Apelação nº 1021/11.3 TBABT.E1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora: Relatório (…), solteiro, residente na Rua das (…), nº 74, (…), intentou a presente ação, na forma de processo ordinário, contra (…) – Companhia de Seguros, S.A., com sede na Rua (…), nº (…), (…), pedindo a sua condenação no pagamento da importância de € 446,380,00, sendo € €354.000,00, a título de danos patrimoniais, e € 100.000,00, a pretexto de danos não patrimoniais – mas com a dedução de € 7.620,00, já pagos – acrescida de juros moratórios, contados desde a citação, para tanto articulando factos (acidente de viação) que, em seu critério, fundamentam a sua procedência, a qual foi julgada parcialmente procedente, pelo que em conformidade foi a demandada – ora denominada (…) Companhia de Seguros, S.A. – condenada no pagamento da importância de € 43.130,00, acrescida de juros de mora, “desde a presente sentença até efetivo e integral pagamento” e de “quantia a fixar em sede de liquidação de sentença, referente às intervenções cirúrgicas (extração de material de osteossíntese, artroplastia total da anca e respetivas revisões) a que terá de ser sujeito”. Inconformado com a sentença, apelou o demandante, culminando as suas alegações, com as seguintes “conclusões”: - No dia 12 de Setembro de 2009, pelas 4 horas e 50 minutos, o veículo ligeiro (…), conduzido por (…), despistou-se quando transitava na Estrada Nacional, nº 118, na freguesia de (…), da comarca de Abrantes, sendo nele transportado o recorrente; - Que, em consequência desse despiste, sofreu traumatismo na bacia, traumatismo toráxico com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal à esquerda, traumatismo abdominal fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito, tendo ficado com perturbações cerebrais que lhe provocaram dificuldades de expressão, compreensão e concentração, dificuldades a articulação da fala e em ler e escrever; - O recorrente foi assistido no Hospital Distrital de Abrantes e operado no Hospital de Santa Maria, tendo estado internado nos dois hospitais, durante 83 dias; - E foi operado à fratura do acetábulo direito, que foi fixada com placas e parafusos; - Meses depois do acidente, o recorrente recuperou parcialmente a dorsiflexão do pé direito; - Mas ficou com claudicação na marcha, com rigidez da anca direita e com consolidação viciosa do acetábulo direito e necessidade de cirurgia: artroplastia total da anca direita; - O recorrente perdeu a vontade de viver; - Desanimou; - Ficou com defeitos de memória; - Ficou afetado na sua capacidade de iniciativa; - Passou ano e meio em tratamentos, consultas e observações nos serviços de neurologia, ortopedia, psicologia e fisioterapia do Hospital de Santa Maria e na Clínica (…), Lda., de Abrantes; - Tendo sido sujeito a diversos meios auxiliares de diagnóstico, eletromiogramas, tacs, rx e ressonâncias magnéticas; - O recorrente continua com defeitos de atenção, de capacidade de evocação recente, alteração de caráter depressivo com irritabilidade, diminuição de iniciativa e dos interesses, diminuição da flexibilidade mental e embotamento das respostas emocionais, que ocorrem em consequência a stress pós-trauma; - O recorrente necessita de regular acompanhamento psicoterápico para controlo e condução das suas capacidades de relacionamento e emocionais; - O quantum doloris do recorrente é de 5 pontos em 7; - O dano estético do recorrente é de 2 pontos em 7; - Como consequência do despiste, o recorrente ficou com um deficit funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 16 pontos e com uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer fixável em grau 2 em 7; - O recorrente ficou com limitações das atividades que impliquem marcha, corrida, equilíbrio mono podal à direita e carga com o membro inferior direito; - Com limitações em todas as atividades físicas que envolvam os membros inferiores; - Ao nível das repercussões na atividade profissional, o recorrente ficou com lesões compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas com esforço; - O recorrente irá necessitar de intervenções cirúrgicas à anca direita para extração de material de osteossíntese e artroplastia da anca para revisão posterior da mesma; - Precisando também de assistência médica e de medicamentos toda a vida; - À data de 12 de setembro de 2009, o recorrente era operador ajudante, segundo ano, na empresa (…) – Equipamentos para o Lar, S.A., ganhando em termos médios não menos de € 600,00, resultantes dos salários acrescidos de prémios de produtividade e subsídios; - Quando do despiste, o recorrente tinha 27 anos de idade; - O recorrente, antes do despiste, era um jovem saudável e escorreito, alegre, ativo e trabalhador competente; - Era praticante desportivo, tendo jogado futebol; - Como consequências do acidente, o recorrente coxeia, é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e ficou com limitação da capacidade de iniciativa; - Sofreu dores, incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito, da doença, dos internamentos hospitalares e das dezenas de deslocações que, para tratamentos, teve que fazer entre Tramagal e Lisboa e entre Tramagal e Abrantes; - Terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos decorrentes das limitações com que ficou; - Sem esperança, nem reais possibilidades de readquirir a plenitude das suas capacidades de jovem, nem deixar de ter os sofrimentos perturbações e incómodos que as suas limitações lhe geram; - A orientação uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, no que toca à compensação de danos não patrimoniais, é