Processo:843/13.5TJPRT.P1
Data do Acordão: 31/05/2015Relator: CAIMOTO JÁCOMETribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I- A oposição referida na al. c) do n° 1, do art. 615º, nº 1, do CPC, é a que se verifica no processo lógico por via do qual das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas este extrai a decisão a proferir. Se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma. II- De acordo com o princípio do dispositivo, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo-se ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, não podendo, por regra, ocupar-se de outras questões. III- É nula a sentença que, violando o princípio dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância, não observe os limites impostos pelo artº 609º, nº 1, do CPC, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido. IV- Pode definir-se a sentença condicional como aquela que só impõe a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro e incerto; sentença de condenação condicional é a sentença em que nela se decide que ao demandante assiste certo e determinado direito mas cujo atinente exercício está sujeito a um evento futuro e incerto. V- A sentença (dispositivo) viola o preceituado na al. e), do nº 1, do artº 615º, do CPC, quando o sentenciador condiciona a restauração natural pedida e determinada à inexistência de perda total, não alegada nem provada, “a apurar durante as operações de diagnóstico e de ensaio da reparação”, pois que geraria uma inadmissível incerteza na decisão. VI- Tal configuraria uma sentença condicional, impondo a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro, incerto e eventualmente conflituoso, ou seja, o facto condicionante exigiria ulterior verificação judicial, prejudicando irremediavelmente a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na acção.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
CAIMOTO JÁCOME
Descritores
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL NULIDADE DA SENTENÇA PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO SENTENÇA CONDICIONAL RESTAURAÇÃO NATURAL
No do documento
Data do Acordão
06/01/2015
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
ALTERADA.
Sumário
I- A oposição referida na al. c) do n° 1, do art. 615º, nº 1, do CPC, é a que se verifica no processo lógico por via do qual das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas este extrai a decisão a proferir. Se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma. II- De acordo com o princípio do dispositivo, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo-se ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, não podendo, por regra, ocupar-se de outras questões. III- É nula a sentença que, violando o princípio dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância, não observe os limites impostos pelo artº 609º, nº 1, do CPC, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido. IV- Pode definir-se a sentença condicional como aquela que só impõe a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro e incerto; sentença de condenação condicional é a sentença em que nela se decide que ao demandante assiste certo e determinado direito mas cujo atinente exercício está sujeito a um evento futuro e incerto. V- A sentença (dispositivo) viola o preceituado na al. e), do nº 1, do artº 615º, do CPC, quando o sentenciador condiciona a restauração natural pedida e determinada à inexistência de perda total, não alegada nem provada, “a apurar durante as operações de diagnóstico e de ensaio da reparação”, pois que geraria uma inadmissível incerteza na decisão. VI- Tal configuraria uma sentença condicional, impondo a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro, incerto e eventualmente conflituoso, ou seja, o facto condicionante exigiria ulterior verificação judicial, prejudicando irremediavelmente a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na acção.
Decisão integral
Proc. n.º 843/13.5TJPRT.P1 - APELAÇÃO

Relator:   Desem. Caimoto Jácome(1529)
Adjuntos: Desem. Macedo Domingues
                Desem. Oliveira Abreu

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

1-RELATÓRIO 

B........, com os sinais dos autos, intentou a presente acção declarativa, de condenação, com processo comum ordinário, contra C........–Companhia de Seguros, S.A., com sede em Lisboa, pedindo que seja declarado, por sentença, que o acidente de viação em causa ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel ..-..-PB, cuja responsabilidade pelos danos provocados pela respetiva circulação se encontra transferida para a ré e, consequentemente, ser a ré condenada:
 - a eliminar de forma definitiva os danos verificados no veículo automóvel propriedade do autor de matrícula ….DHH, num concessionário oficial Chrysler; 
- a pagar ao autor a quantia de € 568,21, conforme supra exposto no artigo 42º;
- a pagar ao autor a quantia de € 20.100,00, pela privação de uso do veículo do autor, desde o dia 19/03/2013 até ao dia 24/05/2013;
- a pagar ao autor a quantia diária de € 300,00 a contar do dia 25/05/2013 até à data do pagamento, a liquidar em execução de sentença; 
- a pagar ao autor os juros de mora, a taxa legal em vigor sobre as referidas quantias, desde a citação até efetivo e integral pagamento. 
Alega, para tanto, em síntese, que os danos ora peticionados são consequência de um acidente de viação ocorrido no dia 13 de Junho de 2012, pelas 17h20m, ao quilómetro 11,9, na Auto-Estrada 20, no sentido Freixo/Arrábida, na freguesia de Campanhã, concelho e distrito do Porto, em que foram intervenientes o veiculo pesado de mercadorias, marca MAN, de matrícula ..-..-PB, propriedade de D........, Lda, e conduzido por E........, o veículo ligeiro de mercadorias, marca Renault, modelo Clio, de matrícula ..-..-UG, propriedade de F........ e conduzido por este e o veículo ligeiro de passageiros, marca Chrysler, modelo Crossfire 3.2, de matrícula ….DHH, propriedade do autor e conduzido por este.
No local, a faixa de rodagem está dividida em três linhas de trânsito, no sentido Freixo – Arrábida, circulando o ….DHH pela linha da esquerda, o ..-..-PB pela linha central e o ..-..-UG pela linha da direita.
O embate ocorreu quando o condutor do veículo ..-..-PB ocupou subitamente a linha de trânsito por onde circulava o veículo automóvel ..-..-UG, tendo embatido neste veículo, que, por sua vez, foi colidir com veículo de matrícula ….DHH, do demandante.
Foi responsável pelo acidente o condutor de veículo seguro na Ré (..-..-MB), sendo certo que o sinistro causou danos patrimoniais ao demandante, que importam na quantia reclamada. 
Citada, a seguradora ré contestou, excepcionando e impugnando de requerendo, por fim, a intervenção da sociedade G........−Comércio de Automóveis, S.A.. **Por despacho de fls. 114, foi admitida a intervenção acessória de G........−Comércio de Automóveis, S.A., que apresentou contestação (fls. 122-128, negando qualquer responsabilidade.**Consta da acta da audiência prévia (fls. 175-177), além do mais, o seguinte:
“Objeto do litígio: 

Pagamento de indemnização, fundada em responsabilidade civil extracontratual e contratual (acidente de viação/contrato de seguro). 

Temas da prova: 

1° Os danos que a viatura apresenta. 
2° A fonte desses danos, designadamente, se têm a sua origem no acidente relatado na p.i.; 
2° O valor da reparação dos danos emergentes do sinistro; 
3° Privação do uso da viatura e o valor do dano respetivo. 

Pelos Ilustres Mandatários das partes foi declarado nada terem a reclamar. *Neste momento, pelo Mmº, Juiz foi admitida a prova pericial, tendo sido dada a palavra aos ilustres mandatários da Ré e da Chamada, para se pronunciarem sobre a mesma. 
Pelo ilustre mandatário da Ré foi dito: 
"Deverá o Sr. Perito dizer (desenvolvendo os fundamentos da resposta): 
- quais são os danos, que neste momento a viatura apresenta? 
- as queixas relatadas pelo Autor na p.i. decorrem da existência desses danos? 
- é possível estabelecer como causa desses danos o acidente relatado na p.i.? 
- é possível estabelecer como causa desses danos qualquer sinistro? 
- que tipo de sinistro e como provocou ele os danos? 
Seguidamente, pelo ilustre mandatário da chamada foi dito: 
"Deverá o Sr. Perito dizer (desenvolvendo os fundamentos da resposta): 
- existe um dano estrutural no lado direito da longarina dianteira …? 
- … a qual havia sido já objecto de uma reparação anterior, através de soldadura deficientemente executada …? 
- … sendo que esse dano influenciava e influencia negativamente o alinhamento da viatura?".**Saneado e instruído o processo, após julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu (dispositivo):
“Pelo exposto, julgo a ação parcialmente provada e procedente e, em conformidade condeno a ré, C........ – Companhia de Seguros, S.A., a indemnizar o autor, B........, pelos danos emergentes do acidente de viação descrito nos fundamentos de facto desta sentença, provocados na viatura de matrícula ….DHH.
Se não ocorrer a perda total da viatura − circunstância a apurar durante as operações de diagnóstico e de ensaio da reparação −, esta indemnização deverá consistir na restauração natural, desempenando-se − em banco de carroçarias − a cava da roda esquerda, corrigindo-se a ponta da longarina, conforme descrito no 48.º ponto desta fundamentação de facto, restabelecendo-se a simetria estrutural da viatura, e realizando-se as demais intervenções que permitam o alinhamento das rodas/direção, sendo assegurado ao autor um veículo de substituição durante as intervenções na viatura.
No mais, vai a ré absolvida do pedido.
Custas da ação a cargo de autor e ré, na proporção do decaimento.
Valor da Causa: o dado pelas partes.”.**Inconformada, a ré apelou, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões:
1ª) Nem o A., nem a R., sustentaram a configuração de uma “perda total da viatura”, nem isso resultou da instrução e julgamento da causa, pelo que não podia o Mmº Juiz, na sentença proferida colocar a sua decisão condenatória sujeita à não verificação de um evento incerto quanto à sua verificação como o fez com o trecho “se não ocorrer a perda total da viatura”;
2ª) Ao condenar na realização de trabalhos de reparação com vista à restauração natural (prestação de facto positivo), mas condicionando-a à não verificação de uma situação de perda total que não foi apurada nem estão definidos os respectivos contornos, está o Juiz a proferir uma decisão condicional;
3ª) A prolação de sentenças condicionais não é permitida pelo nosso ordenamento processual civil;
4ª) Ao condenar na realização de trabalhos de reparação com vista à restauração natural (“restabelecendo-se a simetria estrutural da viatura e realizando-se as demais intervenções que permitam o alinhamento das rodas/direcção”), sem sequer concretizar em que possam consistir essas “demais intervenções”, está o Juiz a proferir uma decisão vaga e ambígua que não delimita convenientemente a concreta prestação em que condena a ré;
5ª) A sentença vaga, ambígua e consequentemente ininteligível quanto ao comando normativo em que modela a conduta a adoptar pela parte condenada, é nula nos termos do disposto no art.º 615.º n.º 1 alínea c) do CPCiv;
6ª) A sentença ao condenar a ré a efectuar determinada reparação, condenação essa condicionada à não verificação de uma situação de “perda total” que não foi invocada por qualquer das partes, nem resultou discutida da instrução, é ainda nula por excesso de pronúncia nos termos do disposto no art.º 615.º n.º 1 alínea d) do CPCiv
7ª) A sentença proferida é ainda nula ao condenar a ré a proceder a uma reparação da viatura do autor nos termos concretos que acima determina, no trecho final onde prevê “sendo assegurado ao autor um veículo de substituição durante as intervenções na viatura” pois se trata de um concreto segmento de condenação – assegurar ao A. um veículo de substituição durante as reparações – que não tem correspondência com um pedido formulado pelo A., nem originária, nem subsequentemente;
8ª) Considerando que o Juiz só pode condenar apenas nos pedidos formulados pelas partes – art.º 608.º n.º 2 do CPCiv - condenando em prestação que não foi objecto de pedido do autor na PI, incorre na nulidade prevista no artigo 615.º n.º1, al. e) do C.P.Civil, que fere de nulidade esta parte da decisão;
9ª) Quanto a este aspecto a sentença é ainda nula;
10ª) No que respeita a tal segmento, além de nulidade por excesso de pronúncia, a decisão está inquinada por contradição com os fundamentos da sentença com base nos quais o Mmº Juiz a quo julgou improcedente o pedido de condenação da ré no pagamento de uma quantia diária em dinheiro pela paralisação do veículo;
11ª) Ao dar como provados os factos constantes dos pontos 36º a 38º da matéria de facto provada dos quais resulta que a causa da paralisação ou não uso do veículo pelo autor se deve a um dano emergente ao veículo em momento ulterior à conclusão da reparação e não ao acidente, não podia, por isso a ré ser condenada a colocar à disposição do autor um veículo de substituição do dele com o qual possa circular, se o veículo do autor, à data da reparação, já não podia circular, enquanto não for reparado pelo próprio autor quanto à barra estabilizadora que o impede de circular;
12ª) A decisão neste aspecto está ainda ferida da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do aert.º 615.º do CPCiv;
13ª) A decisão recorrida é ainda nula no que respeita aos pontos 7º, 8º e 48º do elenco dos factos dados como provados, já que o Mmº Juiz a quo considerou matéria que não foi objecto de alegação pelas partes, designadamente, pelo autor e da qual veio a resultar, directamente, o objecto da condenação da recorrente;
14ª) O Autor alegou “as rodas do veículo encontravam-se empenadas” (art.º 45º da PI) e uma “rachadela do lado esquerdo do chassis do veículo do autor” (art.º 66º da PI) ulterior e decorrente de andamento após o acidente, factos concretos e essenciais, totalmente distintos dos que o Juiz a quo deu como provados nos pontos 7º, 8º e 48º e que importam uma alteração da causa de pedir, não requerida, nem legalmente admissível;
15ª) Na medida em que condena na reparação precisamente dos concretos danos descritos no ponto 8º dos factos provados (para onde a condenação remete) conhece de questões/factos de que não lhe era lícito conhecer e em pedido que não foi formulado o que traduz também nulidade da sentença;
16ª) Procedendo-se a reapreciação do julgamento da matéria de facto devem ser eliminados do elenco dos factos provados os que constam dos pontos 7º, 8º, 18º, 19º e 48º da sentença por não ter sido produzido prova cabal que os confirme, muito pelo contrário;
17ª) Os meios de prova que impõe decisão diversa são desde logo os documentos de fls. 89 e 287 e ss, que confirmam que a razão de ciência juízo pericial se situa quase dois anos depois do acidente em questão e depois de o veículo ter percorrido mais de 20000 kms, o que retira qualidade probatória para convencer o Tribunal acerca do nexo causal entre o estado actual da viatura e subsequente ao acidente, quando foi objecto da intervenção da G........E;
18ª) Seguidamente, a consideração das fotos de fls. 293 a 297 de onde se constata que os alegados empenos na cava da roda esquerda e ponta dianteira da longarina esquerda são bem visíveis mesmo sem desmontagem das rodas, pelo que, a existirem logo após o acidente, não havia razão para que tais danos não fossem detectados na data da sua vistoria preliminar à reparação levada a cabo na oficina da interveniente;
19ª) Para além desses, não levou o Mmº Juiz em conta os depoimentos testemunhais, desde logo o de H......., orçamentista da interveniente que depôs na sessão de 6/10/2014 gravado em CD de 10:49:45 a 11:17:44, cuja razão de ciência é total pois recebeu o veículo após o acidente e fez a vistoria de peritagem e orçamentação, testemunha esta cuja coerência e isenção é salientada pelo Mmº Juiz a quo na fundamentação da decisão da matéria de facto;
20ª) Nos trechos transcritos e identificados pelas passagens da gravação afasta a possibilidade de o veículo ter os danos na cava da roda e ponta da longarina esquerda que agora apresentou na peritagem efectuada muitos kilometros e um ano depois, andando a circular e tendo outros acidentes;
21ª) Confrontada com as fotos da peritagem não só explica como tais danos não foram reparados porque não existiam, bem como seriam facilmente detectáveis quer porque as zonas estavam visíveis após desmontagem, quer porque a sua intervenção (na fixação dos guarda-lamas e do suporte do pára-choques, ocorrem na referida zona, quer ainda porque o seu interesse (da G........) seria reparar se os danos existissem pois o orçamento com a seguradora estava aberto e esta pagaria tais danos se existissem;
22ª) Este depoimento é reforçado pelo depoimento da testemunha I......., orçamentista da interveniente que depôs na sessão de 6/10/2014 gravado em CD de 11:43:08 a 11:51:58, nas partes acima referenciadas, tratando-se do mecânico que foi chamado a observar a viatura a quando da reclamação do autor quanto a ruídos depois de reparada;
23ª) No seu depoimento que o Mmº Juiz a quo descreve como “depôs de modo claro, coerente e consistente”, confirma que após mudar uns casquilhos, procedeu ao alinhamento da direcção e esta ficou alinhada dentro dos intervalos de fábrica, confirmando o depoimento da testemunha anteriormente referida que o veículo não apresentava os danos que agora foram constatados pelo perito;
24ª) Ambas com razão de ciência que a prova pericial não tem quanto ao nexo causal, e ambas sem reparos quanto à coerência e isenção, pelo que não podiam deixar de ser valorados nas partes que se assinalam e que inviabilizavam que se dessem como provados os factos cuja alteração se reclama;
25ª) A essas acresce ainda o depoimento da testemunha J......., perito avaliador de danos da empresa GEP a quem a ré confiou o serviço de peritagem e que depôs na sessão de 30/6/2014 gravado em CD de 14:39:07 a 15:19:29 a qual, concretamente nas passagens acima indicadas, questionada quanto à ocorrência de danos estruturais no embate em questão, ele, que viu e avaliou o veículo foi peremptório na negativa.
26ª) Por último o relatório pericial de fls. 287 e ss complementado pelos esclarecimentos prestados em audiência pelo perito subscritor K......., na sessão de 30/6/2014 gravados em CD de 15:21:02 a 15:53:21, não estabelece o nexo causal dos danos na cava da roda e longarina com o acidente, apenas sendo afirmado que tais danos “se podem enquadrar” com o acidente, atento o facto de não conhecer o percurso da viatura antes do acidente e depois dele até a ir peritar na pendência dos autos.
27ª) Da conjugação destes meios de prova e ainda considerando os factos dados como provados sob os n.ºs 32º a 38º de onde decorre ter a viatura circulado milhares de quilómetros com outros embates e danos que afectam a sua estabilidade, resultam as mais sérias dúvidas quanto à ligação dos danos na longarina e cava da roda esquerda e o acidente em questão nestes autos.
28ª) A dúvida nos factos controvertidos resolve-se contra aquele a quem aproveitam e que está onerado com o respectivo ónus, pelo que, atento o disposto nos art.ºs 414º do CPCiv e 342.º do CCiv, devem ser eliminados dos factos provados os constantes dos pontos 7º, 8º, 18º, 19º, 21º, 23º, 27º, 30º e 48.º da sentença e consequentemente, alterada a sentença no sentido da improcedência da acção;
Não obstante,
29ª) Dos pontos 9º a 17º dos factos provados, resulta adquirido que seguradora, autor e G........, acordaram em que os danos sofridos pela viatura fossem reparados na oficina desta última, nos termos e pelos valores constantes do relatório de peritagem de fls. 78 aceite e assinado pelas três partes;
30ª) Tal documento, consubstancia um verdadeiro acordo transaccional extrajudicial de ressarcimento pela seguradora dos danos materiais causados à viatura do autor com o acidente em questão já que através dele, com a concordância do autor que o assinou, a interveniente se obrigou a proceder à reparação dos elementos aí consignados como decorrentes do acidente e pelo preço acordado assim extinguindo pelo cumprimento a obrigação de indemnização que para si estava transferida por via do contrato de seguro;
31ª) O acordo transaccional previsto e regulamentado nos art.ºs 1248.º e ss do CCiv, extingue a obrigação de indemnização que impendia sobre a ré, pois transfere para a oficina quaisquer deficiências, omissões ou incorrecções para a oficina que levou a cabo a reparação e tem ainda a natureza de contrato a favor de terceiro enquadrando-se perfeitamente no âmbito do disposto no art.º 443.º n.º1 do CCiv.;
32ª) E o autor, enquanto terceiro beneficiário, ao subscrever o referido relatório, como se provou, manifestou a sua adesão à promessa nos termos e com os efeitos do disposto no art.º 447.º n.º 3 do CCiv, pelo que na eventualidade de defeito ou omissão na reparação levada a cabo pela chamada, é esta que o A. deve demandar e não a ré seguradora que cumpriu o acordo transaccional pagando o valor da reparação que fora acordado;
33ª) a ré não sendo uma empresa de reparações, não tendo sido ela a efectuar a reparação do veículo do autor, não pode ser condenada a suprir as deficiências ou insuficiências de uma reparação que não levou a cabo, nem sabe levar a cabo e foram efectuadas e pagas com a concordância do autor, em local acordado com o autor, nada mais podendo ser exigido à ré.
34ª) Violou, assim, a decisão recorrida o disposto nos art.ºs 3.º, 5.º n.º 1, 414.º, 552.º n.º 1 e) e 608.º n.º 2 e 615.º n.º 1 alíneas b), c), d) e e), todos do CPCiv e art.ºs 342.º, 447.º n.º3 e 1248º do CCiv.
NESTES TERMOS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO ÁO PRESENTE RECURSO, E DECLARADA NULA A SENTENÇA NOS SEGMENTOS ACIMA REFERIDOS COM A SUA ELIMINAÇÃO E CONSEQUENTEMENTE REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, E SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE ABSOLVA A RÉ DOS PEDIDOS, OU CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, ALTERANDO A MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA NOS PONTOS SUPRA INDICADOS E REVOGANDO A SENTENÇA SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE JULGANDO A ACÇÃO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, ABSOLVA A RÉ DOS PEDIDOS.

