Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ANTÓNIO BARROCA PENHA
Descritores
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DANO BIOLÓGICO INDEMNIZAÇÃO PELO DANO BIOLÓGICO DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS DANOS NÃO PATRIMONIAIS
No do documento
RG
Data do Acordão
11/02/2017
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Sumário
I- A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego do lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem uma sequela irreversível das lesões sofridas. II- Nesta perspetiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela “capitis deminutio” de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoa. III- Esta outra vertente do dano biológico, enquanto privação de outras oportunidades pessoais ou profissionais decorrentes do défice físico-psíquico, não pode deixar de ser considerado no âmbito do ressarcimento a título de danos patrimoniais futuros, influenciando e majorando, portanto, no cálculo equitativo do seu” quantum”, mas não constituindo, um dano a valorar em uma outra quantia, autónoma ou separada do quantum indemnizatório a fixar em sede de danos patrimoniais futuros, sob pena de constituir uma duplicação indemnizatória, violadora da lei e dos princípios da equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa. IV- Sem prejuízo do relevo que sempre assumem as usuais tabelas de matemáticas de cálculo do aludido capital – enquanto instrumentos suscetíveis de introduzir uma base objetiva no valor indemnizatório a arbitrar, reduzindo, pois, “ligeirezas decisórias” ou “involuntários subjetivismos” –, o valor alcançado através de tais tabelas sempre terá de ser temperado através do recurso à equidade, que desempenha um papel corretor e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto. V- A compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, não pode – por definição – ser feita através da fórmula da diferença, prevista no art. 566º, n.º 2 do C. Civil. VI- Assim, o aludido montante compensatório, nos termos do art. 496º, n.º 3, do C. Civil, deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, ponderando o grau de culpa do lesante, a situação económica do lesado e do lesante e as demais circunstâncias concretas que se mostrem relevantes ao caso, nomeadamente, por assim o imporem os aludidos princípios da igualdade e da proporcionalidade, os critérios e valores usuais na jurisprudência em casos similares. VII- Apresentada pela seguradora uma proposta de indemnização por danos corporais e consequências deles resultantes, cabe ao lesado alegar e provar que o conteúdo dessa proposta não correspondia aos “termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil” – cfr. art. 39º, n.º 3, do D.L. n.º 291/2007, de 21.08. VIII- Não tendo feito tal prova, tal como lhe competia (art. 342º, n.º 1, do C. Civil), os juros “são os devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso”. IX- Os danos não patrimoniais, cujo valor se mostre calculado de forma atualizadora, vencerão juros de mora a partir da data da sentença, em conformidade com o disposto no art. 805º, n.º 3, na interpretação que decorre do Acórdão Uniformizador do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2002.
Decisão integral
Recorrentes: M. – Seguros Gerais, S.A.
Recorrido: L. O. 
*
Comarca de Braga – Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 1.
*
Relator: António José Saúde Barroca Penha.
1º Adjunto: Desembargadora Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha.
2º Adjunto: Desembargador José Manuel Alves Flores.  
*Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:


I. RELATÓRIO

L. O. intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra M. – Seguros Gerais, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe:

A) uma indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pelo mesmo sofridos em virtude do acidente de viação de montante nunca inferior a € 100.629,30;
B) uma indemnização a acrescer à anterior e cuja total e integral quantificação relega para posterior em sede de incidente de liquidação ou execução de sentença, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais futuros:
a) decorrentes da necessidade atual e futura, por sua parte, de efetuar vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas descritas;
b) decorrentes da necessidade atual e futura, por sua parte, de acompanhamento médico periódico, nas especialidades médicas de ortopedia, fisioterapia e fisiatria para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas descritas; 
c) decorrentes da necessidade atual e futura, por sua parte, de realizar tratamento fisiátrico duas vezes por ano, sendo que tratamento deverá ter a duração mínima de 20 sessões, para superar as consequências físicas e psíquicas das sequelas descritas; 
d) decorrentes da necessidade atual e futura, por sua parte, de ajuda medicamentosa, designadamente anti-inflamatórios e analgésicos para superar as consequências físicas das lesões e sequelas descritas; 
e) decorrentes da necessidade atual e futura, por sua parte, de efetuar várias despesas hospitalares, de efetuar vários tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas descritas; 
C)  Deve ainda a ré ser condenada a pagar ao autor:
a)  os juros vencidos e vincendos calculados à taxa legal anual em vigor sobre o montante oferecido pela Ré no montante de € 10.000 contados a partir do dia 23 de Julho de 2012 e até à decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial;
b)  os juros vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré no valor de € 10.000 e o montante que vier a ser fixado na decisão judicial, contados a partir do dia 23 de Setembro de 2012 até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial;
c)   ou, caso assim não seja entendido, os juros vincendos a incidir sobre as referidas indemnizações calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação da Ré e até efetivo e integral pagamento. 

Para o efeito, alegou, em síntese, que, no dia 21 de Dezembro de 2011, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o motociclo de matrícula IF, conduzido pelo autor, e o veículo de matrícula XJ, pertencente a J. F., conduzido pela filha A. F., a quem havia sido cedido para tratar de assuntos familiares, atribuindo à condutora deste último veículo, segurado na ré, a culpa exclusiva na produção do acidente e dos danos patrimoniais e não patrimoniais daí advenientes para o autor.
A ré deduziu contestação, admitindo a dinâmica do sinistro apresentada pelo autor, impugnando, porém, os danos reclamados, acrescentando que o médico que assistiu o autor lhe atribuiu uma IPG de 2 pontos, com base na qual apresentou proposta razoável e que as verbas peticionadas são exageradas, tendo concluído pela improcedência da ação. 
Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador que se pronunciou pela validade e regularidade de todos os pressupostos processuais, fixando-se ainda o objeto do litígio e elaborando-se os temas de prova.
Após produção de prova pericial, o autor apresentou articulado superveniente manifestando a sua vontade de se aproveitar do conteúdo alusivo ao dano estético, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer e a necessidade de futuro tratamento da artrose pós-traumática, o que foi admitido liminarmente e objeto de prova. 
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento.

Na sequência, por sentença de 19 de Dezembro de 2016, veio a julgar-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, foi a ré condenada a pagar ao autor:

a) o que vier a ser liquidado relativamente aos danos identificados nos pontos 46) e 47) da fundamentação de facto;
b)  a  quantia de € 40.000 a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho decorrente do défice funcional permanente identificado no ponto 45) da fundamentação de facto, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 23 de Junho de 2014 até integral e efetivo cumprimento;
c) a quantia de € 50.000 título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efetivo cumprimento. 

Inconformada com o assim decidido, veio a ré M. – Seguros Gerais, S.A. interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes
 
CONCLUSÕES

I. Os valores arbitrados ao recorrido pela douta sentença são manifestamente excessivos. 
II.  Face à matéria de facto dada como provada em sede de audiência de julgamento, o valor encontrado de € 40.000,0 para compensar o recorrido da perda de capacidade futura de ganho (ou dano biológico na sua vertente patrimonial) se mostra excessiva e desajustada da mais recente jurisprudência emanada pelo Supremo Tribunal de Justiça.
III. Para o cálculo deste dano patrimonial futuro tem sido recorrente o uso de fórmulas matemáticas para estabelecer o valor deste dano. 
IV. Para o efeito, socorremo-nos do Estudo efetuado pelo Conselheiro Sousa Dinis (in CJ - STJ, I, pág. 5 e segs.) o qual se mostra o mais adequado e simples para o cálculo do valor indemnizatório. 
V. Tendo em conta a idade do Autor (22 anos), o seu vencimento (€ 500,00 x 14 meses) e a sua incapacidade (6%) temos que o fator a atribuir para o cálculo indemnizatório é de 25.024708 (aplicando-se uma capitalização de 3% do capital recebido). 
VI. Efetuando o referido cálculo temos que o valor a arbitrar é de (€ 500,00 x 14 x 65 x 25.024708) € 10.510,00.
VII.	Contudo, e por uma questão de equidade, entende a recorrente que a indemnização justa e adequada é de € 15.000,00, pedindo-se a sua redução para este valor. 
VIII. Entende, igualmente, a Recorrente que o valor de € 50,000,00 atribuído ao recorrido a título de danos não patrimoniais é excessivo e desajustado da realidade.
IX. Embora a recorrente compreenda que em consequência do acidente o recorrido sofreu lesões, as quais lhe provocaram dores e um défice funcional de 6%, certo é que o valor é excessivo. 
X. De facto, entende a Recorrente que, na senda do já decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. os Acórdãos acima referidos, bem como Ac. STJ de 03.11.2016 – Processo 1917/12.0TBLLE.E1.S1, in DGSJ.pt) temos que o valor do seu dano não patrimonial é de € 15.000,00, pedindo-se então a redução para este valor.
XI. Teremos também de ter em conta, para a determinação deste valor, o estatuído no artigo 494º do Código Civil. 
XII.	É necessário ter em conta o grau diminuto da culpa do agente, bem como o facto de a ora Recorrente ter assumido todos os tratamentos e perdas salariais do recorrido durante o seu período de tratamento. 
XIII.	Assim, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 483°, 494° e 562° e segs. do Código Civil.  

Termina pedindo a revogação da sentença e ser substituída por douto Acórdão que condene a ré recorrida na medida do acima assinalado.*O autor apresentou recurso subordinado, no qual formulou as seguintes

CONCLUSÕES

1) O Autor, não concorda com a absolvição e a não condenação da Ré, em pagar ao Autor juros de mora no dobro da taxa legal prevista.
2) O Autor não concorda com o momento a partir do qual são devidos juros de mora – à taxa legal ou em dobro da taxa legal prevista - sobre as indemnizações concedidas ao Autor a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais.
3) O montante indemnizatório proposto pela Ré ao Autor, nos termos da proposta razoável e por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram para o Autor em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, atentas as lesões sofridas e as sequelas atuais de que o Autor padece e no montante de €7.095,55 (€6.716,25 + €379,30), salvo o devido respeito, é assim manifestamente insuficiente.
4) Por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais, a Ré, em sede extrajudicial, apresentou por escrito ao Autor proposta consolidada de indemnização final no valor global de €7.095,55 (€6.716,25 + €379,30).
5) Tal proposta - no valor global de €7.095,55 – não discriminou os valores propostos a titulo danos patrimoniais e os valores propostos a título de danos não patrimoniais.
6) Existe uma diferença enorme entre o valor da proposta da Ré e o valor da condenação final no que diz respeito aos Danos Patrimoniais e Danos Não Patrimoniais sofridos pelo Autor em consequência do acidente em discussão nos presentes autos, bastando comparar o valor proposto pela Ré de €7.095,55 versus o valor global € 90.000,00 de condenação na 1.ª instância (€ 40.000,00 + € 50,000,0), para chegarmos à flagrante diferença de € 82.904,45 (€ 90.000,00 - € 7.095,55).
7) É por demais evidente que a Ré não cumpriu o disposto no art.º 36º do DL 291/07 porquanto a proposta para ressarcimento dos danos sofridos não constitui “proposta razoável”.
8)  Da mera comparação com o valor da indemnização a que se chegou em 1.ª instancia, se retirará que efetivamente a proposta feita pela Ré não constitui um valor razoável de ressarcimento dos danos, ou seja, o confronto entre os dois valores revelará uma flagrante desproporção entre o valor da proposta e o valor devido ao autor, gerando um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado, podendo considerar-se o montante da proposta, manifestamente insuficiente, nos termos daqueles n.ºs 3 e 4 do artigo 38.° do DL 291/2007.
9) Os factos – lesões e sequelas – que serviram de base a proposta da Ré são exatamente os mesmos que estiveram na base da condenação do tribunal em 1ª instância, sendo irrelevante que tenham sido classificados ou interpretados de maneiras diferentes (é essa, alias, a razão pela qual os valores são diferentes).
10) Não releva, para esta questão, a forma como a Ré quantificou os danos, porque o que releva, uma vez mais, objetivamente, são os factos e esses já existiam quando a Ré fez a sua proposta.
11) Este normativo visa, claramente, desincentivar o oferecimento por parte das seguradoras de valores muito abaixo dos devidos, o que, infelizmente, acontece de forma muito generalizada.
12) Assim sendo e pela apresentação por parte da Ré ao Autor de uma proposta manifestamente insuficiente e não razoável, deve ser a Ré condenada no pagamento ao Autor dos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré (€ 7.095,55) e o montante que vier a ser fixado na decisão judicial definitiva, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no 39º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial, ou desde a data da sua citação e até efetivo e integral pagamento.
13) O Autor não concorda que relativamente aos juros de mora – à taxa legal ou em dobro da taxa legal prevista – devidos sobre os montantes das indemnizações que lhe foram concedidas a título de danos patrimoniais e a título de danos não patrimoniais, os mesmos sejam devidos apenas: desde 23 de Junho de 2014 até integral e efetivo cumprimento relativamente à indemnização pela perda da capacidade de ganho decorrente do défice funcional permanente, e desde a data da prolação da sentença de 1ª instancia até integral e efetivo cumprimento relativamente à compensação por danos não patrimoniais.
14)	O Autor, entende que pela apresentação de uma proposta por parte da Ré ao Autor manifestamente insuficiente e não razoável deve ser a Ré condenada a pagar ao Autor juros de mora no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido (€7.095,55) e o montante que venha a ser fixado na decisão judicial final, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no 39º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2917/2007, ou seja, desde 02-08-2012 (dado que o termo do prazo de 15 dias, quer após a data alta clínica atribuída pela própria Ré ao Autor, quer após a realização do relatório de avaliação clínica de efetuado pelo própria Ré ao Autor em 17/07/2012 ocorreu a 02/08/2012) e até efetivo e integral pagamento da quantia globalmente fixada.
15)	Subsidiariamente e para a hipótese de V.Ex.as entenderem, que os juros de mora – à taxa legal ou em dobro da taxa legal prevista – e relativos aos montantes das indemnizações que lhe foram concedidas a titulo de danos patrimoniais e a titulo de danos não patrimoniais, não são devidos desde 08-08- 2012, entende o Autor, que os juros mora – à taxa legal ou em dobro da taxa legal prevista – e relativos aos montantes das indemnizações que lhe foram concedidas a titulo de danos patrimoniais e a titulo de danos não patrimoniais, são devidos desde a citação da Ré e até efetivo e integral pagamento da quantia globalmente fixada.
16)	Nos termos da Jurisprudência uniformizada pelo Acórdão do S.TJ. nº 4/2002, de 9/5/2002 (in DR, I-A de 27/6/2002), sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do art.º 566º n.º 2 do Código Civil, vence juros de mora por efeito do disposto nos arts. 805º n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806º nº1 do Código Civil, a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação.
17)	Deste Acórdão uniformizador resulta, tendo em conta o seu conteúdo e o das alegações de recurso sobre as quais se pronunciou, a ideia de uma decisão atualizadora da indemnização em razão da inflação no período compreendido entre ela e o momento do evento danoso causador do dano, sob a invocação do art.º 566º, n.º 2, do Código Civil, que consagra o critério derivado do confronto da efetiva situação patrimonial do lesado na data mais recente atendível pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivesse ocorrido o dano.
18)	A prolação da decisão atualizadora tem que ter alguma expressão nesse sentido, designadamente a referência à utilização no cálculo do critério chamado da diferença na esfera jurídico-patrimonial constante no artº 566º nº 2 do Código Civil e à consideração, no cômputo da indemnização ou da compensação, da desvalorização do valor da moeda.
19)	O Autor formulou um pedido de condenação no pagamento de juros em dobro da taxa legal prevista desde o dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no 39º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2917/2007, ou seja, desde 08-12-2012 (dado que o termo do prazo de 15 dias, quer após a data alta clínica atribuída pela própria Ré ao Autor, quer após a realização do relatório de avaliação clínica de efetuado pelo própria Ré ao Autor em 17/07/2012 ocorreu a 02/08/2012) ou subsidiariamente desde a data da citação da Ré, não tendo peticionado a sua atualização com base na taxa de inflação, pelo que se entende que renunciou à atualização monetária.
20)	Da leitura da decisão de 1ª instância, verifica-se que a mesma relativamente danos não patrimoniais, teve em conta a referência temporal à data da sentença, sem qualquer atualização.
21)	A interpretação da douta sentença recorrida não resultam sinais de a mesma ter optado pela atualização do montante indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais.
22)	Para infirmar esta decisão expressa, seria necessário encontrar na douta sentença recorrida indicações seguras de sinal contrário; que se não detetam.
23)	Esta conclusão vale para todos os danos a que se refere a indemnização, que deveriam ser tratados igualmente pela sentença recorrida; a circunstância de serem futuros não impede que se possam ponderar com referência ao momento da propositura da ação, ou da citação, ou à data da sentença.
24)	Apreciando a douta sentença recorrida da primeira instância, a mesma não procedeu à atualização do montante indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais, motivo pelo qual deveria condenar a Ré no pagamento de juros de mora, à taxa legal desde a citação da Ré, louvando-se no nº 3 do artigo 805º e no artigo 805º do Código Civil.
25)	Em consequência, os juros mora – à taxa legal ou em dobro da taxa legal prevista – e relativos aos montantes das indemnizações que foram concedidas ao Autor a título de danos patrimoniais e a título de danos não patrimoniais, são devidos e devem ser contados desde a citação da Ré para a presente ação e até efetivo e integral pagamento.
26)	A Douta Sentença Recorrida violou as seguintes disposições legais: a) os artigos 37º, n.º 1 alínea c), n.º 2, alínea a), 38º, n.º 3 e 4 e 39º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 291/2007 de 21 de Agosto, 805º, nº 3 e 806º todos Código Civil e b) Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09/05/2002.

Finaliza, pugnando a procedência do recurso subordinado, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que condene a ré recorrida na medida do acima assinalado.*A ré ainda apresentou resposta no que se refere ao recurso subordinado interposto pelo autor, tendo concluído pela improcedência do recurso subordinado interposto pelo autor.
*Após os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. DO OBJETO DO RECURSO:

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil).

No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto dos recursos interpostos.

Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes:

A) Saber se cumpre proceder à alteração do quantum indemnizatório fixado a título de danos patrimoniais e não patrimoniais na sentença recorrida nos termos constantes das respetivas alegações da recorrente.
B) Saber se cumpre alterar a fixação do início da contagem dos respetivos juros de mora sobre a indemnização fixada a título de danos não patrimoniais, dentro da alternativa data da sentença ou data da citação, assim como no que se refere à respetiva taxa aplicável.*III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Provados
O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

1. No dia 21 de Dezembro de 2011, cerca das 21h25, o Autor conduzia o motociclo matrícula IF, pertencente a J. O., na Av.ª Dr. Carlos Bacelar, junto à Rotunda Bernardino Machado, freguesia de Antas, concelho de Vila Nova de Famalicão, no sentido Av.ª Dr. Carlos Bacelar/Av.ª Marechal Humberto Delgado. 
2. O Autor circulava a velocidade entre 20/30 Km/h [alínea B) do despacho em referência]. 
3. O IF circulava com as luzes de cruzamento (médios), bem como com as luzes de nevoeiro da frente e ainda com as luzes de presença traseiras ligadas. 
4. O Autor levava capacete de proteção colocado na sua cabeça.
5. O Autor circulava dentro da metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido referido em 1., junto à berma direita. 
6. Na Rotunda Bernardino Machado, do lado direito atento o sentido de marcha referido em 1., confluía a Avenida Narciso Ferreira. 
7. O veículo ligeiro de passageiros matrícula XJ pertencia a J. F. que o cedera à filha A. F., para esta tratar de assuntos de família.
8. O XJ circulava na Avenida Narciso Ferreira no sentido poente/nascente, a velocidade superior a 50/60 Km/h.
9. O XJ circulava com as luzes de cruzamento (médios) e de nevoeiro da frente desligadas.
10. Na Avenida Narciso existe um sinal vertical B7 (aproximação de rotunda) e dois sinais B1, sendo um deles, vertical, existente na berma direita e o outro existente no pavimento.
11. Os sinais referidos em 10. eram perfeitamente visíveis. 
12. A condutora do XJ conhecia os sinais referidos em 10) por ali circular diariamente. 
13. Na berma direita da Av.ª Dr. Carlos Bacelar, à entrada da rotunda, existe um sinal vertical B1.
14. O Autor parou junto à entrada da rotunda. 
15. O Autor entrou na rotunda e percorreu uma distância superior a 10 metros, totalmente dentro da hemi-faixa de rodagem esquerda, com direção à Av.ª Marechal Humberto Delgado.
16. A condutora do XJ tinha o intuito de seguir sempre em frente, entrar na rotunda e nela circular no sentido de marcha poente/nascente. 
17. A condutora do XJ não atentou que do seu lado esquerdo, no sentido de marcha Av.ª Dr. Carlos Bacelar/Av.ª Marechal Humberto Delgado, já circulava previamente o IF.
18. A condutora do XJ não diminuiu a velocidade, não parou, seguiu a sua marcha sempre em frente, invadindo ambas as hemi-faixas de rodagem da rotunda Bernardino Machado na transversal/perpendicular em relação ao seu lado esquerdo e ao sentido de marcha do IF. 
19. O XJ passou a circular totalmente dentro de ambas as hemi-faixas de rodagem da rotunda, atravessadamente e na perpendicular em relação ao seu lado esquerdo, cortando a passagem do IF. 
20. O Autor não teve tempo para diminuir a velocidade, travar ou desviar-se para a sua esquerda. 
21. O IF embateu com toda a sua parte frontal na parte lateral esquerda da frente, entre a roda da frente e porta do lado da condutora do XJ.  
22. O Autor foi projetado para o seu lado esquerdo, embatendo com todo o seu corpo no piso betuminoso da rotunda Bernardino Machado. 
23. A condutora do XJ dispunha de boa visibilidade da Avenida Narciso Ferreira relativamente à Avenida Dr. Carlos Bacelar situada do seu lado esquerdo. 
24. O IF era visível e avistável no campo visual da condutora do XJ numa distância nunca inferior a 50/100 metros.
25. Na data referida em 1., a Avenida Narciso Ferreira, atento o sentido poente/nascente, era densamente povoada, com grande tráfego de veículos automóveis, peões e ladeada e marginada de ambos os lados por edificações, com saídas diretas para a mesma, possuindo uma placa indicativa de que se tratava de uma localidade. 
26. A Avenida Narciso Ferreira, no sentido do XJ, e a Rotunda Bernardino Machado dispunham de marcação de vias e iluminação pública de carácter permanente.
27. A Avenida Narciso Ferreira, no sentido do XJ, apresentava uma configuração em forma de reta, em patamar, com uma extensão superior a 100 metros, perfeitamente nivelada. 
28. O piso betuminoso da Avenida Narciso Ferreira encontrava-se regular, em bom estado de conservação e seco. 
29. O Autor nasceu a 31 de Julho de 1993. 
30. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, J. F. transferiu para a Ré a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo matricula XJ até € 46.750.000. 
31. Em consequência do acidente, o Autor foi internado e assistido no serviço de urgência do Centro Hospitalar, EPE, pelas 21h47 do mesmo dia.  
32. Em consequência do acidente apresentava: 
i) amnésia para o sucedido;
ii) ferida da região mentoniana e no lábio inferior, que foram suturados; 
iii) escoriação suprapatelar da coxa esquerda; 
iv) escoriação na parte superior do joelho esquerdo; 
v) várias escoriações no dorso da mão direita e no punho direito; 
vi) grande derrame articular no joelho direito, que foi sujeito a artrocentese para drenagem de 80 cc de líquido hemático, ficando com imobilização de Robert-Jones e aplicação de gelo; 
vii) grande GAP supra-patelar, com diagnóstico interrogado de lesão do tendão quadricipital, que não resultou confirmado após realização de ecografia; 
viii) fratura da rótula direita com desvio de 2 mm; 
ix) queixas de omalgia direita, sem existência de fraturas. 
33. Em 23 de Dezembro de 2011 foi submetido a cirurgia de osteossíntese da rótula do joelho direito.
34. Teve alta a 24 de Dezembro com indicação para acompanhamento pela consulta externa. 
35. Em 10 de Fevereiro de 2012 teve consulta de medicina fisiátrica no Centro de Recuperação Funcional tendo sido diagnosticado: 
a) sistema extensor atrofiado, aderente e encurtado; 
b) rótula aderente, crepitante e dolorosa; 
c) limitação grave da flexão do joelho. 
36. Em 13 de Fevereiro de 2012, iniciou tratamentos de fisioterapia que se prolongaram até 12 de Março seguinte, data em que apresentava um quadricípede mais elástico e realizava extensão de 0º e flexão de 50º-60º. 
37. O Autor foi assistido nos serviços clínicos da Ré na consulta externa de ortopedia da Casa de Saúde onde, em 21 de Março de 2012, foi operado ao joelho direito EMOS da rótula (retirar platina) e fez infiltração do ombro direito.
38. Após a reabordagem cirúrgica, o Autor retomou os tratamentos de recuperação funcional em 5 de Abril de 2012 prolongando-se os mesmos até 30 de Maio seguinte, evidenciando ganhos continuados para a massa/força muscular, bem como para o arco da flexão.
39. Na segunda data referida em 38., o Autor realizava um arco de extensão de 0º e um arco de flexão subtotal que se mantinha sensível no limite e alguma atrofia comparativa do quadricípede. 
40. A consolidação das lesões sofridas pelo Autor ocorreu a 17 de Julho de 2012. 
41. Em 11 de Fevereiro de 2013, o Autor submeteu-se a avaliação das lesões e das sequelas por médico que consultou. 
42. Apesar dos internamentos hospitalares, das intervenções cirúrgicas, consultas das especialidades de ortopedia e fisiatria, tratamentos de fisioterapia e ajudas medicamentosas, o Autor continua a queixar-se de dificuldades em sentar-se sobre o joelho direito, colocar-se na posição de cócoras, colocar o joelho direito no chão, subir e descer escadas, fazer corrida prolongada, manipular e elevar objetos de elevado peso, bem como dores na região antero-inferior do joelho direito com o esforço e mudanças climatéricas, na face anterior e posterior do ombro direito com o esforço e com a mobilização súbita e rápida daquele, assim como falha do joelho direito na flexão rápida do mesmo. 
43. Não obstante os tratamentos, o Autor ficou a padecer das seguintes sequelas irreversíveis: 

· mucosa vestibular junto à linha média do lábio inferior mais endurecida e saliente, observando-se escoriação compatível com a ação dos dentes; 
· cicatriz esbranquiçada, irregular e com alopécia localizada na face anterior do mento, com ligeira reação queloide e ligeira hipostesia, com 1,5 cm, visível à distância social;  
· cicatriz esbranquiçada com alopécia associada, sem reação queloide e sem queixas sensitivas; 
· desvio do septo nasal para a direita; 
· queixas álgicas nos ângulos finais do arco de mobilidade dos movimentos de abdução e flexão anterior do ombro direito; 
· ténues cicatrizes na face posterior do punho direito; 
· cicatriz esbranquiçada localizada na face anterior do joelho direito, vertical, sem reação queloide, com hipostesia associada com 13 x 2 cm; 
· atrofia de 1 cm ao nível dos músculos da perna direita comparativamente ao membro contralateral; 
· leve crepitação do membro inferior direito com a mobilização, mas com mobilidade articular do joelho mantida e simétrica, provas meniscais e ligamentares negativas e força muscular normal e simétrica; 
· cicatriz esbranquiçada sem reação queloide nem queixas subjetivas, localizada na face anterior do joelho esquerdo com 1,5 cm de comprimento. 
44. Em virtude das sequelas, o Autor ficou a padecer de défice funcional da integridade físico-psíquica de 6 pontos. 
45. O défice referido em 44. é compatível com o exercício da atividade profissional do Autor, mas implica esforços acrescidos.
46. Por se tratar de uma fratura articular, é provável a evolução para artrose precoce pós-traumática da rótula direita, a repercutir-se no agravamento do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em valor que ainda não é possível quantificar. 
47. A situação referida em 46. implica, no futuro, a realização de consultas, exames médicos de diagnóstico e tratamentos adequados à evolução do agravamento.  
48. Em consequência das lesões, no momento do acidente e durante os tratamentos o Autor sofreu dores de grau 4 numa escala de 1 a 7.
49. Por vezes, o Autor acorda durante a noite com dores levantando-se para colocar gelo no joelho direito.
50. O Autor sente tristeza por ter deixado de jogar futebol e relembra o acidente quando os amigos o questionam sobre a cessação da atividade desportiva. 
51. Antes do acidente, o Autor era saudável e não tinha qualquer deficiência.
52. Era alegre, projetava jogar futebol e embora fosse nervoso, a atividade desportiva proporcionava-lhe momentos de descompressão.
53. As cicatrizes referidas em 43. e a esporádica claudicação associada a queixas álgicas no joelho direito, correspondem a dano estético de grau 4 numa escala de 1 a 7. 
54. À data do acidente, o Autor estava inscrito na Associação de Futebol de Braga no escalão de seniores, como atleta do clube denominado “OFC”, de Vila Nova de Famalicão.
55. O Autor tinha aspirações a jogar profissionalmente. 
56. Devido às dores e edema do joelho direito, o Autor não conseguiu recuperar as condições físicas necessárias para voltar a jogar futebol. 
57. O referido em 54. a 56. corresponde a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 5 numa escala de 1 a 7. 
58. À data do acidente, o Autor desenvolvia a atividade profissional de ajudante de instrumentista como trabalhador da sociedade “Energia, S. A.”, funções que consistem na manutenção industrial de instrumentos elétricos, com tarefas desenvolvidas em tanques e colunas de refinarias, aos quais tem de subir para as executar no topo, com joelhos fletidos. 
59. À data do acidente, o Autor auferia o salário base mensal de € 500 (catorze vezes por ano), sujeita a desconto de 11% para a Segurança Social, e ajudas de custo de € 10,30 por dia de trabalho. 
60. À data da propositura da ação, o valor unitário das ajudas de custo referidas em 59. fora aumentado para € 14,22. 
61. Por carta endereçada ao Autor, através da gestora de processo P. D., em 23 de Julho de 2012, sob a epígrafe “Assunto: Sinistro em 21.12.2012 – Proposta Consolidada”, a Ré comunicou “Atendendo ao sinistro acima mencionado e estando esta seguradora a assumir a responsabilidade no mesmo, dada a sua alta clínica, solicitamos a V. Ex.ª que nos informe com a máxima brevidade se existem ou não despesas médicas ou outras a reclamar a esta seguradora”.
62. A Ré procedeu ao pagamento de todas as despesas médicas e hospitalares junto das entidades que prestaram tratamento ao Autor, designadamente, ao Centro Hospitalar, EPE, Centro de Recuperação Funcional e Casa de Saúde no Porto. 
63. A Ré pagou ao Autor a quantia de € 5.897,17, a título de perdas salariais, objetos pessoais, despesas diversas, despesas médicas e de transporte. 
64. A Ré atribuiu alta clínica ao Autor em 17 de Julho de 2012.
65. Em 23 de Julho de 2012, a Ré, por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram do acidente, apresentou ao Autor proposta de indemnização final oferecendo-lhe os seguintes montantes: 
a) indemnização: € 6.716,25;
b) outras despesas: € 379,30;
66. O médico dos serviços clínicos da Ré, que acompanhou a evolução das lesões do Autor, no momento da alta atribuiu-lhe uma IPG de 2 pontos, quantum doloris de 4/7 e dano estético de 3/7.*Factos não provados

Não resultaram provados os factos alegados: 

Ø Nos artigos 49º, 63º, 64º, 68º, 73º, 91º, 92º, 95º, 106, 107º, 133º da petição inicial. 
Ø A alegação contida nos artigos 80º a 90º, 117º a 125º, 134º a 139º da petição inicial, 9º e 14º da contestação constitui matéria conclusiva ou de Direito. 
Ø A alegação contida nos artigos 1º a 8º a 13º, 15º e 18º da contestação diz respeito ao cumprimento do ónus da impugnação especificada. 
Ø A restante matéria de facto alegada apenas foi julgada provada na exata medida do conteúdo da fundamentação de facto no seu conjunto. *
*IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
 
A) Do quantum indemnizatório
A.1) Dano biológico – Danos patrimoniais futuros 
Como resulta das conclusões dos recursos de apelação apresentados, as quais, como se referiu, delimitam o “thema decidendum”, mostra-se indiscutida a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana da condutora do veículo segurado na ré, na produção do acidente de que versam os autos, assim como a culpa exclusiva da mesma na produção do acidente.
Com efeito, nesta parte, o decisório proferido em 1ª instância não se mostra posto em causa por qualquer uma das partes recorrentes, em razão do que a dita questão se terá como aceite e definitivamente decidida e resolvida.
Importa, pois, delimitar, desde já, o que a ré recorrente pretende ver analisado e decidido, em primeira linha, ao nível dos danos patrimoniais, tendo por referência o que foi decidido em 1ª instância e aquilo que, ao invés, a recorrente sustenta dever ter sido decidido.
Neste âmbito, mostra-se posto em crise, desde logo, o montante indemnizatório que foi arbitrado em 1ª instância a título de danos patrimoniais futuros, sustentando a ré recorrente que devia ter sido atribuído ao autor um valor indemnizatório de € 15.000,00, a título de “perda parcial de capacidade de ganho” para o exercício da sua atividade profissional (dano biológico na sua vertente patrimonial), decorrente da Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 6%, que lhe foi fixada, e não o valor indemnizatório de € 40.000,00 que lhe foi arbitrado, neste âmbito, pelo tribunal recorrido.

