Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Os autores AA instauraram, em 10-05-2008, no Tribunal de Chaves, acção declarativa de condenação (então, sumária) contra os réus: 1ºs – BB; 2ºs – CC; 3ºs – DD; 4ºs – EE; e 5ª – FF. Formularam uma dezena de pedidos(1), a saber: “Deve a presente acção proceder por provada e, em consequência: a) Declarar-se que GG foi, até à sua morte, ocorrida em 29/05/2000, dona com exclusão de outrem do prédio urbano identificado nos itens 6 e 7 da petição inicial [desde Janeiro de 1958 inscrito sob o artº 3º da Matriz, composto de casa de rés do chão, com 36 m2, sita na Rua T, Chaves, descrito sob o nº 00, e inscrito a seu favor pela AP.12, condenando-se os réus a isso reconhecer; b) Declarar-se que tal prédio, com o óbito da dita GG, passou a integrar o património autónomo constituído pela herança ilíquida e indivisa aberta pelo seu decesso, condenando-se os réus a isso reconhecer; c) Declarar-se que a autora é herdeira e cabeça de casal na herança aberta por óbito da sua identificada mãe (GG), condenando-se os réus a isso reconhecer; d) Declarar-se a nulidade da escritura de rectificação e constituição da propriedade horizontal outorgada no Cartório Notarial de Chaves em 6 de Abril de 2004, constante do livro para escrituras diversas nº 4, a fls. X; e) Ordenar-se o cancelamento dos seguintes registos: - Constituição da propriedade horizontal (Ap.03; Averb. 3) do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 00 – Valdanta; - Alteração da área e confrontação do lado poente (Ap.03 Av.2) do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 00 – Valdanta; - Registo das fracções A a D do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 00 – Valdanta; f) Declarar-se a nulidade da escritura de compra [pelos 1ºs réus] e venda [pelos 2ºs, àqueles] outorgada no Cartório Notarial de Montalegre, em 11/07/2005, constante do livro de escrituras diversas nº 9, a fls. X e ss; g) Declarar-se a nulidade da escritura de doação [pelos 2ºs réus aos 3ºs réus] outorgada no Cartório Notarial de Valpaços, em 18/05/2005, constante do livro para escrituras diversas nº 1, a fls. X e ss; h) Condenar-se os réus a respeitarem e não perturbarem, por qualquer forma, o direito de propriedade da herança ilíquida aberta por óbito de Etelinda Chaves sobre o prédio referido em a); i) Condenar-se os réus a reconhecerem o peticionado nas alíneas d) a h) e a desfazerem todas as obras efectuadas naquele imóvel (referido em a), repondo-o ao seu anterior estado; j) Condenar-se os réus a desocuparem imediatamente o imóvel, entregando-o à autora, para que, no uso dos poderes conferidos pelo artº 2088º, do CC, o possa administrar.” Alegaram, para tanto, na petição inicial, que, em 29-05-2000, faleceu, sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, GG, casada com HH, no regime da separação de bens. Este, por sua vez, faleceu em 04-03-2001. A autora AA é filha de GG, competindo-lhe o cargo de cabeça de casal da herança deixada por esta, por com ela ter vivido (artº 2080º, CC). Desde Janeiro de 1958, está inscrito na Matriz Predial de Valdanta, Chaves, sob o art. 0,º o prédio composto de casa de habitação, de rés-do-chão, com a superfície coberta de 36 m2, sito na Rua x, que confronta de norte com A, do nascente com P, do sul com caminho público e do poente com J. Tal prédio encontra-se descrito na CR Predial de Chaves, sob o n.º 00. A GG adquiriu-o, por compra, em contrato celebrado por escritura pública de 26-05-1986, a J, estando a propriedade inscrita a seu favor por Ap.12 de 07/07/1986. Desde esta data, a inscrição matricial e a descrição predial permaneceram sem qualquer modificação. Primeiro um e depois outro, foram praticando sobre tal prédio, durante mais de 40 anos seguidos, actos de posse em termos que conduziram também à sua aquisição originária, pela Etelinda, por usucapião. Sucedeu que, no início da última década de 90, GG fez um acordo verbal com JJ, empreiteiro de Valdanta, segundo o qual este se comprometeu a construir, sobre tal prédio, um outro piso, 1º andar, para habitação e aquela, em contrapartida, se comprometeu a, logo que concluída tal construção, ceder a este o rés-do-chão do imóvel. O dito JJ ainda chegou a iniciar as obras, tendo executado a estrutura porticada do 1º andar, em pilares e vigas, o telhado e as paredes exteriores. Porém, abandonou-a de seguida, sem a concluir e sem cumprir o acordo. Em 1997/1998, face a tal abandono, o marido da aqui autora e um seu cunhado, a mando de GG, concluíram a obra: revestiram as paredes exteriores, construíram as paredes interiores, aplicaram a instalação eléctrica e as canalizações, assentaram os mosaicos e as loiças no quarto de banho e colocaram portas e janelas (só faltando as pinturas). Aconteceu, porém, que, nos anos de 2002/2003, contra a vontade dos sucessores de GG (falecida antes, em 29-05-2000) e sem o seu conhecimento nem consentimento (todos ausentes, inclusive no estrangeiro), a porta de entrada do imóvel foi derrubada [não alegam os autores por quem], tendo sido efectuadas obras de remodelação ao nível do rés-do-chão e do 1º andar. Acto contínuo, os 1ºs réus (BB) passaram a utilizar a casa sempre que se deslocam a Portugal, arrogando-se como seus donos, afirmando que compraram o imóvel aos 2ºs réus (CC). Efectivamente, existe uma escritura pública, outorgada em 11-07-2005, no Cartório Notarial de Montalegre, da qual consta que a 1ª ré (BB) adquiriu aos 2ºs réus (CC) uma fracção autónoma para habitação, inscrita na matriz predial da freguesia de Valdanta sob o art. X e descrita na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 19. Contudo, GGs nunca vendera a casa, nem o fizeram os seus sucessores. Jamais qualquer deles teve quaisquer contactos ou conversações com qualquer dos réus, não os conhecendo sequer. Ainda assim, com base naquela escritura naufragou uma acção de reivindicação que, em 2005, os autores haviam intentado contra os 1ºs réus (apesar de nele ter ficado provado que o prédio urbano em causa era propriedade de Etelinda, integrou a sua herança e que a autora é herdeira). Foi então que os autores perceberam o enredo. Com efeito: Os 2ºs réus (CC), em 19-05-1998, registaram a seu favor a aquisição do prédio urbano localizado a nascente da casa de GG, composto de rés-do-chão e 1º andar, com 72 m2, a confrontar do norte e nascente com herdeiros de A, do sul com caminho público, e do poente com J (anterior proprietário da casa de GG), inscrito na matriz predial da freguesia de Valdanta sob o art. X e descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001. Os mesmos 2ºs réus, requereram, junto dos Serviços de Finanças de Chaves, a alteração das confrontações de tal prédio, tendo aí declarado falsamente que, do lado poente, o dito prédio confrontava com AP. Tal declaração visou facilitar, sem intervenção dos sucessores de GG, a alteração da área do prédio dos 2ºs réus – de 72 m2 para 150,2m2 –, área que estes assim lograram averbar no registo predial em 05-07-2004, na sequência de escritura pública de rectificação, outorgada em 06-04-2004, no Cartório Notarial de Chaves, na qual intervierem os anteriores titulares inscritos daquele prédio, ou seja, os 4ºs réus (EE) e a 5ª ré (FF). Nessa mesma escritura, os 2ºs réus constituíram aquele prédio em propriedade horizontal tendo-o dividido em 4 fracções designadas pelas letras A a D, assim identificadas: - Fracção A – rés-do-chão e 1º andar esquerdos {objecto de compra e venda celebrada entre os 1ºs (BB) e 2ºs réus (CC) outorgada no Cartório Notarial de Montalegre em 11-07-2005}; - Fracção B – rés-do-chão centro (registada na Conservatória do Registo Predial a favor dos 2ºs réus sob o n.º 19; - Fracção C – 1º andar centro (registada na Conservatória do Registo Predial a favor dos 2ºs réus sob o n.º 15– C; - Fracção D – rés-do-chão e 1º andar direito (registada na Conservatória a favor dos 3ºs réus sob o n.