Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
EDGAR VALENTE
Descritores
ROUBO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO RECONHECIMENTO DE PESSOAS ASSISTÊNCIA POR DEFENSOR DECLARAÇÕES DE CO-ARGUIDO IN DUBIO PRO REO PERDIMENTO DE BENS
No do documento
Data do Acordão
12/06/2011
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
RECURSO PENAL
Decisão
NÃO PROVIDOS OS RECURSOS
Sumário
1.No reconhecimento de pessoas não é, por via de regra, obrigatória a assistência por defensor. 2.Não viola o direito constitucional de defesa do arguido a interpretação da norma do art. 147.º do CPP, no sentido da não exigência de que o arguido seja obrigatoriamente assistido por defensor no acto ali previsto.
Decisão integral
Acordam os Juízes, após conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório.

No 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Cartaxo corre termos o processo comum colectivo nº 9/10.6PACTX, no qual aos arguidos WG, divorciado, desempregado, de nacionalidade brasileira, residente…, em Lisboa, actualmente preso preventivamente no EP de Lisboa, MS, solteiro, fotógrafo “free lancer”, residente ---, em Sesimbra, actualmente preso preventivamente no EP de Lisboa e JS, casado, reformado, residente …., em Lisboa, foi imputada:

I – Aos dois primeiros, em co-autoria material e concurso real, a prática de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artº 210º, números 1 e 2, al. b), com referência aos artigos 204º, nº 2 alíneas a) e f) e 202º, al. b), do Código Penal, de um crime de sequestro, p. e p. pelo artº 158º, nº 1 do Código Penal e dois crimes de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2º, nº 1 alíneas p) e q), nº 3, al. p) e nº 4, al. c), 3º, nº  3, 86º, nº 1, al. c) e 95º-A, números 1, 2, 4 e 5, todos da Lei nº 5/2006, de 23/02, na redacção da Lei nº 17/2009 de 06.05.

II – Ao arguido MS a prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º do DL 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C, anexa a este diploma e uma contra-ordenação de posse de reprodução de arma de fogo, p. e p. pelos artigos 2º, nº 1, al. l), 3º, nº 9, al. d) e 97º da Lei nº 5/06, de 23.02, na redacção da Lei nº 17/09, de 06/05;

III - Ao arguido JR prática, em autoria material e concurso real, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º do DL 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C, anexa a este diploma, de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelos artigos 2º, 3º, alínea p), 86º, nº 1, alínea d) e 95º-A da Lei 5/06, de 23.02, na redacção da Lei 17/09, de 6.05 e de um crime de favorecimento pessoal, p. e p. pelo artº 367º, números 1 e 2 do Código Penal.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida decisão que:

I - Absolve os arguidos WG e MS da prática, em co-autoria, de um crime de sequestro, p. e p. pelo artº 158º, nº 1 do Código Penal e de dois crimes de detenção de arma proibida (pistolas de calibre 7,65 mm), p. e p. pelos artigos 2º, nº 1 alíneas p) e q) , nº 3, al. p) e nº 4, al. c), 3º, nº 3, 86º, nº 1, alínea c) e 95º-A, números 1, 2, 4 e 5, todos da Lei nº 5/2006 de 23/02, na redacção conferida pela Lei nº 17/2009, de 06.05.

II - Condena o arguido WG, como co-autor material de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 2, al. b), com referência aos artigos 204º, nº 2, alíneas a) e f) e 202º, al. b) do Código Penal, na pena de cinco (5) anos e seis (6) meses de prisão.

III - Condena o arguido MS, como co-autor material, de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 2, al. b), com referência aos artigos 204º, nº 2, alíneas a) e f) e 202º, al. b) do Código Penal, na pena de sete (7) anos de prisão.

IV - Condena o arguido MS, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artº 25º, nº 1 do DL 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C, anexa a este diploma, na pena de dois (2) anos de prisão.

V - Condena o arguido MS, como autor material, de uma contra-ordenação por posse de reprodução de arma de fogo, p. e p. pelos artigos 2º, nº 1, alínea l), 3º, nº 9, alínea d) e 97º da Lei 5/06, de 23.02, na redacção da Lei 17/09, de 06/05, na coima de mil euros (1.000,00 €).

VI - Em cúmulo jurídico, condena o arguido MS na pena de oito (8) anos de prisão e na coima de mil euros.

VII - Declara perdidos a favor do Estado: o dinheiro, o veículo da marca FORD MONDEO, com a matrícula --- e respectivos documentos, as armas apreendidas aos arguidos MS e JS, o gorro, um par de luvas em látex, seis braçadeiras e um rolo de fita adesiva, um telemóvel da marca MOTOROLA, o passaporte do arguido W, os cartões de crédito e débito, bem como o telemóvel da marca SONY ERICSSON. Relativamente aos objectos apreendidos, com excepção dos acima mencionados, constantes dos autos de apreensão de fls. 313 a 315 e de fls. 333 e 334 determina a entrega a quem provar pertencer-lhe pertencer mediante a apresentação de factura/recibo.

O arguido MS interpôs recurso daquela decisão, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

''1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo 1º Juízo do Tribunal da Comarca do Cartaxo, pelo qual se condenou o arguido MS na pena de 8 de prisão em cumulo jurídico e na coima de 1000 euros, respectivamente, pelo cometimento dos crimes de roubo pp. Pelo artº 210 nº2 b) com referencia aos artºs 204 nº2 a) e f) e 2002 al b) do Código Penal, por um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade pp. pelo artº25 nº1 do DL 15/93 de 22.01 e ainda por uma contra-ordenação por posse de arma de fogo pp pelos artºs 2 nº1 l) 3º nº9 al d) e 97 da lei 19/09 de 6/5

2. Com tal decisão e com a sua fundamentação não se podem manifestamente os arguidos conformar, no seu se e no seu como, porquanto a mesma não resultou da prova produzida em julgamento, nem tem expressão do que resultou da investigação realizada, como se impõe inequivocamente no processo penal, enquanto corolário dos princípios que conferem legitimidade e legitimação a um Estado de Direito que se pretende democrático, nas vestes e com o monopólio do poder punitivo estadual.

3. Desde logo, o Tribunal julgou incorrectamente os factos n.ºs 1) 2) 3],4,]5), 6), 7), 8), da matéria dada como provada no Acórdão recorrido

4. Esta factualidade considerada assente no acórdão não tem suporte na prova produzida em audiência que o tribunal a quo — na fundamentação daquela decisão — reputou determinante para a formação da sua convicção.

5. Assim existem elementos probatório que conduzem a decisão diversa da recorrida, a saber:

Auto de reconhecimento fotográfico de fls. 32, onde o lesado face a diversas fotografias, afirma não reconhecer o arguido.

Auto de reconhecimento de fls. 321, onde o lesado reconhece o recorrente.

6. Tal reconhecimento foi feito sem a presença de advogado, logo de nenhum valor.

7. Na verdade, se o reconhecimento tiver lugar em processo em que vigore a publicidade interna, todos os sujeitos processuais e respectivos advogados têm direito de acesso à diligência e, portanto, devem ser para ele notificado. 
Tratando-se de arguido preso, ele é obrigatoriamente assistido por defensor, por interpretação extensiva do artº 144 nº3 do CPP.

8. Ora, sendo este nulo, o que se requer, também o é o reconhecimento efectuado na audiência de discussão e julgamento pelo ofendido onde manifestamente não foram verificados os pressupostos do artº147 do CPP, mormente o seu nº 7 onde se escreve – “O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer”, sendo igualmente nulo.

9. Tais factos contrariam totalmente o que se escreve a fls. 12 do acórdão impugnado, quando se escreve que “o ofendido FM, reconheceu pessoalmente o arguido MS na diligência efectuada em 7 de Maio 2010, de acordo, aliás, com todas as formalidade legais, a qual assume relevância como meio de prova.”

10. Aliás, veja-se a bondade do discurso do lesado, pois a quando ouvido no auto de reconhecimentos de pessoas já referido a fls. 321 este diz:

“Perguntado sobre se já conhecia a pessoa ou já a tinha visto antes ou depois do crime, quando e em que condições, a mesma disse que: nada.

Curiosamente no seu depoimento 9.12.2010 em tribunal, sufragado no acórdão em apreço que dele se serve, veio afirmar que ambos os arguidos estiveram dia antes na ourivesaria com a mesma roupa que envergavam no dia 12 de Janeiro de 2011 e quer num dia, quer no outro teve tempo suficiente para se aperceber das suas características fisionómicas que não teve dúvidas em fornecer às autoridades policiais.

11. Ora isto não é verdade como resulta da sua audição em inquérito, mas que aqui não pode ser chamado à liça. (Bastaria confrontar o seu depoimento com o prestado a fls. 27 e seguintes e em especial a fls. 28 linhas 26 a 33 para se verificar da bondade do mesmo).

Contudo, o depoimento prestado no auto de reconhecimento é elucidativo e esse vale e valeu em termos de decisão do tribunal “a quo”.

12. Diz também o tribunal que no fotograma de fls. 53 e 54 permite concluir que o arguido MS é co-autor dos factos, dado que se consegue identificar a pessoa de kispo creme como sendo o arguido MS.

13. Aliás a Juiz Presidente no interrogatório do arguido MS de 6.1.2010, diz que a fotografia de fls. 53 e 54 não andam longe da figura do arguido.

14. Ora, não andando longe, não é o mesmo que afirmar que de uma forma clara e iniludível correspondem à fotografia do arguido.

15. Com todo o respeito, se o artº 127 permite que o tribunal possa cimentar a sua convicção nos fotogramas de fls. 53 e 54, então é mesmo que dizer que por mais imperfeita que seja a imagem, ou diminuta a sua visibilidade, o Tribunal pode decidir por intuição.

16. Deve ainda ter-se em conta para que os factos supra referidos sejam dados como não provados os seguintes elementos de prova que conduzem a decisão contrária

O depoimento do queixoso FM, ouvido no dia 9.12.2010
A reter
00.58 -01.10
01.27- 02.38
14.17- 15.00
Isto quando em confrontação com o auto de reconhecimento já referido.

O depoimento do arguido MA em 6.1.2011
00.01-– 06.29
13.55 – 15.07
25.20 – 26.25
(A parte do depoimento de 13.25 a 15.07, tem a ver com o facto de os objectos encontrados em casa do arguido JR, deveram ser entregues a quem provar pertencer-lhe mediante a exibição de factura que tem todo o interesse no que refere à titularidade dos bens)

17. O recorrente explica no seu depoimento de uma forma cristalina como conheceu o seu co-arguido W e qual a explicação que entende existir para que este o acuse.

18. E a explicação é simples, este procura encobrir o envolvimento daquele que efectivamente o acompanhou no assalto.

19. Perante tais questões é manifesto não poderem ter qualquer valor as declarações prestadas pelo co-arguido W. ou pelo menos deviam ter sido apreciadas “cum granu salis”

20. Deve a matéria de facto provada e consignada na decisão recorrida ser modificada em conformidade com o teor da impugnação da matéria de facto constante na presente motivação, nos termos do arts. 412.º, n.º 3 e 431.º, als. a e b. do Código de Processo Penal.

21. A fundamentação da matéria de facto provada já foi objecto de análise nos pontos 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 16º, 17º, 18º e 19º destas conclusões pelo que aqui os damos por integralmente reproduzidos.

22. A factualidade dada como provada não pode conduzir à condenação do arguido pelo crime de tráfico de menor grávida previsto no artº 25 do decreto-lei 15/93 de 22.01.

23. Face a quantidade (menos de 100 gr. de haxixe) e a natureza do produto (droga leve), ao depoimento do arguido que conforme se escreve na sentença recorrida confessa detê-la para consumo e à total ausência de outros elementos de prova não resta senão condená-lo pelo nº2 do artº 2 lei 30/2000 numa contra ordenação alterando-se assim o acórdão neste sentido.

24. Não explica o tribunal porque razão entende necessário para a entrega dos bens descritos a fls. 313 a 315 e 333 e 334, a apresentação de factura ou recibo.

25. É próprio tribunal que na sentença afirma que tais bens não foram obtidos pelo MS através do cometimento de crimes, donde à contrário se infere que foram obtidos licitamente.

26. Não se pode esperar que o recorrente guarde ainda facturas de compras efectuadas ao longo dos últimos 20 anos.

27. Não havendo prova de qualquer ilícito imputável ao arguido quanto a estes bens, outra alternativa não resta ao tribunal senão devolve-los.

28. Perante os factos que se deixam descritos e respectivo enquadramento jurídico, crê o Recorrente que a existirem ou subsistirem dúvidas insupríveis na avaliação da prova, tais dúvidas não podem ser valoradas contra os arguidos.

29. É o que impõe o princípio in dubio pro reo, como contrapólo do princípio da oficiosidade que caracteriza o processo penal.

30. Tribunal recorrido ao não ter aplicado o princípio in dubio pro reo, não procedeu em conformidade com os princípios que norteiam a apreciação da prova, princípio este que assim deverá ser, caso se julgue necessário, aplicado por V. Ex.ªs na apreciação dos factos que motivam o presente recurso.

31. Caso V. Ex.ªs não acolham o teor da presente motivação, o que só se admite por mero dever de patrocínio, cumpre analisar a medida das penas encontradas pelo Tribunal a quo, as quais se afiguram manifestamente injustas e desajustadas.

32. Pelo exposto, deverão V. Ex.ªs reapreciar a pena aplicada ao arguido

33. Foram violados o artº 127, 147  nº7 conjugado com o artº 144  nº3, 374 nº2 todos do CP.P.
Artº 71 da CP
Foi ainda violado o artº 25 nº1 do decreto-lei nº15/93 de 22/01

Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente:

Deverão V.Exas. revogar a decisão sobre a matéria de facto e modificar a factualidade provada nos termos supra-alegados e, em consequência, absolver os arguidos da prática do crime de roubo;

Alterar a decisão sobre matéria de direito alterando a condenação do arguido pelo artº 25 do DL 15/93 de 22.01, por uma contra ordenação prevista no nº2 da lei 30/2000

Mandar devolver ao arguido os bens constantes de fls. 313 a 315 e fls. 333e 334.

Aplicar, no caso de subsistência de dúvida, o principio “in dubio pro reo”

Por último, caso não se acolha a fundamentação expressa no presente recurso, o que só se admite por dever de patrocínio, alterar a medida da pena aplicada ao arguido.''

Por seu turno, também o arguido WG interpôs recurso daquela decisão, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):

''I - O presente recurso tem como objecto exclusivamente o reexame da matéria de direito do Acórdão proferido nos presentes autos, que se justifica por não terem sido seguidos os critérios legais na escolha e determinação da pena, pelo que o Tribunal a quo violou o preceituado nos artigos 40.º; 50.º e 71.º, todos do Código Penal.

II - Se tais critérios tivessem sido devidamente valorados no douto Acórdão, certamente o mesmo teria decidido pela aplicação de uma pena inferior a cinco anos de prisão e permitiriam a aplicação do instituto da suspensão da execução dessa pena.

Com efeito,

III - O Tribunal a quo condenou o arguido W,  como co-autor material de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 2, alínea b), com referência aos artigos 204.º, n.º 2, alíneas a) e f) e 202.º, alínea b) do Código Penal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão.

IV - De acordo com aresto aqui colocado em crise, na “determinação da medida concreta da pena a cada um dos arguidos pelo crime que praticaram, segue-se o critério geral do artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal: à culpa função de determinar o limite máximo da pena; à prevenção geral de integração a funções de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos (dentro do que é consentido pela culpa) e cujo limite mínimo se encontra nas exigências de defesa do ordenamento jurídico; e a prevenção especial, cabe a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente”.

V - E que “os factores a ter em conta para a determinação da pena, conforme se indica no art.º 71.º, n.º 2 do Código Penal, são elementos não constitutivos do tipo legal de crime, mas que intervém por via da culpa ou da prevenção especial”.

VI - O douto Acórdão na determinação concreta da pena a aplicar aos arguidos qualificou as suas condutas como “gravíssimas”, praticadas com dolo directo, salientando a “gravidade dos actos cometidos pelo arguido MS, na medida em que actuava de cara tapada” realçando ainda negativamente a personalidade deste e os seus antecedentes criminais.

VII - A sua determinação da pena deve ter por base as circunstâncias do caso concreto, a culpa do agente e as exigências de prevenção (artigo 71.º, n.º 1, do CP).

VIII - Devendo ter-se em conta a actuação de cada um dos arguidos no apurado episódio e ainda circunstâncias atenuantes como a inexistência de antecedentes criminais, a confissão integral e sem reservas, o arrependimento e as condições pessoais do arguido. Circunstâncias essas que estão presentes quanto ao Recorrente.

IX - Em face da pena concretamente aplicada ao arguido WG permite-nos concluir que as circunstâncias atenuantes não foram devidamente ponderadas pelo Tribunal a quo, revelando uma contradição entre a fundamentação da escolha e medida da pena e a decisão.

X - Tanto mais por referência à pena aplicada ao co-arguido MS pela prática do mesmo crime na pena de sete anos de prisão, em que não concorrem quaisquer das circunstâncias mencionadas.

XI - Entendemos, por isso, s.m.o, que o Tribunal a quo não valorou correctamente a ausência de antecedentes criminais, as condições familiares, pessoais, profissionais e a personalidade do arguido.

XII - A pena deve ter por limite a culpa do arguido e pautar-se por princípios de proporcionalidade, necessidade e adequação.

XIII - Tudo ponderado e atendendo ao fim ressocializador das penas, a pena a aplicar ao Recorrente deverá ser inferior a 5 anos de prisão, respeitando-se do mesmo modo as exigências de prevenção geral e especial.

XIV - Consequentemente, sendo aplicada ao Arguido uma pena de prisão inferior a cinco anos, o Tribunal a quo teria obrigatoriamente de abordar a questão da suspensão ou não da execução da pena ao arguido – conforme impõe o artigo 50.º do CP.

XV - Ou seja, verificado o pressuposto objectivo – pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos – importaria averiguar se a prognose de ressocialização  seria favorável.

XVI - Determina o artigo 50.º do CP que a execução da pena de prisão aplicada é suspensa se atendendo à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

XVII - Ora, valoradas também nesta sede a ausência de antecedentes criminais, as condições familiares, pessoais, profissionais e a personalidade do arguido, afigura-se que a execução da pena de prisão não seria indispensável, por um lado, ao restabelecimento da paz social, e por outro, a que o arguido interiorize a necessidade de pautar o seu comportamento de acordo com o Direito;

XVIII - Pelo contrário, a simples censura do facto e a ameaça da pena seriam suficientes para afastar o arguido da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime.

XIX - Pelo exposto, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo as disposições dos artigos 40.º; 50.º e 71.º, todos do Código Penal.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser aplicada ao Recorrente uma pena inferior a 5 anos de prisão e, consequentemente, abordado o instituto previsto no artigo 50.º do CP, suspendendo-se na sua execução.''

Notificado para o efeito, o MP respondeu aos recursos, extraindo das respectivas respostas as seguintes conclusões (transcrição):

I – Recurso do arguido MS:

''1º - O recorrente não enuncia especificamente os fundamentos do recurso nem termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que resuma as razões do pedido, pelo que o recurso interposto deve ser indeferido.

2º - Resulta da Acta da Audiência de Discussão e Julgamento que se procedeu à documentação dos actos da audiência.

3º - O recorrente pretende pôr em crise a matéria de facto dada como provada, na sentença condenatória.

4º - Porém, porque não observou o estatuído nas diversas alíneas do nº 3, do artº 412º nem procedeu às especificações previstas nas alíneas b) e c) deste normativo, por referência aos suportes técnicos.

5º - Nem se verifica “in casu”, qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do artº 410º, nº 2, do CPP, a saber:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova;

Nem se constata a inobservância de um qualquer requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, nos termos previstos no nº 3, do artº 410º, do CPP.

6º - Tem de entender-se como assente a matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida, pelo que a cognição do tribunal de recurso no caso em apreciação terá de se restringir à matéria de direito.

7º - E, porque as conclusões apresentadas pelo recorrente não respeitaram o disposto no artº 412º, nº 2, CPP, deverá tal recurso ser rejeitado.

8º - Finalmente, o crime de ameaça é um crime formal, de mera actividade e de perigo concreto e não um crime de resultado conforme invocou o recorrente.''

I – Recurso do arguido WG:

''1º - A medida da pena aplicada foi bastante benevolente para o arguido W. ao condená-lo apenas em 5 anos e 6 meses de prisão efectiva, pela prática em co-autoria material de um crime de roubo p. e p. pelo artº 210º, 2 do Código Penal.

2º - O ofendido, dono da ourivesaria, que se encontrava no balcão de atendimento foi abordado pelos dois arguidos como se de dois clientes se tratassem.

3º - Foram-lhe apontadas duas armas de fogo e foi amarrado na casa de banho da sua ourivesaria, enquanto reuniam artigos em ouro, nomeadamente anéis, pulseiras, fios bem como artigos em prata no valor global calculado de 100.000€ bem como a quantia de 8.000€ em notas emitidas pelo Banco Central Europeu, após o que se puseram em fuga, deixando o ofendido amarrado.

4º - Nenhum dos artigos ou dinheiro “roubado” foi recuperado.
5º - O circunstancialismo dado como provado que rodeou o cometimento do crime em apreço conjugado com as necessidades de prevenção geral e especial, que são prementes sempre imporiam, quanto a nós a necessidade de aplicação ao arguido W. de uma pena de prisão efectiva.

6º - Apenas a postura revelada pelo arguido, ora recorrente em audiência, ao confessar os factos, ao demonstrar arrependimento e o ter pedido desculpa ao ofendido aliada à circunstância de não ter antecedentes criminais, nos leva a aceitar como razoável a pena de 5 anos e seis meses de prisão efectiva, bem próxima do seu limite mínimo, considerando que a moldura abstracta da pena é de 3 a 15 anos de prisão.

7º - Nunca por nunca poderíamos aceitar “in casu” o recurso ao instituto da suspensão da execução da pena de prisão.

8º - Com efeito, considerando as circunstâncias do crime é de todo indefensável, quanto a nós que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.''

Levaremos em conta o teor da decisão recorrida, que se reproduz na parte que interessa:

'' II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. – Factos provados

Da discussão da causa e produção da prova vieram a resultar provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa:

1 - No dia 12 de Janeiro de 2010, pelas 10 horas, os arguidos WG e MS, actuando em conjugação de esforços e intentos na prossecução de plano prévio acordado entre ambos, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros da marca e modelo, FORD MONDEO, de cor azul e de matrícula ---, deslocaram-se à “Ourivesaria M”, sita na Rua …, nesta cidade e comarca, e ali entraram, como se de dois clientes se tratassem e nesse sentido abordaram o dono da ourivesaria, FM, que se encontrava no balcão de atendimento.

2 - Quando este, por força do que lhe foi solicitado se retirou para a zona da oficina, localizada atrás do balcão de atendimento, os dois arguidos seguiram-no de imediato e na oficina manietaram-no, e exibindo cada um deles uma arma de fogo de que se encontravam munidos e que apontaram na sua direcção, assim o intimidando, fazendo-o temer pela sua vida.

3 - Ordenaram-lhe então, que entrasse na casa de banho ali existente, onde o amarraram, utilizando fita-cola, para o efeito, assim o privando da sua liberdade de locomoção.

4 - Em seguida, deslocaram-se para a loja e ao mesmo tempo que perguntavam ao ofendido, que permanecia amarrado na casa de banho, se a loja tinha alarme começaram a recolher artigos em ouro, nomeadamente anéis, pulseiras, fios, bem como artigos em prata, no valor global calculado de 100 000,00 € (cem mil euros) bem como a quantia de 8 000,00 € (oito mil euros), em notas emitidas pelo Banco Central Europeu, que acondicionaram de modo não esclarecido, após o que se puseram em fuga.

5 - Os arguidos WG e MS tornaram assim tais artigos em ouro e prata e quantitativo em dinheiro coisa sua, bem sabendo que actuavam contra a vontade do dono, com recurso a armas de fogo, de que iam munidos, para o efeito de amedrontarem e causarem a inacção da pessoa que estava na dita ourivesaria fazendo-a temer pela sua vida como pretendiam, estando dispostos a disparar tais armas se tal se viesse a revelar necessário à prossecução do seu plano, pessoa essa, o dono da ourivesaria, a qual além do mais, amarraram, assim a privando da sua liberdade de locomoção.