Não houve resposta à alegação.
**
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO 

O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil (actualmente arts. 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2).

2.1- OS FACTOS

A ré/apelante insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, integrada na sentença.
Na sua perspectiva, devem ser eliminados do elenco dos factos provados os que constam dos pontos 7º, 8º, 18º, 19º, 21º, 23º, 27º, 30º e 48º da fundamentação de facto da sentença recorrida, por não ter sido produzido prova cabal que os confirme.
Segunda a apelante, os meios de prova que impõe decisão diversa são desde logo os documentos de fls. 89 e 287 e ss, que confirmam que a razão de ciência juízo pericial se situa quase dois anos depois do acidente em questão e depois de o veículo ter percorrido mais de 20.000 kms, o que retira qualidade probatória para convencer o Tribunal acerca do nexo causal entre o estado actual da viatura e subsequente ao acidente, quando foi objecto da intervenção da G........
Seguidamente, a consideração das fotos de fls. 293 a 297 de onde se constata que os alegados empenos na cava da roda esquerda e ponta dianteira da longarina esquerda são bem visíveis mesmo sem desmontagem das rodas, pelo que, a existirem logo após o acidente, não havia razão para que tais danos não fossem detectados na data da sua vistoria preliminar à reparação levada a cabo na oficina da interveniente.
Para além desses elementos de prova, entende, ainda, a recorrente que não levou o Mmº Juiz a quo em conta os depoimentos testemunhais de H......., orçamentista da interveniente, I......., orçamentista da interveniente, J......., perito avaliador de danos da empresa GEP (parcialmente transcritos pela apelante), nem, por último, o relatório pericial de fls. 287 e ss, complementado pelos esclarecimentos prestados em audiência pelo perito subscritor K........
Os referidos números da fundamentação de facto da sentença têm o seguinte teor:
7.º – Entre outras sequelas deste embate, a viatura do autor sofreu uma deformação da sua estrutura que impede o alinhamento das suas rodas/direção.
8.º – A viatura sofreu torção e empeno da longarina e cava da roda do lado esquerdo.
18.º – Na intervenção realizada na viatura, a G........ não restabeleceu a simetria estrutural da viatura, não procedendo ao alinhamento das rodas/direção, não eliminando as sequelas referidas no 8.º ponto desta fundamentação de facto.
19.º – Após ter sido entregue pela G........ como reparado, o veículo vibrava ligeiramente, enquanto circulava, ouvindo-se alguns ruídos que aparentavam provir da zona das rodas dianteiras, o que não sucedia antes do embate descrito.
21.º – Após nova intervenção da G........, o veículo do autor continuou a vibrar, fugindo ligeiramente da sua trajetória.
23.º – A G........ procedeu então à substituição e aperto de uma ou outra peça do veículo do Autor, mantendo-se, no entanto, as características de circulação referidas.
27.º – Após esta intervenção, o veículo do Autor continuou a apresentar as mesmas características na circulação.
30.º – Nas intervenções realizadas na viatura, a G........ nunca restabeleceu a simetria estrutural da viatura, não procedendo ao alinhamento das rodas/direção.
48.º – Para eliminação dos estragos referidos no 8.º ponto desta fundamentação de facto, é necessário desempenar − em banco de carroçarias, sem mecânica − a cava da roda esquerda, corrigir a ponta da longarina. Após, é necessário voltar a alinhar a viatura, de modo a verificar se não existe qualquer outro empeno.
Vejamos.
Fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas, consagrada no artº 607º, nº 5, do CPC (anterior artº 655º, nº 1), em princípio essa matéria é inalterável.
A decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode/deve, no entanto, ser alterada pela Relação nas situações previstas no artº 662º, do CPC (anterior artº 712º).
Dispõe o normativo (n.º 1) que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Com efeito, a Relação, enquanto Tribunal de 2ª instância, possui a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, devendo proceder à reapreciação da prova ali produzida, fazendo incidir as regras da experiência e valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, de modo a formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnada.
Importa considerar que a Relação deve, por regra, reapreciar toda a prova produzida e não apenas a indicada pelo recorrente e que, porventura, lhe seja favorável.
Deve ter-se presente o disposto no CPC (actual artº 662º, nºs 2, als. a) e b), e 3) no concernente à possibilidade de renovação da produção da prova, o que, no caso, achamos desnecessário. 
O recorrente cumpriu, no essencial, o ónus imposto nos nºs 1 e 2, al. a), do artº 640º, do CPC (“quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes)”.
No caso, não ocorreu a junção superveniente de qualquer documento e do processo constam todos os elementos em que se baseou a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto, documentos, depoimentos de parte, das testemunhas e do perito, registados em dois CD gravados.
Dito isto, atentemos na motivação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença:
“A decisão da matéria de facto resultou da admissão de factos por acordo – confirmada pelos documentos juntos, tendo-se presente o disposto nos arts. 516.º do Cód. Proc. Civ. e 342.º, n.º 1, do Cód. Civ.. – e, quanto à matéria controvertida, dos depoimentos prestados e dos documentos juntos.
Quanto aos factos não provados, a decisão resultou da ausência de prova quanto aos mesmos.
Os documentos juntos, conjugados com a restante prova produzida, foram relevantes para a demonstração, designadamente, de:
a) desalinhamento da viatura em resultado do acidente (relatórios de alinhamento de fls. 32);
b) quilometragem da viatura do autor − em 10 de março de 2010, o conta-quilómetros da viatura do autor apresentava 124.256 quilómetros percorridos (fls. documento de fls. 262); em 9 de fevereiro de 2011, o conta-quilómetros apresentava 135.100 quilómetros (fls. 92 e 264); em 15 de junho de 2012, o conta-quilómetros apresentava 177.267 quilómetros (fls. 89); em 21 de junho de 2012, o conta-quilómetros apresentava 177.388 quilómetros (fls. 78 e 86); em 03 de outubro de 2012, o conta-quilómetros apresentava 178.878 quilómetros (fls. 130), em 22 de outubro de 2012, o conta-quilómetros apresentava 183.646 quilómetros (fls. 29), em 10 de março de 2014, o conta-quilómetros apresentava 199.078 quilómetros (fls. 287 e segs.) −; é esta uma factualidade meramente instrumental, podendo ser discutida apenas aqui, em sede de motivação, mas que foi levada ao segmento dos factos (essenciais) provados, para melhor se perceberem os contornos da relação material controvertida;
c) data da quebra da barra estabilizadora traseira (missiva de fls. 42);
d) ano de fabrico da viatura (relatório de fls. 78 e documento 91 e 168, 263)
A testemunha L....... − amigo do autor − disse que acompanhava o autor na data do sinistro. Descreveu o acidente nos termos dados por provados. Afirmou que, imediatamente após a entrega do veículo reparado, notava-se que estava instável, tendo a “direção fugir”. Antes do acidente, a viatura não tinha estes problemas. Declarou que conduziu a viatura e, “realmente, o carro fugia”. Já tinha andado anteriormente com ele e o carro “não tinha nada”.
Depôs de modo coerente, embora aparentando, a espaços, orientar o seu depoimento no sentido que julgaria mais favorável ao autor − por exemplo, quando declarou que o autor deixou de circular com a viatura, quando referiu que o autor não dispunha de outras viaturas ou quando depôs sobre as diligências do autor para alugar uma viatura de substituição.
A testemunha M....... − empregado de oficina mecânica; amigo do autor − disse que a viatura sinistrada foi à sua oficina para alinhar direção, não tendo sido possível alinhá-la, havendo problemas no chassi. Diz que algum tempo antes do acidente, a viatura havia estado na oficina, tendo então sido alinhada a direção, sem problemas. Colocou pneus na viatura.
Depôs de modo claro, coerente e consistente.
A testemunha N....... − mecânico que prestou serviços para o autor; seu amigo − diz que conduziu o carro após o acidente, sentindo-se muita trepidação/vibração, causada pelas rodas. As rodas tinham marcas de andar a roçar terra e pedras, tanto atrás como à frente. Mesmo depois de uma primeira intervenção corretiva, o carro vibrava e fugia. Diz que, na data do acidente, o autor só tinha a viatura sinistrada. A esposa conduz uma carrinha Passat. Diz que o tipo de clientes do autor dá importância ao carro conduzido pelo autor. Diz ter examinado o carro antes do embate, não tendo detetado qualquer soldadura na longarina. Tanto quanto sabe, o único acidente que o carro teve na mão do autor é o objeto dos autos.
Pareceu orientar o seu depoimento no sentido que julgaria mais favorável ao autor, afirmando ter a certeza, sem explicar porquê, que os clientes do autor compravam a sua arte por causa do carro que este conduzia.
A testemunha J....... − perito avaliador de danos, presta serviços à ré − afirmou que quando viu a viatura sinistrada pela primeira vez (após o sinistro), ainda não tinha sido reparada. A solicitação e reclamação do autor, viu ulteriormente que a longarina (junto ao triângulo de suspensão) estava soldada.
Diz que a viatura evidenciava ter sido anteriormente intervencionada − eventualmente na sequência de sinistro anterior. Algumas das peças substituídas (guarda-lamas) estavam co muita massa. Tinham sido endireitas. Sendo de alumínio, este material deveria ter sido substituído − na suposta intervenção anterior −, e não corrigidas com massa. Afirmou que a intervenção (solda deficiente) visível no registo fotográfico de fls. 95 é causa de “não dar alinhamento” (situada na frente direita). Trata-se de um dano que teria “tombado” completamente a roda adjacente, pelo que nada teria a ver com o acidente dos autos.
Depôs de modo coerente, embora aparentando, a espaços, orientar o seu depoimento no sentido que julgaria mais favorável à ré. Por exemplo, afirmou que não deu instruções para alinhar a direção à viatura sinistrada, por não aparentar à vista ser necessário. No entanto, apesar de ter assim procedido sem recurso a qualquer instrumento de diagnóstico, mais tarde no seu depoimento diz que o desvio pode não ser visível a “olho nu”. Só com a maquinaria própria pode ser detetado (min. 34’30’’ da gravação).
O perito K....... prestou esclarecimentos sobre o teor do relatório pericial que elaborou. Esclareceu quais são as intervenções necessárias a devolver o alinhamento (direção) à viatura do autor. Esclareceu que a soldadura evidenciada nas fotografias não impede o alinhamento. Afirmou que o problema detetado na barra estabilizadora traseira não foi causado pelo sinistro, mas sim pela circulação por estradas em mau estado.
Depôs de modo claro, coerente e consistente.
A testemunha F....... − condutor de uma das viaturas sinistradas (..-..-UG) − descreveu a dinâmica do acidente. Depôs no sentido dos factos dados por provados.
Depôs de modo claro, coerente e consistente.
A testemunha O...... – gestora de sinistros; trabalhadora da ré – diz ter gerido o sinistro dos autos. A peritagem feita na chamada foi feita com a concordância do autor. Foi feito aquilo que o perito e o orçamentista da oficina encarregue entenderam ser necessário.
Depôs de modo claro e coerente.
A testemunha P...... − responsável do serviço de pós-venda da Chamada − depôs sobre o estado do veículo quando foi recebido na chamada, para reparação. Descreveu o diagnóstico do veículo. Afirmou que a viatura apresentava vestígios de reparações anteriores. Afirmou que não detetaram soldadura na longarina, numa fase inicial. Só após a ulterior reclamação do autor esta solda foi detetada. A soldadura na longarina tinha sinais de ser antiga (tinha alguma corrosão). Esclareceu que a soldadura não significa, necessariamente, a existência de um problema (dano) nesse local.
Inicialmente não foram detetados quaisquer danos na cava da roda. Esclarece que o carro não foi “levantado” para ser realizado o diagnóstico ou para ser reparado. Antes de entregar o veículo, não fizeram o alinhamento da direção.
Afirmou que dois ou três dias após a entrega do veículo reparado, logo o autor reclamou que o carro não estava alinhado. Afirmou que o carro foi analisado, verificando-se que estava alinhado. Diz ter sido oferecida ao autor uma intervenção tendente ao diagnóstico e reparação de qualquer empanamento (colocar a viatura num banco de alinhamento), suportando a seguradora os custos da intervenção, no caso de esta vir a revelar ser consequência do embate, sendo suportada pelo autor no caso oposto.
Depôs de modo claro e coerente.
Do depoimento desta testemunha parece resultar que a interveniente (e o perito por conta da seguradora) não fizeram uma análise exaustiva dos eventuais danos sofridos pela viatura. Terão presumido, confiando na sua experiência, que se resumiriam à parte frontal da viatura. Não configuraram a hipótese de haver danos apenas visíveis por baixo (cava da roda e longarina), considerando que estamos perante uma viatura desportiva, bastante baixa (cfr. fls. 404).
A testemunha Q...... − supervisor da parte de materiais (avaliação de danos) − afirma que teve intervenção no caso dos autos, dando autorização ao perito para fechar o orçamento (na G........, Guimarães) − conforme orçamento junto a fls. 78. Quando o orçamento foi elaborado não foi detetado qualquer dano na longarina.
Depôs de modo claro, coerente e consistente.
A testemunha R...... − presta serviços da ré C........; atualmente, faz peritagens no âmbito do corporal − afirma que tem conhecimento do processo, após a realização da reparação. Propôs que a viatura fosse colocada num “banco” de diagnóstico. O custo desta operação (cerca de mil euros) ficaria a cargo da parte que o diagnóstico revelasse não ter razão. O autor recusou. Disse que ouviu ao técnico que, com a soldadura existente (na longarina), a viatura dificilmente “dá alinhamento”.
Depôs de modo claro, coerente e consistente.
A testemunha H...... − funcionário G........; orçamentista, desde 1998 − relatou que a viatura sinistrada entrou na oficina da ré pelos seus próprios meios. Afirma que os danos apresentados apenas dizem respeito a “chapa”. Depois da desmontagem detetaram-se danos num travessão de apoio dos faróis. Diz que a longarina não foi diretamente afetada pelo sinistro. Ao substituírem o guarda-lamas a cava da roda fica visível, velicando-se que a cava da roda não apresentava danos. Se houvesse danos na cava da roda, não teria sido possível substituir o guarda-lamas, como foi. Esclareceu que o fecho do orçamento ocorre depois de a reparação ser dada por concluída. Perguntado como é que a deformação que a cava da roda atualmente apresenta pode ocorrer, respondeu só com um embate frontal (com destruição de para-choques, e óticas, por exemplo).
A considerar apenas este depoimento, haveria que concluir que o dano na cava da roda, não só não poderia ser produzido pela projeção de uma pedra, como também não poderia resultar de uma ação dolosa do autor (provocando este dano, por exemplo, com um martelo).
Depôs de modo claro, coerente e consistente.
A testemunha S...... − orçamentista da G........ − diz que interveio apenas com a reclamação do autor (alinhamento de direção). Entregue o carro em setembro, o autor apresentou-se a reclamar de vibrações em outubro ou novembro. A viatura foi metida num elevador, não tendo sido detetada na cava da roda. Viu que o carro apresentava soldadura onde aperta o braço de suspensão (lado direito). Essa soldadura não foi feita pela G......... Os casquilhos foram substituídos, por cortesia, por apresentarem desgaste.
Fez o alinhamento e deu alinhamento.
Depôs de modo claro, coerente e consistente.
A testemunha T...... − pintor autor de automóveis na G........ − afirmou que pintou o carro novo. As peças danificadas foram o capô, dois guarda-lamas e para-choque, mas o carro foi todo pintado.
Depôs de modo claro, coerente e consistente.
A testemunha I....... − mecânico da G........ − afirma que fez um alinhamento ao carro e mudança de casquilhos − estes desgastados pelo uso do carro. Tem ideia de que o cliente se queixava de que o “carro fugia”.
Depôs de modo claro, coerente e consistente.
Em declarações de parte, o autor reiterou o que já havia alegado na petição inicial. Afirmou, ainda, que adquiriu o carro em Espanha, pensa que pelo ano 2010. Pagou pelo carro 28, 30 mil euros. Afirmou que o funcionário da G........, U......, ao experimentar a viatura, bateu com a roda, o que terá provocado um desalinhamento maior. Afirmou, ainda que, com chuva, chegou a ter vários acidentes com o carro. Numa ocasião, ficou atravessado na autoestrada.
Teve um problema na barra estabilizadora traseira, mas posterior ao acidente. Acrescenta que a sua pretensão contra a Ré e a Interveniente nada tem a ver com este problema.
Pensa que o veículo é de 2005 (data de construção), tendo um valor, enquanto novo, de 70 mil euros. Diz que, antes de adquirir a viatura, levou-a a uma oficina/representante Chrysler para ser vistoriada. Foi-lhe dito que a viatura não apresentava quaisquer problemas. Desconhece se o anterior proprietário é cliente desta oficina/representante Chrysler.
Disse que, normalmente, percorre 60 mil quilómetros por ano; afirma que, no meio ano*No que respeita aos danos da privação do uso, o depoimento do autor foi especialmente inconsistente, não permitindo a restante prova produzida sustentar a versão dos factos por si alegada.