a de que não podem ser miserabilistas, devendo ser significativas; - E, no que se refere ao deficit funcional permanente da integridade física e psíquica, os lesados de acidentes de viação, como o recorrente, que fiquem com deficit funcional permanente, devem ser devidamente indemnizados mesmo que não se prove que tenham sofrido prejuízos imediatos nos rendimentos de trabalho; - Os lesados só têm que provar que sofreram IPP. Não precisam de alegar sequer perda de rendimentos; - Considerando o apontado deficit (de 16 pontos) com que ficou o recorrente, os seus danos patrimoniais somam € 144.080,00, partindo do princípio de que 42 anos de vida que normalmente terá da data do acidente até completar 70 anos não ganharia menos de € 1.000,00/mês (€ 1.000,00 x 14 meses x 42 anos = € 94.080,00). Acrescem aos € 94.080,00 os € 50.000,00 do custo das intervenções cirúrgicas atrás referidas (conclusão segunda); - Dada a gravidade das suas lesões, dos sofrimentos por que passou e das limitações psíquicas que terá de suportar toda a vida, a compensação dos danos não patrimoniais do recorrente não se fará corretamente com menos de € 150.000,00; - Pelo que se deve atribuir ao recorrente a indemnização global de € 294.080,00; - A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 483.º, 496.º e 562.º do Código Civil; - Por isso, deve ser revogada, substituindo-se por outra que atribua ao recorrente a dita indemnização de € 294.080,00. Contra-alegou a apelada, sustentando a manutenção do decidido. Face às conclusões das respetivas alegações, o objeto dos recursos circunscrevem-se à apreciação da seguinte questão: o invocado erro na aplicação do direito aos factos apurados (quantificação dos danos). Foram colhidos os vistos legais. Fundamentação A - Os factos Na sentença recorrida foi considerado provado o seguinte quadro factual: - No dia 12 de Setembro de 2009, pelas 4 horas e 50 minutos, o automóvel ligeiro de passageiros com matrícula (…) transitava a Estrada Nacional 118, na freguesia de (…), no sentido (…)-Tramagal, sendo conduzido por (…), sendo nele transportado o Autor (…); - O condutor do veículo de matrícula (…) seguia com uma taxa de álcool no sangue de 1,93 g/l; - Ao km 133,880, ao descrever uma curva, o condutor (…) perdeu o controlo do veículo de matrícula (…), que se despistou e saiu da estrada para o seu lado esquerdo, considerando o sentido de marcha em que seguia; - No local do despiste, existia iluminação pública e a velocidade máxima a que se podia circular era de 50 km/h; - No local, a faixa de rodagem tinha uma largura de 6,15 metros e o eixo da via encontrava-se delimitado por traço contínuo; - Em consequência do despiste do veículo de matrícula (…), o Autor (…) ficou com: traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito; - O Autor (…) ficou com perturbações cerebrais, que lhe provocaram dificuldades de expressão, compreensão e concentração, dificuldades na articulação da fala em ler e escrever; - Foi assistido no Hospital Distrital de Abrantes e assistido no Hospital de Santa Maria; - Tendo estado internado nos dois hospitais, durante 83 dias; - Foi operado à fratura do acetábulo direito, que foi fixada com placas e parafusos; - Meses depois do acidente, recuperou parcialmente a dorsiflexão do pé direito; - O Autor (…) ficou com claudicação na marcha; - O Autor (…) ficou com rigidez da anca direita; - Com consolidação viciosa do acetábulo direito e necessidade de cirurgia: artoplastia total da anca; - O Autor perdeu a vontade de viver; - Desanimou; - Ficou com defeitos de memória; - Ficou afetado na sua capacidade de iniciativa; - Passou ano e meio em tratamentos, consultas e observações nos serviços de neurocirurgia, ortopedia, psicologia e fisioterapia do Hospital de Santa Maria e na Clinica (…), Lda., de Abrantes; - Tendo sido sujeito a diversos meios auxiliares de diagnóstico: eletromiogramas, tacs, rx e ressonâncias magnéticas; - O Autor (…) continua com defeitos de atenção, de capacidade de evocação recente, alteração de caráter depressivo com irritabilidade, diminuição de iniciativa e dos interesses, diminuição da flexibilidade mental e embotamento das respostas emocionais, que ocorrem em consequência de stress pós-trauma; - O Autor (…) necessita de regular acompanhamento psicoterápico para controlo e condução das suas capacidades de relacionamento e emocionais; - O quantum doloris do Autor (…) é de 5 pontos em 7; - O dano estético do Autor (…) é de 2 pontos em 7; - Como consequência do despiste, o Autor (…) ficou com um deficit funcional permanente da integridade fisico-psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas atividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7; - O Autor (…) ficou com limitações das atividades que impliquem marcha, corrida, equilíbrio mono podal à direita e carga com o membro inferior direito; - Com limitações em todas as atividades físicas que envolvam os membros inferiores; - Ao nível das repercussões na atividade profissional, o Autor (…) ficou com lesões compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas com esforço; - O Autor (…) irá necessitar de intervenções cirúrgicas à anca direita, para extração de material de osteossíntese e artroplastia total da anca, e para revisão posterior da mesma; - Precisando também de assistência médica e de medicamentos toda a vida; - À data de 12 de setembro de 2009, o Autor (…) era operador ajudante, segundo ano, na empresa (…) – Equipamentos para o Lar, S.A., ganhando, em termos médios, não menos de € 600,00, resultantes de salários, acrescidos de prémios de produtividade