6 - Os arguidos W e MS actuaram deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e intentos e na execução de plano previamente combinado entre os dois, com recurso à violência e à privação da liberdade da vítima.

7 - Sabiam serem tais condutas proibidas e punidas por lei.

8 - Já em Dezembro os dois arguidos haviam estado naquela mesma ourivesaria, simulando interesse em peças de ouro a estudar a melhor forma de concretizar os seus intentos, tendo perguntado ao ofendido na data em apreço, pelo rolo de fios em ouro que aquele lhes havia mostrado anteriormente.

9 - No cumprimento do respectivo mandado de detenção europeu, viria a ser localizado e detido a 7 de Maio de 2010, o arguido MS junto da sua residência, em Sesimbra.

10 - No decurso de uma busca domiciliária, após consentimento prestado por este arguido para o efeito, viriam a ser localizados e apreendidos os artigos descritos a fls. 313 a 315, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos.

11 - No interior da residência deste arguido foi localizado e apreendido um produto sua pertença, que submetido a exame laboratorial pelo LPC, da Polícia Judiciária, em Lisboa, revelou tratar-se de 99,647 gramas de Cannabis (resina).

12 - O arguido MS conhecia a natureza estupefaciente desta substância e que detinha.

13 - Ao guardá-la em sua casa, actuou este arguido deliberada, livre e conscientemente.

14 - Sabia ser a sua detenção, venda, cedência, transporte proibida por lei.

15 - Este arguido detinha ainda em sua casa uma reprodução de arma de fogo, da marca “Crossman e Air Guns”, que à vista desarmada, aparentava tratar-se de um revólver calibre 38 mm, que foi apreendido.

16 - Sabia ser a sua detenção proibida por lei.

17 - Também no dia 7 de Maio de 2010, foi levada a cabo uma busca à residência do arguido JS, sita na Rua---, em Lisboa, na sequência do consentimento prestado para o efeito.

18 - Este arguido reside ali com a mulher e o filho BS.

19 - Nas gavetas da cómoda do quarto deste arguido e no interior do quarto de BS, no gavetão da cama deste, viriam a ser localizados os artigos descritos a fls. 333 e 334, fotografados a fls. 336, destacando-se 27 notas de 100 € cada uma, emitidas pelo Banco Central Europeu, sendo que no interior do cofre portátil localizado nesse gavetão, por seu turno estavam guardados os artigos discriminados, no “Auto de Abertura de Cofre e Apreensão de Objectos”, a fls. 346 a 350 com o valor constante no Auto de Exame Directo de fls. 464 a 471, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.

20 - O arguido JS detinha a pistola, que se mostra examinada a fls. 542 a 545, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos, apesar de saber que a mesma não tinha número de série, que não se encontrava registada nem manifestada nem o poderia vir a ser e que não era titular de licença de uso e porte de arma.

21 - Trata-se de uma pistola semi-automática, da marca “Tanfoglio”, de modelo “GT 28”, sem número de série visível, de origem italiana, apresentando as inscrições “Star – Made in Spain Cal 6,35”, que não são genuínas, que se constitui numa arma de fogo de 6,35 mm Browning, resultado da sua transformação/adaptação clandestina a partir da arma original, que era uma arma de alarme, encontrando-se em boas condições de funcionamento.

22 - Além da pistola referida, este arguido detinha o carregador respectivo, o coldre em pele e 47 munições, de calibre 6,35 mm.

23 - No interior da residência deste arguido foi localizada e apreendida uma bolsa preta, que estava oculta na segunda gaveta da cómoda do seu quarto, que continha 11 pedaços de uma substância prensada, de cor castanha, envolta em papel celofane, com o peso bruto de 133,075 gramas, um pedaço grande de uma substância prensada, de cor castanha, com o peso bruto de 123,752 gramas e vários pedaços de uma substância de cor acastanhada, dentro de um saco, com o peso bruto de 62,166 gramas. Estas substâncias eram pertença do arguido JS e, submetidas a exame laboratorial pelo LPC, da Polícia Judiciária, em Lisboa, revelaram tratar-se de Cannabis (resina), com o peso líquido respectivamente de 128,774, 110,886 e 58,859 gramas.

24 - O arguido JS, conhecia a natureza estupefaciente desta substância e que tinha na sua posse.

25 - Sabia ser a sua detenção, venda, cedência, transporte proibida por lei.

26 - O arguido WG é natural do Brasil, é o terceiro filho de sete irmãos e o seu processo de socialização ocorreu no seio de um agregado familiar de origem descrito como estruturada e afectivamente coeso e sem problemáticas relevantes ao nível sócio – económico.

27 - O arguido W estudou até ao 12.º ano conciliando os estudos com algumas actividades laborais indiferenciadas como forma de apoiar o seu agregado.

28 - Emigrou para Portugal em 2005 e exerceu a actividade profissional de servente de pedreiro até cerca de quatro meses antes de ser preso.

29 - À data dos factos vivia com um casal de amigos; a nível pessoal o arguido aparenta permeabilidade no que respeita a influências socialmente desviantes, com tendência a manifestar condutas desadaptadas quando se verificam contextos de vida adversos.

30 - O arguido W é considerado por patrões e amigos uma pessoa trabalhadora, cumpridora e confiável.

31 - O arguido W não tem antecedentes criminais; confessou os factos de que se encontrava acusado, demonstrou arrependimento e pediu desculpa ao ofendido.

32 - O arguido MS é o mais velho de quatro irmãos, sendo oriundo de uma família estruturada de condição económica estável.

33 - Concluiu o antigo 4.º ano do curso industrial com cerca de 16 anos de idade, altura em que começou a trabalhar na área da mecânica de automóveis.

34 - Em 1983 passou a residir em França onde concluiu um curso profissional de fotografia e a partir desta altura passou a exercer a profissão de fotógrafo paisagista por conta própria, viajando para vários países, visitando Portugal com regularidade.

35 - O arguido MS tem dois filhos de 18 e 13 anos de idade; o primeiro vive actualmente no Brasil e o segundo reside com a mãe.

36 - Por acórdão datado de 07.06.2001, proferido nos autos de processo comum colectivo n.º ---/00.5 JFLSB, das Varas Criminais de Lisboa, por factos praticados em 07.07.2000, o arguido MS foi condenado pela prática de dois crimes de burla, de dois crimes de burla na forma tentada, de um crime de detenção de arma proibida e de três crimes de passagem de moeda falsa, em cúmulo juridico, na pena de três anos e seis meses de prisão.

37 - Por sentença datada de 14.07.2006, proferida nos autos de processo comum singular n.º --/02.1 JELSB, do Tribunal de Sintra, por factos praticados em 14.07.2002, o arguido MS foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano.

38 - Por sentença datada de 15.12.2008, proferida nos autos de processo comum singular n.º --/99.5 TBSSB, do Tribunal de Sesimbra, por factos praticados em 28.08.1996, o arguido MS foi condenado pela prática de um crime de furto simples, na pena de cem dias de multa, à taxa diária de 5,50 €.

39 - O processo de desenvolvimento do arguido José Santos decorreu até aos doze anos de idade integrado no seio de um agregado familiar composto pelo arguido, progenitores e sete irmãos com modestas condições sócio económicas.

40 - O arguido inicia o seu percurso laboram com 12 anos de idade numa empresa de transportes e aos 22 anos passou a trabalhar no Porto de Lisboa; encontra-se reformado desde os 52 anos de idade; não sabe ler nem escrever.

41 - O arguido JS vive com a esposa e um filho maior; tem problemas de saúde hepáticos.

42 - Por sentença datada de 29.06.1979, proferida nos autos de processo correccional n.º ---, do 1.º juízo correccional de Lisboa, o arguido JS foi condenado pela prática de um crime de furto, na pena de três meses de prisão substituída por igual tempo de multa.

43 - Por sentença datada de 14.04.1980, proferida nos autos de processo correccional n.º ---/78, do 3.º juízo correccional de Lisboa, o arguido JS foi condenado pela prática de um crime de desobediência, na pena de dois meses de prisão substituída por igual tempo de multa.

44 - Por acórdão datado de 25.06.1981, proferido nos autos de processo de querela n.º --/80, do Tribunal Criminal de Lisboa, o arguido JS foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de sete anos de prisão maior.

45 - Por acórdão datado de 30.10.1989, proferida nos autos de processo comum colectivo n.º ---/89, do Tribunal de Lisboa, por factos praticados em 04.05.1989, o arguido JS foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de sete anos de prisão e Esc. 75 000$00 de multa.

46 - Por acórdão datado de 25.10.1994, proferida nos autos de processo comum colectivo n.º --/94, do Tribunal de Lisboa, por factos praticados em 30.03.1994, o arguido JS foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de cinco anos de prisão.

47 - Por acórdão datado de 15.02.1995, proferida nos autos de processo comum colectivo n.º ---/94.0 POLSB, do Tribunal de Lisboa, por factos praticados em 04.05.1989, o arguido JS foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de quatro anos e três meses de prisão.

2.1. – Factos não provados

Não se provaram os restantes factos descritos na acusação e acima não vertidos, designadamente que os diversos artigos referidos em 19. dos factos provados, apreendidos em casa do arguido JS, foram obtidos pelo arguido MS através do cometimento de diversos crimes, do que deu conhecimento ao arguido JS, a quem solicitou para que lhos guardasse, a fim de não serem recuperados pelas autoridades policiais e de não ser criminalmente responsabilizado pela sua prática.

Também não se provou que o arguido JS sabia que tais artigos eram provenientes de crimes cometidos pelo arguido MS, guardando-os com o propósito de evitar que os mesmos viessem a ser recuperados pela autoridade policial e que MS viesse a ser responsabilizado criminalmente e condenado, pela obtenção de tais artigos de valor comercial considerável, de forma delituosa e em prejuízo dos respectivos donos.

Finalmente, não se provou que o haxixe apreendido aos arguidos MS e JS se destinavam à venda a terceiros, com lucro.''

O Exmº Magistrado do MP neste Tribunal da Relação aderiu às respostas apresentadas pelo MP na 1ª instância.

Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, não foi apresentada qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

2 . Fundamentação.

A. Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412º do Código de Processo Penal – CPP), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

Contudo, apesar da delimitação do âmbito do recurso efectuada pelo recorrente, o tribunal ''ad quem'' deve oficiosamente[1] conhecer dos vícios referidos no artº 410º, nº 2 do CPP, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – nº 3 do referido preceito.

No caso dos autos, as questões a resolver são as seguintes:

I - Recurso do arguido MS

1ª questão – Impugnação da matéria de facto (o recorrente chama-lhe ''julgamento incorrecto da matéria de facto'').
2ª questão – A qualificação da conduta como tráfico de menor gravidade.
3ª questão – In dubio pro reo.
4ª questão – Perdimento de bens.

II – Recurso do arguido WG.
1ª questão – medida da pena.
2ª questão – possibilidade de suspensão de execução da pena.

Conhecendo dos recursos:
I - Recurso do arguido MS

1ª questão. (impugnação da matéria de facto)

Constitui princípio geral que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do artº 428º do CPP.

Diz-nos o artº 431º do CPP que[2] a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser modificada se (…) ( alínea b ) a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3 do artigo 412º.

Dispõe, por seu turno o artº 412º do CPP, com referência à motivação do recurso e conclusões:
« ( … )
3 – Quando impune a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a ) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b ) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c ) As provas que devem ser renovadas .

4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artº 364º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.»

Desde já, importa ter presente que a impugnação da matéria de facto em sentido amplo – com observância dos ónus impostos pelo artº 412º, nº 3 e nº 4 referidos – não se confunde com a invocação[3] dos vícios consagrados no nº 2 do artº 410º do CPP, pois estes hão-de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Assim, e no que respeita à impugnação da matéria de facto e ao disposto no artº 412º do CPP, como consta do Comentário do Código de Processo Penal de Paulo Pinto de Albuquerque[4], em anotação à referida norma, ''[a] especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado (…)''; ''[a] especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida (…) [m]ais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento''.

''(…) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação.''

Assim sendo, sempre que seja impugnada a matéria de facto, por se entender que determinado aspecto da mesma foi incorrectamente julgado, o recorrente tem de expressamente indicar esse aspecto, a prova em que apoia o seu entendimento e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida.

A referência aos suportes magnéticos só se mostrará cumprida – nas situações em que o registo da prova tenha sido vertido em CD-ROM / DVD-ROM (ou similar) – quando o recorrente indica, não as mencionadas voltas (porque inexistentes neste formato), mas os marcos temporais respectivos do suporte digital em causa e não apenas o respectivo início e fim do depoimento.

Tal exigência decorre da circunstância de que todos os recursos – à excepção do recurso de revisão – se encontrarem ''concebidos na lei como remédios jurídicos e não como instrumentos de refinamento jurisprudencial, o que inculca que aos impugnantes seja pedido (em obediência ao princípio da lealdade processual) que indiquem qual o defeito ou vício de que padece o acto impugnado, por forma a habilitar o tribunal superior a ajuizar do mérito das razões invocada.

Ora é exactamente esse o escopo da motivação: a indicação do recorrente ao tribunal ad quem do quid concreto que, segundo o seu entendimento, foi mal julgado e oferecer uma alternatividade fáctica que aquele tribunal vai julgar consistente ou não.''[5]

Por outro lado, pretendendo o recorrente ''impugnar a decisão da matéria de facto, forçosamente há-de saber o que nesta decisão concretamente quer ver modificado, e os motivos para tal modificação, podendo, portanto, expressá-lo na motivação.''[6]

As exigências previstas nos números 3 e 4 do artº 412º do CPP não se revestem de natureza meramente secundária ou formal: ao invés, relacionam-se com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e só a sua estrita observância permitirá ao tribunal de recurso conhecer a vontade do recorrente e pronunciar-se sobre um objecto escolhido, não por si próprio, mas por quem não se conforma com uma decisão.

Analisando, em concreto, os pressupostos legais para a impugnação da matéria de facto:

I - Indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.

No caso dos autos, o recorrente, pretendendo impugnar a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal a quo, indicou os factos ''que considera incorrectamente julgados'', ou seja, os factos provados 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7[7] e 8 (cfr. ponto 3 das conclusões do recurso).

Assim, temos por cumprido o referido ónus de indicação especificada.

II – Indicação das concretas provas que suportam a pretensão impugnatória.

O recorrente indica as provas que, segundo o seu entendimento, devem conduzir à não prova dos factos assinalados, ou seja, o ''Auto de Reconhecimento fotográfico de fls. 32, o Auto de Reconhecimento de fls. 321, reconhecimento efectuado em audiência, o fotograma de fls. 53/4, o depoimento do queixoso e do recorrente (indicando-se as passagens dos respectivos depoimentos).

Consequentemente, temos também por cumprido este ónus legal.

III – Exposição das razões porque a prova indicada impõe decisão diversa da recorrida.

A tónica hermenêutica quanto a este ónus da impugnação da matéria de facto deve ser colocada no verbo impor. Desde logo, deve sublinhar-se que não basta que aquela prova permita decisão diversa – é necessário que a imponha. '' ...
Note-se que a lei refere as provas que «impõem» e não as que «permitiriam» decisão diversa. É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.''[8]

Relativamente ao critério a seguir pelo tribunal de 1ª instância para escolher entre as soluções plausíveis segundo as regras da experiência podemos socorrer-nos da lição de Castanheira Neves[9]: 

''… se […] quisermos enunciar […] um critério de certeza probatória (o critério de verdade prática) diremos que se não pode evidentemente pretender a demonstração de uma evidência, que exclua toda a possibilidade do contrário, assim como é também claro que não nos podemos bastar com juízo de pura possibilidade lógica. Deverá sim exigir-se aquele tão alto grau de probabilidade prática quanto possa oferecer a aplicação esgotante e exacta dos meios utilizáveis para o esclarecimento da situação – um tão alto grau de probabilidade que faça desaparecer a dúvida (ou logre impor uma convicção) a um observador razoável e experiente da vida, ou, talvez melhor, a um juiz normal (com a cultura e experiência da vida e dos homens que deve pressupor-se num juiz chamado a apreciar a actividade e os resultados probatórios) referido às mesmas circunstâncias históricas e processuais.''

Entendemos que o recorrente assenta a sua pretensão numa ideia errada, qual seja, a de que o Tribunal da Relação pode, para julgar o recurso, efectuar um novo julgamento da matéria de facto, com o recurso às transcrições dos depoimentos que o aquele efectua e que, em seu entendimento, conduziriam à não prova de alguns dos factos: A doutrina – referenciada por Germano Marques da Silva[10] – tal como a jurisprudência dos nossos tribunais superiores (cfr., entre muitos, os Acórdãos do STJ de 30.06.99 in BMJ nº 488, página 272, de 17.02.2005 no processo 04P4324 disponível em www.dgsi.pt e desta Relação de Évora de 01.04.2008, proc. 360/08, também disponível www.dgsi.pt), são inequívocas no sentido de que ''... o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, mas constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância…'', mais se sublinhando que ''... não se podendo recorrer sobre a matéria de facto sem mais, limitando-se o recorrente a pôr em causa a convicção dos julgadores sem ter em conta que o princípio básico do nosso processo penal assenta na livre convicção do julgador consagrado no artº 127º do C.P.P.'' Em síntese, como refere a doutrina italiana, os recursos são meros remédios jurídicos.[11]

Cumpre, em primeiro lugar, analisar a questão suscitada relativamente aos ''reconhecimentos'' efectuados nos autos.

Começa o recorrente por afirmar que o reconhecimento de fls. 321 foi feito sem a presença de advogado, logo de nenhum valor. Argumenta para fundamentar tal posição que, se o reconhecimento tiver lugar em processo em que vigore a publicidade interna, todos os sujeitos processuais e respectivos advogados têm direito de acesso à diligência e, portanto, devem ser para ele notificado, mais acrescentando que, tratando-se de arguido preso, ele é obrigatoriamente assistido por defensor, por interpretação extensiva do artº 144 nº3 do CPP.

Trata-se da invocação ipsis verbis da posição de Paulo Pinto de Albuquerque no Comentário do Código de Processo Penal supracitado (a fls. 410), e sobre a mesma suscitam-se-nos as seguintes reflexões:

Não explica o referido autor (nem, aliás, o recorrente), porque motivo existe a necessidade de recorrer à interpretação extensiva (que, na verdade, mais do que extensiva, é verdadeiramente analógica).

A verdade é que o texto do mencionado artº 147º não prevê a presença obrigatória do defensor no reconhecimento nele disciplinado.

Entendemos que o legislador penal ordinário não está constitucionalmente limitado na determinação concreta dos actos processuais em que deve ser prevista a obrigatoriedade de assistência por defensor. 

O certo é que, dado o carácter sensível da questão (atentos os potenciais reflexos nos direitos de defesa dos arguidos), a lei processual penal estabelece com uma minúcia assinalável as situações em que aquela obrigatoriedade é imposta, reservando uma disposição específica para o efeito, ou seja, o artº 64º do CPP. Tal disposição não prevê a obrigatoriedade da assistência de defensor na diligência em questão. Contudo, tal obrigatoriedade é prevista ''nos interrogatórios de arguido detido ou preso'' (alínea a), regra que vem a ser repetida[12] no artº 144º, nº 3.

Deste modo, estando a obrigatoriedade de assistência de defensor apenas prevista para o específico meio de prova ''interrogatório de arguido preso'', parece-nos (salvo o devido respeito) meridianamente claro que tal regra não pode, por (mera) interpretação extensiva, abranger também o meio de prova ''reconhecimento de pessoas''. Com efeito, cremos que é possível afirmar com alguma segurança que, ao regular o meio de prova ''interrogatório de arguido preso'', o legislador ''não disse menos do que queria''[13], ao não referir ali (também) o reconhecimento de pessoas: só aquele meio de prova poderia estar em causa e não este último, como resulta do elemento sistemático da interpretação.

Por outro lado, para além de entendermos que não existe qualquer lacuna, pois o legislador não quis estender a regra da obrigatoriedade de assistência de defensor ao reconhecimento de pessoas, também entendemos que não existe um núcleo fundamental de semelhanças entre os dois meios de prova que justifique recorrer à analogia para integrar qualquer (inexistente, reiteramos) lacuna, desde logo porque (entre outros motivos) o interrogatório pode suscitar uma confissão (artº 141º, nº 5) e, por outro lado, uma vez que o conteúdo do direito do arguido de não responder a perguntas feitas sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar (artº 61º, nº 1, alínea d)) deve ser concretamente acompanhado pelo defensor ao longo do interrogatório de arguido preso.

De todo o modo, o Tribunal Constitucional[14] entendeu que, não sendo posta em causa a regularidade do acto de reconhecimento e não ficando o recorrente, de forma alguma, impedido de, na audiência de julgamento, contrariar o valor probatório do reconhecimento anteriormente efectuado, com pleno funcionamento da regra do contraditório e sendo o mesmo, então obrigatoriamente, assistido por defensor, não há qualquer razão para julgar que a interpretação da norma (artº 147º do CPP, interpretada como não exigindo que o arguido seja obrigatoriamente assistido por defensor) que defendemos viole o direito (constitucional) de defesa do arguido.

Inexiste, assim, a invocada nulidade do reconhecimento efectuado nos termos descritos no Auto de fls. 321.

Invoca também o recorrente a nulidade do ''reconhecimento efectuado na audiência de discussão e julgamento pelo ofendido onde manifestamente não foram verificados os pressupostos do artº 147 do CPP''.

Vejamos.

De acordo com o Tribunal Constitucional[15], ''dada a relevância que na prática assume para a formação da convicção do tribunal, e os perigos que a sua utilização acarreta, um reconhecimento tem necessariamente que obedecer, para que possa valer como meio de prova em sede de julgamento, a um mínimo de regras que assegurem a autenticidade e a fiabilidade do acto.''

Nestes termos, qualquer reconhecimento de pessoas deve ser feito de acordo com as formalidades previstas no artº 147º do CPP:

(nº 1) Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação.

(nº 2) Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual.
(...)

(nº 7) O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.[16]

O conteúdo deste nº 7 reconduz-se, pois, à previsão de uma verdadeira proibição de prova[17], ou seja, o reconhecimento é inválido e não pode, por isso, ser usado no processo designadamente, para fundamentar a decisão.

Cumpre agora avaliar normativamente se também se aplicam as regras gerais ao evento ocorrido na audiência dos presentes autos, em que a testemunha FM, à pergunta se conhecia os arguidos que estavam ''atrás de si'', respondeu afirmativamente quanto aos ''dois primeiros'' (o recorrente e o arguido WG).

Antes da Reforma de 2007, a jurisprudência maioritária entendia que ''os requisitos do artigo 147º CPP apenas se aplicam à instrução e inquérito e não à audiência de julgamento''.[18]

Nestes termos, pode defender-se que ''o reconhecimento de um arguido na audiência de julgamento é prova testemunhal e não prova por reconhecimento.''[19]

Trata-se de uma posição sufragada pelo Tribunal Constitucional[20], que distingue claramente o reconhecimento ''stricto sensu'' do ''reconhecimento'' efectuado em audiência, não passando este de ''uma atribuição dos factos expostos no depoimento da testemunha a certa pessoa ou pessoas'', pelo que submete este às regras de apreciação da prova testemunhal e aquele à disciplina do artº 147º do CPP. 

As duas figuras são escalpelizadas da seguinte forma: ''Assim sendo, nada impede o Tribunal de "confrontar" uma testemunha com um determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da testemunha, e em que a individualização efectuada – não tem o valor de algo que não é: o de um reconhecimento da pessoa do arguido como correspondendo ao retrato mnemónico gravado na memória da testemunha e de cuja equivalência o tribunal, dentro do processo de apreciação crítica das provas, saia convencido. Diferente – mas que não ocorreu nos autos – é a situação processual que ocorre quando, pressuposta que seja a necessidade de reconhecimento da pessoa, tida como possível autora dos factos, se coloca o identificante na posição de ter de precisar, entre várias pessoas colocadas anonimamente na sua presença, quem é que corresponde ao retrato mnemónico por ele retido.''

