Recorrente: José Recorrida: Quinta X, Lda. Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Quinta X, Lda. intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra José, pedindo que: a) Fosse proferida sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial de venda à A. dos prédios identificados no artigo 2º da p.i., sujeita ao pagamento do remanescente do preço ao Banco A, S.A., a título de distrate de hipotecas que oneram os referidos prédios, e, caso subsista algum valor, o remanescente ao Dr. Joaquim, até ao limite de € 15.000,00; b) Subsidiariamente, se a execução específica se mostrasse impossível, que fosse o R. condenado a restituir à A. o dobro das quantias pagas ao R., a título de sinal e reforço de sinal, correspondente ao valor de € 22.130,62, acrescido de juros legais desde a citação e até integral e efetivo pagamento. Para o efeito, alegou, em suma, que celebrou um contrato promessa de compra e venda com o R., em que este prometeu vender-lhe e a A. prometeu comprar-lhe, vários prédios, pelo preço de € 63.000,00, livres de ónus e encargos. A título de sinal, entregou ao R. a quantia de € 8.000,00. O remanescente do preço seria pago aquando da celebração da escritura pública, e imputado ao pagamento de dívidas do R. elencadas no contrato promessa. Mais tarde, a A. reforçou o sinal com € 3.065,31. Convencionaram também a possibilidade de execução específica do contrato promessa. Embora houvessem acordado que, o contrato prometido devesse ser celebrado até 01-02-2015, porém, por inércia do R. em levar a cabo diligências em ordem a cancelar ónus e encargos que impendiam sobre os prédios prometidos vender, acordaram que, o contrato prometido fosse celebrado logo que estivessem reunidas as condições para o efeito, o que ocorreu em Julho de 2015. Então, a A., que ficara incumbida de marcar a escritura de compra e venda, procedeu a tal marcação e fez a respetiva comunicação ao R., que não compareceu para a celebração da mesma, por duas vezes. Regularmente citado, contestou o R., invocando designadamente a inexistência do pacto social da A. e a nulidade do seu registo, por não estar reconhecida a assinatura do R. no pacto social; mais alegou que foi a A. que não cumpriu o contrato promessa, por não ter marcado a escritura pública até 01-02-2015, o que o levou a resolver tal contrato promessa e a solicitar a desocupação que, com animais, a A. e o gerente desta, fazem dos prédios prometidos vender e a solicitar-lhes o pagamento de uma indemnização de € 100,00 diários, desde 11-04-2014, e em € 200,00 diários a partir de 07-09-2015, até efetiva desocupação dos prédios. Requereu a intervenção principal provocada do gerente da A. a fim de ser responsabilizado solidariamente com a A. pelos prejuízos causados ao réu. Para além de concluir pela improcedência da ação, deduziu ainda reconvenção, pedindo que: · se declarasse a inexistência do pacto social da A. e a nulidade do seu registo, por falta de título válido; · se declarasse a resolução do contrato promessa por incumprimento da autora; · se julgasse o contrato de trabalho ilicitamente resolvido; · a A. e o Interveniente fossem condenados a deixarem as propriedades do R. livres e limpas de animais e coisas que ali se encontram; · a A. e o Interveniente fossem condenados a indemnizarem o R., com € 100,00 diários, desde 11-04-2014, e em € 200,00 diários a partir de 07-09-2015, até efetiva desocupação dos prédios. Replicou a A., invocando ter havido um lapso de escrita no reconhecimento da assinatura do R. no pacto social da A., que simplesmente importa retificar; pugnou pela inadmissibilidade da reconvenção; impugnou o valor atribuído à reconvenção; insurgiu-se contra a intervenção principal requerida; e impugnou alguma da factualidade invocada na reconvenção, tendo alegado, nomeadamente que, a escritura de compra e venda não se celebrou porque os prédios prometidos vender apresentavam penhoras, em consequência do que, foi acordada a prorrogação de prazo para celebração da escritura, diligenciando A. e R., à data em que deveria ser celebrada a escritura, pelo cancelamento dos ónus e penhoras que incidiam sobre os prédios. Foi admitida a intervenção principal provocada de Manuel. O interveniente apresentou o seu articulado, invocando a sua ilegitimidade e impugnando a factualidade que o R. lhe imputava. Findos os articulados, realizou-se audiência prévia, onde, designadamente, se admitiu parcialmente a reconvenção, não sendo admitida na parte respeitante ao pedido reconvencional constante da alínea c), e se identificou o objeto do litígio e os temas da prova. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento. Na sequência, por sentença de 21 de Junho de 2017, veio a julgar-se procedente a ação e, consequentemente, foi determinada a execução específica do contrato-promessa celebrado entre A. e R., declarando-se que a presente sentença produz os efeitos das declarações negociais de compra e venda a que o contrato-promessa dos autos diz respeito, declarando transmitido para a A., o direito de propriedade sobre os prédios identificados no art. 2º, da p.i., destinando-se o preço depositado pela A. a pagar ao Banco A, S.A., a título de distrate das hipotecas que oneram os prédios prometidos vender, e, caso sobre algum valor, o remanescente destinar-se-á a pagar ao Dr. Joaquim, até ao valor de € 15.000,00, e se ainda assim sobrar algum valor, destinar-se-á o mesmo ao R. Mais se decidiu improcedente a reconvenção, absolvendo-se os reconvindos dos pedidos reconvencionais. Inconformado com o assim decidido, veio o réu José interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES a) O Tribunal não teve em conta a questão prévia que demonstra como os Recorridos e o Recorrente chegaram a acordo na celebração do pacto social, do contrato-promessa de compra e venda e do contrato de trabalho, que acabaram por ser violados, incumpridos pelos Recorridos e, em particular, pelo autor do projeto, aqui Recorrido, que apenas teve em mente adquirir para a sua sociedade, a aqui Recorrida sociedade, as propriedades do Recorrente; b) Assim, não teve presente que subjacente aos acordos estavam o cumprimento dos pagamentos das dívidas e a situação do Recorrente, assumidas nos contratos; c) Os Recorridos ao levarem as condições-obrigações a cumprir ao contrato-promessa, bem sabiam que o Recorrente não tinha possibilidades para se libertar; d) Antes tinham consciência da impossibilidade de previamente à escritura o Recorrente não poder libertar-se desses encargos; e) O Recorrente fê-lo na convicção de que, até 1 de Fevereiro de 2015, os Recorridos comunicariam ao Recorrente a marcação da escritura, estariam preparados para cumprir as obrigações assumidas ou até já tinham limpado todas as obrigações assumidas; f) Nada fizeram até 1 de Fevereiro de 2015 e se algo pagaram, que pouco é, foi depois dessa data, em momento algum o Recorrente soube; g) Os Recorridos só marcaram a escritura após o Recorrente ter denunciado ou resolvido, melhor dito, o contrato-promessa de compra e venda, através das cartas enviadas em 27 de Julho de 2015, pois, até aí nada fizeram; h) Aliás, apesar da Recorrida negar os factos ocorridos no dia 25 de Julho de 2015 – quem manda e mandava era o Recorrido que, na sua contestação não nega o que naquela data ocorreu, e que é relevante para a apreciação criteriosa da situação; i) Como se vê da prova testemunhal, que credibilidade, além das declarações do Recorrente que se mostram sérias, lógicas e convincentes, não mostra consistência, são mesmo contraditórias e falsas. É só ver que o Recorrido socorreu-se de apoio judiciário, onde declara não ter rendimentos, não ter carro, não ter quaisquer bens próprios, para na audiência afirmar que se fez fiador a favor da Recorrida sociedade com bens próprios seus sem dizer quando e em que Banco ou em quem. j) Assim, o Tribunal terá de dar como não provado os nºs 19 e 21 da matéria dada como provada, e declarar que o Recorrente não compareceu porque já à data tinha denunciado o contrato-promessa por haver incumprimento desde 1 de Fevereiro de 2015. k) De qualquer modo, sempre assistiria ao Recorrente não aceder ao contrato-promessa por até a essa data, e até já não se fala até 1 de Fevereiro de 2015, pois os Recorridos nunca chamaram os credores descriminados no contrato-promessa para comparecer e receber os seus créditos; l) Ou seja, os Recorridos não cumpriram até ao dia 1 de Fevereiro de 2015 a que se obrigavam a fazer o que consta das cláusulas 4 e 5 do contrato-promessa; m) Finalmente, conjugado o que consta do contrato-promessa com os depoimentos e declarações prestados, e resulta da produção acima transcritas que os Recorridos tinham consciência de que o Recorrente, sem nenhuma capacidade económico-financeira, conhecida deles, sabiam que tinham assumido e iam pagar as obrigações, condição essencial e principal, até à escritura, quando eles, e que o Recorrente desconhecia, não passavam de pessoas ou entidade sem capacidade financeira, sejam ambos os sócios seja o “arquitecto” desta situação, que não tinha, no dizer dele, nem eira nem beira… n) Assim, o Tribunal ao decidir ou validar o direito à execução específica do contrato-promessa a favor dos Recorridos andou em grosseiro erro, ao invés, de declarar que assistiu ao Recorrente declarar que eles entraram em incumprimento e o contrato-promessa estava incumprido em 1 de Fevereiro de 2015 e assim continuou até à denúncia do mesmo, feita com as cartas de 29 de Julho de 2015; o) De resto, além de decidir mal e erradamente em face da matéria provada, o Juiz a quo fez errada interpretação da situação submetida ao Tribunal; Mas não bastasse as conclusões apresentadas, há ainda a acrescentar as seguintes: p) Os Recorridos fixaram o preço da compra e venda das propriedades; q) Mas a Recorrida sociedade assumiu as dívidas, autonomamente, para além daquele preço as dívidas das alíneas c), d) e e) da cláusula 4ª do contrato-promessa; r) Mas o Tribunal, também andou em erro, ao ordenar em consignação em depósito da parte do preço da compra e venda ainda em dívida (referência 30874937), o que significa que o Tribunal nunca analisou criteriosamente o próprio contrato, quer neste aspeto, quer quanto ao que acima se conclui; s) Impunha-se ao Tribunal que ordenasse com verdade à Recorrida que concretizasse o que estava em dívida no âmbito do contrato, para o Recorrente e os credores se pronunciarem e, só depois ordenasse o valor concretamente em dívida; t) E mais conclusões se impunha fazer, mas o Tribunal atento o exposto, em conclusões, não deixará de declarar a improcedência da presente ação, ou no mínimo anular o julgamento com vista a nova produção de prova que é óbvio estará em falta por parte dos Recorridos, uma vez que há omissão de prova, há omissão de pronuncia por parte do Tribunal, além de errada contradição entre o contrato-promessa, o pedido da recorrida e a decisão posta em crise; u) Por isso, a decisão proferida viola os artigos 410º nº 1, 874º, 804º, 805º nº 2, 566º, 562º, 236º e 239º todos do Cód. Civil e artigo 615º nº 1, als. b), c) e d) do Cód. Proc. Civil. Finaliza, pugnando que se declare o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda pelos recorridos, e, ao contrário, declarar-se que o recorrente atempadamente, em face do incumprimento, denunciou e resolveu o contrato, com todas as consequências legais. Ou, se assim não se atender, deverá a decisão ser anulada ou proceder à repetição do julgamento por demais graves as omissões, interpretações e erros na apreciação da prova que levou a tão estranha decisão, cuja revogação ou anulação se impõe.* A autora apelada apresentou contra-alegações, nas quais deduziu as seguintes CONCLUSÕES 1. O recurso da Matéria de Facto deve ser rejeitado, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, do Código Processo Civil; 2. Subsidiariamente, a matéria de facto constante dos n.ºs 19 e 21 dos Factos Provados deve ser considerada como Provada, mantendo-se a douta decisão recorrida, pois inclusive tal matéria resulta de confissão do Recorrente. 3. A mera preclusão do prazo inicialmente previsto no contrato promessa de compra e venda não implicou o incumprimento definitivo de tal contrato. 4. A preclusão do prazo inicialmente previsto não implicou a constituição em mora da Recorrida, mas sim o Recorrente, que não praticou os atos necessários e a que estava obrigado para possibilitar que a venda, sem ónus ou encargos, dos prédios sub judice fosse realizada até à data prevista no contrato promessa. 5. O Recorrente e a Recorrida mantiveram interesse na celebração do contrato prometido. 6. Neste sentido, a resolução do contrato promessa por parte do Recorrente configura um ato ilícito e ineficaz. 7. O preço atribuído pelo Recorrente e pela Recorrida aos prédios sub judice foi de 63.000,00€. 8. A Recorrida pagou a título de sinal e início de pagamento a quantia de 8.000,00€. 9. O remanescente do preço, correspondente a 55.000,00€ (63.000,00€ - 8.000,00€), seria pago através da assunção das responsabilidades do Recorrente, nos termos referidos na cláusula 4ª do contrato promessa. 10. Não havendo pois dúvidas quanto ao preço acordado pelas Partes como contrapartida da venda dos prédios sub judice (63.000,00€) e estando provado que a Recorrida pagou, além do sinal de 8.000,00€, dívidas do Recorrente no valor de 3.065,31€, não podem subsistir dúvidas que o remanescente do preço corresponde a 51.934,69€ (63.000,00€ – 8.000,00€ – 3.065,31€), valor este que a Recorrida efetivamente depositou à ordem dos autos. 11. Esteve bem pois o Tribunal a quo ao julgar procedente a ação intentada pela Recorrida, tendo declarado a execução específica do contrato-promessa celebrado entre a Recorrida e o Recorrente, ou seja, declarado que a sentença recorrida produz os efeitos das declarações negociais de compra e venda a que o contrato-promessa dos autos diz respeito. 12. Ao ter assim decidido, o Tribunal a quo fez uma correta análise da prova produzida e aplicou corretamente o Direito aos factos provados. Termina, defendendo a confirmação da sentença recorrida.* Após os vistos legais, cumpre decidir.* II. DO OBJETO DO RECURSO: O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil). No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso. Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes: Ø Saber se sentença deverá ser considerada nula por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; por oposição entre os fundamentos com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; ou por omissão de pronúncia. Ø Saber se cumpre proceder à alteração da factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal a quo nos moldes preconizados pelo réu. Ø Na sequência, saber se deverá ser realizada outra nova interpretação e aplicação do Direito à nova factualidade apurada, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida.* * III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A) FACTOS PROVADOS O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1 - A A. é uma sociedade comercial que se dedica à suinicultura, produção e comercialização de gado bízaro; 2 - O pacto social da A. foi assinado designadamente pelo R., seu sócio; 3 - No reconhecimento presencial da assinatura do R., em vez de se consignar o reconhecimento da assinatura do R., consignou-se o reconhecimento da assinatura de Manuel, o que se fez por lapso de escrita, pois que o que se queria e se quis reconhecer e o que na verdade se reconheceu, foi a assinatura do R.; 4 - O R. é “proprietário” dos seguintes prédios: a) Prédio rústico, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de … e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º 111, da freguesia de B, C, D e E; b) Prédio rústico, sito em Bouça …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de D e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; c) Prédio rústico, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de D e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; d) Prédio rústico, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de D e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; e) Prédio rústico, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de D e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; f) Prédio rústico, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .., da freguesia de D e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; g) Prédio rústico, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de D e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; h) Prédio rústico, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de D e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; i) Prédio rústico, sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de D e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; j) Prédio urbano, sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de D e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; k) Prédio urbano, sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .., da freguesia de D e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E. 5 - Em 05-12-2014, a A. e o R. celebraram, por escrito, um acordo que designaram por “contrato promessa de compra e venda”; 6 - Em que, o R. prometeu vender à A. e esta prometeu comprar-lhe os prédios identificados em 4, livres de quaisquer ónus, encargos, compromissos ou responsabilidades, nomeadamente de natureza fiscal, bem como totalmente desocupados de pessoas e bens; 7 - Pelo preço de € 63.000,00; 8 - A ser pago da seguinte forma: a) A título de sinal e início de pagamento, a quantia de € 8.000,00, que consignaram já ter sido paga ao Banco A, S.A., em prestações bancárias, e ao R.; b) O remanescente do preço, valor que seria computado no momento da outorga do contrato prometido, seria pago no ato da escritura de compra e venda, a título de distrate ao Banco A, S.A.; c) A A. assumiu as dívidas fiscais do R. referentes aos anos de 2013 e 2014, até ao valor máximo de € 1.000,00, que seria pago no ato da escritura de compra e venda; d) A A. assumiu a dívida do R. a LP, até ao valor máximo de € 2.000,00, que seria pago no ato da escritura de compra e venda; e) E assumiu a dívida do R. ao Dr. Joaquim, referente a honorários forenses deste, até ao valor máximo de € 15.000,00, que seria pago no ato da escritura de compra e venda. 