a questões pessoais/familiares e modo de vida do arguido. Actualmente e desde há cerca de uma mês, a companheira encontra-se a residir em Almansil, em casa de elementos do seu grupo de amizades, tendo iniciado actividade laboral como empregada de limpezas no Hotel da Quinta do Lago, de forma a poder manter o apoio ao arguido, não obstante assumir face ao mesmo sentimento de censurabilidade e de incompreensão pela sua situação. Em termos da sua inserção sócio comunitária e familiar não obstante o arguido referir alguma proximidade com alguns dos seus irmãos, não detendo contudo qualquer contacto com os mesmos desde a sua reclusão, nem de quaisquer elemento de amizades, o que nos parece indiciar um cabal desenraizamento e isolamento social, o que se poderá ter constituído como potencial factor de risco comportamental. Em termos pessoais e no decurso da entrevista o arguido assumiu uma postura de cordialidade e um discurso relativamente coerente sobre as suas condições de vida, ainda que limitado em termos expressão linguística, tendendo a dar uma imagem positiva de si próprio e a auto vitimar-se da sua situação de reclusão, que tende a considerar injusta. Apresenta como projecto de vida futura a perspectiva de permanência no país, passando pela assumpção das suas responsabilidades familiares, detendo para o efeito segundo refere no presente, documentação a tal permissível. Por outro lado, A. assumiu ainda crenças adequadas e precisas quanto a comportamentos socialmente desajustados bem como uma atitude critica e respeito pelos bens jurídicos em causa, no âmbito do presente processo, distanciando-se, todavia dos factos de que se encontra acusado. Neste contexto e não obstante alguma dificuldade na aceitação da situação em se encontra verbaliza confiança no sistema de Justiça. No decurso da reclusão o arguido tem protagonizado um comportamento globalmente positivo, quer ao nível do cumprimento das normas e regras institucionais, quer no relacionamento interpessoal, revelando contudo queixas recorrentes quanto a mal estar físico, vulgo dores, com sucessivo recurso a acompanhamento médico. (…) afigura-se-nos que o arguido, não obstante os condicionalismos económicos do agregado de origem, terá beneficiado de um contexto sócio familiar normativo, apresentando, contudo, um progressivo afastamento do seu núcleo familiar de origem, ainda que de alguma forma compensado pela vigência da sua relação marital. Por outro lado apresenta um percurso laboral manifestamente irregular e precário com subsequentes limitações económicas, o que a par de um acentuado desenraizamento e isolamento sócio comunitário se poderão ter-se constituído como potenciais factores de risco comportamental. Face ao presente processo, o arguido assume uma atitude critica e respeito pelos bens jurídicos em causa, mas nega a sua responsabilidade pessoal (…).” 27. O arguido não regista antecedentes criminais. 1.2. Factos não provados Não se provaram, de entre os factos descritos na acusação, os factos acima não descritos e os factos contrários àqueles que resultaram provados, sendo certo que o Tribunal debruçou-se especificadamente sobre cada um dos factos não provados. Assim, não se provou: a) Que o arguido desde pelo menos o início do ano de 2011 dedicou-se à venda de heroína e cocaína em diversos locais de mato conotados com o tráfico de estupefaciente, designadamente, nos locais designados por “Brita”, “Britadeira”, Sitio da Vaca” e “Monte da Vaca”, em Boliqueime, bem como no “Sitio Quatro”, na Guia. b) Que no referido lapso temporal, o arguido vendeu, diariamente, inúmeras saquetas de heroína vulgarmente designadas por “meias bolas” a €20,00, cada e embalagens de heroína usualmente designadas por “bolas” a €45,00, cada, sendo que, na compra das referidas embalagens o arguido oferecia embalagens pequenas de cocaína vulgarmente designadas por “fezadas”. O arguido vendia ainda outras embalagens de heroína e cocaína com mais ou menos peso, sendo que, os preços variavam entre os €10,00 e os €100,00. c) Que o arguido, no referido lapso temporal, vendeu heroína e cocaína, nomeadamente, nos referidos locais e aos consumidores que o procuravam, alterando com regularidade os concretos locais onde procedia às vendas. d) Que o arguido contactava regularmente, por telefone, diversos consumidores, nomeadamente, para os informar da localização concreta do sítio onde estava a vender o produto estupefaciente, bem como para os aliciar a adquirir produto estupefaciente. e) Que o arguido era ainda frequentemente contactado pelos consumidores que lhe solicitavam confirmação sobre o local onde naquele dia estava a vender saquetas de cocaína e heroína, locais para onde os consumidores se deslocavam, posteriormente, para adquirirem heroína e/ou cocaína ao arguido. f) Que o arguido, pelo menos entre o mês de Janeiro de 2012 e o dia 13 de Dezembro de 2012, contactou e foi contactado, por inúmeras vezes, pela consumidora de heroína e cocaína MI através do n.º 92xxxx. Após o arguido confirmar que estava a vender produto estupefaciente na zona de mato conhecida por “Brita”, em Boliqueime, a referida consumidora deslocava-se até tal local, onde o arguido lhe vendeu, por inúmeras vezes, várias embalagens de heroína pelo valor de €20,00 (“meia bola”) e €45,00 (“uma bola”). Com a compra de embalagens de heroína o arguido oferecia embalagens pequenas de cocaína (conhecidas por “fezadas”). g) Que o arguido pelo menos entre o mês de Abril de 2012 e o dia 13 de Dezembro de 2012, por várias vezes e em diferentes ocasiões, contactou e foi contactado pelo consumidor de heroína e cocaína R. através do n.º 92xxxx a quem vendeu saquetas de heroína com mais ou menos uma grama pelo preço de €7,00/€10,00, nomeadamente, nos locais designados por “Sitio Quatro”, na Guia e “Sitio do Tijolo”, em Algoz. h) Que o arguido pelo menos entre o mês de Abril de 2012 e o dia 13 de Dezembro de 2012, pelo menos em seis ocasiões diferentes, em diversas zonas de mato, tais como no “Sitio Quatro”, na Guia, no “Sitio do Tijolo”, no Algoz e no “Sitio do Tiro” em Paderne, vendeu embalagens de cocaína e heroína pelo preço de €10,00/€20,00 ao consumidor NM. Para contactar e ser contactado pelo referido consumidor o arguido utilizava o n.º 92xxxx. i) Que entre pelo menos entre o mês de Abril de 2012 e o dia 13 de Dezembro de 2012, o arguido, pelo menos em cinco ocasiões diferentes, em diversas zonas de mato, nomeadamente nos locais designados por “Sitio Quatro”, na Guia e “Sitio do Tijolo”, no Algoz, vendeu embalagens de heroína pelo preço de €10,00/€15,00 ao consumidor AJ. j) Que entre pelo menos entre o mês de Abril de 2012 e o dia 13 de Dezembro de 2012, o arguido, em várias ocasiões diferentes, em diversas zonas de mato, tais como nos locais designados por “Sitio Quatro”, na Guia e “Sitio do Tijolo”, no Algoz, vendeu embalagens de heroína pelo preço de €20,00 ao consumidor SM. k) Que entre pelo menos os últimos meses do ano de 2011 e o dia 13 de Dezembro de 2012, o arguido, em várias ocasiões diferentes, em diversas zonas de mato, tais como nos locais designados por “Sitio Quatro”, na Guia, “Sitio do Tijolo”, no Algoz, “Campo de Tiro”, em Paderne, “Sitio da Ribeira”, no Parragil e “Zona da Brita”, em Boliqueime vendeu pelo menos 15 embalagens de heroína com cerca de meia grama, cada, pelo preço de €10,00/€15,00 ao consumidor JL. O arguido contactava frequentemente o consumidor, nomeadamente, por mensagens em código onde escrevia “bom dia” por forma a informar que estava a vender produto estupefaciente. l) Que o arguido, durante pelo menos quatro meses antes do Verão de 2012, em diversas zonas de mato, tais como nos locais designados por “Sitio Quatro”, na Guia, “Sitio do Tijolo”, no Algoz, “Sitio do Tiro”, em Paderne e “Zona da Brita”, em Boliqueime vendeu embalagens de heroína de vários tamanhos ao consumidor RG. Pelo menos uma vez por semana durante o referido lapso temporal o arguido vendeu ao referido consumidor embalagens de heroína designadas vulgarmente por “bolas” com cerca de 3,5 gramas pelo preço de €45,00. O arguido contactava frequentemente o consumidor, por telefone, para o aliciar a adquirir produto estupefaciente. m) Que o arguido, pelo menos no ano de 2012 até à data em que foi detido à ordem dos presentes autos em 13 de Dezembro de 2012, em diversas zonas de mato no Algoz e em Silves, tais como nos locais designados por “Sitio Quatro” e “Sitio do Tijolo” vendeu embalagens de heroína de vários tamanhos ao consumidor VM. O arguido vendeu ao referido consumidor, por semana, pelo menos, embalagens de heroína pelo preço de €50,00. O arguido regularmente, contactava telefonicamente o consumidor, nomeadamente, para o aliciar a adquirir produto estupefaciente e para o informar do local onde estava a proceder à venda de produto estupefaciente. n) Que o arguido, pelo menos no ano de 2012 e até à data em que foi detido à ordem dos presentes autos, nomeadamente, no local designado por “Sitio do Tijolo”, no Algoz, por diversas vezes e em diferentes ocasiões vendeu embalagens de heroína com o peso de 3,5 gramas ao preço de €45,00 ao consumidor MM. o) Que pelo menos nos primeiros meses do ano de 2012, em diversas zonas de mato de Algoz, Paderne e Boliqueime, em várias ocasiões, o arguido vendeu embalagens de heroína com o peso aproximado de 2 gramas pelo preço de €20,00, cada, ao consumidor PL. Para contactar e ser contactado pelo consumidor, nomeadamente, para informar o local onde estava a vender produto estupefaciente, o arguido utilizava os números 92xxxx e 96xxxx. p) Que o arguido por diversas vezes e em diferentes ocasiões, entre pelo menos Junho de 2011 e o dia 13 de Dezembro de 2012, em diversas zonas de mato em Boliqueime após ser contactado telefonicamente pelo consumidor RM e combinar com o mesmo o local das entregas, vendeu ao dito consumidor, diversos pacotes de cocaína e heroína, com cerca de um grama cada, a €20,00 cada. q) Que no dia 13 de Dezembro de 2012, após o consumidor contactar telefonicamente com o arguido para o n.º 96xxxx, este indicou-lhe que iria vender produto estupefaciente no sítio do “Monte da Vaca”, em Boliqueime, local para onde o consumidor se dirigiu com intenção de adquirir ao arguido uma saqueta de heroína pelo preço de €20,00, o que apenas não sucedeu em virtude de o arguido ter sido detido por militares da GNR. r) Que o arguido por diversas vezes e em diferentes ocasiões vendeu saquetas de cocaína aos consumidores NM e JF, sendo que para tal era contactado telefonicamente pelo n.º 92xxx. s) Que o arguido pelo menos entre pelo menos o mês de Julho de 2012 e o dia 13 de Dezembro de 2012, por diversas vezes e em diferentes ocasiões, em vários locais de mato em Boliqueime, nomeadamente, no sitio do “Monte da Vaca”, vendeu ao consumidor NR, diversos pacotes de heroína pelo preço de €30,00, cada. t) Que o arguido, pelo menos entre o mês de Setembro de 2011 e a data em que foi detido, por inúmeras vezes e em diferentes ocasiões, na zona de mato designada por “Barra Brita”, “Brita” ou “Britadeira”, em Boliqueime, vendeu saquetas de heroína à consumidora de heroína ME. O arguido vendia embalagens de heroína designadas por “meias bolas” por €20,00 e saquetas designadas por “bolas” por €45,00, “oferendo” pequenas embalagens de cocaína designadas por “fezadas”. 1.3. Motivação […] No caso em apreço, a convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto provada, formou-se com base nos seguintes meios de prova, analisados criticamente, à luz das regras da experiência comum, da lógica, da razão e da livre convicção do julgador: O arguido não prestou declarações no início da audiência de julgamento, usando do seu direito ao silêncio, tendo apenas prestado declarações a final, nas quais referiu que estava naqueles sítios do mato por ser consumidor e ter-se deslocado com outra pessoa a esses locais para comprar produto estupefaciente, negando que tinha produto estupefaciente na sua posse. Referiu, também, que no mato estravam dois indivíduos. Disse, ainda, que estava desempregado. - Declarações de E, militar da GNR, a desempenhar funções no Posto Territorial de Loulé, que de forma credível, espontânea, lógica e convincente, referiu conhecer o arguido do exercício das suas funções e que aquele usava a alcunha de “Dino”, relatou que no dia 31 de Março de 2012, por volta das 15:00h, encontrava-se de patrulha e recebeu uma chamada do posto a informar que tiveram conhecimento de haver movimentações de viaturas na zona da “Brita”. Solicitaram o apoio do NIC e deslocou-se ao local com o colega. Aí chegados, seguiram o caminho de terra batida e contactaram com uma senhora, de nome Josefina, que disse que foi levar comida ao “Dino”, traficante que se encontrava na Barra Brita. Depois, deslocaram-se ao local indicado e aí chegados viram o arguido sentado a fazer uma refeição, que, quando se apercebeu da presença da GNR, levantou-se, atira para o chão a couvert de plástico e coloca-se em fuga, lançando um saco para o chão. Não conseguiram interceptar o arguido, tendo apreendido o saco que o mesmo atirou para o chão e que continha cocaína e heroína, ficando este na posse da equipa do NIC, para depois enviar para o Laboratório. Afirmou ter a certeza que era o arguido que ali se encontrava, tendo visto perfeitamente o rosto do mesmo. Relatou, ainda, a situação que ocorreu em 13 de Dezembro de 2012, na sequência de contactos encetados por colegas de Boliqueime, deslocou-se ao “Vale da Vaca” – local conotado com o tráfico de estupefaciente. Aí chegados, o colega JM avistou de imediato o arguido. Este ao aperceber-se da presença dos militares da GNR começou imediatamente a fugir. JM lança-se sobre o mesmo e consegue proceder à detenção do mesmo. Tinha consigo uma bolsa que continha cocaína e heroína, a qual foi apreendida. - Declarações de FF, militar da GNR, a desempenhar funções no Núcleo de Investigação Criminal de Loulé, que de forma credível, espontânea, lógica e convincente, referiu conhecer o arguido do exercício das suas funções, tendo relatado as diligências por si efectuadas no âmbito dos presentes autos. Disse que fez a inspecção ao local no “Sitio Quatro”, bem como diligências juntos das operadoras de telemóveis. Depois identificou e procedeu à inquirição das testemunhas que efectuaram as chamadas para o n.