Já no Acórdão da Relação de Coimbra de 05.05.2010 (proferido no Pº <a href="https://acordao.pt/decisoes/123202" target="_blank">486/07.2GAMLD.C1</a> e disponível em www.dgsi.pt) se escreveu que o reconhecimento realizado em inquérito é uma “prova autónoma pré-constituída” a ser examinada em audiência de julgamento, nos termos dos artigos 355º, nº 1, in fine, nº 2 e artigo 356º, nº 1, b) do CPP, não lhe sendo aplicável o disposto nos seus números 2 e 3.

Caso já tenha sido realizado um reconhecimento em inquérito, torna-se desnecessário repeti-lo em audiência de julgamento.

A realização de um reconhecimento em audiência de julgamento com o cumprimento dos requisitos previstos no nº 2 do artº 147º do CPP só se coloca se inexistir reconhecimento realizado em inquérito ou instrução (por inércia das entidades investigadoras), ou se realizado, enfermar de nulidade processual ou nulidade probatória, sendo certo que, nestes casos, se impõe uma tomada de posição do tribunal no sentido de considerar necessária e adequada a realização de um “reconhecimento”, ao qual será atribuída uma específica e autónoma força probatória: o artº 147º do CPP não determina uma repetição de reconhecimentos, limitando-se a impor ao tribunal que, se entender adequado proceder a um reconhecimento em audiência de julgamento, este deverá observar o formalismo ali previsto.

De qualquer forma, é uma evidência que o regime normativo da audiência de julgamento se mostra de difícil (ou mesmo impossível) compatibilidade com o formalismo previsto no artº 147º do CPP, este claramente pensado para as fases de inquérito ou instrução. Com efeito, ''[a] questão que legitimamente se coloca, desde logo, é a de saber até que ponto será exequível aplicar as regras do reconhecimento previstas no artigo 147º do CPP à audiência de julgamento em que há um inevitável contacto directo entre ofendidos e arguidos, não apenas na própria sala de audiências como nos corredores do tribunal ou no simples acto de chamada para o processo realizada pelo funcionário judicial. Em todo o caso, mesmo que se considere possível, com as devidas adaptações, o cumprimento em audiência de julgamento das regras do artigo 147º, sempre ficará necessariamente excluída a possibilidade de ocultação do identificante a que alude o nº 4 do aludido preceito legal.''[21]

No caso dos autos, a identificação do arguido recorrente por uma testemunha em audiência não configura um acto de ''reconhecimento'' em sentido jurídico-processual, o que aliás nem sequer foi ordenado pelo tribunal a quo. Na acta nada consta – ou seja, o tribunal não ordenou a realização de reconhecimento processual, enquanto meio de prova autónomo, assim mesmo considerado pela disciplina do nosso Código de Processo Penal. De facto, o que ocorreu foi uma mera identificação do arguido recorrente (e do arguido WG).

Como se escreve no Acórdão da Relação do Porto de 07.11.2007 (in www.dgsi.pr/jtrp) ''o simples acto de uma testemunha na audiência identificar o arguido como o autor dos factos em julgamento insere-se no âmbito da prova testemunhal e não no âmbito da prova por reconhecimento'', podendo afirmar-se que, ''[d]e outro modo estaria achada a fórmula de anular qualquer prova testemunhal pois bastaria que a testemunha perante a pergunta de saber se reconhecia o arguido, se virasse, olhasse ou apontasse para ele, para de imediato deixar de se poder valorar o seu depoimento.'' (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.03.2009 proferido no Pº 1109/08-1 e disponível em www.dgsi.pt)

Em síntese, pode afirmar-se que a reforma de 2007 não veio introduzir um novo meio de prova ou definir de maneira diferente o valor probatório daquele meio de prova - apenas veio afirmar expressamente aquilo que estava implícito anteriormente, ou seja, que o meio de prova ''reconhecimento'' só é válido e eficaz se obedecer ao formalismo do nº 2 do artº 147º.

No caso dos autos, como vimos, o recorrente (juntamente com o arguido WG) foi identificado pelo queixoso no seu depoimento, tratando-se de meio de prova sujeito naturalmente ao princípio do contraditório (artº 327º, nº 2 do CPP), sendo certo que o tribunal a quo não teve necessidade de recorrer ao meio probatório específico ''reconhecimento de pessoas'' regulado pelo artº 147º do CPP.

Estamos assim perante prova não proibida, a valorar atendendo ao princípio da livre convicção. (cfr. artº 355º do CPP)

Em suma, nem ao tribunal a quo estava vedada a valoração da identificação feita no julgamento como simples prova testemunhal, de acordo com aquele princípio, nem este tribunal ad quem está impedido de o fazer.

De mencionar que a referência à parte do conteúdo do Auto de Reconhecimento de fls. 321 em que o queixoso, perguntado sobre se conhecia ou tinha visto a pessoa a identificar respondeu negativamente e a sua aparente contradição com o depoimento daquele prestado na audiência, quando afirma que os arguidos já anteriormente haviam estado na ourivesaria, nos parece absolutamente inócua, pois, para além do carácter tabelar da declaração constante do mencionado Auto, o depoimento prestado em audiência (1' 27'' / 2' 38'') é contextualizado temporalmente (''cerca de um mês antes'') e rico em pormenores (como o destino do fio que o recorrente terá pedido para ver), o que não deixou dúvidas na mente do colectivo sobre a respectiva veracidade (ou ''bondade'', como o recorrente lhe chama).

Relativamente aos fotogramas de fls. 53/54, afirma o recorrente que a ''Mtª Juiz Presidente (…) diz (que) não andam longe da figura do arguido'' e que ''não andando longe, não é o mesmo que afirmar que de uma forma clara e iniludível correspondem à fotografia do arguido''.

Tendo procedido à audição da passagem indicada (cfr. artº 412º, nº 6 do CPP), desde logo há que sublinhar que a Juiz Presidente afirmou o seguinte: ''Há aqui uma fotografia ou duas que também não anda muito longe da sua figura'': em face deste exacto teor, desconhecemos como pode o recorrente alegar que se afirma ''de uma forma clara e iniludível'' que é o arguido o retratado na fotografia, pois apenas se sublinham semelhanças entre este último e o sujeito fotografado, não tendo sido atribuído qualquer carácter inequívoco à identificação – aliás, em face do afirmado pela Juiz Presidente, o recorrente começa por dizer ''sim, é parecido mas não sou eu.'' Em suma, do afirmado infere-se claramente que a valoração dos referidos fotogramas pelo tribunal a quo passou sobretudo pela não exclusão da identificação do recorrente, sendo de recusar qualquer identificação positiva e inequívoca feita a partir dos mesmos.

Relativamente aos trechos individualizados pelo recorrente como fundamento da impugnação da matéria de facto, ouvidos os mesmos, evidencia-se que os mesmos não impõem qualquer decisão diversa da recorrida sobre a matéria de facto: o primeiro bloco (depoimento do queixoso em 09.12.2010) diz respeito às questões do invocado ''reconhecimento'' em audiência, sem qualquer relevância, como acima vimos; relativamente ao segundo bloco (declarações do arguido em 06.01.2011), cumpre salientar o seguinte:

I – Quanto ''à demonstração de que os objectos encontrados em casa do arguido JR serem pertença do recorrente'': Atento o teor das suas declarações vagas, genéricas e descontextualizadas (sempre a referência a um vago ''estrangeiro'' onde viveu e onde tudo aconteceu...), sem qualquer prova suplementar que suporte tal asserção, não se vislumbra como pode o recorrente defender que aquelas podem impor a convicção de que aqueles objectos são sua propriedade.

II – Relativamente à forma como terá conhecido o co-arguido W. e qual a explicação que entende existir para que este o ''acuse'' (?): A explicação do contexto do conhecimento do co-arguido e o alegado motivo da sua incriminação apresentados, para além de nada terem de cristalino (como o próprio afirma), não são minimamente credíveis, pois não é crível que, após 2 encontros aquele lhe tivesse pedido dinheiro e, como vingança pela não concessão de tal empréstimo, o tenha implicado num assalto que não cometeu. Aliás, não deixa de ser extraordinário que, após afirmar inequivocamente que o o arguido W. participou no assalto (''procura encobrir o envolvimento daquele que efectivamente o acompanhou no assalto...'' - fls. 961), vem a pedir a final que se modifique a factualidade provada e, em consequência, ''absolver [?!] os arguidos [ambos] da prática do crime de roubo'' (fls. 975)

Ainda se questiona o recorrente relativamente ao valor das declarações do co-arguido W. que, afirma, ''apresentam diminuída credibilidade''.

Sobre a força probatória das declarações do co-arguido importa sublinhar o seguinte:

É hoje relativamente pacífico que tais declarações, para que possam constituir material probatório, requerem uma verificação suplementar traduzida numa exigência de corroboração. ''Com a corroboração significa-se a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta. A regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura de uma fundamentação insuficiente.''[22]

A necessidade de corroboração não se reconduz a uma regra legal de prova – também aqui tem plena aplicação o princípio da livre apreciação da prova – situando-se antes no domínio do ''cuidado deontológico do aplicador'', passível de contribuir para uma ''mais correcta realização da sua livre convicção''.[23]

Sobre o valor deste tipo de prova, o STJ considera que ''a consideração de que as declarações do arguido se revestem à partida de uma capitis diminutio só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. (…) O depoimento incriminatório de co-arguido está sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dubio pro reo. Assegurado o funcionamento destes e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo artº 32º da CRP, nenhum argumento subsiste contra a validade de tal meio de prova.''[24]

Na ausência de regra tarifada sobre prova por declaração de co-arguido, a credibilidade deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação, mas, com um especial cuidado, que poderá passar por uma procura de corroboração. A prudência deve integrar a racionalidade do discurso da motivação da matéria de facto.[25]

Por corroboração entendemos algum apoio ou suporte em conteúdos probatórios fora das declarações do co-arguido que, juntamente com elas, permitam concluir pela sua correspondência à verdade. Não se trata de uma exigência de prova da prova por co-arguição mas apenas de algo mais que convença da correcção dessa versão dos factos.

A exigência de corroboração não terá de assumir necessariamente a natureza de prova externa, no sentido de prova exterior a toda a co-arguição. Aquilo o substracto passível de atenuar (ou fazer desaparecer) a força probatória da declaração do co-arguido repousa numa suspeição de que algumas vantagens poderão advir para o declarante da imputação dos factos a um seu co-arguido.

No caso presente, deve sublinhar-se que a própria decisão recorrida apresenta elementos que corroboram as declarações do co-arguido WG, a saber, o depoimento da testemunha FM em audiência, o reconhecimento efectuado em 07.05.2010 e os fotogramas de fls. 53 e 54.

Em face de tal quadro (e atento o carácter incredível da explicação do ora recorrente sobre a acusação do seu co-arguido, não é racionalmente justificada a formulação qualquer suspeição.

O contributo probatório das declarações do co-arguido WG satisfaz, deste modo, o quantum de corroboração exigido pelas regras da prudência, na racionalidade da justificação deste facto.

Em síntese, podemos afirmar a integral conformidade entre o que foi dito e aquilo que o tribunal ouviu e refere ter ouvido, que nenhuma das provas em causa é proibida ou foi produzida fora do quadro normativo que regula os meios de prova em apreciação, que o tribunal  a quo justificou adequadamente a opção que faz relativamente à escolha e graduação dos conteúdos probatórios e, finalmente, que, perante provas de sinal contrário (no caso, declarações de co-arguidos) e, abstractamente, de igual peso probatório, atribuiu-lhes conteúdo positivo ou negativo de uma forma racionalmente justificada, apelando às regras da lógica e da experiência comum.

Inexiste, consequentemente, erro de julgamento, mantendo-se intocada a matéria de facto dada como provada.

2ª questão – A qualificação da conduta como tráfico de menor gravidade.

Começa o recorrente por afirmar que nenhuma prova existe que inquine a afirmação do recorrente de que o produto que lhe foi apreendido era para o seu consumo. Mais afirma que, se tivermos em conta a vida do recorrente que anda de país em país com o fim de angariar o seu sustento, fácil é perceber que não lhe será fácil encontrar onde comprar haxixe em todos eles e manifesto se torna que o melhor será comprar uma quantidade maior, onde pode encontrá-lo, para depois dividir e transportar a quando das suas viagens.

São considerações que dizem respeito à matéria de facto provada / não provada, sendo que o recorrente não impugna esta de acordo com o quadro legal acima referido nem, aliás, manifesta minimamente, quanto a este segmento recursório, tal intenção (aliás, integra esta questão no ''recurso sobre matéria de direito'' - fls. 965).

Consequentemente, está a este tribunal vedado o conhecimento de tal questão.

Relativamente à invocada descriminalização do consumo, aquisição e detenção para consumo próprio de estupefacientes, independentemente da quantidade de produto adquirido ou detido, alegadamente operada pelo artº 28 da Lei 30/2000, cumpre referir o seguinte:

Pode ler-se no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2008 (Publicado no Diário da República, 1ª Série, nº 150, de 05.08.2008):

''Conciliando o equívoco texto do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000 com o objectivo legal de evitar a descriminalização e, mesmo, a despenalização da aquisição e da detenção de drogas ilícitas, para consumo próprio, em quantidade que excedesse a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, haverá - na presunção de «que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» - que confinar a expressa «revogação» do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93 ao contexto do próprio diploma («Para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.»).

O artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93 - circunscrito ao consumo e à aquisição e detenção para consumo próprio de drogas ilícitas em pequenas quantidades, por redução teleológica, o alcance da sua revogação pelas disposições conjugadas dos artigos 28.º e 2.º, n.º 2, da Lei n.º 30/2000 - conservará válido e actual o texto remanescente:

«1 - Quem, para o seu consumo, cultivar plantas compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias. Se a quantidade de plantas cultivadas pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 5 dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias.

2 - Quem, para o seu consumo, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.''

Foi fixada então pelo Supremo Tribunal de Justiça jurisprudência nos seguintes termos:

''Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só “quanto ao cultivo” como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.''

De acordo com o disposto no artº 445º, nº 3 do CPP, a decisão (uniformizadora de jurisprudência) não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão.

Tal normativo institui uma ''vinculação negativa'' dos tribunais judiciais à interpretação uniformizada, dotando esta de uma força argumentativa especial, impondo um ''dever de especial fundamentação'' aos tribunais que divirjam da jurisprudência formada.[26]

Será qualquer divergência passível de fundamentar o desvio à interpretação fixada?

A resposta não pode deixar de ser negativa.

Com efeito, ''[o]s tribunais só devem divergir da jurisprudência uniformizada quando haja razões para crer que ela está ultrapassada, isto é, quando a) o tribunal tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador, susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada; b) se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma a que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso; ou finalmente c) a alteração da composição do STJ torne claro que a maioria dos juízes das secções criminais deixou de partilhar fundadamente da posição fixada (...).''[27]

Considerando que é meridianamente claro que as situações referidas em b) e c) não estão minimamente em causa (não são referidas quaisquer posições doutrinais e/ou jurisprudenciais posteriores à publicação do AUJ 8/2008 ou a alteração substancial da composição do colégio julgador) e que o recorrente não invoca nem se vislumbra qualquer novo argumento susceptível de abalar os fundamentos do decidido pelo STJ, nenhum motivo existe para não acatar tal orientação, o que se decide.

Improcede, pois, também esta questão.

3ª questão – In dubio pro reo.

Refere o recorrente que a decisão viola o princípio in dubio pro reo .

A presunção de inocência, a que alude o artº 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, é uma norma directamente vinculante e constitui um dos direitos fundamentais do cidadão, significando que enquanto não for demonstrada a culpabilidade do arguido não é admissível a sua condenação.

Com efeito, tem repercussões ao nível da produção da prova e, assim, do princípio in dubio pro reo, mas este só será efectivamente violado se resultar da decisão recorrida que o tribunal, não obstante ter ficado na dúvida quanto a determinado(s) facto(s), decidiu desfavoravelmente ao arguido.

Respeitando esse princípio probatório, a dúvida terá sempre de ser valorada em favor do arguido.

No caso dos autos, porém, não resulta que o tribunal a quo, após a produção de prova, tenha ficado na dúvida quanto aos factos consubstanciadores da autoria do arguido relativamente aos crimes pelos quais veio a ser condenado.

Não se vislumbra que a mera discordância do recorrente suscite a aplicação do princípio, quando, contrariamente, a motivação do tribunal recorrido é, como acima vimos, razoável e credível, para além de toda a dúvida razoável.

Não se mostra, assim, violado, o princípio in dubio pro reo nem a indicada presunção de inocência do recorrente.

Consequentemente, improcede também esta questão.

4ª questão – Perdimento de bens.

Segundo o recorrente, consta dos factos não provados (que) os objectos apreendidos em casa do arguido JR, não foram obtidos pelo arguido ora recorrente através do cometimento de diversos crimes e sendo claro que quer aquele quer este afirmam que a propriedade dos objectos encontrados nas buscas efectuadas nas casas de ambos são do último, não se vê como fugir a que a titularidade destes bens sejam do arguido recorrente, sendo certo que vir agora pedir que se apresentem facturas recibos de objectos, na maioria dos casos comprados há mais de 20 anos e em vários locais da Europa, é o mesmo que dizer que serão perdidos a favor do ''estado''.

Desde logo, cumpre assinalar um vício no raciocínio exposto, que é o de que dos factos não provados se extraia que os objectos em causa não foram obtidos pelo recorrente através do cometimento de diversos crimes. Na verdade, do teor daquele facto não provado só se extrai … que não se provou a proveniência ilícita dos objectos e não que estes não tenham proveniência ilícita. Como é do conhecimento comum do direito processual, a não prova de um facto não significa … a prova do seu contrário.

Posto isto, continua o recorrente, quanto a este aspecto, a fundamentar a sua pretensão em realidades fácticas que não estão assentes nos autos e que terão resultado da respectiva mera afirmação pelo próprio, como a compra dos objectos ''há mais de 20 anos'' em ''vários locais da Europa''.

Assim, uma vez que a propriedade dos referidos objectos não está determinada, entendemos como legítimo que o tribunal a quo tenha revestido de especiais cautelas uma entrega dos mesmos a quaisquer pessoas que apenas afirmassem ser suas proprietárias.

Com efeito, segundo o artº 186º, nº 2 do CPP, logo que transitar em julgado a sentença, os objectos são restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado.

Nestes termos, o tribunal a quo apenas faz referência a uma das formalidades possíveis de restituição imediata dos objectos apreendidos. A decisão não proíbe (nem poderia proibir, uma vez que se trata de uma exigência ope legis) que, a quem demonstre (fora daquelas formalidades), ser proprietário dos objectos (o ''a quem de direito'' citado), sejam os mesmos restituídos.

Improcede, consequentemente, também esta questão.

5ª questão – Medida da pena.

Segundo o recorrente, perante os factos que se imputam aos arguidos e aqui recorrentes tais penas afiguram-se manifestamente injustas e desajustadas, pelo que se deve ''alterar'' a medida da pena aplicada ao arguido.

Mais uma vez se refere o recorrente também ao arguido WG, sem que se perceba a que título e com que legitimidade, uma vez que aquele tem defensor e também recorreu da decisão.

Depois, também resulta de algum modo enigmática a peticionada alteração da medida da pena, desconhecendo-se se esta deve abranger as penas parcelares e/ou também a pena única, apenas se presumindo que ''alterar'', para o recorrente é sinónimo de ''reduzir''.

De qualquer forma, no que respeita às penas (parcelares e única) dir-se-á o seguinte:

I - Medida da pena quanto ao crime de roubo.

De acordo com o artº 71º, nº 1 do C. Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

''A redacção dada ao nº 1 harmonizou esta norma com a do novo artº 40º: o texto anterior podia sugerir que se atribuía à culpa um papel preponderante na determinação da medida da pena, possibilitaria mesmo, contra a filosofia que era já a do a do Código, uma leitura que apontasse no sentido da afirmação da retribuição como fim das penas; poderia ser entendido como atribuindo às exigências de prevenção um papel secundário, meramente adjuvante, naquela determinação, que não é, de modo algum, o que agora expressamente se lhes assinala.''[28]

Deste modo, resulta expressamente do normativo citado a necessidade da consideração da díade culpa / prevenção na determinação do quantum punitivo.

Relativamente à culpa, entende-se como inequívoco que se trata de um conceito chave do Código Penal de 1982, constando do ponto 2 do respectivo Preâmbulo que ''toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta''. A eleição legal de um verdadeiro princípio da culpa cinde-se em duas realidades diferentes, a saber, a culpa como fundamento da pena e a culpa como fundamento da medida da pena [29], sendo desta última que agora nos ocuparemos.

De que forma pode a culpa determinar a medida concreta da pena, articulando-se harmoniosamente nessa função com as citadas exigências de prevenção?

A jurisprudência alemã[30] desenvolveu a chamada ''teoria do espaço livre'': segundo esta não é possível determinar-se de modo exacto uma pena adequada à culpa, sendo apenas possível delimitar uma zona dentro da qual deve situar-se a pena para que não possa falhar a sua função de levar a cabo uma justa compensação da culpabilidade do autor; esta relação imprecisa entre a culpa e a pena pode ser aproveitada pelo tribunal para a prevenção especial, fixando a sanção entre o limite inferior e superior do ''espaço livre'' da culpa, de acordo com os efeitos que possam esperar-se daquela para a integração social do autor do ilícito.[31]

Segundo Jorge de Figueiredo Dias[32] a finalidade primordial visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada (prevenção geral positiva ou prevenção de integração). Esta ideia traduz a convicção de que existe uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena visa alcançar. Porém, tal como na anteriormente aludida ''teoria do espaço livre'' esta medida óptima de prevenção geral positiva também não fornece ao juiz um quantum exacto de pena. Assim, de acordo com este entendimento é a prevenção geral positiva (não a culpa) que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem actuar considerações de prevenção especial de socialização.

Quer consideremos a ''teoria do espaço livre'', quer a teoria da ''moldura de prevenção'' (o texto do nº 1 do artº 71º, quanto a este aspecto, é de uma desdogmatização normativa exemplar, sem que se possa apontar uma preferência legal por qualquer das teorias), existe algum consenso no sentido de que, dentro dos limites mínimo e máximo de tais sub-molduras punitivas, são considerações relativas à chamada prevenção especial que operam no último estádio hermenêutico que leva à concretização exacta de uma dada pena.

''Dentro da “moldura de prevenção” (…) actuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que que devem aqui ser valorados todos os factores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza; seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou de inocuização.''[33]

Quanto às exigência de prevenção ''pode-se distinguir entre prevenção especial negativa e positiva. A primeira traduz-se na intimidação do agente em concreto. A prevenção especial positiva é representada pela ressocialização.''[34]

Em concreto, que circunstâncias devemos valorar primordialmente para definir exactamente a pena?

As circunstâncias que, nuclearmente, devem ser levadas em conta são as que dizem respeito ao facto ilícito praticado: ''os danos ocasionados, a extensão dos efeitos produzidos, em suma, o “efeito externo”, determinam então para o juiz, no momento da fixação da pena, o significado do facto para a ordem jurídica violada.''[35]

Tais efeitos externos dos factos ilícitos encontram correspondência legal nos factores de determinação da medida da pena previstos nas primeiras alíneas do nº 2 do artº 71º do C. Penal.

Na decisão recorrida foram levados em conta os seguintes factores:

''As condutas dos arguidos são gravíssimas, embora não se deva perder de vista que a gravidade dos actos cometidos pelo arguido MS, na medida em que actuava de cara tapada. É de considerar que são cada vez mais os assaltos perpetrados com cara coberta para dificultar arduamente o trabalho da investigação criminal, com recurso a armas de fogo e em estabelecimentos comerciais de ourivesaria. É quase diariamente que a comunicação social noticia um assalto a uma ourivesaria.

Considera-se, ainda, que actuaram dois agentes que, em comunhão de esforços, intimidaram o ofendido FM que não se coibiram de manietar e privar de liberdade para melhor levarem a cabo os seus intentos.

Deverá notar-se que o roubo constitui uma conduta repudiada pela sociedade com intensidade semelhante à de crimes como o homicídio, as ofensas graves, a violação, o sequestro ou o tráfico de estupefacientes.