º 19-D, objecto de escritura de doação, em 18-05-2005, dos 2ºs réus aos 3º s). Assim, na ampliação de área que efectuaram, os 2ºs réus incorporaram, sem o consentimento de GG nem dos seus sucessores, o prédio dela no seu. Tanto que, no local, a área e a implantação da fracção A coincidem com as do prédio de GG. Uma vez citados, contestaram: Os 3ºs réus DD (fls. 106 a 114): -Por excepção de ineptidão da petição inicial, alegando que, mesmo que os autores consigam fazer a prova dos factos que alegam na petição inicial, sempre improcederão os pedidos de declaração de nulidade das escrituras de rectificação e constituição da propriedade horizontal, de compra e venda e de doação que formularam, pois, ainda que as declarações prestadas fossem falsas, tal não integra causa de nulidade dos actos notariais previstas nos art.s 70º e 71º, do Cód. do Notariado. Além disso, deveriam ter os autores alegado que o oficial público que elaborou tais documentos não teve qualquer percepção das declarações documentadas ou que não praticou os actos em causa. Assim, o pedido formulado não tem causa de pedir, havendo contradição entre esta e aquele, sendo inepta a petição, com as devidas consequências. -Por impugnação, dizendo desconhecerem ou ser falsa parte da matéria alegada. Acrescentaram que o acordo verbal aludido pelo autores foi um acordo global celebrado entre JJ (que foi empreiteiro), por um lado, e GG, DD e EE, por outro lado. É que os contestantes eram donos de uma casa de habitação já bastante degradada, contígua aos imóveis de GG e de EE, também estes bastante degradados, sita na rua X, em Valdanta, sobre que exerceram posse conducente à aquisição do respectivo direito de propriedade por usucapião. Naquele contexto de degradação física e estrutural das três casas, foi feito o citado acordo entre todos (GG, DD, EE e JJ), no sentido da reconstrução daquele conjunto habitacional e edificação de um piso superior (1º andar). Como contrapartida, convencionaram, a final, constituir o regime da propriedade horizontal sobre tal prédio reconstruido, do qual resultariam quatro fracções autónomas, comprometendo-se a darem uma ao construtor (correspondente ao actual rés do chão centro) e ficando cada uma das outras três para os primitivos proprietários em correspondência com a casa que cada um deles já possuía. Uma vez que Etelinda vivia em França e os contestantes no Algarve, ficou o réu EE encarregado de tratar das formalidades respeitantes ao negócio (constituição da propriedade horizontal e outras) de forma a que cada um dos primitivos proprietários ficasse dono da fracção autónoma correspondente sensivelmente ao prédio que cada um deles possuía anteriormente. Porém, o mencionado JJ não terminou a obra constante do aludido acordo. Por isso, cada um dos proprietários terminou, por sua conta, as obras correspondente às fracções que lhes ficariam a pertencer. Os réus DD viram os seus interesses salvaguardados uma vez que os 2ºs réus CC lhes transmitiram a fracção autónoma [fracção D, por doação, segundo os autores e documentos por estes juntos] sua pertença (que adquiriram [?] aos réus EE), daí resultando o efeito convencionado de caber a cada um de direito aquilo que de facto já lhes cabia. Porém, no que respeita à fracção autónoma correspondente ao imóvel de GG, os 4ºs réus EE [?] venderam-na aos 2ºs réus CC (seu genro e filha) que posteriormente a vendeu aos 1ºs réus BB, ao invés de a terem transmitido aos herdeiros da dita GG [tratar-se-ia da fracção A, porém só como tal constituída pelos 2ºs réus…]. Todo o negócio acordado estaria perfeito, não fora o facto de a fracção autónoma que hoje pertence aos 1ºs réus BB não ter sido transmitida aos autores [herança da GG]. No entanto, os réus BB, desconheciam o acordo descrito, pelo que, como terceiros de boa-fé que são para efeitos de registo, não podem deixar de ter a sua situação acautelada. Sendo forçoso concluir pela validade dos negócios celebrados pelas escrituras juntas aos autos. Pugnam pela procedência da excepção e a consequente absolvição da instância, ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.* A 5ª ré FF (fls. 160 a 163), afirmando não saber por que é demandada, pois não é nem nunca foi herdeira de GG e marido, nunca esteve na posse de qualquer bem que tivesse sido da sua propriedade, não é referida na petição inicial nem contra si foi formulado qualquer pedido. Apenas consta como tendo assinado a escritura de 06-04-2004 (de rectificação e constituição da propriedade horizontal), acto de que nada recorda, estando à data muito abalada com a morte do marido. É verdade que o prédio em causa abrange hoje o espaço antes ocupado por uma casa que ela e seu cônjuge tinham comprado, há mais de 30 anos, a Maria e que muito mais tarde “entregou” por permuta a um construtor (JJ, já falecido), que lhe construiu uma outra habitação, de rés-do-chão [o que resulta do registo – fls. 43 – e da escritura – fls. 51 – é que, ela e marido, venderam tal casa ao réu EE!], a poucos metros do local, num terreno sua pertença. Tudo se passou dentro da legalidade e de boa-fé, ignorando qualquer problema. Os 2ºs réus CC e os 4ºs réus DD (fls. 167 a 173). -Por excepção de ineptidão (nos mesmos termos dos 3ºs réus); -Por impugnação alegando desconhecer ou serem falsos alguns dos factos e acrescentando que, no início do mês de Junho de 1988, o 2º réu CC leu, no semanário “Noticias de Chaves”, um anúncio em que se publicitava a venda, próximo da cidade, de um café, minimercado com armazém, salão de jogos e terreno anexo. Sabendo do interesse dos seus sogros (4ºs réus EE) em adquirir coisa do género, deu-lhes conhecimento do anúncio. Estes, telefonaram para o número indicado e falaram com R (genro de JJ), ficando combinada uma visita ao prédio. Após esta, JJ e EE outorgaram um contrato promessa de compra e venda no dia 09-06-1988, do qual constavam “…cinco fracções autónomas comerciais e de 117 m2 de terreno localizado nas traseiras da mesma, sitas na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, compostas respectivamente por: um armazém de arrumos, um minimercado, um salão de jogos, um café e ampliação do mesmo…”. Como complemento do contrato promessa e como forma de salvaguardar o compromisso assumido entre aquele João de Matos Barreira e o 3º réu DD [não esclarecem os contestantes a origem de tal compromisso nem os detalhes do mesmo], os outorgantes [JJ e EE] celebraram entre si um acordo verbal no qual o réu EE se comprometia a celebrar, após a conclusão das obras interiores e legalização de todo o imóvel, uma escritura de doação da actual fracção “D” do prédio em causa àquele Eusébio. Celebrado o contrato promessa, através deste os 4ºs réus EE, de imediato tomaram posse do imóvel e iniciaram as obras interiores com vista à divisão de todo o imóvel e posterior fraccionamento. E mudaram-se para o imóvel adquirido e, em 01-10-1988, em nome da ré EE (4ª ré), iniciaram a actividade comercial de café, bar e minimercado, mantida até 30-09-1991. Decorrido algum tempo, os 4ºs réus EE, com o objectivo de celebrarem a escritura pública de compra e venda do imóvel e negócio em causa, procuraram o JJ, vindo a saber que este se encontrava bastante doente. Nessa altura, tomaram os mesmos 4ºs réus conhecimento do acordo de permuta celebrado entre XX e mulher que consistia na permuta da casa onde vivia o casal, e onde o construtor civil JJ veio a edificar o imóvel objecto da presente acção, pela construção de uma outra habitação de rés-do-chão, num terreno propriedade daqueles. Entretanto, faleceu o JJ. Sabendo do óbito, os 4ºs réus EE procuraram os mencionados XX e mulher que lhes confirmaram o acordo que tinham celebrado. Estes, impossibilitados de terem outorgado em vida do JJ a escritura de permuta com este acordada, e conhecedores da venda efectuada pelo JJ do imóvel que este construíra e do negócio de minimercado, café e salão de jogos, que lá instalara, aos réus EE, outorgaram com estes a escritura pública de compra e venda em 26-09-1996 (fls. 185 e 186), regularizando, assim, o negócio entre eles e cumprindo formalmente a sua quota-parte em tal acordo. Em 30-07-1998 (fls. 189 a 192), os 4ºs réus EE venderam aos 2ºs réus CC o prédio objecto da presente acção, sendo que estes já viviam na casa em questão com aqueles (seus sogros e pais), mesmo antes de efectuarem a aquisição da mesma por escritura pública de compra e venda. Empenhados em concluir o processo de legalização do imóvel, requereram à Câmara o processo de obras, apercebendo-se então os 2º réus (CC) que, nos documentos do prédio, não constava a área correta e, com o objectivo de rectificar a situação descrita eles, juntamente com os anteriores 4ºs réus (EE) e a 5ª ré FF, celebraram em 06-04-2004 escritura pública de rectificação e constituição da propriedade horizontal (fls. 197 a 202). Concluído todo o processo de remodelação e legalização do imóvel, designadamente a constituição da propriedade horizontal, os réus e proprietários BB celebraram em 18-05-2005 (fls. 204 a 206) escritura de doação da fracção autónoma designada pela letra “D” a favor dos 3ºs réus (EE), cumprindo assim o compromisso verbal assumido entre o JJ e o réu EE. Por sua vez, em 11-07-2005 (fls. 207 a 210), os 2ºs réus CC venderam aos 1ºs réus BB a fracção autónoma designada pela letra “A”. Ficaram os 2ºs réus com as fracções “B” e “C”. Os 1ºs réus, apesar de citados (fls. 218), não contestaram. Entretanto, por requerimento de fls. 222 e 223, os autores deduziram incidente de intervenção principal provocada de II. Alegaram, em seu fundamento, que, quando se preparavam para proceder ao ordenado registo da acção, constataram que os 1ºs réus (BB) haviam declarado vender a esse chamado, que por sua vez declarou comprar-lhes, por escritura pública outorgada em 11-02-2008, a fracção autónoma A, descrita na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 19-A, aquisição que aquele registou a seu favor por Ap.7 de 20. Pediram que se declare nula e de nenhum efeito esta escritura e se ordene o cancelamento deste registo. Nada tendo oposto a parte contrária, por decisão de 30-04-2009 foi admitida intervenção requerida e