º de telefone do arguido. - Declarações de RP, militar da GNR, a desempenhar funções no Posto Territorial de Quarteira, que de forma credível, espontânea, lógica e convincente, referiu conhecer o arguido do exercício das suas funções, relatando que em Março de 2012 (colocado no Posto Territorial de Loulé), estando ao serviço de ocorrências, foi-lhe comunicado via rádio que havia movimentações na “Brita” – local conotado pelo tráfico de estupefaciente. Deslocou-se ao local, onde encontrou a Josefina que disse ter ido levar uma refeição ao “Dino” e forneceu-lhe o n.º de telefone do arguido, indicando o local onde o mesmo se encontrava. Dirigiu-se ao local com o colega e quando estavam a chegar, o arguido viu-os, tendo-se colocado em fuga, lançando para o chão um saco que continha produto estupefaciente. Afirmou ter a certeza que era o arguido que estava naquele dia na “Brita” e que o mesmo estava sozinho. Disse, ainda, que presenciou a deslocação de mais consumidores que iam para aquele local com o objectivo de adquirir produto estupefaciente ao arguido, tendo depois, inquirido os mesmos. - Declarações de JM, agente da GNR, a desempenhar funções no Posto Territorial de Loulé, referiu de forma credível, espontânea, lógica e convincente, conhecer o arguido do exercício das suas funções e disse que no dia 13 de Dezembro de 2012, encontrava-se de patrulhamento, com o colega JC, tendo sido contactado pelos colegas C e F, solicitando apoio dos mesmos no “Sitio da Vaca” – local conhecido por ali ser exercida a actividade de tráfico de estupefaciente – para efectuarem o reconhecimento do local. Aí chegados encontraram um individuo, de nome Tiago, que lhes disse que recebeu um telefonema do arguido a indicar o local onde se encontrava a vender para este se ali dirigir com vista a adquirir produto estupefaciente. Este individuo disse que a pessoa que estava ali a vender chamava-se “Dino” e era de raça negra. No local abordaram outro individuo, chamado Rui, que confirmou ser o “Dino” que ali se encontrava a vender produto estupefaciente. O arguido apercebendo-se da presença da GNR, colocou-se imediatamente em fuga. Avançou sobre o mesmo, tendo, com a ajuda dos colegas, efectuado a detenção do arguido. Procederam à apreensão de uma bolsa que ele tinha à tiracolo de cor preta e que continha heroína e cocaína. Afirmou, ainda, que o arguido estava sozinho. - Declarações de ME, disse que não sabe se conhece o arguido, referindo que conhece um individuo chamado “Dino”, da “Brita”, que vendia produto estupefaciente. Relatou, ainda, que levou comida ao “Dino” em troca de produto estupefaciente, pois é consumidora. Recorda-se que nesse dia falou com elementos da GNR. O Tribunal considerou o depoimento desta testemunha parcialmente verosímil (ou seja a segunda parte do seu depoimento), tendo nessa parte alicerçado a sua convicção. - Declarações de NT, referiu que conhece o arguido de vista do mato. Descreveu que um dia quando regressava do mato, por ter ido adquirir produto estupefaciente, pois é consumidor, foi interceptado por agentes da GNR. Desconhece o que o arguido fazia no mato. O Tribunal considerou o depoimento desta testemunha parcialmente verosímil (ou seja a primeira parte do seu depoimento), tendo nessa parte alicerçado a sua convicção. - Declarações de AM, companheira do arguido vive com este desde 2008 e tem um filho de 2 anos, referiu que o mesmo é bom pai e marido. Tinha conhecimento que o mesmo se deslocava para o Algarve, mas desconhece o que ia fazer. Disse, ainda, que ele tem família em Cabo Verde (mãe, filhos (3) e irmãos). O Tribunal alicerçou, ainda, a sua convicção no relatório pericial toxicológico de fls. 130 e 597, auto de reconhecimento de fls. 311 e 312, auto de apreensão e testes rápidos de fls. 37 a 41, relatório de inspecção e reportagem fotográfica de fls. 46 a 59, elementos da TMN de fls. 174 a 241, 296 a 304, 499 a 553, auto de apreensão, autos de pesagem, testes rápidos e reportagem fotográfica de fls. 319 a 333, autos de ocorrência de fls. 339 a 342, termo de entrega de fls. 345, elementos da Segurança Social e da administração tributária de fls. 777, elementos do SEF de fls. 785 e 830. A ausência de actividade profissional do arguido está documentada nos autos, pelo teor das informações prestadas pela Autoridade Tributária, que nos mereceu credibilidade. Relativamente aos objectos apreendidos, é patente em face da prova produzida que os telemóveis eram utilizados na actividade de tráfico de estupefacientes (depoimentos das testemunhas – consumidores), adquiridos com o produto da actividade de tráfico, até porque o arguido não dispunha de rendimentos que lhes permitisse realizar tal aquisição, pois encontrava-se sem actividade profissional Por último, em sede das condições de vida do arguido, atendeu-se ainda ao relatório social de fls.914 a 917. E quanto aos antecedentes criminais o Tribunal teve em conta o certificado de registo criminal do arguido de fls. 908. Da prova produzida não foram presenciados concretos actos de venda de heroína e cocaína. Porém, como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11-1-2012, proc.º n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/142130" target="_blank">136/06.4GAMCD.P1</a> (in www.dgsi.pt/jtrp): “É verdade que a prova dos factos não tem de ser directa, pode ser indirecta. Como se refere, entre outros no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2010, proc. nº 86/06.0GBPRD.P1.S1, relatado por Soares Ramos (sum. in www.dgsi.pt): «Encontra-se universalmente consagrado o entendimento, desde logo quanto à prova dos factos integradores do crime, de que a realidade das coisas nem sempre tem de ser directa e imediatamente percepcionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça. Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adopção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, “… as provas que não foram proibidas pela lei” (cf. art. 125.º do CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. art. 349.º do CC). As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indirecta, mediante o qual o julgador adquire a percepção de um facto diverso daquele que é objecto directo imediato de prova, sendo exactamente através deste que, uma vez determinado usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objecto de prova).” Em conformidade, apreciando crítica e conjugadamente, à luz das regras da experiência comum, as declarações das testemunhas inquiridas, que depuseram de forma concordante, objectiva com conhecimento directo sobre os factos e cujos depoimentos se mostraram credíveis, convincentes e seguros e de modo consentâneo e coerente com os elementos documentais constantes dos autos, a quantidade de produto estupefaciente apreendido, a forma como estava acondicionado, os locais onde o arguido se encontrava - em zonas referenciadas pelo exercício da actividade tráfico de estupefacientes - não ter o arguido ocupação profissional, o modo como as substâncias estupefacientes estavam acondicionadas (pacotes de cocaína e de heroína), a quantia em dinheiro apreendida em notas de € 10,00 e € 20,00 (correspondente a cada venda efectuada), os 3 telemóveis em seu poder, o modus operandi, levaram o tribunal a concluir, sem qualquer margem para dúvidas, que o arguido conhecia as características do produto estupefaciente que tinha na sua posse, o qual se destinava à venda a consumidores ou a outros indivíduos que o procurassem para o efeito. A prova do dolo dos arguidos fez-se a partir da análise do conjunto da prova produzida e com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, em face da actuação desenvolvida pelo arguido e das circunstâncias em que a mesma teve lugar. O arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei. Os factos não provados resultaram da ausência de prova suficiente e credível sobre os mesmos ou da prova do contrário. O tribunal não atendeu a referências conclusivas ou de direito.» 8 – Como acima se deixou editado, o arguido recorrente convoca o exame deste Tribunal ad quem para as seguintes questões: (i) da nulidade do auto de reconhecimento de fls. 311/312; (ii) dos vícios do acórdão revidendo; (iii) do erro do Colectivo a quo no julgamento da matéria de facto; (iv) do erro do Colectivo a quo no julgamento da matéria de direito, no que respeita à escolha e medida da pena. 9 – Quanto à nulidade do auto de reconhecimento de fls. 311/312, defende o recorrente: (i) é cidadão cabo-verdiano, (ii) não domina a língua portuguesa; (iii) não foi assistido por defensor no auto de reconhecimento de 14 de Dezembro de 2012, a fls. 311/312 dos autos – por isso que se verifica uma nulidade insanável, nos termos do disposto nos artigos 64.º n.º 1 alínea c), e 119.º, do CPP, devendo o julgamento ser considerado nulo. A tanto opõe a Dg.ª respondente que, mesmo a verificar-se nulo o auto de reconhecimento levado pela testemunha ME, sempre a consequência de tal invalidade se traduzirá em não mais do que a desconsideração do auto de reconhecimento levado no inquérito. Mais adianta a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta que nada nos autos aponta para que o arguido desconheça a língua portuguesa, nos termos e para os efeitos de, naquele acto, lhe dever ser nomeado defensor, salientando que resulta do relatório social que o arguido se havia já estabelecido em Portugal há cerca de 5 anos, sendo que o português é a língua oficial do seu país de origem. Vejamos. Nos termos do disposto, conjugadamente, no artigo 32.º n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e nos artigos 64.º n.º 1 alínea d), 147.º, 119.º alínea c), e 122.º, do CPP, o arguido tem direito a ser assistido por defensor em todos os actos do processo, sendo obrigatória a assistência de defensor, em caso de reconhecimento de pessoas, sempre que o arguido for desconhecedor da língua portuguesa, configurando tal omissão nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, tornando inválido o acto em que se verificou, bem como os que dele dependerem ou por ele forem afectados, aproveitando-se, sem embargo, todos os mais actos que puderem ser salvos do efeito da declaração da nulidade. No caso, constata-se que não foi nomeado defensor ao arguido, para o acto de reconhecimento levado pela testemunha ME, a 14 de Dezembro de 2012 (fls. 311/312 dos autos). Mais se constata que, do relatório social de fls. 1014 a 108 dos autos, consta referência a entrevista realizada ao arguido, «limitado em termos de expressão linguística», e que o mesmo se havia já estabelecido em Portugal há cerca de 5 anos, sendo, ademais que o português é a língua oficial do seu país de origem. Verifica-se ainda que, no proémio da audiência de julgamento (sessão de 16 de Setembro de 2013, cf. fls. 1026/v.º, se determinou a nomeação de intérprete ao arguido uma vez que «não obstante o arguido expressar algumas palavras de língua portuguesa, no entanto declarou não perceber tudo o que lhe era perguntado em língua portuguesa». Vejamos ainda. A questão de o arguido ser ou não «desconhecedor da língua portuguesa», nos termos e para os efeitos do disposto, designadamente, no artigo 64.º n.º 1 alínea d), do CPP, mesmo concedendo ser pouco plausível que, sendo o Português a língua oficial do país de origem do arguido e, ademais, residindo este em Portugal há cerca de 5 anos, este seja «desconhecedor» da nossa língua, não pode deixar de ser resolvida, desde logo à luz do favor rei, em benefício do arguido, podendo conceder-se, por exemplo, que o arguido não tivesse logrado escolaridade, em Cabo Verde, e que, em Portugal, lidasse num meio familiar e social de uso quase absoluto de crioulo, e, por isso, que o arguido tivesse um minguado contacto com a língua portuguesa. Como assim, ademais à semelhança do que ocorreu na audiência de julgamento, no reconhecimento levado no inquérito, o arguido devia ter sido assistido por defensor. Não o tendo sido, pode mesmo conceder-se que o arguido não estaria «impedido de, na audiência de julgamento, contrariar o valor probatório do reconhecimento anteriormente efectuado, com pleno funcionamento da regra do contraditório, e sendo o mesmo, então obrigatoriamente, assistido por defensor, não há qualquer razão para julgar» violado o seu direito constitucional de defesa – acórdão, do Tribunal Constitucional, n.º 532/2006 (Diário da República, 2.ª série, n.º 217, de 10 de Novembro de 2006). Vejam-se ainda, a respeito, os acórdãos, do mesmo Tribunal Constitucional, n.º 425/2005 (Diário da República, 2.ª série, n.º 195, de 11 de Outubro de2005), n.º 413/2004 (Diário da República, 2.ª série, n.º 172, de 23 de Julho de 2004), e n.º 137/2001 (Diário da República, 2.ª série, n.º 149, de 29 de Junho de 2001). Com interesse para o caso, vejam-se também os acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Março de 2010 (Processo 886/07.8PSLSB.L1.S1), do Tribunal da Relação do Porto, de 7 de Novembro de 2007 (Processo 0713492), e deste Tribunal da Relação de Évora, de 6 de Dezembro de 2011 (Processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/210458" target="_blank">9/10.6PACTX.E1</a>), este no sentido expresso de que «não viola o direito constitucional de defesa do arguido a interpretação da norma do artigo 147.º do CPP, no sentido da não exigência de que o arguido seja obrigatoriamente assistido por defensor no acto ali previsto». No caso sub inde, porém, a questão deve situar-se não no âmbito da conformidade do auto de reconhecimento em causa com os ditames do artigo 147.º, do CPP, mas antes na desconsideração, naquele acto processual, das exigências que, por via do disposto no artigo 32.º n.º 3, da CRP, e no artigo 64.º n.º 1 alínea d), do CPP, impondo a assistência de defensor a arguido desconhecedor (mesmo que de modo inverosímil, mesmo que apenas na sua plena capacidade de entendimento) da língua portuguesa. No caso, não se cuidou de, sob tal circunstancialismo, fazer com que o arguido fosse acompanhado de defensor. Por que assim, o acto de reconhecimento em causa (levado pela testemunha ME, a 14 de Dezembro de 2012, cf. fls. 311/312 dos autos) é irremediavelmente nulo, não podendo tal nulidade deixar de ser declarada, mesmo nesta instância recursiva – artigo 119.º alínea c), do CPP. Sem embargo, como de resto sublinham as Ex.mas Magistradas do Ministério Público, em 1.ª e nesta instância, a consequência de tal invalidade não se traduz, como se pretexta na douta motivação do recurso, na nulidade do julgamento. Com efeito, em vista do disposto no citado artigo 120.