e subsídios; - Quando do despiste, o Autor (…) tinha 27 anos de idade; - O Autor (…), antes do despiste, era um jovem saudável e escorreito, alegre e divertido e trabalhador competente; - Era praticante desportivo, tendo jogado futebol; - Como consequência do despiste, o Autor (…) coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; - Sofreu incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito, da doença, dos internamentos hospitalares e das dezenas de deslocações que, para tratamentos, teve que fazer entre Tramagal e Lisboa e entre Tramagal e Abrantes, - Terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos decorrentes das limitações que ficou; - Sem esperanças, nem possibilidades de readquirir a plenitude das suas capacidades de jovem, nem de deixar de ter os sofrimentos, perturbações e incómodos que as suas limitações lhe geram; - Em assistência médico-medicamentosa, o Autor (…) terá gastos anuais não inferiores a € 250,00; - Por contrato de seguro, titulado pela apólice nº Au (…) foi transferida para Ré Companhia de Seguros (…), S.A. a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pela circulação do veículo de matrícula (…); - A Ré Companhia de Seguros (…), S.A. custeou a assistência clínica ao Autor (…), pagou-lhe as despesas de tratamentos e deslocações e fez-lhe adiantamentos por conta da indemnização dos seus danos, no montante global de € 7.620,00; - A Companhia de Seguros (…), S.A. foi incorporada, por fusão, na Companhia de Seguros (…), S.A., actualmente, (…), Companhia de Seguros, S.A.. B - O direito Quanto à fixação dos danos não patrimoniais - O dano natural sofrido pelo lesado pode atingir também o campo dos valores de ordem moral (danos não patrimoniais). Porém, a ressarcibilidade destes danos depende de uma gravidade, a medir por um padrão objetivo, “que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado”[1]; - “A indemnização por danos não patrimoniais visa compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, para assim se intentar compensar a lesão sofrida, proporcionando ao ofendido os meios económicos capazes de fazer esquecer, ou pelo menos mitigar, o abalo moral suportado”[2]; - “O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, etc..” Por outro lado, “deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”[3]; - “Os tribunais não estão vinculados, na fixação equitativa dos montantes indemnizatórios a atribuir aos lesados em acidentes de viação, à aplicação das tabelas plasmadas na Portaria nº 377/2008, de 26 de maio, alterada pela Portaria nº 679/2010, de 25 de junho, estas estabelecendo padrões mínimos, a cumprir pelas seguradoras, na apresentação a tais lesados de propostas sérias e razoáveis de regularização dos sinistros, indemnizando o dano corporal” [4]; - “O juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso - e não na aplicação de critérios normativos - deve ser mantido sempre que - situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” [5]. Quanto à fixação dos danos patrimoniais - O reflexo do dano real ou do prejuízo “in natura” sobre a situação patrimonial do lesado pode abarcar não só o causado “nos bens ou direitos já existentes na sua titularidade à data da lesão” (dano emergente), como também “os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas que ainda não tinha direito à data da lesão” (lucros cessantes)[6]; - A indemnização em dinheiro mede-se “pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido”[7]; - “É consensual que a incapacidade permanente parcial é um dano patrimonial porque atinge a força de trabalho de um homem, que é fonte de rendimento e, por conseguinte, um bem patrimonial; e, mesmo que dessa incapacidade não resulte diminuição dos proventos de trabalho, certo é que obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão” [8]; - “ (…) no caso de não haver perda imediata dos rendimentos do lesado, prepondera a equidade na elaboração do cálculo indemnizatório, à semelhança do que sucede na fixação da indemnização por danos não patrimoniais [9]; - “O dano patrimonial futuro deve calcular-se com recurso à equidade, segundo critérios de verosimilhança e de probabilidade, de acordo com o que é normal acontecer, segundo o curso normal das coisas;” [10]; a equidade “funciona como primeiro critério na avaliação dos danos não patrimoniais (…) e como critério residual - para a falta de prova de dados concretos - na avaliação dos danos patrimoniais (…)”[11]. C- Aplicação do direito aos factos apurados Quanto à fixação dos danos não patrimoniais Na petição inicial, o recorrente Pedro Filipe Rodrigues quantificou os danos não patrimoniais em € 100.000,00. Contudo, o Tribunal recorrido fixou-os em € 38.500,00, correspondente à soma das parcelas de € 32.500,00 (dano biológico), € 4.000,00 (preço da dor) e € 2.000,00 (dano estético). Os factos apurados – não impugnados dos pelas partes –, com relevância para a quantificação dos danos não patrimoniais, são os seguintes: em consequência do despiste do veículo, o recorrente (…) sofreu traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito; ficou com perturbações cerebrais, que lhe provocaram dificuldades de expressão, compreensão e concentração, dificuldades na articulação da fala em ler e escrever; esteve internado, durante 83 dias; ficou com claudicação na marcha e com rigidez da anca direita; perdeu a vontade de viver, desanimou; ficou com defeitos de memória e afetado na sua capacidade de iniciativa; continua com defeitos de atenção, de capacidade de evocação recente, alteração de caráter depressivo com irritabilidade, diminuição de