ordenada a citação do chamado para os termos dos presentes autos, depois de junta, conforme ordenado, nova petição corrigida com a reformulação do pedido de acordo com o requerido incidente de intervenção, e que passou a ser o seguinte: “Deve a presente acção proceder por provada e, em consequência: a) Declarar-se que GG foi, até à sua morte, ocorrida em 29/05/2000, dona com exclusão de outrem do prédio urbano identificado nos itens 6 e 7 da petição inicial [desde Janeiro de 1958 inscrito sob o artº 308º da Matriz, composto de casa de rés do chão, com 36 m2, sita na Rua X, Valdanta, descrito sob o nº 0016 e inscrito a seu favor pela AP.12], condenando-se os réus a isso reconhecer; b) Declarar-se que tal prédio, com o óbito da dita GG, passou a integrar o património autónomo constituído pela herança ilíquida e indivisa aberta pelo seu decesso, condenando-se os réus a isso reconhecer; c) Declarar-se que a autora é herdeira e cabeça de casal na herança aberta por óbito da sua identificada mãe (GG), condenando-se os réus a isso reconhecer; d) Declarar-se a nulidade da escritura de rectificação e constituição da propriedade horizontal outorgada no Cartório Notarial de Chaves em 6 de Abril de 2004, constante do livro para escrituras diversas nº 4-C, a fls. X; e) Ordenar-se o cancelamento dos seguintes registos: - Constituição da propriedade horizontal (Ap.03 Aveb. 3) do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001 – Valdanta; - Alteração da área e confrontação do lado poente (Ap.03 Av.2) do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001 – Valdanta; - Registo das fracções A a D do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001– Valdanta; f) Declarar-se a nulidade da escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Montalegre, em 11/07/2005, constante do livro de escrituras diversas nº 9A, a fls. X e ss; g) Declarar-se a nulidade da escritura de doação outorgada no Cartório Notarial de Valpaços, em 18/05/2005, constante do livro para escrituras diversas nº 1D, a fls. X e ss; h) Declarar-se a nulidade da escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Boticas, em 11-02-2008, constante do Livro 69-C, a fls. 78, a que se alude no incidente de intervenção principal provocada doutamente admitido; i) Condenar-se os réus e o interveniente II a respeitarem e não perturbarem, por qualquer forma, o direito de propriedade da herança ilíquida aberta por óbito de GG sobre o prédio referido em a); j) Condenar-se os réus e o interveniente II a reconhecerem o peticionado nas alíneas d) a i) e a desfazerem todas as obras efectuadas naquele imóvel (referido em a), repondo-o ao seu anterior estado; k) Condenar-se os réus e o interveniente II a desocuparem imediatamente o imóvel, entregando-o à autora, para que, no uso dos poderes conferidos pelo artº 2088º, do CC, o possa administrar.“ O chamado II interveio nos autos e contestou (fls. 311e 312), excepcionando a inoponibilidade, a si e aos 1ºs réus, da nulidade da referida escritura (venda, em 11-07-2005, pelos 2ºs réus aos 1ºs), nos termos do artº 291º, CC, uma vez que, apesar de a acção ter sido intentada dentro do prazo de 3 anos subsequente ao negócio, o seu registo não foi feito no mesmo prazo, sendo certo que os 1ºs réus compraram a fracção convencidos que ela era propriedade dos vendedores, agindo de boa-fé (salientando que, aliás, os autores não alegaram a má fé). A esta contestação responderam os autores (fls. 319 a 321), pugnando pela improcedência da excepção, argumentando que o registo não dá a titularidade dos bens, apenas lhes dá publicidade mas não sana vícios, sendo que a presunção de titularidade derivada do registo é uma presunção ilidível. No caso, o artigo matricial constante da escritura pública de aquisição outorgada pelo interveniente II e pelos seus pais BB e do subsequente registo a seu favor, mais não é do que mera ficção, uma vez que ao prédio corresponde, há décadas, outro artigo matricial e outra inscrição registral. O artigo 892º, do Cód. Civil, consagra a nulidade da venda de bens alheios e somente a inoponibilidade dessa nulidade ao comprador de boa- fé por parte do vendedor. A falecida Etelinda ou os seus herdeiros nunca venderam o seu prédio aos réus, pelo que não lhes é vedado invocar a nulidade dos negócios jurídicos em que não participaram e que os afectam. Acrescentaram que o regime do artº 291º, CC, se aplica apenas aos casos em que o dono do imóvel o vende em duas ocasiões a duas pessoas distintas. A moratória do nº 2 aplica-se somente em relação a casos em que o imóvel transmitido se não encontra inscrito no registo a favor do transmitente, sendo despiciendo alegar que já passaram 3 anos sobre a conclusão do negócio porque o sub judice não cai no âmbito dessa previsão. A boa-fé do interveniente é irrelevante para o caso, pois, não tendo decorrido o prazo de que a lei faz depender a sua aquisição originária por usucapião, tal boa-fé só releva no âmbito do direito de regresso contra seus pais (1ºs réus), já que estes, aquando da venda ao filho, não podiam desconhecer a factualidade a que se reportam os autos, uma vez que haviam sido réus na alegada acção anterior, cuja sentença está junta. Ainda assim, ao não alegar (o interveniente) desconhecer a matéria vertida na petição inicial não demonstra a sua alegada boa-fé. Responderam também (fls. 327 a 329) à contestação dos réus DDr, alegando que nos autos não estão em causa e nem sequer são alegados vícios formais referidos no Código do Notariado. Em causa estão vícios que afectam o conteúdo substancial dos negócios, que determinam a sua invalidade, pois alterar falsamente a área de um imóvel para mais do dobro, de modo a nele incorporar o prédio vizinho alheio e assim constituir o conjunto ilegalmente formado em regime de propriedade horizontal, sem ter sido adquirido aquele prédio vizinho e, sendo tudo feito, sem o conhecimento e contra a vontade da sua legitima dona, é praticar um acto contrário à lei e consequentemente nulo. Responderam ainda à contestação da ré FF, alegando que a legitimidade dela resulta do facto de ter vendido ao réu Ernesto o prédio urbano inscrito sob o art. 4xº da freguesia de Valdanta, o que contribuiu para a falsidade que se veio a verificar. Responderam, por fim, à contestação dos réus CC e Outros, reiterando o que disseram quanto à dos réus DD, impugnando a sua versão e dizendo que nunca souberam dos documentos por eles juntos. Foi junto documento comprovativo de a acção ter sido registada provisoriamente (natureza e dúvidas) por AP. 1X, de 2012. Em despacho de 22-11-2012 foi julgada improcedente a excepção da ineptidão da petição inicial mas convidados os autores a aperfeiçoarem os pedidos d), f) e g). Os autores, em requerimento (fls. 357 e 358) expuseram que não está em causa qualquer nulidade das previstas no Código de Notariado mas, para alegadamente clarificar e precisar os pedidos efectuados, requereram nova alteração deles nos seguintes termos: “Deve a presente acção proceder por provada e, em consequência: a) Declarar-se que GG foi, até à sua morte, ocorrida em 29/05/2000, dona com exclusão de outrem do prédio urbano identificado nos itens 6 e 7 da petição inicial [desde Janeiro de 1958 inscrito sob o artº 30Xº da Matriz, composto de casa de rés do chão, com 36 m2, sita na Rua X, Valdanta, descrito sob o nº 001 e inscrito a seu favor pela AP.12], condenando-se os réus a isso reconhecer; b) Declarar-se que tal prédio, com o óbito da dita GG, passou a integrar o património autónomo constituído pela herança ilíquida e indivisa aberta pelo seu decesso, condenando-se os réus a isso reconhecer; c) Declarar-se que a autora é herdeira e cabeça de casal na herança aberta por óbito da sua identificada mãe (Etelinda), condenando-se os réus a isso reconhecer; d) Declarar-se a nulidade da escritura de rectificação e constituição da propriedade horizontal outorgada no Cartório Notarial de Chaves em 6 de Abril de 2004, constante do livro para escrituras diversas nº 4X, a fls. X, por serem falsas as declarações nela incorporadas; e) Ordenar-se, em consequência, o cancelamento dos seguintes registos: - Constituição da propriedade horizontal (Ap.03– F3; Aveb. 3) do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001 – Valdanta; - Alteração da área e confrontação do lado poente (Ap.03, Av.2) do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001– Valdanta; - Registo das fracções A a D do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001 – Valdanta; -Ordenando-se, ainda, o cancelamento de todos os averbamentos, inscrições ou descrições que tenham sido lavrados após a outorga das escrituras referidas neste pedido. f) Declarar-se, reflexamente, a nulidade da escritura de compra [pelos 1ºs réus] e venda [pelos 2ºs réus] outorgada no Cartório Notarial de Montalegre, em 11/07/2005, constante do livro de escrituras diversas nº 9X-A, a fls. X e ss; g) Declarar-se, reflexamente, a nulidade da escritura de doação [pelos 2ºs réus aos 3ºs réus] outorgada no Cartório Notarial de Valpaços, em 