O cometimento do crime de roubo revela um desvalor da acção muito forte, atendendo ao modus operandi (“assalto à mão armada”), exuberante e convocador dos receios sociais, em co-autoria, um deles encapuçado, cada vez mais frequente e destabilizador, o valor envolvido e ao receio que causaram na pessoa do ofendido, constituindo a conduta dos arguidos um ataque gravíssimo a valores como o da segurança pessoal e patrimonial.

Mostram-se elevadas as exigências de prevenção geral, atenta a frequência com que o crime de roubo ocorre, sendo cada vez mais banais as situações em que estabelecimentos comerciais, comerciantes e funcionários de loja são alvo de condutas semelhantes, num contexto de inusitada violência urbana e natural incapacidade de resistência das desprevenidas vítimas.

As necessidades de prevenção geral positiva (ou de integração e reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de confiança no direito) são muito elevadas, atendendo a que os crimes contra o património constituem, reconhecidamente, a principal causa do crescimento da criminalidade e da insegurança na sociedade portuguesa.

As necessidades de prevenção especial (ou de socialização exercida sobre o delinquente), são igualmente elevadas quanto ao arguido MS, não só pela personalidade demonstrada na audiência de julgamento – uma postura desprezo total pelos valores humanos e patrimoniais –, mas também pelos antecedentes criminais com que já conta, nomeadamente por crimes contra o património. Tratando-se, neste âmbito, de considerar a personalidade dos agentes no contexto dos efeitos previsíveis da pena sobre a sua vida futura na comunidade, importará que, com a aplicação da pena, os arguidos moldem o seu futuro comportamento.

Não poderá deixar-se de valorar negativamente o facto de os arguidos terem agido com dolo directo.

Deverá considerar-se a circunstância de o arguido WG não ter antecedentes criminais, ter confessado os factos e ter demonstrado arrependimento.

Na verdade, a medida da pena deve ser encontrada no quadro de uma moldura de prevenção geral positiva, atendendo-se às exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização, na individualização judicial definitiva e concreta da pena.

A consideração da protecção de bens jurídicos, alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção e no reforço da validade da norma jurídica violada (prevenção geral), permite, em função do abalo, daquelas expectativas, sentido pela comunidade, traçar os limites, óptimo e mínimo, da moldura de prevenção, dentro dos limites gerais da pena.

Tem-se, ainda, em consideração a personalidade dos arguidos, a sua idade à data dos factos e a sua conduta posterior aos mesmos.''

Assim:

A) grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das consequências – estamos fundamentalmente de acordo com a conclusão do acórdão recorrido, ao qualificar as condutas dos arguidos como ''gravíssimas'', quer pelas características da acção (que não na vertente do porte de arma, pois trata-se de circunstância que já faz parte do tipo agravado), ou seja, manietando (com fita-cola) e privando de liberdade o ofendido. Ainda é sublinhado negativamente (e correctamente) o facto de actuar com a cara coberta para dificultar arduamente o trabalho de investigação criminal. Por outro lado, considerando que se apoderaram de dinheiro/objectos no valor de € 108.000,00 e que o limite a partir do qual estamos perante um ''valor consideravelmente elevado'' (segunda agravante considerada) é de € 20.400,00 (200 UC's avaliadas no momento da prática do facto – artº 202º, alínea b) do C. Penal[36]), não poderá deixar de se considerar agravante significativa o facto daquele valor exceder em mais de quatro vezes este limite. Também a concorrência de mais de uma qualificativa agravante não poderá deixar de produzir nesta sede específica novo efeito agravativo. Por último, a actuação em conjunto, diminuindo as possibilidades de defesa da vítima, é evidente agravante.

B) Intensidade do dolo e da negligência: ''As formas mais graves do ilícito subjectivo funcionam como circunstância agravante e as menos graves como circunstância atenuante, Assim, o dolo directo é mais grave do que o dolo necessário ou o dolo eventual e o dolo necessário é mais grave do que o dolo eventual. A negligência inconsciente é, em princípio, menos grave do que a negligência consciente.''[37]

Uma vez que o recorrente agiu com dolo directo, (artº 14º, nº 1 do C. Penal), estamos perante a forma mais grave dos ilícitos subjectivos.

C) Conduta anterior ao facto – São correctamente sublinhados os antecedentes criminais do arguido ''por crimes contra o património'', ou seja, estamos perante mais uma agravante. Por outro lado, é sabido que o arguido tem direito ao silêncio. Contudo, se quiser falar, é responsável pelas afirmações que produz, o que aqui deve acontecer, realçando-se a apontada no acórdão recorrido atitude de desprezo total pelos valores humanos e patrimoniais.

D) É quase ocioso reafirmar (e aqui se remete para as adequadas considerações constantes da decisão recorrida e acima referidas) que as exigências de prevenção geral são, relativamente à criminalidade violenta como a retratada nos autos, extremamente elevadas, com especial realce para os assaltos à mão armada a ourivesarias, hoje banalizados e geradores de insegurança comunitária a que urge pôr cobro.

Deste modo, ponderando o peso específico das circunstâncias agravantes e atenuantes, e tendo sido fixada a pena apenas 12 meses acima do limite superior do primeiro ¼ da moldura punitiva, mostra-se essencialmente adequada (se bem que benevolente) a fixação da pena concreta efectuada pelo tribunal recorrido.

II - Medida da pena quanto ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.

Reproduzindo-se aqui as considerações teóricas acima tecidas, importa recordar que na decisão recorrida foram levados em conta os seguintes factores:

''No juízo concreto da culpabilidade será considerado o tipo de droga em causa (haxixe - droga leve).

São especialmente prementes as exigências de prevenção geral deste tipo de crimes, atenta a sua natureza, a gravidade das suas consequências nos indivíduos consumidores e na própria sociedade e a dimensão que o fenómeno atingiu no nosso País, e de prevenção especial, atento o perigo de repetição e a necessidade de afastar os arguidos da prática de novos crimes.

Considerar-se-á o envolvimento dos arguidos no tráfico de estupefacientes de contornos imprecisos, respeitantemente a um estupefaciente – haxixe – cujo tráfico se mantém estável, entre nós – ao invés subiram os atinentes ao haxixe [ter-se-á querido dizer heroína?] e à cocaína –, de não elevada expressão quantitativa e, portanto, de efeito maléfico da mesma natureza, sem recurso a meios de execução sofisticados, que emprestam ao desvalor da acção, à sua ilicitude, um alcance mediano. Ter-se-á, ainda, em conta que quanto a estes arguidos foi apenas apurado que detinham haxixe não se apurando que era para ceder ou vender a terceiros.

O arguido J. encontra-se integrado socialmente e ambos já têm antecedentes criminais relacionados com o tráfico de droga.

Assim, a pena a aplicar aos arguidos deverá consciencializá-los da gravidade e censurabilidade das suas condutas, motivando-os ao futuro cumprimento das normas socialmente vigentes.''

Deste modo, ponderando o peso específico das mencionadas circunstâncias agravantes e atenuantes, e tendo sido fixada a pena apenas exactamente no limite superior do primeiro ¼ da moldura punitiva, mostra-se essencialmente adequada (as atenuantes têm aqui maior peso do que relativamente ao crime anterior) a fixação da pena concreta efectuada pelo tribunal recorrido.

III - Medida da pena única.

Fixemos o quadro normativo :

Artigo 77º[38]
Regras da punição do concurso

1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

No caso em apreço, a moldura penal do concurso tem como limites:

1 ) limite mínimo – pena mais grave: 7 anos de prisão.
2 ) limite máximo – soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – 7 anos + 2 anos = 9 anos de prisão.

Resulta do nº 1 da norma acima reproduzida que na determinação da medida da pena deve atender-se à díade conjunto dos factos / personalidade do agente.

''Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência[39] (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).''[40]

Começando pela avaliação da personalidade do arguido, não estão em causa factos cometidos numa mesma altura (uma vez que datam de Janeiro e Maio), ou seja, inexiste um encadeamento temporal inequívoco, o que, dados os antecedentes criminais que averba, traduz inequivocamente uma determinada tendência (ou carreira) criminosa, não sendo correcto reduzi-los a uma mera pluriocasionalidade, pois reflectem, na sua alteridade concreta, uma personalidade inclinada para a prática de actos penalmente desvaliosos. Há, consequentemente, de ponderar um efeito agravante evidente dentro da moldura penal conjunta.

Relativamente à ponderação conjunta ''dos factos'', entendemos que esta terá de passar, necessariamente, pela ponderação de cada uma das penas suportadas pelos mesmos. Assim, ''[c]om essa (…) dissolução ou confusão da pena numa punição global, o crime integra-se num conjunto de crimes e, simultaneamente, perde a sua correspondência directa que, de acordo com a norma incriminadora, lhe era proporcionada, para a encontrar apenas numa “quota ideal” da punição global que o agente na realidade vai cumprir, o que (…) põe em questão a proporção entre crime e pena que resultava da norma incriminadora singular.

Importa apurar se e em que medida essa proporção se mantém nessa integração e, por isso, se a pena única resulta proporcionada ao crime enquanto integrado no concurso.

Isto só pode apurar-se consideradas as coisas na perspectiva de cada crime e da pena singular que lhe corresponde.''[41]

In casu, temos a considerar o seguinte, atentas as molduras punitivas abstractas :

1 - crime de roubo – a pena foi fixada 12 meses acima do limite superior do 1º ¼ do intervalo punitivo.
2 - Crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade – a pena foi fixada no limite superior do 1º ¼ do intervalo punitivo.

A pena única de 6 anos de prisão fixada na 1ª instância está situada no ½ do intervalo punitivo do concurso que acima mencionámos.

Deste modo, atendendo à avaliação negativa da personalidade do arguido a que acima aludimos, entendemos que se mostra justificada a fixação daquela pena única, em sentido agravativo relativamente à proporcionalidade inerente a cada uma das diversas penas parcelares.

Consequentemente, a fixação da pena única obedeceu aos critérios legais, sendo de manter e assim improcedendo, também nesta parte, o recurso.

II – Recurso do arguido WG

1ª questão – medida da pena.

Segundo o recorrente, o tribunal a quo não valorou correctamente a ausência de antecedentes criminais, as condições familiares, pessoais, profissionais e a personalidade do arguido, pelo que a pena que lhe foi aplicada é injusta, por exagerada, devendo a pena a aplicar-lhe ser inferior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, necessariamente acompanhada de regime de prova.

Vejamos.

Dá-se aqui por (de novo) reproduzido o teor do acórdão recorrido no que respeita à determinação da pena de roubo agravado, que efectuou em conjunto relativamente aos dois arguidos recorrentes. Também valem aqui intocadas as considerações conjuntas que tecemos supra quanto à medida da pena.

Assim, relativamente ao arguido MS podemos descortinar as seguintes diferenças fundamentais:

Actuou com a cara descoberta.

Não assumiu uma postura desprezo total pelos valores humanos e patrimoniais, confessando os factos e demonstrando arrependimento.

Não tem antecedentes criminais.

Tratam-se de circunstâncias que, obviamente, deverão ser levadas em conta para a determinação da medida da pena e, mais especificamente, para introduzir um factor de diferenciação entre os dois arguidos recorrentes.

É de reafirmar que a pena do arguido MS foi fixada 1 ano acima do limite superior do primeiro ¼ da moldura punitiva. Pelo contrário, a pena deste arguido foi fixada 6 meses abaixo daquele marco punitivo.

A questão nuclear que se coloca é: deverá a diferença entre as duas penas ser ou não superior, fixando-se a pena deste recorrente em quantum ainda inferior?

Como acima vimos, as circunstâncias mais importantes para determinar aquele quantum são as que dizem respeito ao facto ilícito praticado, ou seja, os danos ocasionados, a extensão dos efeitos produzidos, em suma, o “efeito externo”, que encontra correspondência legal nos factores de determinação da medida da pena previstos nas primeiras alíneas do nº 2 do artº 71º do C. Penal.

Valorando decisivamente tal asserção, importa sublinhar de novo que estamos perante condutas em concreto ''gravíssimas'', não atenuando a importância vital de tal gravidade as circunstâncias exteriores ao facto (como a ausência de antecedentes criminais ou a postura em audiência). Assim, e muito embora estas últimas circunstância possam e devam ser devidamente valoradas, o seu contributo reconduz-se mais à sintonia fina do quantum sancionatório do que à definição de grandezas estruturais deste.

Deste modo, entendemos que se mostra essencialmente adequada a fixação da pena concreta efectuada pelo tribunal recorrido.

2ª questão – possibilidade de suspensão de execução da pena.

Em face do pressuposto formal do artº 50º, nº 1 do C. Penal (pena em medida não superior a 5 anos), fica prejudicado o conhecimento da possibilidade de decretar a suspensão de execução da pena.

O recurso improcede, assim, in totum.

Improcedentes os recursos, os recorrentes deverão suportar o pagamento das custas respectivas, fixando-se a taxa de justiça, para o arguido WG, em 3 (três) UC e para o arguido MS em 4 (quatro) UC (artigos 515º, nº 1, alínea b) do CPP e 8º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais e respectiva Tabela Anexa)

3. Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento aos recursos, confirmando integralmente a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, para o arguido WG, em 3 (três) UC e para o arguido MS em 4 (quatro) UC.


( Processado em computador e revisto pelo relator )

Évora, 06 de Dezembro de 2011

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(Edgar Gouveia Valente )

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( Sénio Manuel dos Reis Alves )
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[1] Cfr. Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência nº 7/95 de 19.10.1995 in DR I Série – A, de 28.12.1995.

[2] Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, inaplicável ao caso.

[3] Também chamada ''revista alargada'', segundo terminologia usada, entre outros, nos Acórdãos da Relação de Coimbra de 14.01.2009 e de 11.03.2009 proferidos, respectivamente, nos processos <a href="https://acordao.pt/decisoes/124106" target="_blank">175/07.8TASPS.C1</a> e <a href="https://acordao.pt/decisoes/123985" target="_blank">4/05.7TAACN.C1</a> e disponíveis, também respectivamente, em www.dgsi.pt e http://www.trc.pt. O conceito ''revista alargada'' com o sentido exposto também pode encontrar-se utilizado no voto de vencida da Exmª Srª Conselheira Maria Fernanda Palma proferido no Acórdão do TC de proferido em 04.08.1988 no Procº nº 170/98 (disponível no respectivo  site).

[4] Na sua 3ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, Abril de 2009, página 1121.

[5] Simas Santos e Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 7ª edição, 2008, pág. 105. No preciso sentido enunciado no 1º §, vide citações infra, cfr. notas 9 e 10.

[6] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 140/2004 , de 10 de Março de 2004 – Diário da República , II Série , de 17 de Abril de 2004, quando a versão do artº 412º, nº 3 e nº 4 do Código de Processo Penal era, nesta sede específica, menos exigente do que a actual.

[7] Existe uma discrepância entre as motivações e conclusões, pois naquelas não se faz referência ao facto 7, referência que já consta das conclusões.

[8]Acórdão da Relação de Guimarães de 20.03.2006 proferido no processo 245/06-1 e disponível em www.dgsi.pt.

[9] In Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1968, páginas 50/1.

[10] Na Revista Fórum & Iustitiae, Direito & Sociedade, Ano 1, nº 0, Maio de 1999, pág. 22.

[11] Cunha Rodrigues in Lugares do Direito, Coimbra Editora, 1999, p. 498, citando Manzini, G. Leone e U. Dinacci.

[12] Desnecessariamente, diríamos.

[13] A expressão é de José de Oliveira Ascensão in O Direito, Introdução e Teoria Geral, 2ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Novembro de 1980, página 394, quando delimita negativamente a figura da interpretação extensiva.

[14] No Acórdão nº 532/2006 (proferido no processo nº 384/06), de 27.09, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060532.html.

[15] No Acórdão nº 425/2005 (proferido no processo 452/05) de 25.08, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050425.html.

[16]  Itálico e negrito da nossa autoria.

[17]  Pode também qualificar-se o vício em causa como uma nulidade – prevista no artº 118º, nº 3 do CPP – sendo certo que, processualmente, a utilização de prova proibida tem efeito idêntico ao decorrente da nulidade do acto ou seja, a prova é nula e por isso não pode servir para fundamentar a decisão, como defende Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª edição, página 126.

[18] Acórdãos do STJ de 01.02.96 in CJ, ano IV, tomo I, página 198, de 11.05.2000 in BMJ 497, pág. 293, de 02.10.96 in BMJ 460, página 534, da Relação de Évora de 07.12.2004, proferido no processo 25/03-1, da Relação de Lisboa de 11.02.2004, proferido no processo 928/2004-3, da Relação de Coimbra de 06.12.2006, proferido no processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/125144" target="_blank">146/05.9GCVIS.C1</a>, da Relação de Guimarães de 31.05.2004, proferido no processo 2415/03-1, da Relação do Porto de 22.01.2003, proferido no processo, todos os últimos disponíveis em www.dgsi.pt.

[19] Cfr. os Acórdãos do STJ de 06.09.2006, proferido no processo nº 06P1392, da Relação do Porto de 19.01.2000, proferido no processo nº 9940498 e de 07.11.2007, proferido no processo 0713492, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 

[20] No acima citado  Acórdão 425/2005.

[21] Acórdão da Relação de Coimbra de 26.10.2011 proferido no processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/122133" target="_blank">179/10.3GBVNO.C1</a> e disponível em www.dgsi.pt, de que retirámos algumas notas jurisprudenciais citadas. No mesmo sentido poderá ver-se o Acórdão do STJ de 03.03.2010 (proferido no processo 886/07.8PSLSB.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt), onde. Em síntese, se afirma: ''Imporá salientar aqui a aparente aporia em que se evolveu o legislador pretendendo tratar uniformemente situações que, de todo, não são susceptíveis de equiparação. Na verdade, em sede de audiência de julgamento rege o princípio da publicidade e não se vislumbra como é que se possa evitar que neste acto, ou, previamente, e a partir do momento em que é pública a identidade do arguido, se possa evitar o eventual contacto ou uma possível identificação num espaço publico, ou privado, ou até a própria interpelação na abertura da audiência. Na verdade, a questão fundamental não consiste em saber se o formalismo deve, ou não, ser observado em audiência de julgamento. Que não pode ser realizado, a não ser através de uma ficção, ou simulacro é, quanto a nós, um dado adquirido, pois que as regras que regulam a audiência de julgamento são incompatíveis com essa observância. (…) Aliás, sendo desadequada tal prática é desaconselhável pois que o arguido, em fase de julgamento – antes mesmo da audiência – está publicamente exposto e já foi visto (ou pode ter sido visto) por todos os intervenientes processuais o que é uma mera decorrência da característica de publicidade dessa fase processual. Daí que um reconhecimento realizado, pela primeira vez, em audiência de julgamento seja substancialmente injusto, pois que já exposto o arguido aos olhares das testemunhas que o irão reconhecer. E aqui basta a mera possibilidade de tal já ter ocorrido. Desaconselhável, também, por ser já um dado adquirido por estudos em psicologia da memória que o “reconhecimento” deve ser realizado o mais próximo possível da data do evento.''

[22] Medina de Seiça in O Conhecimento Probatório do Co-arguido, 1999, p. 228.

[23] Idem, p. 189-190.

[24] Acórdão do STJ de 03.09.2008 proferido no processo 08P2044 e disponível em www.dgsi.pt 

[25] Neste sentido, vide o Acórdão da Relação de Évora de 08.11.2011 proferido no processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/210516" target="_blank">92/10.4GAENT.E1</a> e disponível em www.dgsi.pt, que seguimos quanto a alguns aspectos.

[26] Neste sentido, vide Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 3ª edição, Abril de 2009, página 1179.

[27] Idem, ibidem (tb. página 1180).

[28] José Gonçalves da Costa, Revisão do Código Penal - Implicações Judiciárias mais Relevantes da Revisão da Parte Geral, CEJ, Lisboa, 1996, p. 29.

[29] Sobre esta distinção fundamental, pode ver-se Claus Roxin in Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Editorial Civitas, Madrid, 1997, páginas 813 e 814, onde se afirma que a culpa como fundamento da pena diz respeito à imputabilidade ou capacidade de culpa, bem como à possibilidade de conhecimento da proibição, sendo que a culpa como fundamento da medida da pena é uma realidade susceptível de fixação em concreto através da consideração de circunstâncias (cfr. o nº 2 do artº 71º do C. Penal).

[30] A norma do C. Penal Alemão equivalente ao artº 71º do Código Penal Português tem a seguinte estrutura: o § 46 I daquele diploma contém o enunciado de que na individualização da pena se devem tomar em consideração os fins da mesma e no nº II enumeram-se as circunstâncias que, em benefício ou em prejuízo do autor, devem ser levadas em consideração para o aludido desiderato.

[31] Assim,  Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Tratado de Derecho Penal – tradução da 5ª Edição do ''Lehrbuch des Strafrechts, All. Teil'' - Comares, Granada, Dezembro de 2002, páginas 948 e 949. Sabemos que Eduardo Correia (com a concordância da Comissão Revisora) defendia, nas suas linhas essenciais, este conceito, ao afirmar ''é claro que que, em absoluto, a medida da pena é uma certa; simplesmente, qual ela seja exactamente é coisa que não poderá determinar-se, tendo, pois, o aplicador de remeter-se a uma aproximação que, só ela, justifica aquele ''spielraum'', dentro do qual podem ser decisivas considerações derivadas da pena prevenção.'' (BMJ nº 149, página 72).

[32] Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, páginas 105 a 107.

[33] Acórdão do STJ de 24.05.1995 in CJ, ASTJ, Ano III, Tomo 2, página 214.

[34] Anabela Miranda Rodrigues in A Determinação Concreta da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1995, página 323.

[35] Anabela Miranda Rodrigues in Ob. cit., página 481.

[36] Cfr. alterações introduzidas pelo DL 34/2008, de 26.02.

[37] 	 Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário (...) cit., página 230.

[38] 	 Do C. Penal.

[39] Contra esta valoração, José Lobo Moutinho (Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português Universidade Católica Editora, Lisboa, 2005, página 1285), nos seguintes termos: ''É que, de duas uma, ou isso [essa tendência] se reflectiu nas perpetração dos diversos crimes (e naturalmente de modo crescente nos sucessivos crimes) - e então deve ser e é ponderada na sua inerência como que adverbial a cada crime – ou isso não se reflectiu em qualquer dos sucessivos factos criminosos – e então, mesmo admitindo a sua verificação, num Direito penal do facto é penalmente irrelevante''. Discordamos deste entendimento pelas seguintes ordens de razões: é verdade que, em circunstâncias ideais, na determinação da pena correspondente a cada crime deve ser ponderado o seu comportamento anterior, ou seja, cada pena deverá valorar o passado criminal do agente. Contudo, no mundo da aplicação concreta do Direito, nem sempre as coisas se passam assim, podendo não ser valorado um passado criminal indiciador de uma clara tendência criminosa, simplesmente porque tal passado ainda não foi investigado/julgado (caso do concurso superveniente). Mesmo que assim aconteça, só na determinação da pena conjunta se pode ter uma imagem global das características da personalidade do agente, estruturalmente diferente do julgamento retrospectivo parcelar que é efectuado aquando da fixação de cada pena. Por outro lado, poderá descortinar-se essa tendência no julgamento conjunto de uma miríade de factos que a sustentem, não sendo aí, obviamente, possível a avaliação retrospectiva conjunta dos delitos cometidos, dada a simultaneidade da determinação das respectivas penas.

[40] 	 Jorge de Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias, Lisboa, 1993, página 293.

[41] 	José Lobo Moutinho in Ob. cit., página 1331.