iniciativa e dos interesses, diminuição da flexibilidade mental e embotamento das respostas emocionais; o quantum doloris foi de 5 pontos em 7 e o dano estético é de 2 pontos em 7; ficou com um deficit funcional permanente da integridade físico-psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas atividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7; ficou com limitações das atividades que impliquem marcha, corrida, equilíbrio mono podal à direita e carga com o membro inferior direito, com limitações em todas as atividades físicas que envolvam os membros inferiores; aquando do despiste, tinha 27 anos de idade; era saudável e escorreito, alegre, divertido e praticante desportivo, tendo jogado futebol; agora, coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; sofreu incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito; terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos decorrentes das limitações que ficou. A gravidade dos danos descritos é, pois, inquestionável. Como tal, justifica-se a concessão ao recorrente (…) de uma satisfação de ordem pecuniária de montante suficiente para, no decurso da sua vida – em princípio, ainda longa – fazer esquecer, para além das dores já sofridas e a sofrer, certamente, as sequelas físicas e psíquicas deixadas pelo acidente. Em casos com alguma similitude com a dos presentes autos, o Supremo Tribunal de Justiça fixou a indemnização por danos não patrimoniais, em € 30.000,00 e € 25.000,00[12]. Ora, sendo as consequências para o recorrente (…) mais graves que as tidas em consideração nos acórdãos antes mencionados – acréscimo de sequelas físicas, na área da locomoção – fixa esta Relação, em nome da “segurança na aplicação do direito” e do “princípio da igualdade” e tendo ainda em consideração ”as regras de boa prudência, de bom sendo prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”, a compensação por danos não patrimoniais sofridos pelo dito lesado em € 50.000,00. Procede, assim, ainda que parcialmente, esta parte do recurso. Quanto à fixação dos danos patrimoniais Nesta área, a única facticidade alegada – também não impugnada pelas partes – foi a seguinte: em assistência médico-medicamentosa, o recorrente (…) terá gastos anuais não inferiores a € 250,00; ao nível das repercussões na atividade profissional, ficou com lesões compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas com esforço; à data de 12 de Setembro de 2009, era operador ajudante, segundo ano, na empresa (…) – Equipamentos para o Lar, S.A., ganhando, em termos médios, não menos de € 600,00, resultantes de salários, acrescidos de prémios de produtividade e subsídios. Daqui decorre que o dito recorrente não deixou de poder executar o seu trabalho. Apenas, o executa com mais esforço. Quanto ao primeiro segmento dos danos patrimoniais – gastos anuais não inferiores a € 250,00 – estão os mesmos contemplados na decisão recorrida, em moldes que não foram alvo de contestação. No que concerne ao segundo – dano material decorrente de maior esforço na actividade profissional –, importa, de forma residual, recorrer, também, à equidade, dada “a falta de prova de dados concretos”. Assim, executando os critérios que lhe dão forma, fixa-se, nesta área, a indemnização de € 20.000,00 [13]. Decisão Pelo exposto, decidem os Juízes desta Relação, julgando a apelação parcialmente procedente e alterando, em consequência, a sentença recorrida, fixar a indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais em € 82.500,00 (€ 50.000,00 + € 20.000,00 + € 12,500,00), mantendo-se a parte restante da mesma decisão. Custas pelas partes, tendo em consideração o respetivo decaimento. Évora, 16 de Abril de 2015 Sílvio José Teixeira de Sousa Rui Manuel Machado e Moura Maria da Conceição Ferreira __________________________________________________ [1] Artigo 496º., nºs 1 e 3 do Código Civil e Prof. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 3ª edição, pág. 500, e acórdão do STJ, de 23 de Fevereiro de 2012 (processo nº 31/05.4 TAALQ.L2S1), in www.dgsi.pt.. [2] Acórdão do STJ, de 29 de Janeiro de 2008, in www.dgsi.pt.. [3] Artigos 566º., nº 2 e 496º., nº 1 e 3 do Código Civil, Prof. Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, vol. I, 3ª edição, págs. 500 e 502, e acórdão do STJ de 23 de Fevereiro de 2012 (processo nº 31/05.4 TAALQ.L2S1), in www.dgsi.pt.. [4] Acórdão do STJ de 16 de Janeiro de 2014 (processo nº 1269/06.2 TBBCL.G1.S1), in www,dgsi.pt.. [5] Acórdão do STJ de 27 de maio de 2010 (processo nº 408/2002.P1.S1), in www.dgsi.pt (no mesmo sentido o acórdão do STJ de 7 de Janeiro de 2010 (processo nº 5095/04.5 TBVNG.P1.S1.) no mesmo portal, [6] Artigo 564º., nº 1 do Código Civil e Prof. Antunes Varela, in Das obrigações em geral, vol. I, 3ª edição, pág. 494. [7] Artigos 562º. e 566º., nºs 1 e 2 do Código Civil e Prof. Antunes Varela, in Das obrigações em geral, vol. I, 3ª edição, pág. 778. [8] Acórdão do STJ de 7 de Janeiro de 2010 (processo nº 5095/04.5 TBVNG.P1.S1.), in www.dgsi.pt.. [9] Acórdão do STJ de 3 de maio de 2005 (processo nº 04B470), in www.dgsi.pt.. [10] Acórdão do STJ de 30 de Outubro de 2007 (processo nº 07A3340), in www.dgsi.pt.. [11] Acórdão do STJ de 3 de Outubro de 2003 (processo nº 03B1976), in www.dgsi.pt. e artigos 496º., nº 3 e 566º., nº 3 do Código Civil. [12] (processos nºs 31/05.4 TAALQ.L2,S1 e 153/06.4 TBLSA.C1,S1, decididos em 23 de Fevereiro de 2013 e 7 de Janeiro de 2010). [13] Acórdão do STJ de 7 de Janeiro de 2010 (processo nº 5095/04.5 TBVNG.P1.S1.), in www. dgsi.pt..