18/05/2005, constante do livro para escrituras diversas nº 1X-D, a fls. X e ss; h) Declarar-se, reflexamente, a nulidade da escritura de compra e venda outorgada [pelos 1ºs réus ao interveniente] no Cartório Notarial de Boticas, em 11-02-2008, constante do Livro 6X-C, a fls. 78, a que se alude no incidente de intervenção principal provocada doutamente admitido; i) Condenar-se os réus e o interveniente II a respeitarem e não perturbarem, por qualquer forma, o direito de propriedade da herança ilíquida aberta por óbito de GG sobre o prédio referido em a); j) Condenar-se os réus e o interveniente II a reconhecerem o peticionado nas alíneas d) a i) e a desfazerem todas as obras efectuadas naquele imóvel (referido em a) do pedido), repondo-o ao seu anterior estado; k) Condenar-se os réus e o interveniente II a desocuparem imediatamente o imóvel, entregando-o à autora, para que, no uso dos poderes conferidos pelo artº 2088º, do CC, o possa administrar.” Os 3ºs réus DD, a propósito de exercerem o contraditório, alegaram em requerimento (fls. 363), que se mantém a falta de causa de pedir quanto aos actos notariais, reiterando a excepção de ineptidão da petição inicial [que já fora decidida!] e pedindo a sua absolvição da instância. A pretexto da “simplicidade da causa”, foi dispensada a audiência preliminar. No saneador subsequente, tabelar quanto ao mais, retomou-se a questão da ineptidão e decidiu-se, de novo, indeferi-la. Reparando-se, então, que parte dos factos impugnados apenas poderiam ser provados por documentos autênticos (e não cópias), ordenou-se a notificação dos autores para os juntarem. Os autores informaram que já são certidões parte dos documentos juntos, e juntaram outros. Em novo despacho, ordenou-se perícia para determinação do valor da acção e a junção de outros documentos em falta. Feita a perícia, fixou-se em 33.000,00€ o valor da causa. Reparou-se, então, que, em consequência, há “erro na forma de processo” e determinou-se a correcção da acção sumária para ordinária. Noticiou-se, depois, nos autos, o óbito do réu Eusébio. Por sentença de 24-11-2014, com base na habilitação notarial, foram julgados habilitados, para nestes autos prosseguirem em lugar do falecido como seus herdeiros e sucessores, a viúva e ré DD e os dois filhos H e C. Foi exarado despacho a fixar como objecto do litígio a “titularidade do imóvel”, a elencar os factos já provados e a enumerar os ainda carentes de prova (fls. 497 a 502). Apreciados os requerimentos probatórios, designou-se data para a audiência de julgamento, que veio a realizar-se, nos termos e com as formalidades descritas nas actas respectivas (fls. 537 e 538 e 545 e 546). Finalmente, com data de 30-06-2016 (fls. 547 a 567), foi proferida a sentença, que culminou na seguinte decisão: “Por tudo quanto foi dito julgo a presente acção que AA instauraram contra BB. CC. DD, EE, FF, , improcedente por não provada e, em consequência, absolvo os réus dos pedidos. Custas pelos autores – cfr. art. 527º, n.º1, do Cód. Proc. Civil. Registe e notifique.” Os autores não se conformaram e interpuseram recurso para esta Relação (fls. 572 a 577), alegando e concluindo: “ 1. Os Recorrentes consideram que foi incorretamente julgado unicamente o seguinte ponto da matéria de facto: Ponto n.º 43: Os réus BB desconheciam todos os “negócios” feitos pelos réus EE e CC. No entendimento dos Autores deverá a formulação daquele ponto da matéria de facto ser substituída por: “Os Réus BB sabiam que o prédio que negociaram com o réu EE estava inscrito na matriz de Valdanta sob o artigo 30Xº e que pertencia aos herdeiros de GG”. São as seguintes as provas que impõem decisão diversa da recorrida: 2. Desde logo os documentos juntos aos autos pelo próprio BB, em 03/12/2014, na qualidade de representante e procurador de seu filho, II, documentos que por não terem sido inicialmente admitidos foram novamente juntos pelo seu identificado filho, em 23/03/2015, donde se alcança que, afinal, os réus BB sabiam bem que o imóvel que pretendiam adquirir era o inscrito sob o artigo 30Xº urbano de Valdanta e da ligação deste prédio aos herdeiros de GG. 3. Com efeito, o contrato promessa de compra e venda celebrado pelos réus EE e BB reporta-se ao dito artigo 30Xº pertencente a GG e a ligação deste imóvel aos seus herdeiros é claramente atestada pela declaração subscrita por Maria. De resto, a páginas 31 da sentença consigna-se que o BB tinha perfeita consciência que o imóvel que adquiriu correspondia ao artigo 30Xº, tendo-lhe sido exibida pelo vendedor uma declaração emitida por uma senhora que se apresentava como procuradora de GG. 4. O próprio BB, ouvido em depoimento de parte na sessão de julgamento de 16/11/2015, de minutos 12:28:18 a minutos 12:41:40, portanto durante 13:22 minutos, refere que foi com o réu Ernesto que fez o negócio (de 00:58 a 01:01), que foi baseado na declaração assinada pela Maria que fez o negócio e que se não fosse aquela declaração automaticamente não teria comprado (05:40 a 05:43). Inquirido se sabia que estava a comprar o artigo 308º refere claramente que sim e que está escrito (06:00 a 06:08). 5. Por outro lado, referiu este réu que não conhecia a subscritora da declaração que no seu próprio dizer foi fundamental para ele concluir o negócio, começando o seu depoimento por auto-afirmar que estava de boa fé. Ora, aquando da celebração da escritura pública de aquisição, não podem os Réus BB ignorar que não estavam a adquirir o falado artigo 308º nem os herdeiros de GG ou quem os representasse estavam a ter ou sequer tinham tido qualquer intervenção no negócio. 6. Ressaltando que estes réus se servem de uma declaração assinada por uma estranha, papel esse sem qualquer credibilidade e que podia muito bem ter sido forjado, para tentarem “lavar as mãos como Pilatos” e provar a sua autoproclamada “boa fé”. Daí que se discorde frontalmente que se considere que os réus António Fernandes Marques e mulher estavam de boa fé por alegadamente desconhecerem a situação criada pelos réus Ernesto e Manuel Francisco, conforme se considerou provado na douta sentença proferida. Isto posto, 7. Na sentença recorrida considerou-se, a nosso ver bem, a escritura de constituição de propriedade horizontal nula por ter incidido sobre bens alheios, designadamente o prédio inscrito sob o artigo 308º pertencente a GG. 8. Refere-se expressamente na sentença ser ponto assente que “os réus CC venderam aos réus BB uma fracção que não lhes pertencia, pelo que o negócio outorgado se encontra ferido de nulidade, por força do disposto no art. 89Xº, do Código Civil, com o que se concorda plenamente. 9. Porém, a ação veio a “naufragar perto da praia” porque os réus BB estarão alegadamente protegidos pela boa fé registral conferida pelos artigos 291º, n.º 1, do Código Civil e 17º do Código de Registo Predial, uma vez que o registo da aquisição destes réus ocorreu mais de 3 anos antes do registo da presente ação. 10. Já alegaram os aqui recorrentes que os réus BB não estão de boa fé e, como tal, nunca poderiam beneficiar do regime a que se reportam aquelas disposições legais. 11. Não obstante, no caso vertente, a aplicação daquele normativo legal não pode vingar porquanto toda a situação registral criada pelos réus não passa de uma ficção construída em factos falsos. 12. O thema decidendum, apesar de alguma complexidade factual, reconduz-se à simplicidade e singeleza de se averiguar se a inscrição matricial verdadeira (artigo 30Xº urbano de Valdanta) e a inscrição no registo predial verdadeira (Inscrição 001, apresentação 12 cota G-1), que permanecem desde há décadas vigentes, inalteradas e por beliscar, baseadas em factos verdadeiros e numa aquisição verdadeira (compra a JM) devem ceder perante falsificações recentes, efetuadas por quem nunca foi titular do imóvel em causa nem titular inscrito do correspondente registo. Dito de outro modo: uma inscrição predial verdadeira com 30 anos, que não foi nunca cancelada e permanece em vigor, deve capitular perante uma inscrição predial falsa só porque esta conseguiu perfazer 3 anos até ao registo da ação que visou atacá-la? 13. Sendo verdade que o registo da ação demorou mais de 3 anos a ser feito, verdade é também que os autores batalham nos tribunais desde 2005 para “desmascarar toda esta tramóia que visa legalizar a usurpação de um prédio que lhes pertence”. É que todo este enredo demorou bastante tempo a averiguar e a descobrir em toda a sua plenitude de negócios, actos e intervenientes. 14. Porém, a pedir o cancelamento do registo predial de aquisição efetuado a favor de GG há bem mais de 3 anos (cerca de 30 anos) não há nem nunca houve nenhuma ação, sendo, por conseguinte, e sem necessidade de grandes construções jurídicas, de muito difícil compreensão a sentença proferida. 