Acordam os Juízes, após conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. Relatório. No 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca do Cartaxo corre termos o processo comum colectivo nº 9/10.6PACTX, no qual aos arguidos WG, divorciado, desempregado, de nacionalidade brasileira, residente…, em Lisboa, actualmente preso preventivamente no EP de Lisboa, MS, solteiro, fotógrafo “free lancer”, residente ---, em Sesimbra, actualmente preso preventivamente no EP de Lisboa e JS, casado, reformado, residente …., em Lisboa, foi imputada: I – Aos dois primeiros, em co-autoria material e concurso real, a prática de um crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artº 210º, números 1 e 2, al. b), com referência aos artigos 204º, nº 2 alíneas a) e f) e 202º, al. b), do Código Penal, de um crime de sequestro, p. e p. pelo artº 158º, nº 1 do Código Penal e dois crimes de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 2º, nº 1 alíneas p) e q), nº 3, al. p) e nº 4, al. c), 3º, nº 3, 86º, nº 1, al. c) e 95º-A, números 1, 2, 4 e 5, todos da Lei nº 5/2006, de 23/02, na redacção da Lei nº 17/2009 de 06.05. II – Ao arguido MS a prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º do DL 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C, anexa a este diploma e uma contra-ordenação de posse de reprodução de arma de fogo, p. e p. pelos artigos 2º, nº 1, al. l), 3º, nº 9, al. d) e 97º da Lei nº 5/06, de 23.02, na redacção da Lei nº 17/09, de 06/05; III - Ao arguido JR prática, em autoria material e concurso real, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artº 21º do DL 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C, anexa a este diploma, de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelos artigos 2º, 3º, alínea p), 86º, nº 1, alínea d) e 95º-A da Lei 5/06, de 23.02, na redacção da Lei 17/09, de 6.05 e de um crime de favorecimento pessoal, p. e p. pelo artº 367º, números 1 e 2 do Código Penal. Realizada a audiência de discussão e julgamento, veio a ser proferida decisão que: I - Absolve os arguidos WG e MS da prática, em co-autoria, de um crime de sequestro, p. e p. pelo artº 158º, nº 1 do Código Penal e de dois crimes de detenção de arma proibida (pistolas de calibre 7,65 mm), p. e p. pelos artigos 2º, nº 1 alíneas p) e q) , nº 3, al. p) e nº 4, al. c), 3º, nº 3, 86º, nº 1, alínea c) e 95º-A, números 1, 2, 4 e 5, todos da Lei nº 5/2006 de 23/02, na redacção conferida pela Lei nº 17/2009, de 06.05. II - Condena o arguido WG, como co-autor material de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 2, al. b), com referência aos artigos 204º, nº 2, alíneas a) e f) e 202º, al. b) do Código Penal, na pena de cinco (5) anos e seis (6) meses de prisão. III - Condena o arguido MS, como co-autor material, de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº 2, al. b), com referência aos artigos 204º, nº 2, alíneas a) e f) e 202º, al. b) do Código Penal, na pena de sete (7) anos de prisão. IV - Condena o arguido MS, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artº 25º, nº 1 do DL 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C, anexa a este diploma, na pena de dois (2) anos de prisão. V - Condena o arguido MS, como autor material, de uma contra-ordenação por posse de reprodução de arma de fogo, p. e p. pelos artigos 2º, nº 1, alínea l), 3º, nº 9, alínea d) e 97º da Lei 5/06, de 23.02, na redacção da Lei 17/09, de 06/05, na coima de mil euros (1.000,00 €). VI - Em cúmulo jurídico, condena o arguido MS na pena de oito (8) anos de prisão e na coima de mil euros. VII - Declara perdidos a favor do Estado: o dinheiro, o veículo da marca FORD MONDEO, com a matrícula --- e respectivos documentos, as armas apreendidas aos arguidos MS e JS, o gorro, um par de luvas em látex, seis braçadeiras e um rolo de fita adesiva, um telemóvel da marca MOTOROLA, o passaporte do arguido W, os cartões de crédito e débito, bem como o telemóvel da marca SONY ERICSSON. Relativamente aos objectos apreendidos, com excepção dos acima mencionados, constantes dos autos de apreensão de fls. 313 a 315 e de fls. 333 e 334 determina a entrega a quem provar pertencer-lhe pertencer mediante a apresentação de factura/recibo. O arguido MS interpôs recurso daquela decisão, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): ''1. Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo 1º Juízo do Tribunal da Comarca do Cartaxo, pelo qual se condenou o arguido MS na pena de 8 de prisão em cumulo jurídico e na coima de 1000 euros, respectivamente, pelo cometimento dos crimes de roubo pp. Pelo artº 210 nº2 b) com referencia aos artºs 204 nº2 a) e f) e 2002 al b) do Código Penal, por um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade pp. pelo artº25 nº1 do DL 15/93 de 22.01 e ainda por uma contra-ordenação por posse de arma de fogo pp pelos artºs 2 nº1 l) 3º nº9 al d) e 97 da lei 19/09 de 6/5 2. Com tal decisão e com a sua fundamentação não se podem manifestamente os arguidos conformar, no seu se e no seu como, porquanto a mesma não resultou da prova produzida em julgamento, nem tem expressão do que resultou da investigação realizada, como se impõe inequivocamente no processo penal, enquanto corolário dos princípios que conferem legitimidade e legitimação a um Estado de Direito que se pretende democrático, nas vestes e com o monopólio do poder punitivo estadual. 3. Desde logo, o Tribunal julgou incorrectamente os factos n.ºs 1) 2) 3],4,]5), 6), 7), 8), da matéria dada como provada no Acórdão recorrido 4. Esta factualidade considerada assente no acórdão não tem suporte na prova produzida em audiência que o tribunal a quo — na fundamentação daquela decisão — reputou determinante para a formação da sua convicção. 5. Assim existem elementos probatório que conduzem a decisão diversa da recorrida, a saber: Auto de reconhecimento fotográfico de fls. 32, onde o lesado face a diversas fotografias, afirma não reconhecer o arguido. Auto de reconhecimento de fls. 321, onde o lesado reconhece o recorrente. 6. Tal reconhecimento foi feito sem a presença de advogado, logo de nenhum valor. 7. Na verdade, se o reconhecimento tiver lugar em processo em que vigore a publicidade interna, todos os sujeitos processuais e respectivos advogados têm direito de acesso à diligência e, portanto, devem ser para ele notificado. Tratando-se de arguido preso, ele é obrigatoriamente assistido por defensor, por interpretação extensiva do artº 144 nº3 do CPP. 8. Ora, sendo este nulo, o que se requer, também o é o reconhecimento efectuado na audiência de discussão e julgamento pelo ofendido onde manifestamente não foram verificados os pressupostos do artº147 do CPP, mormente o seu nº 7 onde se escreve – “O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer”, sendo igualmente nulo. 9. Tais factos contrariam totalmente o que se escreve a fls. 12 do acórdão impugnado, quando se escreve que “o ofendido FM, reconheceu pessoalmente o arguido MS na diligência efectuada em 7 de Maio 2010, de acordo, aliás, com todas as formalidade legais, a qual assume relevância como meio de prova.” 10. Aliás, veja-se a bondade do discurso do lesado, pois a quando ouvido no auto de reconhecimentos de pessoas já referido a fls. 321 este diz: “Perguntado sobre se já conhecia a pessoa ou já a tinha visto antes ou depois do crime, quando e em que condições, a mesma disse que: nada. Curiosamente no seu depoimento 9.12.2010 em tribunal, sufragado no acórdão em apreço que dele se serve, veio afirmar que ambos os arguidos estiveram dia antes na ourivesaria com a mesma roupa que envergavam no dia 12 de Janeiro de 2011 e quer num dia, quer no outro teve tempo suficiente para se aperceber das suas características fisionómicas que não teve dúvidas em fornecer às autoridades policiais. 11. Ora isto não é verdade como resulta da sua audição em inquérito, mas que aqui não pode ser chamado à liça. (Bastaria confrontar o seu depoimento com o prestado a fls. 27 e seguintes e em especial a fls. 28 linhas 26 a 33 para se verificar da bondade do mesmo). Contudo, o depoimento prestado no auto de reconhecimento é elucidativo e esse vale e valeu em termos de decisão do tribunal “a quo”. 12. Diz também o tribunal que no fotograma de fls. 53 e 54 permite concluir que o arguido MS é co-autor dos factos, dado que se consegue identificar a pessoa de kispo creme como sendo o arguido MS. 13. Aliás a Juiz Presidente no interrogatório do arguido MS de 6.1.2010, diz que a fotografia de fls. 53 e 54 não andam longe da figura do arguido. 14. Ora, não andando longe, não é o mesmo que afirmar que de uma forma clara e iniludível correspondem à fotografia do arguido. 15. Com todo o respeito, se o artº 127 permite que o tribunal possa cimentar a sua convicção nos fotogramas de fls. 53 e 54, então é mesmo que dizer que por mais imperfeita que seja a imagem, ou diminuta a sua visibilidade, o Tribunal pode decidir por intuição. 16. Deve ainda ter-se em conta para que os factos supra referidos sejam dados como não provados os seguintes elementos de prova que conduzem a decisão contrária O depoimento do queixoso FM, ouvido no dia 9.12.2010 A reter 00.58 -01.10 01.27- 02.38 14.17- 15.00 Isto quando em confrontação com o auto de reconhecimento já referido. O depoimento do arguido MA em 6.1.2011 00.01-– 06.29 13.55 – 15.07 25.20 – 26.25 (A parte do depoimento de 13.25 a 15.07, tem a ver com o facto de os objectos encontrados em casa do arguido JR, deveram ser entregues a quem provar pertencer-lhe mediante a exibição de factura que tem todo o interesse no que refere à titularidade dos bens) 17. O recorrente explica no seu depoimento de uma forma cristalina como conheceu o seu co-arguido W e qual a explicação que entende existir para que este o acuse. 18. E a explicação é simples, este procura encobrir o envolvimento daquele que efectivamente o acompanhou no assalto. 19. Perante tais questões é manifesto não poderem ter qualquer valor as declarações prestadas pelo co-arguido W. ou pelo menos deviam ter sido apreciadas “cum granu salis” 20. Deve a matéria de facto provada e consignada na decisão recorrida ser modificada em conformidade com o teor da impugnação da matéria de facto constante na presente motivação, nos termos do arts. 412.º, n.º 3 e 431.º, als. a e b. do Código de Processo Penal. 21. A fundamentação da matéria de facto provada já foi objecto de análise nos pontos 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 16º, 17º, 18º e 19º destas conclusões pelo que aqui os damos por integralmente reproduzidos. 22. A factualidade dada como provada não pode conduzir à condenação do arguido pelo crime de tráfico de menor grávida previsto no artº 25 do decreto-lei 15/93 de 22.01. 23. Face a quantidade (menos de 100 gr. de haxixe) e a natureza do produto (droga leve), ao depoimento do arguido que conforme se escreve na sentença recorrida confessa detê-la para consumo e à total ausência de outros elementos de prova não resta senão condená-lo pelo nº2 do artº 2 lei 30/2000 numa contra ordenação alterando-se assim o acórdão neste sentido. 24. Não explica o tribunal porque razão entende necessário para a entrega dos bens descritos a fls. 313 a 315 e 333 e 334, a apresentação de factura ou recibo. 25. É próprio tribunal que na sentença afirma que tais bens não foram obtidos pelo MS através do cometimento de crimes, donde à contrário se infere que foram obtidos licitamente. 26. Não se pode esperar que o recorrente guarde ainda facturas de compras efectuadas ao longo dos últimos 20 anos. 27. Não havendo prova de qualquer ilícito imputável ao arguido quanto a estes bens, outra alternativa não resta ao tribunal senão devolve-los. 28. Perante os factos que se deixam descritos e respectivo enquadramento jurídico, crê o Recorrente que a existirem ou subsistirem dúvidas insupríveis na avaliação da prova, tais dúvidas não podem ser valoradas contra os arguidos. 29. É o que impõe o princípio in dubio pro reo, como contrapólo do princípio da oficiosidade que caracteriza o processo penal. 30. Tribunal recorrido ao não ter aplicado o princípio in dubio pro reo, não procedeu em conformidade com os princípios que norteiam a apreciação da prova, princípio este que assim deverá ser, caso se julgue necessário, aplicado por V. Ex.ªs na apreciação dos factos que motivam o presente recurso. 31. Caso V. Ex.ªs não acolham o teor da presente motivação, o que só se admite por mero dever de patrocínio, cumpre analisar a medida das penas encontradas pelo Tribunal a quo, as quais se afiguram manifestamente injustas e desajustadas. 32. Pelo exposto, deverão V. Ex.ªs reapreciar a pena aplicada ao arguido 33. Foram violados o artº 127, 147 nº7 conjugado com o artº 144 nº3, 374 nº2 todos do CP.P. Artº 71 da CP Foi ainda violado o artº 25 nº1 do decreto-lei nº15/93 de 22/01 Pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente: Deverão V.Exas. revogar a decisão sobre a matéria de facto e modificar a factualidade provada nos termos supra-alegados e, em consequência, absolver os arguidos da prática do crime de roubo; Alterar a decisão sobre matéria de direito alterando a condenação do arguido pelo artº 25 do DL 15/93 de 22.01, por uma contra ordenação prevista no nº2 da lei 30/2000 Mandar devolver ao arguido os bens constantes de fls. 313 a 315 e fls. 333e 334. Aplicar, no caso de subsistência de dúvida, o principio “in dubio pro reo” Por último, caso não se acolha a fundamentação expressa no presente recurso, o que só se admite por dever de patrocínio, alterar a medida da pena aplicada ao arguido.'' Por seu turno, também o arguido WG interpôs recurso daquela decisão, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição): ''I - O presente recurso tem como objecto exclusivamente o reexame da matéria de direito do Acórdão proferido nos presentes autos, que se justifica por não terem sido seguidos os critérios legais na escolha e determinação da pena, pelo que o Tribunal a quo violou o preceituado nos artigos 40.º; 50.º e 71.º, todos do Código Penal. II - Se tais critérios tivessem sido devidamente valorados no douto Acórdão, certamente o mesmo teria decidido pela aplicação de uma pena inferior a cinco anos de prisão e permitiriam a aplicação do instituto da suspensão da execução dessa pena. Com efeito, III - O Tribunal a quo condenou o arguido W, como co-autor material de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 2, alínea b), com referência aos artigos 204.º, n.º 2, alíneas a) e f) e 202.º, alínea b) do Código Penal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão. IV - De acordo com aresto aqui colocado em crise, na “determinação da medida concreta da pena a cada um dos arguidos pelo crime que praticaram, segue-se o critério geral do artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal: à culpa função de determinar o limite máximo da pena; à prevenção geral de integração a funções de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos (dentro do que é consentido pela culpa) e cujo limite mínimo se encontra nas exigências de defesa do ordenamento jurídico; e a prevenção especial, cabe a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente”. V - E que “os factores a ter em conta para a determinação da pena, conforme se indica no art.º 71.º, n.º 2 do Código Penal, são elementos não constitutivos do tipo legal de crime, mas que intervém por via da culpa ou da prevenção especial”. VI - O douto Acórdão na determinação concreta da pena a aplicar aos arguidos qualificou as suas condutas como “gravíssimas”, praticadas com dolo directo, salientando a “gravidade dos actos cometidos pelo arguido MS, na medida em que actuava de cara tapada” realçando ainda negativamente a personalidade deste e os seus antecedentes criminais. VII - A sua determinação da pena deve ter por base as circunstâncias do caso concreto, a culpa do agente e as exigências de prevenção (artigo 71.º, n.º 1, do CP). VIII - Devendo ter-se em conta a actuação de cada um dos arguidos no apurado episódio e ainda circunstâncias atenuantes como a inexistência de antecedentes criminais, a confissão integral e sem reservas, o arrependimento e as condições pessoais do arguido. Circunstâncias essas que estão presentes quanto ao Recorrente. IX - Em face da pena concretamente aplicada ao arguido WG permite-nos concluir que as circunstâncias atenuantes não foram devidamente ponderadas pelo Tribunal a quo, revelando uma contradição entre a fundamentação da escolha e medida da pena e a decisão. X - Tanto mais por referência à pena aplicada ao co-arguido MS pela prática do mesmo crime na pena de sete anos de prisão, em que não concorrem quaisquer das circunstâncias mencionadas. XI - Entendemos, por isso, s.m.o, que o Tribunal a quo não valorou correctamente a ausência de antecedentes criminais, as condições familiares, pessoais, profissionais e a personalidade do arguido. XII - A pena deve ter por limite a culpa do arguido e pautar-se por princípios de proporcionalidade, necessidade e adequação. XIII - Tudo ponderado e atendendo ao fim ressocializador das penas, a pena a aplicar ao Recorrente deverá ser inferior a 5 anos de prisão, respeitando-se do mesmo modo as exigências de prevenção geral e especial. XIV - Consequentemente, sendo aplicada ao Arguido uma pena de prisão inferior a cinco anos, o Tribunal a quo teria obrigatoriamente de abordar a questão da suspensão ou não da execução da pena ao arguido – conforme impõe o artigo 50.º do CP. XV - Ou seja, verificado o pressuposto objectivo – pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos – importaria averiguar se a prognose de ressocialização seria favorável. XVI - Determina o artigo 50.º do CP que a execução da pena de prisão aplicada é suspensa se atendendo à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste o tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. XVII - Ora, valoradas também nesta sede a ausência de antecedentes criminais, as condições familiares, pessoais, profissionais e a personalidade do arguido, afigura-se que a execução da pena de prisão não seria indispensável, por um lado, ao restabelecimento da paz social, e por outro, a que o arguido interiorize a necessidade de pautar o seu comportamento de acordo com o Direito; XVIII - Pelo contrário, a simples censura do facto e a ameaça da pena seriam suficientes para afastar o arguido da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime. XIX - Pelo exposto, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo as disposições dos artigos 40.º; 50.º e 71.º, todos do Código Penal. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser aplicada ao Recorrente uma pena inferior a 5 anos de prisão e, consequentemente, abordado o instituto previsto no artigo 50.º do CP, suspendendo-se na sua execução.'' Notificado para o efeito, o MP respondeu aos recursos, extraindo das respectivas respostas as seguintes conclusões (transcrição): I – Recurso do arguido MS: ''1º - O recorrente não enuncia especificamente os fundamentos do recurso nem termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que resuma as razões do pedido, pelo que o recurso interposto deve ser indeferido. 2º - Resulta da Acta da Audiência de Discussão e Julgamento que se procedeu à documentação dos actos da audiência. 3º - O recorrente pretende pôr em crise a matéria de facto dada como provada, na sentença condenatória. 4º - Porém, porque não observou o estatuído nas diversas alíneas do nº 3, do artº 412º nem procedeu às especificações previstas nas alíneas b) e c) deste normativo, por referência aos suportes técnicos. 5º - Nem se verifica “in casu”, qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do artº 410º, nº 2, do CPP, a saber: a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c) Erro notório na apreciação da prova; Nem se constata a inobservância de um qualquer requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada, nos termos previstos no nº 3, do artº 410º, do CPP. 6º - Tem de entender-se como assente a matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida, pelo que a cognição do tribunal de recurso no caso em apreciação terá de se restringir à matéria de direito. 7º - E, porque as conclusões apresentadas pelo recorrente não respeitaram o disposto no artº 412º, nº 2, CPP, deverá tal recurso ser rejeitado. 8º - Finalmente, o crime de ameaça é um crime formal, de mera actividade e de perigo concreto e não um crime de resultado conforme invocou o recorrente.'' I – Recurso do arguido WG: ''1º - A medida da pena aplicada foi bastante benevolente para o arguido W. ao condená-lo apenas em 5 anos e 6 meses de prisão efectiva, pela prática em co-autoria material de um crime de roubo p. e p. pelo artº 210º, 2 do Código Penal. 2º - O ofendido, dono da ourivesaria, que se encontrava no balcão de atendimento foi abordado pelos dois arguidos como se de dois clientes se tratassem. 3º - Foram-lhe apontadas duas armas de fogo e foi amarrado na casa de banho da sua ourivesaria, enquanto reuniam artigos em ouro, nomeadamente anéis, pulseiras, fios bem como artigos em prata no valor global calculado de 100.000€ bem como a quantia de 8.000€ em notas emitidas pelo Banco Central Europeu, após o que se puseram em fuga, deixando o ofendido amarrado. 4º - Nenhum dos artigos ou dinheiro “roubado” foi recuperado. 5º - O circunstancialismo dado como provado que rodeou o cometimento do crime em apreço conjugado com as necessidades de prevenção geral e especial, que são prementes sempre imporiam, quanto a nós a necessidade de aplicação ao arguido W. de uma pena de prisão efectiva. 6º - Apenas a postura revelada pelo arguido, ora recorrente em audiência, ao confessar os factos, ao demonstrar arrependimento e o ter pedido desculpa ao ofendido aliada à circunstância de não ter antecedentes criminais, nos leva a aceitar como razoável a pena de 5 anos e seis meses de prisão efectiva, bem próxima do seu limite mínimo, considerando que a moldura abstracta da pena é de 3 a 15 anos de prisão. 7º - Nunca por nunca poderíamos aceitar “in casu” o recurso ao instituto da suspensão da execução da pena de prisão. 8º - Com efeito, considerando as circunstâncias do crime é de todo indefensável, quanto a nós que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.'' Levaremos em conta o teor da decisão recorrida, que se reproduz na parte que interessa: '' II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – Factos provados Da discussão da causa e produção da prova vieram a resultar provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da causa: 1 - No dia 12 de Janeiro de 2010, pelas 10 horas, os arguidos WG e MS, actuando em conjugação de esforços e intentos na prossecução de plano prévio acordado entre ambos, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros da marca e modelo, FORD MONDEO, de cor azul e de matrícula ---, deslocaram-se à “Ourivesaria M”, sita na Rua …, nesta cidade e comarca, e ali entraram, como se de dois clientes se tratassem e nesse sentido abordaram o dono da ourivesaria, FM, que se encontrava no balcão de atendimento. 2 - Quando este, por força do que lhe foi solicitado se retirou para a zona da oficina, localizada atrás do balcão de atendimento, os dois arguidos seguiram-no de imediato e na oficina manietaram-no, e exibindo cada um deles uma arma de fogo de que se encontravam munidos e que apontaram na sua direcção, assim o intimidando, fazendo-o temer pela sua vida. 3 - Ordenaram-lhe então, que entrasse na casa de banho ali existente, onde o amarraram, utilizando fita-cola, para o efeito, assim o privando da sua liberdade de locomoção. 4 - Em seguida, deslocaram-se para a loja e ao mesmo tempo que perguntavam ao ofendido, que permanecia amarrado na casa de banho, se a loja tinha alarme começaram a recolher artigos em ouro, nomeadamente anéis, pulseiras, fios, bem como artigos em prata, no valor global calculado de 100 000,00 € (cem mil euros) bem como a quantia de 8 000,00 € (oito mil euros), em notas emitidas pelo Banco Central Europeu, que acondicionaram de modo não esclarecido, após o que se puseram em fuga. 5 - Os arguidos WG e MS tornaram assim tais artigos em ouro e prata e quantitativo em dinheiro coisa sua, bem sabendo que actuavam contra a vontade do dono, com recurso a armas de fogo, de que iam munidos, para o efeito de amedrontarem e causarem a inacção da pessoa que estava na dita ourivesaria fazendo-a temer pela sua vida como pretendiam, estando dispostos a disparar tais armas se tal se viesse a revelar necessário à prossecução do seu plano, pessoa essa, o dono da ourivesaria, a qual além do mais, amarraram, assim a privando da sua liberdade de locomoção. 6 - Os arguidos W e MS actuaram deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e intentos e na execução de plano previamente combinado entre os dois, com recurso à violência e à privação da liberdade da vítima. 7 - Sabiam serem tais condutas proibidas e punidas por lei. 8 - Já em Dezembro os dois arguidos haviam estado naquela mesma ourivesaria, simulando interesse em peças de ouro a estudar a melhor forma de concretizar os seus intentos, tendo perguntado ao ofendido na data em apreço, pelo rolo de fios em ouro que aquele lhes havia mostrado anteriormente. 9 - No cumprimento do respectivo mandado de detenção europeu, viria a ser localizado e detido a 7 de Maio de 2010, o arguido MS junto da sua residência, em Sesimbra. 10 - No decurso de uma busca domiciliária, após consentimento prestado por este arguido para o efeito, viriam a ser localizados e apreendidos os artigos descritos a fls. 313 a 315, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos. 11 - No interior da residência deste arguido foi localizado e apreendido um produto sua pertença, que submetido a exame laboratorial pelo LPC, da Polícia Judiciária, em Lisboa, revelou tratar-se de 99,647 gramas de Cannabis (resina). 12 - O arguido MS conhecia a natureza estupefaciente desta substância e que detinha. 13 - Ao guardá-la em sua casa, actuou este arguido deliberada, livre e conscientemente. 