Apelação nº 1021/11.3 TBABT.E1 Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Évora: Relatório (…), solteiro, residente na Rua das (…), nº 74, (…), intentou a presente ação, na forma de processo ordinário, contra (…) – Companhia de Seguros, S.A., com sede na Rua (…), nº (…), (…), pedindo a sua condenação no pagamento da importância de € 446,380,00, sendo € €354.000,00, a título de danos patrimoniais, e € 100.000,00, a pretexto de danos não patrimoniais – mas com a dedução de € 7.620,00, já pagos – acrescida de juros moratórios, contados desde a citação, para tanto articulando factos (acidente de viação) que, em seu critério, fundamentam a sua procedência, a qual foi julgada parcialmente procedente, pelo que em conformidade foi a demandada – ora denominada (…) Companhia de Seguros, S.A. – condenada no pagamento da importância de € 43.130,00, acrescida de juros de mora, “desde a presente sentença até efetivo e integral pagamento” e de “quantia a fixar em sede de liquidação de sentença, referente às intervenções cirúrgicas (extração de material de osteossíntese, artroplastia total da anca e respetivas revisões) a que terá de ser sujeito”. Inconformado com a sentença, apelou o demandante, culminando as suas alegações, com as seguintes “conclusões”: - No dia 12 de Setembro de 2009, pelas 4 horas e 50 minutos, o veículo ligeiro (…), conduzido por (…), despistou-se quando transitava na Estrada Nacional, nº 118, na freguesia de (…), da comarca de Abrantes, sendo nele transportado o recorrente; - Que, em consequência desse despiste, sofreu traumatismo na bacia, traumatismo toráxico com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal à esquerda, traumatismo abdominal fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito, tendo ficado com perturbações cerebrais que lhe provocaram dificuldades de expressão, compreensão e concentração, dificuldades a articulação da fala e em ler e escrever; - O recorrente foi assistido no Hospital Distrital de Abrantes e operado no Hospital de Santa Maria, tendo estado internado nos dois hospitais, durante 83 dias; - E foi operado à fratura do acetábulo direito, que foi fixada com placas e parafusos; - Meses depois do acidente, o recorrente recuperou parcialmente a dorsiflexão do pé direito; - Mas ficou com claudicação na marcha, com rigidez da anca direita e com consolidação viciosa do acetábulo direito e necessidade de cirurgia: artroplastia total da anca direita; - O recorrente perdeu a vontade de viver; - Desanimou; - Ficou com defeitos de memória; - Ficou afetado na sua capacidade de iniciativa; - Passou ano e meio em tratamentos, consultas e observações nos serviços de neurologia, ortopedia, psicologia e fisioterapia do Hospital de Santa Maria e na Clínica (…), Lda., de Abrantes; - Tendo sido sujeito a diversos meios auxiliares de diagnóstico, eletromiogramas, tacs, rx e ressonâncias magnéticas; - O recorrente continua com defeitos de atenção, de capacidade de evocação recente, alteração de caráter depressivo com irritabilidade, diminuição de iniciativa e dos interesses, diminuição da flexibilidade mental e embotamento das respostas emocionais, que ocorrem em consequência a stress pós-trauma; - O recorrente necessita de regular acompanhamento psicoterápico para controlo e condução das suas capacidades de relacionamento e emocionais; - O quantum doloris do recorrente é de 5 pontos em 7; - O dano estético do recorrente é de 2 pontos em 7; - Como consequência do despiste, o recorrente ficou com um deficit funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 16 pontos e com uma repercussão nas atividades desportivas e de lazer fixável em grau 2 em 7; - O recorrente ficou com limitações das atividades que impliquem marcha, corrida, equilíbrio mono podal à direita e carga com o membro inferior direito; - Com limitações em todas as atividades físicas que envolvam os membros inferiores; - Ao nível das repercussões na atividade profissional, o recorrente ficou com lesões compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas com esforço; - O recorrente irá necessitar de intervenções cirúrgicas à anca direita para extração de material de osteossíntese e artroplastia da anca para revisão posterior da mesma; - Precisando também de assistência médica e de medicamentos toda a vida; - À data de 12 de setembro de 2009, o recorrente era operador ajudante, segundo ano, na empresa (…) – Equipamentos para o Lar, S.A., ganhando em termos médios não menos de € 600,00, resultantes dos salários acrescidos de prémios de produtividade e subsídios; - Quando do despiste, o recorrente tinha 27 anos de idade; - O recorrente, antes do despiste, era um jovem saudável e escorreito, alegre, ativo e trabalhador competente; - Era praticante desportivo, tendo jogado futebol; - Como consequências do acidente, o recorrente coxeia, é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e ficou com limitação da capacidade de iniciativa; - Sofreu dores, incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito, da doença, dos internamentos hospitalares e das dezenas de deslocações que, para tratamentos, teve que fazer entre Tramagal e Lisboa e entre Tramagal e Abrantes; - Terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos decorrentes das limitações com que ficou; - Sem esperança, nem reais possibilidades de readquirir a plenitude das suas capacidades de jovem, nem deixar de ter os sofrimentos perturbações e incómodos que as suas limitações lhe geram; - A orientação uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, no que toca à compensação de danos não patrimoniais, é a de que não podem ser miserabilistas, devendo ser