Os dados respeitantes ao uso que o autor fez do seu veículo, antes e depois do sinistro (e reparação inicial da interveniente), não sustentam a sua posição quanto a uma putativa privação de tal uso. No ano e meio que antecedeu o sinistro, o autor fez uma média de 85,705 quilómetros por dia − se considerarmos o período anterior (10-03-2010 a 09-02-2011), esta média é mesmo inferior; não o fazemos, pois não é seguro que em todo esse período o autor (que declarou que fez a aquisição em 2010) já fosse o proprietário da viatura.
Após receber a viatura, na sequência da reparação ensaiada pela interveniente, o autor fez uma média de 118,524 quilómetros por dia (17-09-2012 a 19-03-2013), até ao dia em que admite que deixou de circular com ela. (Note-se que os valores precisos registados pelo conta-quilómetros nestas datas não são conhecidos, mas sabemos que, nos meses que antecederam a primeira data, a viatura esteve parada − sabendo-se qual é o valor correspondente ao início da paragem −, e sabemos que, entre a segunda data referida e a anotação do valor feita no âmbito da perícia, a viatura também esteve imobilizada. Daqui resulta que estamos perante valores que só poderão variar relativamente aos efetivos em quantidade desprezível − v.g., circulação da viatura na G........, antes da entrega, para avaliação do seu desempenho, depois de ensaiada a sua reparação.).
Data
Conta-quilómetros
Número de dias
Quilómetros/período
Quilómetros/dia A 10-03-2010
124.256
B 09-02-2011
135.100
336
A-B
10.844
A-B
32,274
A-B C 15-06-2012 177.267 492 B-C 42.167 B-C 85,705 B-C D 22-06-2012 177.388 E 17-09-2012 177.388 (aproxim.) F 03-10-2012 178.878 183 E-H 21.690 E-H 118,524 E-H G 22-10-2012
183.646 H 19-03-2013
199.078 (aproxim.)
O autor lamentou não poder passear com a sua família no veículo sinistrado. Não resultou da prova produzida que realizasse qualquer passeio familiar com esta viatura. Recorde-se que, de acordo com as suas próprias palavras, o autor é caso e tem filhos (mais de um). A família tem um outro veículo, este sim familiar − VW Passat − e, recorde-se, a viatura sinistrada é um automóvel desportivo de dois (!) lugares (fls. 168 e 169).
O Autor aparentou “esforçar-se” demais na enfatização dos prejuízos resultantes da privação da sua viatura. Tendo-lhe sido sinalizado que foi colocada ao seu dispor uma viatura Mercedes, durante quase três meses, apressou-se a menosprezar este facto, dizendo que não apreciava as viaturas Mercedes, esquecendo-se que, noutro ponto do seu depoimento, reconheceu − e trata-se de matéria incontrovertida − que a “mecânica” e plataforma da sua viatura são as mesmas das viaturas Mercedes − mais propriamente, do Mercedes CLK. Aliás, nestes quase três meses (de reparação), fez perto de oito mil quilómetros (7.669) com esta viatura de substituição.
Todo este circunstancialismo − em especial, a intensidade da utilização da viatura − levam-nos a concluir que as características (anómalas) do seu funcionamento e circulação não são particularmente danosas, não sendo intensos, por exemplo, o ruído e a vibração que patenteia.
Todas estas inconsistências − intrínsecas da própria alegação, mas também resultantes da prova produzida − ferem de morte a demonstração dos factos alegados para caracterizar o dano da privação do uso (total ou especialmente relevante). Mas também, como é evidente, acabam por fragilizar todo o depoimento do Autor, despindo-o de credibilidade.”.
Na reapreciação da matéria de facto, importa ter presente, no caso, os seguintes normativos da lei adjectiva (CPC):
“Artigo 5.° - Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal. 
1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. 
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: 
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; 
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; 
c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. 
3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”. 
O n° 2 corresponde, em parte, aos nºs 2 e 3, do artigo 264° do CPC revogado, podendo os factos complementares e concretizadores, que deixam de ser qualificados como essenciais, ser atendidos pelo tribunal, sem que seja formulado requerimento pela parte interessada em prevalecer-se de tal factualidade, bastando-se com a existência de contraditório sobre essa factualidade.
“Artigo 6º - Dever de gestão processual.
1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. 
2 – (…).
Artigo 411º - Princípio do inquisitório 
Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”.
Pois bem.
Recorde-se, desde logo, que a prova não é certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 191).
Ouvimos o registo fonográfico (dois CD) com os depoimentos (todos) de parte, testemunhais e pericial, transcritos, em parte, pela recorrente (refira-se que o CD enviado a esta Relação, relativo à audiência (sessão) de 06/10/2014, apresenta uma gravação um pouco deficiente, com um ruído de fundo contínuo, embora sejam audíveis os depoimentos gravados).
No que concerne à matéria vertida nos números 7º, 8º e 48º, da fundamentação de facto, é possível afirmar que essa factualidade (com a ressalva adiante referida quanto ao 7º) está implicitamente alegada na petição ou, de qualquer modo, se enquadra nos factos que são complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, sendo certo que sobre eles se pronunciaram as partes (ver al. b), do nº 2, do artº 5º, do CPC, e acta da audiência prévia transcrita no relatório).
No tocante à matéria dos nºs 7, 18 e 30, justifica-se a alteração do decidido na 1ª instância, impondo-se uma convicção positiva, mas restritiva. 
Com efeito, a prova testemunhal, documental e pericial apenas permite que se afirme, com a necessária segurança (ver artº 414º, do CPC), que:
- Entre outras sequelas do embate, a viatura do autor sofreu danos que afectaram a direcção do veículo, referidos em 8º, originando a necessidade de alinhamento das suas rodas/direção;
- Na intervenção realizada na viatura do autor, a G........, S.A., não eliminou os danos referidos no ponto 8.º desta fundamentação de facto e respectivas sequelas (alinhamento de rodas/direcção).
No referente à restante matéria impugnada (8º, 19º, 21º, 23º, 27º e 48º da fundamentação de facto da sentença), analisados os mencionados depoimentos (todos), ponderada a prova documental junta bem como o relatório pericial de fls. 375-382 ou 386-392, segundo critérios de valoração racional e lógica, com recurso aos conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas no meio social dos intervenientes processuais e as regras da experiência comum, afigura-se-nos razoável a convicção positiva do julgador da 1ª no tocante a essa factualidade.
Compreende-se e apoia-se, por isso, o concluído na motivação da decisão sobre a matéria de facto, considerando-se que não existe fundamento para alterar o decidido sobre a factualidade em causa, com ressalva da matéria contida nos nºs 7, 18 e 30.
A prova testemunhal, documental e pericial mencionada na motivação do julgador da 1ª instância, suporta a convicção positiva no respeitante àquela realidade factual, ressalvada a descrita restrição.  
O resumo do essencial desses depoimentos, feito pelo julgador da 1ª instância, na descrita motivação, corresponde à nossa percepção do relatado, no que concerne à credibilidade e consistência conferida aos depoimentos do autor, das testemunhas e do perito K......., da relevância da documentação junta, relatório pericial incluído.
Refira-se que, embora o relatório pericial tenha sido elaborado em 22/04/2014, ou seja, quase dois anos depois do acidente, o perito sustenta as suas respostas aos quesitos com racionalidade, prudência, lógica, credibilidade e isenção, revelando conhecimento seguro da matéria e socorrendo-se da documentação junta aos autos com os articulados das partes e interveniente, em data próxima da do acidente.
Significa isto que, apesar das naturais limitações (respeito pelo princípio da imediação) na análise dos registos gravados dos depoimentos de parte e das testemunhas, ponderada a descrita motivação da decisão sobre a matéria de facto, os juízes desta Relação consideram não existirem razões para alterarem o decidido na 1ª instância, concordando, assim, com o julgamento da matéria de facto proferido no tribunal recorrido. Não existem, pois, razões para infirmar a convicção do julgador a quo, com a apontada ressalva.
Não se vislumbra qualquer desconsideração imprudente ou irrazoável da prova testemunhal, designadamente do relatado pelas testemunhas H......., I......., J......., da documental e pericial produzidas, mas sim uma correcta apreciação dessa prova, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido. 
A decisão recorrida observou, por isso, as enunciadas regras que devem orientar o julgador, apreciou criticamente, orientado pelos enunciados princípios, todos os meios de prova produzidos em audiência, concluindo pela sua suficiência ou insuficiência para demonstrarem os factos que acabou por considerar, neste raciocínio lógico, provados e não provados, sempre com a mencionada ressalva.
Aceita-se, pois, a aludida convicção (positiva) do julgador da 1ª instância, a que aderimos porque coincidente com a nossa, que serviu de base à decisão sobre a matéria de facto em referência, sendo a mesma consonante com as regras da experiência e da lógica, com excepção da matéria contida nos nºs 7, 18 e 30, da fundamentação de facto.
Deste modo, considera-se provada a seguinte matéria de facto:
1.º – No dia 13 de Junho de 2012, pelas 17h20m, ao quilómetro 11,9, na Auto - Estrada 20, no sentido Freixo/Arrábida, na freguesia de Campanhã, concelho e distrito do Porto, ocorreu um embate em que foram intervenientes:
a) o veiculo pesado de mercadorias, marca MAN, de matrícula ..-..-PB, propriedade de D........, L.da e conduzido por E........;
b) o veículo ligeiro de mercadorias, marca Renault, modelo Clio, de matrícula ..-..-UG, propriedade de F........ e conduzido por este e,
c) o veículo ligeiro de passageiros, marca Chrysler, modelo Crossfire 3.2, de matrícula ….DHH, propriedade do Autor e conduzido por este.
2.º – No local, a faixa de rodagem está dividida em três linhas de trânsito, no sentido Freixo – Arrábida, circulando o ….DHH pela linha da esquerda, o ..-..-PB pela linha central e o ..-..-UG pela linha da direita.
3.º – O embate ocorreu quando o condutor do veículo ..-..-PB ocupou subitamente a linha de trânsito por onde circulava o veículo automóvel ..-..-UG, tendo embatido neste veículo.
4.º – O condutor do veículo automóvel ..-..-UG perdeu o controlo da viatura, atravessando a faixa de rodagem, indo embater no separador central, que desfez parcialmente, junto à linha de trânsito por onde circulava o veículo do autor, intercetando a trajetória deste.
5.º – O Autor ao circular no sentido Freixo/Arrábida, na via da faixa de rodagem que se situava mais à sua esquerda, embateu, assim, com a parte da frente do seu veículo, pela viatura ..-..-UG, que seguia no mesmo sentido e que também havia sido embatida pelo veículo ..-..-PB.
6.º – A viatura do autor passou por cima de destroços do separador central e da viatura ..-..-UG existentes no pavimento.
7.º – Entre outras sequelas do embate, a viatura do autor sofreu danos que afectaram a direcção do veículo, referidos em 8.º, originando a necessidade de alinhamento das suas rodas/direção.
8.º – A viatura sofreu torção e empeno da longarina e cava da roda do lado esquerdo.
9.º – Logo após, a ocorrência do acidente, o Autor colocou a sua viatura na V….., em Vigo, Espanha.
10.º – A Ré C........ informou o Autor que a peritagem seria executada com maior brevidade se fosse realizada em Portugal
11.º – e que, a viatura poderia ser reparada pela interveniente G........, uma vez que, a mecânica Mercedes era igual à da Chrysler.
12.º – Em face desta informação, o Autor colocou o seu veículo nas instalações da G........,
13.º – tendo aí sido ensaiada a sua reparação.
14.º – Em 21 de junho de 2012, a viatura do autor entrou nas instalações da interveniente para ser reparada.
15.º – Realizada uma vistoria pela Ré, concluíram os seus responsáveis nos termos constantes do relatório junto a fls. 78, que se dá aqui por transcrito, tendo o Autor assinado este documento.
16.º – A G........ terminou a sua intervenção no dia 14 de setembro de 2012, colocando a viatura à disposição do Autor.
17.º – O Autor levantou a sua viatura no dia 17 de setembro de 2012.
18.º – - Na intervenção realizada na viatura do autor, a G........ não eliminou os danos referidos no ponto 8.º desta fundamentação de facto e respectivas sequelas (alinhamento de rodas/direcção).
19.º – Após ter sido entregue pela G........ como reparado, o veículo vibrava ligeiramente, enquanto circulava, ouvindo-se alguns ruídos que aparentavam provir da zona das rodas dianteiras, o que não sucedia antes do embate descrito.
20.º – O Autor, reclamando à interveniente da reparação efetuada, colocou novamente o seu veículo nas instalações da G........, para ser reparado.
21.º – Após nova intervenção da G........, o veículo do autor continuou a vibrar, fugindo ligeiramente da sua trajetória.
22.º – O Autor reclamou novamente junto da G........ da reparação efetuada.
23.º – A G........ procedeu então à substituição e aperto de uma ou outra peça do veículo do Autor, mantendo-se, no entanto, as características de circulação referidas.
24.º – Numa nova reclamação apresentada, a G........ informou o Autor que os referidos problemas poderiam ser resolvidos, se se procedesse à substituição dos apoios do motor.
25.º – A G........ informou o Autor que já havia encerrado o processo de sinistro junto da companhia seguradora, devendo o Autor suportar os custos da intervenção.
26.º – O Autor não concordou que a responsabilidade pelo pagamento devesse ser sua, mas, necessitado do seu veículo, decidiu proceder à referida reparação a expensas próprias, tendo, para o efeito, pago a quantia de € 568,21, reclamando depois da ré o reembolso.
27.º – Após esta intervenção, o veículo do Autor continuou a apresentar as mesmas características na circulação.
28.º – Ulteriormente, a Ré informou o Autor que as vibrações e ruídos provenientes da direção e/ou rodas não eram consequência do sinistro acima referido.
29.º – A Ré e a G........ não acolheram qualquer nova reclamação do Autor.
30.º – A viatura Chrysler de matrícula ….DHH tem o primeiro registo (Alemanha) em dezembro de 2003, tendo sido adquirida pelo autor no decurso do ano de 2010, por cerca de 28 mil euros, tendo, nova, um valor não inferior a 70 mil euros.
31.º – O veículo do Autor apresenta, preexistente à data do sinistro, uma soldadura na longarina do lado direito dianteiro.
32.º – Na data do sinistro, o veículo do Autor evidenciava ter sofrido anteriormente reparações.
33.º – Foi proposta ao Autor a desmontagem das suspensões da viatura e a sua colocação no banco de alinhamento de chassis, suportando o Autor os custos da operação, se o desalinhamento eventualmente detetado se devesse a causa distinta do sinistro dos autos.
34.º – Temendo que a Ré e a Chamada, infundadamente, viessem ulteriormente a alegar que qualquer desalinhamento eventualmente detetado se devesse a causa distinta do sinistro dos autos, em termos próximos dos acima descritos no 25.º ponto desta fundamentação de facto, o Autor recusou esta proposta.
35.º – Após a entrega da viatura pela G........, e em resultado da sua circulação, o suporte da barra estabilizadora do eixo traseiro partiu, por causas estranhas ao sinistro acima descrito.
36.º – Por esta razão, ao circular, a viatura passou a vibrar fortemente e fazer um ruído intenso.
37.º – Por causa do ruído e da vibração provocadas pela quebra do suporte da barra estabilizadora do eixo traseiro, a partir do dia 19 de março de 2013, o Autor deixou de circular com a sua viatura.
38.º – À data do acidente, o veículo aparentava estar em bom estado de conservação
39.º – O Autor fazia, um uso diário do veículo automóvel para as suas deslocações quotidianas e profissionais, como artista plástico.
40.º – Percorrendo em média, não mais de 86 quilómetros por dia nas suas deslocações.
41.º – Depois de ter deixado de circular com a viatura Chrysler, o autor passou a circular com outras viaturas suas, de familiares e de amigos.
42.º – Entre 21 de junho de 2012 e 14 de setembro de 2012, a Ré C........ disponibilizou ao Autor uma viatura da marca Mercedes, tendo este percorrido 7.669 quilómetros com ela.
43.º – Em 10 de março de 2010, o conta-quilómetros da viatura do autor apesentava 124.256 quilómetros percorridos; em 9 de fevereiro de 2011, o conta-quilómetros apesentava 135.100 quilómetros; em 15 de junho de 2012, o conta-quilómetros apesentava 177.267 quilómetros; em 21 de junho de 2012, o conta-quilómetros apesentava 177.388 quilómetros; em 03 de outubro de 2012, o conta-quilómetros apesentava 178.878 quilómetros; em 22 de outubro de 2012, o conta-quilómetros apesentava 183.646 quilómetros; em 10 de março de 2014, o conta-quilómetros apesentava 199.078 quilómetros.
44.º – A responsabilidade pelos danos advindos da circulação do veículo ..-..-PB encontrava-se transferida para a Ré, pelo contrato de seguro titulado pela apólice n.º 750482225, que estava em vigor à data do acidente.
45.º – A Ré aceitou custear a reparação dos danos que o referido veículo sofreu com acidente de 13 de junho 2012.
46.º – A Ré pagou à G........ o valor orçado da intervenção, num total de € 6539,47.
47.º – Para eliminação dos estragos referidos no 8.º ponto desta fundamentação de facto, é necessário desempenar − em banco de carroçarias, sem mecânica − a cava da roda esquerda, corrigir a ponta da longarina. Após, é necessário voltar a alinhar a viatura, de modo a verificar se não existe qualquer outro empeno.