14 - Sabia ser a sua detenção, venda, cedência, transporte proibida por lei. 15 - Este arguido detinha ainda em sua casa uma reprodução de arma de fogo, da marca “Crossman e Air Guns”, que à vista desarmada, aparentava tratar-se de um revólver calibre 38 mm, que foi apreendido. 16 - Sabia ser a sua detenção proibida por lei. 17 - Também no dia 7 de Maio de 2010, foi levada a cabo uma busca à residência do arguido JS, sita na Rua---, em Lisboa, na sequência do consentimento prestado para o efeito. 18 - Este arguido reside ali com a mulher e o filho BS. 19 - Nas gavetas da cómoda do quarto deste arguido e no interior do quarto de BS, no gavetão da cama deste, viriam a ser localizados os artigos descritos a fls. 333 e 334, fotografados a fls. 336, destacando-se 27 notas de 100 € cada uma, emitidas pelo Banco Central Europeu, sendo que no interior do cofre portátil localizado nesse gavetão, por seu turno estavam guardados os artigos discriminados, no “Auto de Abertura de Cofre e Apreensão de Objectos”, a fls. 346 a 350 com o valor constante no Auto de Exame Directo de fls. 464 a 471, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. 20 - O arguido JS detinha a pistola, que se mostra examinada a fls. 542 a 545, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os devidos e legais efeitos, apesar de saber que a mesma não tinha número de série, que não se encontrava registada nem manifestada nem o poderia vir a ser e que não era titular de licença de uso e porte de arma. 21 - Trata-se de uma pistola semi-automática, da marca “Tanfoglio”, de modelo “GT 28”, sem número de série visível, de origem italiana, apresentando as inscrições “Star – Made in Spain Cal 6,35”, que não são genuínas, que se constitui numa arma de fogo de 6,35 mm Browning, resultado da sua transformação/adaptação clandestina a partir da arma original, que era uma arma de alarme, encontrando-se em boas condições de funcionamento. 22 - Além da pistola referida, este arguido detinha o carregador respectivo, o coldre em pele e 47 munições, de calibre 6,35 mm. 23 - No interior da residência deste arguido foi localizada e apreendida uma bolsa preta, que estava oculta na segunda gaveta da cómoda do seu quarto, que continha 11 pedaços de uma substância prensada, de cor castanha, envolta em papel celofane, com o peso bruto de 133,075 gramas, um pedaço grande de uma substância prensada, de cor castanha, com o peso bruto de 123,752 gramas e vários pedaços de uma substância de cor acastanhada, dentro de um saco, com o peso bruto de 62,166 gramas. Estas substâncias eram pertença do arguido JS e, submetidas a exame laboratorial pelo LPC, da Polícia Judiciária, em Lisboa, revelaram tratar-se de Cannabis (resina), com o peso líquido respectivamente de 128,774, 110,886 e 58,859 gramas. 24 - O arguido JS, conhecia a natureza estupefaciente desta substância e que tinha na sua posse. 25 - Sabia ser a sua detenção, venda, cedência, transporte proibida por lei. 26 - O arguido WG é natural do Brasil, é o terceiro filho de sete irmãos e o seu processo de socialização ocorreu no seio de um agregado familiar de origem descrito como estruturada e afectivamente coeso e sem problemáticas relevantes ao nível sócio – económico. 27 - O arguido W estudou até ao 12.º ano conciliando os estudos com algumas actividades laborais indiferenciadas como forma de apoiar o seu agregado. 28 - Emigrou para Portugal em 2005 e exerceu a actividade profissional de servente de pedreiro até cerca de quatro meses antes de ser preso. 29 - À data dos factos vivia com um casal de amigos; a nível pessoal o arguido aparenta permeabilidade no que respeita a influências socialmente desviantes, com tendência a manifestar condutas desadaptadas quando se verificam contextos de vida adversos. 30 - O arguido W é considerado por patrões e amigos uma pessoa trabalhadora, cumpridora e confiável. 31 - O arguido W não tem antecedentes criminais; confessou os factos de que se encontrava acusado, demonstrou arrependimento e pediu desculpa ao ofendido. 32 - O arguido MS é o mais velho de quatro irmãos, sendo oriundo de uma família estruturada de condição económica estável. 33 - Concluiu o antigo 4.º ano do curso industrial com cerca de 16 anos de idade, altura em que começou a trabalhar na área da mecânica de automóveis. 34 - Em 1983 passou a residir em França onde concluiu um curso profissional de fotografia e a partir desta altura passou a exercer a profissão de fotógrafo paisagista por conta própria, viajando para vários países, visitando Portugal com regularidade. 35 - O arguido MS tem dois filhos de 18 e 13 anos de idade; o primeiro vive actualmente no Brasil e o segundo reside com a mãe. 36 - Por acórdão datado de 07.06.2001, proferido nos autos de processo comum colectivo n.º ---/00.5 JFLSB, das Varas Criminais de Lisboa, por factos praticados em 07.07.2000, o arguido MS foi condenado pela prática de dois crimes de burla, de dois crimes de burla na forma tentada, de um crime de detenção de arma proibida e de três crimes de passagem de moeda falsa, em cúmulo juridico, na pena de três anos e seis meses de prisão. 37 - Por sentença datada de 14.07.2006, proferida nos autos de processo comum singular n.º --/02.1 JELSB, do Tribunal de Sintra, por factos praticados em 14.07.2002, o arguido MS foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano. 38 - Por sentença datada de 15.12.2008, proferida nos autos de processo comum singular n.º --/99.5 TBSSB, do Tribunal de Sesimbra, por factos praticados em 28.08.1996, o arguido MS foi condenado pela prática de um crime de furto simples, na pena de cem dias de multa, à taxa diária de 5,50 €. 39 - O processo de desenvolvimento do arguido José Santos decorreu até aos doze anos de idade integrado no seio de um agregado familiar composto pelo arguido, progenitores e sete irmãos com modestas condições sócio económicas. 40 - O arguido inicia o seu percurso laboram com 12 anos de idade numa empresa de transportes e aos 22 anos passou a trabalhar no Porto de Lisboa; encontra-se reformado desde os 52 anos de idade; não sabe ler nem escrever. 41 - O arguido JS vive com a esposa e um filho maior; tem problemas de saúde hepáticos. 42 - Por sentença datada de 29.06.1979, proferida nos autos de processo correccional n.º ---, do 1.º juízo correccional de Lisboa, o arguido JS foi condenado pela prática de um crime de furto, na pena de três meses de prisão substituída por igual tempo de multa. 43 - Por sentença datada de 14.04.1980, proferida nos autos de processo correccional n.º ---/78, do 3.º juízo correccional de Lisboa, o arguido JS foi condenado pela prática de um crime de desobediência, na pena de dois meses de prisão substituída por igual tempo de multa. 44 - Por acórdão datado de 25.06.1981, proferido nos autos de processo de querela n.º --/80, do Tribunal Criminal de Lisboa, o arguido JS foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de sete anos de prisão maior. 45 - Por acórdão datado de 30.10.1989, proferida nos autos de processo comum colectivo n.º ---/89, do Tribunal de Lisboa, por factos praticados em 04.05.1989, o arguido JS foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de sete anos de prisão e Esc. 75 000$00 de multa. 46 - Por acórdão datado de 25.10.1994, proferida nos autos de processo comum colectivo n.º --/94, do Tribunal de Lisboa, por factos praticados em 30.03.1994, o arguido JS foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de cinco anos de prisão. 47 - Por acórdão datado de 15.02.1995, proferida nos autos de processo comum colectivo n.º ---/94.0 POLSB, do Tribunal de Lisboa, por factos praticados em 04.05.1989, o arguido JS foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de quatro anos e três meses de prisão. 2.1. – Factos não provados Não se provaram os restantes factos descritos na acusação e acima não vertidos, designadamente que os diversos artigos referidos em 19. dos factos provados, apreendidos em casa do arguido JS, foram obtidos pelo arguido MS através do cometimento de diversos crimes, do que deu conhecimento ao arguido JS, a quem solicitou para que lhos guardasse, a fim de não serem recuperados pelas autoridades policiais e de não ser criminalmente responsabilizado pela sua prática. Também não se provou que o arguido JS sabia que tais artigos eram provenientes de crimes cometidos pelo arguido MS, guardando-os com o propósito de evitar que os mesmos viessem a ser recuperados pela autoridade policial e que MS viesse a ser responsabilizado criminalmente e condenado, pela obtenção de tais artigos de valor comercial considerável, de forma delituosa e em prejuízo dos respectivos donos. Finalmente, não se provou que o haxixe apreendido aos arguidos MS e JS se destinavam à venda a terceiros, com lucro.'' O Exmº Magistrado do MP neste Tribunal da Relação aderiu às respostas apresentadas pelo MP na 1ª instância. Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, não foi apresentada qualquer resposta. Procedeu-se a exame preliminar. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. 2 . Fundamentação. A. Delimitação do objecto do recurso. A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412º do Código de Processo Penal – CPP), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso. Contudo, apesar da delimitação do âmbito do recurso efectuada pelo recorrente, o tribunal ''ad quem'' deve oficiosamente[1] conhecer dos vícios referidos no artº 410º, nº 2 do CPP, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – nº 3 do referido preceito. No caso dos autos, as questões a resolver são as seguintes: I - Recurso do arguido MS 1ª questão – Impugnação da matéria de facto (o recorrente chama-lhe ''julgamento incorrecto da matéria de facto''). 2ª questão – A qualificação da conduta como tráfico de menor gravidade. 3ª questão – In dubio pro reo. 4ª questão – Perdimento de bens. II – Recurso do arguido WG. 1ª questão – medida da pena. 2ª questão – possibilidade de suspensão de execução da pena. Conhecendo dos recursos: I - Recurso do arguido MS 1ª questão. (impugnação da matéria de facto) Constitui princípio geral que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do artº 428º do CPP. Diz-nos o artº 431º do CPP que[2] a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto só pode ser modificada se (…) ( alínea b ) a prova tiver sido impugnada, nos termos do nº 3 do artigo 412º. Dispõe, por seu turno o artº 412º do CPP, com referência à motivação do recurso e conclusões: « ( … ) 3 – Quando impune a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a ) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b ) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c ) As provas que devem ser renovadas . 4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artº 364º devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.» Desde já, importa ter presente que a impugnação da matéria de facto em sentido amplo – com observância dos ónus impostos pelo artº 412º, nº 3 e nº 4 referidos – não se confunde com a invocação[3] dos vícios consagrados no nº 2 do artº 410º do CPP, pois estes hão-de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Assim, e no que respeita à impugnação da matéria de facto e ao disposto no artº 412º do CPP, como consta do Comentário do Código de Processo Penal de Paulo Pinto de Albuquerque[4], em anotação à referida norma, ''[a] especificação dos “concretos pontos de facto” só se satisfaz com indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida e que se considera incorrectamente julgado (…)''; ''[a] especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida (…) [m]ais exactamente, no tocante aos depoimentos prestados na audiência, a referência aos suportes magnéticos só se cumpre com a indicação do número de “voltas” do contador em que se encontram as passagens dos depoimentos gravados que impõem diferente decisão, não bastando a indicação das rotações correspondentes ao início e ao fim de cada depoimento''. ''(…) acresce que o recorrente deve explicitar a razão porque essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. É este o cerne do dever de especificação.'' Assim sendo, sempre que seja impugnada a matéria de facto, por se entender que determinado aspecto da mesma foi incorrectamente julgado, o recorrente tem de expressamente indicar esse aspecto, a prova em que apoia o seu entendimento e, tratando-se de depoimento gravado, o segmento do suporte técnico em que se encontram os elementos que impõem decisão diversa da recorrida. A referência aos suportes magnéticos só se mostrará cumprida – nas situações em que o registo da prova tenha sido vertido em CD-ROM / DVD-ROM (ou similar) – quando o recorrente indica, não as mencionadas voltas (porque inexistentes neste formato), mas os marcos temporais respectivos do suporte digital em causa e não apenas o respectivo início e fim do depoimento. Tal exigência decorre da circunstância de que todos os recursos – à excepção do recurso de revisão – se encontrarem ''concebidos na lei como remédios jurídicos e não como instrumentos de refinamento jurisprudencial, o que inculca que aos impugnantes seja pedido (em obediência ao princípio da lealdade processual) que indiquem qual o defeito ou vício de que padece o acto impugnado, por forma a habilitar o tribunal superior a ajuizar do mérito das razões invocada. Ora é exactamente esse o escopo da motivação: a indicação do recorrente ao tribunal ad quem do quid concreto que, segundo o seu entendimento, foi mal julgado e oferecer uma alternatividade fáctica que aquele tribunal vai julgar consistente ou não.''[5] Por outro lado, pretendendo o recorrente ''impugnar a decisão da matéria de facto, forçosamente há-de saber o que nesta decisão concretamente quer ver modificado, e os motivos para tal modificação, podendo, portanto, expressá-lo na motivação.''[6] As exigências previstas nos números 3 e 4 do artº 412º do CPP não se revestem de natureza meramente secundária ou formal: ao invés, relacionam-se com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto e só a sua estrita observância permitirá ao tribunal de recurso conhecer a vontade do recorrente e pronunciar-se sobre um objecto escolhido, não por si próprio, mas por quem não se conforma com uma decisão. Analisando, em concreto, os pressupostos legais para a impugnação da matéria de facto: I - Indicação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados. No caso dos autos, o recorrente, pretendendo impugnar a matéria de facto considerada como provada pelo tribunal a quo, indicou os factos ''que considera incorrectamente julgados'', ou seja, os factos provados 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7[7] e 8 (cfr. ponto 3 das conclusões do recurso). Assim, temos por cumprido o referido ónus de indicação especificada. II – Indicação das concretas provas que suportam a pretensão impugnatória. O recorrente indica as provas que, segundo o seu entendimento, devem conduzir à não prova dos factos assinalados, ou seja, o ''Auto de Reconhecimento fotográfico de fls. 32, o Auto de Reconhecimento de fls. 321, reconhecimento efectuado em audiência, o fotograma de fls. 53/4, o depoimento do queixoso e do recorrente (indicando-se as passagens dos respectivos depoimentos). Consequentemente, temos também por cumprido este ónus legal. III – Exposição das razões porque a prova indicada impõe decisão diversa da recorrida. A tónica hermenêutica quanto a este ónus da impugnação da matéria de facto deve ser colocada no verbo impor. Desde logo, deve sublinhar-se que não basta que aquela prova permita decisão diversa – é necessário que a imponha. '' ...
Note-se que a lei refere as provas que «impõem» e não as que «permitiriam» decisão diversa. É que afigura-se indubitável que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução. Se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que impõe que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.''[8] Relativamente ao critério a seguir pelo tribunal de 1ª instância para escolher entre as soluções plausíveis segundo as regras da experiência podemos socorrer-nos da lição de Castanheira Neves[9]: ''… se […] quisermos enunciar […] um critério de certeza probatória (o critério de verdade prática) diremos que se não pode evidentemente pretender a demonstração de uma evidência, que exclua toda a possibilidade do contrário, assim como é também claro que não nos podemos bastar com juízo de pura possibilidade lógica. Deverá sim exigir-se aquele tão alto grau de probabilidade prática quanto possa oferecer a aplicação esgotante e exacta dos meios utilizáveis para o esclarecimento da situação – um tão alto grau de probabilidade que faça desaparecer a dúvida (ou logre impor uma convicção) a um observador razoável e experiente da vida, ou, talvez melhor, a um juiz normal (com a cultura e experiência da vida e dos homens que deve pressupor-se num juiz chamado a apreciar a actividade e os resultados probatórios) referido às mesmas circunstâncias históricas e processuais.'' Entendemos que o recorrente assenta a sua pretensão numa ideia errada, qual seja, a de que o Tribunal da Relação pode, para julgar o recurso, efectuar um novo julgamento da matéria de facto, com o recurso às transcrições dos depoimentos que o aquele efectua e que, em seu entendimento, conduziriam à não prova de alguns dos factos: A doutrina – referenciada por Germano Marques da Silva[10] – tal como a jurisprudência dos nossos tribunais superiores (cfr., entre muitos, os Acórdãos do STJ de 30.06.99 in BMJ nº 488, página 272, de 17.02.2005 no processo 04P4324 disponível em www.dgsi.pt e desta Relação de Évora de 01.04.2008, proc. 360/08, também disponível www.dgsi.pt), são inequívocas no sentido de que ''... o recurso em matéria de facto não se destina a um novo julgamento, mas constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância…'', mais se sublinhando que ''... não se podendo recorrer sobre a matéria de facto sem mais, limitando-se o recorrente a pôr em causa a convicção dos julgadores sem ter em conta que o princípio básico do nosso processo penal assenta na livre convicção do julgador consagrado no artº 127º do C.P.P.'' Em síntese, como refere a doutrina italiana, os recursos são meros remédios jurídicos.[11] Cumpre, em primeiro lugar, analisar a questão suscitada relativamente aos ''reconhecimentos'' efectuados nos autos. Começa o recorrente por afirmar que o reconhecimento de fls. 321 foi feito sem a presença de advogado, logo de nenhum valor. Argumenta para fundamentar tal posição que, se o reconhecimento tiver lugar em processo em que vigore a publicidade interna, todos os sujeitos processuais e respectivos advogados têm direito de acesso à diligência e, portanto, devem ser para ele notificado, mais acrescentando que, tratando-se de arguido preso, ele é obrigatoriamente assistido por defensor, por interpretação extensiva do artº 144 nº3 do CPP. Trata-se da invocação ipsis verbis da posição de Paulo Pinto de Albuquerque no Comentário do Código de Processo Penal supracitado (a fls. 410), e sobre a mesma suscitam-se-nos as seguintes reflexões: Não explica o referido autor (nem, aliás, o recorrente), porque motivo existe a necessidade de recorrer à interpretação extensiva (que, na verdade, mais do que extensiva, é verdadeiramente analógica). A verdade é que o texto do mencionado artº 147º não prevê a presença obrigatória do defensor no reconhecimento nele disciplinado. Entendemos que o legislador penal ordinário não está constitucionalmente limitado na determinação concreta dos actos processuais em que deve ser prevista a obrigatoriedade de assistência por defensor. O certo é que, dado o carácter sensível da questão (atentos os potenciais reflexos nos direitos de defesa dos arguidos), a lei processual penal estabelece com uma minúcia assinalável as situações em que aquela obrigatoriedade é imposta, reservando uma disposição específica para o efeito, ou seja, o artº 64º do CPP. Tal disposição não prevê a obrigatoriedade da assistência de defensor na diligência em questão. Contudo, tal obrigatoriedade é prevista ''nos interrogatórios de arguido detido ou preso'' (alínea a), regra que vem a ser repetida[12] no artº 144º, nº 3. Deste modo, estando a obrigatoriedade de assistência de defensor apenas prevista para o específico meio de prova ''interrogatório de arguido preso'', parece-nos (salvo o devido respeito) meridianamente claro que tal regra não pode, por (mera) interpretação extensiva, abranger também o meio de prova ''reconhecimento de pessoas''. Com efeito, cremos que é possível afirmar com alguma segurança que, ao regular o meio de prova ''interrogatório de arguido preso'', o legislador ''não disse menos do que queria''[13], ao não referir ali (também) o reconhecimento de pessoas: só aquele meio de prova poderia estar em causa e não este último, como resulta do elemento sistemático da interpretação. Por outro lado, para além de entendermos que não existe qualquer lacuna, pois o legislador não quis estender a regra da obrigatoriedade de assistência de defensor ao reconhecimento de pessoas, também entendemos que não existe um núcleo fundamental de semelhanças entre os dois meios de prova que justifique recorrer à analogia para integrar qualquer (inexistente, reiteramos) lacuna, desde logo porque (entre outros motivos) o interrogatório pode suscitar uma confissão (artº 141º, nº 5) e, por outro lado, uma vez que o conteúdo do direito do arguido de não responder a perguntas feitas sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar (artº 61º, nº 1, alínea d)) deve ser concretamente acompanhado pelo defensor ao longo do interrogatório de arguido preso. De todo o modo, o Tribunal Constitucional[14] entendeu que, não sendo posta em causa a regularidade do acto de reconhecimento e não ficando o recorrente, de forma alguma, impedido de, na audiência de julgamento, contrariar o valor probatório do reconhecimento anteriormente efectuado, com pleno funcionamento da regra do contraditório e sendo o mesmo, então obrigatoriamente, assistido por defensor, não há qualquer razão para julgar que a interpretação da norma (artº 147º do CPP, interpretada como não exigindo que o arguido seja obrigatoriamente assistido por defensor) que defendemos viole o direito (constitucional) de defesa do arguido. Inexiste, assim, a invocada nulidade do reconhecimento efectuado nos termos descritos no Auto de fls. 321. Invoca também o recorrente a nulidade do ''reconhecimento efectuado na audiência de discussão e julgamento pelo ofendido onde manifestamente não foram verificados os pressupostos do artº 147 do CPP''. Vejamos. De acordo com o Tribunal Constitucional[15], ''dada a relevância que na prática assume para a formação da convicção do tribunal, e os perigos que a sua utilização acarreta, um reconhecimento tem necessariamente que obedecer, para que possa valer como meio de prova em sede de julgamento, a um mínimo de regras que assegurem a autenticidade e a fiabilidade do acto.'' Nestes termos, qualquer reconhecimento de pessoas deve ser feito de acordo com as formalidades previstas no artº 147º do CPP: (nº 1) Quando houver necessidade de proceder ao reconhecimento de qualquer pessoa, solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação que a descreva, com indicação de todos os pormenores de que se recorda. Em seguida, é-lhe perguntado se já a tinha visto antes e em que condições. Por último, é interrogada sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação. (nº 2) Se a identificação não for cabal, afasta-se quem dever proceder a ela e chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem as maiores semelhanças possíveis, inclusive de vestuário, com a pessoa a identificar. Esta última é colocada ao lado delas, devendo, se possível, apresentar-se nas mesmas condições em que poderia ter sido vista pela pessoa que procede ao reconhecimento. Esta é então chamada e perguntada sobre se reconhece algum dos presentes e, em caso afirmativo, qual. (...) (nº 7) O reconhecimento que não obedecer ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer.[16] O conteúdo deste nº 7 reconduz-se, pois, à previsão de uma verdadeira proibição de prova[17], ou seja, o reconhecimento é inválido e não pode, por isso, ser usado no processo designadamente, para fundamentar a decisão. Cumpre agora avaliar normativamente se também se aplicam as regras gerais ao evento ocorrido na audiência dos presentes autos, em que a testemunha FM, à pergunta se conhecia os arguidos que estavam ''atrás de si'', respondeu afirmativamente quanto aos ''dois primeiros'' (o recorrente e o arguido WG). Antes da Reforma de 2007, a jurisprudência maioritária entendia que ''os requisitos do artigo 147º CPP apenas se aplicam à instrução e inquérito e não à audiência de julgamento''.[18] Nestes termos, pode defender-se que ''o reconhecimento de um arguido na audiência de julgamento é prova testemunhal e não prova por reconhecimento.''