significativas; - E, no que se refere ao deficit funcional permanente da integridade física e psíquica, os lesados de acidentes de viação, como o recorrente, que fiquem com deficit funcional permanente, devem ser devidamente indemnizados mesmo que não se prove que tenham sofrido prejuízos imediatos nos rendimentos de trabalho; - Os lesados só têm que provar que sofreram IPP. Não precisam de alegar sequer perda de rendimentos; - Considerando o apontado deficit (de 16 pontos) com que ficou o recorrente, os seus danos patrimoniais somam € 144.080,00, partindo do princípio de que 42 anos de vida que normalmente terá da data do acidente até completar 70 anos não ganharia menos de € 1.000,00/mês (€ 1.000,00 x 14 meses x 42 anos = € 94.080,00). Acrescem aos € 94.080,00 os € 50.000,00 do custo das intervenções cirúrgicas atrás referidas (conclusão segunda); - Dada a gravidade das suas lesões, dos sofrimentos por que passou e das limitações psíquicas que terá de suportar toda a vida, a compensação dos danos não patrimoniais do recorrente não se fará corretamente com menos de € 150.000,00; - Pelo que se deve atribuir ao recorrente a indemnização global de € 294.080,00; - A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 483.º, 496.º e 562.º do Código Civil; - Por isso, deve ser revogada, substituindo-se por outra que atribua ao recorrente a dita indemnização de € 294.080,00. Contra-alegou a apelada, sustentando a manutenção do decidido. Face às conclusões das respetivas alegações, o objeto dos recursos circunscrevem-se à apreciação da seguinte questão: o invocado erro na aplicação do direito aos factos apurados (quantificação dos danos). Foram colhidos os vistos legais. Fundamentação A - Os factos Na sentença recorrida foi considerado provado o seguinte quadro factual: - No dia 12 de Setembro de 2009, pelas 4 horas e 50 minutos, o automóvel ligeiro de passageiros com matrícula (…) transitava a Estrada Nacional 118, na freguesia de (…), no sentido (…)-Tramagal, sendo conduzido por (…), sendo nele transportado o Autor (…); - O condutor do veículo de matrícula (…) seguia com uma taxa de álcool no sangue de 1,93 g/l; - Ao km 133,880, ao descrever uma curva, o condutor (…) perdeu o controlo do veículo de matrícula (…), que se despistou e saiu da estrada para o seu lado esquerdo, considerando o sentido de marcha em que seguia; - No local do despiste, existia iluminação pública e a velocidade máxima a que se podia circular era de 50 km/h; - No local, a faixa de rodagem tinha uma largura de 6,15 metros e o eixo da via encontrava-se delimitado por traço contínuo; - Em consequência do despiste do veículo de matrícula (…), o Autor (…) ficou com: traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito; - O Autor (…) ficou com perturbações cerebrais, que lhe provocaram dificuldades de expressão, compreensão e concentração, dificuldades na articulação da fala em ler e escrever; - Foi assistido no Hospital Distrital de Abrantes e assistido no Hospital de Santa Maria; - Tendo estado internado nos dois hospitais, durante 83 dias; - Foi operado à fratura do acetábulo direito, que foi fixada com placas e parafusos; - Meses depois do acidente, recuperou parcialmente a dorsiflexão do pé direito; - O Autor (…) ficou com claudicação na marcha; - O Autor (…) ficou com rigidez da anca direita; - Com consolidação viciosa do acetábulo direito e necessidade de cirurgia: artoplastia total da anca; - O Autor perdeu a vontade de viver; - Desanimou; - Ficou com defeitos de memória; - Ficou afetado na sua capacidade de iniciativa; - Passou ano e meio em tratamentos, consultas e observações nos serviços de neurocirurgia, ortopedia, psicologia e fisioterapia do Hospital de Santa Maria e na Clinica (…), Lda., de Abrantes; - Tendo sido sujeito a diversos meios auxiliares de diagnóstico: eletromiogramas, tacs, rx e ressonâncias magnéticas; - O Autor (…) continua com defeitos de atenção, de capacidade de evocação recente, alteração de caráter depressivo com irritabilidade, diminuição de iniciativa e dos interesses, diminuição da flexibilidade mental e embotamento das respostas emocionais, que ocorrem em consequência de stress pós-trauma; - O Autor (…) necessita de regular acompanhamento psicoterápico para controlo e condução das suas capacidades de relacionamento e emocionais; - O quantum doloris do Autor (…) é de 5 pontos em 7; - O dano estético do Autor (…) é de 2 pontos em 7; - Como consequência do despiste, o Autor (…) ficou com um deficit funcional permanente da integridade fisico-psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas atividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7; - O Autor (…) ficou com limitações das atividades que impliquem marcha, corrida, equilíbrio mono podal à direita e carga com o membro inferior direito; - Com limitações em todas as atividades físicas que envolvam os membros inferiores; - Ao nível das repercussões na atividade profissional, o Autor (…) ficou com lesões compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas com esforço; - O Autor (…) irá necessitar de intervenções cirúrgicas à anca direita, para extração de material de osteossíntese e artroplastia total da anca, e para revisão posterior da mesma; - Precisando também de assistência médica e de medicamentos toda a vida; - À data de 12 de setembro de 2009, o Autor (…) era operador ajudante, segundo ano, na empresa (…) – Equipamentos para o Lar, S.A., ganhando, em termos médios, não menos de € 600,00, resultantes de salários, acrescidos de prémios de produtividade e subsídios; - Quando do despiste, o Autor (…) tinha 27 anos