2.2- O DIREITO

Assente a matéria de facto, cumpre apreciar o mérito do recurso e da acção, na parte impugnada, operando a subsunção jurídica.
Como se sabe, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, geradora da obrigação de indemnização, são: o facto (danoso), a ilicitude, a culpa, o prejuízo sofrido pelo lesado e o nexo de causalidade entre aquele facto e o prejuízo – artº 483º, nº 1, do Código Civil(CC), e A. Varela, Das Obrigações em geral, 9ª ed., vol. I, pág. 543 e segs., e 7ª ed., vol. II, pág. 94, M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 483 e segs., e I. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 331 e segs.).
No caso, não vem questionada a verificação de todos os aludidos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do condutor do veículo de matrícula ..-..-PB, seguro na ré, decorrente do acidente de viação em causa, nem a subsequente responsabilidade civil contratual da seguradora demandada (contrato de seguro) pelos danos patrimoniais sofridos pelo autor, enquanto proprietário da viatura de matrícula ….DHH, de marca Chrysler, resultantes do acidente de viação ocorrido em 13/06/2012, no local e hora já referenciados. 
O princípio geral da obrigação de indemnização está enunciado no artº 562º, do CC (restauração natural).
A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (nexo causal entre o facto e o dano - artº 563º, do CC).
Sempre que a reconstituição natural não seja possível, a indemnização é fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria então se não tivesse ocorrido o dano, e, não podendo ser determinado o seu valor exacto, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566º, n.ºs 1, 2 e 3, do CC).
Dito isto, cumpre, desde logo, analisar a eventual nulidade da sentença recorrida, invocada pela apelante.
É nula a decisão judicial, além do mais, quando a mesma esteja em oposição com os respectivos fundamentos; quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, bem como quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido – alíneas c), d) e e), do n.º 1, do artº 615º, do CPC (anterior artº 668º).
Verifica-se, no caso, a nulidade prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 615º, do CPC (Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível), anterior artº 668º, nº 1, al. c)? 
Devemos entender que se verifica tal nulidade, quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, isto é, a sentença enferma de um vício lógico que a compromete. A construção da sentença é, então, viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam, logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.
A oposição referida na al. c) do n° 1 do art. 668° (actual 615º, nº 1, al. c)) é a que se verifica no processo lógico por via do qual das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas este extrai a decisão a proferir (Prof. A. Reis, no “CPC Anotado”, Vol. V, 1952, págs. 141, Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, Vol. III, págs. 194).
Explica Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2ª ed., págs. 689 e 690), que a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja da fundamentação seja da decisão, isto é, nesta alínea, a causa de nulidade em apreço abrange os casos em que há um vício real no raciocínio do julgador - e não um simples “lapsus calami” do autor da sentença -, em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente. 
Em suma, no que concerne à nulidade em apreço, indispensável será, para que a mesma possa ser tida como verificada, que os fundamentos invocados pelo Juiz devam logicamente conduzir a resultado oposto ao que vem expresso na sentença: se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma.
Ou seja, constituem realidades distintas a aludida nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo esta uma apreciação da questão em desconformidade com a lei.
A nosso ver, a recorrente apenas põe em causa a interpretação dos factos apurados e do direito efectuados na sentença recorrida.
Ora, no caso, a sentença mostra-se coerente com os seus fundamentos, sendo o corolário da fundamentação de facto e de direito constantes do mesmo. A decisão, certa ou errada, está de acordo com os respectivos fundamentos. 
O que está em causa poderá ser um erro de julgamento, mas não a referenciada nulidade da sentença.
Poderá, no entanto, encontrar-se alguma ambiguidade na fundamentação da mesma com reflexo no dispositivo, como adiante se ponderará a propósito da eventual existência de uma sentença condicional ou de condenação condicional. 
Como vimos, na perspectiva da recorrente, a decisão recorrida é nula por excesso de pronúncia, nulidade essa prevista no artº 615°, nº 1, al. d), do CPC.
Só há nulidade por omissão de pronúncia quando a decisão, cuja validade se questiona, tenha deixado de apreciar uma questão que nela tinha de ser conhecida; e só ocorre nulidade por excesso de pronúncia quando conhece de questão cuja apreciação lhe estava vedada.
Como é sabido, um dos princípios estruturantes do direito processual civil é o princípio do dispositivo, a que alude o já mencionado artº 5º, nº 1, do CPC.
E a que também se refere o art. 608º, nº 2, do mesmo CPC, que diz: “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
Conforme este princípio, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo-se ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, não podendo, por regra, ocupar-se de outras questões.
“(…)o tribunal conhece do direito e isto porque o direito não tem que ser provado; o tribunal pode e deve aplicar o direito que conhece como estime mais acertado, desde que se atenha à causa de pedir, que dizer, ao genuíno fundamento – não à fundamentação – da pretensão. O pressuposto da correcta aplicação da regra “iura novit curia” é dupla: 1.º que o tribunal respeite, na sua essência a causa petendi da pretensão do litigante; 2.º que os demais litigantes tenham podido, do mesmo passo que o tribunal, conhecer e afrontar esse genuíno fundamento da pretensão, o que equivale à observância dos princípios da igualdade das partes e da audiência ou do contraditório.  
(…) Esta nulidade está directamente relacionada com o comando previsto no art. 608.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, e serve de cominação para o seu desrespeito. O dever imposto no art. 608.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado. E para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes (sujeitos), e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a questão resolvida pelo juiz, identificada por estes mesmos elementos. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito. E é por isto mesmo, que já não o são os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos – embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes –, de que as partes se socorrem quando se apresentam a demandar ou a contradizer, para fazerem valer ou naufragar a causa posta à apreciação do tribunal. É de salientar ainda que, de entre a questões essenciais a resolver, não constitui nulidade o não conhecimento daquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela decisão de outra.” (Acórdão do STJ de 28/10/2014, acessível em www.dgsi.pt)
Por outro lado, sustenta a apelante a nulidade prevista na al. e), do nº 1, do artº 615º, do CPC.
É nula a sentença que, violando o princípio dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância (ver o nº 6 da anotação ao art. 264 e os n.ºs 2 e 3 da anotação ao art. 467), não observe os limites impostos pelo art. 661-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido (J. Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, no CPC Anotado, vol. 2º, 2001, p. 670, com referência a normativos do CPC revogado, com correspondência no actual).
Não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado; é necessário, além disso, que haja identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar (A. dos Reis, CPC Anot., 3º, 353).  
Sobre o princípio do dispositivo, pronunciou-se o recente Acórdão do STJ, de 11/02/2015 (Relator o Sr. Cons. A. Abrantes Geraldes, acessível em www.dgsi.pt), do qual reproduzimos, com a devida vénia, o seguinte: 
“(…) 2. Atravessando todo o CPC e disperso por várias normas, o princípio do dispositivo encontra no art. 3º a sua consagração inequívoca. Manifesta-se, além do mais, através da consagração do ónus de iniciativa processual e de conformação do objecto do processo, através da enunciação do pedido que delimita objectivamente o âmbito decisório do tribunal, nos termos do art. 609º, nº 1 (cfr. sobre a matéria Miguel Mesquita, “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC”, na RLJ, ano 143º, págs. 134 e segs.).
Sem embargo de eventuais modificações, a necessidade de formulação do pedido é concretizada no art. 552º, nº 1, al. e), cumprindo aos arts. 609º e 615º, nº 1, al. e), respectivamente, a função de delimitação do poder decisório do tribunal e o sancionamento da sua violação. Ou seja, o tribunal está impedido de se sobrepor à vontade manifestada pelo autor, sob pena de nulidade da sentença, por excesso de pronúncia.
Contudo, tal como ocorre com outros preceitos do CPC, também o art. 609º, nº 1, carece de um esforço interpretativo, contando, além do mais, com os contributos de diversos Assentos e Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência do STJ. 
Entre tais arestos, destaca-se o Assento nº 4/95, in D.R. de 17-5, ao admitir que numa acção em que seja deduzida uma pretensão fundada num contrato cuja nulidade seja oficiosamente decretada o réu seja condenado a restituir o que tenha recebido no âmbito desse contrato, por aplicação do art. 289º do CC, desde que do processo constem os factos suficientes. 
A conjugação entre o princípio do dispositivo e os limites do pedido encontra também largo desenvolvimento na fundamentação do ACUJ nº 13/96, in D.R., I Série, de 26-11, ainda que no caso se tenha vedado ao tribunal a actualização oficiosa da quantia peticionada.
(…) Assim, embora não possa questionar-se que, em regra, é ao autor que cabe a iniciativa processual e a delimitação da providência requerida (Ac. do STJ, de 4-2-93, BMJ 424º/568), a solução do caso concreto exige que se pondere o que dimana de arestos com a solenidade e com o valor persuasivo inerentes aos mencionados acórdãos de uniformização de jurisprudência.
Na integração do caso não podem ainda descurar-se os objectivos apontados pelas sucessivas reformas processuais, designadamente quando delas emerge a sobreposição de aspectos de ordem material a outros de ordem formal, ou a necessidade de atribuir ao processo a necessária eficácia que permita alcançar uma efectiva e célere resolução de litígios.
Importa ponderar também o que emana da doutrina que, fazendo coro com os referidos objectivos, aponta para a flexibilização do princípio do pedido, como é defendido por Miguel Mesquita, em anotação a um aresto sobre direitos reais, na RLJ, ano 143º, págs. 134 e segs. intitulada precisamente “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC.
Se é verdade que a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido, não podendo o juiz condenar (rectius apreciar) nem em quantidade superior, nem em objecto diverso do que se pedir, tal não dispensa um esforço suplementar que permita apreender realmente o âmbito objectivo do pedido que foi formulado na presente acção.”.
Por outro lado, a propósito do conceito de sentença condicional, ajuizou-se nos acórdãos do STJ, de 07/04/2011 e 24/04/2013 (acessíveis em www.dgsi.pt), no sentido, respectivamente, de que:
- “(…) Efectivamente, a doutrina tem entendido que a lei processual não admite, em princípio, a condenação condicional, ou seja, a sentença judicial em que o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, ainda não ocorrido à data do encerramento da discussão da causa – sendo tal orientação inquestionavelmente justificada nos casos em que o facto condicionante exigiria ulterior verificação judicial, prejudicando irremediavelmente a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na acção (cfr. Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 2º, pags. 654 e 684).
Como refere Castro Mendes (Limites Objectivos do Caso Julgado, pag. 325, citando Guasp), «a sentença, como os restantes actos processuais, foge, em geral, de condicionamentos que põem em incerteza a decisão do litígio, comprometendo por isso uma das finalidades básicas do processo civil: a certeza das relações que compõem o sistema jurídico privado».
- “(…) Não sendo tolerado que o julgador reconheça o direito ao autor, mas só o consigne desde que surja determinado e hipotético circunstancialismo jurídico-factual a condicionar os efeitos da sentença que o legitima (uma sentença condicional), já é aceitável que o juiz sentenceie no sentido de que a parte tem o direito por ela rogado na acção, mas apenas desde que ocorra estabelecida conjuntura, que enumera, para que ele se concretize (sentença de condenação condicional), porquanto, neste caso, não estamos perante uma incerteza que regule a eficácia da própria sentença, mas que apenas ajusta o seu modo de exercitação.”.
“Pode definir-se a sentença condicional como aquela que só impõe a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro e incerto; sentença de condenação condicional é a sentença em que nela se decide que ao demandante assiste certo e determinado direito mas cujo atinente exercício está sujeito a um evento futuro e incerto” (ver, ainda, o acórdão da RL, de 22/01/2015, acessível em www.dgsi.pt).
O juiz pode proferir sentença de condenação condicional pois que o artº 610º (anterior artº 662º), do CPC, consagra-o expressamente.
O DL nº 291/2007, de 21/08, aprovou o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (artº 1º).
No nº 1, do artº 41º, desse diploma legal (Perda total), dispõe-se: 
“1 - Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses: 
a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total; 
b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança; 
c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100 % ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.”.
Vejamos.
Enunciados os princípios atinentes, bem como o pertinente quadro normativo, doutrinal e jurisprudencial, analisemos a fundamentação da decisão recorrida bem como o dispositivo, na parte questionada nas conclusões do recurso.
Recorde-se o teor do dispositivo da sentença:
“Pelo exposto, julgo a ação parcialmente provada e procedente e, em conformidade condeno a ré, C........ – Companhia de Seguros, S.A., a indemnizar o autor, B........, pelos danos emergentes do acidente de viação descrito nos fundamentos de facto desta sentença, provocados na viatura de matrícula …..DHH.
Se não ocorrer a perda total da viatura − circunstância a apurar durante as operações de diagnóstico e de ensaio da reparação −, esta indemnização deverá consistir na restauração natural, desempenando-se − em banco de carroçarias − a cava da roda esquerda, corrigindo-se a ponta da longarina, conforme descrito no 48.º ponto desta fundamentação de facto, restabelecendo-se a simetria estrutural da viatura, e realizando-se as demais intervenções que permitam o alinhamento das rodas/direção, sendo assegurado ao autor um veículo de substituição durante as intervenções na viatura.
No mais, vai a ré absolvida do pedido.
Custas da ação a cargo de autor e ré, na proporção do decaimento.
Valor da Causa: o dado pelas partes.”.    
A sentença recorrida mostra-se ambígua ou obscura por forma a poder considerar-se ininteligível?
O sentenciador da 1ª instância conheceu de questão cuja apreciação lhe estava vedada?
Conteve-se nos limites da pretensão que foi formulada?
A nosso ver, não se verifica a nulidade prevista na al. c), do nº 1, do artº 615º, do CPC, pois que, apesar de tudo, não se afigura que a sentença, concretamente no dispositivo, seja ambígua ou obscura.
Com efeito, importa ter presente que às decisões judiciais, como aos articulados, enquanto actos jurídicos, aplicam-se as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos (artº 295º, do CC), nomeadamente as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial (Acs. STJ, BMJ, 342º/375, e 407º/446).
Nos arts. 236º a 238º, do CC, estabelecem-se critérios para o alcance ou sentido juridicamente decisivo da declaração negocial.
Na interpretação dos contratos ou outros actos jurídicos, prevalecerá, em regra, a “vontade real do declarante”, sempre que for conhecida do declaratário (nº 2, do artº 236º, do CC). Faltando esse conhecimento, vale o preceituado no nº 1, daquele normativo, que consagra o critério (objectivista ou normativo) da impressão do destinatário, entendendo-se como declaratário normal uma pessoa razoável, isto é, medianamente instruída, diligente e sagaz, em face dos termos da declaração (P.Lima-A.Varela, Código Civil Anotado, 207, Vaz Serra, RLJ, 111º/220 e 307, Mota Pinto, Teoria Geral, 1973, p. 624 e segs., Acs. STJ, BMJ, 374º/436, 406º/629, 421º/364 e 441º/357).
Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto (artº 238º, nº 1, do CC). Pode, no entanto, valer esse sentido na situação a que alude o nº 2, desse normativo.
Ora, ao condenar a ré/apelante na realização das “demais intervenções que permitam o alinhamento das rodas/direção”, sem concretizar o tipo de intervenções, o Sr. juiz que proferiu a sentença apenas quis referir-se às intervenções técnicas necessariamente adequadas e subsequentes ao desempeno da cava da roda esquerda e correcção da ponta dianteira da longarina, estritamente relacionadas com o alinhamento das rodas/direcção. 
É esta a nossa interpretação da decisão judicial (dispositivo) posta em crise, considerando o referido critério interpretativo.
Por outro lado, no que concerne à consideração da questão da perda total do veículo automóvel sinistrado, entende-se que assiste razão à apelante quando conclui pelo excesso de pronúncia e/ou de condenação ultra vel extra petita partium.
Tal matéria não foi minimamente alegada, nem resulta dos temas de prova, da instrução e/ou da prova produzida em audiência.
De resto, não ficou provada uma situação enquadrável em qualquer das hipóteses previstas nas alíneas a) a c), do nº 1, do artº 41º, do DL nº 291/2007, de 21/08.
Nada permite concluir, com base na factualidade apurada, que o princípio da restauração natural não seja totalmente observado/cumprido, no caso em apreço, através da reparação/correcção da cava da roda esquerda e da longarina esquerda da viatura do autor e subsequente alinhamento das suas rodas/direcção.
Naturalmente que a ré já não pode ser responsabilizada pelo facto de, após a entrega da viatura pela G........, e em resultado da sua circulação, o suporte da barra estabilizadora do eixo traseiro partiu, por causas estranhas ao sinistro acima descrito, que, por esta razão, ao circular, a viatura passou a vibrar fortemente e fazer um ruído intenso e, bem assim, que por causa do ruído e da vibração provocadas pela quebra do suporte da barra estabilizadora do eixo traseiro, a partir do dia 19 de março de 2013, o autor deixou de circular com a sua viatura (ver nºs 36º, 37º e 38º, da fundamentação de facto).
Salvo melhor opinião, não tem cabimento, no caso, convocar o estatuído no mencionado artº 41º, do DL nº 291/2007.
A sentença (dispositivo) viola, nesta parte, o preceituado na al. e), do nº 1, do artº 615º, do CPC, não podendo o julgador/sentenciador, de todo o modo, a nosso ver, condicionar a restauração natural pedida e determinada à inexistência de perda total, não alegada nem provada, “a apurar durante as operações de diagnóstico e de ensaio da reparação”, pois que geraria uma inadmissível incerteza na decisão.
Configuraria uma sentença condicional, impondo a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro, incerto e eventualmente conflituoso, ou seja, o facto condicionante exigiria ulterior verificação judicial, prejudicando irremediavelmente a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na acção (ver citado acórdão do STJ, de 07/04/2011). 
Em suma, o julgador/sentenciador da 1ª instância não se conteve nos limites da pretensão que foi formulada pelo demandante.
No que respeita à matéria de facto vertida nos nºs 7º, 8º e 48º (agora 47º), entendemos que não ocorre excesso de pronúncia, porquanto, como se deixou explanado na reapreciação da matéria de facto (item 2.1), o alegado, implicitamente, pelo autor, a indicação pelo demandante dos quesitos a responder pelo perito, a definição dos temas de prova, a posição assumida pela ré e interveniente na audiência prévia, e a prova produzida (testemunhal, documental e pericial), possibilitam, a nosso ver, que o tribunal tenha em conta tais factos, sem que viole os princípios do dispositivo e do contraditório (arts. 3º, 6º e 411º, do CPC).
Conclui, por outro lado, a recorrente que a sentença proferida é ainda nula ao condenar a ré a proceder a uma reparação da viatura do autor nos termos concretos que acima determina, no trecho final onde prevê “sendo assegurado ao autor um veículo de substituição durante as intervenções na viatura” pois se trata de um concreto segmento de condenação – assegurar ao A. um veículo de substituição durante as reparações – que não tem correspondência com um pedido formulado pelo autor, nem originária, nem subsequentemente (artºs 615º, nº 1, al. e), e 608º, nº 2, do CPC).
Dispõe o artº 42º, do DL nº 291/2007, de 21/08 (Veiculo de substituição): 
“1- Verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente, nos termos previstos nos artigos anteriores. 
2- No caso de perda total do veículo imobilizado, nos termos e condições do artigo anterior, a obrigação mencionada no número anterior cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização.” (…). 
Decorre do normativo da referida lei do seguro obrigatório que a seguradora responsável está obrigada a comunicar ao lesado que lhe assiste o direito a um veículo de substituição.
Porém, o lesado não está, obviamente, obrigado a aceitar um veículo de substituição.
Pode, pura e simplesmente, não querer ou não necessitar da viatura.
No caso em apreço, constata-se que o autor não pediu a entrega de um veículo de substituição e, como tal, não pode o juiz condenar a ré seguradora num pedido não formulado, sob pena de nulidade da decisão (artºs 609º, nº 1, e 615º, nº 1, al. e), do CPC).   
Isto não significa, logicamente, que a seguradora responsável, aquando da necessária reparação do veículo do apelante dos danos causados pelo acidente (e apenas esses), não tenha que cumprir o estatuído no mencionado artº 42º, do DL nº 291/2007, ou o autor lesado imponha o exercício do direito reconhecido naquele normativo.  
Conclui, por fim, a recorrente:
- (29ª) Dos pontos 9º a 17º dos factos provados, resulta adquirido que seguradora, autor e G........E, acordaram em que os danos sofridos pela viatura fossem reparados na oficina desta última, nos termos e pelos valores constantes do relatório de peritagem de fls. 78 aceite e assinado pelas três partes;
- (30ª) Tal documento, consubstancia um verdadeiro acordo transaccional extrajudicial de ressarcimento pela seguradora dos danos materiais causados à viatura do autor com o acidente em questão já que através dele, com a concordância do autor que o assinou, a interveniente se obrigou a proceder à reparação dos elementos aí consignados como decorrentes do acidente e pelo preço acordado assim extinguindo pelo cumprimento a obrigação de indemnização que para si estava transferida por via do contrato de seguro;
- (31ª) O acordo transaccional previsto e regulamentado nos art.ºs 1248.º e ss do CCiv, extingue a obrigação de indemnização que impendia sobre a ré, pois transfere para a oficina quaisquer deficiências, omissões ou incorrecções para a oficina que levou a cabo a reparação e tem ainda a natureza de contrato a favor de terceiro enquadrando-se perfeitamente no âmbito do disposto no art.º 443.º n.º1 do CCiv..  
“Diz-se contrato o acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta) de um lado; aceitação, do outro), contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária de interesses” (A. Varela, Das Obrigações em geral, 9ª ed., vol. I, pág. 223).
A noção de contrato de transacção é-nos dada no artº 1248º, do CC:
“1. Transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões. 
2. As concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.”. 
Ora, ponderando os referidos conceitos, analisada a factualidade vertida em 9º a 17º dos factos provados, bem como o teor do documento de fls. 78 (relatório da peritagem) e seguintes, entende-se que o autor não subscreveu um contrato de transacção (extrajudicial) de que resultaria uma eventual desresponsabilização da ré seguradora pelos danos provocados pelo seu segurado no veículo automóvel do demandante lesado.
A responsabilidade civil contratual da ré seguradora perante o autor lesado permanece (ver causa de pedir e pedido) no caso de a empresa interveniente chamada não efectuar adequadamente a reparação do aludido veículo a que se obrigou, em conformidade com o relatório da peritagem.
Naturalmente que a seguradora poderá exercer contra a chamada (intervenção acessória) G........, COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS, S. A., o direito de regresso previsto na lei adjectiva.
A situação fáctica e de direito descrita nestes autos não é, a nosso ver, semelhante à apurada e analisada no acórdão desta Relação, de 25/02/2014, citado na alegação do recurso.
Em suma, resulta do exposto que a sentença recorrida padece de nulidade (artº 615º, nº 1, als. d) e e), do CPC), nos segmentos referidos, nulidade essa que importa suprir nesta Relação (artº 665º, do CPC). 
Procede, assim, na medida do exposto, o concluído na alegação do recurso da seguradora ré/apelante.

3- DECISÃO 

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação:
a) Em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação deduzido pela ré seguradora, revogando-se a sentença recorrida na parte do dispositivo em que determina que “Se não ocorrer a perda total da viatura − circunstância a apurar durante as operações de diagnóstico e de ensaio da reparação −, esta indemnização deverá consistir na restauração natural, desempenando-se − em banco de carroçarias − a cava da roda esquerda, corrigindo-se a ponta da longarina, conforme descrito no 48.º ponto desta fundamentação de facto, restabelecendo-se a simetria estrutural da viatura, e realizando-se as demais intervenções que permitam o alinhamento das rodas/direção, sendo assegurado ao autor um veículo de substituição durante as intervenções na viatura.”.
b) Em consequência da procedência parcial da apelação, condena-se a ré seguradora a mandar reparar (restauração natural) o identificado veículo do autor, com o adequado desempeno − em banco de carroçarias − da cava da roda esquerda, corrigindo-se a ponta da longarina, conforme descrito no nº 47º da fundamentação de facto, realizando-se as subsequentes intervenções que permitam o alinhamento das rodas/direção.
No mais, mantém-se o decidido na sentença recorrida.
Custas, da apelação pela apelante e apelado, na proporção de 4/5 e 1/5, respectivamente.
Custas da acção por autor e ré, na proporção do decaimento. *Anexa-se o sumário.

Porto,01/06/2015
Caimoto Jácome
Macedo Domingues
Oliveira Abreu
________________________________________
SUMÁRIO (ARTº 663º, nº 7):

I- A oposição referida na al. c) do n° 1, do art. 615º, nº 1, do CPC, é a que se verifica no processo lógico por via do qual das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas este extrai a decisão a proferir. Se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma.
II- De acordo com o princípio do dispositivo, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo-se ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, não podendo, por regra, ocupar-se de outras questões.
III- É nula a sentença que, violando o princípio dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância, não observe os limites impostos pelo artº 609º, nº 1, do CPC, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido. 
IV- Pode definir-se a sentença condicional como aquela que só impõe a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro e incerto; sentença de condenação condicional é a sentença em que nela se decide que ao demandante assiste certo e determinado direito mas cujo atinente exercício está sujeito a um evento futuro e incerto.
V- A sentença (dispositivo) viola o preceituado na al. e), do nº 1, do artº 615º, do CPC, quando o sentenciador condiciona a restauração natural pedida e determinada à inexistência de perda total, não alegada nem provada, “a apurar durante as operações de diagnóstico e de ensaio da reparação”, pois que geraria uma inadmissível incerteza na decisão.
VI- Tal configuraria uma sentença condicional, impondo a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro, incerto e eventualmente conflituoso, ou seja, o facto condicionante exigiria ulterior verificação judicial, prejudicando irremediavelmente a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na acção.