Segundo o disposto no art. 562º do C. Civil a reparação do dano “deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
Assim, no cálculo da indemnização importa considerar a diferença entre a situação real e hipotética do lesado se o mesmo não tivesse sido atingido pelo facto ilícito.
De facto, no seio da obrigação de indemnizar compreendem-se todos os prejuízos causados ao lesado, sejam estes os danos emergentes (diminuição do existente património do lesado), sejam, ainda, os lucros cessantes (diminuição do património futuro), isto é, ganhos ou vantagens que deixaram de ingressar no património do lesado, resultando em seu detrimento – cfr. art. 564º, n.º 1, do C. Civil.(1)
Por outro lado, dentro dos denominados danos patrimoniais ressarcíveis, além dos danos já verificados, impõe o n.º 2 do mesmo art. 564º que sejam tidos em conta os danos futuros desde que previsíveis, isto é, os danos certos – porque redundam no desenvolvimento inelutável de um dano atual – ou, pelo menos, suficientemente prováveis ou razoavelmente prognosticáveis. (2) 
Trata-se, assim, neste âmbito, de ressarcir danos que ainda não se concretizaram, mas que, de acordo com o curso normal das coisas, de acordo com o que é previsível em face das circunstâncias, sempre virão a concretizar-se no futuro. 
Assim, a previsibilidade pressuposta na ressarcibilidade dos danos futuros assenta na probabilidade e na verosimilhança da sua ocorrência. 
No segmento ora em causa, os danos patrimoniais (futuros) reportam-se ao denominado “dano biológico”, na sua vertente de afetação do estado de saúde do autor L. O. e do seu comprovado défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos; afetação ou défice funcional que, sem pôr em causa o exercício pelo autor da sua atividade profissional habitual, ainda assim o obriga a esforços acrescidos (cfr. facto provado n.º 45). 
Trata-se, pois, do dano resultante da perda ou diminuição da capacidade de ganho, dano este que corresponde ao efeito, temporário ou definitivo, de uma lesão sofrida pelo lesado e que se revela impeditiva da obtenção normal de proventos no futuro como contrapartida do seu trabalho ou, como ora sucede, exige do lesado maiores sacrifícios, maior penosidade no desempenho da sua atividade profissional habitual e, ainda, importa não esquecê-lo, na sua própria vida pessoal, ao nível das tarefas e atividades correntes do dia-a-dia.
Dito isto, não suscita controvérsia na doutrina e na jurisprudência, a caracterização deste dano como um dano corporal, um dano na saúde (que atinge o estado normal de integridade físico-psíquica do indivíduo), futuro, pois que as suas consequências ou sequelas se projetam para futuro e com tendência para se agravarem com o avançar dos tempos, e previsível, por corresponder à “evolução lógica, habitual e normal do quadro clínico constitutivo da sequela”. (3) 
Assim caracterizado, é pacífico que um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica constitui, de per si, um dano definitivo na pessoa e na saúde do lesado, dano este que, enquanto dano biológico – independentemente da redução de rendimentos dele decorrente ou do grau de incapacidade laboral por ele causada –, dá origem à obrigação de indemnizar a cargo do responsável.
No caso, aliás, nem se esgrime o ressarcimento do dano, esgrimindo, antes, a ré recorrente a determinação do quantum indemnizatório e a justeza dos critérios que lhe estiveram subjacentes. 
A questão reconduz-se, pois, ao dano biológico, na sua vertente de dano patrimonial futuro – perda de capacidade de ganho ou, como hoje se designa, défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, e à sua avaliação, questão que vem merecendo reiterado pronunciamento da nossa jurisprudência e doutrina.
Neste âmbito, considera-se hoje lição pacífica da jurisprudência que se deverá distinguir entre a incapacidade fisiológica ou funcional, por um lado, e a estrita incapacidade para o trabalho ou incapacidade laboral por outro. 
Quanto à primeira, a repercussão negativa da respetiva incapacidade permanente centra-se na diminuição da condição física, da resistência e da capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das atividades diárias, incluindo, eventualmente, se for o caso, as suas tarefas profissionais. 
É precisamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico ou físico-psíquico) e consequente maior esforço, maior sacrifício/penosidade no desempenho das atividades profissionais e, ainda, uma menor qualidade/conforto de vida em geral, decorrente da afetação da saúde, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização pelo dano biológico.
Nesta perspetiva, e como já antes se referiu, há, pois, lugar ao arbitramento de indemnização por danos patrimoniais, mesmo que se não haja feito prova de que o lesado, por força de uma incapacidade, venha a sofrer de qualquer diminuição dos seus proventos conjeturais futuros (diminuição da capacidade geral de ganho) ou, ainda, mesmo que não haja prova de uma estrita incapacidade para o desempenho da atividade profissional habitual, bastando, antes, que se tenha por demonstrado que o desempenho profissional (e a consequente manutenção do mesmo nível de rendimentos) obriga a maiores esforços, a maior penosidade no desempenho de tais atividades, sendo indiscutível o ressarcimento deste dano. 
Trata-se, no fundo, de indemnizar a se o dano corporal sofrido, quantificado por referência a um índice 100 (integridade psicossomática plena), e não qualquer perda efetiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos, que pode não existir ou não ficar comprovada.
Tal entendimento, que vem sendo acolhido pela jurisprudência, ao nível das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça, tem na sua base a ideia de que a existência de uma incapacidade física, em consequência de lesões provocadas no corpo e na saúde do lesado, afeta, necessariamente, a sua capacidade funcional, pois que este verá afetadas as condições normais de saúde necessárias ao desenvolvimento adequado e normal daquela, sempre lhe exigindo um esforço ou transtorno acrescido, independentemente da sua repercussão negativa a nível salarial. (4) 
Neste sentido, refere-se designadamente no Ac. do STJ de 16.06.2016 (relator Tomé Gomes – vide nota 4), que “a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afecta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem «saúde». Trata-se de um «dano primário», do qual podem derivar, além das incidências negativas não susceptíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tais susceptíveis de avaliação pecuniária”.
No mesmo sentido, já a jurisprudência vinha afirmando, designadamente no Ac. STJ de 07.06.2011 (5), que “está hoje assente que, pelo facto de o lesado não exercer, à data do facto lesivo, qualquer profissão remunerada, a incapacidade funcional de que o mesmo ficou a padecer em consequência dessa lesão não afasta a existência de dano patrimonial, compreendendo-se neste as utilidades futuras e as simples expectativas de aquisição de bens.»
Na verdade, prossegue o douto aresto, «a força de trabalho de uma pessoa é um bem, sem dúvida capaz de propiciar rendimentos.
Logo, a incapacidade funcional importa sempre diminuição dessa capacidade, obrigando o lesado a um maior esforço e sacrifício para manter o mesmo estado antes da lesão e, inclusivamente, provoca inferiorização, no confronto do mercado de trabalho, com outros indivíduos por tal não afectados.
A repercussão negativa que a incapacidade funcional tem para o lesado centra-se, assim, na diminuição da sua condição física, resistência e capacidade de esforços, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro.”
Destarte, conforme é lição da jurisprudência, a incapacidade funcional constitui, deste modo, um dano patrimonial futuro que, à luz do preceituado nos arts. 562º e 564º, n.º 2 do Cód. Civil, se impõe que seja indemnizado, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, não tendo o lesado, pois, sequer que alegar ou provar qualquer perda de rendimentos.
Por conseguinte, como se afirma no citado aresto de 07.06.2011, e tem sido posteriormente reafirmado pela jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal, “a incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e ainda que dela não resulte perda de vencimento, reveste a natureza de um dano patrimonial, já que a força de trabalho do homem, porque lhe propicia fonte de rendimentos, é um bem patrimonial, sendo certo que essa incapacidade obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão.”
Nesta matéria, ainda, vem sendo salientado por alguma da jurisprudência do STJ, de que constitui exemplo o Ac. STJ de 16.06.2016 (relator Tomé Gomes – vide nota 4) que, citando o Ac. do STJ de 10.10.2012 (relatado por Lopes do Rego, acessível em www.dgsi.pt), cuja lição aqui se segue de perto, que “a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego do lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem uma sequela irreversível das lesões sofridas.”
Na verdade, prossegue este último aresto, “a perda relevante de capacidades funcionais [do lesado] – mesmo que não imediata e reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, desse modo, em fonte atual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais…”
E, ainda, ali se acrescenta, “nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que ficou a padecer [o lesado], bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas, da vida profissional ou pessoal [do lesado] …” (nosso sublinhado).
Por esta mesma razão, isto é, por não se considerar o dano biológico ou dano na saúde apenas na sua vertente laboral, mas ainda na sua vertente pessoal, das atividades diárias e correntes, que não cessam com o termo da vida ativa ou idade da reforma, o horizonte temporal a considerar para efeitos do cálculo do dano patrimonial futuro, em nosso ver, e como tem sido também perfilhado pelo STJ, não pode ser apenas aferido em função da idade da reforma, mas sim pelo termo expectável da vida do lesado, segundo os dados oficiais (esperança média da vida dos indivíduos do sexo masculino nascidos em 1993, como é o caso do autor L. O., em conjugação com a esperança média vida atual).

Resulta, pois, do exposto, que esta outra vertente do dano biológico, enquanto privação de outras oportunidades pessoais ou profissionais decorrentes do défice físico-psíquico, não pode deixar de ser considerado no âmbito do ressarcimento a título de danos patrimoniais futuros, influenciando e majorando, portanto, no cálculo equitativo do seu quantum, mas não constituindo, pois, um dano a valorar em uma outra quantia, autónoma ou separada do quantum indemnizatório a fixar em sede de danos patrimoniais futuros, sob pena de constituir, como bem se adverte, entre outros, no Ac. STJ de 17.12.2009, uma “duplicação indemnizatória (…) violadora da lei e dos princípios da equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa”. (6) 
Assim, tal como resulta da bem fundamentada sentença recorrida, bem andou o Tribunal a quo em, neste particular, fixar a indemnização devida a título de danos patrimoniais futuros (devidos ao autor L. O.), englobando, no mencionado dano biológico (enquanto danos patrimoniais futuros) quer a vertente laboral quer a vertente pessoal indemnizatória, resultante das sequelas sofridas em resultado do acidente em apreço.

Por outro lado, ainda, é de realçar a dificuldade e delicadeza subjacente ao cálculo do dano ora em apreço, pois que este obriga, necessariamente, a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que exige a previsão, sempre problemática, de dados que apenas são constatáveis no futuro e por um muito longo período de tempo, como seja a evolução da economia, da produtividade, do emprego, dos salários ou da inflação.
De facto, como se afirma, a título exemplificativo, no Ac. do STJ de 26.01.2016, já citado (cfr. nota 4), “é tarefa melindrosa calcular o valor indemnizatório [a título de danos patrimoniais futuros], já que, tirando a idade do lesado, o vencimento que auferia ou não e a incapacidade que o afecta, tudo o mais é aleatório. Com efeito, é inapreensível, agora, qual será o nível remuneratório, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, o progresso tecnológico com repercussão no emprego, além de outros elementos que influem na retribuição, como por exemplo, os impostos.”
Daí que, como tem sido salientado, nos termos do n.º 3 do art. 566º do C. Civil, haja que recorrer a juízos de equidade e verosimilhança, tendo por referência ou critério orientador a obtenção de “um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que seja susceptível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado” (sublinhado nosso). (7)
De facto, como se refere no Ac. STJ de 10.11.2016 (relator Lopes do Rego – vide nota 4) “constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos).”
Ainda no mesmo sentido, refere-se no citado Ac. STJ de 26.01.2016, com menção de outras decisões do Supremo em igual sentido, que “é entendimento pacífico entre nós que, uma indemnização justa reclama a atribuição de um capital que produza um rendimento mensal que, cubra a diferença entre a situação anterior e a atual, durante o período de vida profissional do lesado, sem esquecer a necessidade de se ter em conta a sua esperança de vida.” (sublinhado nosso).
Todavia, importa deixar, desde já assente, que, sem prejuízo do relevo que sempre assumem as usuais tabelas de matemáticas de cálculo do aludido capital – enquanto instrumentos suscetíveis de introduzir uma base objetiva no valor indemnizatório a arbitrar, reduzindo, pois, “ligeirezas decisórias” ou “involuntários subjetivismos” –, o valor alcançado através de tais tabelas sempre terá de ser temperado através do recurso à equidade, que desempenha um papel corretor e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto.
De facto, como é também lição da jurisprudência, o recurso a fórmulas matemáticas (sejam elas do método de cálculo financeiro, da capitalização de rendimentos ou outras) é meramente indiciário, não podendo o julgador desvincular-se dos critérios constantes do art. 566º, mormente do seu n.º 3, que impõe que, se o tribunal não estiver em condições de averiguar o montante exato dos danos deve recorrer à equidade. 
Como se colhe do Ac. STJ de 07.06.2011, antes citado, “a partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de caracter instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso.”
Por outro lado, ainda, é de referir que na determinação do quantum indemnizatório correspondente ao citado dano biológico, na vertente de danos patrimoniais futuros, como é posição sucessivamente reiterada pelo nosso mais Alto Tribunal, o tribunal está apenas sujeito aos critérios que emergem do preceituado no Código Civil e, em particular ao critério da equidade, pois que os critérios consagrados na Portaria n.º 377/2008, de 26.05 (ou na Portaria n.º 679/2009, de 25.06, que procedeu à sua alteração/atualização), não obstante possam (ou devam) ser considerados pelo julgador, não se sobrepõem aos que decorrem do restante sistema substantivo e, sobretudo, em primeiro lugar, do Código Civil.
De facto, como se pode alcançar da nossa jurisprudência, é pacífico o entendimento de que os critérios previstos nas citadas Portarias não substituem os critérios de fixação da indemnização consignados no Código Civil e não vinculam os tribunais em tal tarefa casuística, visando, sobretudo, em sede de apresentação de proposta célere e razoável por parte das seguradoras ao lesado, a servir de critério orientador para esse confessado fim. (8) 
Aliás, o próprio preâmbulo do diploma refere expressamente que o objetivo da mesma não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios, mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39º do D.L. n.º 291/2007, de 21.08, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objetividade, a razoabilidade das propostas apresentadas.
Sendo assim, a nosso ver, pese embora a publicação das citadas Portarias, a fixação das indemnizações continuará a ser tarefa sobretudo jurisprudencial e a concretização do critério legal da sua fixação (equidade) eminentemente pessoal, tendo, no entanto, por referência, por razões de igualdade e desejável uniformidade jurisprudencial, os valores usualmente aplicados pela nossa mais Alta Jurisprudência em casos idênticos.
Dito isto, e definido o quadro normativo que subjaz à determinação do quantum indemnizatório do dano patrimonial futuro de que ora tratamos, no caso dos autos, em termos objetivos, é de considerar, desde logo, os seguintes fatores:

· A idade do autor à data do acidente (18 anos); 
· Auferia (em 2011) o salário mensal de cerca de € 500,00 (14 meses ao ano), sujeito aos normais descontos para a Segurança Social de 11%, e ajudas de custo de € 10,30 por dia de trabalho, sendo este último valor, à data da propositura da ação, de € 14,22;
· Atualmente o salário mínimo nacional ascende a € 557,00 mensais (9);
· Em virtude das lesões sofridas e das sequelas atuais e permanentes, o autor padece atualmente de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 pontos;
· Este défice funcional é compatível com o exercício da atividade profissional do Autor, mas implica esforços acrescidos;
· Por ter sido sofrido uma fratura articular, é provável a evolução para artrose precoce pós-traumática da rótula direita, a repercutir-se no agravamento do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em valor que ainda não é possível quantificar;
· O autor continua a queixar-se de dificuldades em sentar-se sobre o joelho direito, colocar-se na posição de cócoras, colocar o joelho direito no chão, subir e descer escadas, fazer corrida prolongada, manipular e elevar objetos de elevado peso, bem como dores na região antero-inferior do joelho direito com o esforço e mudanças climatéricas, na face anterior e posterior do ombro direito com o esforço e com a mobilização súbita e rápida daquele, assim como falha do joelho direito na flexão rápida do mesmo;
· A esperança média de vida dos indivíduos do sexo masculino nascidos em 1990 se cifra, segundo dados disponibilizados pelo INE, em 70,60 anos e, atualmente, para os nascidos em 2015, em 77,60. (10) 

Por conseguinte, numa análise casuística dos factos antes descritos e de todos os elementos objetivos a ponderar, apreciando-os segundo um juízo de equidade, de acordo com as regras da prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida e tendo presente os valores que, em situações similares, são atribuídos pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, em particular, do Supremo Tribunal de Justiça, julgamos que a indemnização encontrada, neste conspecto, pelo Tribunal a quo se mostra perfeitamente equilibrada e equitativamente adequada, pelo que é de manter o valor da indemnização, devida a título de dano biológico (danos patrimoniais futuros, onde se inclui, portanto, a indemnização devida pela perda parcial de capacidade de ganho), a favor do autor L. O., no montante de € 40.000,00; valor que temos como perfeitamente consentâneo com os valores que o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a atribuir em casos similares ao dos autos. (11)
O que, em conclusão ou resumo, significa que improcede, nesta parte, o recurso interposto pela ré recorrente.* A.2) Danos não patrimoniais 
A questão que importa agora analisar refere-se ao montante dos danos não patrimoniais arbitrado na sentença recorrida, pugnando a ré recorrente pela diminuição da mesma indemnização para o valor não superior a € 15.000,00, ao invés dos € 50.000,00 fixados na sentença recorrida.
Neste âmbito, uma vez que a questão é a mesma em ambos os recursos, optar-se-á por conhecer de ambos em simultâneo, como se segue.
Como é consabido, os danos não patrimoniais são indemnizáveis, quando pela sua gravidade, sejam merecedores da tutela do direito, conforme decorre do art. 496º, n.º 1, do C. Civil, consequência do princípio geral da tutela geral da personalidade previsto no art. 10º, do mesmo Código.
A gravidade mede-se por um padrão objetivo, de normalidade, de bom senso prático, de criteriosa ponderação das realidades da vida, o que afastará, à partida, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais decorrentes de sensibilidades particularmente embotadas ou especialmente requintadas, ou seja anormais ou incomuns. 
Por outro lado, ainda, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que, em face das circunstâncias concretas do caso, justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado.
No caso em apreço, não existem dúvidas que as consequências do sinistro relativamente a ambas as autoras assumem evidente gravidade, sendo, por isso, justificativas do seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais.
O que está em discussão é, assim, “apenas” a sua fixação em termos de quantitativo pecuniário.
Nesta matéria, em primeiro lugar, é de notar que, estando em causa a lesão de interesses imateriais (isto é que não atingem de forma direta ou imediata o património do lesado), o objetivo, em termos de ressarcimento, não é (nem pode ser), face à sua evidente impossibilidade, a reconstituição natural da situação anterior ao sinistro, ou, face à insusceptibilidade da sua avaliação pecuniária, a fixação de um montante pecuniário equivalente ao «mal» sofrido, mas será apenas atenuar, minorar ou, de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado.
Neste sentido, refere Antunes Varela, que “ao lado dos danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.” (12)
A indemnização pelo dano em apreço não é uma verdadeira indemnização no sentido de repor, reconstituir as coisas no estado anterior à lesão. Com a indemnização pretende-se dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situações ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, tanto quanto possível, a intensidade da dor física e psíquica. (13)
Com efeito, nestas hipóteses, e conforme é posição pacífica da doutrina e da jurisprudência, o que está em causa é a fixação de um benefício material/pecuniário (único possível) que se traduza, pelas utilidades, prazeres ou distrações que proporciona – porventura, de ordem espiritual –, numa compensação ou atenuação pelos bens imateriais antes referidos da pessoa humana (o lesado), atingidos pelo evento. 
Nesta conformidade, a compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, não pode – por definição – ser feita através da teoria ou fórmula da diferença prevista no art. 566º, n.º 2, do C. Civil.
Ao invés, o montante da indemnização, nos termos do disposto no arts. 496º, n.º 3 e 494º do Cód. Civil, deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante, à situação económica do lesante e do lesado, às demais circunstâncias do caso, nomeadamente, por assim o imporem os princípios da proporcionalidade e igualdade, aos critérios e valores usualmente acolhidos na jurisprudência em casos similares. (14)
Com efeito, como se refere no citado Ac. STJ de 18.06.2015 (vide nota 13) “não podendo apurar-se o valor exacto de tais danos, atenta a sua natureza, o respectivo montante deverá ser fixado pelo tribunal segundo critérios de equidade (…), fazendo apelo a todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (…) e tendo em atenção a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso (artigos 496º, n.º 3, 1ª parte e 494º do Código Civil).” (sublinhado nosso).
E, ainda, prossegue o referido douto aresto, “nos parâmetros gerais a ter em conta considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012 (proc. n.º 3046/09.0TBFIG.S1, acessível em www.dgsi.pt) serem ainda de destacar a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar.” (sublinhado nosso).
No entanto, como se adverte no Ac. STJ de 17.12.2015 (15) (e nos variadíssimos arestos ali elencados), a utilização de critérios de equidade não deve impedir que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias de cada caso concreto.
Por outro lado, ainda, é de referir que, conforme se colhe da mesma jurisprudência do Supremo, o recurso à equidade não pode, nem deve conduzir à arbitrariedade, não devendo os tribunais “…contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito civil que a afirmação destes vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição.” (16)
Por último, é ainda de referir, nesta sede, que à obrigação indemnizatória, a título de danos não patrimoniais, se deve reconhecer, não só um papel de reparação ou compensação, mas também um papel de censura ou punitivo do agente do facto lesivo. 
Com efeito, como se refere no Ac. STJ de 30.10.96, BMJ 460, pág. 444 (citado no Ac. STJ de 26.01.2016, relator Fonseca Ramos, já citado), “no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização tem uma natureza acentuadamente mista, pois visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada, não lhe sendo, porém, estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.”