9 - Mais convencionaram que, a escritura de compra e venda se realizaria até 1 de Fevereiro de 2015 e seria marcada pela A., devendo avisar o R. da data, hora e local de celebração da escritura pública, com a antecedência mínima de 8 dias da data da sua realização; 10 - Acordaram ainda que, o incumprimento por qualquer das partes, de alguma das obrigações decorrentes do contrato implicaria, consoante a parte violadora, a perda do sinal ou a sua restituição em dobro, e que, a parte não faltosa poderia, em alternativa e à sua escolha, requerer a execução específica do contrato-promessa; 11 - Convencionaram também que, qualquer alteração ao contrato só seria válida desde que convencionada por escrito, com a menção expressa de cada uma das cláusulas eliminadas e da redação que passava a ter cada uma das aditadas ou modificadas; 12 - Cada uma das partes contratantes obrigou-se a comunicar, por escrito, à outra parte, qualquer alteração à respetiva morada, aceitando expressamente que, até se efetuar tal comunicação, os únicos locais válidos para efeito de se endereçarem as comunicações decorrentes do contrato seriam as constantes do preâmbulo do mesmo, ou seja, Lugar do ..., n º …, Chaves; 13 - Convencionaram também que, a A. podia ocupar os prédios, usufruindo dos mesmos até à realização da escritura pública de compra e venda; 14 - Em 01-02-2015, alguns dos prédios identificados em 4 apresentavam penhoras registadas, sem que o R. tivesse realizado as diligências prévias necessárias ao seu levantamento, razão pela qual não se pôde, nessa data, celebrar a escritura pública de compra e venda dos prédios livres de ónus ou encargos; 15 - Então, de modo a cancelar as penhoras que recaíam sobre os prédios, a pedido do R., já em Abril de 2015, a A. pagou o valor de € 3.065,31, referente às seguintes dívidas do R.: a) Dívida fiscal, no valor de € 791,98; b) Dívida fiscal, no valor de € 429,24; c) Dívida a LP, no valor de € 1.844,09, sendo € 1.500,00 referentes a quantia exequenda devida e € 344,09 referentes a despesas e honorários devidos pelo Réu à senhora agente de execução Maria, nomeada nessa qualidade na ação executiva instaurada pelo Exequente LP, no âmbito da ação executiva que correu termos contra o Réu no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves, sob o processo n.º 374/10.5TBCHV. 16 - Por carta registada com AR, datada de 29-07-2015, enviadas em 06-08-2015, à A. para o Lugar do ..., n º …, em … e ao Interveniente para a Rua do …, n º .., o R. comunicou à A. e ao Interveniente, que denunciava o contrato promessa de compra e venda celebrado em 05-12-2014 e que reclamava uma indemnização pela ocupação que o sócio gerente e a firma vinham fazendo das suas propriedades desde 01-12-2014, com os porcos e cavalos que aí tinham criado, de € 100,00 por cada dia, até à entrega das propriedades limpas de coisas e animais, indemnização que passaria a ser reclamada solidariamente a ambos, em dobro, se no prazo de 30 dias a contar da receção da carta não ficassem livres as propriedades, dado o prejuízo que a situação lhe estava a causar; 17 - Tais cartas foram devolvidas, por não terem sido reclamadas; 18 - A A. marcou a escritura pública de compra e venda para o dia 20 de Agosto de 2015, pelas 15.00 horas, e avisou o R., através de carta datada de 7 de Agosto de 2015; 19 - O R., porque não quis, não compareceu na data e hora designadas para a celebração da escritura pública; 20 - A A. marcou então nova data para a celebração do contrato –prometido e através de carta datada de 9 de Setembro de 2015, comunicou ao R. a marcação da escritura pública de compra e venda para o dia 24 de Setembro de 2015, pelas 13.30 horas, no Cartório Notarial da Dra. Manuela, sito na Praça … Chaves; 21 - O R., porque não quis, não compareceu, na data e hora designadas, no referido Cartório Notarial; 22 - A A. manteve animais nos prédios em causa desde pelo menos Dezembro de 2014 até Novembro de 2016.*B) FACTOS NÃO PROVADOS 1. A. e R. acordaram na prorrogação do prazo para a realização do contrato prometido; 2. No dia 01-02-2015, o R. já havia pago o que devia a LP; 3. O Interveniente mantem, ou manteve, animais nos prédios em causa. * *IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A) Da Nulidade da Sentença A.1) Da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito que a justificam. A primeira questão que importa dirimir, em função das conclusões do recurso, refere-se à alegada nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação de facto e de direito. Resulta do disposto no art. 607º, n.º 3, do C. P. Civil que, na elaboração da sentença, e após a identificação das partes e do tema do litígio, deve o juiz deduzir a fundamentação do julgado, explicitando “os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.” Por seu turno, sancionando o incumprimento desta injunção, prescreve o art. 615º, n.º 1, al. b), do C. P. Civil que é nula a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Na realidade, não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz. (1) Neste sentido, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objetivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto. (2) Todavia, ao nível da fundamentação de facto e de direito da sentença, como é lição da doutrina e da jurisprudência, para que ocorra esta nulidade “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito” (nosso sublinhado). (3) Neste sentido, que é o tradicionalmente perfilhado, referia J. Alberto dos Reis (4), a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.” (sublinhado nosso). (5) Todavia, a nosso ver, no atual quadro constitucional (art. 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas (cfr. art. 154º do C. P. Civil), parece que também a fundamentação de facto ou de direito gravemente insuficiente, isto é, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório. (6) Feitas estas considerações, de todo o modo, no caso em apreço, é nosso entendimento que não ocorre a invocada nulidade por falta de fundamentação de facto e/ou de direito. Com efeito, do teor da decisão recorrida é perfeitamente possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, nomeadamente é possível alcançar, sem particular esforço, que o Juiz a quo definiu concretamente a matéria de facto relevante para a decisão da causa, discriminando ainda a factualidade não considerada provada, apreciando ainda os meios probatórios produzidos, designadamente do ponto de vista documental e testemunhal. Subsequentemente, na mesma decisão, subsumiu a factualidade assente ao Direito, fundamentando juridicamente a decisão em causa, concluindo fundadamente pela procedência da ação e improcedência da reconvenção. Porque tal ocorre, e nesta perspetiva, a fundamentação constante da decisão recorrida é a bastante para a decisão que ali era suposto ser proferida, sendo certo que é perfeitamente claro o enquadramento factual tido por assente e considerado relevante pelo tribunal de 1ª instância, assim como o quadro normativo aplicável e subjacente à decisão, permitindo, pois, aos respetivos destinatários exercer, de forma efetiva e cabal, a sua análise e a sua crítica, suscitando a sua reapreciação, como ora sucede nesta instância. Não pode, pois, sustentar-se que a sentença em crise seja nula por falta de fundamentação de facto e de direito, pois que os pressupostos de facto e de direito que conduziram ao sentido decisório acolhido na mesma sentença se mostram nele evidenciados de forma objetiva, lógica e racional. Realce-se ainda que o recorrente não justifica explicitamente em que medida é que existe falta de fundamentação por parte do tribunal a quo na sentença recorrida. De todo o modo, não podemos, porém, confundir a ausência ou falta de fundamentação com a deficiência da mesma. O recorrente pode, naturalmente, discordar do sentido decisório acolhido na sentença em apreço ou até considerar a fundamentação do mesmo insuficiente ou errónea, designadamente no que se refere à fundamentação ou motivação da decisão da matéria de facto (o que contenderá com a decisão de mérito e que pode conduzir à sua revogação ou alteração), mas não pode sustentar, de forma procedente, que a decisão em crise é nula por falta de fundamentação, sendo que, conforme o exposto, apenas a absoluta ausência ou grave deficiência de fundamentação (de facto e/ou de direito) – de forma que impeça o destinatário de alcançar o quadro factual e jurídico subjacente à decisão em crise – pode levar ao decretamento da nulidade da decisão. Destarte, neste segmento, improcede a apelação.*A.2) Da nulidade da sentença por a sua fundamentação estar em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível De acordo com o disposto na al. c), do n.º 1, do citado art. 615º, do C. P. Civil, a sentença será nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Quanto à hipótese de contradição entre os fundamentos e a decisão, ela bem se compreende, pois que os fundamentos de facto e de direito, que fundamentam ou justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do denominado silogismo judiciário. Trata-se, pois, de a conclusão decisória decorrer logicamente das respetivas premissas argumentativas. Assim sendo, existirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença quando os seus fundamentos conduzam logicamente a conclusão oposta ou diferente da que no mesmo resulta enunciada. A propósito da nulidade de que ora curamos, de forma clara, refere Antunes Varela, em comentário ao preceituado no art. 668º, n.º 1, al. c), do pretérito CPC – correspondente ao atual art. 615º, n.º 1, al. c) do NCPC –, o que está em causa refere-se à “contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão.” (sublinhámos). No fundo, trata-se de “um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.” (7) Trata-se, pois, de um vício lógico, de uma contradição lógica entre a fundamentação convocada e o sentido decisório. A fundamentação aponta, de forma inequívoca, no sentido da procedência da causa e a decisão é a oposta – improcedência da causa –, a fundamentação aponta no sentido da improcedência da causa e a decisão é a oposta – procedência – ou, ainda, a fundamentação aponta num determinado sentido decisório e este último acaba por seguir direção oposta ou contraditória. Tratar-se-á de um vício ostensivo para um leitor minimamente diligente e sagaz em face do conteúdo do ato jurisdicional proferido (despacho/sentença/acórdão) e a respetiva parte decisória final. Em suma, colhendo a lição de J. Alberto dos Reis, “quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, a sentença enferma de vício lógico que a compromete. A lei quer que o juiz justifique a sua decisão. Como pode considerar-se justificada uma decisão que colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia?”. E acrescenta ainda o mesmo autor que há contradição entre os fundamentos e a decisão “quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”. (8) Por sua vez, a sentença será obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e será ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. “Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpetrações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.” (9) Feitas estas considerações e compulsada a sentença recorrida resulta, a nosso ver, evidente que não ocorre a alegada contradição, pois que a argumentação de facto e de direito nela convocada, sem prejuízo de o apelante discordar da sua interpretação ou da sua aplicação, só podia conduzir à decisão que foi proferida no sentido da procedência da ação e da improcedência da reconvenção. Por outro lado, também não vislumbramos em que medida é que a decisão recorrida enferma de ambiguidade ou obscuridade, que a torna ininteligível. O recorrente entende que há contradição entre o contrato-promessa, o pedido da recorrida e a decisão recorrida, mas tal não se mostra bastante para concluir pela verificação da nulidade em causa na decisão recorrida. Naturalmente, o recorrente pode discordar da factualidade que o tribunal a quo considerou relevante para a decisão tomada, como pode sustentar que o mesmo tribunal deveria ter considerado outra factualidade, ou, ainda, pode considerar que a factualidade revelada nos autos não resulta da prova produzida ou que houve erro na interpretação ou valoração da prova produzida e de subsunção jurídica aos factos apurados. Todavia, uma tal argumentação não consubstancia uma qualquer contradição lógica entre os fundamentos de facto e de direito considerados pelo tribunal a quo e, igualmente, qualquer ambiguidade ou obscuridade da sentença recorrida, mas, quando muito, um erro de julgamento («error in iudicando»), que interfere, não com a conformidade lógico-formal da decisão em crise, mas com o seu mérito. Por conseguinte, a questão suscitada pelo apelante não contende, pois, com a nulidade da sentença recorrida, enquanto vício ou erro formal ou de procedimento, mas com a sua fundamentação fáctico-jurídica. Improcede, pois, a apelação do recorrente neste particular.*A.3) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia Nas suas alegações de recurso, o apelante veio invocar a nulidade da sentença recorrida, por “omissão de pronúncia”. Segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Esta previsão legal está em consonância com o comando do art. 608º, n.º 2 do C. P. Civil, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” Importa, no entanto, não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido. De facto, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções deduzidas, desde que se apresentem, à luz das várias e plausíveis soluções de direito, como relevantes para a decisão do objeto do litígio e não se encontrem prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente das questões a decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem “questões” no sentido pressuposto pelo citado art. 608.º, n.º 2 do C. P. Civil. Assim, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui uma nulidade da decisão por falta de pronúncia. Neste sentido, colhendo a lição de J. Alberto dos Reis, refere este Ilustre Professor, que “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.” (…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”. (10) (nosso sublinhado). Este entendimento tem, como é consabido, sido corroborado, há muito, pela jurisprudência que sempre o acolheu defendendo que a não apreciação de um ou mais argumentos aduzidos pelas partes não constitui omissão de pronúncia, porquanto o Juiz não está obrigado a ponderar todas as razões ou argumentos invocados nos articulados para decidir certa questão de fundo, estando apenas obrigado a pronunciar-se “sobre as questões que devesse apreciar” ou sobre as “questões de que não podia deixar de tomar conhecimento”. (11) Quer isto dizer que ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objeto do processo, definido pelo pedido deduzido (à luz da respetiva causa de pedir – cfr. art. 581º, n.º 4, do C. P. Civil, que consagra o denominado princípio da substanciação) e das exceções deduzidas. Terá, pois, de apreciar e decidir as todas as questões trazidas aos autos pelas partes – pedidos formulados, exceções deduzidas, … – e todos os factos em que assentam, mas já não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos nos autos. A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas. Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento ou “error in iudicando”, mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia. Feitas estas considerações prévias, cremos que, in casu, não existe qualquer “omissão de pronúncia” na decisão recorrida. O tribunal de 1ª instância apreciou e decidiu todas as questões jurídicas em discussão, em especial aquelas que as partes trouxeram ao processo através dos factos jurídicos que constituem as causas de pedir, quer da ação quer da reconvenção. Termos em que se considera que não houve qualquer “omissão de pronúncia” na decisão recorrida, improcedendo assim, neste âmbito, a apelação apresentada.* B) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. A questão que importa agora dirimir refere-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida. Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente. Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objeto da impugnação. Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o n.º 1 do art. 640º do C. P. Civil, que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “ (…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.” (sublinhado nosso). Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar ainda o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto. Os aspetos fundamentais que o recorrente deve assegurar neste particular prendem-se com a definição clara do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida). Porém, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador. Assim, como salienta Abrantes Geraldes (12), o Supremo Tribunal de Justiça “vem batalhando precisamente no sentido de evitar os efeitos de um excessivo formalismo que ainda marca alguns acórdãos das Relações, promovendo que o esforço que é aplicável na justificação de soluções que exponenciam aspectos de natureza meramente formal sem suficiente tradução na letra da lei, nem no espírito do sistema, seja canalizado para a efectiva apreciação das impugnações de matéria de facto”. (13) Por outro lado, na fase da admissão formal do recurso de apelação em que é impugnada a decisão da matéria de facto, importa que se estabeleça uma clara separação entre os requisitos formais e os ligados ao mérito ou demérito da pretensão que será avaliado em momento posterior. Deste modo, havendo “sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto, quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos. (14) Tendo, assim, presente este enquadramento legal, cumpre decidir. No caso em apreço, o recorrente cumprindo, no essencial, os apontados requisitos formais, pretende a alteração da factualidade dada como assente, de modo que a factualidade aludida nos nºs 19 e 21 dos factos provados seja dada como não provada; sendo que deve ser declarado (dado como provado) que “o réu recorrente não compareceu [às respetivas escrituras de compra e venda dos prédios prometidos vender] porque já à data tinha denunciado o contrato-promessa, por haver incumprimento desde 1 de Fevereiro de 2015.” O apelante defende, no essencial, que deverá ser atribuído especial credibilidade às declarações de parte do réu recorrente, que no seu entender se mostram sérias, lógicas e convincentes, sendo que a prova testemunhal produzida não mostra consistência, sendo mesma contraditória e falsa. Tendo presente, assim, a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pela recorrente, importa saber se, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise. Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes (15), que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia. Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. De facto, o acesso direto do Tribunal da Relação à gravação integral do julgamento antes efetuado, terá de permitir-lhe, na formação da sua própria e autónoma convicção, sustentada numa análise crítica da prova, para além da apreciação dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente, a ponderação e a reanálise de todos os meios probatórios produzidos, sujeitos às mesmas regras de direito probatório material a que se encontra sujeito o tribunal de 1ª instância, enquanto forma, por um lado, de atenuar a inevitável quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, e, por outro, ainda, de evitar julgamentos descontextualizados ou parciais, submetidos apenas à leitura dos meios probatórios convocados pelo recorrente. Pretende-se, pois, uma visão global, integrada e contextualizada de todos os meios probatórios produzidos, como garantia de uma decisão de facto o mais próxima possível da realidade, sem que tal implique a procura de uma verdade ou de uma certeza naturalística ou absoluta, que é, por princípio, insuscetível de ser alcançada. Por outro lado, ainda, no que se refere à reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos/declarações prestados pelas partes ou por testemunhas ou, ainda, a reapreciação da prova pericial, é de recordar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova (16), princípio que expressamente se consagra no art. 607º, n.º 5, do C. P. Civil. (17) De facto, ao contrário do que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, sem pré-fixação legal do mérito de tal julgamento, mas sempre sendo de exigir que esse mérito decorra de uma apreciação crítica e integrada de todo o acervo probatório produzido, ou seja, de uma ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência humana, da lógica e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso, ponderação essa que deverá ficar plasmada na fundamentação do decidido (art. 607º, n.º 4, do C. P. Civil). Como refere Miguel Teixeira de Sousa (18), a propósito do sistema de prova livre, o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão.” Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. Todavia, face aos atuais poderes da Relação ao nível da reapreciação da decisão de facto, daí não decorre que não possa e não deva o tribunal ad quem analisar, também ele, criticamente, e sujeito às mesmas regras da experiência, da lógica e da ciência, a prova produzida, formando ele próprio, uma nova e autónoma convicção, caso em que, constatando, que ela não é coincidente com a convicção formada pelo Sr. Juiz de 1ª instância, deverá efetuar as correções na matéria de facto que aquela sua convicção lhe imponha. Quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição. Deste modo, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo. (19) Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”. (20) Feitas estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, conhecer da factualidade impugnada pelo recorrente. O tribunal a quo considerou como provado designadamente que: “19 - O R., porque não quis, não compareceu na data e hora designadas para a celebração da escritura pública; 21- O R., porque não quis, não compareceu, na data e hora designadas, no referido Cartório Notarial”. Neste circunspecto, a sentença recorrida fez constar designadamente o seguinte: “A matéria constante de 1, 4, 5 a 13 e 18 a 21, foi confessada e resulta também dos documentos de fls. 19 a 20, 21 a 64 (276 a 294), 65 a 74 e 79 a 88. (…) Resulta de forma manifesta dos documentos juntos aos autos que, em 01-02-2015, alguns prédios prometidos vender estavam onerados com penhoras. Repare-se que, já bem depois de 01-02-2015, mais propriamente em Abril, a A. pagou dívidas do R., a pedido deste, por forma a desonerar os prédios prometidos vender de penhoras, como decorre dos documentos de fls. 75 a 78 (e declarações de CF e do Interveniente). E em 29-05-2015 (fls. 324) o R. requereu à autoridade tributária e aduaneira, o levantamento das penhoras registadas sobre os seus imóveis. Sucede que, o R. comprometeu-se a vender os imóveis livres de ónus ou encargos. E assim sendo, era obrigação do R. desonerar os prédios dos ónus que sobre eles impendiam, por forma a que, em 01-02-2015 sobre eles não incidissem ónus, e assim pudessem ser vendidos livres de ónus. Como o R. não desonerou os prédios onerados, é evidente que, em 01-02-2015 os prédios não podiam ser vendidos livres de ónus e encargos, e, consequentemente, não fazia sentido que a A. anteriormente àquela data tivesse agendado escritura de compra e venda. Dizem-nos as regras da experiência comum, no contexto em causa, que, o contrato prometido não foi celebrado porque a A. queria que a venda fosse feita sem ónus a incidirem sobre os prédios (como contratado) e tal não podia ocorrer, porque incidiam ónus sobre os prédios. Acresce que, CF e o Interveniente imputaram a não celebração da escritura ao facto de os prédios estarem onerados e às delongas do R. em levar a cabo diligências para desonera-los. E não se produziu qualquer prova de que houvesse sido outra a razão pela qual não se celebrou a escritura pública na data agendada para o efeito. Nomeadamente, o R. não adiantou qualquer razão para que não se houvesse celebrado a escritura no dia 01-02-2015. Parece-nos ser ainda de dizer o seguinte: o A., na sua contestação, parece querer imputar o não levantamento dos ónus que impendiam sobre os prédios, ao facto de a A. não haver pago ao R., antes de 01-02-2015, as dívidas que este tinha, o que permitiria desonerar os prédios. Sucede que, em sede de contrato promessa, a A. não assumiu qualquer obrigação de pagamento prévio, de qualquer quantia, ao R. Antes, as obrigações de pagamento assumidas pela A. têm por referência a data da celebração da escritura pública. Ora, se a compra e venda tinha de ser celebrada até 01-02-2015 e se os prédios tinham de ser vendidos livres de ónus, então o R. teria de providenciar por levar a cabo diligências prévias em ordem a desonerar os prédios antes de 01-02-2015, ou, na pior das hipóteses, no momento imediato que antecedesse a realização da escritura, e antes dessa data, a A. nenhuma obrigação assumira de pagar o que quer que fosse ao R. Seja como for, da prova produzida (declarações de CF e do Interveniente) decorre que, os pagamentos que a A. fez de dívidas do R., só tiveram lugar em Abril de 2015 (para dessa forma poder o R. cancelar ónus que impendiam sobre os prédios e assim se poder celebrar a escritura sem que os prédios estivessem onerados), porque o R. nem sequer diligenciou perante a A., antes dessa data (como explicaram), para que esta lhe pagasse tais dívidas. Analisámos a prova produzida, em especial as declarações de parte do réu recorrente, em conjugação com o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente o teor do contrato-promessa celebrado entre as partes, e da mesma não foi possível, de facto, concluir, com a necessária segurança, pela existência de um erro de apreciação relativamente aos pontos de facto impugnados. Como é fácil de ver, a exposição dos motivos que levaram o tribunal a quo a decidir pela verificação da factualidade incluída sob os nºs 19 e 21 dos factos provados é adequadamente esclarecedora, para além de seguir sempre um raciocínio bastante consistente e estruturado. Segundo aqueles princípios de imediação, oralidade e livre apreciação da prova, o tribunal a quo retirou a conclusão que a escritura pública do contrato prometido não se celebrou, na data contratualmente prevista e, posteriormente, nas datas agendadas pela autora, por facto imputável ao réu, sendo certo que, na primeira das ocasiões, ou seja em 01.02.2015, os imóveis prometidos vender pelo réu não se apresentavam livres de ónus e encargos (cfr. designadamente documentos de fls. 276 a 294), para que a respetiva escritura do contrato prometido pudesse ser efetuada, o que não era imputável à autora, porquanto não lhe assistia qualquer dever contratual no sentido de tomar as diligências necessárias ao levantamento desses mesmos ónus e encargos. Por outro lado, é patente até da própria documentação junta (cfr. docs. de fls. 75 a 78) e das declarações de parte do réu que, em data posterior a 01.02.2015, houve diligências no sentido de se celebrar a escritura de compra e venda definitiva, procedendo a autora ao pagamento de dívidas do réu, designadamente junto das Finanças. Ademais, cumpre salientar que o próprio recorrente não põe em causa a factualidade dada como assente sob os nºs 14 e 15, na qual se dá designadamente como provado que, foi o réu que não realizou as diligências prévias necessárias ao levantamento de penhoras que incidiam sobre os imóveis prometidos vender; sendo que, então a pedido do réu, em Abril de 2015, a autora procedeu ao pagamento de valores junto das autoridades fiscais e de LP tendentes ao cancelamento dessas mesmas penhoras. Se o réu sabia que havia penhoras que oneravam o prédio em questão e que tais ónus e encargos inviabilizavam a celebração da escritura definitiva, tendo mesmo pedido à autora que lhe pagassem as dívidas exequendas, em Abril de 2015, não vemos que direito lhe assistiria então em denunciar o contrato-promessa por incumprimento da autora a 01.02.2015. Não obstante, se o réu de facto não compareceu no Cartório Notarial para celebração das ditas escrituras agendadas pela autora para Agosto e Setembro de 2015, foi porque de facto entendeu por bem não o fazer, independentemente das suas razões serem válidas ou não. O que tribunal a quo deu como provado, sob os nºs 19 e 21, foi exatamente essa mesma conclusão que retirou das declarações do réu, ou seja, o mesmo faltou às escrituras porque quis, não porque estava doente e totalmente incapacitado para se deslocar ao respetivo Cartório Notarial. Se o mesmo dispunha ou não de causas contratuais justificativas para faltar a tais escrituras, trata-se de matéria conclusiva, a avaliar pelo tribunal, em sede de decisão de mérito. Daqui resulta, em suma, que este tribunal ad quem não possui qualquer elemento idóneo que possa abalar a livre convicção do tribunal recorrido quanto aos fundamentos da decisão sobre a matéria de facto, que se mostra assim inalterável, face à prova produzida. Deverá pois, soçobrar integralmente a pretensão do recorrente, mantendo-se totalmente inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.*C) Da nova fundamentação de direito O réu recorrente veio ainda invocar nas suas alegações de recurso que o tribunal a quo andou em grosseiro erro ao validar o direito à execução específica do contrato-promessa a favor dos recorridos, em vez de declarar que assistiu ao recorrente declarar que eles se encontravam em incumprimento e o contrato-promessa estava incumprido em 1 de Fevereiro de 2015 e assim continuou até à denúncia do mesmo, feitas com cartas de 29 de Julho de 2015. Ora, acontece que, em face da factualidade dada como assente, não partilhamos desta posição assumida pelo recorrente; antes consideramos que o tribunal a quo fez adequada interpretação do direito à factualidade apurada. Sem querermos ser demasiado exaustivos, cumpre salientar alguns segmentos da decisão recorrida, neste particular, com os quais concordamos, designadamente quando salienta o seguinte: “ (…) Ora, no caso dos autos, o R. entende que, devido ao facto de a A. não ter marcado a escritura de compra e venda em tempo que permitisse celebrá-la até 01-02-2015, data até à qual convencionaram que seria celebrada a referida escritura, incorreu em incumprimento, fundando nesse incumprimento a resolução do contrato promessa que pretende ver declarada. Assentando em que a resolução contratual só pode ocorrer quando houver incumprimento definitivo, não bastando, para o efeito, a simples mora, a questão a colocar é então a de saber se a A. incorreu em incumprimento definitivo do contrato promessa por não ter marcado a escritura de compra e venda, de forma a que a mesma pudesse ser celebrada até 01-02-2015. A dilucidação desta questão (atenta a forma como a configura o R., que invocou que a A. incorreu em incumprimento definitivo pelo facto de não ter marcado a escritura até 01-02-2015) passará por saber se o referido prazo fixado para celebração da escritura constitui um termo fixo (absoluto) ou um termo não fixo (relativo), pois que, só o desrespeito do primeiro conduzirá a uma situação de incumprimento definitivo. Ora, estaremos perante um prazo absoluto, quando as partes fixam um prazo para o cumprimento de determinada obrigação, de modo a que a prestação seja efectuada dentro dele, sob pena de o negócio já não ter interesse para o credor; e estaremos perante um prazo relativo, quando assim não acontece, ou seja, quando pelo simples facto de se ultrapassar o prazo, não se frustra a utilidade económica do contrato, o interesse do credor na sua celebração persiste. (…) Ora, no caso dos autos, não vislumbramos qualquer elemento que aponte no sentido de as partes terem querido atribuir ao prazo fixado para celebração da escritura um carácter de termo fixo (absoluto), antes pelo contrário. (…) Também não vislumbramos qualquer outro fundamento de incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da A. Consequentemente, o facto de a A. não haver marcado a escritura de compra e venda, por forma a que a mesma pudesse ser celebrada até 01-02-2015, não a poderia ter feito incorrer em incumprimento definitivo, mas, quando muito, em mora (afigurando-se-nos que nem esta se verifica, porque foi elidida a presunção de culpa da A., no atraso da marcação da escritura). (…) Não havendo incumprimento definitivo por parte da A., não havia fundamento legal para o R. resolver o contrato promessa, sendo, consequentemente, ilícita a resolução (embora o R. a haja designado por denúncia, que no tipo contratual em causa não tem cabimento legal) que efectuou do contrato, através de declaração feita à R. – art. 436º, n º 1, do C.C., e que, enquanto declaração receptícia, se tornou eficaz logo que chegou ao seu poder e podia ser por ela conhecida, o que aconteceu quando foi deixado aviso na morada indicada no contrato promessa, que as partes convencionaram como sendo a morada para onde deveriam ser endereçadas as comunicações entre elas - Art. 224º, n º 1 e 2, do C.C. Assim, não havia incumprimento definitivo por parte da A., que justificasse a resolução do contrato promessa em causa. Na realidade, como já salientámos supra, da factualidade dada como provada sob os nºs 14 e 15, resulta que foi o réu que não realizou as diligências prévias necessárias ao levantamento de penhoras que incidiam sobre os imóveis prometidos vender, sendo certo que essas mesmas diligências eram, como é óbvio, da sua responsabilidade, tanto mais que os imóveis deveriam ser vendidos pelo réu à autora “… livre de quaisquer ónus, encargos, compromissos ou responsabilidades, nomeadamente de natureza fiscal …” (cfr. cláusula 3ª, ponto 1, do mencionado contrato-promessa). Importa ainda salientar que se nos afigura evidente que, tendo o réu dificuldades financeiras em liquidar algumas das suas dívidas para efeitos de levantamento das penhoras que incidiam sobre os imóveis objeto do contrato-promessa, poderia, pura e simplesmente, pedir um adiantamento dos respetivos montantes à autora e imputar posteriormente no preço devido pela celebração do contrato prometido, tal como aliás estava previsto na cláusula 4ª do contrato-promessa e que acabou por vir a suceder, em data posterior a 01.02.2015. Deste modo, podemos mesmo concluir que, a existir incumprimento na celebração do contrato definitivo em 01.02.2015, este seria imputável ao réu e não à autora. Por outro lado, evidencia-se ainda da mesma factualidade dada como assente, que foi o próprio réu que não considerou que existia incumprimento por parte da autora, mormente ao pedir a esta, em data posterior à data inicialmente prevista para a celebração do contrato definitivo, para que lhe liquidasse dívidas fiscais e a LP, dando assim lugar ao cancelamento de penhoras que incidiam sobre os mesmos prédios, o que veio a ser satisfeito pela autora, em Abril de 2015. Se, depois, passados três meses, em Julho de 2015, veio comunicar à autora que “denunciava” (rectius resolvia) o contrato-promessa, mormente com base na ausência de pagamento daquelas dívidas previstas naquela cláusula 4ª (cfr. docs. de fls. 130 a 135), atua em claro “abuso de direito”, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé – cfr. art. 334º, do C. Civil. De qualquer modo, como é salientado pelo tribunal a quo, só o incumprimento definitivo legítima a resolução do contrato-promessa por parte do promitente cumpridor, pelo que, não se demonstrando tal incumprimento do contrato por parte da autora, não tem o réu direito e consequente fundamento legal para resolver o contrato-promessa celebrado. Por último, o réu recorrente defende que, para além do preço fixado, a autora recorrida assumiu, autonomamente, as dívidas aludidas nas als. c), d) e e) da cláusula 4ª do contrato-promessa em causa. Destarte, insurge-se contra o despacho de consignação em depósito da parte do preço da compra e venda ainda em dívida (que deu origem à consignação pela autora do valor de € 51.934,69 – cfr. fls. 368), pois que se impunha que a recorrida concretizasse o que estava em dívida no âmbito do contrato, para o recorrente e os credores se pronunciarem, e, só depois, se consignasse o valor concretamente em dívida. Esta questão impõe necessariamente que apreciemos qual a interpretação que devemos retirar das declarações negociais constantes do configurado contrato-promessa celebrado entre as partes. No que concerne à interpretação da declaração negocial rege o art. 236º do Código Civil que, consagra a doutrina da impressão do destinatário, dispondo no seu n.