Proc. n.º 843/13.5TJPRT.P1 - APELAÇÃO Relator: Desem. Caimoto Jácome(1529) Adjuntos: Desem. Macedo Domingues Desem. Oliveira Abreu ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO 1-RELATÓRIO B........, com os sinais dos autos, intentou a presente acção declarativa, de condenação, com processo comum ordinário, contra C........–Companhia de Seguros, S.A., com sede em Lisboa, pedindo que seja declarado, por sentença, que o acidente de viação em causa ocorreu por culpa exclusiva do condutor do veículo automóvel ..-..-PB, cuja responsabilidade pelos danos provocados pela respetiva circulação se encontra transferida para a ré e, consequentemente, ser a ré condenada: - a eliminar de forma definitiva os danos verificados no veículo automóvel propriedade do autor de matrícula ….DHH, num concessionário oficial Chrysler; - a pagar ao autor a quantia de € 568,21, conforme supra exposto no artigo 42º; - a pagar ao autor a quantia de € 20.100,00, pela privação de uso do veículo do autor, desde o dia 19/03/2013 até ao dia 24/05/2013; - a pagar ao autor a quantia diária de € 300,00 a contar do dia 25/05/2013 até à data do pagamento, a liquidar em execução de sentença; - a pagar ao autor os juros de mora, a taxa legal em vigor sobre as referidas quantias, desde a citação até efetivo e integral pagamento. Alega, para tanto, em síntese, que os danos ora peticionados são consequência de um acidente de viação ocorrido no dia 13 de Junho de 2012, pelas 17h20m, ao quilómetro 11,9, na Auto-Estrada 20, no sentido Freixo/Arrábida, na freguesia de Campanhã, concelho e distrito do Porto, em que foram intervenientes o veiculo pesado de mercadorias, marca MAN, de matrícula ..-..-PB, propriedade de D........, Lda, e conduzido por E........, o veículo ligeiro de mercadorias, marca Renault, modelo Clio, de matrícula ..-..-UG, propriedade de F........ e conduzido por este e o veículo ligeiro de passageiros, marca Chrysler, modelo Crossfire 3.2, de matrícula ….DHH, propriedade do autor e conduzido por este. No local, a faixa de rodagem está dividida em três linhas de trânsito, no sentido Freixo – Arrábida, circulando o ….DHH pela linha da esquerda, o ..-..-PB pela linha central e o ..-..-UG pela linha da direita. O embate ocorreu quando o condutor do veículo ..-..-PB ocupou subitamente a linha de trânsito por onde circulava o veículo automóvel ..-..-UG, tendo embatido neste veículo, que, por sua vez, foi colidir com veículo de matrícula ….DHH, do demandante. Foi responsável pelo acidente o condutor de veículo seguro na Ré (..-..-MB), sendo certo que o sinistro causou danos patrimoniais ao demandante, que importam na quantia reclamada. Citada, a seguradora ré contestou, excepcionando e impugnando de requerendo, por fim, a intervenção da sociedade G........−Comércio de Automóveis, S.A.. **Por despacho de fls. 114, foi admitida a intervenção acessória de G........−Comércio de Automóveis, S.A., que apresentou contestação (fls. 122-128, negando qualquer responsabilidade.**Consta da acta da audiência prévia (fls. 175-177), além do mais, o seguinte: “Objeto do litígio: Pagamento de indemnização, fundada em responsabilidade civil extracontratual e contratual (acidente de viação/contrato de seguro). Temas da prova: 1° Os danos que a viatura apresenta. 2° A fonte desses danos, designadamente, se têm a sua origem no acidente relatado na p.i.; 2° O valor da reparação dos danos emergentes do sinistro; 3° Privação do uso da viatura e o valor do dano respetivo. Pelos Ilustres Mandatários das partes foi declarado nada terem a reclamar. *Neste momento, pelo Mmº, Juiz foi admitida a prova pericial, tendo sido dada a palavra aos ilustres mandatários da Ré e da Chamada, para se pronunciarem sobre a mesma. Pelo ilustre mandatário da Ré foi dito: "Deverá o Sr. Perito dizer (desenvolvendo os fundamentos da resposta): - quais são os danos, que neste momento a viatura apresenta? - as queixas relatadas pelo Autor na p.i. decorrem da existência desses danos? - é possível estabelecer como causa desses danos o acidente relatado na p.i.? - é possível estabelecer como causa desses danos qualquer sinistro? - que tipo de sinistro e como provocou ele os danos? Seguidamente, pelo ilustre mandatário da chamada foi dito: "Deverá o Sr. Perito dizer (desenvolvendo os fundamentos da resposta): - existe um dano estrutural no lado direito da longarina dianteira …? - … a qual havia sido já objecto de uma reparação anterior, através de soldadura deficientemente executada …? - … sendo que esse dano influenciava e influencia negativamente o alinhamento da viatura?".**Saneado e instruído o processo, após julgamento, foi proferida sentença, na qual se decidiu (dispositivo): “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente provada e procedente e, em conformidade condeno a ré, C........ – Companhia de Seguros, S.A., a indemnizar o autor, B........, pelos danos emergentes do acidente de viação descrito nos fundamentos de facto desta sentença, provocados na viatura de matrícula ….DHH. Se não ocorrer a perda total da viatura − circunstância a apurar durante as operações de diagnóstico e de ensaio da reparação −, esta indemnização deverá consistir na restauração natural, desempenando-se − em banco de carroçarias − a cava da roda esquerda, corrigindo-se a ponta da longarina, conforme descrito no 48.º ponto desta fundamentação de facto, restabelecendo-se a simetria estrutural da viatura, e realizando-se as demais intervenções que permitam o alinhamento das rodas/direção, sendo assegurado ao autor um veículo de substituição durante as intervenções na viatura. No mais, vai a ré absolvida do pedido. Custas da ação a cargo de autor e ré, na proporção do decaimento. Valor da Causa: o dado pelas partes.”.**Inconformada, a ré apelou, tendo, na respectiva alegação, formulado as seguintes conclusões: 1ª) Nem o A., nem a R., sustentaram a configuração de uma “perda total da viatura”, nem isso resultou da instrução e julgamento da causa, pelo que não podia o Mmº Juiz, na sentença proferida colocar a sua decisão condenatória sujeita à não verificação de um evento incerto quanto à sua verificação como o fez com o trecho “se não ocorrer a perda total da viatura”; 2ª) Ao condenar na realização de trabalhos de reparação com vista à restauração natural (prestação de facto positivo), mas condicionando-a à não verificação de uma situação de perda total que não foi apurada nem estão definidos os respectivos contornos, está o Juiz a proferir uma decisão condicional; 3ª) A prolação de sentenças condicionais não é permitida pelo nosso ordenamento processual civil; 4ª) Ao condenar na realização de trabalhos de reparação com vista à restauração natural (“restabelecendo-se a simetria estrutural da viatura e realizando-se as demais intervenções que permitam o alinhamento das rodas/direcção”), sem sequer concretizar em que possam consistir essas “demais intervenções”, está o Juiz a proferir uma decisão vaga e ambígua que não delimita convenientemente a concreta prestação em que condena a ré; 5ª) A sentença vaga, ambígua e consequentemente ininteligível quanto ao comando normativo em que modela a conduta a adoptar pela parte condenada, é nula nos termos do disposto no art.º 615.º n.º 1 alínea c) do CPCiv; 6ª) A sentença ao condenar a ré a efectuar determinada reparação, condenação essa condicionada à não verificação de uma situação de “perda total” que não foi invocada por qualquer das partes, nem resultou discutida da instrução, é ainda nula por excesso de pronúncia nos termos do disposto no art.º 615.º n.º 1 alínea d) do CPCiv 7ª) A sentença proferida é ainda nula ao condenar a ré a proceder a uma reparação da viatura do autor nos termos concretos que acima determina, no trecho final onde prevê “sendo assegurado ao autor um veículo de substituição durante as intervenções na viatura” pois se trata de um concreto segmento de condenação – assegurar ao A. um veículo de substituição durante as reparações – que não tem correspondência com um pedido formulado pelo A., nem originária, nem subsequentemente; 8ª) Considerando que o Juiz só pode condenar apenas nos pedidos formulados pelas partes – art.º 608.º n.º 2 do CPCiv - condenando em prestação que não foi objecto de pedido do autor na PI, incorre na nulidade prevista no artigo 615.º n.º1, al. e) do C.P.Civil, que fere de nulidade esta parte da decisão; 9ª) Quanto a este aspecto a sentença é ainda nula; 10ª) No que respeita a tal segmento, além de nulidade por excesso de pronúncia, a decisão está inquinada por contradição com os fundamentos da sentença com base nos quais o Mmº Juiz a quo julgou improcedente o pedido de condenação da ré no pagamento de uma quantia diária em dinheiro pela paralisação do veículo; 11ª) Ao dar como provados os factos constantes dos pontos 36º a 38º da matéria de facto provada dos quais resulta que a causa da paralisação ou não uso do veículo pelo autor se deve a um dano emergente ao veículo em momento ulterior à conclusão da reparação e não ao acidente, não podia, por isso a ré ser condenada a colocar à disposição do autor um veículo de substituição do dele com o qual possa circular, se o veículo do autor, à data da reparação, já não podia circular, enquanto não for reparado pelo próprio autor quanto à barra estabilizadora que o impede de circular; 12ª) A decisão neste aspecto está ainda ferida da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do aert.º 615.º do CPCiv; 13ª) A decisão recorrida é ainda nula no que respeita aos pontos 7º, 8º e 48º do elenco dos factos dados como provados, já que o Mmº Juiz a quo considerou matéria que não foi objecto de alegação pelas partes, designadamente, pelo autor e da qual veio a resultar, directamente, o objecto da condenação da recorrente; 14ª) O Autor alegou “as rodas do veículo encontravam-se empenadas” (art.º 45º da PI) e uma “rachadela do lado esquerdo do chassis do veículo do autor” (art.º 66º da PI) ulterior e decorrente de andamento após o acidente, factos concretos e essenciais, totalmente distintos dos que o Juiz a quo deu como provados nos pontos 7º, 8º e 48º e que importam uma alteração da causa de pedir, não requerida, nem legalmente admissível; 15ª) Na medida em que condena na reparação precisamente dos concretos danos descritos no ponto 8º dos factos provados (para onde a condenação remete) conhece de questões/factos de que não lhe era lícito conhecer e em pedido que não foi formulado o que traduz também nulidade da sentença; 16ª) Procedendo-se a reapreciação do julgamento da matéria de facto devem ser eliminados do elenco dos factos provados os que constam dos pontos 7º, 8º, 18º, 19º e 48º da sentença por não ter sido produzido prova cabal que os confirme, muito pelo contrário; 17ª) Os meios de prova que impõe decisão diversa são desde logo os documentos de fls. 89 e 287 e ss, que confirmam que a razão de ciência juízo pericial se situa quase dois anos depois do acidente em questão e depois de o veículo ter percorrido mais de 20000 kms, o que retira qualidade probatória para convencer o Tribunal acerca do nexo causal entre o estado actual da viatura e subsequente ao acidente, quando foi objecto da intervenção da G........E; 18ª) Seguidamente, a consideração das fotos de fls. 293 a 297 de onde se constata que os alegados empenos na cava da roda esquerda e ponta dianteira da longarina esquerda são bem visíveis mesmo sem desmontagem das rodas, pelo que, a existirem logo após o acidente, não havia razão para que tais danos não fossem detectados na data da sua vistoria preliminar à reparação levada a cabo na oficina da interveniente; 19ª) Para além desses, não levou o Mmº Juiz em conta os depoimentos testemunhais, desde logo o de H......., orçamentista da interveniente que depôs na sessão de 6/10/2014 gravado em CD de 10:49:45 a 11:17:44, cuja razão de ciência é total pois recebeu o veículo após o acidente e fez a vistoria de peritagem e orçamentação, testemunha esta cuja coerência e isenção é salientada pelo Mmº Juiz a quo na fundamentação da decisão da matéria de facto; 20ª) Nos trechos transcritos e identificados pelas passagens da gravação afasta a possibilidade de o veículo ter os danos na cava da roda e ponta da longarina esquerda que agora apresentou na peritagem efectuada muitos kilometros e um ano depois, andando a circular e tendo outros acidentes; 21ª) Confrontada com as fotos da peritagem não só explica como tais danos não foram reparados porque não existiam, bem como seriam facilmente detectáveis quer porque as zonas estavam visíveis após desmontagem, quer porque a sua intervenção (na fixação dos guarda-lamas e do suporte do pára-choques, ocorrem na referida zona, quer ainda porque o seu interesse (da G........) seria reparar se os danos existissem pois o orçamento com a seguradora estava aberto e esta pagaria tais danos se existissem; 22ª) Este depoimento é reforçado pelo depoimento da testemunha I......., orçamentista da interveniente que depôs na sessão de 6/10/2014 gravado em CD de 11:43:08 a 11:51:58, nas partes acima referenciadas, tratando-se do mecânico que foi chamado a observar a viatura a quando da reclamação do autor quanto a ruídos depois de reparada; 23ª) No seu depoimento que o Mmº Juiz a quo descreve como “depôs de modo claro, coerente e consistente”, confirma que após mudar uns casquilhos, procedeu ao alinhamento da direcção e esta ficou alinhada dentro dos intervalos de fábrica, confirmando o depoimento da testemunha anteriormente referida que o veículo não apresentava os danos que agora foram constatados pelo perito; 24ª) Ambas com razão de ciência que a prova pericial não tem quanto ao nexo causal, e ambas sem reparos quanto à coerência e isenção, pelo que não podiam deixar de ser valorados nas partes que se assinalam e que inviabilizavam que se dessem como provados os factos cuja alteração se reclama; 25ª) A essas acresce ainda o depoimento da testemunha J......., perito avaliador de danos da empresa GEP a quem a ré confiou o serviço de peritagem e que depôs na sessão de 30/6/2014 gravado em CD de 14:39:07 a 15:19:29 a qual, concretamente nas passagens acima indicadas, questionada quanto à ocorrência de danos estruturais no embate em questão, ele, que viu e avaliou o veículo foi peremptório na negativa. 26ª) Por último o relatório pericial de fls. 287 e ss complementado pelos esclarecimentos prestados em audiência pelo perito subscritor K......., na sessão de 30/6/2014 gravados em CD de 15:21:02 a 15:53:21, não estabelece o nexo causal dos danos na cava da roda e longarina com o acidente, apenas sendo afirmado que tais danos “se podem enquadrar” com o acidente, atento o facto de não conhecer o percurso da viatura antes do acidente e depois dele até a ir peritar na pendência dos autos. 27ª) Da conjugação destes meios de prova e ainda considerando os factos dados como provados sob os n.ºs 32º a 38º de onde decorre ter a viatura circulado milhares de quilómetros com outros embates e danos que afectam a sua estabilidade, resultam as mais sérias dúvidas quanto à ligação dos danos na longarina e cava da roda esquerda e o acidente em questão nestes autos. 28ª) A dúvida nos factos controvertidos resolve-se contra aquele a quem aproveitam e que está onerado com o respectivo ónus, pelo que, atento o disposto nos art.ºs 414º do CPCiv e 342.º do CCiv, devem ser eliminados dos factos provados os constantes dos pontos 7º, 8º, 18º, 19º, 21º, 23º, 27º, 30º e 48.º da sentença e consequentemente, alterada a sentença no sentido da improcedência da acção; Não obstante, 29ª) Dos pontos 9º a 17º dos factos provados, resulta adquirido que seguradora, autor e G........, acordaram em que os danos sofridos pela viatura fossem reparados na oficina desta última, nos termos e pelos valores constantes do relatório de peritagem de fls. 78 aceite e assinado pelas três partes; 30ª) Tal documento, consubstancia um verdadeiro acordo transaccional extrajudicial de ressarcimento pela seguradora dos danos materiais causados à viatura do autor com o acidente em questão já que através dele, com a concordância do autor que o assinou, a interveniente se obrigou a proceder à reparação dos elementos aí consignados como decorrentes do acidente e pelo preço acordado assim extinguindo pelo cumprimento a obrigação de indemnização que para si estava transferida por via do contrato de seguro; 31ª) O acordo transaccional previsto e regulamentado nos art.ºs 1248.º e ss do CCiv, extingue a obrigação de indemnização que impendia sobre a ré, pois transfere para a oficina quaisquer deficiências, omissões ou incorrecções para a oficina que levou a cabo a reparação e tem ainda a natureza de contrato a favor de terceiro enquadrando-se perfeitamente no âmbito do disposto no art.º 443.º n.º1 do CCiv.; 32ª) E o autor, enquanto terceiro beneficiário, ao subscrever o referido relatório, como se provou, manifestou a sua adesão à promessa nos termos e com os efeitos do disposto no art.º 447.º n.º 3 do CCiv, pelo que na eventualidade de defeito ou omissão na reparação levada a cabo pela chamada, é esta que o A. deve demandar e não a ré seguradora que cumpriu o acordo transaccional pagando o valor da reparação que fora acordado; 33ª) a ré não sendo uma empresa de reparações, não tendo sido ela a efectuar a reparação do veículo do autor, não pode ser condenada a suprir as deficiências ou insuficiências de uma reparação que não levou a cabo, nem sabe levar a cabo e foram efectuadas e pagas com a concordância do autor, em local acordado com o autor, nada mais podendo ser exigido à ré. 34ª) Violou, assim, a decisão recorrida o disposto nos art.ºs 3.º, 5.º n.º 1, 414.º, 552.º n.º 1 e) e 608.º n.º 2 e 615.º n.º 1 alíneas b), c), d) e e), todos do CPCiv e art.ºs 342.º, 447.º n.º3 e 1248º do CCiv. NESTES TERMOS, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO ÁO PRESENTE RECURSO, E DECLARADA NULA A SENTENÇA NOS SEGMENTOS ACIMA REFERIDOS COM A SUA ELIMINAÇÃO E CONSEQUENTEMENTE REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, E SUBSTITUINDO-SE POR OUTRA QUE ABSOLVA A RÉ DOS PEDIDOS, OU CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, ALTERANDO A MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA NOS PONTOS SUPRA INDICADOS E REVOGANDO A SENTENÇA SUBSTITUINDO-A POR OUTRA QUE JULGANDO A ACÇÃO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, ABSOLVA A RÉ DOS PEDIDOS. Não houve resposta à alegação. ** Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. 2- FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso é balizado pelas conclusões da alegação dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil (actualmente arts. 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2). 2.1- OS FACTOS A ré/apelante insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, integrada na sentença. Na sua perspectiva, devem ser eliminados do elenco dos factos provados os que constam dos pontos 7º, 8º, 18º, 19º, 21º, 23º, 27º, 30º e 48º da fundamentação de facto da sentença recorrida, por não ter sido produzido prova cabal que os confirme. Segunda a apelante, os meios de prova que impõe decisão diversa são desde logo os documentos de fls. 89 e 287 e ss, que confirmam que a razão de ciência juízo pericial se situa quase dois anos depois do acidente em questão e depois de o veículo ter percorrido mais de 20.000 kms, o que retira qualidade probatória para convencer o Tribunal acerca do nexo causal entre o estado actual da viatura e subsequente ao acidente, quando foi objecto da intervenção da G........ Seguidamente, a consideração das fotos de fls. 293 a 297 de onde se constata que os alegados empenos na cava da roda esquerda e ponta dianteira da longarina esquerda são bem visíveis mesmo sem desmontagem das rodas, pelo que, a existirem logo após o acidente, não havia razão para que tais danos não fossem detectados na data da sua vistoria preliminar à reparação levada a cabo na oficina da interveniente. Para além desses elementos de prova, entende, ainda, a recorrente que não levou o Mmº Juiz a quo em conta os depoimentos testemunhais de H......., orçamentista da interveniente, I......., orçamentista da interveniente, J......., perito avaliador de danos da empresa GEP (parcialmente transcritos pela apelante), nem, por último, o relatório pericial de fls. 287 e ss, complementado pelos esclarecimentos prestados em audiência pelo perito subscritor K........ Os referidos números da fundamentação de facto da sentença têm o seguinte teor: 7.º – Entre outras sequelas deste embate, a viatura do autor sofreu uma deformação da sua estrutura que impede o alinhamento das suas rodas/direção. 8.º – A viatura sofreu torção e empeno da longarina e cava da roda do lado esquerdo. 18.º – Na intervenção realizada na viatura, a G........ não restabeleceu a simetria estrutural da viatura, não procedendo ao alinhamento das rodas/direção, não eliminando as sequelas referidas no 8.º ponto desta fundamentação de facto. 19.º – Após ter sido entregue pela G........ como reparado, o veículo vibrava ligeiramente, enquanto circulava, ouvindo-se alguns ruídos que aparentavam provir da zona das rodas dianteiras, o que não sucedia antes do embate descrito. 