15. Ora, a nulidade que resulta da venda de coisa alheia apenas se aplica na relação entre alienante e adquirente, e não no que se reporta ao dono daquela, perante o qual a mesma é ineficaz. Sendo tal venda insusceptível de, mesmo sem ter que discutir a validade do contrato translativo, produzir efeitos sobre o património do dono verdadeiro, por não poder actuar-se, juridicamente, desta forma, a transferência do seu direito real. 16. Sendo ineficaz em relação ao dono da coisa (a venda, em relação a ele, é res inter alios acta), este poderá reivindicar a coisa, directamente do comprador, demonstrando simplesmente que não consentiu a venda e sem necessidade sequer de promover a prévia declaração judicial de nulidade do respectivo contrato. 17. Sendo o negócio ineficaz em relação ao proprietário, redunda completamente irrelevante a invocação do disposto nos arts. 291.º do CC e 17.º, n.º 2, do CRgP. 18. Em suma, no caso vertente temos que os réus EE e a filha e genro destes, os também réus CC, fabricaram um registo falso, tendo procedido a uma alienação a terceiros baseada nessa ficção matricial e de registo, não podendo, obviamente, esta tramóia prevalecer sobre a inscrição de registo verdadeira (com correspondente inscrição matricial vigente desde 1958 até à atualidade) nem justificar que os verdadeiros proprietários do bem dele sejam, desta forma iníqua e saloia, espoliados. Tudo com base numa alteração de área falsa que visou nada mais do que operar a anexação de três prédios através da aquisição válida de somente um deles e da usurpação de outros dois prédios vizinhos. A sentença recorrida violou o disposto no artigo 291º do Código Civil e 17º do Código do Registo Predial. Termos em que na procedência desta apelação e na revogação da sentença proferida e sua substituição por acordão que decrete a total procedência da ação se fará a costumada JUSTIÇA.“ Os 2ºs e 4ºs réus, em contra-alegações, concluíram: “1. O recurso ora apresentado é desnecessário e completamente escusado, pois decidiu bem a Meritíssima Juiz. 2. A única questão que importava verdadeiramente resolver era a de saber se os direitos dos réus BB estavam protegidos, vindo-se a confirmar que sim, tendo em conta a fé pública registral. 3. Pois para além de desconhecerem qualquer negócio anterior àquele que celebraram com os réus CC, registaram a sua aquisição há mais de três anos a contar da data de registo da ação de nulidade. 4. Além disso, antes da escritura pública de aquisição os RR. procederam à averiguação do registo da fração autónoma, com a letra A, correspondente a habitação de rés-do-chão e primeiro andar esquerdo, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, situado na freguesia de Valdanta, Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 19X e com a matriz predial n.º 99X, e verificaram que estava registado a favor dos RR. CC, pela inscrição G3 (PM), em propriedade horizontal, mediante a inscrição F3. 5. Pelo que nunca negociaram com o Réu EE, uma vez que o registo não estava feito a seu favor. 6. E estranham os RR. que só agora tenha surgido esta ação de nulidade pois se já há mais de 10 anos que os AA. consideravam nulos os negócios, não entendem a razão por de só agora virem invocar esse direito e querer fazer cair por terra um registo feito pelos RR. dentro da normalidade. Assim, 7. O artigo 17.º do CRgP trata da nulidade registral e estabelece que, desde que o registo do ato seja feito antes do registo da ação de nulidade, a declaração de invalidade do negócio não destrói ou afasta os direitos que o terceiro de boa fé adquiriu, neste caso, através de um contrato de compra e venda. 8. Aliado ao artigo 291.º do CC, que também prevê a protecção dos direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da ação de nulidade. 9. A culminar no facto de se questionar a seriedade e bom-senso dos RR. pois se estes não confiassem no registo público, significaria que todo o sistema de registo estaria viciado e impediria a normalidade das pessoas de realizarem negócios, sempre com receio de virem a ter complicações no futuro. 10. Daí que não se possa atribuir responsabilidades aos RR. BB, mantendo-se a verdade de que eles DESCONHECIAM os negócios realizados anteriormente sobre aquele prédio, acrescentando-se o facto de terem sido diligentes ao verificar a favor de quem estava inscrito o prédio antes de celebrarem o negócio e só depois disso, procederam à aquisição do prédio. Nestes termos esperam os Réus que os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães mantenham a sentença proferida, nos precisos termos. “ O chamado/interveniente II, nas contra-alegações, disse que o recurso não contém conclusões, uma vez que os recorrentes se limitaram a repetir, até no número, o texto alegatório e que, por isso, o recurso não deve ser recebido. À cautela pronunciaram-se sobre o mesmo e concluíram deste modo: “Era aos AA. que competia alegar e provar factos que demonstrassem que a BB e o aqui apelado agiram de má fé quando compraram a fracção objecto da acção, para poderem pedir a nulidade da compra e venda, nos termos do nº 1 do artigo 291º do Código Civil. Os AA., apelantes, todavia não fizeram nem uma coisa nem outra. A aliás douta sentença recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação, quer do artigo 291º do Código Civil quer do artigo 17º, nº 2 do Código do Registo Predial. Não enferma, por isso a douta sentença de qualquer vício. Termos em que e nos mais julgados aplicáveis deve a douta sentença recorrida manter-se com o que farão Vªs. Exªs merecida JUSTIÇA!” Por sua vez, a ré habilitada rematou a sua resposta dizendo “não se vislumbra que a sentença recorrida tenha violado o disposto ao artigo 291º do CC ou o previsto no artigo 17º do Código do Registo Predial; ao invés é adequado e correcto o enquadramento jurídico da factualidade dada como provada. Pelo que não merecendo a sentença recorrida mínima censura, deve ser integralmente mantida, julgando-se improcedente a apelação, o que se requer a V.ªs Ex.ª.s.” Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (fls. 1585 do ficheiro informático do processo). Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta. II. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC. No caso, importa apreciar e decidir: a) Questão prévia: falta de conclusões. b) Matéria de facto: alteração da decisão quanto ao ponto provado 43. c) Matéria de direito: consequências das nulidades e inaplicabilidade ao caso do regime do artº 291º, do CC. d) Ineficácia dos actos em causa em relação à de cujus e à herança. III. QUESTÃO PRÉVIA Sob a epígrafe “Ónus de alegar e formular conclusões”, dispõe o nº 1, do artº 639º, CPC, que “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Como a tal propósito se refere no Acórdão do STJ, de 18-06-2013(2) : “I - O recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida). II - Essas conclusões devem ser idóneas para delimitar de forma clara, inteligível e concludente o objecto do recurso, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação que deduz e que o tribunal superior cumpre solucionar. III - Não devem valer como conclusões arrazoadas longas e confusas em que se não discriminam com facilidade as questões invocadas.” No dever de concluir com clareza, precisão e objectividade se precipitam princípios gerais do processo civil (celeridade, agilização, simplificação, necessidade, cooperação, economia, utilidade e adequação que o legislador ergueu como pilares do novo Código, apelando a uma “nova cultura judiciária”, “desincentivando a inútil prolixidade” e a “artificiosa complexização da matéria litigiosa” com a “injustificável prolixidade das peças processuais produzidas, totalmente inadequadas à real complexidade da matéria do pleito” (cfr. Exposição de Motivos da Proposta nº 113/XII/2ª subjacente à Lei 41/2013, de 26 de Junho). Na verdade, como refere M. Teixeira de Sousa(3), sendo o recurso um meio específico de impugnar uma decisão judicial, de provocar a reapreciação das questões já decididas pelo tribunal recorrido e de obter a sua alteração, o seu objecto “é constituído por um pedido e um fundamento, sendo que o pedido consistirá normalmente na pretensão de se ver revogada a decisão impugnada, enquanto o fundamento, na invocação de um vício no procedimento (error in procedendo) ou no julgamento (error in judicando)”. Na síntese de Amâncio Ferreira, “expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razoes de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão”. (4) Tal é a importância jurídica e prática das conclusões que deve ser logo liminarmente indeferido o recurso em cujas alegações elas se não contenham ou não ser conhecido aquele em que se não corrijam as suas irregularidades – artºs 641º, nº 2, b), e 639º, nº 3. O ónus de formular conclusões não constitui, portanto, letra morta, nem deve ser ignorado, iludido ou defraudado, sobretudo perante tribunais superiores. Nem destes se deve esperar indulgência – já que tal virtude não é critério do seu juízo – face ao modo como as partes, sujeitas ao princípio da auto-responsabilidade, o cumprem (tanto mais que representadas por advogado tecnicamente sabedor e preparado cujo patrocínio obrigatório se funda legitimamente na necessidade de conhecer e observar, com diligência regras