º 1 que: “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.” Por sua vez, o n.º 2 do mesmo preceito legal, em consonância com a velha máxima “falsa demonstratio non nocet”, estabelece que: “Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.” Tal como referem Pires de Lima e Antunes Varela (21), “a regra estabelecida no n.º 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2). (...) O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir. Consagra-se assim uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista. (...) A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.” (22) Deste preceito resulta pois que, em consonância com os princípios da proteção da confiança e segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário, a partir da qual a declaração deve ser focada. Realce-se, porém, que a lei não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjetivo deste) e, por isso, concede-se primazia àquele que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário depreenderia (sentido objetivo para o declaratário). Tal como salienta Paulo Mota Pinto (23), “há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este concretamente conheceu (…), e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo”; sendo que o declaratário normal corresponde ao “bonus pater familias”, equilibrado e de bom senso (24); pessoa de qualidades médias, de instrução, inteligência e diligência normais. Por outro lado, no domínio da interpretação dos negócios jurídicos que, no fundo, consiste em “determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com tais declarações” (25), surgem como elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: “a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar, e outras, que precederam a sua celebração ou foram contemporâneas desta, bem como as negociações respetivas; a finalidade prática visada pelas partes; o próprio tipo negocial; a lei e os usos e costumes por ela recebidos.” (26) Também António Menezes Cordeiro defende que, para discernir os elementos ou critérios que integram o “horizonte do destinatário”, temos que considerar, designadamente: “(a) a letra do negócio; (b) os textos circundantes; (c) os antecedentes e a prática negocial, (d) o contexto; (e) o objetivo em jogo; (f) elementos jurídicos extra-negociais.” (27) Por último, cumpre realçar que, nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto (cfr. art. 238º, n.º 1, do C. Civil); ou seja, para que possa valer, o sentido atribuído pelo “declaratário normal” deverá estar expresso, ainda que de forma imperfeita, no próprio texto do documento que serve de suporte à declaração. Todavia, o sentido sem correspondência mínima no texto poderá ainda valer, em casos excecionais, se traduzir a vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (cfr. art. 238º, n.º 2, do C. Civil). Destarte, conforme é salientado pelo Ac. STJ de 22.09.2015 (28), “nos negócios formais, a letra do negócio constitui o primeiro elemento com que o interprete se confronta. Esse elemento literal, porém, não é mais do que a base ou ponto de partida da interpretação. Por mais claros ou unívocos que pareçam, os termos utilizados não dispensam essa tarefa de interpretação, por forma a confirmar ou contrariar essa aparência, considerando outros elementos ou circunstâncias atendíveis, como o comportamento das partes, anterior ou posterior ao negócio, as precedentes relações negociais entre as mesmas partes, o próprio tipo negocial e a finalidade prática prosseguida pelas partes. Por outro lado, o intérprete não deve quedar-se na sua apreciação por expressões ou cláusulas isoladas, mas antes estender a sua análise, atentando no conjunto ou na totalidade da declaração, numa “interpretação complexiva” dessas expressões e cláusulas.” (29) À luz destes critérios interpretativos, importa, pois, ter presente que em causa está um contrato-promessa de compra e venda, celebrado entre as partes, mediante o qual o réu prometeu vender à autora e esta prometeu comprar-lhe determinados imóveis. De facto, dos factos dados como assentes (cfr. nºs 5, 6, 7 e 8 em conjugação com o teor do documento de fls. 65 a 74, cujo teor é aceite integralmente por ambas as partes) temos, pois, como demonstrado que: Em 05-12-2014, a A. e o R. celebraram, por escrito, um acordo que designaram por “contrato promessa de compra e venda”, mediante o qual o R. prometeu vender à A. e esta prometeu comprar-lhe os prédios supra identificados em 4 (dos factos provados), livres de quaisquer ónus, encargos, compromissos ou responsabilidades, nomeadamente de natureza fiscal, bem como totalmente desocupados de pessoas e bens. Trata-se, pois, de um contrato bilateral ou sinalagmático (dele resultam obrigações para ambas as partes), oneroso e formal (a lei impõe a forma escrita – art.º 410º, n.ºs 1 e 2, do C. Civil). Mais se convencionou que o preço da venda dos identificados imóveis ascendia a € 63.000,00 (cfr. cláusula 3ª do mesmo contrato-promessa). Por sua vez, na cláusula 4ª consignou-se que este mesmo preço seria pago da seguinte forma: a) A título de sinal e início de pagamento, a quantia de € 8.000,00, que consignaram já ter sido paga ao Banco A, S.A., em prestações bancárias, e ao R.; b) O remanescente, valor que seria computado no momento da outorga do contrato prometido, seria pago no ato da escritura de compra e venda, a título de distrate ao Banco A, S.A.; c) A A. assumiu as dívidas fiscais do R. referentes aos anos de 2013 e 2014, até ao valor máximo de € 1.000,00, que seria pago no ato da escritura de compra e venda; d) A A. assumiu a dívida do R. a LP, até ao valor máximo de € 2.000,00, que seria pago no ato da escritura de compra e venda; e) E assumiu a dívida do R. ao Dr. Joaquim, referente a honorários forenses deste, até ao valor máximo de € 15.000,00, que seria pago no ato da escritura de compra e venda. Do texto destas duas cláusulas retiramos claramente a interpretação – a qual igualmente resultaria para um declaratário normal – que, estando em causa um contrato-promessa de compra e venda de imóveis, haveria de ser fixado um preço final para a celebração do respetivo contrato definitivo, o qual, in casu, ascendeu a € 63.000,00, tal como aliás resulta, em nosso ver, inequívoco da cláusula 3ª do referido contrato-promessa. Por outro lado, também não resulta da cláusula 4ª do mesmo contrato-promessa que as partes tivessem querido fixar um preço mínimo de € 63.000,00, ao qual se somaria as dívidas referidas nas als. c) a e) da mencionada cláusula 4ª do mesmo contrato-promessa. Por último, cumpre realçar que, de acordo com a cláusula 7ª do mencionado contrato-promessa, sob o ponto 4 ficou consignado que: “No dia útil seguinte àquele em que nos termos do disposto no número anterior a resolução tiver operado, o PRIMEIRO OUTORANTE devolverá à SEGUNDA OUTORGANTE, em dobro, todos os montantes recebidos a título de sinal, previstos na cláusula 4ª do presente contrato, mediante cheque à sua ordem.” (sublinhámos). Por assim dizer, os montantes que o réu eventualmente recebesse por conta das diversas formas previstas nas alíneas da referida cláusula 4ª, deveriam ser reportados sempre como “sinal”, e, como tal, a ser imputado naquele preço já fixado pelas partes de € 63.000,00 para a compra e venda dos identificados imóveis (cfr. arts. 441º e 442º, n.º 1, do C. Civil). Nesta medida, a partir do momento que temos como assente que a autora (promitente compradora) pagou, para além do valor de € 8.000,00 referido na al. a) da cláusula 4ª, dívidas do réu relativas ao Fisco e a LP, no valor global de € 3.065,31 (cfr. n.º 15 dos factos provados), então apenas restaria à autora pagar o valor consignado em depósito de € 51.934,69 (cfr. fls. 368), para perfazer o citado preço de € 63.000,00, fixado no contrato-promessa em causa para pagamento da aquisição dos identificados imóveis, ou seja para satisfação do cumprimento de pagamento do preço a cargo da promitente-compradora na celebração do contrato prometido. É claro, que poderão existir outros valores, designadamente de natureza fiscal, a realizar pela promitente compradora para a realização da escritura definitiva, o que, porém, não está aqui em causa. Concluímos, pois, que deverá soçobrar integralmente a pretensão recursiva do réu. * V. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, pois, a sentença recorrida. Custas pelo apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido. * * Guimarães, 18.01.2018 António José Saúde Barroca Penha Des. Eugénia Marinho da Cunha Des. José Manuel Alves Flores 1. Vide, neste sentido, J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 139. 2. Sobre a fundamentação das decisões judiciais, vide, por todos, Ac. do STJ de 24.11.2015, Processo n.º 125/14.5FYLSB, relator Souto Moura, acessível em www.dgsi.pt. (além da demais jurisprudência citada neste aresto). 3. Vide, neste sentido, por todos, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 687. 4. Ob. citada, Vol. V, pág. 140. 5. Vide, ainda, no mesmo sentido, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 609; e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, págs. 221-222. 6. Vide, neste sentido, Ac. do STJ de 02.03.2011, proc. n.º 161/05.2TBPRD.P1.S1, relator Sérgio Poças; e Ac. da Relação do Porto de 16.06.2014, proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/139121" target="_blank">722/11.0TVPRT.P1</a>, relator Carlos Gil., ambos disponíveis em www.dgsi.pt. 7. Ob. cit., págs. 689/690. Ao nível da jurisprudência, vide, no mesmo sentido, por todos, Ac. RP de 29.06.2015, proc. n.º 1106/12.9YYPRT-B.P1, relator Alberto Ruço; Ac. RP de 01.06.2015, proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/138169" target="_blank">843/13.5TJPRT.P1</a>, relator Caimoto Jácome; e Ac. STJ de 04.05.2017, proc. n.º 2886/12.7TBBCL.G1.S1, relator Tavares de Paiva, todos in www.dgsi.pt. 8. Ob. citada, pág. 141. 9. Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 151. 10. Ob. cit., pág. 143. 11. Vide, neste sentido, por todos, Ac. STJ de 08.02.2011, proc. n.º 842/04.8TBTMR.C1.S1, relator Moreira Alves;Ac. STJ de 21.10.2014, proc. n.º 941/09.0TVLSB.L1.S1, relator Gregório Silva Jesus; Ac. STJ de 22.11.2015, proc. n.º 24/09.2TBMDA.C2.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 07.07.2016, proc. n.º 802/13.8TTVNF.P1.G1.S1, relatora Ana Luísa Geraldes, e Ac. STJ de 04.05.2017, este já citado, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 12. Ob. citada, pág. 164. 13. Cfr. ainda diversos Acs. do STJ, aludidos na ob. citada, págs. 161 a 165. 14. Abrantes Geraldes, ob. citada, págs. 165-166. 15. Ob. citada, págs. 274 e 277. 16. Segundo Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 569, prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais pré-estabelecidos, isto é, ditados pela lei.” 17. O princípio da livre apreciação dos meios probatórios resulta, ainda, em sede de direito probatório material, no que se refere à prova por declarações de parte (não confessórias), à prova testemunhal, à prova por inspeção e à prova pericial, do estipulado nos arts. 361º, 389º, 391º e 396º, todos do C. Civil. 18. Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348. 19. Vide, neste sentido, por todos, Acs. do STJ de 03.11.2009, proc. n.º 3931/03.2TVPRT.S1, relator Moreira Alves; e Ac. do STJ de 01.07.2010, proc. n.º 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1, relator Bettencourt de Faria, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. 20. Cfr. Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 609. 21. Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, 4ª edição, pág. 223. 22. Em sentido algo diverso, João de Castro Mendes (Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, AAFDL, 1995, pág. 366), defende que há que combinar as duas teorias voluntarista (subjetiva) e declarativista (objetiva), de modo que “a interpretação do negócio jurídico será a fixação do que, em face da declaração e da sua circunstância, objectivamente se há-de ter por vontade real do declarante”. 23. Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Almedina, 1995, pág. 208. 24. Neste sentido, cfr. Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 2ª edição, Lex, 1996, pág. 348; e Teoria Geral do Direito Civil, II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 3ª edição, Universidade Católica Portuguesa, pág. 415. 25. Cfr. Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, págs. 444-445. 26. Neste sentido, cfr. Luís Carvalho Fernandes Teoria Geral do Direito Civil, II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 3ª edição, Universidade católica Portuguesa, págs. 416/417. 27. In Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral, Negócio Jurídico, Almedina, 4ª edição, págs. 717-718. 28. Proc. n.º 852/12.1TBPTM-A.E1.S1, relator Pinto de Almeida, acessível em www.dgsi.pt. 29. Cfr. ainda as diversas referências doutrinais consagradas no mesmo aresto.
Recorrente: José Recorrida: Quinta X, Lda. Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Quinta X, Lda. intentou a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra José, pedindo que: a) Fosse proferida sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial de venda à A. dos prédios identificados no artigo 2º da p.i., sujeita ao pagamento do remanescente do preço ao Banco A, S.A., a título de distrate de hipotecas que oneram os referidos prédios, e, caso subsista algum valor, o remanescente ao Dr. Joaquim, até ao limite de € 15.000,00; b) Subsidiariamente, se a execução específica se mostrasse impossível, que fosse o R. condenado a restituir à A. o dobro das quantias pagas ao R., a título de sinal e reforço de sinal, correspondente ao valor de € 22.130,62, acrescido de juros legais desde a citação e até integral e efetivo pagamento. Para o efeito, alegou, em suma, que celebrou um contrato promessa de compra e venda com o R., em que este prometeu vender-lhe e a A. prometeu comprar-lhe, vários prédios, pelo preço de € 63.000,00, livres de ónus e encargos. A título de sinal, entregou ao R. a quantia de € 8.000,00. O remanescente do preço seria pago aquando da celebração da escritura pública, e imputado ao pagamento de dívidas do R. elencadas no contrato promessa. Mais tarde, a A. reforçou o sinal com € 3.065,31. Convencionaram também a possibilidade de execução específica do contrato promessa. Embora houvessem acordado que, o contrato prometido devesse ser celebrado até 01-02-2015, porém, por inércia do R. em levar a cabo diligências em ordem a cancelar ónus e encargos que impendiam sobre os prédios prometidos vender, acordaram que, o contrato prometido fosse celebrado logo que estivessem reunidas as condições para o efeito, o que ocorreu em Julho de 2015. Então, a A., que ficara incumbida de marcar a escritura de compra e venda, procedeu a tal marcação e fez a respetiva comunicação ao R., que não compareceu para a celebração da mesma, por duas vezes. Regularmente citado, contestou o R., invocando designadamente a inexistência do pacto social da A. e a nulidade do seu registo, por não estar reconhecida a assinatura do R. no pacto social; mais alegou que foi a A. que não cumpriu o contrato promessa, por não ter marcado a escritura pública até 01-02-2015, o que o levou a resolver tal contrato promessa e a solicitar a desocupação que, com animais, a A. e o gerente desta, fazem dos prédios prometidos vender e a solicitar-lhes o pagamento de uma indemnização de € 100,00 diários, desde 11-04-2014, e em € 200,00 diários a partir de 07-09-2015, até efetiva desocupação dos prédios. Requereu a intervenção principal provocada do gerente da A. a fim de ser responsabilizado solidariamente com a A. pelos prejuízos causados ao réu. Para além de concluir pela improcedência da ação, deduziu ainda reconvenção, pedindo que: · se declarasse a inexistência do pacto social da A. e a nulidade do seu registo, por falta de título válido; · se declarasse a resolução do contrato promessa por incumprimento da autora; · se julgasse o contrato de trabalho ilicitamente resolvido; · a A. e o Interveniente fossem condenados a deixarem as propriedades do R. livres e limpas de animais e coisas que ali se encontram; · a A. e o Interveniente fossem condenados a indemnizarem o R., com € 100,00 diários, desde 11-04-2014, e em € 200,00 diários a partir de 07-09-2015, até efetiva desocupação dos prédios. Replicou a A., invocando ter havido um lapso de escrita no reconhecimento da assinatura do R. no pacto social da A., que simplesmente importa retificar; pugnou pela inadmissibilidade da reconvenção; impugnou o valor atribuído à reconvenção; insurgiu-se contra a intervenção principal requerida; e impugnou alguma da factualidade invocada na reconvenção, tendo alegado, nomeadamente que, a escritura de compra e venda não se celebrou porque os prédios prometidos vender apresentavam penhoras, em consequência do que, foi acordada a prorrogação de prazo para celebração da escritura, diligenciando A. e R., à data em que deveria ser celebrada a escritura, pelo cancelamento dos ónus e penhoras que incidiam sobre os prédios. Foi admitida a intervenção principal provocada de Manuel. O interveniente apresentou o seu articulado, invocando a sua ilegitimidade e impugnando a factualidade que o R. lhe imputava. Findos os articulados, realizou-se audiência prévia, onde, designadamente, se admitiu parcialmente a reconvenção, não sendo admitida na parte respeitante ao pedido reconvencional constante da alínea c), e se identificou o objeto do litígio e os temas da prova. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento. Na sequência, por sentença de 21 de Junho de 2017, veio a julgar-se procedente a ação e, consequentemente, foi determinada a execução específica do contrato-promessa celebrado entre A. e R., declarando-se que a presente sentença produz os efeitos das declarações negociais de compra e venda a que o contrato-promessa dos autos diz respeito, declarando transmitido para a A., o direito de propriedade sobre os prédios identificados no art. 2º, da p.i., destinando-se o preço depositado pela A. a pagar ao Banco A, S.A., a título de distrate das hipotecas que oneram os prédios prometidos vender, e, caso sobre algum valor, o remanescente destinar-se-á a pagar ao Dr. Joaquim, até ao valor de € 15.000,00, e se ainda assim sobrar algum valor, destinar-se-á o mesmo ao R. Mais se decidiu improcedente a reconvenção, absolvendo-se os reconvindos dos pedidos reconvencionais. Inconformado com o assim decidido, veio o réu José interpor recurso de apelação, nele formulando as seguintes CONCLUSÕES a) O Tribunal não teve em conta a questão prévia que demonstra como os Recorridos e o Recorrente chegaram a acordo na celebração do pacto social, do contrato-promessa de compra e venda e do contrato de trabalho, que acabaram por ser violados, incumpridos pelos Recorridos e, em particular, pelo autor do projeto, aqui Recorrido, que apenas teve em mente adquirir para a sua sociedade, a aqui Recorrida sociedade, as propriedades do Recorrente; b) Assim, não teve presente que subjacente aos acordos estavam o cumprimento dos pagamentos das dívidas e a situação do Recorrente, assumidas nos contratos; c) Os Recorridos ao levarem as condições-obrigações a cumprir ao contrato-promessa, bem sabiam que o Recorrente não tinha possibilidades para se libertar; d) Antes tinham consciência da impossibilidade de previamente à escritura o Recorrente não poder libertar-se desses encargos; e) O Recorrente fê-lo na convicção de que, até 1 de Fevereiro de 2015, os Recorridos comunicariam ao Recorrente a marcação da escritura, estariam preparados para cumprir as obrigações assumidas ou até já tinham limpado todas as obrigações assumidas; f) Nada fizeram até 1 de Fevereiro de 2015 e se algo pagaram, que pouco é, foi depois dessa data, em momento algum o Recorrente soube; g) Os Recorridos só marcaram a escritura após o Recorrente ter denunciado ou resolvido, melhor dito, o contrato-promessa de compra e venda, através das cartas enviadas em 27 de Julho de 2015, pois, até aí nada fizeram; h) Aliás, apesar da Recorrida negar os factos ocorridos no dia 25 de Julho de 2015 – quem manda e mandava era o Recorrido que, na sua contestação não nega o que naquela data ocorreu, e que é relevante para a apreciação criteriosa da situação; i) Como se vê da prova testemunhal, que credibilidade, além das declarações do Recorrente que se mostram sérias, lógicas e convincentes, não mostra consistência, são mesmo contraditórias e falsas. É só ver que o Recorrido socorreu-se de apoio judiciário, onde declara não ter rendimentos, não ter carro, não ter quaisquer bens próprios, para na audiência afirmar que se fez fiador a favor da Recorrida sociedade com bens próprios seus sem dizer quando e em que Banco ou em quem. j) Assim, o Tribunal terá de dar como não provado os nºs 19 e 21 da matéria dada como provada, e declarar que o Recorrente não compareceu porque já à data tinha denunciado o contrato-promessa por haver incumprimento desde 1 de Fevereiro de 2015. k) De qualquer modo, sempre assistiria ao Recorrente não aceder ao contrato-promessa por até a essa data, e até já não se fala até 1 de Fevereiro de 2015, pois os Recorridos nunca chamaram os credores descriminados no contrato-promessa para comparecer e receber os seus créditos; l) Ou seja, os Recorridos não cumpriram até ao dia 1 de Fevereiro de 2015 a que se obrigavam a fazer o que consta das cláusulas 4 e 5 do contrato-promessa; m) Finalmente, conjugado o que consta do contrato-promessa com os depoimentos e declarações prestados, e resulta da produção acima transcritas que os Recorridos tinham consciência de que o Recorrente, sem nenhuma capacidade económico-financeira, conhecida deles, sabiam que tinham assumido e iam pagar as obrigações, condição essencial e principal, até à escritura, quando eles, e que o Recorrente desconhecia, não passavam de pessoas ou entidade sem capacidade financeira, sejam ambos os sócios seja o “arquitecto” desta situação, que não tinha, no dizer dele, nem eira nem beira… n) Assim, o Tribunal ao decidir ou validar o direito à execução específica do contrato-promessa a favor dos Recorridos andou em grosseiro erro, ao invés, de declarar que assistiu ao Recorrente declarar que eles entraram em incumprimento e o contrato-promessa estava incumprido em 1 de Fevereiro de 2015 e assim continuou até à denúncia do mesmo, feita com as cartas de 29 de Julho de 2015; o) De resto, além de decidir mal e erradamente em face da matéria provada, o Juiz a quo fez errada interpretação da situação submetida ao Tribunal; Mas não bastasse as conclusões apresentadas, há ainda a acrescentar as seguintes: p) Os Recorridos fixaram o preço da compra e venda das propriedades; q) Mas a Recorrida sociedade assumiu as dívidas, autonomamente, para além daquele preço as dívidas das alíneas c), d) e e) da cláusula 4ª do contrato-promessa; r) Mas o Tribunal, também andou em erro, ao ordenar em consignação em depósito da parte do preço da compra e venda ainda em dívida (referência 30874937), o que significa que o Tribunal nunca analisou criteriosamente o próprio contrato, quer neste aspeto, quer quanto ao que acima se conclui; s) Impunha-se ao Tribunal que ordenasse com verdade à Recorrida que concretizasse o que estava em dívida no âmbito do contrato, para o Recorrente e os credores se pronunciarem e, só depois ordenasse o valor concretamente em dívida; t) E mais conclusões se impunha fazer, mas o Tribunal atento o exposto, em conclusões, não deixará de declarar a improcedência da presente ação, ou no mínimo anular o julgamento com vista a nova produção de prova que é óbvio estará em falta por parte dos Recorridos, uma vez que há omissão de prova, há omissão de pronuncia por parte do Tribunal, além de errada contradição entre o contrato-promessa, o pedido da recorrida e a decisão posta em crise; u) Por isso, a decisão proferida viola os artigos 410º nº 1, 874º, 804º, 805º nº 2, 566º, 562º, 236º e 239º todos do Cód. Civil e artigo 615º nº 1, als. b), c) e d) do Cód. Proc. Civil. Finaliza, pugnando que se declare o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda pelos recorridos, e, ao contrário, declarar-se que o recorrente atempadamente, em face do incumprimento, denunciou e resolveu o contrato, com todas as consequências legais. Ou, se assim não se atender, deverá a decisão ser anulada ou proceder à repetição do julgamento por demais graves as omissões, interpretações e erros na apreciação da prova que levou a tão estranha decisão, cuja revogação ou anulação se impõe.* A autora apelada apresentou contra-alegações, nas quais deduziu as seguintes CONCLUSÕES 1. O recurso da Matéria de Facto deve ser rejeitado, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, do Código Processo Civil; 2. Subsidiariamente, a matéria de facto constante dos n.ºs 19 e 21 dos Factos Provados deve ser considerada como Provada, mantendo-se a douta decisão recorrida, pois inclusive tal matéria resulta de confissão do Recorrente. 3. A mera preclusão do prazo inicialmente previsto no contrato promessa de compra e venda não implicou o incumprimento definitivo de tal contrato. 4. A preclusão do prazo inicialmente previsto não implicou a constituição em mora da Recorrida, mas sim o Recorrente, que não praticou os atos necessários e a que estava obrigado para possibilitar que a venda, sem ónus ou encargos, dos prédios sub judice fosse realizada até à data prevista no contrato promessa. 5. O Recorrente e a Recorrida mantiveram interesse na celebração do contrato prometido. 6. Neste sentido, a resolução do contrato promessa por parte do Recorrente configura um ato ilícito e ineficaz. 7. O preço atribuído pelo Recorrente e pela Recorrida aos prédios sub judice foi de 63.000,00€. 8. A Recorrida pagou a título de sinal e início de pagamento a quantia de 8.000,00€. 9. O remanescente do preço, correspondente a 55.000,00€ (63.000,00€ - 8.000,00€), seria pago através da assunção das responsabilidades do Recorrente, nos termos referidos na cláusula 4ª do contrato promessa. 10. Não havendo pois dúvidas quanto ao preço acordado pelas Partes como contrapartida da venda dos prédios sub judice (63.000,00€) e estando provado que a Recorrida pagou, além do sinal de 8.000,00€, dívidas do Recorrente no valor de 3.065,31€, não podem subsistir dúvidas que o remanescente do preço corresponde a 51.934,69€ (63.000,00€ – 8.000,00€ – 3.065,31€), valor este que a Recorrida efetivamente depositou à ordem dos autos. 11. Esteve bem pois o Tribunal a quo ao julgar procedente a ação intentada pela Recorrida, tendo declarado a execução específica do contrato-promessa celebrado entre a Recorrida e o Recorrente, ou seja, declarado que a sentença recorrida produz os efeitos das declarações negociais de compra e venda a que o contrato-promessa dos autos diz respeito. 12. Ao ter assim decidido, o Tribunal a quo fez uma correta análise da prova produzida e aplicou corretamente o Direito aos factos provados. Termina, defendendo a confirmação da sentença recorrida.* Após os vistos legais, cumpre decidir.* II. DO OBJETO DO RECURSO: O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635º, n.º 4, 637º, n.º 2 e 639º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil), não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, n.º 2, in fine, ambos do C. P. Civil). No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objeto do presente recurso. Neste âmbito, as questões decidendas traduzem-se nas seguintes: Ø Saber se sentença deverá ser considerada nula por não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; por oposição entre os fundamentos com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; ou por omissão de pronúncia. Ø Saber se cumpre proceder à alteração da factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal a quo nos moldes preconizados pelo réu. Ø Na sequência, saber se deverá ser realizada outra nova interpretação e aplicação do Direito à nova factualidade apurada, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida.* * III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A) FACTOS PROVADOS O tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos: 1 - A A. é uma sociedade comercial que se dedica à suinicultura, produção e comercialização de gado bízaro; 2 - O pacto social da A. foi assinado designadamente pelo R., seu sócio; 3 - No reconhecimento presencial da assinatura do R., em vez de se consignar o reconhecimento da assinatura do R., consignou-se o reconhecimento da assinatura de Manuel, o que se fez por lapso de escrita, pois que o que se queria e se quis reconhecer e o que na verdade se reconheceu, foi a assinatura do R.; 4 - O R. é “proprietário” dos seguintes prédios: a) Prédio rústico, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de … e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º 111, da freguesia de B, C, D e E; b) Prédio rústico, sito em Bouça …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de D e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; c) Prédio rústico, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de D e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; d) Prédio rústico, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de D e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; e) Prédio rústico, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de D e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; f) Prédio rústico, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .., da freguesia de D e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; g) Prédio rústico, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de D e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; h) Prédio rústico, sito em …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de D e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; i) Prédio rústico, sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de D e inscrito na matriz predial rústica sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; j) Prédio urbano, sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …, da freguesia de D e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E; k) Prédio urbano, sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º .., da freguesia de D e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º …, da freguesia de B, C, D e E. 5 - Em 05-12-2014, a A. e o R. celebraram, por escrito, um acordo que designaram por “contrato promessa de compra e venda”; 6 - Em que, o R. prometeu vender à A. e esta prometeu comprar-lhe os prédios identificados em 4, livres de quaisquer ónus, encargos, compromissos ou responsabilidades, nomeadamente de natureza fiscal, bem como totalmente desocupados de pessoas e bens; 7 - Pelo preço de € 63.000,00; 8 - A ser pago da seguinte forma: a) A título de sinal e início de pagamento, a quantia de € 8.000,00, que consignaram já ter sido paga ao Banco A, S.A., em prestações bancárias, e ao R.; b) O remanescente do preço, valor que seria computado no momento da outorga do contrato prometido, seria pago no ato da escritura de compra e venda, a título de distrate ao Banco A, S.A.; c) A A. assumiu as dívidas fiscais do R. referentes aos anos de 2013 e 2014, até ao valor máximo de € 1.000,00, que seria pago no ato da escritura de compra e venda; d) A A. assumiu a dívida do R. a LP, até ao valor máximo de € 2.000,00, que seria pago no ato da escritura de compra e venda; e) E assumiu a dívida do R. ao Dr. Joaquim, referente a honorários forenses deste, até ao valor máximo de € 15.000,00, que seria pago no ato da escritura de compra e venda. 9 - Mais convencionaram que, a escritura de compra e venda se realizaria até 1 de Fevereiro de 2015 e seria marcada pela A., devendo avisar o R. da data, hora e local de celebração da escritura pública, com a antecedência mínima de 8 dias da data da sua realização; 10 - Acordaram ainda que, o incumprimento por qualquer das partes, de alguma das obrigações decorrentes do contrato implicaria, consoante a parte violadora, a perda do sinal ou a sua restituição em dobro, e que, a parte não faltosa poderia, em alternativa e à sua escolha, requerer a execução específica do contrato-promessa; 11 - Convencionaram também que, qualquer alteração ao contrato só seria válida desde que convencionada por escrito, com a menção expressa de cada uma das cláusulas eliminadas e da redação que passava a ter cada uma das aditadas ou modificadas; 12 - Cada uma das partes contratantes obrigou-se a comunicar, por escrito, à outra parte, qualquer alteração à respetiva morada, aceitando expressamente que, até se efetuar tal comunicação, os únicos locais válidos para efeito de se endereçarem as comunicações decorrentes do contrato seriam as constantes do preâmbulo do mesmo, ou seja, Lugar do ..., n º …, Chaves; 13 - Convencionaram também que, a A. podia ocupar os prédios, usufruindo dos mesmos até à realização da escritura pública de compra e venda; 14 - Em 01-02-2015, alguns dos prédios identificados em 4 apresentavam penhoras registadas, sem que o R. tivesse realizado as diligências prévias necessárias ao seu levantamento, razão pela qual não se pôde, nessa data, celebrar a escritura pública de compra e venda dos prédios livres de ónus ou encargos; 15 - Então, de modo a cancelar as penhoras que recaíam sobre os prédios, a pedido do R., já em Abril de 2015, a A. pagou o valor de € 3.065,31, referente às seguintes dívidas do R.: a) Dívida fiscal, no valor de € 791,98; b) Dívida fiscal, no valor de € 429,24; c) Dívida a LP, no valor de € 1.844,09, sendo € 1.500,00 referentes a quantia exequenda devida e € 344,09 referentes a despesas e honorários devidos pelo Réu à senhora agente de execução Maria, nomeada nessa qualidade na ação executiva instaurada pelo Exequente LP, no âmbito da ação executiva que correu termos contra o Réu no 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Chaves, sob o processo n.