[19] Trata-se de uma posição sufragada pelo Tribunal Constitucional[20], que distingue claramente o reconhecimento ''stricto sensu'' do ''reconhecimento'' efectuado em audiência, não passando este de ''uma atribuição dos factos expostos no depoimento da testemunha a certa pessoa ou pessoas'', pelo que submete este às regras de apreciação da prova testemunhal e aquele à disciplina do artº 147º do CPP. As duas figuras são escalpelizadas da seguinte forma: ''Assim sendo, nada impede o Tribunal de "confrontar" uma testemunha com um determinado sujeito para aferir da consistência do juízo de imputação de factos quando não seja necessário proceder ao reconhecimento da pessoa, circunstância em que não haverá um autêntico reconhecimento, dissociado do relato da testemunha, e em que a individualização efectuada – não tem o valor de algo que não é: o de um reconhecimento da pessoa do arguido como correspondendo ao retrato mnemónico gravado na memória da testemunha e de cuja equivalência o tribunal, dentro do processo de apreciação crítica das provas, saia convencido. Diferente – mas que não ocorreu nos autos – é a situação processual que ocorre quando, pressuposta que seja a necessidade de reconhecimento da pessoa, tida como possível autora dos factos, se coloca o identificante na posição de ter de precisar, entre várias pessoas colocadas anonimamente na sua presença, quem é que corresponde ao retrato mnemónico por ele retido.'' Já no Acórdão da Relação de Coimbra de 05.05.2010 (proferido no Pº 486/07.2GAMLD.C1 e disponível em www.dgsi.pt) se escreveu que o reconhecimento realizado em inquérito é uma “prova autónoma pré-constituída” a ser examinada em audiência de julgamento, nos termos dos artigos 355º, nº 1, in fine, nº 2 e artigo 356º, nº 1, b) do CPP, não lhe sendo aplicável o disposto nos seus números 2 e 3. Caso já tenha sido realizado um reconhecimento em inquérito, torna-se desnecessário repeti-lo em audiência de julgamento. A realização de um reconhecimento em audiência de julgamento com o cumprimento dos requisitos previstos no nº 2 do artº 147º do CPP só se coloca se inexistir reconhecimento realizado em inquérito ou instrução (por inércia das entidades investigadoras), ou se realizado, enfermar de nulidade processual ou nulidade probatória, sendo certo que, nestes casos, se impõe uma tomada de posição do tribunal no sentido de considerar necessária e adequada a realização de um “reconhecimento”, ao qual será atribuída uma específica e autónoma força probatória: o artº 147º do CPP não determina uma repetição de reconhecimentos, limitando-se a impor ao tribunal que, se entender adequado proceder a um reconhecimento em audiência de julgamento, este deverá observar o formalismo ali previsto. De qualquer forma, é uma evidência que o regime normativo da audiência de julgamento se mostra de difícil (ou mesmo impossível) compatibilidade com o formalismo previsto no artº 147º do CPP, este claramente pensado para as fases de inquérito ou instrução. Com efeito, ''[a] questão que legitimamente se coloca, desde logo, é a de saber até que ponto será exequível aplicar as regras do reconhecimento previstas no artigo 147º do CPP à audiência de julgamento em que há um inevitável contacto directo entre ofendidos e arguidos, não apenas na própria sala de audiências como nos corredores do tribunal ou no simples acto de chamada para o processo realizada pelo funcionário judicial. Em todo o caso, mesmo que se considere possível, com as devidas adaptações, o cumprimento em audiência de julgamento das regras do artigo 147º, sempre ficará necessariamente excluída a possibilidade de ocultação do identificante a que alude o nº 4 do aludido preceito legal.''[21] No caso dos autos, a identificação do arguido recorrente por uma testemunha em audiência não configura um acto de ''reconhecimento'' em sentido jurídico-processual, o que aliás nem sequer foi ordenado pelo tribunal a quo. Na acta nada consta – ou seja, o tribunal não ordenou a realização de reconhecimento processual, enquanto meio de prova autónomo, assim mesmo considerado pela disciplina do nosso Código de Processo Penal. De facto, o que ocorreu foi uma mera identificação do arguido recorrente (e do arguido WG). Como se escreve no Acórdão da Relação do Porto de 07.11.2007 (in www.dgsi.pr/jtrp) ''o simples acto de uma testemunha na audiência identificar o arguido como o autor dos factos em julgamento insere-se no âmbito da prova testemunhal e não no âmbito da prova por reconhecimento'', podendo afirmar-se que, ''[d]e outro modo estaria achada a fórmula de anular qualquer prova testemunhal pois bastaria que a testemunha perante a pergunta de saber se reconhecia o arguido, se virasse, olhasse ou apontasse para ele, para de imediato deixar de se poder valorar o seu depoimento.'' (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23.03.2009 proferido no Pº 1109/08-1 e disponível em www.dgsi.pt) Em síntese, pode afirmar-se que a reforma de 2007 não veio introduzir um novo meio de prova ou definir de maneira diferente o valor probatório daquele meio de prova - apenas veio afirmar expressamente aquilo que estava implícito anteriormente, ou seja, que o meio de prova ''reconhecimento'' só é válido e eficaz se obedecer ao formalismo do nº 2 do artº 147º. No caso dos autos, como vimos, o recorrente (juntamente com o arguido WG) foi identificado pelo queixoso no seu depoimento, tratando-se de meio de prova sujeito naturalmente ao princípio do contraditório (artº 327º, nº 2 do CPP), sendo certo que o tribunal a quo não teve necessidade de recorrer ao meio probatório específico ''reconhecimento de pessoas'' regulado pelo artº 147º do CPP. Estamos assim perante prova não proibida, a valorar atendendo ao princípio da livre convicção. (cfr. artº 355º do CPP) Em suma, nem ao tribunal a quo estava vedada a valoração da identificação feita no julgamento como simples prova testemunhal, de acordo com aquele princípio, nem este tribunal ad quem está impedido de o fazer. De mencionar que a referência à parte do conteúdo do Auto de Reconhecimento de fls. 321 em que o queixoso, perguntado sobre se conhecia ou tinha visto a pessoa a identificar respondeu negativamente e a sua aparente contradição com o depoimento daquele prestado na audiência, quando afirma que os arguidos já anteriormente haviam estado na ourivesaria, nos parece absolutamente inócua, pois, para além do carácter tabelar da declaração constante do mencionado Auto, o depoimento prestado em audiência (1' 27'' / 2' 38'') é contextualizado temporalmente (''cerca de um mês antes'') e rico em pormenores (como o destino do fio que o recorrente terá pedido para ver), o que não deixou dúvidas na mente do colectivo sobre a respectiva veracidade (ou ''bondade'', como o recorrente lhe chama). Relativamente aos fotogramas de fls. 53/54, afirma o recorrente que a ''Mtª Juiz Presidente (…) diz (que) não andam longe da figura do arguido'' e que ''não andando longe, não é o mesmo que afirmar que de uma forma clara e iniludível correspondem à fotografia do arguido''. Tendo procedido à audição da passagem indicada (cfr. artº 412º, nº 6 do CPP), desde logo há que sublinhar que a Juiz Presidente afirmou o seguinte: ''Há aqui uma fotografia ou duas que também não anda muito longe da sua figura'': em face deste exacto teor, desconhecemos como pode o recorrente alegar que se afirma ''de uma forma clara e iniludível'' que é o arguido o retratado na fotografia, pois apenas se sublinham semelhanças entre este último e o sujeito fotografado, não tendo sido atribuído qualquer carácter inequívoco à identificação – aliás, em face do afirmado pela Juiz Presidente, o recorrente começa por dizer ''sim, é parecido mas não sou eu.'' Em suma, do afirmado infere-se claramente que a valoração dos referidos fotogramas pelo tribunal a quo passou sobretudo pela não exclusão da identificação do recorrente, sendo de recusar qualquer identificação positiva e inequívoca feita a partir dos mesmos. Relativamente aos trechos individualizados pelo recorrente como fundamento da impugnação da matéria de facto, ouvidos os mesmos, evidencia-se que os mesmos não impõem qualquer decisão diversa da recorrida sobre a matéria de facto: o primeiro bloco (depoimento do queixoso em 09.12.2010) diz respeito às questões do invocado ''reconhecimento'' em audiência, sem qualquer relevância, como acima vimos; relativamente ao segundo bloco (declarações do arguido em 06.01.2011), cumpre salientar o seguinte: I – Quanto ''à demonstração de que os objectos encontrados em casa do arguido JR serem pertença do recorrente'': Atento o teor das suas declarações vagas, genéricas e descontextualizadas (sempre a referência a um vago ''estrangeiro'' onde viveu e onde tudo aconteceu...), sem qualquer prova suplementar que suporte tal asserção, não se vislumbra como pode o recorrente defender que aquelas podem impor a convicção de que aqueles objectos são sua propriedade. II – Relativamente à forma como terá conhecido o co-arguido W. e qual a explicação que entende existir para que este o ''acuse'' (?): A explicação do contexto do conhecimento do co-arguido e o alegado motivo da sua incriminação apresentados, para além de nada terem de cristalino (como o próprio afirma), não são minimamente credíveis, pois não é crível que, após 2 encontros aquele lhe tivesse pedido dinheiro e, como vingança pela não concessão de tal empréstimo, o tenha implicado num assalto que não cometeu. Aliás, não deixa de ser extraordinário que, após afirmar inequivocamente que o o arguido W. participou no assalto (''procura encobrir o envolvimento daquele que efectivamente o acompanhou no assalto...'' - fls. 961), vem a pedir a final que se modifique a factualidade provada e, em consequência, ''absolver [?!] os arguidos [ambos] da prática do crime de roubo'' (fls. 975) Ainda se questiona o recorrente relativamente ao valor das declarações do co-arguido W. que, afirma, ''apresentam diminuída credibilidade''. Sobre a força probatória das declarações do co-arguido importa sublinhar o seguinte: É hoje relativamente pacífico que tais declarações, para que possam constituir material probatório, requerem uma verificação suplementar traduzida numa exigência de corroboração. ''Com a corroboração significa-se a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta. A regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura de uma fundamentação insuficiente.''[22] A necessidade de corroboração não se reconduz a uma regra legal de prova – também aqui tem plena aplicação o princípio da livre apreciação da prova – situando-se antes no domínio do ''cuidado deontológico do aplicador'', passível de contribuir para uma ''mais correcta realização da sua livre convicção''.[23] Sobre o valor deste tipo de prova, o STJ considera que ''a consideração de que as declarações do arguido se revestem à partida de uma capitis diminutio só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. (…) O depoimento incriminatório de co-arguido está sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dubio pro reo. Assegurado o funcionamento destes e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo artº 32º da CRP, nenhum argumento subsiste contra a validade de tal meio de prova.''[24] Na ausência de regra tarifada sobre prova por declaração de co-arguido, a credibilidade deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação, mas, com um especial cuidado, que poderá passar por uma procura de corroboração. A prudência deve integrar a racionalidade do discurso da motivação da matéria de facto.[25] Por corroboração entendemos algum apoio ou suporte em conteúdos probatórios fora das declarações do co-arguido que, juntamente com elas, permitam concluir pela sua correspondência à verdade. Não se trata de uma exigência de prova da prova por co-arguição mas apenas de algo mais que convença da correcção dessa versão dos factos. A exigência de corroboração não terá de assumir necessariamente a natureza de prova externa, no sentido de prova exterior a toda a co-arguição. Aquilo o substracto passível de atenuar (ou fazer desaparecer) a força probatória da declaração do co-arguido repousa numa suspeição de que algumas vantagens poderão advir para o declarante da imputação dos factos a um seu co-arguido. No caso presente, deve sublinhar-se que a própria decisão recorrida apresenta elementos que corroboram as declarações do co-arguido WG, a saber, o depoimento da testemunha FM em audiência, o reconhecimento efectuado em 07.05.2010 e os fotogramas de fls. 53 e 54. Em face de tal quadro (e atento o carácter incredível da explicação do ora recorrente sobre a acusação do seu co-arguido, não é racionalmente justificada a formulação qualquer suspeição. O contributo probatório das declarações do co-arguido WG satisfaz, deste modo, o quantum de corroboração exigido pelas regras da prudência, na racionalidade da justificação deste facto. Em síntese, podemos afirmar a integral conformidade entre o que foi dito e aquilo que o tribunal ouviu e refere ter ouvido, que nenhuma das provas em causa é proibida ou foi produzida fora do quadro normativo que regula os meios de prova em apreciação, que o tribunal a quo justificou adequadamente a opção que faz relativamente à escolha e graduação dos conteúdos probatórios e, finalmente, que, perante provas de sinal contrário (no caso, declarações de co-arguidos) e, abstractamente, de igual peso probatório, atribuiu-lhes conteúdo positivo ou negativo de uma forma racionalmente justificada, apelando às regras da lógica e da experiência comum. Inexiste, consequentemente, erro de julgamento, mantendo-se intocada a matéria de facto dada como provada. 2ª questão – A qualificação da conduta como tráfico de menor gravidade. Começa o recorrente por afirmar que nenhuma prova existe que inquine a afirmação do recorrente de que o produto que lhe foi apreendido era para o seu consumo. Mais afirma que, se tivermos em conta a vida do recorrente que anda de país em país com o fim de angariar o seu sustento, fácil é perceber que não lhe será fácil encontrar onde comprar haxixe em todos eles e manifesto se torna que o melhor será comprar uma quantidade maior, onde pode encontrá-lo, para depois dividir e transportar a quando das suas viagens. São considerações que dizem respeito à matéria de facto provada / não provada, sendo que o recorrente não impugna esta de acordo com o quadro legal acima referido nem, aliás, manifesta minimamente, quanto a este segmento recursório, tal intenção (aliás, integra esta questão no ''recurso sobre matéria de direito'' - fls. 965). Consequentemente, está a este tribunal vedado o conhecimento de tal questão. Relativamente à invocada descriminalização do consumo, aquisição e detenção para consumo próprio de estupefacientes, independentemente da quantidade de produto adquirido ou detido, alegadamente operada pelo artº 28 da Lei 30/2000, cumpre referir o seguinte: Pode ler-se no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 8/2008 (Publicado no Diário da República, 1ª Série, nº 150, de 05.08.2008): ''Conciliando o equívoco texto do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000 com o objectivo legal de evitar a descriminalização e, mesmo, a despenalização da aquisição e da detenção de drogas ilícitas, para consumo próprio, em quantidade que excedesse a necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, haverá - na presunção de «que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» - que confinar a expressa «revogação» do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93 ao contexto do próprio diploma («Para efeitos da presente lei, a aquisição e a detenção para consumo próprio das substâncias referidas no número anterior não poderão exceder a quantidade necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.»). O artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93 - circunscrito ao consumo e à aquisição e detenção para consumo próprio de drogas ilícitas em pequenas quantidades, por redução teleológica, o alcance da sua revogação pelas disposições conjugadas dos artigos 28.º e 2.º, n.º 2, da Lei n.º 30/2000 - conservará válido e actual o texto remanescente: «1 - Quem, para o seu consumo, cultivar plantas compreendidas nas tabelas I a IV é punido com pena de prisão até 3 meses ou com pena de multa até 30 dias. Se a quantidade de plantas cultivadas pelo agente exceder a necessária para o consumo médio individual durante o período de 5 dias, a pena é de prisão até 1 ano ou de multa até 120 dias. 2 - Quem, para o seu consumo, adquirir ou detiver plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.'' Foi fixada então pelo Supremo Tribunal de Justiça jurisprudência nos seguintes termos: ''Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só “quanto ao cultivo” como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.'' De acordo com o disposto no artº 445º, nº 3 do CPP, a decisão (uniformizadora de jurisprudência) não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão. Tal normativo institui uma ''vinculação negativa'' dos tribunais judiciais à interpretação uniformizada, dotando esta de uma força argumentativa especial, impondo um ''dever de especial fundamentação'' aos tribunais que divirjam da jurisprudência formada.[26] Será qualquer divergência passível de fundamentar o desvio à interpretação fixada? A resposta não pode deixar de ser negativa. Com efeito, ''[o]s tribunais só devem divergir da jurisprudência uniformizada quando haja razões para crer que ela está ultrapassada, isto é, quando a) o tribunal tiver desenvolvido um argumento novo e de grande valor, não ponderado no acórdão uniformizador, susceptível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a solução anteriormente perfilhada; b) se tornar patente que a evolução doutrinal e jurisprudencial alterou significativamente o peso relativo dos argumentos então utilizados, por forma a que, na actualidade, a sua ponderação conduziria a resultado diverso; ou finalmente c) a alteração da composição do STJ torne claro que a maioria dos juízes das secções criminais deixou de partilhar fundadamente da posição fixada (...).''[27] Considerando que é meridianamente claro que as situações referidas em b) e c) não estão minimamente em causa (não são referidas quaisquer posições doutrinais e/ou jurisprudenciais posteriores à publicação do AUJ 8/2008 ou a alteração substancial da composição do colégio julgador) e que o recorrente não invoca nem se vislumbra qualquer novo argumento susceptível de abalar os fundamentos do decidido pelo STJ, nenhum motivo existe para não acatar tal orientação, o que se decide. Improcede, pois, também esta questão. 3ª questão – In dubio pro reo. Refere o recorrente que a decisão viola o princípio in dubio pro reo . A presunção de inocência, a que alude o artº 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, é uma norma directamente vinculante e constitui um dos direitos fundamentais do cidadão, significando que enquanto não for demonstrada a culpabilidade do arguido não é admissível a sua condenação. Com efeito, tem repercussões ao nível da produção da prova e, assim, do princípio in dubio pro reo, mas este só será efectivamente violado se resultar da decisão recorrida que o tribunal, não obstante ter ficado na dúvida quanto a determinado(s) facto(s), decidiu desfavoravelmente ao arguido. Respeitando esse princípio probatório, a dúvida terá sempre de ser valorada em favor do arguido. No caso dos autos, porém, não resulta que o tribunal a quo, após a produção de prova, tenha ficado na dúvida quanto aos factos consubstanciadores da autoria do arguido relativamente aos crimes pelos quais veio a ser condenado. Não se vislumbra que a mera discordância do recorrente suscite a aplicação do princípio, quando, contrariamente, a motivação do tribunal recorrido é, como acima vimos, razoável e credível, para além de toda a dúvida razoável. Não se mostra, assim, violado, o princípio in dubio pro reo nem a indicada presunção de inocência do recorrente. Consequentemente, improcede também esta questão. 4ª questão – Perdimento de bens. Segundo o recorrente, consta dos factos não provados (que) os objectos apreendidos em casa do arguido JR, não foram obtidos pelo arguido ora recorrente através do cometimento de diversos crimes e sendo claro que quer aquele quer este afirmam que a propriedade dos objectos encontrados nas buscas efectuadas nas casas de ambos são do último, não se vê como fugir a que a titularidade destes bens sejam do arguido recorrente, sendo certo que vir agora pedir que se apresentem facturas recibos de objectos, na maioria dos casos comprados há mais de 20 anos e em vários locais da Europa, é o mesmo que dizer que serão perdidos a favor do ''estado''. Desde logo, cumpre assinalar um vício no raciocínio exposto, que é o de que dos factos não provados se extraia que os objectos em causa não foram obtidos pelo recorrente através do cometimento de diversos crimes. Na verdade, do teor daquele facto não provado só se extrai … que não se provou a proveniência ilícita dos objectos e não que estes não tenham proveniência ilícita. Como é do conhecimento comum do direito processual, a não prova de um facto não significa … a prova do seu contrário. Posto isto, continua o recorrente, quanto a este aspecto, a fundamentar a sua pretensão em realidades fácticas que não estão assentes nos autos e que terão resultado da respectiva mera afirmação pelo próprio, como a compra dos objectos ''há mais de 20 anos'' em ''vários locais da Europa''. Assim, uma vez que a propriedade dos referidos objectos não está determinada, entendemos como legítimo que o tribunal a quo tenha revestido de especiais cautelas uma entrega dos mesmos a quaisquer pessoas que apenas afirmassem ser suas proprietárias. Com efeito, segundo o artº 186º, nº 2 do CPP, logo que transitar em julgado a sentença, os objectos são restituídos a quem de direito, salvo se tiverem sido declarados perdidos a favor do Estado. Nestes termos, o tribunal a quo apenas faz referência a uma das formalidades possíveis de restituição imediata dos objectos apreendidos. A decisão não proíbe (nem poderia proibir, uma vez que se trata de uma exigência ope legis) que, a quem demonstre (fora daquelas formalidades), ser proprietário dos objectos (o ''a quem de direito'' citado), sejam os mesmos restituídos. Improcede, consequentemente, também esta questão. 5ª questão – Medida da pena. Segundo o recorrente, perante os factos que se imputam aos arguidos e aqui recorrentes tais penas afiguram-se manifestamente injustas e desajustadas, pelo que se deve ''alterar'' a medida da pena aplicada ao arguido. Mais uma vez se refere o recorrente também ao arguido WG, sem que se perceba a que título e com que legitimidade, uma vez que aquele tem defensor e também recorreu da decisão. Depois, também resulta de algum modo enigmática a peticionada alteração da medida da pena, desconhecendo-se se esta deve abranger as penas parcelares e/ou também a pena única, apenas se presumindo que ''alterar'', para o recorrente é sinónimo de ''reduzir''. De qualquer forma, no que respeita às penas (parcelares e única) dir-se-á o seguinte: I - Medida da pena quanto ao crime de roubo. De acordo com o artº 71º, nº 1 do C. Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. ''A redacção dada ao nº 1 harmonizou esta norma com a do novo artº 40º: o texto anterior podia sugerir que se atribuía à culpa um papel preponderante na determinação da medida da pena, possibilitaria mesmo, contra a filosofia que era já a do a do Código, uma leitura que apontasse no sentido da afirmação da retribuição como fim das penas; poderia ser entendido como atribuindo às exigências de prevenção um papel secundário, meramente adjuvante, naquela determinação, que não é, de modo algum, o que agora expressamente se lhes assinala.''[28] Deste modo, resulta expressamente do normativo citado a necessidade da consideração da díade culpa / prevenção na determinação do quantum punitivo. Relativamente à culpa, entende-se como inequívoco que se trata de um conceito chave do Código Penal de 1982, constando do ponto 2 do respectivo Preâmbulo que ''toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta''. A eleição legal de um verdadeiro princípio da culpa cinde-se em duas realidades diferentes, a saber, a culpa como fundamento da pena e a culpa como fundamento da medida da pena [29], sendo desta última que agora nos ocuparemos. De que forma pode a culpa determinar a medida concreta da pena, articulando-se harmoniosamente nessa função com as citadas exigências de prevenção? A jurisprudência alemã[30] desenvolveu a chamada ''teoria do espaço livre'': segundo esta não é possível determinar-se de modo exacto uma pena adequada à culpa, sendo apenas possível delimitar uma zona dentro da qual deve situar-se a pena para que não possa falhar a sua função de levar a cabo uma justa compensação da culpabilidade do autor; esta relação imprecisa entre a culpa e a pena pode ser aproveitada pelo tribunal para a prevenção especial, fixando a sanção entre o limite inferior e superior do ''espaço livre'' da culpa, de acordo com os efeitos que possam esperar-se daquela para a integração social do autor do ilícito.[31] Segundo Jorge de Figueiredo Dias[32] a finalidade primordial visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada (prevenção geral positiva ou prevenção de integração). Esta ideia traduz a convicção de que existe uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena visa alcançar. Porém, tal como na anteriormente aludida ''teoria do espaço livre'' esta medida óptima de prevenção geral positiva também não fornece ao juiz um quantum exacto de pena. Assim, de acordo com este entendimento é a prevenção geral positiva (não a culpa) que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem actuar considerações de prevenção especial de socialização. Quer consideremos a ''teoria do espaço livre'', quer a teoria da ''moldura de prevenção'' (o texto do nº 1 do artº 71º, quanto a este aspecto, é de uma desdogmatização normativa exemplar, sem que se possa apontar uma preferência legal por qualquer das teorias), existe algum consenso no sentido de que, dentro dos limites mínimo e máximo de tais sub-molduras punitivas, são considerações relativas à chamada prevenção especial que operam no último estádio hermenêutico que leva à concretização exacta de uma dada pena. ''Dentro da “moldura de prevenção” (…) actuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que que devem aqui ser valorados todos os factores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza; seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou de inocuização.''[33] Quanto às exigência de prevenção ''pode-se distinguir entre prevenção especial negativa e positiva. A primeira traduz-se na intimidação do agente em concreto. A prevenção especial positiva é representada pela ressocialização.''[34] Em concreto, que circunstâncias devemos valorar primordialmente para definir exactamente a pena? As circunstâncias que, nuclearmente, devem ser levadas em conta são as que dizem respeito ao facto ilícito praticado: ''os danos ocasionados, a extensão dos efeitos produzidos, em suma, o “efeito externo”, determinam então para o juiz, no momento da fixação da pena, o significado do facto para a ordem jurídica violada.''