do direito adjectivo, que as partes não dominam). O cumprimento rigoroso do ónus constitui, pois, não só garantia para a parte de que todas as questões assim bem expostas, mas não mais que essas, serão facilmente percebidas, totalmente apreciadas e eficientemente decididas como também condição de melhor e mais eficaz (logo, justo) desempenho pelo tribunal da sua tarefa cometida pelo nº 2, do artº 609º (fixação das questões a resolver). Bem assim, do esclarecido, pleno e eficaz exercício do contraditório pela parte contrária. Ao próprio tribunal superior, aliás, se impõe que, no julgamento, como refere o artº 659º, nº 2, CPC, o relator faça “sucinta apresentação” do projecto de acórdão para votação e que este, nos termos do artº 663º, nº 2, príncipe pelo relatório em que “se enunciem sucintamente as questões a decidir no recurso”. Não se percebe, pois, a dificuldade, porventura a resiliência, que a prática mostra e a jurisprudência comprova existirem neste domínio, dando azo a indesejáveis querelas processuais. Sobre isso observa e verbera pertinentemente, João Aveiro Pereira(5) “Uma prática usual é a reprodução informática do corpo das alegações na área do documento que deveria ser preenchida com as conclusões. Sob esta epígrafe duplica-se e repisa-se o texto expositivo, sem se apresentarem verdadeiras conclusões. A adopção deste desembaraço, do ponto de vista da advocacia, pode explicar-se, desde logo, por um anelo de rapidez, necessária ao cumprimento dos prazos; pode ser induzida pela lei do menor esforço, mas também pode dever-se quiçá ao receio de que o tribunal, também ele acossado pela exigência de celeridade, não leia senão as conclusões e deixe de atentar no corpo alegatório. Nesta última hipótese, duplicando, o recorrente sente-se provavelmente mais confiante em que serão sempre lidas as conclusões e também as alegações. Em boa verdade, o recurso a este expediente de copy paste, para duplicar as alegações como se fosse para concluir, revela um uso abusivo dos meios automáticos de processamento de texto e conduz à inexistência material de conclusões, pois se, sob este título, apenas se derrama sobre papel o teor da parte analítica e argumentativa, o que de facto se oferece ao tribunal de recurso é uma fraude. Por consequência, apesar de aqui ou ali se mudar, cosmeticamente, uma ou outra palavra ou locução, o que realmente permanece, inelutável, é um vazio conclusivo, mau grado as habituais dezenas de folhas, com frequência metade do total da peça, e um número de artigos ditos de conclusões desnecessariamente a roçar ou a ultrapassar a centena.” E mais adiante, em face da atitude indulgente que detectou na jurisprudência, lamentou ainda: “Este laisser faire, laisser passer em relação, não só à prolixidade das conclusões, mas também quanto a outras irregularidades na elaboração das conclusões das alegações de recurso, pode evitar alguma morosidade pontual, mas tem um assinalável efeito perverso que é a instalação de uma certa indisciplina no cumprimento do ónus de concluir, de repercussões dilatórias gerais. Isto porque a sucessão de decisões permissivas vai cimentando uma rotina de cedência, que se torna praticamente impossível reverter no sentido da observância criteriosa das regras na feitura das alegações.” In casu, os autores apelantes organizaram o seu texto alegatório em parágrafos numerado de 1 a 27. Apresentaram, intitulando-o de “conclusões”, exactamente o mesmo texto, mas numerado de 1 a 18. A única diferença é que alguns dos vários parágrafos foram juntos num só (assim diminuindo o seu número de 27 para 18), criando-se uma ficção de síntese conclusiva aparentemente cumpridora da exigência legal referida, sem que, contudo, tal método e o resultado revelem um real e concreto esforço, assim poupado, no sentido de satisfazer cabalmente o ónus legal imposto à parte de acordo com o espírito e função da norma. É neste contexto que o apelado Paulo Marques (interveniente) alega não ter o recurso conclusões e, por isso, não dever ser recebido. Ora, no caso concreto, apesar do acima exposto e do rigor que temos colocado na apreciação da questão, afigura-se-nos que seria desconforme ao comando normativo em apreço, e logo injusto, considerar que não existem conclusões e fulminar tal falta com a rejeição do recurso. Sendo certo que o texto conclusivo é simples copy past, disfarçado, do alegatório, a verdade é que a sua clareza, concisão, precisão e objectividade, não obstante poderem, e deverem, ser aprimoradas com maior esmero técnico-jurídico, proporcionam evidente exposição e permitem fácil e rigorosa percepção das questões pelos apelantes suscitadas quanto à sentença recorrida, das alterações nela pretendidas (quanto a factos e ao direito) e fundamentos para tal, conforme, aliás, já acima expostas. Mostram as alegações que foram assim bem compreendidas. Por isso, embora na sua forma as conclusões não sejam uma síntese das alegações, na substância – que deve prevalecer – elas cumprem o sentido e função da norma jurídica e não beliscam intoleravelmente qualquer das demais regras e princípios adjectivos a ter em conta na sua apresentação. Deve, pois, prevalecer o interesse no prosseguimento, com economia de actos prescindíveis, maxime de convite ao aperfeiçoamento, da instância recursiva. Termos em que se julga improcedente a questão prévia suscitada. IV. MATÉRIA DE FACTO O tribunal recorrido julgou relevante e provado o facto nº 43: “Os réus BB desconheciam todos os «negócios» feitos pelos réus EE e CC.” Tais negócios, segundo o relato que fez, inserem-se no seguinte contexto, traçado pelo tribunal a quo a partir do julgamento introdutório da motivação da decisão de facto (aludindo depois a toda a prova e ao relevo que lhe foi dado.(6) “Da conjugação de toda a prova produzida nos autos, em especial da documental e da testemunhal foi possível apreender e reconstituir os passos que levaram à situação actual. Assim, em tempos idos, existam 3 casas velhas na Rua X em Valdanta. A do meio, em que em tempos funcionava uma taberna era pertença de E e P, a poente deste prédio ficava o de GG e a nascente o prédio do réu Eusébio e mulher. A certa altura, JJ, empreiteiro conhecido na localidade, que tinha interesse nos imóveis, celebrou com E e P, um acordo verbal, nos termos do qual se comprometia a construir-lhes uma casa de habitação num terreno que aqueles tinham ali perto e, em contrapartida, estes lhe cediam o prédio (do meio) que se encontrava inscrito na matriz sob o art. 41X. E efectivamente assim sucedeu. Depois de estar na posse do mencionado imóvel, o referido JJ, acordou com os proprietários dos prédios vizinhos, a poente GG e a nascente DD, que, edificariam um piso sobre as casas de rés-do-chão existentes, destinado a habitação e que, esse primeiro andar ficaria a pertencer, o do lado poente a GG e o do lado nascente a DD. Em contrapartida, quer GG quer DD, lhe cederiam os respectivos rés-do-chão. No cumprimento do acordado, JJ iniciou a realização das obras, tendo edificado toda a estrutura destinada ao primeiro piso, as paredes exteriores e as coberturas. Porém, JJ adoeceu, tendo acabado por falecer sem concluir as obras acordadas. No entanto, em momento anterior, e na perspectiva de cumprir com o que tinha combinado, JJ celebrou com o réu EE um contrato promessa nos termos do qual lhe prometeu vender pelo preço de 10.000.000$00 cinco fracções autónomas correspondentes aos imóveis aqui em causa, estando o contrato promessa a fls. 176 dos autos. E fls. 179 dos autos encontra-se uma cópia do anuncio que foi publicado no jornal em 03/06/1989, que o reu CC afirmou ser correspondente aos imóveis aqui em causa e do qual deu conhecimento aos seus sogros. Uma vez que JJ faleceu sem regularizar a situação que deu origem ao contrato promessa, os réus procuraram E e P, os quais ainda tinham inscrito a seu favor o prédio que tinham dado em troca da construção de uma casa de habitação a JJ, tendo aqueles acordado em celebrar uma escritura pública de compra e venda do mencionado prédio com o réu EE. Assim, no dia 26 de Setembro de 1996 E e mulher P, através de escritura pública declaram vender ao réu EE, pelo peço de cem mil escudos, que consignaram ter recebido o «prédio urbano denominado CASA DE HABITAÇÃO, situado na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, composto de rés-do-chão e primeiro andar, com a superfície coberta de setenta e dois metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial do Concelho de Chaves sob o n.