º 374/10.5TBCHV. 16 - Por carta registada com AR, datada de 29-07-2015, enviadas em 06-08-2015, à A. para o Lugar do ..., n º …, em … e ao Interveniente para a Rua do …, n º .., o R. comunicou à A. e ao Interveniente, que denunciava o contrato promessa de compra e venda celebrado em 05-12-2014 e que reclamava uma indemnização pela ocupação que o sócio gerente e a firma vinham fazendo das suas propriedades desde 01-12-2014, com os porcos e cavalos que aí tinham criado, de € 100,00 por cada dia, até à entrega das propriedades limpas de coisas e animais, indemnização que passaria a ser reclamada solidariamente a ambos, em dobro, se no prazo de 30 dias a contar da receção da carta não ficassem livres as propriedades, dado o prejuízo que a situação lhe estava a causar; 17 - Tais cartas foram devolvidas, por não terem sido reclamadas; 18 - A A. marcou a escritura pública de compra e venda para o dia 20 de Agosto de 2015, pelas 15.00 horas, e avisou o R., através de carta datada de 7 de Agosto de 2015; 19 - O R., porque não quis, não compareceu na data e hora designadas para a celebração da escritura pública; 20 - A A. marcou então nova data para a celebração do contrato –prometido e através de carta datada de 9 de Setembro de 2015, comunicou ao R. a marcação da escritura pública de compra e venda para o dia 24 de Setembro de 2015, pelas 13.30 horas, no Cartório Notarial da Dra. Manuela, sito na Praça … Chaves; 21 - O R., porque não quis, não compareceu, na data e hora designadas, no referido Cartório Notarial; 22 - A A. manteve animais nos prédios em causa desde pelo menos Dezembro de 2014 até Novembro de 2016.*B) FACTOS NÃO PROVADOS 1. A. e R. acordaram na prorrogação do prazo para a realização do contrato prometido; 2. No dia 01-02-2015, o R. já havia pago o que devia a LP; 3. O Interveniente mantem, ou manteve, animais nos prédios em causa. * *IV) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO A) Da Nulidade da Sentença A.1) Da nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto e de direito que a justificam. A primeira questão que importa dirimir, em função das conclusões do recurso, refere-se à alegada nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação de facto e de direito. Resulta do disposto no art. 607º, n.º 3, do C. P. Civil que, na elaboração da sentença, e após a identificação das partes e do tema do litígio, deve o juiz deduzir a fundamentação do julgado, explicitando “os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.” Por seu turno, sancionando o incumprimento desta injunção, prescreve o art. 615º, n.º 1, al. b), do C. P. Civil que é nula a sentença que “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Na realidade, não basta que o juiz decida a questão posta; é indispensável, do ponto de vista do convencimento das partes, do exercício fundado do seu direito ao recurso sobre a mesma decisão (de facto e de direito) e do ponto de vista do tribunal superior a quem compete a reapreciação da decisão proferida e do seu mérito, conhecerem-se das razões de facto e de direito que apoiam o veredicto do juiz. (1) Neste sentido, a fundamentação da decisão deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, permitindo, por um lado, que o destinatário perceba as razões de facto e de direito que lhe subjazem, em função de critérios lógicos, objetivos e racionais, proscrevendo, pois, a resolução arbitrária ou caprichosa, e por outro, que seja possível o seu controle pelos Tribunais que a têm de apreciar, em função do recurso interposto. (2) Todavia, ao nível da fundamentação de facto e de direito da sentença, como é lição da doutrina e da jurisprudência, para que ocorra esta nulidade “não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito” (nosso sublinhado). (3) Neste sentido, que é o tradicionalmente perfilhado, referia J. Alberto dos Reis (4), a propósito da especificação dos fundamentos de facto e de direito na decisão, que importa proceder-se à distinção cuidadosa entre a “falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.” (sublinhado nosso). (5) Todavia, a nosso ver, no atual quadro constitucional (art. 205º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa), em que é imposto um dever geral de fundamentação das decisões judiciais, ainda que a densificar em concretas previsões legislativas (cfr. art. 154º do C. P. Civil), parece que também a fundamentação de facto ou de direito gravemente insuficiente, isto é, em termos tais que não permitam ao respetivo destinatário a perceção das razões de facto e de direito da decisão judicial, deve ser equiparada à falta absoluta de especificação dos fundamentos de facto e de direito e, consequentemente, determinar a nulidade do ato decisório. (6) Feitas estas considerações, de todo o modo, no caso em apreço, é nosso entendimento que não ocorre a invocada nulidade por falta de fundamentação de facto e/ou de direito. Com efeito, do teor da decisão recorrida é perfeitamente possível alcançar o quadro factual e jurídico subjacente ao sentido decisório contido na mesma decisão, nomeadamente é possível alcançar, sem particular esforço, que o Juiz a quo definiu concretamente a matéria de facto relevante para a decisão da causa, discriminando ainda a factualidade não considerada provada, apreciando ainda os meios probatórios produzidos, designadamente do ponto de vista documental e testemunhal. Subsequentemente, na mesma decisão, subsumiu a factualidade assente ao Direito, fundamentando juridicamente a decisão em causa, concluindo fundadamente pela procedência da ação e improcedência da reconvenção. Porque tal ocorre, e nesta perspetiva, a fundamentação constante da decisão recorrida é a bastante para a decisão que ali era suposto ser proferida, sendo certo que é perfeitamente claro o enquadramento factual tido por assente e considerado relevante pelo tribunal de 1ª instância, assim como o quadro normativo aplicável e subjacente à decisão, permitindo, pois, aos respetivos destinatários exercer, de forma efetiva e cabal, a sua análise e a sua crítica, suscitando a sua reapreciação, como ora sucede nesta instância. Não pode, pois, sustentar-se que a sentença em crise seja nula por falta de fundamentação de facto e de direito, pois que os pressupostos de facto e de direito que conduziram ao sentido decisório acolhido na mesma sentença se mostram nele evidenciados de forma objetiva, lógica e racional. Realce-se ainda que o recorrente não justifica explicitamente em que medida é que existe falta de fundamentação por parte do tribunal a quo na sentença recorrida. De todo o modo, não podemos, porém, confundir a ausência ou falta de fundamentação com a deficiência da mesma. O recorrente pode, naturalmente, discordar do sentido decisório acolhido na sentença em apreço ou até considerar a fundamentação do mesmo insuficiente ou errónea, designadamente no que se refere à fundamentação ou motivação da decisão da matéria de facto (o que contenderá com a decisão de mérito e que pode conduzir à sua revogação ou alteração), mas não pode sustentar, de forma procedente, que a decisão em crise é nula por falta de fundamentação, sendo que, conforme o exposto, apenas a absoluta ausência ou grave deficiência de fundamentação (de facto e/ou de direito) – de forma que impeça o destinatário de alcançar o quadro factual e jurídico subjacente à decisão em crise – pode levar ao decretamento da nulidade da decisão. Destarte, neste segmento, improcede a apelação.*A.2) Da nulidade da sentença por a sua fundamentação estar em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível De acordo com o disposto na al. c), do n.º 1, do citado art. 615º, do C. P. Civil, a sentença será nula “quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. Quanto à hipótese de contradição entre os fundamentos e a decisão, ela bem se compreende, pois que os fundamentos de facto e de direito, que fundamentam ou justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a mesma, como premissas lógicas necessárias para a formação do denominado silogismo judiciário. Trata-se, pois, de a conclusão decisória decorrer logicamente das respetivas premissas argumentativas. Assim sendo, existirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença quando os seus fundamentos conduzam logicamente a conclusão oposta ou diferente da que no mesmo resulta enunciada. A propósito da nulidade de que ora curamos, de forma clara, refere Antunes Varela, em comentário ao preceituado no art. 668º, n.º 1, al. c), do pretérito CPC – correspondente ao atual art. 615º, n.º 1, al. c) do NCPC –, o que está em causa refere-se à “contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão.” (sublinhámos). No fundo, trata-se de “um vício real no raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente.” (7) Trata-se, pois, de um vício lógico, de uma contradição lógica entre a fundamentação convocada e o sentido decisório. A fundamentação aponta, de forma inequívoca, no sentido da procedência da causa e a decisão é a oposta – improcedência da causa –, a fundamentação aponta no sentido da improcedência da causa e a decisão é a oposta – procedência – ou, ainda, a fundamentação aponta num determinado sentido decisório e este último acaba por seguir direção oposta ou contraditória. Tratar-se-á de um vício ostensivo para um leitor minimamente diligente e sagaz em face do conteúdo do ato jurisdicional proferido (despacho/sentença/acórdão) e a respetiva parte decisória final. Em suma, colhendo a lição de J. Alberto dos Reis, “quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, a sentença enferma de vício lógico que a compromete. A lei quer que o juiz justifique a sua decisão. Como pode considerar-se justificada uma decisão que colide com os fundamentos em que ostensivamente se apoia?”. E acrescenta ainda o mesmo autor que há contradição entre os fundamentos e a decisão “quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto”. (8) Por sua vez, a sentença será obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e será ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. “Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpetrações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.” (9) Feitas estas considerações e compulsada a sentença recorrida resulta, a nosso ver, evidente que não ocorre a alegada contradição, pois que a argumentação de facto e de direito nela convocada, sem prejuízo de o apelante discordar da sua interpretação ou da sua aplicação, só podia conduzir à decisão que foi proferida no sentido da procedência da ação e da improcedência da reconvenção. Por outro lado, também não vislumbramos em que medida é que a decisão recorrida enferma de ambiguidade ou obscuridade, que a torna ininteligível. O recorrente entende que há contradição entre o contrato-promessa, o pedido da recorrida e a decisão recorrida, mas tal não se mostra bastante para concluir pela verificação da nulidade em causa na decisão recorrida. Naturalmente, o recorrente pode discordar da factualidade que o tribunal a quo considerou relevante para a decisão tomada, como pode sustentar que o mesmo tribunal deveria ter considerado outra factualidade, ou, ainda, pode considerar que a factualidade revelada nos autos não resulta da prova produzida ou que houve erro na interpretação ou valoração da prova produzida e de subsunção jurídica aos factos apurados. Todavia, uma tal argumentação não consubstancia uma qualquer contradição lógica entre os fundamentos de facto e de direito considerados pelo tribunal a quo e, igualmente, qualquer ambiguidade ou obscuridade da sentença recorrida, mas, quando muito, um erro de julgamento («error in iudicando»), que interfere, não com a conformidade lógico-formal da decisão em crise, mas com o seu mérito. Por conseguinte, a questão suscitada pelo apelante não contende, pois, com a nulidade da sentença recorrida, enquanto vício ou erro formal ou de procedimento, mas com a sua fundamentação fáctico-jurídica. Improcede, pois, a apelação do recorrente neste particular.*A.3) Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia Nas suas alegações de recurso, o apelante veio invocar a nulidade da sentença recorrida, por “omissão de pronúncia”. Segundo o disposto no art. 615º, n.º 1 al. d) do CPC é nula a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Esta previsão legal está em consonância com o comando do art. 608º, n.º 2 do C. P. Civil, em que se prescreve que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” Importa, no entanto, não confundir questões colocadas pelas partes, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido. De facto, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções deduzidas, desde que se apresentem, à luz das várias e plausíveis soluções de direito, como relevantes para a decisão do objeto do litígio e não se encontrem prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente das questões a decidir são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem “questões” no sentido pressuposto pelo citado art. 608.º, n.º 2 do C. P. Civil. Assim, se na apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este não se pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui uma nulidade da decisão por falta de pronúncia. Neste sentido, colhendo a lição de J. Alberto dos Reis, refere este Ilustre Professor, que “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.” (…) São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”. (10) (nosso sublinhado). Este entendimento tem, como é consabido, sido corroborado, há muito, pela jurisprudência que sempre o acolheu defendendo que a não apreciação de um ou mais argumentos aduzidos pelas partes não constitui omissão de pronúncia, porquanto o Juiz não está obrigado a ponderar todas as razões ou argumentos invocados nos articulados para decidir certa questão de fundo, estando apenas obrigado a pronunciar-se “sobre as questões que devesse apreciar” ou sobre as “questões de que não podia deixar de tomar conhecimento”. (11) Quer isto dizer que ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objeto do processo, definido pelo pedido deduzido (à luz da respetiva causa de pedir – cfr. art. 581º, n.º 4, do C. P. Civil, que consagra o denominado princípio da substanciação) e das exceções deduzidas. Terá, pois, de apreciar e decidir as todas as questões trazidas aos autos pelas partes – pedidos formulados, exceções deduzidas, … – e todos os factos em que assentam, mas já não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos nos autos. A não apreciação de algum argumento ou razão jurídica invocada pela parte pode, eventualmente, prejudicar a boa decisão sobre o mérito das questões suscitadas. Porém, daí apenas pode decorrer um, eventual, erro de julgamento ou “error in iudicando”, mas já não um vício (formal) de omissão de pronúncia. Feitas estas considerações prévias, cremos que, in casu, não existe qualquer “omissão de pronúncia” na decisão recorrida. O tribunal de 1ª instância apreciou e decidiu todas as questões jurídicas em discussão, em especial aquelas que as partes trouxeram ao processo através dos factos jurídicos que constituem as causas de pedir, quer da ação quer da reconvenção. Termos em que se considera que não houve qualquer “omissão de pronúncia” na decisão recorrida, improcedendo assim, neste âmbito, a apelação apresentada.* B) Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto. A questão que importa agora dirimir refere-se à impugnação da decisão sobre a matéria de facto constante da decisão recorrida. Ora, a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, está, como é consabido, subordinada à observância de determinados ónus que a lei adjetiva impõe ao recorrente. Na verdade, a apontada garantia nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida na audiência final, impondo-se, por isso, ao recorrente, no respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, que proceda à delimitação com, toda a precisão, dos concretos pontos da decisão que pretende questionar, os meios de prova, disponibilizados pelo processo ou pelo registo ou gravação nele realizada, que imponham, sobre aqueles pontos, distinta decisão, e a decisão que, no ver do recorrente, deve ser encontrada para os pontos de facto objeto da impugnação. Neste sentido, preceitua, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o n.º 1 do art. 640º do C. P. Civil, que: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” Por seu turno, ainda, em conformidade com o n.