Tendo presentes as considerações que antecedem, da factualidade provada resulta demonstrado, desde logo, que o autor L. O. não teve qualquer culpa na ocorrência do acidente em causa.
Mais se demonstrou que:

Ø O autor contava com 18 anos de idade, à data do acidente.
Ø Em consequência do acidente, o autor foi internado e assistido no serviço de urgência do Centro Hospitalar, EPE, pelas 21h47 do mesmo dia.  
Ø Em consequência do acidente apresentava: 
· amnésia para o sucedido;
· ferida da região mentoniana e no lábio inferior, que foram suturados; 
· escoriação suprapatelar da coxa esquerda; 
· escoriação na parte superior do joelho esquerdo; 
· várias escoriações no dorso da mão direita e no punho direito; 
· grande derrame articular no joelho direito, que foi sujeito a artrocentese para drenagem de 80 cc de líquido hemático, ficando com imobilização de Robert-Jones e aplicação de gelo; 
· grande GAP supra-patelar, com diagnóstico interrogado de lesão do tendão quadricipital, que não resultou confirmado após realização de ecografia; 
· fratura da rótula direita com desvio de 2 mm; 
· queixas de omalgia direita, sem existência de fraturas. 
Ø Em 23 de Dezembro de 2011 foi submetido a cirurgia de osteossíntese da rótula do joelho direito.
Ø Teve alta a 24 de Dezembro, com indicação para acompanhamento pela consulta externa. 
Ø Em 10 de Fevereiro de 2012, teve consulta de medicina fisiátrica no Centro de Recuperação Funcional tendo sido diagnosticado: 
i) sistema extensor atrofiado, aderente e encurtado; 
ii) rótula aderente, crepitante e dolorosa; 
iii) limitação grave da flexão do joelho. 
Ø Em 13 de Fevereiro de 2012, iniciou tratamentos de fisioterapia que se prolongaram até 12 de Março seguinte, data em que apresentava um quadricípede mais elástico e realizava extensão de 0º e flexão de 50º-60º. 
Ø O autor foi assistido nos serviços clínicos da Ré na consulta externa de ortopedia da Casa de Saúde onde, em 21 de Março de 2012, foi operado ao joelho direito EMOS da rótula (retirar platina) e fez infiltração do ombro direito.
Ø Após a reabordagem cirúrgica, o autor retomou os tratamentos de recuperação funcional em 5 de Abril de 2012 prolongando-se os mesmos até 30 de Maio seguinte, evidenciando ganhos continuados para a massa/força muscular, bem como para o arco da flexão.
Ø Em 30.05.2012, o autor realizava um arco de extensão de 0º e um arco de flexão subtotal que se mantinha sensível no limite e alguma atrofia comparativa do quadricípede. 
Ø A consolidação das lesões sofridas pelo autor ocorreu a 17 de Julho de 2012. 
Ø Em 11 de Fevereiro de 2013, o Autor submeteu-se a avaliação das lesões e das sequelas por médico que consultou. 
Ø Não obstante os tratamentos, o autor ficou a padecer das seguintes sequelas irreversíveis: 
· mucosa vestibular junto à linha média do lábio inferior mais endurecida e saliente, observando-se escoriação compatível com a ação dos dentes; 
· cicatriz esbranquiçada, irregular e com alopécia localizada na face anterior do mento, com ligeira reação queloide e ligeira hipostesia, com 1,5 cm, visível à distância social;  
· cicatriz esbranquiçada com alopécia associada, sem reação queloide e sem queixas sensitivas; 
· desvio do septo nasal para a direita; 
· queixas álgicas nos ângulos finais do arco de mobilidade dos movimentos de abdução e flexão anterior do ombro direito; 
· ténues cicatrizes na face posterior do punho direito; 
· cicatriz esbranquiçada localizada na face anterior do joelho direito, vertical, sem reação queloide, com hipostesia associada com 13 x 2 cm; 
· atrofia de 1 cm ao nível dos músculos da perna direita comparativamente ao membro contralateral; 
· leve crepitação do membro inferior direito com a mobilização, mas com mobilidade articular do joelho mantida e simétrica, provas meniscais e ligamentares negativas e força muscular normal e simétrica; 
· cicatriz esbranquiçada sem reação queloide nem queixas subjetivas, localizada na face anterior do joelho esquerdo com 1,5 cm de comprimento. 
Ø Em virtude das sequelas, o Autor ficou a padecer de défice funcional da integridade físico-psíquica de 6 pontos. 
Ø Em consequência das lesões, no momento do acidente e durante os tratamentos, o autor sofreu dores (quantum doloris) de grau 4 numa escala de 1 a 7.
Ø As cicatrizes atrás referidas e a esporádica claudicação associada a queixas álgicas no joelho direito, correspondem a dano estético de grau 4 numa escala de 1 a 7. 
Ø Por vezes, o autor acorda durante a noite com dores, levantando-se para colocar gelo no joelho direito.
Ø O autor sente tristeza por ter deixado de jogar futebol e relembra o acidente quando os amigos o questionam sobre a cessação da atividade desportiva. 
Ø Antes do acidente, o autor era saudável e não tinha qualquer deficiência.
Ø Era alegre, projetava jogar futebol e embora fosse nervoso, a atividade desportiva proporcionava-lhe momentos de descompressão.
Ø À data do acidente, o Autor estava inscrito na Associação de Futebol de Braga no escalão de seniores, como atleta do clube denominado “OFC”, de Vila Nova de Famalicão.
Ø O autor tinha aspirações a jogar profissionalmente. 
Ø Devido às dores e edema do joelho direito, o Autor não conseguiu recuperar as condições físicas necessárias para voltar a jogar futebol. 
Ø O referido em 54. a 56. dos factos provados corresponde a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 5 numa escala de 1 a 7. 

Ora, perante o sobredito circunstancialismo, tendo em conta a idade do autor L. O., a natureza das lesões, os períodos de internamento e convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou para a sua vida, o quantum doloris de 4/7, o prejuízo estético (dano estético de 4/7) com reflexo na sua via afetiva e social, a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de 5/7 (sendo que o autor era jogador de futebol e aspirava ser jogados de futebol profissional), a circunstância de não ter tido qualquer culpa na eclosão do acidente e o período de cerca de 5 anos que intercedeu entre o acidente e a sentença proferida em 1ª instância e ponderando casos similares ao dos presentes autos e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência (17), afigura-se-nos equitativamente adequada e equilibrada, a indemnização fixada pelo Tribunal a quo no valor de € 50.000,00, para a reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, tendo por referência a data da sentença de 1ª instância (19.12.2016), tal como igualmente consta da mesma (cfr. fls. 268 verso).
Consideramos, ainda, não ser de acolher os argumentos utilizados pela ré recorrente de que, por um lado, esta indemnização deverá ser diminuída por estar em causa um grau diminuto da culpa do agente, tanto mais que não se nos afigura ser assim tão diminuto, atento à dinâmica do acidente e às regras estradais infringidas pela condutora do veículo segurado na ré; e por, outro lado, a ré ter assumido tratamentos e perdas salariais do autor durante o período de tratamento, porquanto tal situação não é relevar para efeitos da diminuição da indemnização em causa e não tem qualquer respaldo legal, designadamente no estatuído pelo art. 494º, do C. Civil.

Pelo que fica dito, improcede igualmente, neste âmbito, o recurso apresentado pela ré recorrente.*B. Dos juros de mora (recurso subordinado do autor)
B.1) Da taxa de juros aplicável

Nas suas alegações de recurso, o autor veio, desde logo, afirmar que não concorda com a não condenação da ré em pagar ao autor juros de mora no dobro da taxa legal prevista.
Para o efeito, invoca que a ré, em sede extrajudicial, por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor, apresentou a este, por escrito, uma proposta no montante de € 7.095,55.
Defende, pois, que a ré não apresentou uma “proposta razoável”, sobretudo tendo em atenção a flagrante diferença – que é de € 82.904,45 – entre o valor indemnizatório fixado judicialmente e aquela proposta apresentada extrajudicialmente.  
Nesta medida, conclui assim que a ré deverá ser condenada no pagamento dos juros de mora, em dobro da taxa legal prevista, nos termos do disposto no art. 38º, nºs 3 e 4, do D.L. n.º 291/2007, de 21.08.

Neste particular, ficou demonstrado que:

Ø Por carta endereçada ao autor, através da gestora de processo P. D., em 23 de Julho de 2012, sob a epígrafe “Assunto: Sinistro em 21.12.2012 – Proposta Consolidada”, a ré comunicou “Atendendo ao sinistro acima mencionado e estando esta seguradora a assumir a responsabilidade no mesmo, dada a sua alta clínica, solicitamos a V. Ex.ª que nos informe com a máxima brevidade se existem ou não despesas médicas ou outras a reclamar a esta seguradora”.
Ø A ré procedeu ao pagamento de todas as despesas médicas e hospitalares junto das entidades que prestaram tratamento ao autor, designadamente, ao Centro Hospitalar, EPE, Centro de Recuperação Funcional e Casa de Saúde no Porto. 
Ø A ré pagou ao autor a quantia de € 5.897,17, a título de perdas salariais, objetos pessoais, despesas diversas, despesas médicas e de transporte. 
Ø A ré atribuiu alta clínica ao autor em 17 de Julho de 2012.
Ø	Em 23 de Julho de 2012, a ré, por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram do acidente, apresentou ao autor proposta de indemnização final oferecendo-lhe os seguintes montantes: 
- indemnização: € 6.716,25;
- outras despesas: € 379,30.
Ø O médico dos serviços clínicos da ré, que acompanhou a evolução das lesões do autor, no momento da alta, atribuiu-lhe uma IPG de 2 pontos, quantum doloris de 4/7 e dano estético de 3/7.

Ora, de acordo com o disposto no art. 38º, n.º 1, do referido D.L. n.º 291/2007, cumpre à seguradora proceder à comunicação da assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo referidos na al. e) do n.º 2 e n.º 5 do art. 36º do mesmo diploma, sendo que esta deverá traduzir-se numa “proposta razoável” de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte (cfr. ainda art. 39º, n.º 1, do mesmo diploma legal, que é aplicável em idênticos moldes ao art. 38º, n.º 1, referente à regularização de sinistros que envolvam danos corporais).
Por seu turno, o n.º 3 do mesmo art. 38º, estatui que, se o montante proposto nos termos da “proposta razoável” for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 do mesmo preceito e até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial.
Como “proposta razoável” deve ser entendida por “aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado” – art. 38º, n.º 4, do citado D.L. n.º 291/2007. 
Todavia, o art. 39º, n.º 3, do mesmo diploma legal (regularização de sinistros com danos corporais) dispõe que, “quando a proposta da empresa de seguros tiver sido efetuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil”, tais juros são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos. 
No caso em apreço, a ré propôs ao autor uma indemnização pelos danos corporais sofridos no valor de € 6.716,25.
Mais se demonstrou que o médico dos serviços clínicos que acompanhou a evolução das lesões do autor, no momento da alta atribuiu-lhe uma IPG de 2 pontos, quantum doloris de 4/7 e dano estético de 3/7. 
O autor defende que não estamos perante uma “proposta razoável”.
No entanto, tal como é defendido no Ac. STJ de 07.04.2016 (relatora Maria da Graça Trigo, já citado), apresentada uma proposta de indemnização por danos corporais e consequências deles resultantes, cabe ao lesado alegar e provar que o conteúdo dessa proposta não correspondia aos “termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil” – cfr. art. 39º, n.º 3, do D.L. n.º 291/2007, de 21.08.
Não tendo feito tal prova, tal como lhe competia (art. 342º, n.º 1, do C. Civil), os juros “são os devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso”.
Assim, ainda que, por razões diversas da sentença recorrida, também não é de acolher, neste segmento, a pretensão recursiva do autor.*B.2) Do início da contagem dos juros

Para concluir, resta-nos, pois, conhecer da questão atinente ao início da contagem dos juros de mora no que se refere à indemnização fixada para ressarcimento dos danos não patrimoniais, uma vez que o autor entende que esta deverá ser contabilizada a partir da data da citação da ré e não, conforme o decidido na sentença recorrida a partir da data de tal sentença.
Desde já se refere que a apontada indemnização proposta pela ré seguradora se deve ter por incluída ou consumida no valor indemnizatório arbitrado a título de danos patrimoniais futuros/dano biológico e danos não patrimoniais. (18) 
Relativamente aos danos não patrimoniais, como se vê do antes decidido, o valor arbitrado, a esse título, teve por referência a data da sentença proferida em 1ª instância.
Dito de outro modo, o dito valor foi arbitrado em função do valor da moeda à aludida data (19.12.2017).
Isso mesmo já consta explicitamente da douta sentença recorrida (cfr. fls. 268 verso), pelo que não se compreende, neste particular, as alegações do autor recorrente subordinado, designadamente quando afirma que, da interpretação da douta sentença recorrida, não resultam sinais de a mesma ter optado pela atualização do montante indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais.

Neste âmbito, pronunciou-se, de entre outros, o já citado Ac. STJ de 17.12.2015, o qual, na sua parte final, explicita:

«Como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 4 de Junho de 2015, www.dgsi.pt, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, “os juros de mora não podem transformar-se, nem numa elevação indirecta dos montantes indemnizatórios, nem numa duplicação de indemnizações pela demora no pagamento da indemnização. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B4242), disse-se: “No sentido de que os juros de mora se contam desde a data da sentença da 1ª Instância, se a indemnização foi calculada com referência a esse momento, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Dezembro de 2007 (…). Como se escreveu no acórdão deste Supremo tribunal de 23 de Outubro de 2008 (proc. nº 08B2318, em www.dgsi.pt) “pois que a compensação pelos aludidos danos não patrimoniais terá sido [tal como agora o é aqui] concebida de forma actualizada, resultando num cúmulo injustificado a contagem dos juros de mora a partir da citação, já que a respectiva obrigação pecuniária agora em causa cobre todo o dano verificado. De facto, como se diz no acórdão deste STJ de 25/10/2007 – Pº 07B3026 (…), “… se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederá o prejuízo efectivamente verificado”».

Consequentemente, conforme sempre foi nosso entendimento e resulta da doutrina firmada pelo Acórdão Uniformizador n.º 4/2002 de 9.05.2002 (publicado no DR Iª série A de 27.06.2002), sobre o aludido valor indemnizatório de € 50.000,00, para ressarcimento dos danos não patrimoniais, porque atualizado por referência à data da sentença de 1ª instância acrescerão juros de mora, à taxa legal (hoje de 4% ao ano), desde aquela data (19.12.2016) – cfr. arts. 559º, n.º 1, 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente) 806º, nºs 1 e 2, do C. Civil – assim se mantendo, nesta parte, o já decidido em 1ª instância.

Termos em que, improcedem na sua totalidade as apelações em presença.
*V-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedentes os recursos de apelação apresentados pelas partes, confirmando-se, pois, a sentença recorrida.

Custas pelos apelantes na proporção fixada na sentença recorrida, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido ao autor.*
Guimarães, 02.11.2017
Relator António José Saúde Barroca Penha
Des. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
Des. José Manuel Alves Flores


1. Sobre a noção e distinção dentre “danos emergentes” e “lucros cessantes”, vide, por todos, na doutrina, Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, I Vol., 4ª edição, págs. 579-580; Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I Vol., 7ª edição, pág. 337; I. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição, págs. 373-375; e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª edição, pág. 596. 
2. Vide Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, pág. 380.
3. Teresa Magalhães e Diogo Pinto da Costa, Avaliação do dano na pessoa em sede de Direito, Perspectivas Actuais., Revista da Faculdade de Direito do Porto, págs. 427, 442 e 443.
4. Por todos, cfr. Ac. STJ de 20.11.2014, proc. n.º 5572/05.0TVLSB.L1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 04.06.2015, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 21.01.2016, proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/208079" target="_blank">1021/11.3TBABT.E1</a>.S1, relator Lopes do Rego; Ac. STJ de 26.01.2016, proc. n.º 2185/04.8TBOER.L1.S1, relator Fonseca Ramos; Ac. STJ de 07.04.2016, proc. n.º 237/13.2.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; Ac. STJ de 02.06.2016, proc. n.º 2603/10.6TVLSB.L1.S1, relator Tomé Gomes; Ac. STJ de 16.06.2016, proc. n.º 1364/06.8TBBCL.G1.S2, relator Tomé Gomes; Ac STJ de 10.11.2016, proc. n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, relator Lopes do Rego; Ac. STJ de 14.12.2016, proc. n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; Ac. STJ de 26.01.2017, proc. n.º 1862/13.7TBGDM.P1.S1, relator Oliveira Vasconcelos; Ac. STJ de 16.03.2017, proc. n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; e Ac. STJ de 25.05.2017, proc. n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
5. Proc. n.º 160/2002.P1.S1, relator Granja da Fonseca, acessível em www.dgsi.pt. 
6. Proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/123773" target="_blank">340/03.7TBPNH.C1</a>.S1, relator Custódio Montes, disponível em www.dgsi.pt. 
7. Vide, neste sentido, por todos, Ac. STJ de 16.06.2016, Ac. STJ de 21.01.2016, Ac. STJ de 7.06.2011, todos antes citados, ou, ainda, Ac. STJ de 26.09.2013, proc. n.º 5505/05.4TVLSB.L1.S1, relator Távora Victor, disponíveis in www.dgsi.pt. 
8. Vide, neste sentido, por todos, Ac. STJ de 04.06.2015 e de 07.06.2011, antes citados; Ac. STJ de 16.01.2014, proc. n.º 1269/06.2TBBCL.G1.S1; e Ac. STJ de 07.05.2014, proc. n.º 436/11.1TBRGR.L1.S1, relator João Bernardo, todos disponíveis in www.dgsi.pt. 
9. Cfr. elementos disponíveis in www.pordata.pt (Portugal/salário mínimo nacional).
10. Vide elementos disponíveis in www.pordata.pt (Portugal/esperança média de vida à nascença/total/e por sexo com a última atualização de 29.05.2017).
11. Vide, entre todos, os casos retratados no Ac. STJ de 14.12.2016, já citado, relatora Maria da Graça Trigo, que com base nos critérios aí definidos se aceitaria quantia superior a € 30.000,00 como valor indemnizatório por danos patrimoniais futuros, para um lesado de 43 anos, à data do sinistro, sofrendo uma IPP de 11 pontos, agente de inseminação artificial de bovinos, sem rebate profissional; Ac. STJ de 30.03.2017, proc. n.º 2233/10.2TBFLG.P1.S1, relator Olindo Geraldes, em que, em termos gerais, temos uma lesada estudante, à data do acidente, sofrendo um défice funcional de 20 pontos, em resultado do acidente, sem rebate profissional, e onde se considerou adequada uma indemnização por danos patrimoniais futuros em € 60.000,00; e Ac. STJ de 13.07.2017, proc. n.º 3214/11.4TBVIS.C1.S1, relator Tomé Gomes, em que, em termos gerais, temos um lesado com 36 anos, à data do acidente, em resultado do qual ficou com uma IPP de 30%, eletricista, com um salário de € 700,00, também sem rebate profissional, e foi arbitrado um valor indemnizatório a este título de danos patrimoniais futuros de € 100.000,00.  
12. Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª edição, pág. 571. No mesmo sentido, ainda, Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 7ª edição, págs. 339-341; e, ao nível jurisprudencial, por todos, e Ac. STJ de 07.06.2011, Ac. STJ de 04.06.2015 e Ac. STJ de 16.06.2016, todos já citados.
13. Neste sentido, cfr. Vaz Serra, BMJ 78, pág. 83 e BMJ 278, pág. 182.
14. Vide, neste sentido, Ac. STJ de 04.06.2015, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, e Ac. STJ de 26.01.2016, relator Fonseca Ramos, ambos já citados; Ac. STJ de 28.01.2016, proc. n.º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; ou, ainda, Ac. STJ de 18.06.2015, proc. n.º 2567/09.9TBABF.E1.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
15. Proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/208153" target="_blank">3558/04.1TBSTB.E1</a>.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, acessível em www.dgsi.pt.  
16. Vide, ainda, neste sentido, Ac. STJ de 07.04.2016 e Ac. STJ de 18.06.2015, já citados, e, ainda, Ac. STJ de 31.01.2012, Processo n.º 875/05.7TBILLH.C1.S1., relator Nuno Cameira, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
17. Neste particular, cfr., entre outros, Ac. STJ de 17.12.2015, Ac. do STJ de 28.01.2016, Ac. STJ de 07.04.2016 e Ac. STJ de 08.06.2017, já citados, que analisam casos semelhantes ao nosso e cujas indemnizações alcançadas, a título de danos não patrimoniais, se situam próximas da fixada nestes autos para o autor Luís Filipe.
18. A igual conclusão chegou-se no citado Ac. STJ de 04.06.2015 (relatora Maria da Graça Trigo).