[35] Tais efeitos externos dos factos ilícitos encontram correspondência legal nos factores de determinação da medida da pena previstos nas primeiras alíneas do nº 2 do artº 71º do C. Penal. Na decisão recorrida foram levados em conta os seguintes factores: ''As condutas dos arguidos são gravíssimas, embora não se deva perder de vista que a gravidade dos actos cometidos pelo arguido MS, na medida em que actuava de cara tapada. É de considerar que são cada vez mais os assaltos perpetrados com cara coberta para dificultar arduamente o trabalho da investigação criminal, com recurso a armas de fogo e em estabelecimentos comerciais de ourivesaria. É quase diariamente que a comunicação social noticia um assalto a uma ourivesaria. Considera-se, ainda, que actuaram dois agentes que, em comunhão de esforços, intimidaram o ofendido FM que não se coibiram de manietar e privar de liberdade para melhor levarem a cabo os seus intentos. Deverá notar-se que o roubo constitui uma conduta repudiada pela sociedade com intensidade semelhante à de crimes como o homicídio, as ofensas graves, a violação, o sequestro ou o tráfico de estupefacientes. O cometimento do crime de roubo revela um desvalor da acção muito forte, atendendo ao modus operandi (“assalto à mão armada”), exuberante e convocador dos receios sociais, em co-autoria, um deles encapuçado, cada vez mais frequente e destabilizador, o valor envolvido e ao receio que causaram na pessoa do ofendido, constituindo a conduta dos arguidos um ataque gravíssimo a valores como o da segurança pessoal e patrimonial. Mostram-se elevadas as exigências de prevenção geral, atenta a frequência com que o crime de roubo ocorre, sendo cada vez mais banais as situações em que estabelecimentos comerciais, comerciantes e funcionários de loja são alvo de condutas semelhantes, num contexto de inusitada violência urbana e natural incapacidade de resistência das desprevenidas vítimas. As necessidades de prevenção geral positiva (ou de integração e reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de confiança no direito) são muito elevadas, atendendo a que os crimes contra o património constituem, reconhecidamente, a principal causa do crescimento da criminalidade e da insegurança na sociedade portuguesa. As necessidades de prevenção especial (ou de socialização exercida sobre o delinquente), são igualmente elevadas quanto ao arguido MS, não só pela personalidade demonstrada na audiência de julgamento – uma postura desprezo total pelos valores humanos e patrimoniais –, mas também pelos antecedentes criminais com que já conta, nomeadamente por crimes contra o património. Tratando-se, neste âmbito, de considerar a personalidade dos agentes no contexto dos efeitos previsíveis da pena sobre a sua vida futura na comunidade, importará que, com a aplicação da pena, os arguidos moldem o seu futuro comportamento. Não poderá deixar-se de valorar negativamente o facto de os arguidos terem agido com dolo directo. Deverá considerar-se a circunstância de o arguido WG não ter antecedentes criminais, ter confessado os factos e ter demonstrado arrependimento. Na verdade, a medida da pena deve ser encontrada no quadro de uma moldura de prevenção geral positiva, atendendo-se às exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização, na individualização judicial definitiva e concreta da pena. A consideração da protecção de bens jurídicos, alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção e no reforço da validade da norma jurídica violada (prevenção geral), permite, em função do abalo, daquelas expectativas, sentido pela comunidade, traçar os limites, óptimo e mínimo, da moldura de prevenção, dentro dos limites gerais da pena. Tem-se, ainda, em consideração a personalidade dos arguidos, a sua idade à data dos factos e a sua conduta posterior aos mesmos.'' Assim: A) grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das consequências – estamos fundamentalmente de acordo com a conclusão do acórdão recorrido, ao qualificar as condutas dos arguidos como ''gravíssimas'', quer pelas características da acção (que não na vertente do porte de arma, pois trata-se de circunstância que já faz parte do tipo agravado), ou seja, manietando (com fita-cola) e privando de liberdade o ofendido. Ainda é sublinhado negativamente (e correctamente) o facto de actuar com a cara coberta para dificultar arduamente o trabalho de investigação criminal. Por outro lado, considerando que se apoderaram de dinheiro/objectos no valor de € 108.000,00 e que o limite a partir do qual estamos perante um ''valor consideravelmente elevado'' (segunda agravante considerada) é de € 20.400,00 (200 UC's avaliadas no momento da prática do facto – artº 202º, alínea b) do C. Penal[36]), não poderá deixar de se considerar agravante significativa o facto daquele valor exceder em mais de quatro vezes este limite. Também a concorrência de mais de uma qualificativa agravante não poderá deixar de produzir nesta sede específica novo efeito agravativo. Por último, a actuação em conjunto, diminuindo as possibilidades de defesa da vítima, é evidente agravante. B) Intensidade do dolo e da negligência: ''As formas mais graves do ilícito subjectivo funcionam como circunstância agravante e as menos graves como circunstância atenuante, Assim, o dolo directo é mais grave do que o dolo necessário ou o dolo eventual e o dolo necessário é mais grave do que o dolo eventual. A negligência inconsciente é, em princípio, menos grave do que a negligência consciente.''[37] Uma vez que o recorrente agiu com dolo directo, (artº 14º, nº 1 do C. Penal), estamos perante a forma mais grave dos ilícitos subjectivos. C) Conduta anterior ao facto – São correctamente sublinhados os antecedentes criminais do arguido ''por crimes contra o património'', ou seja, estamos perante mais uma agravante. Por outro lado, é sabido que o arguido tem direito ao silêncio. Contudo, se quiser falar, é responsável pelas afirmações que produz, o que aqui deve acontecer, realçando-se a apontada no acórdão recorrido atitude de desprezo total pelos valores humanos e patrimoniais. D) É quase ocioso reafirmar (e aqui se remete para as adequadas considerações constantes da decisão recorrida e acima referidas) que as exigências de prevenção geral são, relativamente à criminalidade violenta como a retratada nos autos, extremamente elevadas, com especial realce para os assaltos à mão armada a ourivesarias, hoje banalizados e geradores de insegurança comunitária a que urge pôr cobro. Deste modo, ponderando o peso específico das circunstâncias agravantes e atenuantes, e tendo sido fixada a pena apenas 12 meses acima do limite superior do primeiro ¼ da moldura punitiva, mostra-se essencialmente adequada (se bem que benevolente) a fixação da pena concreta efectuada pelo tribunal recorrido. II - Medida da pena quanto ao crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. Reproduzindo-se aqui as considerações teóricas acima tecidas, importa recordar que na decisão recorrida foram levados em conta os seguintes factores: ''No juízo concreto da culpabilidade será considerado o tipo de droga em causa (haxixe - droga leve). São especialmente prementes as exigências de prevenção geral deste tipo de crimes, atenta a sua natureza, a gravidade das suas consequências nos indivíduos consumidores e na própria sociedade e a dimensão que o fenómeno atingiu no nosso País, e de prevenção especial, atento o perigo de repetição e a necessidade de afastar os arguidos da prática de novos crimes. Considerar-se-á o envolvimento dos arguidos no tráfico de estupefacientes de contornos imprecisos, respeitantemente a um estupefaciente – haxixe – cujo tráfico se mantém estável, entre nós – ao invés subiram os atinentes ao haxixe [ter-se-á querido dizer heroína?] e à cocaína –, de não elevada expressão quantitativa e, portanto, de efeito maléfico da mesma natureza, sem recurso a meios de execução sofisticados, que emprestam ao desvalor da acção, à sua ilicitude, um alcance mediano. Ter-se-á, ainda, em conta que quanto a estes arguidos foi apenas apurado que detinham haxixe não se apurando que era para ceder ou vender a terceiros. O arguido J. encontra-se integrado socialmente e ambos já têm antecedentes criminais relacionados com o tráfico de droga. Assim, a pena a aplicar aos arguidos deverá consciencializá-los da gravidade e censurabilidade das suas condutas, motivando-os ao futuro cumprimento das normas socialmente vigentes.'' Deste modo, ponderando o peso específico das mencionadas circunstâncias agravantes e atenuantes, e tendo sido fixada a pena apenas exactamente no limite superior do primeiro ¼ da moldura punitiva, mostra-se essencialmente adequada (as atenuantes têm aqui maior peso do que relativamente ao crime anterior) a fixação da pena concreta efectuada pelo tribunal recorrido. III - Medida da pena única. Fixemos o quadro normativo : Artigo 77º[38] Regras da punição do concurso 1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. No caso em apreço, a moldura penal do concurso tem como limites: 1 ) limite mínimo – pena mais grave: 7 anos de prisão. 2 ) limite máximo – soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – 7 anos + 2 anos = 9 anos de prisão. Resulta do nº 1 da norma acima reproduzida que na determinação da medida da pena deve atender-se à díade conjunto dos factos / personalidade do agente. ''Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência[39] (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).''[40] Começando pela avaliação da personalidade do arguido, não estão em causa factos cometidos numa mesma altura (uma vez que datam de Janeiro e Maio), ou seja, inexiste um encadeamento temporal inequívoco, o que, dados os antecedentes criminais que averba, traduz inequivocamente uma determinada tendência (ou carreira) criminosa, não sendo correcto reduzi-los a uma mera pluriocasionalidade, pois reflectem, na sua alteridade concreta, uma personalidade inclinada para a prática de actos penalmente desvaliosos. Há, consequentemente, de ponderar um efeito agravante evidente dentro da moldura penal conjunta. Relativamente à ponderação conjunta ''dos factos'', entendemos que esta terá de passar, necessariamente, pela ponderação de cada uma das penas suportadas pelos mesmos. Assim, ''[c]om essa (…) dissolução ou confusão da pena numa punição global, o crime integra-se num conjunto de crimes e, simultaneamente, perde a sua correspondência directa que, de acordo com a norma incriminadora, lhe era proporcionada, para a encontrar apenas numa “quota ideal” da punição global que o agente na realidade vai cumprir, o que (…) põe em questão a proporção entre crime e pena que resultava da norma incriminadora singular. Importa apurar se e em que medida essa proporção se mantém nessa integração e, por isso, se a pena única resulta proporcionada ao crime enquanto integrado no concurso. Isto só pode apurar-se consideradas as coisas na perspectiva de cada crime e da pena singular que lhe corresponde.''[41] In casu, temos a considerar o seguinte, atentas as molduras punitivas abstractas : 1 - crime de roubo – a pena foi fixada 12 meses acima do limite superior do 1º ¼ do intervalo punitivo. 2 - Crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade – a pena foi fixada no limite superior do 1º ¼ do intervalo punitivo. A pena única de 6 anos de prisão fixada na 1ª instância está situada no ½ do intervalo punitivo do concurso que acima mencionámos. Deste modo, atendendo à avaliação negativa da personalidade do arguido a que acima aludimos, entendemos que se mostra justificada a fixação daquela pena única, em sentido agravativo relativamente à proporcionalidade inerente a cada uma das diversas penas parcelares. Consequentemente, a fixação da pena única obedeceu aos critérios legais, sendo de manter e assim improcedendo, também nesta parte, o recurso. II – Recurso do arguido WG 1ª questão – medida da pena. Segundo o recorrente, o tribunal a quo não valorou correctamente a ausência de antecedentes criminais, as condições familiares, pessoais, profissionais e a personalidade do arguido, pelo que a pena que lhe foi aplicada é injusta, por exagerada, devendo a pena a aplicar-lhe ser inferior a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução, necessariamente acompanhada de regime de prova. Vejamos. Dá-se aqui por (de novo) reproduzido o teor do acórdão recorrido no que respeita à determinação da pena de roubo agravado, que efectuou em conjunto relativamente aos dois arguidos recorrentes. Também valem aqui intocadas as considerações conjuntas que tecemos supra quanto à medida da pena. Assim, relativamente ao arguido MS podemos descortinar as seguintes diferenças fundamentais: Actuou com a cara descoberta. Não assumiu uma postura desprezo total pelos valores humanos e patrimoniais, confessando os factos e demonstrando arrependimento. Não tem antecedentes criminais. Tratam-se de circunstâncias que, obviamente, deverão ser levadas em conta para a determinação da medida da pena e, mais especificamente, para introduzir um factor de diferenciação entre os dois arguidos recorrentes. É de reafirmar que a pena do arguido MS foi fixada 1 ano acima do limite superior do primeiro ¼ da moldura punitiva. Pelo contrário, a pena deste arguido foi fixada 6 meses abaixo daquele marco punitivo. A questão nuclear que se coloca é: deverá a diferença entre as duas penas ser ou não superior, fixando-se a pena deste recorrente em quantum ainda inferior? Como acima vimos, as circunstâncias mais importantes para determinar aquele quantum são as que dizem respeito ao facto ilícito praticado, ou seja, os danos ocasionados, a extensão dos efeitos produzidos, em suma, o “efeito externo”, que encontra correspondência legal nos factores de determinação da medida da pena previstos nas primeiras alíneas do nº 2 do artº 71º do C. Penal. Valorando decisivamente tal asserção, importa sublinhar de novo que estamos perante condutas em concreto ''gravíssimas'', não atenuando a importância vital de tal gravidade as circunstâncias exteriores ao facto (como a ausência de antecedentes criminais ou a postura em audiência). Assim, e muito embora estas últimas circunstância possam e devam ser devidamente valoradas, o seu contributo reconduz-se mais à sintonia fina do quantum sancionatório do que à definição de grandezas estruturais deste. Deste modo, entendemos que se mostra essencialmente adequada a fixação da pena concreta efectuada pelo tribunal recorrido. 2ª questão – possibilidade de suspensão de execução da pena. Em face do pressuposto formal do artº 50º, nº 1 do C. Penal (pena em medida não superior a 5 anos), fica prejudicado o conhecimento da possibilidade de decretar a suspensão de execução da pena. O recurso improcede, assim, in totum. Improcedentes os recursos, os recorrentes deverão suportar o pagamento das custas respectivas, fixando-se a taxa de justiça, para o arguido WG, em 3 (três) UC e para o arguido MS em 4 (quatro) UC (artigos 515º, nº 1, alínea b) do CPP e 8º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais e respectiva Tabela Anexa) 3. Dispositivo. Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento aos recursos, confirmando integralmente a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, para o arguido WG, em 3 (três) UC e para o arguido MS em 4 (quatro) UC. ( Processado em computador e revisto pelo relator ) Évora, 06 de Dezembro de 2011 ------------------------------------------------------------- (Edgar Gouveia Valente ) --------------------------------------------------------------- ( Sénio Manuel dos Reis Alves ) __________________________________________________ [1] Cfr. Acórdão do STJ de Uniformização de Jurisprudência nº 7/95 de 19.10.1995 in DR I Série – A, de 28.12.1995. [2] Sem prejuízo do disposto no artigo 410º, inaplicável ao caso. [3] Também chamada ''revista alargada'', segundo terminologia usada, entre outros, nos Acórdãos da Relação de Coimbra de 14.01.2009 e de 11.03.2009 proferidos, respectivamente, nos processos 175/07.8TASPS.C1 e 4/05.7TAACN.C1 e disponíveis, também respectivamente, em www.dgsi.pt e http://www.trc.pt. O conceito ''revista alargada'' com o sentido exposto também pode encontrar-se utilizado no voto de vencida da Exmª Srª Conselheira Maria Fernanda Palma proferido no Acórdão do TC de proferido em 04.08.1988 no Procº nº 170/98 (disponível no respectivo site). [4] Na sua 3ª edição, Universidade Católica Editora, Lisboa, Abril de 2009, página 1121. [5] Simas Santos e Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 7ª edição, 2008, pág. 105. No preciso sentido enunciado no 1º §, vide citações infra, cfr. notas 9 e 10. [6] Acórdão do Tribunal Constitucional nº 140/2004 , de 10 de Março de 2004 – Diário da República , II Série , de 17 de Abril de 2004, quando a versão do artº 412º, nº 3 e nº 4 do Código de Processo Penal era, nesta sede específica, menos exigente do que a actual. [7] Existe uma discrepância entre as motivações e conclusões, pois naquelas não se faz referência ao facto 7, referência que já consta das conclusões. [8]Acórdão da Relação de Guimarães de 20.03.2006 proferido no processo 245/06-1 e disponível em www.dgsi.pt. [9] In Sumários de Processo Criminal, Coimbra, 1968, páginas 50/1. [10] Na Revista Fórum & Iustitiae, Direito & Sociedade, Ano 1, nº 0, Maio de 1999, pág. 22. [11] Cunha Rodrigues in Lugares do Direito, Coimbra Editora, 1999, p. 498, citando Manzini, G. Leone e U. Dinacci. [12] Desnecessariamente, diríamos. [13] A expressão é de José de Oliveira Ascensão in O Direito, Introdução e Teoria Geral, 2ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Novembro de 1980, página 394, quando delimita negativamente a figura da interpretação extensiva. [14] No Acórdão nº 532/2006 (proferido no processo nº 384/06), de 27.09, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20060532.html. [15] No Acórdão nº 425/2005 (proferido no processo 452/05) de 25.08, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20050425.html. [16] Itálico e negrito da nossa autoria. [17] Pode também qualificar-se o vício em causa como uma nulidade – prevista no artº 118º, nº 3 do CPP – sendo certo que, processualmente, a utilização de prova proibida tem efeito idêntico ao decorrente da nulidade do acto ou seja, a prova é nula e por isso não pode servir para fundamentar a decisão, como defende Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, Vol. II, 3ª edição, página 126. [18] Acórdãos do STJ de 01.02.96 in CJ, ano IV, tomo I, página 198, de 11.05.2000 in BMJ 497, pág. 293, de 02.10.96 in BMJ 460, página 534, da Relação de Évora de 07.12.2004, proferido no processo 25/03-1, da Relação de Lisboa de 11.02.2004, proferido no processo 928/2004-3, da Relação de Coimbra de 06.12.2006, proferido no processo 146/05.9GCVIS.C1, da Relação de Guimarães de 31.05.2004, proferido no processo 2415/03-1, da Relação do Porto de 22.01.2003, proferido no processo, todos os últimos disponíveis em www.dgsi.pt. [19] Cfr. os Acórdãos do STJ de 06.09.2006, proferido no processo nº 06P1392, da Relação do Porto de 19.01.2000, proferido no processo nº 9940498 e de 07.11.2007, proferido no processo 0713492, todos disponíveis em www.dgsi.pt. [20] No acima citado Acórdão 425/2005. [21] Acórdão da Relação de Coimbra de 26.10.2011 proferido no processo 179/10.3GBVNO.C1 e disponível em www.dgsi.pt, de que retirámos algumas notas jurisprudenciais citadas. No mesmo sentido poderá ver-se o Acórdão do STJ de 03.03.2010 (proferido no processo 886/07.8PSLSB.L1.S1 e disponível em www.dgsi.pt), onde. Em síntese, se afirma: ''Imporá salientar aqui a aparente aporia em que se evolveu o legislador pretendendo tratar uniformemente situações que, de todo, não são susceptíveis de equiparação. Na verdade, em sede de audiência de julgamento rege o princípio da publicidade e não se vislumbra como é que se possa evitar que neste acto, ou, previamente, e a partir do momento em que é pública a identidade do arguido, se possa evitar o eventual contacto ou uma possível identificação num espaço publico, ou privado, ou até a própria interpelação na abertura da audiência. Na verdade, a questão fundamental não consiste em saber se o formalismo deve, ou não, ser observado em audiência de julgamento. Que não pode ser realizado, a não ser através de uma ficção, ou simulacro é, quanto a nós, um dado adquirido, pois que as regras que regulam a audiência de julgamento são incompatíveis com essa observância. (…) Aliás, sendo desadequada tal prática é desaconselhável pois que o arguido, em fase de julgamento – antes mesmo da audiência – está publicamente exposto e já foi visto (ou pode ter sido visto) por todos os intervenientes processuais o que é uma mera decorrência da característica de publicidade dessa fase processual. Daí que um reconhecimento realizado, pela primeira vez, em audiência de julgamento seja substancialmente injusto, pois que já exposto o arguido aos olhares das testemunhas que o irão reconhecer. E aqui basta a mera possibilidade de tal já ter ocorrido. Desaconselhável, também, por ser já um dado adquirido por estudos em psicologia da memória que o “reconhecimento” deve ser realizado o mais próximo possível da data do evento.'' [22] Medina de Seiça in O Conhecimento Probatório do Co-arguido, 1999, p. 228. [23] Idem, p. 189-190. [24] Acórdão do STJ de 03.09.2008 proferido no processo 08P2044 e disponível em www.dgsi.pt [25] Neste sentido, vide o Acórdão da Relação de Évora de 08.11.2011 proferido no processo 92/10.4GAENT.E1 e disponível em www.dgsi.pt, que seguimos quanto a alguns aspectos. [26] Neste sentido, vide Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, Lisboa, 3ª edição, Abril de 2009, página 1179. [27] Idem, ibidem (tb. página 1180). [28] José Gonçalves da Costa, Revisão do Código Penal - Implicações Judiciárias mais Relevantes da Revisão da Parte Geral, CEJ, Lisboa, 1996, p. 29. [29] Sobre esta distinção fundamental, pode ver-se Claus Roxin in Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Editorial Civitas, Madrid, 1997, páginas 813 e 814, onde se afirma que a culpa como fundamento da pena diz respeito à imputabilidade ou capacidade de culpa, bem como à possibilidade de conhecimento da proibição, sendo que a culpa como fundamento da medida da pena é uma realidade susceptível de fixação em concreto através da consideração de circunstâncias (cfr. o nº 2 do artº 71º do C. Penal). [30] A norma do C. Penal Alemão equivalente ao artº 71º do Código Penal Português tem a seguinte estrutura: o § 46 I daquele diploma contém o enunciado de que na individualização da pena se devem tomar em consideração os fins da mesma e no nº II enumeram-se as circunstâncias que, em benefício ou em prejuízo do autor, devem ser levadas em consideração para o aludido desiderato. [31] Assim, Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Tratado de Derecho Penal – tradução da 5ª Edição do ''Lehrbuch des Strafrechts, All. Teil'' - Comares, Granada, Dezembro de 2002, páginas 948 e 949. Sabemos que Eduardo Correia (com a concordância da Comissão Revisora) defendia, nas suas linhas essenciais, este conceito, ao afirmar ''é claro que que, em absoluto, a medida da pena é uma certa; simplesmente, qual ela seja exactamente é coisa que não poderá determinar-se, tendo, pois, o aplicador de remeter-se a uma aproximação que, só ela, justifica aquele ''spielraum'', dentro do qual podem ser decisivas considerações derivadas da pena prevenção.'' (BMJ nº 149, página 72). [32] Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, páginas 105 a 107. [33] Acórdão do STJ de 24.05.1995 in CJ, ASTJ, Ano III, Tomo 2, página 214. [34] Anabela Miranda Rodrigues in A Determinação Concreta da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra Editora, 1995, página 323. [35] Anabela Miranda Rodrigues in Ob. cit., página 481. [36] Cfr. alterações introduzidas pelo DL 34/2008, de 26.02. [37] Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário (...) cit., página 230. [38] Do C. Penal. [39] Contra esta valoração, José Lobo Moutinho (Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português Universidade Católica Editora, Lisboa, 2005, página 1285), nos seguintes termos: ''É que, de duas uma, ou isso [essa tendência] se reflectiu nas perpetração dos diversos crimes (e naturalmente de modo crescente nos sucessivos crimes) - e então deve ser e é ponderada na sua inerência como que adverbial a cada crime – ou isso não se reflectiu em qualquer dos sucessivos factos criminosos – e então, mesmo admitindo a sua verificação, num Direito penal do facto é penalmente irrelevante''. Discordamos deste entendimento pelas seguintes ordens de razões: é verdade que, em circunstâncias ideais, na determinação da pena correspondente a cada crime deve ser ponderado o seu comportamento anterior, ou seja, cada pena deverá valorar o passado criminal do agente. Contudo, no mundo da aplicação concreta do Direito, nem sempre as coisas se passam assim, podendo não ser valorado um passado criminal indiciador de uma clara tendência criminosa, simplesmente porque tal passado ainda não foi investigado/julgado (caso do concurso superveniente). Mesmo que assim aconteça, só na determinação da pena conjunta se pode ter uma imagem global das características da personalidade do agente, estruturalmente diferente do julgamento retrospectivo parcelar que é efectuado aquando da fixação de cada pena. Por outro lado, poderá descortinar-se essa tendência no julgamento conjunto de uma miríade de factos que a sustentem, não sendo aí, obviamente, possível a avaliação retrospectiva conjunta dos delitos cometidos, dada a simultaneidade da determinação das respectivas penas. [40] Jorge de Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias, Lisboa, 1993, página 293. [41] José Lobo Moutinho in Ob. cit., página 1331.