º 2 do mesmo normativo, sempre que “ (…) os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.” (sublinhado nosso). Deve, assim, o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar ainda o seu recurso através da indicação das passagens da gravação que reproduzam os meios de prova que, no seu entendimento, determinam decisão diversa da que foi proferida sobre a matéria de facto. Os aspetos fundamentais que o recorrente deve assegurar neste particular prendem-se com a definição clara do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida). Porém, importa que não se sobrevalorizem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador. Assim, como salienta Abrantes Geraldes (12), o Supremo Tribunal de Justiça “vem batalhando precisamente no sentido de evitar os efeitos de um excessivo formalismo que ainda marca alguns acórdãos das Relações, promovendo que o esforço que é aplicável na justificação de soluções que exponenciam aspectos de natureza meramente formal sem suficiente tradução na letra da lei, nem no espírito do sistema, seja canalizado para a efectiva apreciação das impugnações de matéria de facto”. (13) Por outro lado, na fase da admissão formal do recurso de apelação em que é impugnada a decisão da matéria de facto, importa que se estabeleça uma clara separação entre os requisitos formais e os ligados ao mérito ou demérito da pretensão que será avaliado em momento posterior. Deste modo, havendo “sérios motivos para a rejeição do recurso sobre a matéria de facto (maxime quando o recorrente se insurja genericamente contra a decisão, sem indicação dos pontos de facto, quando não indique de forma clara nem os pontos de facto impugnados, nem os meios de prova em que criticamente se baseia ou quando nem sequer tome posição clara sobre a resposta alternativa pretendida) tal efeito apenas se repercutirá nos segmentos afectados, não colidindo com a admissibilidade do recurso quanto aos demais aspectos. (14) Tendo, assim, presente este enquadramento legal, cumpre decidir. No caso em apreço, o recorrente cumprindo, no essencial, os apontados requisitos formais, pretende a alteração da factualidade dada como assente, de modo que a factualidade aludida nos nºs 19 e 21 dos factos provados seja dada como não provada; sendo que deve ser declarado (dado como provado) que “o réu recorrente não compareceu [às respetivas escrituras de compra e venda dos prédios prometidos vender] porque já à data tinha denunciado o contrato-promessa, por haver incumprimento desde 1 de Fevereiro de 2015.” O apelante defende, no essencial, que deverá ser atribuído especial credibilidade às declarações de parte do réu recorrente, que no seu entender se mostram sérias, lógicas e convincentes, sendo que a prova testemunhal produzida não mostra consistência, sendo mesma contraditória e falsa. Tendo presente, assim, a fundamentação convocada pelo tribunal recorrido e a impugnação deduzida pela recorrente, importa saber se, procedendo este tribunal superior à reanálise dos meios probatórios convocados, a sua própria e autónoma convicção é coincidente ou não com a convicção evidenciada, em sede de fundamentação, pelo tribunal recorrido e, por inerência, se se impõe uma decisão de facto diversa da proferida por este último, nos concretos pontos de facto postos em crise. Com efeito, em sede de reapreciação da prova gravada no âmbito do recurso da decisão sobre a matéria de facto, haverá que ter em consideração, como sublinha Abrantes Geraldes (15), que funcionando o Tribunal da Relação como órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, nessa sua reapreciação tem ele autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia. Assim, competirá ao Tribunal da Relação reapreciar de forma crítica as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, sujeito às mesmas regras de direito probatório a que se encontrava sujeito o tribunal recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que tenham sido produzidos nos autos, incluindo, naturalmente, os que tenham servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados. De facto, o acesso direto do Tribunal da Relação à gravação integral do julgamento antes efetuado, terá de permitir-lhe, na formação da sua própria e autónoma convicção, sustentada numa análise crítica da prova, para além da apreciação dos concretos meios probatórios que tenham sido indicados pelo recorrente, a ponderação e a reanálise de todos os meios probatórios produzidos, sujeitos às mesmas regras de direito probatório material a que se encontra sujeito o tribunal de 1ª instância, enquanto forma, por um lado, de atenuar a inevitável quebra dos princípios da imediação e da oralidade suscetíveis de exercer influência sobre a convicção do julgador, e, por outro, ainda, de evitar julgamentos descontextualizados ou parciais, submetidos apenas à leitura dos meios probatórios convocados pelo recorrente. Pretende-se, pois, uma visão global, integrada e contextualizada de todos os meios probatórios produzidos, como garantia de uma decisão de facto o mais próxima possível da realidade, sem que tal implique a procura de uma verdade ou de uma certeza naturalística ou absoluta, que é, por princípio, insuscetível de ser alcançada. Por outro lado, ainda, no que se refere à reapreciação da prova, em particular quando se trata de reapreciar a força probatória dos depoimentos/declarações prestados pelas partes ou por testemunhas ou, ainda, a reapreciação da prova pericial, é de recordar que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova (16), princípio que expressamente se consagra no art. 607º, n.º 5, do C. P. Civil. (17) De facto, ao contrário do que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, sem pré-fixação legal do mérito de tal julgamento, mas sempre sendo de exigir que esse mérito decorra de uma apreciação crítica e integrada de todo o acervo probatório produzido, ou seja, de uma ponderação da prova produzida à luz das regras da experiência humana, da lógica e, se for esse o caso, das regras da ciência convocáveis ao caso, ponderação essa que deverá ficar plasmada na fundamentação do decidido (art. 607º, n.º 4, do C. P. Civil). Como refere Miguel Teixeira de Sousa (18), a propósito do sistema de prova livre, o que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique “os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado. A exigência de motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão.” Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência ou da experiência, à partida, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção. Todavia, face aos atuais poderes da Relação ao nível da reapreciação da decisão de facto, daí não decorre que não possa e não deva o tribunal ad quem analisar, também ele, criticamente, e sujeito às mesmas regras da experiência, da lógica e da ciência, a prova produzida, formando ele próprio, uma nova e autónoma convicção, caso em que, constatando, que ela não é coincidente com a convicção formada pelo Sr. Juiz de 1ª instância, deverá efetuar as correções na matéria de facto que aquela sua convicção lhe imponha. Quando um Tribunal de 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que também está sujeito, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, afirmando os reconhecidos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição. Deste modo, quando o Tribunal da Relação é chamado a pronunciar-se sobre a reapreciação da prova, no caso de se mostrarem gravados os depoimentos ou estando em causa a análise de meios prova reduzidos a escrito e constantes do processo, deve o mesmo considerar os meios de prova indicados pela partes e confrontá-los com outros meios de prova que se mostrem acessíveis, a fim de verificar se foi cometido ou não erro de apreciação que deva ser corrigido, seja no sentido de decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo. (19) Importa, porém, não esquecer que se mantêm-se em vigor os princípios de imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, pelo que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Assim, “em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira instância, em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”. (20) Feitas estas considerações prévias, cumpre-nos, pois, conhecer da factualidade impugnada pelo recorrente. O tribunal a quo considerou como provado designadamente que: “19 - O R., porque não quis, não compareceu na data e hora designadas para a celebração da escritura pública; 21- O R., porque não quis, não compareceu, na data e hora designadas, no referido Cartório Notarial”. Neste circunspecto, a sentença recorrida fez constar designadamente o seguinte: “A matéria constante de 1, 4, 5 a 13 e 18 a 21, foi confessada e resulta também dos documentos de fls. 19 a 20, 21 a 64 (276 a 294), 65 a 74 e 79 a 88. (…) Resulta de forma manifesta dos documentos juntos aos autos que, em 01-02-2015, alguns prédios prometidos vender estavam onerados com penhoras. Repare-se que, já bem depois de 01-02-2015, mais propriamente em Abril, a A. pagou dívidas do R., a pedido deste, por forma a desonerar os prédios prometidos vender de penhoras, como decorre dos documentos de fls. 75 a 78 (e declarações de CF e do Interveniente). E em 29-05-2015 (fls. 324) o R. requereu à autoridade tributária e aduaneira, o levantamento das penhoras registadas sobre os seus imóveis. Sucede que, o R. comprometeu-se a vender os imóveis livres de ónus ou encargos. E assim sendo, era obrigação do R. desonerar os prédios dos ónus que sobre eles impendiam, por forma a que, em 01-02-2015 sobre eles não incidissem ónus, e assim pudessem ser vendidos livres de ónus. Como o R. não desonerou os prédios onerados, é evidente que, em 01-02-2015 os prédios não podiam ser vendidos livres de ónus e encargos, e, consequentemente, não fazia sentido que a A. anteriormente àquela data tivesse agendado escritura de compra e venda. Dizem-nos as regras da experiência comum, no contexto em causa, que, o contrato prometido não foi celebrado porque a A. queria que a venda fosse feita sem ónus a incidirem sobre os prédios (como contratado) e tal não podia ocorrer, porque incidiam ónus sobre os prédios. Acresce que, CF e o Interveniente imputaram a não celebração da escritura ao facto de os prédios estarem onerados e às delongas do R. em levar a cabo diligências para desonera-los. E não se produziu qualquer prova de que houvesse sido outra a razão pela qual não se celebrou a escritura pública na data agendada para o efeito. Nomeadamente, o R. não adiantou qualquer razão para que não se houvesse celebrado a escritura no dia 01-02-2015. Parece-nos ser ainda de dizer o seguinte: o A., na sua contestação, parece querer imputar o não levantamento dos ónus que impendiam sobre os prédios, ao facto de a A. não haver pago ao R., antes de 01-02-2015, as dívidas que este tinha, o que permitiria desonerar os prédios. Sucede que, em sede de contrato promessa, a A. não assumiu qualquer obrigação de pagamento prévio, de qualquer quantia, ao R. Antes, as obrigações de pagamento assumidas pela A. têm por referência a data da celebração da escritura pública. Ora, se a compra e venda tinha de ser celebrada até 01-02-2015 e se os prédios tinham de ser vendidos livres de ónus, então o R. teria de providenciar por levar a cabo diligências prévias em ordem a desonerar os prédios antes de 01-02-2015, ou, na pior das hipóteses, no momento imediato que antecedesse a realização da escritura, e antes dessa data, a A. nenhuma obrigação assumira de pagar o que quer que fosse ao R. Seja como for, da prova produzida (declarações de CF e do Interveniente) decorre que, os pagamentos que a A. fez de dívidas do R., só tiveram lugar em Abril de 2015 (para dessa forma poder o R. cancelar ónus que impendiam sobre os prédios e assim se poder celebrar a escritura sem que os prédios estivessem onerados), porque o R. nem sequer diligenciou perante a A., antes dessa data (como explicaram), para que esta lhe pagasse tais dívidas. Analisámos a prova produzida, em especial as declarações de parte do réu recorrente, em conjugação com o teor dos documentos juntos aos autos, designadamente o teor do contrato-promessa celebrado entre as partes, e da mesma não foi possível, de facto, concluir, com a necessária segurança, pela existência de um erro de apreciação relativamente aos pontos de facto impugnados. Como é fácil de ver, a exposição dos motivos que levaram o tribunal a quo a decidir pela verificação da factualidade incluída sob os nºs 19 e 21 dos factos provados é adequadamente esclarecedora, para além de seguir sempre um raciocínio bastante consistente e estruturado. Segundo aqueles princípios de imediação, oralidade e livre apreciação da prova, o tribunal a quo retirou a conclusão que a escritura pública do contrato prometido não se celebrou, na data contratualmente prevista e, posteriormente, nas datas agendadas pela autora, por facto imputável ao réu, sendo certo que, na primeira das ocasiões, ou seja em 01.02.2015, os imóveis prometidos vender pelo réu não se apresentavam livres de ónus e encargos (cfr. designadamente documentos de fls. 276 a 294), para que a respetiva escritura do contrato prometido pudesse ser efetuada, o que não era imputável à autora, porquanto não lhe assistia qualquer dever contratual no sentido de tomar as diligências necessárias ao levantamento desses mesmos ónus e encargos. Por outro lado, é patente até da própria documentação junta (cfr. docs. de fls. 75 a 78) e das declarações de parte do réu que, em data posterior a 01.02.2015, houve diligências no sentido de se celebrar a escritura de compra e venda definitiva, procedendo a autora ao pagamento de dívidas do réu, designadamente junto das Finanças. Ademais, cumpre salientar que o próprio recorrente não põe em causa a factualidade dada como assente sob os nºs 14 e 15, na qual se dá designadamente como provado que, foi o réu que não realizou as diligências prévias necessárias ao levantamento de penhoras que incidiam sobre os imóveis prometidos vender; sendo que, então a pedido do réu, em Abril de 2015, a autora procedeu ao pagamento de valores junto das autoridades fiscais e de LP tendentes ao cancelamento dessas mesmas penhoras. Se o réu sabia que havia penhoras que oneravam o prédio em questão e que tais ónus e encargos inviabilizavam a celebração da escritura definitiva, tendo mesmo pedido à autora que lhe pagassem as dívidas exequendas, em Abril de 2015, não vemos que direito lhe assistiria então em denunciar o contrato-promessa por incumprimento da autora a 01.02.2015. Não obstante, se o réu de facto não compareceu no Cartório Notarial para celebração das ditas escrituras agendadas pela autora para Agosto e Setembro de 2015, foi porque de facto entendeu por bem não o fazer, independentemente das suas razões serem válidas ou não. O que tribunal a quo deu como provado, sob os nºs 19 e 21, foi exatamente essa mesma conclusão que retirou das declarações do réu, ou seja, o mesmo faltou às escrituras porque quis, não porque estava doente e totalmente incapacitado para se deslocar ao respetivo Cartório Notarial. Se o mesmo dispunha ou não de causas contratuais justificativas para faltar a tais escrituras, trata-se de matéria conclusiva, a avaliar pelo tribunal, em sede de decisão de mérito. Daqui resulta, em suma, que este tribunal ad quem não possui qualquer elemento idóneo que possa abalar a livre convicção do tribunal recorrido quanto aos fundamentos da decisão sobre a matéria de facto, que se mostra assim inalterável, face à prova produzida. Deverá pois, soçobrar integralmente a pretensão do recorrente, mantendo-se totalmente inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.*C) Da nova fundamentação de direito O réu recorrente veio ainda invocar nas suas alegações de recurso que o tribunal a quo andou em grosseiro erro ao validar o direito à execução específica do contrato-promessa a favor dos recorridos, em vez de declarar que assistiu ao recorrente declarar que eles se encontravam em incumprimento e o contrato-promessa estava incumprido em 1 de Fevereiro de 2015 e assim continuou até à denúncia do mesmo, feitas com cartas de 29 de Julho de 2015. Ora, acontece que, em face da factualidade dada como assente, não partilhamos desta posição assumida pelo recorrente; antes consideramos que o tribunal a quo fez adequada interpretação do direito à factualidade apurada. Sem querermos ser demasiado exaustivos, cumpre salientar alguns segmentos da decisão recorrida, neste particular, com os quais concordamos, designadamente quando salienta o seguinte: “ (…) Ora, no caso dos autos, o R. entende que, devido ao facto de a A. não ter marcado a escritura de compra e venda em tempo que permitisse celebrá-la até 01-02-2015, data até à qual convencionaram que seria celebrada a referida escritura, incorreu em incumprimento, fundando nesse incumprimento a resolução do contrato promessa que pretende ver declarada. Assentando em que a resolução contratual só pode ocorrer quando houver incumprimento definitivo, não bastando, para o efeito, a simples mora, a questão a colocar é então a de saber se a A. incorreu em incumprimento definitivo do contrato promessa por não ter marcado a escritura de compra e venda, de forma a que a mesma pudesse ser celebrada até 01-02-2015. A dilucidação desta questão (atenta a forma como a configura o R., que invocou que a A. incorreu em incumprimento definitivo pelo facto de não ter marcado a escritura até 01-02-2015) passará por saber se o referido prazo fixado para celebração da escritura constitui um termo fixo (absoluto) ou um termo não fixo (relativo), pois que, só o desrespeito do primeiro conduzirá a uma situação de incumprimento definitivo. Ora, estaremos perante um prazo absoluto, quando as partes fixam um prazo para o cumprimento de determinada obrigação, de modo a que a prestação seja efectuada dentro dele, sob pena de o negócio já não ter interesse para o credor; e estaremos perante um prazo relativo, quando assim não acontece, ou seja, quando pelo simples facto de se ultrapassar o prazo, não se frustra a utilidade económica do contrato, o interesse do credor na sua celebração persiste. (…) Ora, no caso dos autos, não vislumbramos qualquer elemento que aponte no sentido de as partes terem querido atribuir ao prazo fixado para celebração da escritura um carácter de termo fixo (absoluto), antes pelo contrário. (…) Também não vislumbramos qualquer outro fundamento de incumprimento definitivo do contrato promessa por parte da A. Consequentemente, o facto de a A. não haver marcado a escritura de compra e venda, por forma a que a mesma pudesse ser celebrada até 01-02-2015, não a poderia ter feito incorrer em incumprimento definitivo, mas, quando muito, em mora (afigurando-se-nos