º, do CPP, mesmo ainda que o Tribunal a quo haja referenciado o auto de reconhecimento em causa como um dos alicerces da respectiva convicção (pág. 15 do acórdão revidendo, fls. 1079 dos autos), não se vê que a invalidade daquele auto aporte aos demais actos processuais adrede realizados, qualquer sequela, em termos de carcoma ou de apodrecimento, por isso que todos os mais actos podem ser salvos dos efeitos da declaração de nulidade do mesmo. Ademais, como resulta da própria fundamentação da decisão sobre a matéria de facto levada pelo Colectivo a quo, a identificação do arguido como o autor da factualidade delitiva em causa resultou, consistentemente, dos depoimentos prestados, em audiência de julgamento, não apenas pela testemunha ME, que «relatou, ainda, que levou comida ao Dino em troca de produto estupefaciente, pois é consumidora», mas também (dispensando-se a repristinação) pelas testemunhas EC, RP e JM, militares da Guarda Nacional Republicana, os quais asseveraram que, por indicação da Josefa, se dirigiram ao local onde o arguido se encontrava, que logo encetou a fuga, atirando para o chão um saco contendo heroína e cocaína. Tudo para significar que, nesta parcela, o recurso interposto pelo arguido merece parcial provimento, apenas no ponto em que se impõe a declaração de nulidade do auto de reconhecimento levado pela testemunha ME, a 14 de Dezembro de 2012 (fls. 311/312 dos autos), nos termos prevenidos no artigo 119.º alínea c), do CPP, por violação do disposto no artigo 32.º n.º 3, da CRP, e no artigo 64.º n.º 1 alínea d), do CPP. 10 – Quanto aos alegados vícios do acórdão revidendo e ao invocado erro do Colectivo a quo no julgamento da matéria de facto. O arguido defende que, em audiência de julgamento, não foi feita prova (i) de que o arguido seja o indivíduo alcunhado de Dino e que se dedique ao tráfico de estupefacientes; (ii) de que os produtos estupefacientes e demais objectos apreendidos fossem sua pertença, admitindo tão-apenas ter-se provado que o arguido foi mero transportador da droga. Reporta-se, com apelo ao disposto no artigo 410.º n.º 2, alíneas b) e c), a uma «contradição da fundamentação de facto entre os factos provados e os factos não provados, a um erro notório na apreciação da prova, limitando-se a alinhar aquela materialidade que enquanto tal foi considerada no acórdão recorrido. O Ministério Público, em 1.ª e nesta instância, entende que o acórdão revidendo não padece de qualquer dos vícios previstos no artigo 410.º n.º 2, do CPP. Vejamos. Por um lado, importa ressaltá-lo, o acórdão recorrido, designadamente no que pertine à motivação da decisão sobre a matéria de facto, mostra-se (cfr. supra) devida e cabalmente fundamentado, assegurando a devida transparência do deciso, como imposto pelo artigo 205.º n.º 1, da CRP, e pelos artigos 97.º n.º 5 e 374.º n.º 2, do CPP, não suscitando, nesse particular, qualquer reparo. Ademais, o dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como com o exame crítico das provas que serviram para a fundar (art. 374.º/2 do CPP), exame que exige não apenas a indicação dos meios de prova que serviram para fundar a convicção do tribunal, como também o relato dos elementos que, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que tal convicção se formasse em determinado sentido, a determinada valoração dos meios de prova produzidos em audiência. Importa que a fundamentação da sentença (i) contribua para a sua eficácia, pela via da persuasão dos respectivos destinatários e da comunidade jurídica em geral, (ii) consinta às partes e aos tribunais de recurso, fazer reexame do processo lógico ou racional subjacente à decisão, e (iii) constitua um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere), nessa medida se configurando como garantia do respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões. No caso, afigura-se que o Tribunal recorrido fundamentou, com suficiente transparência, as razões que determinaram a convicção positiva sobre os factos que constituíam o thema decidendum, o que resulta, não apenas da transcrição supra, como ainda do cotejo da materialidade de facto (para além das conclusões ou considerações tecidas) alinhada nas minutas de acusação e de defesa. Nos termos prevenidos no artigo 374.º n.º 2, do CPP, constitui requisito da sentença, no segmento atinente à fundamentação, além dos mais enunciados, a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Adiante, nos termos prevenidos no artigo 379.º n.º 1 alínea a), do mesmo CPP, é nula a sentença que não contiver, designadamente, as menções referidas no mencionado n.º 2 do artigo 374.º do CPP. Importa assim que, por via de um tal exame das provas, que a lei pretende exposto, aberto – proclamado, de forma expressa, pela revisão do CPP operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto e, como é sabido, por referência à questão do duplo grau de jurisdição em matéria de facto – se apreciem criticamente os meios de prova, por forma a explicitar o processo de formação da convicção pelo tribunal. E assim, de modo, designadamente, a garantir que se não operou uma ponderação arbitrária. Isto é, impõe-se um exame crítico das provas que viabilize a «transparência da decisão» - cfr. Michelle Taruffo, «Note sulla garanzia costituzionale della motivazione», no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. IV, pág. 29. Do mesmo autor, podem ver-se, com particular interesse, «Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria», in «Decisione Giudiziaria e Verità Scientifica», Giuffré, Milão-2005, pp. 18 e segs., e «Conocimiento Cientifico y Estándares de Prueba Judicial», in «Boletin Mexicano de Derecho Comparado», nuova série, ano XXXVIII, n.º 114, pp. 1285-1312. Por mais impressivo para o caso, cf. Acórdão, do Tribunal Constitucional, n.º 680/98, de 2-12-98 (Diário da República, Série II, 5-3-99, pp. 3315 e seguintes, anotado na Revista do Ministério Público, n.º 78, pp. 133 e segs.). Uma vez que a lei não materializa o conceito de «exame crítico das provas», há-de o mesmo ancorar-se a regras e a critérios de razoabilidade, figurando-se o punto nodens em permitir a avaliação cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. Com efeito, a fundamentação da sentença destina-se, consabidamente, por um lado, a permitir o controlo da legalidade do acto e, de outra banda, destina-se a convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça. Ora, ressalvado o devido respeito pelo argumentário do recorrente, em vista da motivação da decisão sobre a matéria de facto, levada na instância, e acima transcrita, tem de conceder-se que o Colectivo a quo justifica, de forma compreensível e no respeito, desde logo, pelo disposto no artigo 205.º n.º 1, da CRP, as razões que o levaram, designadamente, a julgar provados determinados pontos de facto aportados na acusação, e assim, com base em regras de experiência comum que não parecem questionáveis. Por outro lado, não indica o recorrente, nem se verifica, do cotejo do despacho acusatório com o rol de factos julgados provados e julgados não provados, qual a materialidade que, daquele, terá sido, como se alega, sonegada à decisão. Assim, não pode proceder a argumentação trazida neste particular. Por outro lado, há-de convir-se, não pode ter-se por vício da decisão (nos termos e para os efeitos do disposto no citado artigo 410.º n.º 2, do CPP, com a consequência prevenida no artigo 426.º, do CPP) a manifestada divergência relativamente à convicção que o recorrente alcançou sobre a prova produzida em audiência, no mero cotejo com aquela convicção que o Tribunal Colectivo elegeu, fundamentadamente, e nos termos prevenidos no artigo 127.º, do CPP, sobre a mesma prova (com a consequência prevenida no artigo 431,º, do CPP). Trata-se, sabidamente, de piáculos, de defeitos ou perversões diversas, a primeira respeitante ao próprio texto da decisão, a segunda concernente a um julgamento defeituoso sobre a matéria de facto. Acresce salientar, mesmo ex officio e muito em síntese (ressalvando-se a generalização), que, do texto e na economia da decisão revidenda, não se verifica qualquer dos vícios prevenidos no citado artigo 410.º n.º 2, do CPP. Com efeito, investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundar a solução de direito atingida, não se vê que se tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos julgados provados ou entre estes e os factos julgados não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e, de igual modo, não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário. Termos em que, nesta parcela, o recurso não pode lograr provimento. Depois, importa ter presente que a impugnação do julgamento levado, na instância, sobre a matéria de facto, não conduz a um novo julgamento nem pode supri-lo. Na verdade, a prova gravada e, em parcelas, transcrita, nunca poderá suprir a abundância de pormenores (a cor e o cheiro) que a oralidade e a imediação proporcionam ao juiz quando aprecia a prova que, pela irrepetível primeira vez, se desenrola no Tribunal. O modo como o arguido, o declarante, como a testemunha depõem, as suas reacções, as suas reticências, a sua mímica, são factores decisivos na formação de uma convicção e não podem ser captados pela frieza asséptica de quaisquer meios mecânicos. Pode mesmo dizer-se que, na convicção, desempenham papel de relevo não apenas a actividade puramente cognitiva mas também elementos que, racionalmente, não são explicitáveis (em muitos casos, v.g., a credibilidade que se concede a um meio de prova) e mesmo elementos puramente emocionais – cfr. Figueiredo Dias, in «Direito Processual Penal», I, Coimbra Editora, 1974, pp. 204/205, e in «Direito Processual Penal», Lições 1988-1989, pp. 135 e segs.. Ensinava o Prof. José Alberto dos Reis que a livre apreciação da prova é indissociável do princípio da oralidade, «entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), e condição indispensável para actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal». Citando Chiovenda, concluía que «ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar» - cfr. Código de Processo Civil, Anotado, Vol. IV, pág. 566. Assim, o juiz que, em 1.ª instância, julga de facto, goza de ampla (conquanto vinculada) liberdade de movimentos ao erigir os meios de que se serve na fixação dos factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção e apreciação da prova. Nos termos expressamente prevenidos no artigo 127.º, do CPP, as provas são livremente valoradas pelo juiz sem obediência a regras pré-fixadas. Ora, há-de conceder-se, essa liberdade de apreciação com base no conjunto do material probatório recolhido pela percepção global, traduzido numa síntese decisória, é insindicável por este Tribunal. Como assim, o Tribunal de recurso só em casos excepcionais de manifesto erro de apreciação da prova poderá comutar a decisão levada na instância – será, por exemplo e caricatura, o caso de o depoimento de uma testemunha ter um sentido diametralmente oposto ao que foi considerado na sentença recorrida. Vale dizer que, por força do referido princípio da livre apreciação da prova (não estando em causa, como, no caso, não está, prova tarifada ou legal), o processo de formação da livre convicção do julgador na apreciação da prova não é questionável pelo tribunal de recurso. A esta instância caberá apenas indagar se tal apreciação e julgamento são contrariados pelas regras da experiência comum ou pela lógica do homem médio (diga-se mesmo, do julgador médio) suposto pela ordem jurídica. Por outro lado, há que sublinhar, a lei é exigente quanto ao modo de impugnação do recurso em matéria de facto, de harmonia com o disposto no artigo 412.º n.os 3 e 4 do CPP, sendo que a modificabilidade da decisão da 1ª instância apenas ocorre nos termos apontados no artigo 431.º, do CPP, entre os quais a impugnação da matéria de factos nos termos do artigo 412.º n.º 3, do mesmo diploma. E, aqui devem ser indicados não (apenas) os pontos de facto ou provas dissonantes, mas os concretos pontos de factos e as concretas provas que impõem decisão diversa. Por isso, o tribunal de 2.ª instância, apesar de ter poderes de cognição em matéria de facto, não pode sem mais, apreciar quais os meios de prova de que se socorreu o tribunal da 1ª instância para ter dado como provados os factos que veio a dar como provado. Torna-se necessária a indicação expressa dos concretos pontos de facto e concretas provas que, para esses concretos pontos de facto, impõem solução diversa. Dir-se-ia que o recorrente especificou todos os factos por que foi condenado e que não deveriam ter sido dados como provados, em face da inexistência ou insuficiência da prova, e bem assim, indicou, como lhe competia, os meios de prova que impunham, necessariamente, decisão diversa da recorrida. Porém, como determina o artigo 412.º n.º 4, do CPP, as concretas provas que impõem decisão diversa devem fazer-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no artigo 364.º n.º 2, do CPP, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. Tendo em conta o princípio da apreciação da prova nos termos do artigo 127.º, do CPP, uma coisa é a valoração da prova efectuada pelo tribunal e outra, o modo da sua impugnação em recurso sobre a matéria de facto, de forma processualmente válida, que não se traduz em mera exposição pelo recorrente como em seu entendimento faz a valoração da prova, sob pena de limitar-se a impugnar a convicção do tribunal recorrido. O que a lei pretende ao vincular o recorrente à indicação das provas que impõem decisão diversa, não é, certamente, formular uma outra versão da prova produzida. Por outro lado, não é suficiente especificar, de forma sectorial, algum ou outro, elemento da prova. Só a especificação de todos eles, os indicados pelo tribunal e os que se entende não foram tidos em conta, pode impor decisão diversa. E as provas que impõem essa diversa decisão são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que o tendo sido ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida. Se a tais provas faltam esses pressupostos, não conduzem a outra decisão. No caso, à míngua do cabal cumprimento, pelo recorrente, do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 413.