21.º – Após nova intervenção da G........, o veículo do autor continuou a vibrar, fugindo ligeiramente da sua trajetória. 23.º – A G........ procedeu então à substituição e aperto de uma ou outra peça do veículo do Autor, mantendo-se, no entanto, as características de circulação referidas. 27.º – Após esta intervenção, o veículo do Autor continuou a apresentar as mesmas características na circulação. 30.º – Nas intervenções realizadas na viatura, a G........ nunca restabeleceu a simetria estrutural da viatura, não procedendo ao alinhamento das rodas/direção. 48.º – Para eliminação dos estragos referidos no 8.º ponto desta fundamentação de facto, é necessário desempenar − em banco de carroçarias, sem mecânica − a cava da roda esquerda, corrigir a ponta da longarina. Após, é necessário voltar a alinhar a viatura, de modo a verificar se não existe qualquer outro empeno. Vejamos. Fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas, consagrada no artº 607º, nº 5, do CPC (anterior artº 655º, nº 1), em princípio essa matéria é inalterável. A decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode/deve, no entanto, ser alterada pela Relação nas situações previstas no artº 662º, do CPC (anterior artº 712º). Dispõe o normativo (n.º 1) que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Com efeito, a Relação, enquanto Tribunal de 2ª instância, possui a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, devendo proceder à reapreciação da prova ali produzida, fazendo incidir as regras da experiência e valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, de modo a formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnada. Importa considerar que a Relação deve, por regra, reapreciar toda a prova produzida e não apenas a indicada pelo recorrente e que, porventura, lhe seja favorável. Deve ter-se presente o disposto no CPC (actual artº 662º, nºs 2, als. a) e b), e 3) no concernente à possibilidade de renovação da produção da prova, o que, no caso, achamos desnecessário. O recorrente cumpriu, no essencial, o ónus imposto nos nºs 1 e 2, al. a), do artº 640º, do CPC (“quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes)”. No caso, não ocorreu a junção superveniente de qualquer documento e do processo constam todos os elementos em que se baseou a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto, documentos, depoimentos de parte, das testemunhas e do perito, registados em dois CD gravados. Dito isto, atentemos na motivação da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença: “A decisão da matéria de facto resultou da admissão de factos por acordo – confirmada pelos documentos juntos, tendo-se presente o disposto nos arts. 516.º do Cód. Proc. Civ. e 342.º, n.º 1, do Cód. Civ.. – e, quanto à matéria controvertida, dos depoimentos prestados e dos documentos juntos. Quanto aos factos não provados, a decisão resultou da ausência de prova quanto aos mesmos. Os documentos juntos, conjugados com a restante prova produzida, foram relevantes para a demonstração, designadamente, de: a) desalinhamento da viatura em resultado do acidente (relatórios de alinhamento de fls. 32); b) quilometragem da viatura do autor − em 10 de março de 2010, o conta-quilómetros da viatura do autor apresentava 124.256 quilómetros percorridos (fls. documento de fls. 262); em 9 de fevereiro de 2011, o conta-quilómetros apresentava 135.100 quilómetros (fls. 92 e 264); em 15 de junho de 2012, o conta-quilómetros apresentava 177.267 quilómetros (fls. 89); em 21 de junho de 2012, o conta-quilómetros apresentava 177.388 quilómetros (fls. 78 e 86); em 03 de outubro de 2012, o conta-quilómetros apresentava 178.878 quilómetros (fls. 130), em 22 de outubro de 2012, o conta-quilómetros apresentava 183.646 quilómetros (fls. 29), em 10 de março de 2014, o conta-quilómetros apresentava 199.078 quilómetros (fls. 287 e segs.) −; é esta uma factualidade meramente instrumental, podendo ser discutida apenas aqui, em sede de motivação, mas que foi levada ao segmento dos factos (essenciais) provados, para melhor se perceberem os contornos da relação material controvertida; c) data da quebra da barra estabilizadora traseira (missiva de fls. 42); d) ano de fabrico da viatura (relatório de fls. 78 e documento 91 e 168, 263) A testemunha L....... − amigo do autor − disse que acompanhava o autor na data do sinistro. Descreveu o acidente nos termos dados por provados. Afirmou que, imediatamente após a entrega do veículo reparado, notava-se que estava instável, tendo a “direção fugir”. Antes do acidente, a viatura não tinha estes problemas. Declarou que conduziu a viatura e, “realmente, o carro fugia”. Já tinha andado anteriormente com ele e o carro “não tinha nada”. Depôs de modo coerente, embora aparentando, a espaços, orientar o seu depoimento no sentido que julgaria mais favorável ao autor − por exemplo, quando declarou que o autor deixou de circular com a viatura, quando referiu que o autor não dispunha de outras viaturas ou quando depôs sobre as diligências do autor para alugar uma viatura de substituição. A testemunha M....... − empregado de oficina mecânica; amigo do autor − disse que a viatura sinistrada foi à sua oficina para alinhar direção, não tendo sido possível alinhá-la, havendo problemas no chassi. Diz que algum tempo antes do acidente, a viatura havia estado na oficina, tendo então sido alinhada a direção, sem problemas. Colocou pneus na viatura. Depôs de modo claro, coerente e consistente. A testemunha N....... − mecânico que prestou serviços para o autor; seu amigo − diz que conduziu o carro após o acidente, sentindo-se muita trepidação/vibração, causada pelas rodas. As rodas tinham marcas de andar a roçar terra e pedras, tanto atrás como à frente. Mesmo depois de uma primeira intervenção corretiva, o carro vibrava e fugia. Diz que, na data do acidente, o autor só tinha a viatura sinistrada. A esposa conduz uma carrinha Passat. Diz que o tipo de clientes do autor dá importância ao carro conduzido pelo autor. Diz ter examinado o carro antes do embate, não tendo detetado qualquer soldadura na longarina. Tanto quanto sabe, o único acidente que o carro teve na mão do autor é o objeto dos autos. Pareceu orientar o seu depoimento no sentido que julgaria mais favorável ao autor, afirmando ter a certeza, sem explicar porquê, que os clientes do autor compravam a sua arte por causa do carro que este conduzia. A testemunha J....... − perito avaliador de danos, presta serviços à ré − afirmou que quando viu a viatura sinistrada pela primeira vez (após o sinistro), ainda não tinha sido reparada. A solicitação e reclamação do autor, viu ulteriormente que a longarina (junto ao triângulo de suspensão) estava soldada. Diz que a viatura evidenciava ter sido anteriormente intervencionada − eventualmente na sequência de sinistro anterior. Algumas das peças substituídas (guarda-lamas) estavam co muita massa. Tinham sido endireitas. Sendo de alumínio, este material deveria ter sido substituído − na suposta intervenção anterior −, e não corrigidas com massa. Afirmou que a intervenção (solda deficiente) visível no registo fotográfico de fls. 95 é causa de “não dar alinhamento” (situada na frente direita). Trata-se de um dano que teria “tombado” completamente a roda adjacente, pelo que nada teria a ver com o acidente dos autos. Depôs de modo coerente, embora aparentando, a espaços, orientar o seu depoimento no sentido que julgaria mais favorável à ré. Por exemplo, afirmou que não deu instruções para alinhar a direção à viatura sinistrada, por não aparentar à vista ser necessário. No entanto, apesar de ter assim procedido sem recurso a qualquer instrumento de diagnóstico, mais tarde no seu depoimento diz que o desvio pode não ser visível a “olho nu”. Só com a maquinaria própria pode ser detetado (min. 34’30’’ da gravação). O perito K....... prestou esclarecimentos sobre o teor do relatório pericial que elaborou. Esclareceu quais são as intervenções necessárias a devolver o alinhamento (direção) à viatura do autor. Esclareceu que a soldadura evidenciada nas fotografias não impede o alinhamento. Afirmou que o problema detetado na barra estabilizadora traseira não foi causado pelo sinistro, mas sim pela circulação por estradas em mau estado. Depôs de modo claro, coerente e consistente. A testemunha F....... − condutor de uma das viaturas sinistradas (..-..-UG) − descreveu a dinâmica do acidente. Depôs no sentido dos factos dados por provados. Depôs de modo claro, coerente e consistente. A testemunha O...... – gestora de sinistros; trabalhadora da ré – diz ter gerido o sinistro dos autos. A peritagem feita na chamada foi feita com a concordância do autor. Foi feito aquilo que o perito e o orçamentista da oficina encarregue entenderam ser necessário. Depôs de modo claro e coerente. A testemunha P...... − responsável do serviço de pós-venda da Chamada − depôs sobre o estado do veículo quando foi recebido na chamada, para reparação. Descreveu o diagnóstico do veículo. Afirmou que a viatura apresentava vestígios de reparações anteriores. Afirmou que não detetaram soldadura na longarina, numa fase inicial. Só após a ulterior reclamação do autor esta solda foi detetada. A soldadura na longarina tinha sinais de ser antiga (tinha alguma corrosão). Esclareceu que a soldadura não significa, necessariamente, a existência de um problema (dano) nesse local. Inicialmente não foram detetados quaisquer danos na cava da roda. Esclarece que o carro não foi “levantado” para ser realizado o diagnóstico ou para ser reparado. Antes de entregar o veículo, não fizeram o alinhamento da direção. Afirmou que dois ou três dias após a entrega do veículo reparado, logo o autor reclamou que o carro não estava alinhado. Afirmou que o carro foi analisado, verificando-se que estava alinhado. Diz ter sido oferecida ao autor uma intervenção tendente ao diagnóstico e reparação de qualquer empanamento (colocar a viatura num banco de alinhamento), suportando a seguradora os custos da intervenção, no caso de esta vir a revelar ser consequência do embate, sendo suportada pelo autor no caso oposto. Depôs de modo claro e coerente. Do depoimento desta testemunha parece resultar que a interveniente (e o perito por conta da seguradora) não fizeram uma análise exaustiva dos eventuais danos sofridos pela viatura. Terão presumido, confiando na sua experiência, que se resumiriam à parte frontal da viatura. Não configuraram a hipótese de haver danos apenas visíveis por baixo (cava da roda e longarina), considerando que estamos perante uma viatura desportiva, bastante baixa (cfr. fls. 404). A testemunha Q...... − supervisor da parte de materiais (avaliação de danos) − afirma que teve intervenção no caso dos autos, dando autorização ao perito para fechar o orçamento (na G........, Guimarães) − conforme orçamento junto a fls. 78. Quando o orçamento foi elaborado não foi detetado qualquer dano na longarina. Depôs de modo claro, coerente e consistente. A testemunha R...... − presta serviços da ré C........; atualmente, faz peritagens no âmbito do corporal − afirma que tem conhecimento do processo, após a realização da reparação. Propôs que a viatura fosse colocada num “banco” de diagnóstico. O custo desta operação (cerca de mil euros) ficaria a cargo da parte que o diagnóstico revelasse não ter razão. O autor recusou. Disse que ouviu ao técnico que, com a soldadura existente (na longarina), a viatura dificilmente “dá alinhamento”. Depôs de modo claro, coerente e consistente. A testemunha H...... − funcionário G........; orçamentista, desde 1998 − relatou que a viatura sinistrada entrou na oficina da ré pelos seus próprios meios. Afirma que os danos apresentados apenas dizem respeito a “chapa”. Depois da desmontagem detetaram-se danos num travessão de apoio dos faróis. Diz que a longarina não foi diretamente afetada pelo sinistro. Ao substituírem o guarda-lamas a cava da roda fica visível, velicando-se que a cava da roda não apresentava danos. Se houvesse danos na cava da roda, não teria sido possível substituir o guarda-lamas, como foi. Esclareceu que o fecho do orçamento ocorre depois de a reparação ser dada por concluída. Perguntado como é que a deformação que a cava da roda atualmente apresenta pode ocorrer, respondeu só com um embate frontal (com destruição de para-choques, e óticas, por exemplo). A considerar apenas este depoimento, haveria que concluir que o dano na cava da roda, não só não poderia ser produzido pela projeção de uma pedra, como também não poderia resultar de uma ação dolosa do autor (provocando este dano, por exemplo, com um martelo). Depôs de modo claro, coerente e consistente. A testemunha S...... − orçamentista da G........ − diz que interveio apenas com a reclamação do autor (alinhamento de direção). Entregue o carro em setembro, o autor apresentou-se a reclamar de vibrações em outubro ou novembro. A viatura foi metida num elevador, não tendo sido detetada na cava da roda. Viu que o carro apresentava soldadura onde aperta o braço de suspensão (lado direito). Essa soldadura não foi feita pela G......... Os casquilhos foram substituídos, por cortesia, por apresentarem desgaste. Fez o alinhamento e deu alinhamento. Depôs de modo claro, coerente e consistente. A testemunha T...... − pintor autor de automóveis na G........ − afirmou que pintou o carro novo. As peças danificadas foram o capô, dois guarda-lamas e para-choque, mas o carro foi todo pintado. Depôs de modo claro, coerente e consistente. A testemunha I....... − mecânico da G........ − afirma que fez um alinhamento ao carro e mudança de casquilhos − estes desgastados pelo uso do carro. Tem ideia de que o cliente se queixava de que o “carro fugia”. Depôs de modo claro, coerente e consistente. Em declarações de parte, o autor reiterou o que já havia alegado na petição inicial. Afirmou, ainda, que adquiriu o carro em Espanha, pensa que pelo ano 2010. Pagou pelo carro 28, 30 mil euros. Afirmou que o funcionário da G........, U......, ao experimentar a viatura, bateu com a roda, o que terá provocado um desalinhamento maior. Afirmou, ainda que, com chuva, chegou a ter vários acidentes com o carro. Numa ocasião, ficou atravessado na autoestrada. Teve um problema na barra estabilizadora traseira, mas posterior ao acidente. Acrescenta que a sua pretensão contra a Ré e a Interveniente nada tem a ver com este problema. Pensa que o veículo é de 2005 (data de construção), tendo um valor, enquanto novo, de 70 mil euros. Diz que, antes de adquirir a viatura, levou-a a uma oficina/representante Chrysler para ser vistoriada. Foi-lhe dito que a viatura não apresentava quaisquer problemas. Desconhece se o anterior proprietário é cliente desta oficina/representante Chrysler. Disse que, normalmente, percorre 60 mil quilómetros por ano; afirma que, no meio ano*No que respeita aos danos da privação do uso, o depoimento do autor foi especialmente inconsistente, não permitindo a restante prova produzida sustentar a versão dos factos por si alegada. Os dados respeitantes ao uso que o autor fez do seu veículo, antes e depois do sinistro (e reparação inicial da interveniente), não sustentam a sua posição quanto a uma putativa privação de tal uso. No ano e meio que antecedeu o sinistro, o autor fez uma média de 85,705 quilómetros por dia − se considerarmos o período anterior (10-03-2010 a 09-02-2011), esta média é mesmo inferior; não o fazemos, pois não é seguro que em todo esse período o autor (que declarou que fez a aquisição em 2010) já fosse o proprietário da viatura. Após receber a viatura, na sequência da reparação ensaiada pela interveniente, o autor fez uma média de 118,524 quilómetros por dia (17-09-2012 a 19-03-2013), até ao dia em que admite que deixou de circular com ela. (Note-se que os valores precisos registados pelo conta-quilómetros nestas datas não são conhecidos, mas sabemos que, nos meses que antecederam a primeira data, a viatura esteve parada − sabendo-se qual é o valor correspondente ao início da paragem −, e sabemos que, entre a segunda data referida e a anotação do valor feita no âmbito da perícia, a viatura também esteve imobilizada. Daqui resulta que estamos perante valores que só poderão variar relativamente aos efetivos em quantidade desprezível − v.g., circulação da viatura na G........, antes da entrega, para avaliação do seu desempenho, depois de ensaiada a sua reparação.). Data Conta-quilómetros Número de dias Quilómetros/período Quilómetros/dia A 10-03-2010 124.256 B 09-02-2011 135.100 336 A-B 10.844 A-B 32,274 A-B C 15-06-2012 177.267 492 B-C 42.167 B-C 85,705 B-C D 22-06-2012 177.388 E 17-09-2012 177.388 (aproxim.) F 03-10-2012 178.878 183 E-H 21.690 E-H 118,524 E-H G 22-10-2012 183.646 H 19-03-2013 199.078 (aproxim.) O autor lamentou não poder passear com a sua família no veículo sinistrado. Não resultou da prova produzida que realizasse qualquer passeio familiar com esta viatura. Recorde-se que, de acordo com as suas próprias palavras, o autor é caso e tem filhos (mais de um). A família tem um outro veículo, este sim familiar − VW Passat − e, recorde-se, a viatura sinistrada é um automóvel desportivo de dois (!) lugares (fls. 168 e 169). O Autor aparentou “esforçar-se” demais na enfatização dos prejuízos resultantes da privação da sua viatura. Tendo-lhe sido sinalizado que foi colocada ao seu dispor uma viatura Mercedes, durante quase três meses, apressou-se a menosprezar este facto, dizendo que não apreciava as viaturas Mercedes, esquecendo-se que, noutro ponto do seu depoimento, reconheceu − e trata-se de matéria incontrovertida − que a “mecânica” e plataforma da sua viatura são as mesmas das viaturas Mercedes − mais propriamente, do Mercedes CLK. Aliás, nestes quase três meses (de reparação), fez perto de oito mil quilómetros (7.669) com esta viatura de substituição. Todo este circunstancialismo − em especial, a intensidade da utilização da viatura − levam-nos a concluir que as características (anómalas) do seu funcionamento e circulação não são particularmente danosas, não sendo intensos, por exemplo, o ruído e a vibração que patenteia. Todas estas inconsistências − intrínsecas da própria alegação, mas também resultantes da prova produzida − ferem de morte a demonstração dos factos alegados para caracterizar o dano da privação do uso (total ou especialmente relevante). Mas também, como é evidente, acabam por fragilizar todo o depoimento do Autor, despindo-o de credibilidade.”. Na reapreciação da matéria de facto, importa ter presente, no caso, os seguintes normativos da lei adjectiva (CPC): “Artigo 5.° - Ónus de alegação das partes e poderes de cognição do tribunal. 1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas. 2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz: a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. 3 - O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”. O n° 2 corresponde, em parte, aos nºs 2 e 3, do artigo 264° do CPC revogado, podendo os factos complementares e concretizadores, que deixam de ser qualificados como essenciais, ser atendidos pelo tribunal, sem que seja formulado requerimento pela parte interessada em prevalecer-se de tal factualidade, bastando-se com a existência de contraditório sobre essa factualidade. “Artigo 6º - Dever de gestão processual. 1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. 2 – (…). Artigo 411º - Princípio do inquisitório Incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer.”. Pois bem. Recorde-se, desde logo, que a prova não é certeza lógica, mas tão-só um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 191). Ouvimos o registo fonográfico (dois CD) com os depoimentos (todos) de parte, testemunhais e pericial, transcritos, em parte, pela recorrente (refira-se que o CD enviado a esta Relação, relativo à audiência (sessão) de 06/10/2014, apresenta uma gravação um pouco deficiente, com um ruído de fundo contínuo, embora sejam audíveis os depoimentos gravados). No que concerne à matéria vertida nos números 7º, 8º e 48º, da fundamentação de facto, é possível afirmar que essa factualidade (com a ressalva adiante referida quanto ao 7º) está implicitamente alegada na petição ou, de qualquer modo, se enquadra nos factos que são complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, sendo certo que sobre eles se pronunciaram as partes (ver al. b), do nº 2, do artº 5º, do CPC, e acta da audiência prévia transcrita no relatório). No tocante à matéria dos nºs 7, 18 e 30, justifica-se a alteração do decidido na 1ª instância, impondo-se uma convicção positiva, mas restritiva. Com efeito, a prova testemunhal, documental e pericial apenas permite que se afirme, com a necessária segurança (ver artº 414º, do CPC), que: - Entre outras sequelas do embate, a viatura do autor sofreu danos que afectaram a direcção do veículo, referidos em 8º, originando a necessidade de alinhamento das suas rodas/direção; - Na intervenção realizada na viatura do autor, a G........, S.A., não eliminou os danos referidos no ponto 8.