que nem esta se verifica, porque foi elidida a presunção de culpa da A., no atraso da marcação da escritura). (…) Não havendo incumprimento definitivo por parte da A., não havia fundamento legal para o R. resolver o contrato promessa, sendo, consequentemente, ilícita a resolução (embora o R. a haja designado por denúncia, que no tipo contratual em causa não tem cabimento legal) que efectuou do contrato, através de declaração feita à R. – art. 436º, n º 1, do C.C., e que, enquanto declaração receptícia, se tornou eficaz logo que chegou ao seu poder e podia ser por ela conhecida, o que aconteceu quando foi deixado aviso na morada indicada no contrato promessa, que as partes convencionaram como sendo a morada para onde deveriam ser endereçadas as comunicações entre elas - Art. 224º, n º 1 e 2, do C.C. Assim, não havia incumprimento definitivo por parte da A., que justificasse a resolução do contrato promessa em causa. Na realidade, como já salientámos supra, da factualidade dada como provada sob os nºs 14 e 15, resulta que foi o réu que não realizou as diligências prévias necessárias ao levantamento de penhoras que incidiam sobre os imóveis prometidos vender, sendo certo que essas mesmas diligências eram, como é óbvio, da sua responsabilidade, tanto mais que os imóveis deveriam ser vendidos pelo réu à autora “… livre de quaisquer ónus, encargos, compromissos ou responsabilidades, nomeadamente de natureza fiscal …” (cfr. cláusula 3ª, ponto 1, do mencionado contrato-promessa). Importa ainda salientar que se nos afigura evidente que, tendo o réu dificuldades financeiras em liquidar algumas das suas dívidas para efeitos de levantamento das penhoras que incidiam sobre os imóveis objeto do contrato-promessa, poderia, pura e simplesmente, pedir um adiantamento dos respetivos montantes à autora e imputar posteriormente no preço devido pela celebração do contrato prometido, tal como aliás estava previsto na cláusula 4ª do contrato-promessa e que acabou por vir a suceder, em data posterior a 01.02.2015. Deste modo, podemos mesmo concluir que, a existir incumprimento na celebração do contrato definitivo em 01.02.2015, este seria imputável ao réu e não à autora. Por outro lado, evidencia-se ainda da mesma factualidade dada como assente, que foi o próprio réu que não considerou que existia incumprimento por parte da autora, mormente ao pedir a esta, em data posterior à data inicialmente prevista para a celebração do contrato definitivo, para que lhe liquidasse dívidas fiscais e a LP, dando assim lugar ao cancelamento de penhoras que incidiam sobre os mesmos prédios, o que veio a ser satisfeito pela autora, em Abril de 2015. Se, depois, passados três meses, em Julho de 2015, veio comunicar à autora que “denunciava” (rectius resolvia) o contrato-promessa, mormente com base na ausência de pagamento daquelas dívidas previstas naquela cláusula 4ª (cfr. docs. de fls. 130 a 135), atua em claro “abuso de direito”, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé – cfr. art. 334º, do C. Civil. De qualquer modo, como é salientado pelo tribunal a quo, só o incumprimento definitivo legítima a resolução do contrato-promessa por parte do promitente cumpridor, pelo que, não se demonstrando tal incumprimento do contrato por parte da autora, não tem o réu direito e consequente fundamento legal para resolver o contrato-promessa celebrado. Por último, o réu recorrente defende que, para além do preço fixado, a autora recorrida assumiu, autonomamente, as dívidas aludidas nas als. c), d) e e) da cláusula 4ª do contrato-promessa em causa. Destarte, insurge-se contra o despacho de consignação em depósito da parte do preço da compra e venda ainda em dívida (que deu origem à consignação pela autora do valor de € 51.934,69 – cfr. fls. 368), pois que se impunha que a recorrida concretizasse o que estava em dívida no âmbito do contrato, para o recorrente e os credores se pronunciarem, e, só depois, se consignasse o valor concretamente em dívida. Esta questão impõe necessariamente que apreciemos qual a interpretação que devemos retirar das declarações negociais constantes do configurado contrato-promessa celebrado entre as partes. No que concerne à interpretação da declaração negocial rege o art. 236º do Código Civil que, consagra a doutrina da impressão do destinatário, dispondo no seu n.º 1 que: “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.” Por sua vez, o n.º 2 do mesmo preceito legal, em consonância com a velha máxima “falsa demonstratio non nocet”, estabelece que: “Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.” Tal como referem Pires de Lima e Antunes Varela (21), “a regra estabelecida no n.º 1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º 2). (...) O objectivo da solução aceite na lei é o de proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir. Consagra-se assim uma doutrina objectivista da interpretação, em que o objectivismo é, no entanto, temperado por uma salutar restrição de inspiração subjectivista. (...) A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante.” (22) Deste preceito resulta pois que, em consonância com os princípios da proteção da confiança e segurança do tráfico jurídico, dá-se prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário, a partir da qual a declaração deve ser focada. Realce-se, porém, que a lei não se basta com o sentido compreendido realmente pelo declaratário (entendimento subjetivo deste) e, por isso, concede-se primazia àquele que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário depreenderia (sentido objetivo para o declaratário). Tal como salienta Paulo Mota Pinto (23), “há que imaginar uma pessoa com razoabilidade, sagacidade, conhecimento e diligência medianos, considerando as circunstâncias que ela teria conhecido e o modo como teria raciocinado a partir delas, mas figurando-a na posição do real declaratário, isto é, acrescentando as circunstâncias que este concretamente conheceu (…), e o modo como aquele concreto declaratário poderia a partir delas ter depreendido um sentido declarativo”; sendo que o declaratário normal corresponde ao “bonus pater familias”, equilibrado e de bom senso (24); pessoa de qualidades médias, de instrução, inteligência e diligência normais. Por outro lado, no domínio da interpretação dos negócios jurídicos que, no fundo, consiste em “determinar o conteúdo das declarações de vontade e, consequentemente, os efeitos que o negócio visa produzir, em conformidade com tais declarações” (25), surgem como elementos essenciais a que deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações: “a letra do negócio, as circunstâncias de tempo, lugar, e outras, que precederam a sua celebração ou foram contemporâneas desta, bem como as negociações respetivas; a finalidade prática visada pelas partes; o próprio tipo negocial; a lei e os usos e costumes por ela recebidos.” (26) Também António Menezes Cordeiro defende que, para discernir os elementos ou critérios que integram o “horizonte do destinatário”, temos que considerar, designadamente: “(a) a letra do negócio; (b) os textos circundantes; (c) os antecedentes e a prática negocial, (d) o contexto; (e) o objetivo em jogo; (f) elementos jurídicos extra-negociais.” (27) Por último, cumpre realçar que, nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto (cfr. art. 238º, n.º 1, do C. Civil); ou seja, para que possa valer, o sentido atribuído pelo “declaratário normal” deverá estar expresso, ainda que de forma imperfeita, no próprio texto do documento que serve de suporte à declaração. Todavia, o sentido sem correspondência mínima no texto poderá ainda valer, em casos excecionais, se traduzir a vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade (cfr. art. 238º, n.º 2, do C. Civil). Destarte, conforme é salientado pelo Ac. STJ de 22.09.2015 (28), “nos negócios formais, a letra do negócio constitui o primeiro elemento com que o interprete se confronta. Esse elemento literal, porém, não é mais do que a base ou ponto de partida da interpretação. Por mais claros ou unívocos que pareçam, os termos utilizados não dispensam essa tarefa de interpretação, por forma a confirmar ou contrariar essa aparência, considerando outros elementos ou circunstâncias atendíveis, como o comportamento das partes, anterior ou posterior ao negócio, as precedentes relações negociais entre as mesmas partes, o próprio tipo negocial e a finalidade prática prosseguida pelas partes. Por outro lado, o intérprete não deve quedar-se na sua apreciação por expressões ou cláusulas isoladas, mas antes estender a sua análise, atentando no conjunto ou na totalidade da declaração, numa “interpretação complexiva” dessas expressões e cláusulas.” (29) À luz destes critérios interpretativos, importa, pois, ter presente que em causa está um contrato-promessa de compra e venda, celebrado entre as partes, mediante o qual o réu prometeu vender à autora e esta prometeu comprar-lhe determinados imóveis. De facto, dos factos dados como assentes (cfr. nºs 5, 6, 7 e 8 em conjugação com o teor do documento de fls. 65 a 74, cujo teor é aceite integralmente por ambas as partes) temos, pois, como demonstrado que: Em 05-12-2014, a A. e o R. celebraram, por escrito, um acordo que designaram por “contrato promessa de compra e venda”, mediante o qual o R. prometeu vender à A. e esta prometeu comprar-lhe os prédios supra identificados em 4 (dos factos provados), livres de quaisquer ónus, encargos, compromissos ou responsabilidades, nomeadamente de natureza fiscal, bem como totalmente desocupados de pessoas e bens. Trata-se, pois, de um contrato bilateral ou sinalagmático (dele resultam obrigações para ambas as partes), oneroso e formal (a lei impõe a forma escrita – art.º 410º, n.ºs 1 e 2, do C. Civil). Mais se convencionou que o preço da venda dos identificados imóveis ascendia a € 63.000,00 (cfr. cláusula 3ª do mesmo contrato-promessa). Por sua vez, na cláusula 4ª consignou-se que este mesmo preço seria pago da seguinte forma: a) A título de sinal e início de pagamento, a quantia de € 8.000,00, que consignaram já ter sido paga ao Banco A, S.A., em prestações bancárias, e ao R.; b) O remanescente, valor que seria computado no momento da outorga do contrato prometido, seria pago no ato da escritura de compra e venda, a título de distrate ao Banco A, S.A.; c) A A. assumiu as dívidas fiscais do R. referentes aos anos de 2013 e 2014, até ao valor máximo de € 1.000,00, que seria pago no ato da escritura de compra e venda; d) A A. assumiu a dívida do R. a LP, até ao valor máximo de € 2.000,00, que seria pago no ato da escritura de compra e venda; e) E assumiu a dívida do R. ao Dr. Joaquim, referente a honorários forenses deste, até ao valor máximo de € 15.000,00, que seria pago no ato da escritura de compra e venda. Do texto destas duas cláusulas retiramos claramente a interpretação – a qual igualmente resultaria para um declaratário normal – que, estando em causa um contrato-promessa de compra e venda de imóveis, haveria de ser fixado um preço final para a celebração do respetivo contrato definitivo, o qual, in casu, ascendeu a € 63.000,00, tal como aliás resulta, em nosso ver, inequívoco da cláusula 3ª do referido contrato-promessa. Por outro lado, também não resulta da cláusula 4ª do mesmo contrato-promessa que as partes tivessem querido fixar um preço mínimo de € 63.000,00, ao qual se somaria as dívidas referidas nas als. c) a e) da mencionada cláusula 4ª do mesmo contrato-promessa. Por último, cumpre realçar que, de acordo com a cláusula 7ª do mencionado contrato-promessa, sob o ponto 4 ficou consignado que: “No dia útil seguinte àquele em que nos termos do disposto no número anterior a resolução tiver operado, o PRIMEIRO OUTORANTE devolverá à SEGUNDA OUTORGANTE, em dobro, todos os montantes recebidos a título de sinal, previstos na cláusula 4ª do presente contrato, mediante cheque à sua ordem.” (sublinhámos). Por assim dizer, os montantes que o réu eventualmente recebesse por conta das diversas formas previstas nas alíneas da referida cláusula 4ª, deveriam ser reportados sempre como “sinal”, e, como tal, a ser imputado naquele preço já fixado pelas partes de € 63.000,00 para a compra e venda dos identificados imóveis (cfr. arts. 441º e 442º, n.º 1, do C. Civil). Nesta medida, a partir do momento que temos como assente que a autora (promitente compradora) pagou, para além do valor de € 8.000,00 referido na al. a) da cláusula 4ª, dívidas do réu relativas ao Fisco e a LP, no valor global de € 3.065,31 (cfr. n.º 15 dos factos provados), então apenas restaria à autora pagar o valor consignado em depósito de € 51.934,69 (cfr. fls. 368), para perfazer o citado preço de € 63.000,00, fixado no contrato-promessa em causa para pagamento da aquisição dos identificados imóveis, ou seja para satisfação do cumprimento de pagamento do preço a cargo da promitente-compradora na celebração do contrato prometido. É claro, que poderão existir outros valores, designadamente de natureza fiscal, a realizar pela promitente compradora para a realização da escritura definitiva, o que, porém, não está aqui em causa. Concluímos, pois, que deverá soçobrar integralmente a pretensão recursiva do réu. * V. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se, pois, a sentença recorrida. Custas pelo apelante (art. 527º, n.º 1, do C. P. Civil), sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido. * * Guimarães, 18.01.2018 António José Saúde Barroca Penha Des. Eugénia Marinho da Cunha Des. José Manuel Alves Flores 1. Vide, neste sentido, J. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 139. 2. Sobre a fundamentação das decisões judiciais, vide, por todos, Ac. do STJ de 24.11.2015, Processo n.º 125/14.5FYLSB, relator Souto Moura, acessível em www.dgsi.pt. (além da demais jurisprudência citada neste aresto). 3. Vide, neste sentido, por todos, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, pág. 687. 4. Ob. citada, Vol. V, pág. 140. 5. Vide, ainda, no mesmo sentido, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 609; e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, págs. 221-222. 6. Vide, neste sentido, Ac. do STJ de 02.03.2011, proc. n.º 161/05.2TBPRD.P1.S1, relator Sérgio Poças; e Ac. da Relação do Porto de 16.06.2014, proc. n.º 722/11.0TVPRT.P1, relator Carlos Gil., ambos disponíveis em www.dgsi.pt. 7. Ob. cit., págs. 689/690. Ao nível da jurisprudência, vide, no mesmo sentido, por todos, Ac. RP de 29.06.2015, proc. n.º 1106/12.9YYPRT-B.P1, relator Alberto Ruço; Ac. RP de 01.06.2015, proc. n.º 843/13.5TJPRT.P1, relator Caimoto Jácome; e Ac. STJ de 04.05.2017, proc. n.º 2886/12.7TBBCL.G1.S1, relator Tavares de Paiva, todos in www.dgsi.pt. 8. Ob. citada, pág. 141. 9. Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 151. 10. Ob. cit., pág. 143. 11. Vide, neste sentido, por todos, Ac. STJ de 08.02.2011, proc. n.º 842/04.8TBTMR.C1.S1, relator Moreira Alves;Ac. STJ de 21.10.2014, proc. n.º 941/09.0TVLSB.L1.S1, relator Gregório Silva Jesus; Ac. STJ de 22.11.2015, proc. n.º 24/09.2TBMDA.C2.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 07.07.2016, proc. n.º 802/13.8TTVNF.P1.G1.S1, relatora Ana Luísa Geraldes, e Ac. STJ de 04.05.2017, este já citado, todos disponíveis em www.dgsi.pt. 12. Ob. citada, pág. 164. 13. Cfr. ainda diversos Acs. do STJ, aludidos na ob. citada, págs. 161 a 165. 14. Abrantes Geraldes, ob. citada, págs. 165-166. 15. Ob. citada, págs. 274 e 277. 16. Segundo Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 569, prova livre “quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais pré-estabelecidos, isto é, ditados pela lei.” 17. O princípio da livre apreciação dos meios probatórios resulta, ainda, em sede de direito probatório material, no que se refere à prova por declarações de parte (não confessórias), à prova testemunhal, à prova por inspeção e à prova pericial, do estipulado nos arts. 361º, 389º, 391º e 396º, todos do C. Civil. 18. Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348. 19. Vide, neste sentido, por todos, Acs. do STJ de 03.11.2009, proc. n.º 3931/03.2TVPRT.S1, relator Moreira Alves; e Ac. do STJ de 01.07.2010, proc. n.º 4740/04.7TBVFX-A.L1.S1, relator Bettencourt de Faria, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. 20. Cfr. Ana Luísa Geraldes, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol. I, pág. 609. 21. Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, 4ª edição, pág. 223. 22. Em sentido algo diverso, João de Castro Mendes (Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, AAFDL, 1995, pág. 366), defende que há que combinar as duas teorias voluntarista (subjetiva) e declarativista (objetiva), de modo que “a interpretação do negócio jurídico será a fixação do que, em face da declaração e da sua circunstância, objectivamente se há-de ter por vontade real do declarante”. 23. Declaração Tácita e Comportamento Concludente no Negócio Jurídico, Almedina, 1995, pág. 208. 24. Neste sentido, cfr. Luís Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 2ª edição, Lex, 1996, pág. 348; e Teoria Geral do Direito Civil, II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 3ª edição, Universidade Católica Portuguesa, pág. 415. 25. Cfr. Carlos Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, págs. 444-445. 26. Neste sentido, cfr. Luís Carvalho Fernandes Teoria Geral do Direito Civil, II, Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica, 3ª edição, Universidade católica Portuguesa, págs. 416/417. 27. In Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral, Negócio Jurídico, Almedina, 4ª edição, págs. 717-718. 28. Proc. n.º 852/12.1TBPTM-A.E1.S1, relator Pinto de Almeida, acessível em www.dgsi.pt. 29. Cfr. ainda as diversas referências doutrinais consagradas no mesmo aresto.