º, do CPP, e ademais perante a substantiva fundamentação do acórdão revidendo, este Tribunal de recurso fica impedido de estabelecer se a prova produzida não apenas consentia, antes impunha, uma decisão diversa daquela que foi levada na instância. Sem embargo, em vista da análise e valoração, neste Tribunal ad quem, das provas produzidas no Tribunal recorrido, a convicção ora formada sobre os factos sob julgamento (seja quanto aos que devem considerar-se como provados, seja no que respeita aos que devem ter-se como não provados) não diverge daquela que o Colectivo a quo alcançou e exprimiu no acórdão revidendo. E assim, precedendo ponderação e convicção autónomas e autonomamente formuladas, nesta instância recursória, e tudo sem embargo dos inultrapassáveis limites de apreciação nesta instância, ditados pela natureza (de remédio), pelo momento de apreciação (de segunda linha e em suporte estático, não sendo caso de renovação de provas), e mesmo pelos termos, modelo e modo de impugnação, inerentes ao recurso sub indice. De igual modo, não se vê que o Tribunal a quo haja alcançado, ou devesse ter alcançado, qualquer estado de dúvida, designadamente sobre a culpabilidade do arguido e, menos ainda, que o tenha resolvido contra reo. Assim, também neste particular, não pode conceder-se provimento ao recurso. 11 – Quanto, por fim, ao invocado erro do Tribunal a quo no julgamento da matéria de direito, no ponto em que, segundo doutamente se alega, deixou de aplicar ao recorrente uma pena de 4 anos de prisão suspensa na sua execução sob regime de prova, por inadequada interpretação do disposto nos artigos 71.º e 40.º n.º 2, do Código Penal (CP). Em vista da pretendida comutação, in mellius, da pena aplicada em 1.ª instância, o arguido salienta que se encontra pessoal, social e familiarmente inserido em Portugal, e que tem um filho a que está afectivamente muito ligado, para além de três filhos em Cabo Verde cujo crescimento se impõe acompanhar. O Ministério Público, em 1.ª e nesta instância, entende que se não justifica a pretextada mitigação da pena. Em sede de escolha e medida da pena, o acórdão recorrido ponderou nos seguintes termos: «Cabe agora determinar a pena concretamente cabida ao caso tendo em conta a moldura penal prevista no artigo 21.º do Decreto- Lei n.º 15/93 para o crime de tráfico de estupefaciente é de 4 a 12 anos de prisão. […] No caso sub judice estamos perante uma situação em que a ilicitude se mostra elevada, considerando, o bem jurídico tutelado, a saúde pública, a modalidade da acção, a quantidade e qualidade do estupefaciente (droga dura) e o modo de execução, que o mesmo cedia a terceiros. O dolo do arguido, que reveste a modalidade de dolo directo, particularmente acentuado. As condições pessoais e a situação económica do arguido que resultaram provadas, nomeadamente do relatório social consta que o arguido apresenta um percurso laboral manifestamente irregular e precário com subsequentes limitações económicas, o que a par de um acentuado desenraizamento e isolamento sócio comunitário poderão ser factores potenciais de risco comportamental. A favor do arguido milita o facto de não ter antecedentes criminais. Há que ponderar, ainda, as exigências de prevenção geral e especial, sendo indubitavelmente elevadas as necessidades de prevenção geral, numa sociedade em que se assiste a um constante aumento do tráfico e consumo de estupefacientes e o alarme social que ocasionam, não se podendo ignorar o número crescente de pessoas que se dedicam a actividade desta natureza, bem como as suas consequências nefastas em termos de saúde pública e o aumento da criminalidade. Destarte, dadas as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir, e de forma a fazer o arguido compreender a necessidade de não adoptar condutas semelhantes no futuro, entende-se adequado condenar o arguido na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.» Vejamos. O crime de tráfico de estupefacientes em causa é punível com pena de 4 a 12 anos de prisão. Dispõe o artigo 71.º, do CP, que a determinação da medida da pena, dentro de tais limites, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ainda atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Releva, por outro lado, o disposto no artigo 40.º n.os 1 e 2, do CP, que, sobre as finalidades das penas, dispõe: «1. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.» Deste conjunto de regras ressalta, em primeiro lugar, que a culpa funciona como factor determinante do limite máximo da pena concreta; depois, que a pena adequada há-de encontrar-se (com aquela confinação) em função das exigências de prevenção geral e especial que o caso impuser. No âmbito da prevenção geral, avulta, com relevo essencial, a vertente positiva, ou seja, a tutela dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade na validade da norma jurídica violada. No capítulo da prevenção especial, a pena concreta há-de assegurar a ressocialização do agente, cumprindo, do mesmo passo, uma função subordinada, de advertência pessoal e de segurança. Isto ponderado, à luz da materialidade acima enunciada, tem de conceder-se que a pena concreta estabelecida em 1.ª instância, de 6 anos e 6 meses de prisão, se contém, no sopeso dos factos assentes, em medida ponderada e adequada, em vista, maxime, da reflexa gravidade da qualidade e quantidade de droga envolvida, não se devendo minimizar os malefícios, ponderados os efeitos e a repercussão, da sua disseminação. Por isso que tal pena, não merecendo reparo, não pode deixar de ser reiterada nesta instância. Termos em que, neste segmento, o recurso não pode lograr provimento. 12 – Não havendo decaimento total no recurso, não cabe tributação – artigos 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1, do CPP. III 13 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, A., tão-apenas no ponto em que se declara nulo o auto de reconhecimento levado a 14 de Dezembro de 2012 (fls. 311/312 dos autos), com a consequente desconsideração de tal auto na fundamentação da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto (página 15, do acórdão, folha 1079, do processo) confirmando-se, no mais, o decidido em primeira instância. Sem tributação. Évora, 13 de Maio de 2014 António Manuel Clemente Lima (relator) – Alberto João Borges (adjunto)
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: I 1 – Nos autos de processo comum em referência, o arguido, A. – filho de..., casado, pedreiro, natural e nacional de Cabo Verde, nascido a 12 de Julho de 1977, agora preventivamente preso, à ordem dos presentes autos –, acusado pelo Ministério Público, e tendo oferecido «o merecimento dos autos», foi submetido a julgamento e, a final, por acórdão de 16 de Outubro de 2013, foi condenado nos seguintes termos: (a) pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-A e I-B anexa a este diploma, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão; (b) na pena de expulsão do território nacional, nos termos do artigo 34.º do Decreto- Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, pelo período de 4 (quatro) anos. 2 – O arguido interpôs recurso do acórdão condenatório, pretendendo ver revogada a decisão recorrida e substituída por outra que: a) considere provada a nulidade insanável invocada, por procedente e provada com as legais consequências; b) sem prescindir nem conceder, pretende ver-se absolvido, atenta a falta de prova e caso assim não se entenda mediante a aplicação do princípio in dubio pro reo; c) sem prescindir, caso assim se não considere, face aos factos dados por provados, pretende que se aplique ao ora recorrente pena de prisão nunca superior a 4 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, sob regime de prova. Extrai da respectiva motivação as seguintes conclusões: «I - O ora recorrente é primário - cfr. CRC a fls. 908 dos autos, relatório social a fls. 914 a 917 dos autos - fato considerado provado no ponto 26 do douto acórdão recorrido. II. O ora recorrente é cidadão caboverdiano, não domina a língua portuguesa, tendo por esse motivo sido nomeado ao arguido ora recorrente intérprete de criolo - cfr. douto acórdão recorrido, TIR de fls. ... e docs, de fls. 831 a 856, docs de fls. 914 a 918. III - Em todos os atos processuais respeitantes ao ora recorrente, exceto a constituição de arguido, deveria o mesmo ter sido assistido por defensor, o que não sucedeu no auto de reconhecimento de fls. 311 e 312 dos autos - al c) do n.º 1 do artigo 64.º e al. c) do artigo 119.º do CPP. IV- O auto de reconhecimento de fls. 311 e 312 contribuiu para a formação da convicção do tribunal de determinação da medida da pena, sendo um dos elementos tido como prova contra o ora recorrente. V- O auto de reconhecimento de fls. 311 e 312 dos autos, na qual assentou a convição do Tribunal a quo para a condenação do ora recorrente e consequente medida da pena constitui nulidade insanável com as legais consequências devendo o julgamento ser considerado nulo - al c) do n.º 1 do artigo 64.º e al. c) do artigo 119.º do CPP. POR OUTRO LADO E SEM CONCEDER, VI- Os autos assentam na convicção transmitida de que os fatos foram praticados por um individuo conhecido por " DINO", o qual não é o arguido. VII - O ora recorrente é A, com o Cartão de Residência n.º ...N, valida até 16.04.2014, portador do passaporte n.º JI--- emitido em 27.01.2066, pela República de Cabo Verde com o visto n.ºPO---, emitido em 02.02.2007, com o NIF ...., NISS ....- cfr. 834, 835, 836, 837 e ss. dos autos. VIII - Da prova produzida não foram presenciados concretos atos de venda heroína e cocaína por parte do ora recorrente. IX - Nos autos existem vasta investigação, mas nada se prova que o ora recorrente seja o individuo chamado de " Dino" e que se dedicasse ao tráfico de estupefacientes, designadamente os produtos apreendidos sejam pertença do ora recorrente. X - O produto estupefaciente apreendido em 31.03.2012 e demais objetos não pertenciam ao ora recorrente. XI - O ora recorrente desconhece o individuo alegadamente interveniente no episódio do dia 31.03.2012, e se alguém foi detido, sendo certo que o ora recorrente não foi identificado nem detido. XII - O que resulta provado é a clara existência de mais pessoas de raça negra no mato tanto no dia 31.03.2013 e aquando da detenção do ora recorrente em 13.12.2012, sendo que o arguido, ora recorrente, foi detido por ser de raça negra e se encontrar no local, nada mais. XIII - Não se encontra provado que o produto estupefaciente e demais obejtos apreendidos, designadamente os telemóveis sejam pertença do ora recorrente ou que alguma vez fossem utilizados pelo recorrente. XIV - O ora recorrente, foi detido como mero transportador, nada mais se lhe pode imputar, apesar da vasta investigação nos autos e da prova produzida. XV - O ora recorrente nem é o dono do produto estupefaciente, nem o seu intermediário, nem o vendedor, sendo que ele próprio assume o consumo de produto estupefacientes, como admite. XVI - Foi apenas uma mera peça de um mecanismo maior em que foi envolvido, que não domina, que não conhece. XVII - Nem o ora recorrente nem respetivo agregado familiar têm sinais exteriores de riqueza, o que seria bem visível caso o tráfico existisse ainda mais na intensidade considerada como provada. XIX - Nas pesquisas exaustivas para a apurar a existência de eventuais quantias de dinheiro depositadas em inúmeras instituições bancárias, verifica-se que o ora arguido ora recorrente não é titular nem co titular de contas bancárias. XX- Os elementos da segurança Social e administração tributária de fls. 765 a fls. 778 e do SEF de fls. 785 a fls. 870, provam que o ora recorrente encontra-se inserido pessoal, familiar e profissionalmente em Portugal. XXII - O ora recorrente tem regularizada a sua estadia em Portugal a título de reagrupamento familiar, sendo portador de autorização de residência valida. XXIII - O Ora recorrente encontra-se pessoal, social e familiarmente inserido em Portugal - cfr. relatório social, as declarações da companheira do recorrente e do próprio recorrente e docs. supra indicados. XXIV - O ora recorrente tem um filho, H, menor nascido em Portugal em 20.11.2011 que está muito ligado afetivamente ao pai e que necessita do apoio do mesmo. XXVI - Ao aplicar a pena concreta que aplicou ao Recorrente, o Tribunal “a quo” violou assim artigo 71º do Código Penal; e face aos factos e ao direito apurados no julgamento, a pena de prisão aplicado igualmente ultrapassa a medida da culpa, violando-se também pelo Tribunal “ a quo” o n.º 2 do artigo 40º do C.P. XXVII - No entanto e sem conceder e atendendo aos critérios acima ponderados na globalidade do caso concreto considera-se justo adequado e proporcional ao caso concreto aplicar ao Recorrente uma pena de quatro anos de prisão suspensa na sua execução sob regime de prova. XXVIII – Pois assim será a pena correta a aplicar ao caso concreto, (caso não entenda pela nulidade acima invocada e restante invocado) ao Recorrente, pois as penas são para satisfazer a necessidade de prevenção geral e especial, e permitir assim a futura reabilitação do arguido na sociedade, afim deste se integrar na sociedade a fim de se estabelecer quer a nível laboral quer familiar, isto é de se reintegrar na sociedade, não deixando de salientar que o acompanhamento de um pai no crescimento do seu filho de tenra idade nascido em Portugal assim como dos outros três filhos que tem em Cabo Verde tem bastante importância.» 3 – O recurso foi admitido, por despacho de 6 de Dezembro de 2013. 4 – A Ex.ma Magistrada do Ministério Público, em 1.ª instância, sem extractar conclusões da respectiva minuta, respondeu, defendendo o não provimento do recurso. 5 – Nesta instância, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta é de parecer que o recurso não deve lograr provimento. Pondera, em abono, muito em síntese, (a) que, designadamente em vista do relatório social, se afigura de concluir que o arguido não é desconhecedor da língua portuguesa, nos termos e para os efeitos estatuídos no artigo 64.º n.º 1 alínea d), do Código de Processo Penal (CPP), e, sem embargo, a validade da demais prova produzida não justifica a pretendida modificação da matéria de facto julgada provada, com a consequente absolvição do arguido; (b) que não resulta do texto do acórdão revidendo qualquer dos vícios prevenidos no artigo 410.º n.º 2, do CPP; (c) que o recorrente não deu cumprimento ao disposto no artigo 413.º n.os 3 alíneas a) e b), e 4, do CPP, por isso que este Tribunal não pode conhecer da impugnação do julgamento da matéria de facto. 