Recorrentes: M. – Seguros Gerais, S.A. Recorrido: L. O. * Comarca de Braga – Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 1. * Relator: António José Saúde Barroca Penha. 1º Adjunto: Desembargadora Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha. 2º Adjunto: Desembargador José Manuel Alves Flores. *Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO L. O. intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra M. – Seguros Gerais, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe: A) uma indemnização correspondente a todos os danos patrimoniais e não patrimoniais pelo mesmo sofridos em virtude do acidente de viação de montante nunca inferior a € 100.629,30; B) uma indemnização a acrescer à anterior e cuja total e integral quantificação relega para posterior em sede de incidente de liquidação ou execução de sentença, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais futuros: a) decorrentes da necessidade atual e futura, por sua parte, de efetuar vários exames médicos de diagnóstico e de aferição da consolidação das lesões e sequelas descritas; b) decorrentes da necessidade atual e futura, por sua parte, de acompanhamento médico periódico, nas especialidades médicas de ortopedia, fisioterapia e fisiatria para superar as consequências físicas e psíquicas das lesões e sequelas descritas; c) decorrentes da necessidade atual e futura, por sua parte, de realizar tratamento fisiátrico duas vezes por ano, sendo que tratamento deverá ter a duração mínima de 20 sessões, para superar as consequências físicas e psíquicas das sequelas descritas; d) decorrentes da necessidade atual e futura, por sua parte, de ajuda medicamentosa, designadamente anti-inflamatórios e analgésicos para superar as consequências físicas das lesões e sequelas descritas; e) decorrentes da necessidade atual e futura, por sua parte, de efetuar várias despesas hospitalares, de efetuar vários tratamentos médicos e clínicos, de ajudas técnicas, de efetuar várias deslocações a hospitais e clínicas para tratamento e correção das lesões e sequelas descritas; C) Deve ainda a ré ser condenada a pagar ao autor: a) os juros vencidos e vincendos calculados à taxa legal anual em vigor sobre o montante oferecido pela Ré no montante de € 10.000 contados a partir do dia 23 de Julho de 2012 e até à decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial; b) os juros vencidos e vincendos calculados no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré no valor de € 10.000 e o montante que vier a ser fixado na decisão judicial, contados a partir do dia 23 de Setembro de 2012 até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial; c) ou, caso assim não seja entendido, os juros vincendos a incidir sobre as referidas indemnizações calculados à taxa legal anual, a contar da data da citação da Ré e até efetivo e integral pagamento. Para o efeito, alegou, em síntese, que, no dia 21 de Dezembro de 2011, ocorreu um acidente de viação, em que foram intervenientes o motociclo de matrícula IF, conduzido pelo autor, e o veículo de matrícula XJ, pertencente a J. F., conduzido pela filha A. F., a quem havia sido cedido para tratar de assuntos familiares, atribuindo à condutora deste último veículo, segurado na ré, a culpa exclusiva na produção do acidente e dos danos patrimoniais e não patrimoniais daí advenientes para o autor. A ré deduziu contestação, admitindo a dinâmica do sinistro apresentada pelo autor, impugnando, porém, os danos reclamados, acrescentando que o médico que assistiu o autor lhe atribuiu uma IPG de 2 pontos, com base na qual apresentou proposta razoável e que as verbas peticionadas são exageradas, tendo concluído pela improcedência da ação. Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador que se pronunciou pela validade e regularidade de todos os pressupostos processuais, fixando-se ainda o objeto do litígio e elaborando-se os temas de prova. Após produção de prova pericial, o autor apresentou articulado superveniente manifestando a sua vontade de se aproveitar do conteúdo alusivo ao dano estético, repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer e a necessidade de futuro tratamento da artrose pós-traumática, o que foi admitido liminarmente e objeto de prova. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento. Na sequência, por sentença de 19 de Dezembro de 2016, veio a julgar-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, foi a ré condenada a pagar ao autor: a) o que vier a ser liquidado relativamente aos danos identificados nos pontos 46) e 47) da fundamentação de facto; b) a quantia de € 40.000 a título de indemnização pela perda da capacidade de ganho decorrente do défice funcional permanente identificado no ponto 45) da fundamentação de facto, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 23 de Junho de 2014 até integral e efetivo cumprimento; c) a quantia de € 50.000 título de compensação por danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efetivo cumprimento. Inconformada com o assim decidido, veio a ré M. – Seguros Gerais, S.A. interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES I. Os valores arbitrados ao recorrido pela douta sentença são manifestamente excessivos. II. Face à matéria de facto dada como provada em sede de audiência de julgamento, o valor encontrado de € 40.000,0 para compensar o recorrido da perda de capacidade futura de ganho (ou dano biológico na sua vertente patrimonial) se mostra excessiva e desajustada da mais recente jurisprudência emanada pelo Supremo Tribunal de Justiça. III. Para o cálculo deste dano patrimonial futuro tem sido recorrente o uso de fórmulas matemáticas para estabelecer o valor deste dano. IV. Para o efeito, socorremo-nos do Estudo efetuado pelo Conselheiro Sousa Dinis (in CJ - STJ, I, pág. 5 e segs.) o qual se mostra o mais adequado e simples para o cálculo do valor indemnizatório. V. Tendo em conta a idade do Autor (22 anos), o seu vencimento (€ 500,00 x 14 meses) e a sua incapacidade (6%) temos que o fator a atribuir para o cálculo indemnizatório é de 25.024708 (aplicando-se uma capitalização de 3% do capital recebido). VI. Efetuando o referido cálculo temos que o valor a arbitrar é de (€ 500,00 x 14 x 65 x 25.024708) € 10.510,00. VII. Contudo, e por uma questão de equidade, entende a recorrente que a indemnização justa e adequada é de € 15.000,00, pedindo-se a sua redução para este valor. VIII. Entende, igualmente, a Recorrente que o valor de € 50,000,00 atribuído ao recorrido a título de danos não patrimoniais é excessivo e desajustado da realidade. IX. Embora a recorrente compreenda que em consequência do acidente o recorrido sofreu lesões, as quais lhe provocaram dores e um défice funcional de 6%, certo é que o valor é excessivo. X. De facto, entende a Recorrente que, na senda do já decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça (cfr. os Acórdãos acima referidos, bem como Ac. STJ de 03.11.2016 – Processo 1917/12.0TBLLE.E1.S1, in DGSJ.pt) temos que o valor do seu dano não patrimonial é de € 15.000,00, pedindo-se então a redução para este valor. XI. Teremos também de ter em conta, para a determinação deste valor, o estatuído no artigo 494º do Código Civil. XII. É necessário ter em conta o grau diminuto da culpa do agente, bem como o facto de a ora Recorrente ter assumido todos os tratamentos e perdas salariais do recorrido durante o seu período de tratamento. XIII. Assim, a douta sentença recorrida violou o disposto nos artigos 483°, 494° e 562° e segs. do Código Civil. Termina pedindo a revogação da sentença e ser substituída por douto Acórdão que condene a ré recorrida na medida do acima assinalado.*O autor apresentou recurso subordinado, no qual formulou as seguintes CONCLUSÕES 1) O Autor, não concorda com a absolvição e a não condenação da Ré, em pagar ao Autor juros de mora no dobro da taxa legal prevista. 2) O Autor não concorda com o momento a partir do qual são devidos juros de mora – à taxa legal ou em dobro da taxa legal prevista - sobre as indemnizações concedidas ao Autor a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais. 3) O montante indemnizatório proposto pela Ré ao Autor, nos termos da proposta razoável e por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram para o Autor em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos, atentas as lesões sofridas e as sequelas atuais de que o Autor padece e no montante de €7.095,55 (€6.716,25 + €379,30), salvo o devido respeito, é assim manifestamente insuficiente. 4) Por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais, a Ré, em sede extrajudicial, apresentou por escrito ao Autor proposta consolidada de indemnização final no valor global de €7.095,55 (€6.716,25 + €379,30). 5) Tal proposta - no valor global de €7.095,55 – não discriminou os valores propostos a titulo danos patrimoniais e os valores propostos a título de danos não patrimoniais. 6) Existe uma diferença enorme entre o valor da proposta da Ré e o valor da condenação final no que diz respeito aos Danos Patrimoniais e Danos Não Patrimoniais sofridos pelo Autor em consequência do acidente em discussão nos presentes autos, bastando comparar o valor proposto pela Ré de €7.095,55 versus o valor global € 90.000,00 de condenação na 1.ª instância (€ 40.000,00 + € 50,000,0), para chegarmos à flagrante diferença de € 82.904,45 (€ 90.000,00 - € 7.095,55). 7) É por demais evidente que a Ré não cumpriu o disposto no art.º 36º do DL 291/07 porquanto a proposta para ressarcimento dos danos sofridos não constitui “proposta razoável”. 8) Da mera comparação com o valor da indemnização a que se chegou em 1.ª instancia, se retirará que efetivamente a proposta feita pela Ré não constitui um valor razoável de ressarcimento dos danos, ou seja, o confronto entre os dois valores revelará uma flagrante desproporção entre o valor da proposta e o valor devido ao autor, gerando um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado, podendo considerar-se o montante da proposta, manifestamente insuficiente, nos termos daqueles n.ºs 3 e 4 do artigo 38.° do DL 291/2007. 9) Os factos – lesões e sequelas – que serviram de base a proposta da Ré são exatamente os mesmos que estiveram na base da condenação do tribunal em 1ª instância, sendo irrelevante que tenham sido classificados ou interpretados de maneiras diferentes (é essa, alias, a razão pela qual os valores são diferentes). 10) Não releva, para esta questão, a forma como a Ré quantificou os danos, porque o que releva, uma vez mais, objetivamente, são os factos e esses já existiam quando a Ré fez a sua proposta. 11) Este normativo visa, claramente, desincentivar o oferecimento por parte das seguradoras de valores muito abaixo dos devidos, o que, infelizmente, acontece de forma muito generalizada. 12) Assim sendo e pela apresentação por parte da Ré ao Autor de uma proposta manifestamente insuficiente e não razoável, deve ser a Ré condenada no pagamento ao Autor dos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido pela Ré (€ 7.095,55) e o montante que vier a ser fixado na decisão judicial definitiva, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no 39º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 291/2007, e até à data da decisão judicial ou até à data que vier a ser estabelecida na decisão judicial, ou desde a data da sua citação e até efetivo e integral pagamento. 13) O Autor não concorda que relativamente aos juros de mora – à taxa legal ou em dobro da taxa legal prevista – devidos sobre os montantes das indemnizações que lhe foram concedidas a título de danos patrimoniais e a título de danos não patrimoniais, os mesmos sejam devidos apenas: desde 23 de Junho de 2014 até integral e efetivo cumprimento relativamente à indemnização pela perda da capacidade de ganho decorrente do défice funcional permanente, e desde a data da prolação da sentença de 1ª instancia até integral e efetivo cumprimento relativamente à compensação por danos não patrimoniais. 14) O Autor, entende que pela apresentação de uma proposta por parte da Ré ao Autor manifestamente insuficiente e não razoável deve ser a Ré condenada a pagar ao Autor juros de mora no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido (€7.095,55) e o montante que venha a ser fixado na decisão judicial final, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no 39º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2917/2007, ou seja, desde 02-08-2012 (dado que o termo do prazo de 15 dias, quer após a data alta clínica atribuída pela própria Ré ao Autor, quer após a realização do relatório de avaliação clínica de efetuado pelo própria Ré ao Autor em 17/07/2012 ocorreu a 02/08/2012) e até efetivo e integral pagamento da quantia globalmente fixada. 15) Subsidiariamente e para a hipótese de V.Ex.as entenderem, que os juros de mora – à taxa legal ou em dobro da taxa legal prevista – e relativos aos montantes das indemnizações que lhe foram concedidas a titulo de danos patrimoniais e a titulo de danos não patrimoniais, não são devidos desde 08-08- 2012, entende o Autor, que os juros mora – à taxa legal ou em dobro da taxa legal prevista – e relativos aos montantes das indemnizações que lhe foram concedidas a titulo de danos patrimoniais e a titulo de danos não patrimoniais, são devidos desde a citação da Ré e até efetivo e integral pagamento da quantia globalmente fixada. 16) Nos termos da Jurisprudência uniformizada pelo Acórdão do S.TJ. nº 4/2002, de 9/5/2002 (in DR, I-A de 27/6/2002), sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objeto de cálculo atualizado, nos termos do art.º 566º n.º 2 do Código Civil, vence juros de mora por efeito do disposto nos arts. 805º n.º 3 (interpretado restritivamente) e 806º nº1 do Código Civil, a partir da decisão atualizadora e não a partir da citação. 17) Deste Acórdão uniformizador resulta, tendo em conta o seu conteúdo e o das alegações de recurso sobre as quais se pronunciou, a ideia de uma decisão atualizadora da indemnização em razão da inflação no período compreendido entre ela e o momento do evento danoso causador do dano, sob a invocação do art.º 566º, n.º 2, do Código Civil, que consagra o critério derivado do confronto da efetiva situação patrimonial do lesado na data mais recente atendível pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivesse ocorrido o dano. 18) A prolação da decisão atualizadora tem que ter alguma expressão nesse sentido, designadamente a referência à utilização no cálculo do critério chamado da diferença na esfera jurídico-patrimonial constante no artº 566º nº 2 do Código Civil e à consideração, no cômputo da indemnização ou da compensação, da desvalorização do valor da moeda. 19) O Autor formulou um pedido de condenação no pagamento de juros em dobro da taxa legal prevista desde o dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no 39º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2917/2007, ou seja, desde 08-12-2012 (dado que o termo do prazo de 15 dias, quer após a data alta clínica atribuída pela própria Ré ao Autor, quer após a realização do relatório de avaliação clínica de efetuado pelo própria Ré ao Autor em 17/07/2012 ocorreu a 02/08/2012) ou subsidiariamente desde a data da citação da Ré, não tendo peticionado a sua atualização com base na taxa de inflação, pelo que se entende que renunciou à atualização monetária. 20) Da leitura da decisão de 1ª instância, verifica-se que a mesma relativamente danos não patrimoniais, teve em conta a referência temporal à data da sentença, sem qualquer atualização. 21) A interpretação da douta sentença recorrida não resultam sinais de a mesma ter optado pela atualização do montante indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais. 22) Para infirmar esta decisão expressa, seria necessário encontrar na douta sentença recorrida indicações seguras de sinal contrário; que se não detetam. 23) Esta conclusão vale para todos os danos a que se refere a indemnização, que deveriam ser tratados igualmente pela sentença recorrida; a circunstância de serem futuros não impede que se possam ponderar com referência ao momento da propositura da ação, ou da citação, ou à data da sentença. 24) Apreciando a douta sentença recorrida da primeira instância, a mesma não procedeu à atualização do montante indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais, motivo pelo qual deveria condenar a Ré no pagamento de juros de mora, à taxa legal desde a citação da Ré, louvando-se no nº 3 do artigo 805º e no artigo 805º do Código Civil. 25) Em consequência, os juros mora – à taxa legal ou em dobro da taxa legal prevista – e relativos aos montantes das indemnizações que foram concedidas ao Autor a título de danos patrimoniais e a título de danos não patrimoniais, são devidos e devem ser contados desde a citação da Ré para a presente ação e até efetivo e integral pagamento. 26) A Douta Sentença Recorrida violou as seguintes disposições legais: a) os artigos 37º, n.º 1 alínea c), n.º 2, alínea a), 38º, n.º 3 e 4 e 39º, n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 291/2007 de 21 de Agosto, 805º, nº 3 e 806º todos Código Civil e b) Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002, de 09/05/2002. Finaliza, pugnando a procedência do recurso subordinado, devendo a sentença recorrida ser revogada e substituída por Acórdão que condene a ré recorrida na medida do acima assinalado.*A ré ainda apresentou resposta no que se refere ao recurso subordinado interposto pelo autor, tendo concluído pela improcedência do recurso subordinado interposto pelo autor. *Após os vistos legais, cumpre decidir. * II. DO OBJETO DO RECURSO: O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil). No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto dos recursos interpostos. Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes: A) Saber se cumpre proceder à alteração do quantum indemnizatório fixado a título de danos patrimoniais e não patrimoniais na sentença recorrida nos termos constantes das respetivas alegações da recorrente. B) Saber se cumpre alterar a fixação do início da contagem dos respetivos juros de mora sobre a indemnização fixada a título de danos não patrimoniais, dentro da alternativa data da sentença ou data da citação, assim como no que se refere à respetiva taxa aplicável.*III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Factos Provados O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1. No dia 21 de Dezembro de 2011, cerca das 21h25, o Autor conduzia o motociclo matrícula IF, pertencente a J. O., na Av.ª Dr. Carlos Bacelar, junto à Rotunda Bernardino Machado, freguesia de Antas, concelho de Vila Nova de Famalicão, no sentido Av.ª Dr. Carlos Bacelar/Av.ª Marechal Humberto Delgado. 2. O Autor circulava a velocidade entre 20/30 Km/h [alínea B) do despacho em referência]. 3. O IF circulava com as luzes de cruzamento (médios), bem como com as luzes de nevoeiro da frente e ainda com as luzes de presença traseiras ligadas. 4. O Autor levava capacete de proteção colocado na sua cabeça. 5. O Autor circulava dentro da metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido referido em 1., junto à berma direita. 6. Na Rotunda Bernardino Machado, do lado direito atento o sentido de marcha referido em 1., confluía a Avenida Narciso Ferreira. 7. O veículo ligeiro de passageiros matrícula XJ pertencia a J. F. que o cedera à filha A. F., para esta tratar de assuntos de família. 8. O XJ circulava na Avenida Narciso Ferreira no sentido poente/nascente, a velocidade superior a 50/60 Km/h. 9. O XJ circulava com as luzes de cruzamento (médios) e de nevoeiro da frente desligadas. 10. Na Avenida Narciso existe um sinal vertical B7 (aproximação de rotunda) e dois sinais B1, sendo um deles, vertical, existente na berma direita e o outro existente no pavimento. 11. Os sinais referidos em 10. eram perfeitamente visíveis. 12. A condutora do XJ conhecia os sinais referidos em 10) por ali circular diariamente. 13. Na berma direita da Av.ª Dr. Carlos Bacelar, à entrada da rotunda, existe um sinal vertical B1. 14. O Autor parou junto à entrada da rotunda. 