º desta fundamentação de facto e respectivas sequelas (alinhamento de rodas/direcção). No referente à restante matéria impugnada (8º, 19º, 21º, 23º, 27º e 48º da fundamentação de facto da sentença), analisados os mencionados depoimentos (todos), ponderada a prova documental junta bem como o relatório pericial de fls. 375-382 ou 386-392, segundo critérios de valoração racional e lógica, com recurso aos conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas no meio social dos intervenientes processuais e as regras da experiência comum, afigura-se-nos razoável a convicção positiva do julgador da 1ª no tocante a essa factualidade. Compreende-se e apoia-se, por isso, o concluído na motivação da decisão sobre a matéria de facto, considerando-se que não existe fundamento para alterar o decidido sobre a factualidade em causa, com ressalva da matéria contida nos nºs 7, 18 e 30. A prova testemunhal, documental e pericial mencionada na motivação do julgador da 1ª instância, suporta a convicção positiva no respeitante àquela realidade factual, ressalvada a descrita restrição. O resumo do essencial desses depoimentos, feito pelo julgador da 1ª instância, na descrita motivação, corresponde à nossa percepção do relatado, no que concerne à credibilidade e consistência conferida aos depoimentos do autor, das testemunhas e do perito K......., da relevância da documentação junta, relatório pericial incluído. Refira-se que, embora o relatório pericial tenha sido elaborado em 22/04/2014, ou seja, quase dois anos depois do acidente, o perito sustenta as suas respostas aos quesitos com racionalidade, prudência, lógica, credibilidade e isenção, revelando conhecimento seguro da matéria e socorrendo-se da documentação junta aos autos com os articulados das partes e interveniente, em data próxima da do acidente. Significa isto que, apesar das naturais limitações (respeito pelo princípio da imediação) na análise dos registos gravados dos depoimentos de parte e das testemunhas, ponderada a descrita motivação da decisão sobre a matéria de facto, os juízes desta Relação consideram não existirem razões para alterarem o decidido na 1ª instância, concordando, assim, com o julgamento da matéria de facto proferido no tribunal recorrido. Não existem, pois, razões para infirmar a convicção do julgador a quo, com a apontada ressalva. Não se vislumbra qualquer desconsideração imprudente ou irrazoável da prova testemunhal, designadamente do relatado pelas testemunhas H......., I......., J......., da documental e pericial produzidas, mas sim uma correcta apreciação dessa prova, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido. A decisão recorrida observou, por isso, as enunciadas regras que devem orientar o julgador, apreciou criticamente, orientado pelos enunciados princípios, todos os meios de prova produzidos em audiência, concluindo pela sua suficiência ou insuficiência para demonstrarem os factos que acabou por considerar, neste raciocínio lógico, provados e não provados, sempre com a mencionada ressalva. Aceita-se, pois, a aludida convicção (positiva) do julgador da 1ª instância, a que aderimos porque coincidente com a nossa, que serviu de base à decisão sobre a matéria de facto em referência, sendo a mesma consonante com as regras da experiência e da lógica, com excepção da matéria contida nos nºs 7, 18 e 30, da fundamentação de facto. Deste modo, considera-se provada a seguinte matéria de facto: 1.º – No dia 13 de Junho de 2012, pelas 17h20m, ao quilómetro 11,9, na Auto - Estrada 20, no sentido Freixo/Arrábida, na freguesia de Campanhã, concelho e distrito do Porto, ocorreu um embate em que foram intervenientes: a) o veiculo pesado de mercadorias, marca MAN, de matrícula ..-..-PB, propriedade de D........, L.da e conduzido por E........; b) o veículo ligeiro de mercadorias, marca Renault, modelo Clio, de matrícula ..-..-UG, propriedade de F........ e conduzido por este e, c) o veículo ligeiro de passageiros, marca Chrysler, modelo Crossfire 3.2, de matrícula ….DHH, propriedade do Autor e conduzido por este. 2.º – No local, a faixa de rodagem está dividida em três linhas de trânsito, no sentido Freixo – Arrábida, circulando o ….DHH pela linha da esquerda, o ..-..-PB pela linha central e o ..-..-UG pela linha da direita. 3.º – O embate ocorreu quando o condutor do veículo ..-..-PB ocupou subitamente a linha de trânsito por onde circulava o veículo automóvel ..-..-UG, tendo embatido neste veículo. 4.º – O condutor do veículo automóvel ..-..-UG perdeu o controlo da viatura, atravessando a faixa de rodagem, indo embater no separador central, que desfez parcialmente, junto à linha de trânsito por onde circulava o veículo do autor, intercetando a trajetória deste. 5.º – O Autor ao circular no sentido Freixo/Arrábida, na via da faixa de rodagem que se situava mais à sua esquerda, embateu, assim, com a parte da frente do seu veículo, pela viatura ..-..-UG, que seguia no mesmo sentido e que também havia sido embatida pelo veículo ..-..-PB. 6.º – A viatura do autor passou por cima de destroços do separador central e da viatura ..-..-UG existentes no pavimento. 7.º – Entre outras sequelas do embate, a viatura do autor sofreu danos que afectaram a direcção do veículo, referidos em 8.º, originando a necessidade de alinhamento das suas rodas/direção. 8.º – A viatura sofreu torção e empeno da longarina e cava da roda do lado esquerdo. 9.º – Logo após, a ocorrência do acidente, o Autor colocou a sua viatura na V….., em Vigo, Espanha. 10.º – A Ré C........ informou o Autor que a peritagem seria executada com maior brevidade se fosse realizada em Portugal 11.º – e que, a viatura poderia ser reparada pela interveniente G........, uma vez que, a mecânica Mercedes era igual à da Chrysler. 12.º – Em face desta informação, o Autor colocou o seu veículo nas instalações da G........, 13.º – tendo aí sido ensaiada a sua reparação. 14.º – Em 21 de junho de 2012, a viatura do autor entrou nas instalações da interveniente para ser reparada. 15.º – Realizada uma vistoria pela Ré, concluíram os seus responsáveis nos termos constantes do relatório junto a fls. 78, que se dá aqui por transcrito, tendo o Autor assinado este documento. 16.º – A G........ terminou a sua intervenção no dia 14 de setembro de 2012, colocando a viatura à disposição do Autor. 17.º – O Autor levantou a sua viatura no dia 17 de setembro de 2012. 18.º – - Na intervenção realizada na viatura do autor, a G........ não eliminou os danos referidos no ponto 8.º desta fundamentação de facto e respectivas sequelas (alinhamento de rodas/direcção). 19.º – Após ter sido entregue pela G........ como reparado, o veículo vibrava ligeiramente, enquanto circulava, ouvindo-se alguns ruídos que aparentavam provir da zona das rodas dianteiras, o que não sucedia antes do embate descrito. 20.º – O Autor, reclamando à interveniente da reparação efetuada, colocou novamente o seu veículo nas instalações da G........, para ser reparado. 21.º – Após nova intervenção da G........, o veículo do autor continuou a vibrar, fugindo ligeiramente da sua trajetória. 22.º – O Autor reclamou novamente junto da G........ da reparação efetuada. 23.º – A G........ procedeu então à substituição e aperto de uma ou outra peça do veículo do Autor, mantendo-se, no entanto, as características de circulação referidas. 24.º – Numa nova reclamação apresentada, a G........ informou o Autor que os referidos problemas poderiam ser resolvidos, se se procedesse à substituição dos apoios do motor. 25.º – A G........ informou o Autor que já havia encerrado o processo de sinistro junto da companhia seguradora, devendo o Autor suportar os custos da intervenção. 26.º – O Autor não concordou que a responsabilidade pelo pagamento devesse ser sua, mas, necessitado do seu veículo, decidiu proceder à referida reparação a expensas próprias, tendo, para o efeito, pago a quantia de € 568,21, reclamando depois da ré o reembolso. 27.º – Após esta intervenção, o veículo do Autor continuou a apresentar as mesmas características na circulação. 28.º – Ulteriormente, a Ré informou o Autor que as vibrações e ruídos provenientes da direção e/ou rodas não eram consequência do sinistro acima referido. 29.º – A Ré e a G........ não acolheram qualquer nova reclamação do Autor. 30.º – A viatura Chrysler de matrícula ….DHH tem o primeiro registo (Alemanha) em dezembro de 2003, tendo sido adquirida pelo autor no decurso do ano de 2010, por cerca de 28 mil euros, tendo, nova, um valor não inferior a 70 mil euros. 31.º – O veículo do Autor apresenta, preexistente à data do sinistro, uma soldadura na longarina do lado direito dianteiro. 32.º – Na data do sinistro, o veículo do Autor evidenciava ter sofrido anteriormente reparações. 33.º – Foi proposta ao Autor a desmontagem das suspensões da viatura e a sua colocação no banco de alinhamento de chassis, suportando o Autor os custos da operação, se o desalinhamento eventualmente detetado se devesse a causa distinta do sinistro dos autos. 34.º – Temendo que a Ré e a Chamada, infundadamente, viessem ulteriormente a alegar que qualquer desalinhamento eventualmente detetado se devesse a causa distinta do sinistro dos autos, em termos próximos dos acima descritos no 25.º ponto desta fundamentação de facto, o Autor recusou esta proposta. 35.º – Após a entrega da viatura pela G........, e em resultado da sua circulação, o suporte da barra estabilizadora do eixo traseiro partiu, por causas estranhas ao sinistro acima descrito. 36.º – Por esta razão, ao circular, a viatura passou a vibrar fortemente e fazer um ruído intenso. 37.º – Por causa do ruído e da vibração provocadas pela quebra do suporte da barra estabilizadora do eixo traseiro, a partir do dia 19 de março de 2013, o Autor deixou de circular com a sua viatura. 38.º – À data do acidente, o veículo aparentava estar em bom estado de conservação 39.º – O Autor fazia, um uso diário do veículo automóvel para as suas deslocações quotidianas e profissionais, como artista plástico. 40.º – Percorrendo em média, não mais de 86 quilómetros por dia nas suas deslocações. 41.º – Depois de ter deixado de circular com a viatura Chrysler, o autor passou a circular com outras viaturas suas, de familiares e de amigos. 42.º – Entre 21 de junho de 2012 e 14 de setembro de 2012, a Ré C........ disponibilizou ao Autor uma viatura da marca Mercedes, tendo este percorrido 7.669 quilómetros com ela. 43.º – Em 10 de março de 2010, o conta-quilómetros da viatura do autor apesentava 124.256 quilómetros percorridos; em 9 de fevereiro de 2011, o conta-quilómetros apesentava 135.100 quilómetros; em 15 de junho de 2012, o conta-quilómetros apesentava 177.267 quilómetros; em 21 de junho de 2012, o conta-quilómetros apesentava 177.388 quilómetros; em 03 de outubro de 2012, o conta-quilómetros apesentava 178.878 quilómetros; em 22 de outubro de 2012, o conta-quilómetros apesentava 183.646 quilómetros; em 10 de março de 2014, o conta-quilómetros apesentava 199.078 quilómetros. 44.º – A responsabilidade pelos danos advindos da circulação do veículo ..-..-PB encontrava-se transferida para a Ré, pelo contrato de seguro titulado pela apólice n.º 750482225, que estava em vigor à data do acidente. 45.º – A Ré aceitou custear a reparação dos danos que o referido veículo sofreu com acidente de 13 de junho 2012. 46.º – A Ré pagou à G........ o valor orçado da intervenção, num total de € 6539,47. 47.º – Para eliminação dos estragos referidos no 8.º ponto desta fundamentação de facto, é necessário desempenar − em banco de carroçarias, sem mecânica − a cava da roda esquerda, corrigir a ponta da longarina. Após, é necessário voltar a alinhar a viatura, de modo a verificar se não existe qualquer outro empeno. 2.2- O DIREITO Assente a matéria de facto, cumpre apreciar o mérito do recurso e da acção, na parte impugnada, operando a subsunção jurídica. Como se sabe, os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, geradora da obrigação de indemnização, são: o facto (danoso), a ilicitude, a culpa, o prejuízo sofrido pelo lesado e o nexo de causalidade entre aquele facto e o prejuízo – artº 483º, nº 1, do Código Civil(CC), e A. Varela, Das Obrigações em geral, 9ª ed., vol. I, pág. 543 e segs., e 7ª ed., vol. II, pág. 94, M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 483 e segs., e I. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 331 e segs.). No caso, não vem questionada a verificação de todos os aludidos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do condutor do veículo de matrícula ..-..-PB, seguro na ré, decorrente do acidente de viação em causa, nem a subsequente responsabilidade civil contratual da seguradora demandada (contrato de seguro) pelos danos patrimoniais sofridos pelo autor, enquanto proprietário da viatura de matrícula ….DHH, de marca Chrysler, resultantes do acidente de viação ocorrido em 13/06/2012, no local e hora já referenciados. O princípio geral da obrigação de indemnização está enunciado no artº 562º, do CC (restauração natural). A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (nexo causal entre o facto e o dano - artº 563º, do CC). Sempre que a reconstituição natural não seja possível, a indemnização é fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria então se não tivesse ocorrido o dano, e, não podendo ser determinado o seu valor exacto, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566º, n.ºs 1, 2 e 3, do CC). Dito isto, cumpre, desde logo, analisar a eventual nulidade da sentença recorrida, invocada pela apelante. É nula a decisão judicial, além do mais, quando a mesma esteja em oposição com os respectivos fundamentos; quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, bem como quando condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido – alíneas c), d) e e), do n.º 1, do artº 615º, do CPC (anterior artº 668º). Verifica-se, no caso, a nulidade prevista na alínea c), do nº 1, do artigo 615º, do CPC (Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível), anterior artº 668º, nº 1, al. c)? Devemos entender que se verifica tal nulidade, quando os fundamentos estão em oposição com a decisão, isto é, a sentença enferma de um vício lógico que a compromete. A construção da sentença é, então, viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam, logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto. A oposição referida na al. c) do n° 1 do art. 668° (actual 615º, nº 1, al. c)) é a que se verifica no processo lógico por via do qual das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas este extrai a decisão a proferir (Prof. A. Reis, no “CPC Anotado”, Vol. V, 1952, págs. 141, Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, Vol. III, págs. 194). Explica Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2ª ed., págs. 689 e 690), que a lei refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja da fundamentação seja da decisão, isto é, nesta alínea, a causa de nulidade em apreço abrange os casos em que há um vício real no raciocínio do julgador - e não um simples “lapsus calami” do autor da sentença -, em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente. Em suma, no que concerne à nulidade em apreço, indispensável será, para que a mesma possa ser tida como verificada, que os fundamentos invocados pelo Juiz devam logicamente conduzir a resultado oposto ao que vem expresso na sentença: se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma. Ou seja, constituem realidades distintas a aludida nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo esta uma apreciação da questão em desconformidade com a lei. A nosso ver, a recorrente apenas põe em causa a interpretação dos factos apurados e do direito efectuados na sentença recorrida. Ora, no caso, a sentença mostra-se coerente com os seus fundamentos, sendo o corolário da fundamentação de facto e de direito constantes do mesmo. A decisão, certa ou errada, está de acordo com os respectivos fundamentos. O que está em causa poderá ser um erro de julgamento, mas não a referenciada nulidade da sentença. Poderá, no entanto, encontrar-se alguma ambiguidade na fundamentação da mesma com reflexo no dispositivo, como adiante se ponderará a propósito da eventual existência de uma sentença condicional ou de condenação condicional. Como vimos, na perspectiva da recorrente, a decisão recorrida é nula por excesso de pronúncia, nulidade essa prevista no artº 615°, nº 1, al. d), do CPC. Só há nulidade por omissão de pronúncia quando a decisão, cuja validade se questiona, tenha deixado de apreciar uma questão que nela tinha de ser conhecida; e só ocorre nulidade por excesso de pronúncia quando conhece de questão cuja apreciação lhe estava vedada. Como é sabido, um dos princípios estruturantes do direito processual civil é o princípio do dispositivo, a que alude o já mencionado artº 5º, nº 1, do CPC. E a que também se refere o art. 608º, nº 2, do mesmo CPC, que diz: “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Conforme este princípio, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo-se ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, não podendo, por regra, ocupar-se de outras questões. “(…)o tribunal conhece do direito e isto porque o direito não tem que ser provado; o tribunal pode e deve aplicar o direito que conhece como estime mais acertado, desde que se atenha à causa de pedir, que dizer, ao genuíno fundamento – não à fundamentação – da pretensão. O pressuposto da correcta aplicação da regra “iura novit curia” é dupla: 1.º que o tribunal respeite, na sua essência a causa petendi da pretensão do litigante; 2.º que os demais litigantes tenham podido, do mesmo passo que o tribunal, conhecer e afrontar esse genuíno fundamento da pretensão, o que equivale à observância dos princípios da igualdade das partes e da audiência ou do contraditório. (…) Esta nulidade está directamente relacionada com o comando previsto no art. 608.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil, e serve de cominação para o seu desrespeito. O dever imposto no art. 608.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civil diz respeito ao conhecimento, na sentença, de todas as questões de fundo ou de mérito que a apreciação do pedido e causa de pedir apresentadas pelo autor (ou, eventualmente, pelo réu reconvinte) suscitam, quanto à procedência ou improcedência do pedido formulado. E para que este dever seja cumprido, é preciso que haja identidade entre a causa petendi e a causa judicandi, entre a questão posta pelas partes (sujeitos), e identificada pelos sujeitos, pedido e causa de pedir, e a questão resolvida pelo juiz, identificada por estes mesmos elementos. Só estas questões é que são essenciais à solução do pleito. E é por isto mesmo, que já não o são os argumentos, razões, juízos de valor ou interpretação e aplicação da lei aos factos – embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes –, de que as partes se socorrem quando se apresentam a demandar ou a contradizer, para fazerem valer ou naufragar a causa posta à apreciação do tribunal. É de salientar ainda que, de entre a questões essenciais a resolver, não constitui nulidade o não conhecimento daquelas cuja apreciação esteja prejudicada pela decisão de outra.” (Acórdão do STJ de 28/10/2014, acessível em www.dgsi.pt) Por outro lado, sustenta a apelante a nulidade prevista na al. e), do nº 1, do artº 615º, do CPC. É nula a sentença que, violando o princípio dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância (ver o nº 6 da anotação ao art. 264 e os n.ºs 2 e 3 da anotação ao art. 467), não observe os limites impostos pelo art. 661-1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido (J. Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, no CPC Anotado, vol. 2º, 2001, p. 670, com referência a normativos do CPC revogado, com correspondência no actual). Não basta que haja coincidência ou identidade entre o pedido e o julgado; é necessário, além disso, que haja identidade entre a causa de pedir e a causa de julgar (A. dos Reis, CPC Anot., 3º, 353). Sobre o princípio do dispositivo, pronunciou-se o recente Acórdão do STJ, de 11/02/2015 (Relator o Sr. Cons. A. Abrantes Geraldes, acessível em www.dgsi.pt), do qual reproduzimos, com a devida vénia, o seguinte: “(…) 2. Atravessando todo o CPC e disperso por várias normas, o princípio do dispositivo encontra no art. 3º a sua consagração inequívoca. Manifesta-se, além do mais, através da consagração do ónus de iniciativa processual e de conformação do objecto do processo, através da enunciação do pedido que delimita objectivamente o âmbito decisório do tribunal, nos termos do art. 609º, nº 1 (cfr. sobre a matéria Miguel Mesquita, “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC”, na RLJ, ano 143º, págs. 134 e segs.). Sem embargo de eventuais modificações, a necessidade de formulação do pedido é concretizada no art. 552º, nº 1, al. e), cumprindo aos arts. 609º e 615º, nº 1, al. e), respectivamente, a função de delimitação do poder decisório do tribunal e o sancionamento da sua violação. Ou seja, o tribunal está impedido de se sobrepor à vontade manifestada pelo autor, sob pena de nulidade da sentença, por excesso de pronúncia. Contudo, tal como ocorre com outros preceitos do CPC, também o art. 609º, nº 1, carece de um esforço interpretativo, contando, além do mais, com os contributos de diversos Assentos e Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência do STJ. Entre tais arestos, destaca-se o Assento nº 4/95, in D.R. de 17-5, ao admitir que numa acção em que seja deduzida uma pretensão fundada num contrato cuja nulidade seja oficiosamente decretada o réu seja condenado a restituir o que tenha recebido no âmbito desse contrato, por aplicação do art. 289º do CC, desde que do processo constem os factos suficientes. A conjugação entre o princípio do dispositivo e os limites do pedido encontra também largo desenvolvimento na fundamentação do ACUJ nº 13/96, in D.R., I Série, de 26-11, ainda que no caso se tenha vedado ao tribunal a actualização oficiosa da quantia peticionada. (…) Assim, embora não possa questionar-se que, em regra, é ao autor que cabe a iniciativa processual e a delimitação da providência requerida (Ac. do STJ, de 4-2-93, BMJ 424º/568), a solução do caso concreto exige que se pondere o que dimana de arestos com a solenidade e com o valor persuasivo inerentes aos mencionados acórdãos de uniformização de jurisprudência. Na integração do caso não podem ainda descurar-se os objectivos apontados pelas sucessivas reformas processuais, designadamente quando delas emerge a sobreposição de aspectos de ordem material a outros de ordem formal, ou a necessidade de atribuir ao processo a necessária eficácia que permita alcançar uma efectiva e célere resolução de litígios. Importa ponderar também o que emana da doutrina que, fazendo coro com os referidos objectivos, aponta para a flexibilização do princípio do pedido, como é defendido por Miguel Mesquita, em anotação a um aresto sobre direitos reais, na RLJ, ano 143º, págs. 134 e segs. intitulada precisamente “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC. Se é verdade que a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido, não podendo o juiz condenar (rectius apreciar) nem em quantidade superior, nem em objecto diverso do que se pedir, tal não dispensa um esforço suplementar que permita apreender realmente o âmbito objectivo do pedido que foi formulado na presente acção.”. Por outro lado, a propósito do conceito de sentença condicional, ajuizou-se nos acórdãos do STJ, de 07/04/2011 e 24/04/2013 (acessíveis em www.dgsi.pt), no sentido, respectivamente, de que: - “(…) Efectivamente, a doutrina tem entendido que a lei processual não admite, em princípio, a condenação condicional, ou seja, a sentença judicial em que o reconhecimento do direito fica dependente da hipotética verificação de um facto futuro e incerto, ainda não ocorrido à data do encerramento da discussão da causa – sendo tal orientação inquestionavelmente justificada nos casos em que o facto condicionante exigiria ulterior verificação judicial, prejudicando irremediavelmente a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na acção (cfr. Lebre de Freitas, CPC Anotado, vol. 2º, pags. 654 e 684). Como refere Castro Mendes (Limites Objectivos do Caso Julgado, pag. 325, citando Guasp), «a sentença, como os restantes actos processuais, foge, em geral, de condicionamentos que põem em incerteza a decisão do litígio, comprometendo por isso uma das finalidades básicas do processo civil: a certeza das relações que compõem o sistema jurídico privado». - “(…) Não sendo tolerado que o julgador reconheça o direito ao autor, mas só o consigne desde que surja determinado e hipotético circunstancialismo jurídico-factual a condicionar os efeitos da sentença que o legitima (uma sentença condicional), já é aceitável que o juiz sentenceie no sentido de que a parte tem o direito por ela rogado na acção, mas apenas desde que ocorra estabelecida conjuntura, que enumera, para que ele se concretize (sentença de condenação condicional), porquanto, neste caso, não estamos perante uma incerteza que regule a eficácia da própria sentença, mas que apenas ajusta o seu modo de exercitação.”. “Pode definir-se a sentença condicional como aquela que só impõe a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro e incerto; sentença de condenação condicional é a sentença em que nela se decide que ao demandante assiste certo e determinado direito mas cujo atinente exercício está sujeito a um evento futuro e incerto” (ver, ainda, o acórdão da RL, de 22/01/2015, acessível em www.dgsi.pt). O juiz pode proferir sentença de condenação condicional pois que o artº 610º (anterior artº 662º), do CPC, consagra-o expressamente. O DL nº 291/2007, de 21/08, aprovou o regime do sistema do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (artº 1º). No nº 1, do artº 41º, desse diploma legal (Perda total), dispõe-se: “1 - Entende-se que um veículo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, na qual a obrigação de indemnização é cumprida em dinheiro e não através da reparação do veículo, quando se verifique uma das seguintes hipóteses: a) Tenha ocorrido o seu desaparecimento ou a sua destruição total; b) Se constate que a reparação é materialmente impossível ou tecnicamente não aconselhável, por terem sido gravemente afectadas as suas condições de segurança; c) Se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor do salvado, ultrapassa 100 % ou 120 % do valor venal do veículo consoante se trate respectivamente de um veículo com menos ou mais de dois anos.”. Vejamos. Enunciados os princípios atinentes, bem como o pertinente quadro normativo, doutrinal e jurisprudencial, analisemos a fundamentação da decisão recorrida bem como o dispositivo, na parte questionada nas conclusões do recurso. Recorde-se o teor do dispositivo da sentença: “Pelo exposto, julgo a ação parcialmente provada e procedente e, em conformidade condeno a ré, C........ – Companhia de Seguros, S.A., a indemnizar o autor, B........, pelos danos emergentes do acidente de viação descrito nos fundamentos de facto desta sentença, provocados na viatura de matrícula …..DHH. Se não ocorrer a perda total da viatura − circunstância a apurar durante as operações de diagnóstico e de ensaio da reparação −, esta indemnização deverá consistir na restauração natural, desempenando-se − em banco de carroçarias − a cava da roda esquerda, corrigindo-se a ponta da longarina, conforme descrito no 48.º ponto desta fundamentação de facto, restabelecendo-se a simetria estrutural da viatura, e realizando-se as demais intervenções que permitam o alinhamento das rodas/direção, sendo assegurado ao autor um veículo de substituição durante as intervenções na viatura. No mais, vai a ré absolvida do pedido. Custas da ação a cargo de autor e ré, na proporção do decaimento. Valor da Causa: o dado pelas partes.”. A sentença recorrida mostra-se ambígua ou obscura por forma a poder considerar-se ininteligível? O sentenciador da 1ª instância conheceu de questão cuja apreciação lhe estava vedada? Conteve-se nos limites da pretensão que foi formulada? A nosso ver, não se verifica a nulidade prevista na al. c), do nº 1, do artº 615º, do CPC, pois que, apesar de tudo, não se afigura que a sentença, concretamente no dispositivo, seja ambígua ou obscura. Com efeito, importa ter presente que às decisões judiciais, como aos articulados, enquanto actos jurídicos, aplicam-se as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos (artº 295º, do CC), nomeadamente as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial (Acs. STJ, BMJ, 342º/375, e 407º/446). Nos arts. 236º a 238º, do CC, estabelecem-se critérios para o alcance ou sentido juridicamente decisivo da declaração negocial. Na interpretação dos contratos ou outros actos jurídicos, prevalecerá, em regra, a “vontade real do declarante”, sempre que for conhecida do declaratário (nº 2, do artº 236º, do CC). Faltando esse conhecimento, vale o preceituado no nº 1, daquele normativo, que consagra o critério (objectivista ou normativo) da impressão do destinatário, entendendo-se como declaratário normal uma pessoa razoável, isto é, medianamente instruída, diligente e sagaz, em face dos termos da declaração (P.Lima-A.Varela, Código Civil Anotado, 207, Vaz Serra, RLJ, 111º/220 e 307, Mota Pinto, Teoria Geral, 1973, p. 624 e segs., Acs. STJ, BMJ, 374º/436, 406º/629, 421º/364 e 441º/357). Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto (artº 238º, nº 1, do CC). Pode, no entanto, valer esse sentido na situação a que alude o nº 2, desse normativo. Ora, ao condenar a ré/apelante na realização das “demais intervenções que permitam o alinhamento das rodas/direção”, sem concretizar o tipo de intervenções, o Sr. juiz que proferiu a sentença apenas quis referir-se às intervenções técnicas necessariamente adequadas e subsequentes ao desempeno da cava da roda esquerda e correcção da ponta dianteira da longarina, estritamente relacionadas com o alinhamento das rodas/direcção. É esta a nossa interpretação da decisão judicial (dispositivo) posta em crise, considerando o referido critério interpretativo. Por outro lado, no que concerne à consideração da questão da perda total do veículo automóvel sinistrado, entende-se que assiste razão à apelante quando conclui pelo excesso de pronúncia e/ou de condenação ultra vel extra petita partium. Tal matéria não foi minimamente alegada, nem resulta dos temas de prova, da instrução e/ou da prova produzida em audiência. De resto, não ficou provada uma situação enquadrável em qualquer das hipóteses previstas nas alíneas a) a c), do nº 1, do artº 41º, do DL nº 291/2007, de 21/08. Nada permite concluir, com base na factualidade apurada, que o princípio da restauração natural não seja totalmente observado/cumprido, no caso em apreço, através da reparação/correcção da cava da roda esquerda e da longarina esquerda da viatura do autor e subsequente alinhamento das suas rodas/direcção. Naturalmente que a ré já não pode ser responsabilizada pelo facto de, após a entrega da viatura pela G........, e em resultado da sua circulação, o suporte da barra estabilizadora do eixo traseiro partiu, por causas estranhas ao sinistro acima descrito, que, por esta razão, ao circular, a viatura passou a vibrar fortemente e fazer um ruído intenso e, bem assim, que por causa do ruído e da vibração provocadas pela quebra do suporte da barra estabilizadora do eixo traseiro, a partir do dia 19 de março de 2013, o autor deixou de circular com a sua viatura (ver nºs 36º, 37º e 38º, da fundamentação de facto). Salvo melhor opinião, não tem cabimento, no caso, convocar o estatuído no mencionado artº 41º, do DL nº 291/2007. A sentença (dispositivo) viola, nesta parte, o preceituado na al. e), do nº 1, do artº 615º, do CPC, não podendo o julgador/sentenciador, de todo o modo, a nosso ver, condicionar a restauração natural pedida e determinada à inexistência de perda total, não alegada nem provada, “a apurar durante as operações de diagnóstico e de ensaio da reparação”, pois que geraria uma inadmissível incerteza na decisão. Configuraria uma sentença condicional, impondo a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro, incerto e eventualmente conflituoso, ou seja, o facto condicionante exigiria ulterior verificação judicial, prejudicando irremediavelmente a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na acção (ver citado acórdão do STJ, de 07/04/2011). Em suma, o julgador/sentenciador da 1ª instância não se conteve nos limites da pretensão que foi formulada pelo demandante. No que respeita à matéria de facto vertida nos nºs 7º, 8º e 48º (agora 47º), entendemos que não ocorre excesso de pronúncia, porquanto, como se deixou explanado na reapreciação da matéria de facto (item 2.1), o alegado, implicitamente, pelo autor, a indicação pelo demandante dos quesitos a responder pelo perito, a definição dos temas de prova, a posição assumida pela ré e interveniente na audiência prévia, e a prova produzida (testemunhal, documental e pericial), possibilitam, a nosso ver, que o tribunal tenha em conta tais factos, sem que viole os princípios do dispositivo e do contraditório (arts. 3º, 6º e 411º, do CPC). Conclui, por outro lado, a recorrente que a sentença proferida é ainda nula ao condenar a ré a proceder a uma reparação da viatura do autor nos termos concretos que acima determina, no trecho final onde prevê “sendo assegurado ao autor um veículo de substituição durante as intervenções na viatura” pois se trata de um concreto segmento de condenação – assegurar ao A. um veículo de substituição durante as reparações – que não tem correspondência com um pedido formulado pelo autor, nem originária, nem subsequentemente (artºs 615º, nº 1, al. e), e 608º, nº 2, do CPC). Dispõe o artº 42º, do DL nº 291/2007, de 21/08 (Veiculo de substituição): “1- Verificando-se a imobilização do veículo sinistrado, o lesado tem direito a um veículo de substituição de características semelhantes a partir da data em que a empresa de seguros assuma a responsabilidade exclusiva pelo ressarcimento dos danos resultantes do acidente, nos termos previstos nos artigos anteriores. 2- No caso de perda total do veículo imobilizado, nos termos e condições do artigo anterior, a obrigação mencionada no número anterior cessa no momento em que a empresa de seguros coloque à disposição do lesado o pagamento da indemnização.” (…). Decorre do normativo da referida lei do seguro obrigatório que a seguradora responsável está obrigada a comunicar ao lesado que lhe assiste o direito a um veículo de substituição. Porém, o lesado não está, obviamente, obrigado a aceitar um veículo de substituição. Pode, pura e simplesmente, não querer ou não necessitar da viatura. No caso em apreço, constata-se que o autor não pediu a entrega de um veículo de substituição e, como tal, não pode o juiz condenar a ré seguradora num pedido não formulado, sob pena de nulidade da decisão (artºs 609º, nº 1, e 615º, nº 1, al. e), do CPC). Isto não significa, logicamente, que a seguradora responsável, aquando da necessária reparação do veículo do apelante dos danos causados pelo acidente (e apenas esses), não tenha que cumprir o estatuído no mencionado artº 42º, do DL nº 291/2007, ou o autor lesado imponha o exercício do direito reconhecido naquele normativo. Conclui, por fim, a recorrente: - (29ª) Dos pontos 9º a 17º dos factos provados, resulta adquirido que seguradora, autor e G........E, acordaram em que os danos sofridos pela viatura fossem reparados na oficina desta última, nos termos e pelos valores constantes do relatório de peritagem de fls. 78 aceite e assinado pelas três partes; - (30ª) Tal documento, consubstancia um verdadeiro acordo transaccional extrajudicial de ressarcimento pela seguradora dos danos materiais causados à viatura do autor com o acidente em questão já que através dele, com a concordância do autor que o assinou, a interveniente se obrigou a proceder à reparação dos elementos aí consignados como decorrentes do acidente e pelo preço acordado assim extinguindo pelo cumprimento a obrigação de indemnização que para si estava transferida por via do contrato de seguro; - (31ª) O acordo transaccional previsto e regulamentado nos art.ºs 1248.º e ss do CCiv, extingue a obrigação de indemnização que impendia sobre a ré, pois transfere para a oficina quaisquer deficiências, omissões ou incorrecções para a oficina que levou a cabo a reparação e tem ainda a natureza de contrato a favor de terceiro enquadrando-se perfeitamente no âmbito do disposto no art.º 443.º n.º1 do CCiv.. “Diz-se contrato o acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta) de um lado; aceitação, do outro), contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária de interesses” (A. Varela, Das Obrigações em geral, 9ª ed., vol. I, pág. 223). A noção de contrato de transacção é-nos dada no artº 1248º, do CC: “1. Transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões. 2. As concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido.”. Ora, ponderando os referidos conceitos, analisada a factualidade vertida em 9º a 17º dos factos provados, bem como o teor do documento de fls. 78 (relatório da peritagem) e seguintes, entende-se que o autor não subscreveu um contrato de transacção (extrajudicial) de que resultaria uma eventual desresponsabilização da ré seguradora pelos danos provocados pelo seu segurado no veículo automóvel do demandante lesado. A responsabilidade civil contratual da ré seguradora perante o autor lesado permanece (ver causa de pedir e pedido) no caso de a empresa interveniente chamada não efectuar adequadamente a reparação do aludido veículo a que se obrigou, em conformidade com o relatório da peritagem. Naturalmente que a seguradora poderá exercer contra a chamada (intervenção acessória) G........, COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS, S. A., o direito de regresso previsto na lei adjectiva. A situação fáctica e de direito descrita nestes autos não é, a nosso ver, semelhante à apurada e analisada no acórdão desta Relação, de 25/02/2014, citado na alegação do recurso. Em suma, resulta do exposto que a sentença recorrida padece de nulidade (artº 615º, nº 1, als. d) e e), do CPC), nos segmentos referidos, nulidade essa que importa suprir nesta Relação (artº 665º, do CPC). Procede, assim, na medida do exposto, o concluído na alegação do recurso da seguradora ré/apelante. 3- DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação: a) Em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação deduzido pela ré seguradora, revogando-se a sentença recorrida na parte do dispositivo em que determina que “Se não ocorrer a perda total da viatura − circunstância a apurar durante as operações de diagnóstico e de ensaio da reparação −, esta indemnização deverá consistir na restauração natural, desempenando-se − em banco de carroçarias − a cava da roda esquerda, corrigindo-se a ponta da longarina, conforme descrito no 48.º ponto desta fundamentação de facto, restabelecendo-se a simetria estrutural da viatura, e realizando-se as demais intervenções que permitam o alinhamento das rodas/direção, sendo assegurado ao autor um veículo de substituição durante as intervenções na viatura.”. b) Em consequência da procedência parcial da apelação, condena-se a ré seguradora a mandar reparar (restauração natural) o identificado veículo do autor, com o adequado desempeno − em banco de carroçarias − da cava da roda esquerda, corrigindo-se a ponta da longarina, conforme descrito no nº 47º da fundamentação de facto, realizando-se as subsequentes intervenções que permitam o alinhamento das rodas/direção. No mais, mantém-se o decidido na sentença recorrida. Custas, da apelação pela apelante e apelado, na proporção de 4/5 e 1/5, respectivamente. Custas da acção por autor e ré, na proporção do decaimento. *Anexa-se o sumário. Porto,01/06/2015 Caimoto Jácome Macedo Domingues Oliveira Abreu ________________________________________ SUMÁRIO (ARTº 663º, nº 7): I- A oposição referida na al. c) do n° 1, do art. 615º, nº 1, do CPC, é a que se verifica no processo lógico por via do qual das premissas de facto e de direito que o julgador tem por apuradas este extrai a decisão a proferir. Se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma. II- De acordo com o princípio do dispositivo, cabe às partes alegar os factos que integram o direito que pretendem ver salvaguardado, impondo-se ao juiz o dever de fundamentar a sua decisão nesses factos e de resolver todas as questões por aquelas suscitadas, não podendo, por regra, ocupar-se de outras questões. III- É nula a sentença que, violando o princípio dispositivo na vertente relativa à conformação objectiva da instância, não observe os limites impostos pelo artº 609º, nº 1, do CPC, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objecto diverso do pedido. IV- Pode definir-se a sentença condicional como aquela que só impõe a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro e incerto; sentença de condenação condicional é a sentença em que nela se decide que ao demandante assiste certo e determinado direito mas cujo atinente exercício está sujeito a um evento futuro e incerto. V- A sentença (dispositivo) viola o preceituado na al. e), do nº 1, do artº 615º, do CPC, quando o sentenciador condiciona a restauração natural pedida e determinada à inexistência de perda total, não alegada nem provada, “a apurar durante as operações de diagnóstico e de ensaio da reparação”, pois que geraria uma inadmissível incerteza na decisão. VI- Tal configuraria uma sentença condicional, impondo a sua eficácia ou procedência à posterior verificação de um evento futuro, incerto e eventualmente conflituoso, ou seja, o facto condicionante exigiria ulterior verificação judicial, prejudicando irremediavelmente a definitividade e certeza da composição de interesses realizada na acção.