6 – Tomando as conclusões da motivação do recorrente, que (afora as questões cujo conhecimento se impõe de ofício) demarcam o objecto do processo, cumpre examinar, alinhadas segundo um critério de lógica e cronologia conclusivas, as seguintes questões: (i) da nulidade do auto de reconhecimento de fls. 311/312; (ii) dos vícios do acórdão revidendo; (iii) do erro do Colectivo a quo no julgamento da matéria de facto; (iv) do erro do Colectivo a quo no julgamento da matéria de direito, no que respeita à escolha e medida da pena. II 7 – Importa, antes de mais, fazer presente a decisão do Tribunal Colectivo a quo sobre a matéria de facto. Tal seja: «1. 1 Factos provados 1. O arguido que é conhecido pela alcunha de “Dino” pelo menos, no dia 31 de Março de 2012 e no 13 de Dezembro de 2012 (data em que foi detido à ordem destes autos) dedicou-se à venda de heroína e cocaína nos locais de mato conotados com o tráfico de estupefaciente, designados por “Brita”, “Britadeira” e Sitio da Vaca” e “Monte da Vaca”, em Boliqueime. 2. O arguido nos dias e locais identificados no ponto n.º 1 dos factos provados vendeu heroína e cocaína aos consumidores que o procuravam. 3. Para contactar e para ser contactado pelos consumidores o arguido utilizava vários números de telefone, designadamente, os números 92xxxx e 96xxxxx. 4. No dia 31 de Março de 2012 o arguido dedicava-se à venda de heroína e cocaína na zona de mato designada por “Barra Brita”, “Brita” ou “Britadeira”, em Boliqueime, Loulé. 5. Nesse dia 31 de Março de 2012, pelas 15:00 horas, na sequência de contacto telefónico com o arguido e a pedido deste, a consumidora M. adquiriu num restaurante duas refeições, as quais foi entregar ao arguido ao referido local. 6. Em troca das refeições o arguido entregou à referida consumidora uma saqueta de heroína. 7. O arguido, quando estava a comer a refeição que lhe tinha sido levada pela referida consumidora, ao ver militares da GNR, de imediato, iniciou fuga apeada. 8. O arguido fugiu levando consigo um saco com 29 pacotes de heroína com o peso de 117,450 gramas e 24 pacotes de cocaína com o peso de 3,445 gramas. 9. Durante a fuga o arguido deixou cair o saco para o chão, o qual foi apreendido juntamente com o produto estupefaciente que se encontrava no seu interior. 10. No dia 13 de Dezembro de 2012, pelas 17:00 horas, na zona de mato conhecida por “Sitio da Vaca” ou “Monte da Vaca”, em Boliqueime, o arguido procedia à venda de estupefacientes. 11. O arguido foi contactado para o seu telemóvel pelo consumidor NT, pelo menos, no dia 13 de Dezembro de 2013. 12. Nesse dia 13 de Dezembro de 2013 o referido consumidor deslocou-se ao sitio do “Monte da Vaca”, em Boliqueime, para adquirir um pacote de heroína, o que apenas não aconteceu porque o arguido foi detido por militares da GNR, 13. Ao visualizar militares da GNR, o arguido, de imediato iniciou fuga apeada, acabando por cair e ser imobilizado e detido pelos militares. 14. O arguido detinha junto ao corpo uma mala preta a tiracolo, que continha no seu interior os seguintes objectos que foram apreendidos:80 pacotes de heroína com o peso de 224,04 gramas;21 pacotes de cocaína com o peso de 15,205 gramas;a quantia monetária €196,70 em notas do Banco Central Europeu de €10,00 e €20,00 e moedas;três telemóveis da marca Nokia, um com o IMEI 358xxxx e com o cartão n.º 92xxx, outro com o IMEI 358xxx e com o cartão 96xxx e outro com o IMEI 3588xxxx;um lenço com resíduos de cocaína; uma carteira em pele de cor castanha;um carregador de telemóvel;três baterias de telemóvel;um cartão da TMN;um isqueiro de cor preta;uma bolsa de cartões transparente e dois cartões de transportes da zona de Lisboa; o arguido detinha ainda no bolso das calças dois sacos de plástico. 15. O arguido actuou até ao momento da sua detenção com a intenção de obter proveitos com a venda de produtos estupefacientes, o que logrou conseguir. 16. O arguido conhecia bem as características dos produtos que detinha e vendia, designadamente, a sua natureza estupefaciente, e bem assim que as mesmas eram altamente nocivas para a integridade física e psíquica e para a saúde de quem as consumisse, e sabia que não era titular de nenhuma autorização para comprar, ceder, vender, transportar ou deter as referidas substâncias. 17. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente e sabia que deter, guardar, transportar, comprar, vender, distribuir, ceder ou proporcionar a outrem produtos estupefacientes, nomeadamente, cocaína e heroína, constituem actos proibidos e sancionados pela lei penal. 18. Todos os objectos apreendidos nos autos foram adquiridos ou utilizados na compra e venda de substâncias estupefacientes e entraram na posse do arguido em consequência da venda de substâncias estupefacientes. 19. O dinheiro apreendido foi proveniente das vendas de saquetas de cocaína e heroína efectuadas pelo arguido. 20. Os telemóveis apreendidos eram utilizados pelo arguido para contactar e para ser contactado pelos consumidores. 21. O arguido é natural de Cabo Verde e tem nacionalidade cabo-verdiana. 22. Ao arguido não lhe é conhecida qualquer actividade profissional lícita nem quaisquer fontes de rendimentos lícitas. 23. O arguido nunca exerceu qualquer profissão em Portugal e vive exclusivamente dos proventos auferidos com o tráfico de produtos estupefacientes. 24. O arguido não é consumidor de estupefacientes, pelo que a actividade de tráfico desenvolvida constitui um negócio para o mesmo e o seu único modo de vida. 25. O arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente e sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. Mais se provou que: 26. Do relatório social do arguido consta que: “A. é natural de Cabo Verde provindo de uma estrutura familiar numerosa (9 irmãos uterinos) e inscrita num estrato socioeconómico modesto. Durante o seu processo de crescimento parece ter usufruído de ambiente familiar normativo pautado por consistentes sentimentos de pertença e de cooperação familiar, não havendo referências alusivas a envolvimentos judiciais, por parte dos demais elementos da família alargada. O seu percurso escolar, surge pouco investido, tendo apenas completado o 3° de escolaridade, aparentemente por factores de ordem económica e familiar. Posteriormente terá iniciado actividade laboral como indiferenciado primacialmente no ramo da construção civil e agricultura como ajudante. Em Julho de 2007 o arguido desloca-se para Portugal com o objectivo de vir a usufruir de melhores condições de vida, integrando o agregado de um irmão, imigrante na área de Lisboa (Cacém), já há alguns anos. Neste contexto o arguido terá iniciado actividade laboral em coadjuvação do irmão enquanto sucateiro, actividade que refere ter mantido intercalada com biscates na construção civil, mas em moldes precários e sem vínculos de contratação. Em termos sócio afectivos refere um primeiro relacionamento no país de origem, da qual refere ter três filhos e face aos quais parece co-assumir o seu sustento na medida das suas possibilidades. Há cerca de cindo anos estabeleceu relação marital com uma conterrânea, com a qual passou a coabitar e da qual tem actualmente um filho com dois anos de idade. Aparentemente e segundo o veiculado pelo arguido e companheira, detém percurso vivencial e compoitamental normativo, não registando a montante e jusante do processo sub Júdice, outros envolvimentos judiciais. À data dos factos subjacentes ao processo sub Júdice o arguido residia com a companheira e o filho menor em apartamento arrendado de tipologia Tl, no Cacém/Lisboa, descrito como detentor de condições de habitabilidade. Em termos laborais refere desenvolver a actividade de sucateiro, o que justificaria a sua deslocação ao Algarve. Não obstante a companheira caracterizar a relação conjugal com globalmente positiva, referindo uma efectiva assumpção das suas responsabilidades familiares, quer em termos económicos quer afectivos, nomeadamente para com o filho, reconhece algumas falhas ao nivel do diálogo mutuo quanto a questões pessoais/familiares e modo de vida do arguido. Actualmente e desde há cerca de uma mês, a companheira encontra-se a residir em Almansil, em casa de elementos do seu grupo de amizades, tendo iniciado actividade laboral como empregada de limpezas no Hotel da Quinta do Lago, de forma a poder manter o apoio ao arguido, não obstante assumir face ao mesmo sentimento de censurabilidade e de incompreensão pela sua situação. Em termos da sua inserção sócio comunitária e familiar não obstante o arguido referir alguma proximidade com alguns dos seus irmãos, não detendo contudo qualquer contacto com os mesmos desde a sua reclusão, nem de quaisquer elemento de amizades, o que nos parece indiciar um cabal desenraizamento e isolamento social, o que se poderá ter constituído como potencial factor de risco comportamental. Em termos pessoais e no decurso da entrevista o arguido assumiu uma postura de cordialidade e um discurso relativamente coerente sobre as suas condições de vida, ainda que limitado em termos expressão linguística, tendendo a dar uma imagem positiva de si próprio e a auto vitimar-se da sua situação de reclusão, que tende a considerar injusta. Apresenta como projecto de vida futura a perspectiva de permanência no país, passando pela assumpção das suas responsabilidades familiares, detendo para o efeito segundo refere no presente, documentação a tal permissível. Por outro lado, A. assumiu ainda crenças adequadas e precisas quanto a comportamentos socialmente desajustados bem como uma atitude critica e respeito pelos bens jurídicos em causa, no âmbito do presente processo, distanciando-se, todavia dos factos de que se encontra acusado. Neste contexto e não obstante alguma dificuldade na aceitação da situação em se encontra verbaliza confiança no sistema de Justiça. No decurso da reclusão o arguido tem protagonizado um comportamento globalmente positivo, quer ao nível do cumprimento das normas e regras institucionais, quer no relacionamento interpessoal, revelando contudo queixas recorrentes quanto a mal estar físico, vulgo dores, com sucessivo recurso a acompanhamento médico. (…) afigura-se-nos que o arguido, não obstante os condicionalismos económicos do agregado de origem, terá beneficiado de um contexto sócio familiar normativo, apresentando, contudo, um progressivo afastamento do seu núcleo familiar de origem, ainda que de alguma forma compensado pela vigência da sua relação marital. Por outro lado apresenta um percurso laboral manifestamente irregular e precário com subsequentes limitações económicas, o que a par de um acentuado desenraizamento e isolamento sócio comunitário se poderão ter-se constituído como potenciais factores de risco comportamental. Face ao presente processo, o arguido assume uma atitude critica e respeito pelos bens jurídicos em causa, mas nega a sua responsabilidade pessoal (…).” 27. O arguido não regista antecedentes criminais. 1.2. Factos não provados Não se provaram, de entre os factos descritos na acusação, os factos acima não descritos e os factos contrários àqueles que resultaram provados, sendo certo que o Tribunal debruçou-se especificadamente sobre cada um dos factos não provados. Assim, não se provou: a) Que o arguido desde pelo menos o início do ano de 2011 dedicou-se à venda de heroína e cocaína em diversos locais de mato conotados com o tráfico de estupefaciente, designadamente, nos locais designados por “Brita”, “Britadeira”, Sitio da Vaca” e “Monte da Vaca”, em Boliqueime, bem como no “Sitio Quatro”, na Guia. b) Que no referido lapso temporal, o arguido vendeu, diariamente, inúmeras saquetas de heroína vulgarmente designadas por “meias bolas” a €20,00, cada e embalagens de heroína usualmente designadas por “bolas” a €45,00, cada, sendo que, na compra das referidas embalagens o arguido oferecia embalagens pequenas de cocaína vulgarmente designadas por “fezadas”. O arguido vendia ainda outras embalagens de heroína e cocaína com mais ou menos peso, sendo que, os preços variavam entre os €10,00 e os €100,00. c) Que o arguido, no referido lapso temporal, vendeu heroína e cocaína, nomeadamente, nos referidos locais e aos consumidores que o procuravam, alterando com regularidade os concretos locais onde procedia às vendas. d) Que o arguido contactava regularmente, por telefone, diversos consumidores, nomeadamente, para os informar da localização concreta do sítio onde estava a vender o produto estupefaciente, bem como para os aliciar a adquirir produto estupefaciente. e) Que o arguido era ainda frequentemente contactado pelos consumidores que lhe solicitavam confirmação sobre o local onde naquele dia estava a vender saquetas de cocaína e heroína, locais para onde os consumidores se deslocavam, posteriormente, para adquirirem heroína e/ou cocaína ao arguido. f) Que o arguido, pelo menos entre o mês de Janeiro de 2012 e o dia 13 de Dezembro de 2012, contactou e foi contactado, por inúmeras vezes, pela consumidora de heroína e cocaína MI através do n.º 92xxxx. Após o arguido confirmar que estava a vender produto estupefaciente na zona de mato conhecida por “Brita”, em Boliqueime, a referida consumidora deslocava-se até tal local, onde o arguido lhe vendeu, por inúmeras vezes, várias embalagens de heroína pelo valor de €20,00 (“meia bola”) e €45,00 (“uma bola”). Com a compra de embalagens de heroína o arguido oferecia embalagens pequenas de cocaína (conhecidas por “fezadas”). g) Que o arguido pelo menos entre o mês de Abril de 2012 e o dia 13 de Dezembro de 2012, por várias vezes e em diferentes ocasiões, contactou e foi contactado pelo consumidor de heroína e cocaína R. através do n.º 92xxxx a quem vendeu saquetas de heroína com mais ou menos uma grama pelo preço de €7,00/€10,00, nomeadamente, nos locais designados por “Sitio Quatro”, na Guia e “Sitio do Tijolo”, em Algoz. h) Que o arguido pelo menos entre o mês de Abril de 2012 e o dia 13 de Dezembro de 2012, pelo menos em seis ocasiões diferentes, em diversas zonas de mato, tais como no “Sitio Quatro”, na Guia, no “Sitio do Tijolo”, no Algoz e no “Sitio do Tiro” em Paderne, vendeu embalagens de cocaína e heroína pelo preço de €10,00/€20,00 ao consumidor NM. Para contactar e ser contactado pelo referido consumidor o arguido utilizava o n.