de idade; - O Autor (…), antes do despiste, era um jovem saudável e escorreito, alegre e divertido e trabalhador competente; - Era praticante desportivo, tendo jogado futebol; - Como consequência do despiste, o Autor (…) coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; - Sofreu incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito, da doença, dos internamentos hospitalares e das dezenas de deslocações que, para tratamentos, teve que fazer entre Tramagal e Lisboa e entre Tramagal e Abrantes, - Terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos decorrentes das limitações que ficou; - Sem esperanças, nem possibilidades de readquirir a plenitude das suas capacidades de jovem, nem de deixar de ter os sofrimentos, perturbações e incómodos que as suas limitações lhe geram; - Em assistência médico-medicamentosa, o Autor (…) terá gastos anuais não inferiores a € 250,00; - Por contrato de seguro, titulado pela apólice nº Au (…) foi transferida para Ré Companhia de Seguros (…), S.A. a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pela circulação do veículo de matrícula (…); - A Ré Companhia de Seguros (…), S.A. custeou a assistência clínica ao Autor (…), pagou-lhe as despesas de tratamentos e deslocações e fez-lhe adiantamentos por conta da indemnização dos seus danos, no montante global de € 7.620,00; - A Companhia de Seguros (…), S.A. foi incorporada, por fusão, na Companhia de Seguros (…), S.A., actualmente, (…), Companhia de Seguros, S.A.. B - O direito Quanto à fixação dos danos não patrimoniais - O dano natural sofrido pelo lesado pode atingir também o campo dos valores de ordem moral (danos não patrimoniais). Porém, a ressarcibilidade destes danos depende de uma gravidade, a medir por um padrão objetivo, “que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado”[1]; - “A indemnização por danos não patrimoniais visa compensar realmente o lesado pelo mal causado, donde resulta que o valor da indemnização deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, para assim se intentar compensar a lesão sofrida, proporcionando ao ofendido os meios económicos capazes de fazer esquecer, ou pelo menos mitigar, o abalo moral suportado”[2]; - “O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, etc..” Por outro lado, “deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida”[3]; - “Os tribunais não estão vinculados, na fixação equitativa dos montantes indemnizatórios a atribuir aos lesados em acidentes de viação, à aplicação das tabelas plasmadas na Portaria nº 377/2008, de 26 de maio, alterada pela Portaria nº 679/2010, de 25 de junho, estas estabelecendo padrões mínimos, a cumprir pelas seguradoras, na apresentação a tais lesados de propostas sérias e razoáveis de regularização dos sinistros, indemnizando o dano corporal” [4]; - “O juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso - e não na aplicação de critérios normativos - deve ser mantido sempre que - situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” [5]. Quanto à fixação dos danos patrimoniais - O reflexo do dano real ou do prejuízo “in natura” sobre a situação patrimonial do lesado pode abarcar não só o causado “nos bens ou direitos já existentes na sua titularidade à data da lesão” (dano emergente), como também “os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito, mas que ainda não tinha direito à data da lesão” (lucros cessantes)[6]; - A indemnização em dinheiro mede-se “pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido”[7]; - “É consensual que a incapacidade permanente parcial é um dano patrimonial porque atinge a força de trabalho de um homem, que é fonte de rendimento e, por conseguinte, um bem patrimonial; e, mesmo que dessa incapacidade não resulte diminuição dos proventos de trabalho, certo é que obriga o lesado a um maior esforço para manter o nível de rendimentos auferidos antes da lesão” [8]; - “ (…) no caso de não haver perda imediata dos rendimentos do lesado, prepondera a equidade na elaboração do cálculo indemnizatório, à semelhança do que sucede na fixação da indemnização por danos não patrimoniais [9]; - “O dano patrimonial futuro deve calcular-se com recurso à equidade, segundo critérios de verosimilhança e de probabilidade, de acordo com o que é normal acontecer, segundo o curso normal das coisas;” [10]; a equidade “funciona como primeiro critério na avaliação dos danos não patrimoniais (…) e como critério residual - para a falta de prova de dados concretos - na avaliação dos danos patrimoniais (…)”[11]. C- Aplicação do direito aos factos apurados Quanto à fixação dos danos não patrimoniais Na petição inicial, o recorrente Pedro Filipe Rodrigues quantificou os danos não patrimoniais em € 100.000,00. Contudo, o Tribunal recorrido fixou-os em € 38.500,00, correspondente à soma das parcelas de € 32.500,00 (dano biológico), € 4.000,00 (preço da dor) e € 2.000,00 (dano estético). Os factos apurados – não impugnados dos pelas partes –, com relevância para a quantificação dos danos não patrimoniais, são os seguintes: em consequência do despiste do veículo, o recorrente (…) sofreu traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito; ficou com perturbações cerebrais, que lhe provocaram dificuldades de expressão, compreensão e concentração, dificuldades na articulação da fala em ler e escrever; esteve internado, durante 83 dias; ficou com claudicação na marcha e com rigidez da anca direita; perdeu a vontade de viver, desanimou; ficou com defeitos de memória e afetado na sua capacidade de iniciativa; continua com defeitos de atenção, de capacidade de evocação