15. O Autor entrou na rotunda e percorreu uma distância superior a 10 metros, totalmente dentro da hemi-faixa de rodagem esquerda, com direção à Av.ª Marechal Humberto Delgado. 16. A condutora do XJ tinha o intuito de seguir sempre em frente, entrar na rotunda e nela circular no sentido de marcha poente/nascente. 17. A condutora do XJ não atentou que do seu lado esquerdo, no sentido de marcha Av.ª Dr. Carlos Bacelar/Av.ª Marechal Humberto Delgado, já circulava previamente o IF. 18. A condutora do XJ não diminuiu a velocidade, não parou, seguiu a sua marcha sempre em frente, invadindo ambas as hemi-faixas de rodagem da rotunda Bernardino Machado na transversal/perpendicular em relação ao seu lado esquerdo e ao sentido de marcha do IF. 19. O XJ passou a circular totalmente dentro de ambas as hemi-faixas de rodagem da rotunda, atravessadamente e na perpendicular em relação ao seu lado esquerdo, cortando a passagem do IF. 20. O Autor não teve tempo para diminuir a velocidade, travar ou desviar-se para a sua esquerda. 21. O IF embateu com toda a sua parte frontal na parte lateral esquerda da frente, entre a roda da frente e porta do lado da condutora do XJ. 22. O Autor foi projetado para o seu lado esquerdo, embatendo com todo o seu corpo no piso betuminoso da rotunda Bernardino Machado. 23. A condutora do XJ dispunha de boa visibilidade da Avenida Narciso Ferreira relativamente à Avenida Dr. Carlos Bacelar situada do seu lado esquerdo. 24. O IF era visível e avistável no campo visual da condutora do XJ numa distância nunca inferior a 50/100 metros. 25. Na data referida em 1., a Avenida Narciso Ferreira, atento o sentido poente/nascente, era densamente povoada, com grande tráfego de veículos automóveis, peões e ladeada e marginada de ambos os lados por edificações, com saídas diretas para a mesma, possuindo uma placa indicativa de que se tratava de uma localidade. 26. A Avenida Narciso Ferreira, no sentido do XJ, e a Rotunda Bernardino Machado dispunham de marcação de vias e iluminação pública de carácter permanente. 27. A Avenida Narciso Ferreira, no sentido do XJ, apresentava uma configuração em forma de reta, em patamar, com uma extensão superior a 100 metros, perfeitamente nivelada. 28. O piso betuminoso da Avenida Narciso Ferreira encontrava-se regular, em bom estado de conservação e seco. 29. O Autor nasceu a 31 de Julho de 1993. 30. Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …, J. F. transferiu para a Ré a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo matricula XJ até € 46.750.000. 31. Em consequência do acidente, o Autor foi internado e assistido no serviço de urgência do Centro Hospitalar, EPE, pelas 21h47 do mesmo dia. 32. Em consequência do acidente apresentava: i) amnésia para o sucedido; ii) ferida da região mentoniana e no lábio inferior, que foram suturados; iii) escoriação suprapatelar da coxa esquerda; iv) escoriação na parte superior do joelho esquerdo; v) várias escoriações no dorso da mão direita e no punho direito; vi) grande derrame articular no joelho direito, que foi sujeito a artrocentese para drenagem de 80 cc de líquido hemático, ficando com imobilização de Robert-Jones e aplicação de gelo; vii) grande GAP supra-patelar, com diagnóstico interrogado de lesão do tendão quadricipital, que não resultou confirmado após realização de ecografia; viii) fratura da rótula direita com desvio de 2 mm; ix) queixas de omalgia direita, sem existência de fraturas. 33. Em 23 de Dezembro de 2011 foi submetido a cirurgia de osteossíntese da rótula do joelho direito. 34. Teve alta a 24 de Dezembro com indicação para acompanhamento pela consulta externa. 35. Em 10 de Fevereiro de 2012 teve consulta de medicina fisiátrica no Centro de Recuperação Funcional tendo sido diagnosticado: a) sistema extensor atrofiado, aderente e encurtado; b) rótula aderente, crepitante e dolorosa; c) limitação grave da flexão do joelho. 36. Em 13 de Fevereiro de 2012, iniciou tratamentos de fisioterapia que se prolongaram até 12 de Março seguinte, data em que apresentava um quadricípede mais elástico e realizava extensão de 0º e flexão de 50º-60º. 37. O Autor foi assistido nos serviços clínicos da Ré na consulta externa de ortopedia da Casa de Saúde onde, em 21 de Março de 2012, foi operado ao joelho direito EMOS da rótula (retirar platina) e fez infiltração do ombro direito. 38. Após a reabordagem cirúrgica, o Autor retomou os tratamentos de recuperação funcional em 5 de Abril de 2012 prolongando-se os mesmos até 30 de Maio seguinte, evidenciando ganhos continuados para a massa/força muscular, bem como para o arco da flexão. 39. Na segunda data referida em 38., o Autor realizava um arco de extensão de 0º e um arco de flexão subtotal que se mantinha sensível no limite e alguma atrofia comparativa do quadricípede. 40. A consolidação das lesões sofridas pelo Autor ocorreu a 17 de Julho de 2012. 41. Em 11 de Fevereiro de 2013, o Autor submeteu-se a avaliação das lesões e das sequelas por médico que consultou. 42. Apesar dos internamentos hospitalares, das intervenções cirúrgicas, consultas das especialidades de ortopedia e fisiatria, tratamentos de fisioterapia e ajudas medicamentosas, o Autor continua a queixar-se de dificuldades em sentar-se sobre o joelho direito, colocar-se na posição de cócoras, colocar o joelho direito no chão, subir e descer escadas, fazer corrida prolongada, manipular e elevar objetos de elevado peso, bem como dores na região antero-inferior do joelho direito com o esforço e mudanças climatéricas, na face anterior e posterior do ombro direito com o esforço e com a mobilização súbita e rápida daquele, assim como falha do joelho direito na flexão rápida do mesmo. 43. Não obstante os tratamentos, o Autor ficou a padecer das seguintes sequelas irreversíveis: · mucosa vestibular junto à linha média do lábio inferior mais endurecida e saliente, observando-se escoriação compatível com a ação dos dentes; · cicatriz esbranquiçada, irregular e com alopécia localizada na face anterior do mento, com ligeira reação queloide e ligeira hipostesia, com 1,5 cm, visível à distância social; · cicatriz esbranquiçada com alopécia associada, sem reação queloide e sem queixas sensitivas; · desvio do septo nasal para a direita; · queixas álgicas nos ângulos finais do arco de mobilidade dos movimentos de abdução e flexão anterior do ombro direito; · ténues cicatrizes na face posterior do punho direito; · cicatriz esbranquiçada localizada na face anterior do joelho direito, vertical, sem reação queloide, com hipostesia associada com 13 x 2 cm; · atrofia de 1 cm ao nível dos músculos da perna direita comparativamente ao membro contralateral; · leve crepitação do membro inferior direito com a mobilização, mas com mobilidade articular do joelho mantida e simétrica, provas meniscais e ligamentares negativas e força muscular normal e simétrica; · cicatriz esbranquiçada sem reação queloide nem queixas subjetivas, localizada na face anterior do joelho esquerdo com 1,5 cm de comprimento. 44. Em virtude das sequelas, o Autor ficou a padecer de défice funcional da integridade físico-psíquica de 6 pontos. 45. O défice referido em 44. é compatível com o exercício da atividade profissional do Autor, mas implica esforços acrescidos. 46. Por se tratar de uma fratura articular, é provável a evolução para artrose precoce pós-traumática da rótula direita, a repercutir-se no agravamento do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em valor que ainda não é possível quantificar. 47. A situação referida em 46. implica, no futuro, a realização de consultas, exames médicos de diagnóstico e tratamentos adequados à evolução do agravamento. 48. Em consequência das lesões, no momento do acidente e durante os tratamentos o Autor sofreu dores de grau 4 numa escala de 1 a 7. 49. Por vezes, o Autor acorda durante a noite com dores levantando-se para colocar gelo no joelho direito. 50. O Autor sente tristeza por ter deixado de jogar futebol e relembra o acidente quando os amigos o questionam sobre a cessação da atividade desportiva. 51. Antes do acidente, o Autor era saudável e não tinha qualquer deficiência. 52. Era alegre, projetava jogar futebol e embora fosse nervoso, a atividade desportiva proporcionava-lhe momentos de descompressão. 53. As cicatrizes referidas em 43. e a esporádica claudicação associada a queixas álgicas no joelho direito, correspondem a dano estético de grau 4 numa escala de 1 a 7. 54. À data do acidente, o Autor estava inscrito na Associação de Futebol de Braga no escalão de seniores, como atleta do clube denominado “OFC”, de Vila Nova de Famalicão. 55. O Autor tinha aspirações a jogar profissionalmente. 56. Devido às dores e edema do joelho direito, o Autor não conseguiu recuperar as condições físicas necessárias para voltar a jogar futebol. 57. O referido em 54. a 56. corresponde a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 5 numa escala de 1 a 7. 58. À data do acidente, o Autor desenvolvia a atividade profissional de ajudante de instrumentista como trabalhador da sociedade “Energia, S. A.”, funções que consistem na manutenção industrial de instrumentos elétricos, com tarefas desenvolvidas em tanques e colunas de refinarias, aos quais tem de subir para as executar no topo, com joelhos fletidos. 59. À data do acidente, o Autor auferia o salário base mensal de € 500 (catorze vezes por ano), sujeita a desconto de 11% para a Segurança Social, e ajudas de custo de € 10,30 por dia de trabalho. 60. À data da propositura da ação, o valor unitário das ajudas de custo referidas em 59. fora aumentado para € 14,22. 61. Por carta endereçada ao Autor, através da gestora de processo P. D., em 23 de Julho de 2012, sob a epígrafe “Assunto: Sinistro em 21.12.2012 – Proposta Consolidada”, a Ré comunicou “Atendendo ao sinistro acima mencionado e estando esta seguradora a assumir a responsabilidade no mesmo, dada a sua alta clínica, solicitamos a V. Ex.ª que nos informe com a máxima brevidade se existem ou não despesas médicas ou outras a reclamar a esta seguradora”. 62. A Ré procedeu ao pagamento de todas as despesas médicas e hospitalares junto das entidades que prestaram tratamento ao Autor, designadamente, ao Centro Hospitalar, EPE, Centro de Recuperação Funcional e Casa de Saúde no Porto. 63. A Ré pagou ao Autor a quantia de € 5.897,17, a título de perdas salariais, objetos pessoais, despesas diversas, despesas médicas e de transporte. 64. A Ré atribuiu alta clínica ao Autor em 17 de Julho de 2012. 65. Em 23 de Julho de 2012, a Ré, por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram do acidente, apresentou ao Autor proposta de indemnização final oferecendo-lhe os seguintes montantes: a) indemnização: € 6.716,25; b) outras despesas: € 379,30; 66. O médico dos serviços clínicos da Ré, que acompanhou a evolução das lesões do Autor, no momento da alta atribuiu-lhe uma IPG de 2 pontos, quantum doloris de 4/7 e dano estético de 3/7.*Factos não provados Não resultaram provados os factos alegados: Ø Nos artigos 49º, 63º, 64º, 68º, 73º, 91º, 92º, 95º, 106, 107º, 133º da petição inicial. Ø A alegação contida nos artigos 80º a 90º, 117º a 125º, 134º a 139º da petição inicial, 9º e 14º da contestação constitui matéria conclusiva ou de Direito. Ø A alegação contida nos artigos 1º a 8º a 13º, 15º e 18º da contestação diz respeito ao cumprimento do ónus da impugnação especificada. Ø A restante matéria de facto alegada apenas foi julgada provada na exata medida do conteúdo da fundamentação de facto no seu conjunto. * *IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A) Do quantum indemnizatório A.1) Dano biológico – Danos patrimoniais futuros Como resulta das conclusões dos recursos de apelação apresentados, as quais, como se referiu, delimitam o “thema decidendum”, mostra-se indiscutida a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil aquiliana da condutora do veículo segurado na ré, na produção do acidente de que versam os autos, assim como a culpa exclusiva da mesma na produção do acidente. Com efeito, nesta parte, o decisório proferido em 1ª instância não se mostra posto em causa por qualquer uma das partes recorrentes, em razão do que a dita questão se terá como aceite e definitivamente decidida e resolvida. Importa, pois, delimitar, desde já, o que a ré recorrente pretende ver analisado e decidido, em primeira linha, ao nível dos danos patrimoniais, tendo por referência o que foi decidido em 1ª instância e aquilo que, ao invés, a recorrente sustenta dever ter sido decidido. Neste âmbito, mostra-se posto em crise, desde logo, o montante indemnizatório que foi arbitrado em 1ª instância a título de danos patrimoniais futuros, sustentando a ré recorrente que devia ter sido atribuído ao autor um valor indemnizatório de € 15.000,00, a título de “perda parcial de capacidade de ganho” para o exercício da sua atividade profissional (dano biológico na sua vertente patrimonial), decorrente da Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 6%, que lhe foi fixada, e não o valor indemnizatório de € 40.000,00 que lhe foi arbitrado, neste âmbito, pelo tribunal recorrido. Segundo o disposto no art. 562º do C. Civil a reparação do dano “deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.” Assim, no cálculo da indemnização importa considerar a diferença entre a situação real e hipotética do lesado se o mesmo não tivesse sido atingido pelo facto ilícito. De facto, no seio da obrigação de indemnizar compreendem-se todos os prejuízos causados ao lesado, sejam estes os danos emergentes (diminuição do existente património do lesado), sejam, ainda, os lucros cessantes (diminuição do património futuro), isto é, ganhos ou vantagens que deixaram de ingressar no património do lesado, resultando em seu detrimento – cfr. art. 564º, n.º 1, do C. Civil.(1) Por outro lado, dentro dos denominados danos patrimoniais ressarcíveis, além dos danos já verificados, impõe o n.º 2 do mesmo art. 564º que sejam tidos em conta os danos futuros desde que previsíveis, isto é, os danos certos – porque redundam no desenvolvimento inelutável de um dano atual – ou, pelo menos, suficientemente prováveis ou razoavelmente prognosticáveis. (2) Trata-se, assim, neste âmbito, de ressarcir danos que ainda não se concretizaram, mas que, de acordo com o curso normal das coisas, de acordo com o que é previsível em face das circunstâncias, sempre virão a concretizar-se no futuro. Assim, a previsibilidade pressuposta na ressarcibilidade dos danos futuros assenta na probabilidade e na verosimilhança da sua ocorrência. No segmento ora em causa, os danos patrimoniais (futuros) reportam-se ao denominado “dano biológico”, na sua vertente de afetação do estado de saúde do autor L. O. e do seu comprovado défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 6 pontos; afetação ou défice funcional que, sem pôr em causa o exercício pelo autor da sua atividade profissional habitual, ainda assim o obriga a esforços acrescidos (cfr. facto provado n.º 45). Trata-se, pois, do dano resultante da perda ou diminuição da capacidade de ganho, dano este que corresponde ao efeito, temporário ou definitivo, de uma lesão sofrida pelo lesado e que se revela impeditiva da obtenção normal de proventos no futuro como contrapartida do seu trabalho ou, como ora sucede, exige do lesado maiores sacrifícios, maior penosidade no desempenho da sua atividade profissional habitual e, ainda, importa não esquecê-lo, na sua própria vida pessoal, ao nível das tarefas e atividades correntes do dia-a-dia. Dito isto, não suscita controvérsia na doutrina e na jurisprudência, a caracterização deste dano como um dano corporal, um dano na saúde (que atinge o estado normal de integridade físico-psíquica do indivíduo), futuro, pois que as suas consequências ou sequelas se projetam para futuro e com tendência para se agravarem com o avançar dos tempos, e previsível, por corresponder à “evolução lógica, habitual e normal do quadro clínico constitutivo da sequela”. (3) Assim caracterizado, é pacífico que um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica constitui, de per si, um dano definitivo na pessoa e na saúde do lesado, dano este que, enquanto dano biológico – independentemente da redução de rendimentos dele decorrente ou do grau de incapacidade laboral por ele causada –, dá origem à obrigação de indemnizar a cargo do responsável. No caso, aliás, nem se esgrime o ressarcimento do dano, esgrimindo, antes, a ré recorrente a determinação do quantum indemnizatório e a justeza dos critérios que lhe estiveram subjacentes. A questão reconduz-se, pois, ao dano biológico, na sua vertente de dano patrimonial futuro – perda de capacidade de ganho ou, como hoje se designa, défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, e à sua avaliação, questão que vem merecendo reiterado pronunciamento da nossa jurisprudência e doutrina. Neste âmbito, considera-se hoje lição pacífica da jurisprudência que se deverá distinguir entre a incapacidade fisiológica ou funcional, por um lado, e a estrita incapacidade para o trabalho ou incapacidade laboral por outro. Quanto à primeira, a repercussão negativa da respetiva incapacidade permanente centra-se na diminuição da condição física, da resistência e da capacidade de esforços por parte do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das atividades diárias, incluindo, eventualmente, se for o caso, as suas tarefas profissionais. É precisamente neste agravamento da penosidade (de carácter fisiológico ou físico-psíquico) e consequente maior esforço, maior sacrifício/penosidade no desempenho das atividades profissionais e, ainda, uma menor qualidade/conforto de vida em geral, decorrente da afetação da saúde, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização pelo dano biológico. Nesta perspetiva, e como já antes se referiu, há, pois, lugar ao arbitramento de indemnização por danos patrimoniais, mesmo que se não haja feito prova de que o lesado, por força de uma incapacidade, venha a sofrer de qualquer diminuição dos seus proventos conjeturais futuros (diminuição da capacidade geral de ganho) ou, ainda, mesmo que não haja prova de uma estrita incapacidade para o desempenho da atividade profissional habitual, bastando, antes, que se tenha por demonstrado que o desempenho profissional (e a consequente manutenção do mesmo nível de rendimentos) obriga a maiores esforços, a maior penosidade no desempenho de tais atividades, sendo indiscutível o ressarcimento deste dano. Trata-se, no fundo, de indemnizar a se o dano corporal sofrido, quantificado por referência a um índice 100 (integridade psicossomática plena), e não qualquer perda efetiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos, que pode não existir ou não ficar comprovada. Tal entendimento, que vem sendo acolhido pela jurisprudência, ao nível das Relações e do Supremo Tribunal de Justiça, tem na sua base a ideia de que a existência de uma incapacidade física, em consequência de lesões provocadas no corpo e na saúde do lesado, afeta, necessariamente, a sua capacidade funcional, pois que este verá afetadas as condições normais de saúde necessárias ao desenvolvimento adequado e normal daquela, sempre lhe exigindo um esforço ou transtorno acrescido, independentemente da sua repercussão negativa a nível salarial. (4) Neste sentido, refere-se designadamente no Ac. do STJ de 16.06.2016 (relator Tomé Gomes – vide nota 4), que “a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afecta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem «saúde». Trata-se de um «dano primário», do qual podem derivar, além das incidências negativas não susceptíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tais susceptíveis de avaliação pecuniária”. No mesmo sentido, já a jurisprudência vinha afirmando, designadamente no Ac. STJ de 07.06.2011 (5), que “está hoje assente que, pelo facto de o lesado não exercer, à data do facto lesivo, qualquer profissão remunerada, a incapacidade funcional de que o mesmo ficou a padecer em consequência dessa lesão não afasta a existência de dano patrimonial, compreendendo-se neste as utilidades futuras e as simples expectativas de aquisição de bens.» Na verdade, prossegue o douto aresto, «a força de trabalho de uma pessoa é um bem, sem dúvida capaz de propiciar rendimentos. Logo, a incapacidade funcional importa sempre diminuição dessa capacidade, obrigando o lesado a um maior esforço e sacrifício para manter o mesmo estado antes da lesão e, inclusivamente, provoca inferiorização, no confronto do mercado de trabalho, com outros indivíduos por tal não afectados. A repercussão negativa que a incapacidade funcional tem para o lesado centra-se, assim, na diminuição da sua condição física, resistência e capacidade de esforços, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução das diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro.” Destarte, conforme é lição da jurisprudência, a incapacidade funcional constitui, deste modo, um dano patrimonial futuro que, à luz do preceituado nos arts. 562º e 564º, n.