º 92xxxx. i) Que entre pelo menos entre o mês de Abril de 2012 e o dia 13 de Dezembro de 2012, o arguido, pelo menos em cinco ocasiões diferentes, em diversas zonas de mato, nomeadamente nos locais designados por “Sitio Quatro”, na Guia e “Sitio do Tijolo”, no Algoz, vendeu embalagens de heroína pelo preço de €10,00/€15,00 ao consumidor AJ. j) Que entre pelo menos entre o mês de Abril de 2012 e o dia 13 de Dezembro de 2012, o arguido, em várias ocasiões diferentes, em diversas zonas de mato, tais como nos locais designados por “Sitio Quatro”, na Guia e “Sitio do Tijolo”, no Algoz, vendeu embalagens de heroína pelo preço de €20,00 ao consumidor SM. k) Que entre pelo menos os últimos meses do ano de 2011 e o dia 13 de Dezembro de 2012, o arguido, em várias ocasiões diferentes, em diversas zonas de mato, tais como nos locais designados por “Sitio Quatro”, na Guia, “Sitio do Tijolo”, no Algoz, “Campo de Tiro”, em Paderne, “Sitio da Ribeira”, no Parragil e “Zona da Brita”, em Boliqueime vendeu pelo menos 15 embalagens de heroína com cerca de meia grama, cada, pelo preço de €10,00/€15,00 ao consumidor JL. O arguido contactava frequentemente o consumidor, nomeadamente, por mensagens em código onde escrevia “bom dia” por forma a informar que estava a vender produto estupefaciente. l) Que o arguido, durante pelo menos quatro meses antes do Verão de 2012, em diversas zonas de mato, tais como nos locais designados por “Sitio Quatro”, na Guia, “Sitio do Tijolo”, no Algoz, “Sitio do Tiro”, em Paderne e “Zona da Brita”, em Boliqueime vendeu embalagens de heroína de vários tamanhos ao consumidor RG. Pelo menos uma vez por semana durante o referido lapso temporal o arguido vendeu ao referido consumidor embalagens de heroína designadas vulgarmente por “bolas” com cerca de 3,5 gramas pelo preço de €45,00. O arguido contactava frequentemente o consumidor, por telefone, para o aliciar a adquirir produto estupefaciente. m) Que o arguido, pelo menos no ano de 2012 até à data em que foi detido à ordem dos presentes autos em 13 de Dezembro de 2012, em diversas zonas de mato no Algoz e em Silves, tais como nos locais designados por “Sitio Quatro” e “Sitio do Tijolo” vendeu embalagens de heroína de vários tamanhos ao consumidor VM. O arguido vendeu ao referido consumidor, por semana, pelo menos, embalagens de heroína pelo preço de €50,00. O arguido regularmente, contactava telefonicamente o consumidor, nomeadamente, para o aliciar a adquirir produto estupefaciente e para o informar do local onde estava a proceder à venda de produto estupefaciente. n) Que o arguido, pelo menos no ano de 2012 e até à data em que foi detido à ordem dos presentes autos, nomeadamente, no local designado por “Sitio do Tijolo”, no Algoz, por diversas vezes e em diferentes ocasiões vendeu embalagens de heroína com o peso de 3,5 gramas ao preço de €45,00 ao consumidor MM. o) Que pelo menos nos primeiros meses do ano de 2012, em diversas zonas de mato de Algoz, Paderne e Boliqueime, em várias ocasiões, o arguido vendeu embalagens de heroína com o peso aproximado de 2 gramas pelo preço de €20,00, cada, ao consumidor PL. Para contactar e ser contactado pelo consumidor, nomeadamente, para informar o local onde estava a vender produto estupefaciente, o arguido utilizava os números 92xxxx e 96xxxx. p) Que o arguido por diversas vezes e em diferentes ocasiões, entre pelo menos Junho de 2011 e o dia 13 de Dezembro de 2012, em diversas zonas de mato em Boliqueime após ser contactado telefonicamente pelo consumidor RM e combinar com o mesmo o local das entregas, vendeu ao dito consumidor, diversos pacotes de cocaína e heroína, com cerca de um grama cada, a €20,00 cada. q) Que no dia 13 de Dezembro de 2012, após o consumidor contactar telefonicamente com o arguido para o n.º 96xxxx, este indicou-lhe que iria vender produto estupefaciente no sítio do “Monte da Vaca”, em Boliqueime, local para onde o consumidor se dirigiu com intenção de adquirir ao arguido uma saqueta de heroína pelo preço de €20,00, o que apenas não sucedeu em virtude de o arguido ter sido detido por militares da GNR. r) Que o arguido por diversas vezes e em diferentes ocasiões vendeu saquetas de cocaína aos consumidores NM e JF, sendo que para tal era contactado telefonicamente pelo n.º 92xxx. s) Que o arguido pelo menos entre pelo menos o mês de Julho de 2012 e o dia 13 de Dezembro de 2012, por diversas vezes e em diferentes ocasiões, em vários locais de mato em Boliqueime, nomeadamente, no sitio do “Monte da Vaca”, vendeu ao consumidor NR, diversos pacotes de heroína pelo preço de €30,00, cada. t) Que o arguido, pelo menos entre o mês de Setembro de 2011 e a data em que foi detido, por inúmeras vezes e em diferentes ocasiões, na zona de mato designada por “Barra Brita”, “Brita” ou “Britadeira”, em Boliqueime, vendeu saquetas de heroína à consumidora de heroína ME. O arguido vendia embalagens de heroína designadas por “meias bolas” por €20,00 e saquetas designadas por “bolas” por €45,00, “oferendo” pequenas embalagens de cocaína designadas por “fezadas”. 1.3. Motivação […] No caso em apreço, a convicção do Tribunal, quanto à matéria de facto provada, formou-se com base nos seguintes meios de prova, analisados criticamente, à luz das regras da experiência comum, da lógica, da razão e da livre convicção do julgador: O arguido não prestou declarações no início da audiência de julgamento, usando do seu direito ao silêncio, tendo apenas prestado declarações a final, nas quais referiu que estava naqueles sítios do mato por ser consumidor e ter-se deslocado com outra pessoa a esses locais para comprar produto estupefaciente, negando que tinha produto estupefaciente na sua posse. Referiu, também, que no mato estravam dois indivíduos. Disse, ainda, que estava desempregado. - Declarações de E, militar da GNR, a desempenhar funções no Posto Territorial de Loulé, que de forma credível, espontânea, lógica e convincente, referiu conhecer o arguido do exercício das suas funções e que aquele usava a alcunha de “Dino”, relatou que no dia 31 de Março de 2012, por volta das 15:00h, encontrava-se de patrulha e recebeu uma chamada do posto a informar que tiveram conhecimento de haver movimentações de viaturas na zona da “Brita”. Solicitaram o apoio do NIC e deslocou-se ao local com o colega. Aí chegados, seguiram o caminho de terra batida e contactaram com uma senhora, de nome Josefina, que disse que foi levar comida ao “Dino”, traficante que se encontrava na Barra Brita. Depois, deslocaram-se ao local indicado e aí chegados viram o arguido sentado a fazer uma refeição, que, quando se apercebeu da presença da GNR, levantou-se, atira para o chão a couvert de plástico e coloca-se em fuga, lançando um saco para o chão. Não conseguiram interceptar o arguido, tendo apreendido o saco que o mesmo atirou para o chão e que continha cocaína e heroína, ficando este na posse da equipa do NIC, para depois enviar para o Laboratório. Afirmou ter a certeza que era o arguido que ali se encontrava, tendo visto perfeitamente o rosto do mesmo. Relatou, ainda, a situação que ocorreu em 13 de Dezembro de 2012, na sequência de contactos encetados por colegas de Boliqueime, deslocou-se ao “Vale da Vaca” – local conotado com o tráfico de estupefaciente. Aí chegados, o colega JM avistou de imediato o arguido. Este ao aperceber-se da presença dos militares da GNR começou imediatamente a fugir. JM lança-se sobre o mesmo e consegue proceder à detenção do mesmo. Tinha consigo uma bolsa que continha cocaína e heroína, a qual foi apreendida. - Declarações de FF, militar da GNR, a desempenhar funções no Núcleo de Investigação Criminal de Loulé, que de forma credível, espontânea, lógica e convincente, referiu conhecer o arguido do exercício das suas funções, tendo relatado as diligências por si efectuadas no âmbito dos presentes autos. Disse que fez a inspecção ao local no “Sitio Quatro”, bem como diligências juntos das operadoras de telemóveis. Depois identificou e procedeu à inquirição das testemunhas que efectuaram as chamadas para o n.º de telefone do arguido. - Declarações de RP, militar da GNR, a desempenhar funções no Posto Territorial de Quarteira, que de forma credível, espontânea, lógica e convincente, referiu conhecer o arguido do exercício das suas funções, relatando que em Março de 2012 (colocado no Posto Territorial de Loulé), estando ao serviço de ocorrências, foi-lhe comunicado via rádio que havia movimentações na “Brita” – local conotado pelo tráfico de estupefaciente. Deslocou-se ao local, onde encontrou a Josefina que disse ter ido levar uma refeição ao “Dino” e forneceu-lhe o n.º de telefone do arguido, indicando o local onde o mesmo se encontrava. Dirigiu-se ao local com o colega e quando estavam a chegar, o arguido viu-os, tendo-se colocado em fuga, lançando para o chão um saco que continha produto estupefaciente. Afirmou ter a certeza que era o arguido que estava naquele dia na “Brita” e que o mesmo estava sozinho. Disse, ainda, que presenciou a deslocação de mais consumidores que iam para aquele local com o objectivo de adquirir produto estupefaciente ao arguido, tendo depois, inquirido os mesmos. - Declarações de JM, agente da GNR, a desempenhar funções no Posto Territorial de Loulé, referiu de forma credível, espontânea, lógica e convincente, conhecer o arguido do exercício das suas funções e disse que no dia 13 de Dezembro de 2012, encontrava-se de patrulhamento, com o colega JC, tendo sido contactado pelos colegas C e F, solicitando apoio dos mesmos no “Sitio da Vaca” – local conhecido por ali ser exercida a actividade de tráfico de estupefaciente – para efectuarem o reconhecimento do local. Aí chegados encontraram um individuo, de nome Tiago, que lhes disse que recebeu um telefonema do arguido a indicar o local onde se encontrava a vender para este se ali dirigir com vista a adquirir produto estupefaciente. Este individuo disse que a pessoa que estava ali a vender chamava-se “Dino” e era de raça negra. No local abordaram outro individuo, chamado Rui, que confirmou ser o “Dino” que ali se encontrava a vender produto estupefaciente. O arguido apercebendo-se da presença da GNR, colocou-se imediatamente em fuga. Avançou sobre o mesmo, tendo, com a ajuda dos colegas, efectuado a detenção do arguido. Procederam à apreensão de uma bolsa que ele tinha à tiracolo de cor preta e que continha heroína e cocaína. Afirmou, ainda, que o arguido estava sozinho. - Declarações de ME, disse que não sabe se conhece o arguido, referindo que conhece um individuo chamado “Dino”, da “Brita”, que vendia produto estupefaciente. Relatou, ainda, que levou comida ao “Dino” em troca de produto estupefaciente, pois é consumidora. Recorda-se que nesse dia falou com elementos da GNR. O Tribunal considerou o depoimento desta testemunha parcialmente verosímil (ou seja a segunda parte do seu depoimento), tendo nessa parte alicerçado a sua convicção. - Declarações de NT, referiu que conhece o arguido de vista do mato. Descreveu que um dia quando regressava do mato, por ter ido adquirir produto estupefaciente, pois é consumidor, foi interceptado por agentes da GNR. Desconhece o que o arguido fazia no mato. O Tribunal considerou o depoimento desta testemunha parcialmente verosímil (ou seja a primeira parte do seu depoimento), tendo nessa parte alicerçado a sua convicção. - Declarações de AM, companheira do arguido vive com este desde 2008 e tem um filho de 2 anos, referiu que o mesmo é bom pai e marido. Tinha conhecimento que o mesmo se deslocava para o Algarve, mas desconhece o que ia fazer. Disse, ainda, que ele tem família em Cabo Verde (mãe, filhos (3) e irmãos). O Tribunal alicerçou, ainda, a sua convicção no relatório pericial toxicológico de fls. 130 e 597, auto de reconhecimento de fls. 311 e 312, auto de apreensão e testes rápidos de fls. 37 a 41, relatório de inspecção e reportagem fotográfica de fls. 46 a 59, elementos da TMN de fls. 174 a 241, 296 a 304, 499 a 553, auto de apreensão, autos de pesagem, testes rápidos e reportagem fotográfica de fls. 319 a 333, autos de ocorrência de fls. 339 a 342, termo de entrega de fls. 345, elementos da Segurança Social e da administração tributária de fls. 777, elementos do SEF de fls. 785 e 830. A ausência de actividade profissional do arguido está documentada nos autos, pelo teor das informações prestadas pela Autoridade Tributária, que nos mereceu credibilidade. Relativamente aos objectos apreendidos, é patente em face da prova produzida que os telemóveis eram utilizados na actividade de tráfico de estupefacientes (depoimentos das testemunhas – consumidores), adquiridos com o produto da actividade de tráfico, até porque o arguido não dispunha de rendimentos que lhes permitisse realizar tal aquisição, pois encontrava-se sem actividade profissional Por último, em sede das condições de vida do arguido, atendeu-se ainda ao relatório social de fls.914 a 917. E quanto aos antecedentes criminais o Tribunal teve em conta o certificado de registo criminal do arguido de fls. 908. Da prova produzida não foram presenciados concretos actos de venda de heroína e cocaína. Porém, como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11-1-2012, proc.º n.º 136/06.4GAMCD.P1 (in www.dgsi.pt/jtrp): “É verdade que a prova dos factos não tem de ser directa, pode ser indirecta. Como se refere, entre outros no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Maio de 2010, proc. nº 86/06.0GBPRD.P1.S1, relatado por Soares Ramos (sum. in www.dgsi.pt): «Encontra-se universalmente consagrado o entendimento, desde logo quanto à prova dos factos integradores do crime, de que a realidade das coisas nem sempre tem de ser directa e imediatamente percepcionada, sob pena de se promover a frustração da própria administração da justiça. Deve procurar-se aceder, pela via do raciocínio lógico e da adopção de uma adequada coordenação de dados, sob o domínio de cauteloso método indutivo, a tudo quanto decorra, à luz das regras da experiência comum, categoricamente, do conjunto anterior circunstancial. Pois que, sendo admissíveis, em processo penal, “… as provas que não foram proibidas pela lei” (cf. art. 125.º do CPP), nelas se devem ter por incluídas as presunções judiciais (cf. art. 349.