recente, alteração de caráter depressivo com irritabilidade, diminuição de iniciativa e dos interesses, diminuição da flexibilidade mental e embotamento das respostas emocionais; o quantum doloris foi de 5 pontos em 7 e o dano estético é de 2 pontos em 7; ficou com um deficit funcional permanente da integridade físico-psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas atividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7; ficou com limitações das atividades que impliquem marcha, corrida, equilíbrio mono podal à direita e carga com o membro inferior direito, com limitações em todas as atividades físicas que envolvam os membros inferiores; aquando do despiste, tinha 27 anos de idade; era saudável e escorreito, alegre, divertido e praticante desportivo, tendo jogado futebol; agora, coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; sofreu incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito; terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos decorrentes das limitações que ficou. A gravidade dos danos descritos é, pois, inquestionável. Como tal, justifica-se a concessão ao recorrente (…) de uma satisfação de ordem pecuniária de montante suficiente para, no decurso da sua vida – em princípio, ainda longa – fazer esquecer, para além das dores já sofridas e a sofrer, certamente, as sequelas físicas e psíquicas deixadas pelo acidente. Em casos com alguma similitude com a dos presentes autos, o Supremo Tribunal de Justiça fixou a indemnização por danos não patrimoniais, em € 30.000,00 e € 25.000,00[12]. Ora, sendo as consequências para o recorrente (…) mais graves que as tidas em consideração nos acórdãos antes mencionados – acréscimo de sequelas físicas, na área da locomoção – fixa esta Relação, em nome da “segurança na aplicação do direito” e do “princípio da igualdade” e tendo ainda em consideração ”as regras de boa prudência, de bom sendo prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”, a compensação por danos não patrimoniais sofridos pelo dito lesado em € 50.000,00. Procede, assim, ainda que parcialmente, esta parte do recurso. Quanto à fixação dos danos patrimoniais Nesta área, a única facticidade alegada – também não impugnada pelas partes – foi a seguinte: em assistência médico-medicamentosa, o recorrente (…) terá gastos anuais não inferiores a € 250,00; ao nível das repercussões na atividade profissional, ficou com lesões compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas com esforço; à data de 12 de Setembro de 2009, era operador ajudante, segundo ano, na empresa (…) – Equipamentos para o Lar, S.A., ganhando, em termos médios, não menos de € 600,00, resultantes de salários, acrescidos de prémios de produtividade e subsídios. Daqui decorre que o dito recorrente não deixou de poder executar o seu trabalho. Apenas, o executa com mais esforço. Quanto ao primeiro segmento dos danos patrimoniais – gastos anuais não inferiores a € 250,00 – estão os mesmos contemplados na decisão recorrida, em moldes que não foram alvo de contestação. No que concerne ao segundo – dano material decorrente de maior esforço na actividade profissional –, importa, de forma residual, recorrer, também, à equidade, dada “a falta de prova de dados concretos”. Assim, executando os critérios que lhe dão forma, fixa-se, nesta área, a indemnização de € 20.000,00 [13]. Decisão Pelo exposto, decidem os Juízes desta Relação, julgando a apelação parcialmente procedente e alterando, em consequência, a sentença recorrida, fixar a indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais em € 82.500,00 (€ 50.000,00 + € 20.000,00 + € 12,500,00), mantendo-se a parte restante da mesma decisão. Custas pelas partes, tendo em consideração o respetivo decaimento. Évora, 16 de Abril de 2015 Sílvio José Teixeira de Sousa Rui Manuel Machado e Moura Maria da Conceição Ferreira __________________________________________________ [1] Artigo 496º., nºs 1 e 3 do Código Civil e Prof. Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 3ª edição, pág. 500, e acórdão do STJ, de 23 de Fevereiro de 2012 (processo nº 31/05.4 TAALQ.L2S1), in www.dgsi.pt.. [2] Acórdão do STJ, de 29 de Janeiro de 2008, in www.dgsi.pt.. [3] Artigos 566º., nº 2 e 496º., nº 1 e 3 do Código Civil, Prof. Antunes Varela, in Das Obrigações em geral, vol. I, 3ª edição, págs. 500 e 502, e acórdão do STJ de 23 de Fevereiro de 2012 (processo nº 31/05.4 TAALQ.L2S1), in www.dgsi.pt.. [4] Acórdão do STJ de 16 de Janeiro de 2014 (processo nº 1269/06.2 TBBCL.G1.S1), in www,dgsi.pt.. [5] Acórdão do STJ de 27 de maio de 2010 (processo nº 408/2002.P1.S1), in www.dgsi.pt (no mesmo sentido o acórdão do STJ de 7 de Janeiro de 2010 (processo nº 5095/04.5 TBVNG.P1.S1.) no mesmo portal, [6] Artigo 564º., nº 1 do Código Civil e Prof. Antunes Varela, in Das obrigações em geral, vol. I, 3ª edição, pág. 494. [7] Artigos 562º. e 566º., nºs 1 e 2 do Código Civil e Prof. Antunes Varela, in Das obrigações em geral, vol. I, 3ª edição, pág. 778. [8] Acórdão do STJ de 7 de Janeiro de 2010 (processo nº 5095/04.5 TBVNG.P1.S1.), in www.dgsi.pt.. [9] Acórdão do STJ de 3 de maio de 2005 (processo nº 04B470), in www.dgsi.pt.. [10] Acórdão do STJ de 30 de Outubro de 2007 (processo nº 07A3340), in www.dgsi.pt.. [11] Acórdão do STJ de 3 de Outubro de 2003 (processo nº 03B1976), in www.dgsi.pt. e artigos 496º., nº 3 e 566º., nº 3 do Código Civil. [12] (processos nºs 31/05.4 TAALQ.L2,S1 e 153/06.4 TBLSA.C1,S1, decididos em 23 de Fevereiro de 2013 e 7 de Janeiro de 2010). [13] Acórdão do STJ de 7 de Janeiro de 2010 (processo nº 5095/04.5 TBVNG.P1.S1.), in www. dgsi.pt..