º 2 do Cód. Civil, se impõe que seja indemnizado, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, não tendo o lesado, pois, sequer que alegar ou provar qualquer perda de rendimentos. Por conseguinte, como se afirma no citado aresto de 07.06.2011, e tem sido posteriormente reafirmado pela jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal, “a incapacidade funcional, ainda que não impeça o lesado de continuar a trabalhar e ainda que dela não resulte perda de vencimento, reveste a natureza de um dano patrimonial, já que a força de trabalho do homem, porque lhe propicia fonte de rendimentos, é um bem patrimonial, sendo certo que essa incapacidade obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão.” Nesta matéria, ainda, vem sendo salientado por alguma da jurisprudência do STJ, de que constitui exemplo o Ac. STJ de 16.06.2016 (relator Tomé Gomes – vide nota 4) que, citando o Ac. do STJ de 10.10.2012 (relatado por Lopes do Rego, acessível em www.dgsi.pt), cuja lição aqui se segue de perto, que “a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego do lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem uma sequela irreversível das lesões sofridas.” Na verdade, prossegue este último aresto, “a perda relevante de capacidades funcionais [do lesado] – mesmo que não imediata e reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, desse modo, em fonte atual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais…” E, ainda, ali se acrescenta, “nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que ficou a padecer [o lesado], bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas, da vida profissional ou pessoal [do lesado] …” (nosso sublinhado). Por esta mesma razão, isto é, por não se considerar o dano biológico ou dano na saúde apenas na sua vertente laboral, mas ainda na sua vertente pessoal, das atividades diárias e correntes, que não cessam com o termo da vida ativa ou idade da reforma, o horizonte temporal a considerar para efeitos do cálculo do dano patrimonial futuro, em nosso ver, e como tem sido também perfilhado pelo STJ, não pode ser apenas aferido em função da idade da reforma, mas sim pelo termo expectável da vida do lesado, segundo os dados oficiais (esperança média da vida dos indivíduos do sexo masculino nascidos em 1993, como é o caso do autor L. O., em conjugação com a esperança média vida atual). Resulta, pois, do exposto, que esta outra vertente do dano biológico, enquanto privação de outras oportunidades pessoais ou profissionais decorrentes do défice físico-psíquico, não pode deixar de ser considerado no âmbito do ressarcimento a título de danos patrimoniais futuros, influenciando e majorando, portanto, no cálculo equitativo do seu quantum, mas não constituindo, pois, um dano a valorar em uma outra quantia, autónoma ou separada do quantum indemnizatório a fixar em sede de danos patrimoniais futuros, sob pena de constituir, como bem se adverte, entre outros, no Ac. STJ de 17.12.2009, uma “duplicação indemnizatória (…) violadora da lei e dos princípios da equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa”. (6) Assim, tal como resulta da bem fundamentada sentença recorrida, bem andou o Tribunal a quo em, neste particular, fixar a indemnização devida a título de danos patrimoniais futuros (devidos ao autor L. O.), englobando, no mencionado dano biológico (enquanto danos patrimoniais futuros) quer a vertente laboral quer a vertente pessoal indemnizatória, resultante das sequelas sofridas em resultado do acidente em apreço. Por outro lado, ainda, é de realçar a dificuldade e delicadeza subjacente ao cálculo do dano ora em apreço, pois que este obriga, necessariamente, a ter em conta a situação hipotética em que o lesado estaria se não houvesse sofrido a lesão, o que exige a previsão, sempre problemática, de dados que apenas são constatáveis no futuro e por um muito longo período de tempo, como seja a evolução da economia, da produtividade, do emprego, dos salários ou da inflação. De facto, como se afirma, a título exemplificativo, no Ac. do STJ de 26.01.2016, já citado (cfr. nota 4), “é tarefa melindrosa calcular o valor indemnizatório [a título de danos patrimoniais futuros], já que, tirando a idade do lesado, o vencimento que auferia ou não e a incapacidade que o afecta, tudo o mais é aleatório. Com efeito, é inapreensível, agora, qual será o nível remuneratório, a evolução dos níveis dos preços, dos juros, da inflação, o progresso tecnológico com repercussão no emprego, além de outros elementos que influem na retribuição, como por exemplo, os impostos.” Daí que, como tem sido salientado, nos termos do n.º 3 do art. 566º do C. Civil, haja que recorrer a juízos de equidade e verosimilhança, tendo por referência ou critério orientador a obtenção de “um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que seja susceptível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado” (sublinhado nosso). (7) De facto, como se refere no Ac. STJ de 10.11.2016 (relator Lopes do Rego – vide nota 4) “constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos).” Ainda no mesmo sentido, refere-se no citado Ac. STJ de 26.01.2016, com menção de outras decisões do Supremo em igual sentido, que “é entendimento pacífico entre nós que, uma indemnização justa reclama a atribuição de um capital que produza um rendimento mensal que, cubra a diferença entre a situação anterior e a atual, durante o período de vida profissional do lesado, sem esquecer a necessidade de se ter em conta a sua esperança de vida.” (sublinhado nosso). Todavia, importa deixar, desde já assente, que, sem prejuízo do relevo que sempre assumem as usuais tabelas de matemáticas de cálculo do aludido capital – enquanto instrumentos suscetíveis de introduzir uma base objetiva no valor indemnizatório a arbitrar, reduzindo, pois, “ligeirezas decisórias” ou “involuntários subjetivismos” –, o valor alcançado através de tais tabelas sempre terá de ser temperado através do recurso à equidade, que desempenha um papel corretor e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto. De facto, como é também lição da jurisprudência, o recurso a fórmulas matemáticas (sejam elas do método de cálculo financeiro, da capitalização de rendimentos ou outras) é meramente indiciário, não podendo o julgador desvincular-se dos critérios constantes do art. 566º, mormente do seu n.º 3, que impõe que, se o tribunal não estiver em condições de averiguar o montante exato dos danos deve recorrer à equidade. Como se colhe do Ac. STJ de 07.06.2011, antes citado, “a partir dos pertinentes elementos de facto, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de caracter instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso.” Por outro lado, ainda, é de referir que na determinação do quantum indemnizatório correspondente ao citado dano biológico, na vertente de danos patrimoniais futuros, como é posição sucessivamente reiterada pelo nosso mais Alto Tribunal, o tribunal está apenas sujeito aos critérios que emergem do preceituado no Código Civil e, em particular ao critério da equidade, pois que os critérios consagrados na Portaria n.º 377/2008, de 26.05 (ou na Portaria n.º 679/2009, de 25.06, que procedeu à sua alteração/atualização), não obstante possam (ou devam) ser considerados pelo julgador, não se sobrepõem aos que decorrem do restante sistema substantivo e, sobretudo, em primeiro lugar, do Código Civil. De facto, como se pode alcançar da nossa jurisprudência, é pacífico o entendimento de que os critérios previstos nas citadas Portarias não substituem os critérios de fixação da indemnização consignados no Código Civil e não vinculam os tribunais em tal tarefa casuística, visando, sobretudo, em sede de apresentação de proposta célere e razoável por parte das seguradoras ao lesado, a servir de critério orientador para esse confessado fim. (8) Aliás, o próprio preâmbulo do diploma refere expressamente que o objetivo da mesma não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios, mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39º do D.L. n.º 291/2007, de 21.08, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando ainda que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objetividade, a razoabilidade das propostas apresentadas. Sendo assim, a nosso ver, pese embora a publicação das citadas Portarias, a fixação das indemnizações continuará a ser tarefa sobretudo jurisprudencial e a concretização do critério legal da sua fixação (equidade) eminentemente pessoal, tendo, no entanto, por referência, por razões de igualdade e desejável uniformidade jurisprudencial, os valores usualmente aplicados pela nossa mais Alta Jurisprudência em casos idênticos. Dito isto, e definido o quadro normativo que subjaz à determinação do quantum indemnizatório do dano patrimonial futuro de que ora tratamos, no caso dos autos, em termos objetivos, é de considerar, desde logo, os seguintes fatores: · A idade do autor à data do acidente (18 anos); · Auferia (em 2011) o salário mensal de cerca de € 500,00 (14 meses ao ano), sujeito aos normais descontos para a Segurança Social de 11%, e ajudas de custo de € 10,30 por dia de trabalho, sendo este último valor, à data da propositura da ação, de € 14,22; · Atualmente o salário mínimo nacional ascende a € 557,00 mensais (9); · Em virtude das lesões sofridas e das sequelas atuais e permanentes, o autor padece atualmente de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 6 pontos; · Este défice funcional é compatível com o exercício da atividade profissional do Autor, mas implica esforços acrescidos; · Por ter sido sofrido uma fratura articular, é provável a evolução para artrose precoce pós-traumática da rótula direita, a repercutir-se no agravamento do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em valor que ainda não é possível quantificar; · O autor continua a queixar-se de dificuldades em sentar-se sobre o joelho direito, colocar-se na posição de cócoras, colocar o joelho direito no chão, subir e descer escadas, fazer corrida prolongada, manipular e elevar objetos de elevado peso, bem como dores na região antero-inferior do joelho direito com o esforço e mudanças climatéricas, na face anterior e posterior do ombro direito com o esforço e com a mobilização súbita e rápida daquele, assim como falha do joelho direito na flexão rápida do mesmo; · A esperança média de vida dos indivíduos do sexo masculino nascidos em 1990 se cifra, segundo dados disponibilizados pelo INE, em 70,60 anos e, atualmente, para os nascidos em 2015, em 77,60. (10) Por conseguinte, numa análise casuística dos factos antes descritos e de todos os elementos objetivos a ponderar, apreciando-os segundo um juízo de equidade, de acordo com as regras da prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida e tendo presente os valores que, em situações similares, são atribuídos pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, em particular, do Supremo Tribunal de Justiça, julgamos que a indemnização encontrada, neste conspecto, pelo Tribunal a quo se mostra perfeitamente equilibrada e equitativamente adequada, pelo que é de manter o valor da indemnização, devida a título de dano biológico (danos patrimoniais futuros, onde se inclui, portanto, a indemnização devida pela perda parcial de capacidade de ganho), a favor do autor L. O., no montante de € 40.000,00; valor que temos como perfeitamente consentâneo com os valores que o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a atribuir em casos similares ao dos autos. (11) O que, em conclusão ou resumo, significa que improcede, nesta parte, o recurso interposto pela ré recorrente.* A.2) Danos não patrimoniais A questão que importa agora analisar refere-se ao montante dos danos não patrimoniais arbitrado na sentença recorrida, pugnando a ré recorrente pela diminuição da mesma indemnização para o valor não superior a € 15.000,00, ao invés dos € 50.000,00 fixados na sentença recorrida. Neste âmbito, uma vez que a questão é a mesma em ambos os recursos, optar-se-á por conhecer de ambos em simultâneo, como se segue. Como é consabido, os danos não patrimoniais são indemnizáveis, quando pela sua gravidade, sejam merecedores da tutela do direito, conforme decorre do art. 496º, n.º 1, do C. Civil, consequência do princípio geral da tutela geral da personalidade previsto no art. 10º, do mesmo Código. A gravidade mede-se por um padrão objetivo, de normalidade, de bom senso prático, de criteriosa ponderação das realidades da vida, o que afastará, à partida, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais decorrentes de sensibilidades particularmente embotadas ou especialmente requintadas, ou seja anormais ou incomuns. Por outro lado, ainda, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que, em face das circunstâncias concretas do caso, justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. No caso em apreço, não existem dúvidas que as consequências do sinistro relativamente a ambas as autoras assumem evidente gravidade, sendo, por isso, justificativas do seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais. O que está em discussão é, assim, “apenas” a sua fixação em termos de quantitativo pecuniário. Nesta matéria, em primeiro lugar, é de notar que, estando em causa a lesão de interesses imateriais (isto é que não atingem de forma direta ou imediata o património do lesado), o objetivo, em termos de ressarcimento, não é (nem pode ser), face à sua evidente impossibilidade, a reconstituição natural da situação anterior ao sinistro, ou, face à insusceptibilidade da sua avaliação pecuniária, a fixação de um montante pecuniário equivalente ao «mal» sofrido, mas será apenas atenuar, minorar ou, de algum modo compensar os danos sofridos pelo lesado. Neste sentido, refere Antunes Varela, que “ao lado dos danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização.” (12) A indemnização pelo dano em apreço não é uma verdadeira indemnização no sentido de repor, reconstituir as coisas no estado anterior à lesão. Com a indemnização pretende-se dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situações ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, tanto quanto possível, a intensidade da dor física e psíquica. (13) Com efeito, nestas hipóteses, e conforme é posição pacífica da doutrina e da jurisprudência, o que está em causa é a fixação de um benefício material/pecuniário (único possível) que se traduza, pelas utilidades, prazeres ou distrações que proporciona – porventura, de ordem espiritual –, numa compensação ou atenuação pelos bens imateriais antes referidos da pessoa humana (o lesado), atingidos pelo evento. Nesta conformidade, a compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, não pode – por definição – ser feita através da teoria ou fórmula da diferença prevista no art. 566º, n.º 2, do C. Civil. Ao invés, o montante da indemnização, nos termos do disposto no arts. 496º, n.º 3 e 494º do Cód. Civil, deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante, à situação económica do lesante e do lesado, às demais circunstâncias do caso, nomeadamente, por assim o imporem os princípios da proporcionalidade e igualdade, aos critérios e valores usualmente acolhidos na jurisprudência em casos similares. (14) Com efeito, como se refere no citado Ac. STJ de 18.06.2015 (vide nota 13) “não podendo apurar-se o valor exacto de tais danos, atenta a sua natureza, o respectivo montante deverá ser fixado pelo tribunal segundo critérios de equidade (…), fazendo apelo a todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (…) e tendo em atenção a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso (artigos 496º, n.º 3, 1ª parte e 494º do Código Civil).” (sublinhado nosso). E, ainda, prossegue o referido douto aresto, “nos parâmetros gerais a ter em conta considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012 (proc. n.º 3046/09.0TBFIG.S1, acessível em www.dgsi.pt) serem ainda de destacar a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar.” (sublinhado nosso). No entanto, como se adverte no Ac. STJ de 17.12.2015 (15) (e nos variadíssimos arestos ali elencados), a utilização de critérios de equidade não deve impedir que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias de cada caso concreto. Por outro lado, ainda, é de referir que, conforme se colhe da mesma jurisprudência do Supremo, o recurso à equidade não pode, nem deve conduzir à arbitrariedade, não devendo os tribunais “…contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito civil que a afirmação destes vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição.” (16) Por último, é ainda de referir, nesta sede, que à obrigação indemnizatória, a título de danos não patrimoniais, se deve reconhecer, não só um papel de reparação ou compensação, mas também um papel de censura ou punitivo do agente do facto lesivo. Com efeito, como se refere no Ac. STJ de 30.10.96, BMJ 460, pág. 444 (citado no Ac. STJ de 26.01.2016, relator Fonseca Ramos, já citado), “no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização tem uma natureza acentuadamente mista, pois visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada, não lhe sendo, porém, estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.” Tendo presentes as considerações que antecedem, da factualidade provada resulta demonstrado, desde logo, que o autor L. O. não teve qualquer culpa na ocorrência do acidente em causa. Mais se demonstrou que: Ø O autor contava com 18 anos de idade, à data do acidente. Ø Em consequência do acidente, o autor foi internado e assistido no serviço de urgência do Centro Hospitalar, EPE, pelas 21h47 do mesmo dia. Ø Em consequência do acidente apresentava: · amnésia para o sucedido; · ferida da região mentoniana e no lábio inferior, que foram suturados; · escoriação suprapatelar da coxa esquerda; · escoriação na parte superior do joelho esquerdo; · várias escoriações no dorso da mão direita e no punho direito; · grande derrame articular no joelho direito, que foi sujeito a artrocentese para drenagem de 80 cc de líquido hemático, ficando com imobilização de Robert-Jones e aplicação de gelo; · grande GAP supra-patelar, com diagnóstico interrogado de lesão do tendão quadricipital, que não resultou confirmado após realização de ecografia; · fratura da rótula direita com desvio de 2 mm; · queixas de omalgia direita, sem existência de fraturas. Ø Em 23 de Dezembro de 2011 foi submetido a cirurgia de osteossíntese da rótula do joelho direito. Ø Teve alta a 24 de Dezembro, com indicação para acompanhamento pela consulta externa. Ø Em 10 de Fevereiro de 2012, teve consulta de medicina fisiátrica no Centro de Recuperação Funcional tendo sido diagnosticado: i) sistema extensor atrofiado, aderente e encurtado; ii) rótula aderente, crepitante e dolorosa; iii) limitação grave da flexão do joelho. Ø Em 13 de Fevereiro de 2012, iniciou tratamentos de fisioterapia que se prolongaram até 12 de Março seguinte, data em que apresentava um quadricípede mais elástico e realizava extensão de 0º e flexão de 50º-60º. Ø O autor foi assistido