º do CC). As presunções judiciais consistem em procedimento típico de prova indirecta, mediante o qual o julgador adquire a percepção de um facto diverso daquele que é objecto directo imediato de prova, sendo exactamente através deste que, uma vez determinado usando do seu raciocínio e das máximas da experiência de vida, sem contrariar o princípio da livre apreciação da prova, intenta formar a sua convicção sobre o facto desconhecido (acessória ou sequencialmente objecto de prova).” Em conformidade, apreciando crítica e conjugadamente, à luz das regras da experiência comum, as declarações das testemunhas inquiridas, que depuseram de forma concordante, objectiva com conhecimento directo sobre os factos e cujos depoimentos se mostraram credíveis, convincentes e seguros e de modo consentâneo e coerente com os elementos documentais constantes dos autos, a quantidade de produto estupefaciente apreendido, a forma como estava acondicionado, os locais onde o arguido se encontrava - em zonas referenciadas pelo exercício da actividade tráfico de estupefacientes - não ter o arguido ocupação profissional, o modo como as substâncias estupefacientes estavam acondicionadas (pacotes de cocaína e de heroína), a quantia em dinheiro apreendida em notas de € 10,00 e € 20,00 (correspondente a cada venda efectuada), os 3 telemóveis em seu poder, o modus operandi, levaram o tribunal a concluir, sem qualquer margem para dúvidas, que o arguido conhecia as características do produto estupefaciente que tinha na sua posse, o qual se destinava à venda a consumidores ou a outros indivíduos que o procurassem para o efeito. A prova do dolo dos arguidos fez-se a partir da análise do conjunto da prova produzida e com as regras da experiência comum e da normalidade da vida, em face da actuação desenvolvida pelo arguido e das circunstâncias em que a mesma teve lugar. O arguido agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei. Os factos não provados resultaram da ausência de prova suficiente e credível sobre os mesmos ou da prova do contrário. O tribunal não atendeu a referências conclusivas ou de direito.» 8 – Como acima se deixou editado, o arguido recorrente convoca o exame deste Tribunal ad quem para as seguintes questões: (i) da nulidade do auto de reconhecimento de fls. 311/312; (ii) dos vícios do acórdão revidendo; (iii) do erro do Colectivo a quo no julgamento da matéria de facto; (iv) do erro do Colectivo a quo no julgamento da matéria de direito, no que respeita à escolha e medida da pena. 9 – Quanto à nulidade do auto de reconhecimento de fls. 311/312, defende o recorrente: (i) é cidadão cabo-verdiano, (ii) não domina a língua portuguesa; (iii) não foi assistido por defensor no auto de reconhecimento de 14 de Dezembro de 2012, a fls. 311/312 dos autos – por isso que se verifica uma nulidade insanável, nos termos do disposto nos artigos 64.º n.º 1 alínea c), e 119.º, do CPP, devendo o julgamento ser considerado nulo. A tanto opõe a Dg.ª respondente que, mesmo a verificar-se nulo o auto de reconhecimento levado pela testemunha ME, sempre a consequência de tal invalidade se traduzirá em não mais do que a desconsideração do auto de reconhecimento levado no inquérito. Mais adianta a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta que nada nos autos aponta para que o arguido desconheça a língua portuguesa, nos termos e para os efeitos de, naquele acto, lhe dever ser nomeado defensor, salientando que resulta do relatório social que o arguido se havia já estabelecido em Portugal há cerca de 5 anos, sendo que o português é a língua oficial do seu país de origem. Vejamos. Nos termos do disposto, conjugadamente, no artigo 32.º n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), e nos artigos 64.º n.º 1 alínea d), 147.º, 119.º alínea c), e 122.º, do CPP, o arguido tem direito a ser assistido por defensor em todos os actos do processo, sendo obrigatória a assistência de defensor, em caso de reconhecimento de pessoas, sempre que o arguido for desconhecedor da língua portuguesa, configurando tal omissão nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento, tornando inválido o acto em que se verificou, bem como os que dele dependerem ou por ele forem afectados, aproveitando-se, sem embargo, todos os mais actos que puderem ser salvos do efeito da declaração da nulidade. No caso, constata-se que não foi nomeado defensor ao arguido, para o acto de reconhecimento levado pela testemunha ME, a 14 de Dezembro de 2012 (fls. 311/312 dos autos). Mais se constata que, do relatório social de fls. 1014 a 108 dos autos, consta referência a entrevista realizada ao arguido, «limitado em termos de expressão linguística», e que o mesmo se havia já estabelecido em Portugal há cerca de 5 anos, sendo, ademais que o português é a língua oficial do seu país de origem. Verifica-se ainda que, no proémio da audiência de julgamento (sessão de 16 de Setembro de 2013, cf. fls. 1026/v.º, se determinou a nomeação de intérprete ao arguido uma vez que «não obstante o arguido expressar algumas palavras de língua portuguesa, no entanto declarou não perceber tudo o que lhe era perguntado em língua portuguesa». Vejamos ainda. A questão de o arguido ser ou não «desconhecedor da língua portuguesa», nos termos e para os efeitos do disposto, designadamente, no artigo 64.º n.º 1 alínea d), do CPP, mesmo concedendo ser pouco plausível que, sendo o Português a língua oficial do país de origem do arguido e, ademais, residindo este em Portugal há cerca de 5 anos, este seja «desconhecedor» da nossa língua, não pode deixar de ser resolvida, desde logo à luz do favor rei, em benefício do arguido, podendo conceder-se, por exemplo, que o arguido não tivesse logrado escolaridade, em Cabo Verde, e que, em Portugal, lidasse num meio familiar e social de uso quase absoluto de crioulo, e, por isso, que o arguido tivesse um minguado contacto com a língua portuguesa. Como assim, ademais à semelhança do que ocorreu na audiência de julgamento, no reconhecimento levado no inquérito, o arguido devia ter sido assistido por defensor. Não o tendo sido, pode mesmo conceder-se que o arguido não estaria «impedido de, na audiência de julgamento, contrariar o valor probatório do reconhecimento anteriormente efectuado, com pleno funcionamento da regra do contraditório, e sendo o mesmo, então obrigatoriamente, assistido por defensor, não há qualquer razão para julgar» violado o seu direito constitucional de defesa – acórdão, do Tribunal Constitucional, n.º 532/2006 (Diário da República, 2.ª série, n.º 217, de 10 de Novembro de 2006). Vejam-se ainda, a respeito, os acórdãos, do mesmo Tribunal Constitucional, n.º 425/2005 (Diário da República, 2.ª série, n.º 195, de 11 de Outubro de2005), n.º 413/2004 (Diário da República, 2.ª série, n.º 172, de 23 de Julho de 2004), e n.º 137/2001 (Diário da República, 2.ª série, n.º 149, de 29 de Junho de 2001). Com interesse para o caso, vejam-se também os acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Março de 2010 (Processo 886/07.8PSLSB.L1.S1), do Tribunal da Relação do Porto, de 7 de Novembro de 2007 (Processo 0713492), e deste Tribunal da Relação de Évora, de 6 de Dezembro de 2011 (Processo 9/10.6PACTX.E1), este no sentido expresso de que «não viola o direito constitucional de defesa do arguido a interpretação da norma do artigo 147.º do CPP, no sentido da não exigência de que o arguido seja obrigatoriamente assistido por defensor no acto ali previsto». No caso sub inde, porém, a questão deve situar-se não no âmbito da conformidade do auto de reconhecimento em causa com os ditames do artigo 147.º, do CPP, mas antes na desconsideração, naquele acto processual, das exigências que, por via do disposto no artigo 32.º n.º 3, da CRP, e no artigo 64.º n.º 1 alínea d), do CPP, impondo a assistência de defensor a arguido desconhecedor (mesmo que de modo inverosímil, mesmo que apenas na sua plena capacidade de entendimento) da língua portuguesa. No caso, não se cuidou de, sob tal circunstancialismo, fazer com que o arguido fosse acompanhado de defensor. Por que assim, o acto de reconhecimento em causa (levado pela testemunha ME, a 14 de Dezembro de 2012, cf. fls. 311/312 dos autos) é irremediavelmente nulo, não podendo tal nulidade deixar de ser declarada, mesmo nesta instância recursiva – artigo 119.º alínea c), do CPP. Sem embargo, como de resto sublinham as Ex.mas Magistradas do Ministério Público, em 1.ª e nesta instância, a consequência de tal invalidade não se traduz, como se pretexta na douta motivação do recurso, na nulidade do julgamento. Com efeito, em vista do disposto no citado artigo 120.º, do CPP, mesmo ainda que o Tribunal a quo haja referenciado o auto de reconhecimento em causa como um dos alicerces da respectiva convicção (pág. 15 do acórdão revidendo, fls. 1079 dos autos), não se vê que a invalidade daquele auto aporte aos demais actos processuais adrede realizados, qualquer sequela, em termos de carcoma ou de apodrecimento, por isso que todos os mais actos podem ser salvos dos efeitos da declaração de nulidade do mesmo. Ademais, como resulta da própria fundamentação da decisão sobre a matéria de facto levada pelo Colectivo a quo, a identificação do arguido como o autor da factualidade delitiva em causa resultou, consistentemente, dos depoimentos prestados, em audiência de julgamento, não apenas pela testemunha ME, que «relatou, ainda, que levou comida ao Dino em troca de produto estupefaciente, pois é consumidora», mas também (dispensando-se a repristinação) pelas testemunhas EC, RP e JM, militares da Guarda Nacional Republicana, os quais asseveraram que, por indicação da Josefa, se dirigiram ao local onde o arguido se encontrava, que logo encetou a fuga, atirando para o chão um saco contendo heroína e cocaína. Tudo para significar que, nesta parcela, o recurso interposto pelo arguido merece parcial provimento, apenas no ponto em que se impõe a declaração de nulidade do auto de reconhecimento levado pela testemunha ME, a 14 de Dezembro de 2012 (fls. 311/312 dos autos), nos termos prevenidos no artigo 119.º alínea c), do CPP, por violação do disposto no artigo 32.º n.º 3, da CRP, e no artigo 64.º n.º 1 alínea d), do CPP. 10 – Quanto aos alegados vícios do acórdão revidendo e ao invocado erro do Colectivo a quo no julgamento da matéria de facto. O arguido defende que, em audiência de julgamento, não foi feita prova (i) de que o arguido seja o indivíduo alcunhado de Dino e que se dedique ao tráfico de estupefacientes; (ii) de que os produtos estupefacientes e demais objectos apreendidos fossem sua pertença, admitindo tão-apenas ter-se provado que o arguido foi mero transportador da droga. Reporta-se, com apelo ao disposto no artigo 410.º n.º 2, alíneas b) e c), a uma «contradição da fundamentação de facto entre os factos provados e os factos não provados, a um erro notório na apreciação da prova, limitando-se a alinhar aquela materialidade que enquanto tal foi considerada no acórdão recorrido. O Ministério Público, em 1.ª e nesta instância, entende que o acórdão revidendo não padece de qualquer dos vícios previstos no artigo 410.º n.º 2, do CPP. Vejamos. Por um lado, importa ressaltá-lo, o acórdão recorrido, designadamente no que pertine à motivação da decisão sobre a matéria de facto, mostra-se (cfr. supra) devida e cabalmente fundamentado, assegurando a devida transparência do deciso, como imposto pelo artigo 205.º n.º 1, da CRP, e pelos artigos 97.º n.º 5 e 374.º n.º 2, do CPP, não suscitando, nesse particular, qualquer reparo. Ademais, o dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como com o exame crítico das provas que serviram para a fundar (art. 374.º/2 do CPP), exame que exige não apenas a indicação dos meios de prova que serviram para fundar a convicção do tribunal, como também o relato dos elementos que, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que tal convicção se formasse em determinado sentido, a determinada valoração dos meios de prova produzidos em audiência. Importa que a fundamentação da sentença (i) contribua para a sua eficácia, pela via da persuasão dos respectivos destinatários e da comunidade jurídica em geral, (ii) consinta às partes e aos tribunais de recurso, fazer reexame do processo lógico ou racional subjacente à decisão, e (iii) constitua um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere), nessa medida se configurando como garantia do respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões. No caso, afigura-se que o Tribunal recorrido fundamentou, com suficiente transparência, as razões que determinaram a convicção positiva sobre os factos que constituíam o thema decidendum, o que resulta, não apenas da transcrição supra, como ainda do cotejo da materialidade de facto (para além das conclusões ou considerações tecidas) alinhada nas minutas de acusação e de defesa. Nos termos prevenidos no artigo 374.º n.º 2, do CPP, constitui requisito da sentença, no segmento atinente à fundamentação, além dos mais enunciados, a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Adiante, nos termos prevenidos no artigo 379.º n.º 1 alínea a), do mesmo CPP, é nula a sentença que não contiver, designadamente, as menções referidas no mencionado n.º 2 do artigo 374.º do CPP. Importa assim que, por via de um tal exame das provas, que a lei pretende exposto, aberto – proclamado, de forma expressa, pela revisão do CPP operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto e, como é sabido, por referência à questão do duplo grau de jurisdição em matéria de facto – se apreciem criticamente os meios de prova, por forma a explicitar o processo de formação da convicção pelo tribunal. E assim, de modo, designadamente, a garantir que se não operou uma ponderação arbitrária. Isto é, impõe-se um exame crítico das provas que viabilize a «transparência da decisão» - cfr. Michelle Taruffo, «Note sulla garanzia costituzionale della motivazione», no Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. IV, pág. 29. Do mesmo autor, podem ver-se, com particular interesse, «Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria», in «Decisione Giudiziaria e Verità Scientifica», Giuffré, Milão-2005, pp. 18 e segs., e «Conocimiento Cientifico y Estándares de Prueba Judicial», in «Boletin Mexicano de Derecho Comparado», nuova série, ano XXXVIII, n.º 114, pp. 1285-1312. Por mais impressivo para o caso, cf. Acórdão, do Tribunal Constitucional, n.º 680/98, de 2-12-98 (Diário da República, Série II, 5-3-99, pp. 3315 e seguintes, anotado na Revista do Ministério Público, n.º 78, pp. 133 e segs.). Uma vez que a lei não materializa o conceito de «exame crítico das provas», há-de o mesmo ancorar-se a regras e a critérios de razoabilidade, figurando-se o punto nodens em permitir a avaliação cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo. Com efeito, a fundamentação da sentença destina-se, consabidamente, por um lado, a permitir o controlo da legalidade do acto e, de outra banda, destina-se a convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça. Ora, ressalvado o devido respeito pelo argumentário do recorrente, em vista da motivação da decisão sobre a matéria de facto, levada na instância, e acima transcrita, tem de conceder-se que o Colectivo a quo justifica, de forma compreensível e no respeito, desde logo, pelo disposto no artigo 205.