nos serviços clínicos da Ré na consulta externa de ortopedia da Casa de Saúde onde, em 21 de Março de 2012, foi operado ao joelho direito EMOS da rótula (retirar platina) e fez infiltração do ombro direito. Ø Após a reabordagem cirúrgica, o autor retomou os tratamentos de recuperação funcional em 5 de Abril de 2012 prolongando-se os mesmos até 30 de Maio seguinte, evidenciando ganhos continuados para a massa/força muscular, bem como para o arco da flexão. Ø Em 30.05.2012, o autor realizava um arco de extensão de 0º e um arco de flexão subtotal que se mantinha sensível no limite e alguma atrofia comparativa do quadricípede. Ø A consolidação das lesões sofridas pelo autor ocorreu a 17 de Julho de 2012. Ø Em 11 de Fevereiro de 2013, o Autor submeteu-se a avaliação das lesões e das sequelas por médico que consultou. Ø Não obstante os tratamentos, o autor ficou a padecer das seguintes sequelas irreversíveis: · mucosa vestibular junto à linha média do lábio inferior mais endurecida e saliente, observando-se escoriação compatível com a ação dos dentes; · cicatriz esbranquiçada, irregular e com alopécia localizada na face anterior do mento, com ligeira reação queloide e ligeira hipostesia, com 1,5 cm, visível à distância social; · cicatriz esbranquiçada com alopécia associada, sem reação queloide e sem queixas sensitivas; · desvio do septo nasal para a direita; · queixas álgicas nos ângulos finais do arco de mobilidade dos movimentos de abdução e flexão anterior do ombro direito; · ténues cicatrizes na face posterior do punho direito; · cicatriz esbranquiçada localizada na face anterior do joelho direito, vertical, sem reação queloide, com hipostesia associada com 13 x 2 cm; · atrofia de 1 cm ao nível dos músculos da perna direita comparativamente ao membro contralateral; · leve crepitação do membro inferior direito com a mobilização, mas com mobilidade articular do joelho mantida e simétrica, provas meniscais e ligamentares negativas e força muscular normal e simétrica; · cicatriz esbranquiçada sem reação queloide nem queixas subjetivas, localizada na face anterior do joelho esquerdo com 1,5 cm de comprimento. Ø Em virtude das sequelas, o Autor ficou a padecer de défice funcional da integridade físico-psíquica de 6 pontos. Ø Em consequência das lesões, no momento do acidente e durante os tratamentos, o autor sofreu dores (quantum doloris) de grau 4 numa escala de 1 a 7. Ø As cicatrizes atrás referidas e a esporádica claudicação associada a queixas álgicas no joelho direito, correspondem a dano estético de grau 4 numa escala de 1 a 7. Ø Por vezes, o autor acorda durante a noite com dores, levantando-se para colocar gelo no joelho direito. Ø O autor sente tristeza por ter deixado de jogar futebol e relembra o acidente quando os amigos o questionam sobre a cessação da atividade desportiva. Ø Antes do acidente, o autor era saudável e não tinha qualquer deficiência. Ø Era alegre, projetava jogar futebol e embora fosse nervoso, a atividade desportiva proporcionava-lhe momentos de descompressão. Ø À data do acidente, o Autor estava inscrito na Associação de Futebol de Braga no escalão de seniores, como atleta do clube denominado “OFC”, de Vila Nova de Famalicão. Ø O autor tinha aspirações a jogar profissionalmente. Ø Devido às dores e edema do joelho direito, o Autor não conseguiu recuperar as condições físicas necessárias para voltar a jogar futebol. Ø O referido em 54. a 56. dos factos provados corresponde a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 5 numa escala de 1 a 7. Ora, perante o sobredito circunstancialismo, tendo em conta a idade do autor L. O., a natureza das lesões, os períodos de internamento e convalescença, os tratamentos a que teve, sucessivamente, de se submeter, as sequelas com que ficou para a sua vida, o quantum doloris de 4/7, o prejuízo estético (dano estético de 4/7) com reflexo na sua via afetiva e social, a repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de 5/7 (sendo que o autor era jogador de futebol e aspirava ser jogados de futebol profissional), a circunstância de não ter tido qualquer culpa na eclosão do acidente e o período de cerca de 5 anos que intercedeu entre o acidente e a sentença proferida em 1ª instância e ponderando casos similares ao dos presentes autos e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência (17), afigura-se-nos equitativamente adequada e equilibrada, a indemnização fixada pelo Tribunal a quo no valor de € 50.000,00, para a reparação dos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, tendo por referência a data da sentença de 1ª instância (19.12.2016), tal como igualmente consta da mesma (cfr. fls. 268 verso). Consideramos, ainda, não ser de acolher os argumentos utilizados pela ré recorrente de que, por um lado, esta indemnização deverá ser diminuída por estar em causa um grau diminuto da culpa do agente, tanto mais que não se nos afigura ser assim tão diminuto, atento à dinâmica do acidente e às regras estradais infringidas pela condutora do veículo segurado na ré; e por, outro lado, a ré ter assumido tratamentos e perdas salariais do autor durante o período de tratamento, porquanto tal situação não é relevar para efeitos da diminuição da indemnização em causa e não tem qualquer respaldo legal, designadamente no estatuído pelo art. 494º, do C. Civil. Pelo que fica dito, improcede igualmente, neste âmbito, o recurso apresentado pela ré recorrente.*B. Dos juros de mora (recurso subordinado do autor) B.1) Da taxa de juros aplicável Nas suas alegações de recurso, o autor veio, desde logo, afirmar que não concorda com a não condenação da ré em pagar ao autor juros de mora no dobro da taxa legal prevista. Para o efeito, invoca que a ré, em sede extrajudicial, por conta dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo autor, apresentou a este, por escrito, uma proposta no montante de € 7.095,55. Defende, pois, que a ré não apresentou uma “proposta razoável”, sobretudo tendo em atenção a flagrante diferença – que é de € 82.904,45 – entre o valor indemnizatório fixado judicialmente e aquela proposta apresentada extrajudicialmente. Nesta medida, conclui assim que a ré deverá ser condenada no pagamento dos juros de mora, em dobro da taxa legal prevista, nos termos do disposto no art. 38º, nºs 3 e 4, do D.L. n.º 291/2007, de 21.08. Neste particular, ficou demonstrado que: Ø Por carta endereçada ao autor, através da gestora de processo P. D., em 23 de Julho de 2012, sob a epígrafe “Assunto: Sinistro em 21.12.2012 – Proposta Consolidada”, a ré comunicou “Atendendo ao sinistro acima mencionado e estando esta seguradora a assumir a responsabilidade no mesmo, dada a sua alta clínica, solicitamos a V. Ex.ª que nos informe com a máxima brevidade se existem ou não despesas médicas ou outras a reclamar a esta seguradora”. Ø A ré procedeu ao pagamento de todas as despesas médicas e hospitalares junto das entidades que prestaram tratamento ao autor, designadamente, ao Centro Hospitalar, EPE, Centro de Recuperação Funcional e Casa de Saúde no Porto. Ø A ré pagou ao autor a quantia de € 5.897,17, a título de perdas salariais, objetos pessoais, despesas diversas, despesas médicas e de transporte. Ø A ré atribuiu alta clínica ao autor em 17 de Julho de 2012. Ø Em 23 de Julho de 2012, a ré, por conta de todos os danos patrimoniais e não patrimoniais que advieram do acidente, apresentou ao autor proposta de indemnização final oferecendo-lhe os seguintes montantes: - indemnização: € 6.716,25; - outras despesas: € 379,30. Ø O médico dos serviços clínicos da ré, que acompanhou a evolução das lesões do autor, no momento da alta, atribuiu-lhe uma IPG de 2 pontos, quantum doloris de 4/7 e dano estético de 3/7. Ora, de acordo com o disposto no art. 38º, n.º 1, do referido D.L. n.º 291/2007, cumpre à seguradora proceder à comunicação da assunção, ou a não assunção, da responsabilidade no prazo referidos na al. e) do n.º 2 e n.º 5 do art. 36º do mesmo diploma, sendo que esta deverá traduzir-se numa “proposta razoável” de indemnização, no caso de a responsabilidade não ser contestada e de o dano sofrido ser quantificável, no todo ou em parte (cfr. ainda art. 39º, n.º 1, do mesmo diploma legal, que é aplicável em idênticos moldes ao art. 38º, n.º 1, referente à regularização de sinistros que envolvam danos corporais). Por seu turno, o n.º 3 do mesmo art. 38º, estatui que, se o montante proposto nos termos da “proposta razoável” for manifestamente insuficiente, são devidos juros no dobro da taxa prevista na lei aplicável ao caso, sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, contados a partir do dia seguinte ao final dos prazos previstos nas disposições identificadas no n.º 1 do mesmo preceito e até à data da decisão judicial ou até à data estabelecida na decisão judicial. Como “proposta razoável” deve ser entendida por “aquela que não gere um desequilíbrio significativo em desfavor do lesado” – art. 38º, n.º 4, do citado D.L. n.º 291/2007. Todavia, o art. 39º, n.º 3, do mesmo diploma legal (regularização de sinistros com danos corporais) dispõe que, “quando a proposta da empresa de seguros tiver sido efetuada nos termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil”, tais juros são devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso e sobre a diferença entre o montante oferecido e o montante fixado na decisão judicial, e, relativamente aos danos não patrimoniais, a partir da data da decisão judicial que torne líquidos os montantes devidos. No caso em apreço, a ré propôs ao autor uma indemnização pelos danos corporais sofridos no valor de € 6.716,25. Mais se demonstrou que o médico dos serviços clínicos que acompanhou a evolução das lesões do autor, no momento da alta atribuiu-lhe uma IPG de 2 pontos, quantum doloris de 4/7 e dano estético de 3/7. O autor defende que não estamos perante uma “proposta razoável”. No entanto, tal como é defendido no Ac. STJ de 07.04.2016 (relatora Maria da Graça Trigo, já citado), apresentada uma proposta de indemnização por danos corporais e consequências deles resultantes, cabe ao lesado alegar e provar que o conteúdo dessa proposta não correspondia aos “termos substanciais e procedimentais previstos no sistema de avaliação e valorização dos danos corporais por utilização da Tabela Indicativa para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil” – cfr. art. 39º, n.º 3, do D.L. n.º 291/2007, de 21.08. Não tendo feito tal prova, tal como lhe competia (art. 342º, n.º 1, do C. Civil), os juros “são os devidos apenas à taxa legal prevista na lei aplicável ao caso”. Assim, ainda que, por razões diversas da sentença recorrida, também não é de acolher, neste segmento, a pretensão recursiva do autor.*B.2) Do início da contagem dos juros Para concluir, resta-nos, pois, conhecer da questão atinente ao início da contagem dos juros de mora no que se refere à indemnização fixada para ressarcimento dos danos não patrimoniais, uma vez que o autor entende que esta deverá ser contabilizada a partir da data da citação da ré e não, conforme o decidido na sentença recorrida a partir da data de tal sentença. Desde já se refere que a apontada indemnização proposta pela ré seguradora se deve ter por incluída ou consumida no valor indemnizatório arbitrado a título de danos patrimoniais futuros/dano biológico e danos não patrimoniais. (18) Relativamente aos danos não patrimoniais, como se vê do antes decidido, o valor arbitrado, a esse título, teve por referência a data da sentença proferida em 1ª instância. Dito de outro modo, o dito valor foi arbitrado em função do valor da moeda à aludida data (19.12.2017). Isso mesmo já consta explicitamente da douta sentença recorrida (cfr. fls. 268 verso), pelo que não se compreende, neste particular, as alegações do autor recorrente subordinado, designadamente quando afirma que, da interpretação da douta sentença recorrida, não resultam sinais de a mesma ter optado pela atualização do montante indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais. Neste âmbito, pronunciou-se, de entre outros, o já citado Ac. STJ de 17.12.2015, o qual, na sua parte final, explicita: «Como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 4 de Junho de 2015, www.dgsi.pt, proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, “os juros de mora não podem transformar-se, nem numa elevação indirecta dos montantes indemnizatórios, nem numa duplicação de indemnizações pela demora no pagamento da indemnização. No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Janeiro de 2009 (www.dgsi.pt, proc. nº 07B4242), disse-se: “No sentido de que os juros de mora se contam desde a data da sentença da 1ª Instância, se a indemnização foi calculada com referência a esse momento, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Dezembro de 2007 (…). Como se escreveu no acórdão deste Supremo tribunal de 23 de Outubro de 2008 (proc. nº 08B2318, em www.dgsi.pt) “pois que a compensação pelos aludidos danos não patrimoniais terá sido [tal como agora o é aqui] concebida de forma actualizada, resultando num cúmulo injustificado a contagem dos juros de mora a partir da citação, já que a respectiva obrigação pecuniária agora em causa cobre todo o dano verificado. De facto, como se diz no acórdão deste STJ de 25/10/2007 – Pº 07B3026 (…), “… se no momento da prolação da decisão, o juiz actualiza o montante do dano liquidado para reparar o prejuízo que o lesado efectivamente sofreu, os juros moratórios, a serem concedidos desde a citação para a acção, representarão uma duplicação de parte do ressarcimento, e este excederá o prejuízo efectivamente verificado”». Consequentemente, conforme sempre foi nosso entendimento e resulta da doutrina firmada pelo Acórdão Uniformizador n.º 4/2002 de 9.05.2002 (publicado no DR Iª série A de 27.06.2002), sobre o aludido valor indemnizatório de € 50.000,00, para ressarcimento dos danos não patrimoniais, porque atualizado por referência à data da sentença de 1ª instância acrescerão juros de mora, à taxa legal (hoje de 4% ao ano), desde aquela data (19.12.2016) – cfr. arts. 559º, n.º 1, 805º, n.º 3 (interpretado restritivamente) 806º, nºs 1 e 2, do C. Civil – assim se mantendo, nesta parte, o já decidido em 1ª instância. Termos em que, improcedem na sua totalidade as apelações em presença. *V-DECISÃO Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedentes os recursos de apelação apresentados pelas partes, confirmando-se, pois, a sentença recorrida. Custas pelos apelantes na proporção fixada na sentença recorrida, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido ao autor.* Guimarães, 02.11.2017 Relator António José Saúde Barroca Penha Des. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha Des. José Manuel Alves Flores 1. Sobre a noção e distinção dentre “danos emergentes” e “lucros cessantes”, vide, por todos, na doutrina, Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, I Vol., 4ª edição, págs. 579-580; Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I Vol., 7ª edição, pág. 337; I. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição, págs. 373-375; e Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª edição, pág. 596. 2. Vide Dario Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, Almedina, pág. 380. 3. Teresa Magalhães e Diogo Pinto da Costa, Avaliação do dano na pessoa em sede de Direito, Perspectivas Actuais., Revista da Faculdade de Direito do Porto, págs. 427, 442 e 443. 4. Por todos, cfr. Ac. STJ de 20.11.2014, proc. n.º 5572/05.0TVLSB.L1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 04.06.2015, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 21.01.2016, proc. n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1, relator Lopes do Rego; Ac. STJ de 26.01.2016, proc. n.º 2185/04.8TBOER.L1.S1, relator Fonseca Ramos; Ac. STJ de 07.04.2016, proc. n.º 237/13.2.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; Ac. STJ de 02.06.2016, proc. n.º 2603/10.6TVLSB.L1.S1, relator Tomé Gomes; Ac. STJ de 16.06.2016, proc. n.º 1364/06.8TBBCL.G1.S2, relator Tomé Gomes; Ac STJ de 10.11.2016, proc. n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, relator Lopes do Rego; Ac. STJ de 14.12.2016, proc. n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; Ac. STJ de 26.01.2017, proc. n.º 1862/13.7TBGDM.P1.S1, relator Oliveira Vasconcelos; Ac. STJ de 16.03.2017, proc. n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; e Ac. STJ de 25.05.2017, proc. n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo, todos acessíveis em www.dgsi.pt. 5. Proc. n.º 160/2002.P1.S1, relator Granja da Fonseca, acessível em www.dgsi.pt. 6. Proc. n.º 340/03.7TBPNH.C1.S1, relator Custódio Montes, disponível em www.dgsi.pt. 7. Vide, neste sentido, por todos, Ac. STJ de 16.06.2016, Ac. STJ de 21.01.2016, Ac. STJ de 7.06.2011, todos antes citados, ou, ainda, Ac. STJ de 26.09.2013, proc. n.º 5505/05.4TVLSB.L1.S1, relator Távora Victor, disponíveis in www.dgsi.pt. 8. Vide, neste sentido, por todos, Ac. STJ de 04.06.2015 e de 07.06.2011, antes citados; Ac. STJ de 16.01.2014, proc. n.º 1269/06.2TBBCL.G1.S1; e Ac. STJ de 07.05.2014, proc. n.º 436/11.1TBRGR.L1.S1, relator João Bernardo, todos disponíveis in www.dgsi.pt. 9. Cfr. elementos disponíveis in www.pordata.pt (Portugal/salário mínimo nacional). 10. Vide elementos disponíveis in www.pordata.pt (Portugal/esperança média de vida à nascença/total/e por sexo com a última atualização de 29.05.2017). 11. Vide, entre todos, os casos retratados no Ac. STJ de 14.12.2016, já citado, relatora Maria da Graça Trigo, que com base nos critérios aí definidos se aceitaria quantia superior a € 30.000,00 como valor indemnizatório por danos patrimoniais futuros, para um lesado de 43 anos, à data do sinistro, sofrendo uma IPP de 11 pontos, agente de inseminação artificial de bovinos, sem rebate profissional; Ac. STJ de 30.03.2017, proc. n.º 2233/10.2TBFLG.P1.S1, relator Olindo Geraldes, em que, em termos gerais, temos uma lesada estudante, à data do acidente, sofrendo um défice funcional de 20 pontos, em resultado do acidente, sem rebate profissional, e onde se considerou adequada uma indemnização por danos patrimoniais futuros em € 60.000,00; e Ac. STJ de 13.07.2017, proc. n.º 3214/11.4TBVIS.C1.S1, relator Tomé Gomes, em que, em termos gerais, temos um lesado com 36 anos, à data do acidente, em resultado do qual ficou com uma IPP de 30%, eletricista, com um salário de € 700,00, também sem rebate profissional, e foi arbitrado um valor indemnizatório a este título de danos patrimoniais futuros de € 100.000,00. 12. Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª edição, pág. 571. No mesmo sentido, ainda, Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 7ª edição, págs. 339-341; e, ao nível jurisprudencial, por todos, e Ac. STJ de 07.06.2011, Ac. STJ de 04.06.2015 e Ac. STJ de 16.06.2016, todos já citados. 13. Neste sentido, cfr. Vaz Serra, BMJ 78, pág. 83 e BMJ 278, pág. 182. 14. Vide, neste sentido, Ac. STJ de 04.06.2015, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, e Ac. STJ de 26.01.2016, relator Fonseca Ramos, ambos já citados; Ac. STJ de 28.01.2016, proc. n.º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; ou, ainda, Ac. STJ de 18.06.2015, proc. n.º 2567/09.9TBABF.E1.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira, todos disponíveis in www.dgsi.pt. 15. Proc. n.º 3558/04.1TBSTB.E1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, acessível em www.dgsi.pt. 16. Vide, ainda, neste sentido, Ac. STJ de 07.04.2016 e Ac. STJ de 18.06.2015, já citados, e, ainda, Ac. STJ de 31.01.2012, Processo n.º 875/05.7TBILLH.C1.S1., relator Nuno Cameira, todos disponíveis in www.dgsi.pt. 17. Neste particular, cfr., entre outros, Ac. STJ de 17.12.2015, Ac. do STJ de 28.01.2016, Ac. STJ de 07.04.2016 e Ac. STJ de 08.06.2017, já citados, que analisam casos semelhantes ao nosso e cujas indemnizações alcançadas, a título de danos não patrimoniais, se situam próximas da fixada nestes autos para o autor Luís Filipe. 18. A igual conclusão chegou-se no citado Ac. STJ de 04.06.2015 (relatora Maria da Graça Trigo).