º n.º 1, da CRP, as razões que o levaram, designadamente, a julgar provados determinados pontos de facto aportados na acusação, e assim, com base em regras de experiência comum que não parecem questionáveis. Por outro lado, não indica o recorrente, nem se verifica, do cotejo do despacho acusatório com o rol de factos julgados provados e julgados não provados, qual a materialidade que, daquele, terá sido, como se alega, sonegada à decisão. Assim, não pode proceder a argumentação trazida neste particular. Por outro lado, há-de convir-se, não pode ter-se por vício da decisão (nos termos e para os efeitos do disposto no citado artigo 410.º n.º 2, do CPP, com a consequência prevenida no artigo 426.º, do CPP) a manifestada divergência relativamente à convicção que o recorrente alcançou sobre a prova produzida em audiência, no mero cotejo com aquela convicção que o Tribunal Colectivo elegeu, fundamentadamente, e nos termos prevenidos no artigo 127.º, do CPP, sobre a mesma prova (com a consequência prevenida no artigo 431,º, do CPP). Trata-se, sabidamente, de piáculos, de defeitos ou perversões diversas, a primeira respeitante ao próprio texto da decisão, a segunda concernente a um julgamento defeituoso sobre a matéria de facto. Acresce salientar, mesmo ex officio e muito em síntese (ressalvando-se a generalização), que, do texto e na economia da decisão revidenda, não se verifica qualquer dos vícios prevenidos no citado artigo 410.º n.º 2, do CPP. Com efeito, investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundar a solução de direito atingida, não se vê que se tenha deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos julgados provados ou entre estes e os factos julgados não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e, de igual modo, não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras da experiência comum, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário. Termos em que, nesta parcela, o recurso não pode lograr provimento. Depois, importa ter presente que a impugnação do julgamento levado, na instância, sobre a matéria de facto, não conduz a um novo julgamento nem pode supri-lo. Na verdade, a prova gravada e, em parcelas, transcrita, nunca poderá suprir a abundância de pormenores (a cor e o cheiro) que a oralidade e a imediação proporcionam ao juiz quando aprecia a prova que, pela irrepetível primeira vez, se desenrola no Tribunal. O modo como o arguido, o declarante, como a testemunha depõem, as suas reacções, as suas reticências, a sua mímica, são factores decisivos na formação de uma convicção e não podem ser captados pela frieza asséptica de quaisquer meios mecânicos. Pode mesmo dizer-se que, na convicção, desempenham papel de relevo não apenas a actividade puramente cognitiva mas também elementos que, racionalmente, não são explicitáveis (em muitos casos, v.g., a credibilidade que se concede a um meio de prova) e mesmo elementos puramente emocionais – cfr. Figueiredo Dias, in «Direito Processual Penal», I, Coimbra Editora, 1974, pp. 204/205, e in «Direito Processual Penal», Lições 1988-1989, pp. 135 e segs.. Ensinava o Prof. José Alberto dos Reis que a livre apreciação da prova é indissociável do princípio da oralidade, «entendida como imediação de relações (contacto directo) entre o juiz que há-de julgar e os elementos de que tem de extrair a sua convicção (pessoas, coisas, lugares), e condição indispensável para actuação do princípio da livre convicção do juiz, em oposição ao sistema de prova legal». Citando Chiovenda, concluía que «ao juiz que haja de julgar segundo o princípio da livre convicção é tão indispensável a oralidade, como o ar é necessário para respirar» - cfr. Código de Processo Civil, Anotado, Vol. IV, pág. 566. Assim, o juiz que, em 1.ª instância, julga de facto, goza de ampla (conquanto vinculada) liberdade de movimentos ao erigir os meios de que se serve na fixação dos factos provados, de harmonia com o princípio da livre convicção e apreciação da prova. Nos termos expressamente prevenidos no artigo 127.º, do CPP, as provas são livremente valoradas pelo juiz sem obediência a regras pré-fixadas. Ora, há-de conceder-se, essa liberdade de apreciação com base no conjunto do material probatório recolhido pela percepção global, traduzido numa síntese decisória, é insindicável por este Tribunal. Como assim, o Tribunal de recurso só em casos excepcionais de manifesto erro de apreciação da prova poderá comutar a decisão levada na instância – será, por exemplo e caricatura, o caso de o depoimento de uma testemunha ter um sentido diametralmente oposto ao que foi considerado na sentença recorrida. Vale dizer que, por força do referido princípio da livre apreciação da prova (não estando em causa, como, no caso, não está, prova tarifada ou legal), o processo de formação da livre convicção do julgador na apreciação da prova não é questionável pelo tribunal de recurso. A esta instância caberá apenas indagar se tal apreciação e julgamento são contrariados pelas regras da experiência comum ou pela lógica do homem médio (diga-se mesmo, do julgador médio) suposto pela ordem jurídica. Por outro lado, há que sublinhar, a lei é exigente quanto ao modo de impugnação do recurso em matéria de facto, de harmonia com o disposto no artigo 412.º n.os 3 e 4 do CPP, sendo que a modificabilidade da decisão da 1ª instância apenas ocorre nos termos apontados no artigo 431.º, do CPP, entre os quais a impugnação da matéria de factos nos termos do artigo 412.º n.º 3, do mesmo diploma. E, aqui devem ser indicados não (apenas) os pontos de facto ou provas dissonantes, mas os concretos pontos de factos e as concretas provas que impõem decisão diversa. Por isso, o tribunal de 2.ª instância, apesar de ter poderes de cognição em matéria de facto, não pode sem mais, apreciar quais os meios de prova de que se socorreu o tribunal da 1ª instância para ter dado como provados os factos que veio a dar como provado. Torna-se necessária a indicação expressa dos concretos pontos de facto e concretas provas que, para esses concretos pontos de facto, impõem solução diversa. Dir-se-ia que o recorrente especificou todos os factos por que foi condenado e que não deveriam ter sido dados como provados, em face da inexistência ou insuficiência da prova, e bem assim, indicou, como lhe competia, os meios de prova que impunham, necessariamente, decisão diversa da recorrida. Porém, como determina o artigo 412.º n.º 4, do CPP, as concretas provas que impõem decisão diversa devem fazer-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no artigo 364.º n.º 2, do CPP, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação. Tendo em conta o princípio da apreciação da prova nos termos do artigo 127.º, do CPP, uma coisa é a valoração da prova efectuada pelo tribunal e outra, o modo da sua impugnação em recurso sobre a matéria de facto, de forma processualmente válida, que não se traduz em mera exposição pelo recorrente como em seu entendimento faz a valoração da prova, sob pena de limitar-se a impugnar a convicção do tribunal recorrido. O que a lei pretende ao vincular o recorrente à indicação das provas que impõem decisão diversa, não é, certamente, formular uma outra versão da prova produzida. Por outro lado, não é suficiente especificar, de forma sectorial, algum ou outro, elemento da prova. Só a especificação de todos eles, os indicados pelo tribunal e os que se entende não foram tidos em conta, pode impor decisão diversa. E as provas que impõem essa diversa decisão são as provas relevantes e decisivas que não foram analisadas e apreciadas, ou, as que o tendo sido ponham em causa ou contradigam o entendimento plasmado na decisão recorrida. Se a tais provas faltam esses pressupostos, não conduzem a outra decisão. No caso, à míngua do cabal cumprimento, pelo recorrente, do disposto nos n.os 3 e 4 do artigo 413.º, do CPP, e ademais perante a substantiva fundamentação do acórdão revidendo, este Tribunal de recurso fica impedido de estabelecer se a prova produzida não apenas consentia, antes impunha, uma decisão diversa daquela que foi levada na instância. Sem embargo, em vista da análise e valoração, neste Tribunal ad quem, das provas produzidas no Tribunal recorrido, a convicção ora formada sobre os factos sob julgamento (seja quanto aos que devem considerar-se como provados, seja no que respeita aos que devem ter-se como não provados) não diverge daquela que o Colectivo a quo alcançou e exprimiu no acórdão revidendo. E assim, precedendo ponderação e convicção autónomas e autonomamente formuladas, nesta instância recursória, e tudo sem embargo dos inultrapassáveis limites de apreciação nesta instância, ditados pela natureza (de remédio), pelo momento de apreciação (de segunda linha e em suporte estático, não sendo caso de renovação de provas), e mesmo pelos termos, modelo e modo de impugnação, inerentes ao recurso sub indice. De igual modo, não se vê que o Tribunal a quo haja alcançado, ou devesse ter alcançado, qualquer estado de dúvida, designadamente sobre a culpabilidade do arguido e, menos ainda, que o tenha resolvido contra reo. Assim, também neste particular, não pode conceder-se provimento ao recurso. 11 – Quanto, por fim, ao invocado erro do Tribunal a quo no julgamento da matéria de direito, no ponto em que, segundo doutamente se alega, deixou de aplicar ao recorrente uma pena de 4 anos de prisão suspensa na sua execução sob regime de prova, por inadequada interpretação do disposto nos artigos 71.º e 40.º n.º 2, do Código Penal (CP). Em vista da pretendida comutação, in mellius, da pena aplicada em 1.ª instância, o arguido salienta que se encontra pessoal, social e familiarmente inserido em Portugal, e que tem um filho a que está afectivamente muito ligado, para além de três filhos em Cabo Verde cujo crescimento se impõe acompanhar. O Ministério Público, em 1.ª e nesta instância, entende que se não justifica a pretextada mitigação da pena. Em sede de escolha e medida da pena, o acórdão recorrido ponderou nos seguintes termos: «Cabe agora determinar a pena concretamente cabida ao caso tendo em conta a moldura penal prevista no artigo 21.º do Decreto- Lei n.º 15/93 para o crime de tráfico de estupefaciente é de 4 a 12 anos de prisão. […] No caso sub judice estamos perante uma situação em que a ilicitude se mostra elevada, considerando, o bem jurídico tutelado, a saúde pública, a modalidade da acção, a quantidade e qualidade do estupefaciente (droga dura) e o modo de execução, que o mesmo cedia a terceiros. O dolo do arguido, que reveste a modalidade de dolo directo, particularmente acentuado. As condições pessoais e a situação económica do arguido que resultaram provadas, nomeadamente do relatório social consta que o arguido apresenta um percurso laboral manifestamente irregular e precário com subsequentes limitações económicas, o que a par de um acentuado desenraizamento e isolamento sócio comunitário poderão ser factores potenciais de risco comportamental. A favor do arguido milita o facto de não ter antecedentes criminais. Há que ponderar, ainda, as exigências de prevenção geral e especial, sendo indubitavelmente elevadas as necessidades de prevenção geral, numa sociedade em que se assiste a um constante aumento do tráfico e consumo de estupefacientes e o alarme social que ocasionam, não se podendo ignorar o número crescente de pessoas que se dedicam a actividade desta natureza, bem como as suas consequências nefastas em termos de saúde pública e o aumento da criminalidade. Destarte, dadas as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir, e de forma a fazer o arguido compreender a necessidade de não adoptar condutas semelhantes no futuro, entende-se adequado condenar o arguido na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.» Vejamos. O crime de tráfico de estupefacientes em causa é punível com pena de 4 a 12 anos de prisão. Dispõe o artigo 71.º, do CP, que a determinação da medida da pena, dentro de tais limites, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo ainda atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Releva, por outro lado, o disposto no artigo 40.º n.os 1 e 2, do CP, que, sobre as finalidades das penas, dispõe: «1. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. 2. Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.» Deste conjunto de regras ressalta, em primeiro lugar, que a culpa funciona como factor determinante do limite máximo da pena concreta; depois, que a pena adequada há-de encontrar-se (com aquela confinação) em função das exigências de prevenção geral e especial que o caso impuser. No âmbito da prevenção geral, avulta, com relevo essencial, a vertente positiva, ou seja, a tutela dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade na validade da norma jurídica violada. No capítulo da prevenção especial, a pena concreta há-de assegurar a ressocialização do agente, cumprindo, do mesmo passo, uma função subordinada, de advertência pessoal e de segurança. Isto ponderado, à luz da materialidade acima enunciada, tem de conceder-se que a pena concreta estabelecida em 1.ª instância, de 6 anos e 6 meses de prisão, se contém, no sopeso dos factos assentes, em medida ponderada e adequada, em vista, maxime, da reflexa gravidade da qualidade e quantidade de droga envolvida, não se devendo minimizar os malefícios, ponderados os efeitos e a repercussão, da sua disseminação. Por isso que tal pena, não merecendo reparo, não pode deixar de ser reiterada nesta instância. Termos em que, neste segmento, o recurso não pode lograr provimento. 12 – Não havendo decaimento total no recurso, não cabe tributação – artigos 513.º n.º 1 e 514.º n.º 1, do CPP. III 13 – Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido, A., tão-apenas no ponto em que se declara nulo o auto de reconhecimento levado a 14 de Dezembro de 2012 (fls. 311/312 dos autos), com a consequente desconsideração de tal auto na fundamentação da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto (página 15, do acórdão, folha 1079, do processo) confirmando-se, no mais, o decidido em primeira instância. Sem tributação. Évora, 13 de Maio de 2014 António Manuel Clemente Lima (relator) – Alberto João Borges (adjunto)