º 19X, registado a favor dos vendedores pela inscrição G1, inscrito na respetiva matriz sob o art. 41X, com o valor patrimonial de 67.978$00.» – cfr. fls. 184 e ss. Posteriormente, em 30 de Julho de 1998, os réus EE celebraram uma escritura pública com os réus CC, sua filha e genro, nos termos da qual os primeiros venderam aos segundos, pelo preço de dez milhões de escudos, que declararam já ter recebido o prédio supra descrito, ou seja «um prédio urbano composto de rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, com a superfície coberta de setenta e dois metros quadrados, sito na dita freguesia de Valdanta, com a confrontar do norte e nascente com herdeiros de António, de sul com caminho público e de poente com JC, inscrito na respectiva matriz sob o art. 41X, com o valor patrimonial de 67.978$00, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 19X, da freguesia de Valdanta e inscrito a favor do outorgante marido pela inscrição G2» – cfr. fls. 188 e ss. No mesmo ato notarial o Banco SA mutuou aos réus a quantia de 10.000.000$00, constituindo uma hipoteca sobre o prédio acabado de adquirir. No entanto, e uma vez que a escritura realizada apenas podia servir para titular a aquisição do prédio que tinha pertencido a E e P inscrito na matriz sob o art. 41Xº, os réus FF, EE e CC, outorgaram, a 6 de Abril de 2004 escritura pública denominada «Rectificação e Constituição em Regime de Propriedade Horizontal», que se encontra nos autos a fls. 4X e ss, nos termos da qual declararam que: (7) Ora, com as mencionadas escrituras ficou o réu EE “titular” de quatro fracções, muito embora apenas “formalmente” tenha adquirido o prédio inscrito na matriz sob o art. 41Xº. No entanto, o réu DD, que se encontrava a par de toda esta “engenharia documental”, viu os seus interesses salvaguardados na medida em que, mediante o pagamento de um valor que em concreto não se apurou, “adquiriu” aos réus CC o rés-do-chão que tinha cedido a JJ, pois que, nos termos do alegado entendimento o primeiro piso já “lhe pertencia”. Para “legalizar” tal cedência, no dia 18 de Dezembro de 2005, no Cartório Notarial de Valpaços, foi outorgada uma escritura pública, que se encontra nos autos a fls. 62 e ss, nos termos da qual os réus CC declararam doar aos réus DD «a fracção autónoma designada pela letra “D”, que corresponde a um apartamento T-1, no rés-do-chão e primeiro andar direito, destinado a habitação, pertencente ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na de Valdanta, c Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 19X, da dita freguesia, e a fracção registada a favor dos doadores pela inscrição G3 (PM), afecto ao regime da propriedade horizontal nos termos da inscrição F-três, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 99Xº, com o valor patrimonial tributário e o atribuído de 4.040,26 €.» - cfr. fls. 203 e ss. Porém ao invés de adoptar um comportamento semelhante com G, ou seus sucessores, aproveitando-se da circunstância de os mesmos se encontraram a residir no estrangeiro, os réus CC, por escritura pública datada de 11 de Julho de 2005, que dos autos é fls. 58 e ss, declararam vender à ré BB, pelo preço de 15.000 € a: «Fracção autónoma designada pela letra A, correspondente a habitação no rés-do-chão e primeiro andar esquerdo, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, situado na freguesia de Valdanta, Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 19X, registada a favor dos vendedores pela inscrição G3 (PM), afecta ao regime da propriedade horizontal nos termos da inscrição F3, inscrito na respectiva matriz sob o art. 99Xº-A.» – cfr. fls. 207 e ss. Ou seja, os réus CC “apoderaram-se” do prédio que correspondia e GG, incorporando-o na área do prédio que formalmente adquiriram a P, e com base nessa rectificação constituíram o regime da propriedade horizontal sem terem outorgado qualquer negócio quer em relação prédio de GG, quer em relação ao prédio de DD. Regularizaram a situação do réu DD através da outorga de negócios desconformes com a realidade material, mas que visavam alcançar, aquilo que teria sido acordado com JJ. Em relação à GG, não houve essa atitude, sendo aquela e os seus sucessores privados do prédio de que eram proprietários. Actualmente, a situação material que se depara é a seguinte: - O prédio que existe na área em que se encontrava o prédio de GG foi vendido aos réus BB, os quais, em 11/02/2008, o venderam a seu filho II; o prédio que inicialmente JJ tinha adquirido e que vendeu ao réu EE, pertence a CC, e o prédio que corresponde à área em que se encontrava o imóvel do réu DD passou a pertencer-lhe.“ Colhe-se da motivação vertida na sentença, concretamente quanto ao aspecto que ora interessa, que a Mª Juíza ter-se-á convencido da veracidade do facto 43 impugnado, além de todo o contexto circunstancial relatado e resultante do conjunto da prova produzida sobre a “história”, sobretudo pelo que o próprio protestou no seu depoimento em audiência, pois: “…referiu que em 2000 fez o negócio estando de boa-fé, ou seja desconhecendo todos os actos anteriormente ocorridos. Após ter adquirido o imóvel fez as obras que estavam em falta, e posteriormente vendeu a casa ao genro. Tinha perfeita consciência que o imóvel que adquiriu correspondia ao art. 308º, da matriz, tendo-lhe sido exibida pelo vendedor uma declaração emitida por uma senhora que se apresentava como procuradora da Etelinda Chaves.” Os autores apelantes, impugnando nesta parte a decisão, defendem, no entanto, que foi incorrectamente julgado aquele ponto. Pretendem seja julgado provado que, como admitiu o próprio: “Os réus BB sabiam que o prédio que negociaram com o réu EE estava inscrito na matriz de Valdanta sob o artº 30Xº e que pertencia aos herdeiros de GG.” Ora, a decisão da matéria de facto pode ser modificada nos termos do artº 662º, do CPC, e, entre outras hipóteses, na de impugnação prevista no artº 640º. Estão satisfeitos os requisitos formais de que a lei, segundo o entendimento doutrinal e jurisprudencial dominante, faz depender a reapreciação, pelo Tribunal da Relação, do seu mérito. Ora, sobre o conhecimento ou desconhecimento, pelos 1ºs réus BB, do que se passou antes do negócio de compra e venda com eles celebrado, em 11-07-2005, pelos 2ºs réus CC, nada foi alegado pelos autores na petição inicial. Nem pelos ditos 1ºs réus, pois nem sequer contestaram. Tal como o não foi pelos 2ºs, ao contestarem. Os 3ºs réus DD é que, na sua oposição, sustentaram que a fracção autónoma A foi vendida pelos 2ºs aos 1ºs em vez de a transmitirem aos herdeiros da GG (com que, na sua versão, teria ficado “perfeito” o negócio acordado antes…) mas que, contudo, esses 1ºs réus (BB) estão protegidos porque desconheciam o que se tinha passado antes, sendo terceiros de boa-fé. Mesmo no requerimento em que suscitaram a intervenção principal de II, nada referiram os autores quanto ao conhecimento do passado, por este subadquirente e pelos adquirentes e transmitentes 1ºs réus. Foi o interveniente II que, na sua contestação (excepcionando o regime do artº 291º, CC, quanto a si e quanto aos 1ºs réus), alegou que estes (1ºs) agiram sempre de “boa-fé”, e que eles compraram convencidos que o imóvel era propriedade dos 2ºs. Nada mencionou quanto ao desconhecimento por si próprio. Ao responder-lhes, os autores – sustentando embora ser-lhes inoponível a excepção do artº 291º, CC, e, por isso, irrelevante a questão da boa-fé – é que alegaram que os 1ºs réus não podiam desconhecer a factualidade a que se reportam os autos por terem sido réus na acção anterior (a nº 1273/05, cuja sentença datada de 20-11-2007 e transitada em 06-12-2007, se encontra junta por certidão a fls. 333 a 337). A protecção dos terceiros adquirentes conferida pelo artº 291º, CC, integra excepção peremptória – artºs 571º, nº 2, e 576º, nº 3, CPC. Cabia aos 1ºs réus – não aos 3ºs – e ao interveniente II alegar os factos respectivos, ou seja, quanto à boa-fé, que, no momento da aquisição, desconheciam, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável – artºs 5º, nº 1, 572º, alínea c), 573º, e 576º, nº 3, CPC. Como se disse, apenas o interveniente alegou que os 1ºs réus agiram sempre de “boa-fé”, e que eles compraram convencidos que o imóvel era propriedade dos 2ºs (nada, porém, alegou quanto ao desconhecimento por si próprio). Foi neste contexto que o tribunal a quo deu como provado que os mesmos “desconheciam todos os «negócios» feitos pelos réus EE” (4º e 2º réus). E é a tal propósito que os autores pretendem se altere tal decisão mas apenas no sentido de que os 1ºs réus BB “sabiam que o prédio que negociaram com o réu EE estava inscrito na matriz de Valdanta sob o artº 308º e que pertencia aos herdeiros de GG”. Ora, mesmo a admitir-se que, com base no artº 5º, nº 2, CPC, não obstante tão escassa alegação e nada ter sido em concreto mencionado no parco e vago despacho que fixou o objecto do litígio nem nas diversas alíneas discriminadas como temas de prova (fls. 497 a 502), o tribunal poderia ainda ter considerado, na decisão, o facto “desconhecimento” vertido no ponto 43 dos provados, relativo a tudo o que estava para trás em termos de “negócios”, o certo é que os apelantes confinam a alteração pretendida ao positivo “conhecimento” por eles apenas de que o prédio – pretensa mas erradamente referido como negociado com o réu EE já que nenhum negócio se mostra com este terem feito – estava inscrito sob o artº 308 da matriz e pertencia aos herdeiros de Etelinda”. Ou seja: parecendo querer excluir da matéria provada o genérico “desconhecimento” pelos 1ºs réus de todos os negócios anteriores e defender a sua “não prova” pretendem apenas, com tal expressão, se julgue provado um facto parcialmente contrário a tal desconhecimento. O verdadeiro problema, porém, a entender-se com possível relevo para a decisão da causa, segundo as várias soluções jurídica plausíveis, a boa-fé e, portanto, os factos relativos ao desconhecimento, para ter coerência lógica a impugnação deduzida, consiste em reapreciar e decidir – até oficiosamente, com base no artº 662º, CPC – se, afinal segundo a perspectiva e interesse dos recorrentes impugnantes, tal desconhecimento, sem culpa, no momento da aquisição, dos vícios dos negócios precedentes deve ser dado como não provado, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo. Ora, como resulta claro dos autos (fls. 466 e seguintes), o próprio 1º réu não contestante António Fernandes Marques, embora agindo na qualidade de alegado procurador representante do interveniente II (filho dele e da 1ª ré BB) tentou juntar aos autos uns documentos que foram mandados desentranhar mas que, contudo, este juntou por si e acabaram por ficar neles a fls. 475 a 478 e assim admitidos. De entre esses documentos, ressalta um (fls. 476 e 477), intitulado contrato-promessa de compra e venda, datado de 06-09-2000, no qual consta que, nessa data, o dito 1º réu BB celebrou com EE um contrato-promessa de “um imóvel composto de um armazém de arrumos baixos e em primeiro andar composto de três divisões, estando apenas com as paredes levantadas e a área coberta faltando o revestimento interno e externo e acabamentos no modo geral, localizado em Valdanta concelho de Chaves”, obrigando-se este “a vender o referido imóvel…com a respectiva passagem da escritura pública no prazo máximo de 03 anos, livre de qualquer problema” e este obrigou-se “a comprar o mesmo imóvel, com o artigo nº 30X…”. Ressalta ainda um outro documento concomitantemente junto (fls. 478), datado de 19-09-2000, no qual se descreve “trabalho a prestar a BB” e se descrevem vários serviços de construção civil, orçamentados em 2.200.000$00, por conta de cuja quantia pessoa assinada (em forma ilegível) declara em manuscrito ter recebido 1.200.000,00€. Bem assim, um outro (fls. 476), junto pelo mesmo, no qual está escrita uma “declaração”, datada de 06-09-2000, subscrita pela testemunha Maria, que diz “Maria declara para os devidos efeitos que é representante dos herdeiros de GG, para a venda do prédio urbano com art. 30X da matriz de Valdanta, concelho de Chaves, pelo facto de não se encontrarem no país. Declaro também que a mesma foi vendida ao Sr. EE a que sinalizou”, a que se refere a sentença recorrida nos seguintes termos: “No entanto, a mencionada Maria, ouvida como testemunha nos presentes autos, muito embora ter reconhecido a sua assinatura na mencionada declaração, o certo é que afirmou que o teor da mesma não corresponde à verdade. Esclareceu que há muitos anos o réu EE a procurou, uma vez que a testemunha tinha uma agência de administração de condomínios (no ano de 2000) e conhecia a falecida GG (que casou com o avô da testemunha) e a autora, no sentido de diligenciar junto destas para lhe venderem o prédio inscrito na matriz sob o art. 30Xº. Apesar de ter estabelecido contacto, não conseguiram chegar a algum entendimento uma vez que existiam desavenças quanto ao preço. A partir desse momento não tratou de mais nada nem teve qualquer conhecimento de algum negócio. Assinou a declaração que se encontra junta aos autos a pedidos do réu Ernesto, que lhe disse que necessitava da mesma para conseguir vender a casa aos brasileiros. Negou, rotundamente que alguma vez tenha sido representada da autora ou de sua mãe e que tenha procedido à venda do imóvel aqui em causa e que assinou a declaração a pedido do Sr. EE e que foi este que a elaborou. Não tem conhecimento de que alguma vez os herdeiros da D. Etelinda tenham vendido a casa.” Tais documentos, possuídos pelos 1ºs réus (tendo sido a declaração conseguida e entregue aos mesmos pelo EE) e logo pelo interveniente seu filho, indiciam, no mínimo, que, em 2000, o 1º réu BB estava por dentro da “história” relativa aos imóveis (e por normal “comunicação” que é de presumir em face das regras da experiência, a 1ª ré sua cônjuge), aos negócios, à construção projectada, ao seu destino e atribuição aos diversos interessados, particularmente que o 1º réu marido pretendeu comprar o imóvel correspondente ao artigo 308º - precisamente o que era de GG e cuja remodelação, então, ainda se encontrava inacabada – e ele próprio, à sua custa, nele executar obras que tratou com um terceiro, obrigando-se o 4º réu Ernesto a vender-lho “livre de qualquer problema”, no prazo de três anos, ou seja, o previsto para a regularização de todo o “empreendimento”, representando a aquisição da fracção autónoma A mais tarde constituída e vendida aos 1ºs réus o cumprimento de tal promessa e, assim, o “quinhão” destes em todo o negócio. Neste contexto, sabendo ao certo que lhe iria ser vendido e iria adquirir a fracção no prédio entretanto a constituir em propriedade horizontal e correspondente ao prédio urbano 30X da matriz, propriedade da GG, não é credível, sendo pelo menos muito duvidosos, o “desconhecimento” de que se convenceu o tribunal recorrido e motivou o seu julgamento como provado do facto vertido no ponto 43 e, consequentemente, a “boa fé” dos 1ºs réus. Aliás, nenhuma prova existe de que, como se lhe impunha, face aos termos e circunstâncias anómalos como interveio e celebrou o contrato-promessa com o EE e depois a compra com os 2ºs réus, cautela alguma tivesse tomado para se inteirar e esclarecer a situação e assegurar-se da legitimidade de cada um e regularidade dos actos realizados, designadamente obtendo justificação para serem aqueles a vender-lhe uma coisa (fracção A) que sabia corresponder a outra (prédio urbano 308) e não pertencer àqueles mas a outrem (Etelinda). Como salientou a Mª Juiza “o réu BB, referiu que em 2000 fez o negócio estando de boa-fé, ou seja desconhecendo todos os actos anteriormente ocorridos. Após ter adquirido o imóvel fez as obras que estavam em falta, e posteriormente vendeu a casa ao genro.” Porém, “Tinha perfeita consciência que o imóvel que adquiriu correspondia ao art. 30Xº, da matriz, tendo-lhe sido exibida pelo vendedor uma declaração emitida por uma senhora que se apresentava como procuradora da GG.” Sabendo que se tratava de prédio pertencente a pessoa estranha – GG –, não se compreende como possa “desconhecer”, sem que, pelo menos tal lhe seja censurável no contexto e circunstâncias anormais apuradas, as diversas e longas vicissitudes anteriores e posteriores a 2000 escudando-se na suposta confiança que uma simples declaração, nem sequer dada e asseverada perante si pessoalmente pela declarante (que nem conhecia) mas apenas entregue pelo EE, lhe terá gerado sem que, na Matriz e Registo Predial, se inteirasse da real situação. É que se tão crente estivesse da regularidade da transmissão da fracção autónoma A entretanto já constituída em propriedade horizontal nem sequer se compreende a necessidade (após o EE a arranjar e forjar, no dizer da testemunha, e lha entregar) se documentar com a mesma, pois, segundo a sentença, “tinha perfeita consciência que o imóvel que adquiriu correspondia ao artº 30Xº da Matriz” mas, no entanto, celebrou escritura em 11-07-2005, de “coisa” de todo física e juridicamente diversa, como também logicamente não podia deixar de ter constatado. Como referem algumas das testemunhas, o EE porfiou ainda pela aquisição do prédio da GG. Não a conseguindo, enveredou pelo esquema que os autos demonstram claramente destinado a contornar tal dificuldade. Para isso, muniu-se da declaração referida e, para sossegar e garantir o BB, entregou-lha. Sabendo, pois, este, ao certo, que o prédio negociado com aquele antes e depois era ou correspondia ao 30Xº e que este pertencia à GG e depois aos seus herdeiros, e, portanto, tudo indiciando que os réus estavam ao corrente de toda a “engenharia” desenvolvida (na expressão utilizada pela sentença que a descreve e, afinal, não posta aqui em causa), constitui, a nosso ver, erro de julgamento dar como provado o ponto 43. Não cremos que ele desconhecesse a “história” e os vícios praticados em ordem a subtrair o prédio 30Xº à verdadeira titular e a “legalizá-lo” de modo a com ele poder ter sido celebrada a escritura de venda. Se dúvidas persistissem, uma vez esgotada a prova e as possibilidades de o tribunal as dissipar, então, tendo em conta que o ónus da prova, nos termos do artº 342º, nº 2, do CC, impendia sobre os réus, sempre contra estes se deveria resolver – artº 414º, CPC. Por isso, aquele facto deve ser dado como não provado e eliminado do elenco dos provados. Procede, pois, quanto a esta parte, a apelação. IV. FACTOS PROVADOS Consequentemente, não tendo os demais sido impugnados e eliminando-se o 43, fixam-se os seguintes, já assim julgados em 1ª instância: “ 1. GG faleceu em 29/05/2000 no estado de casada com JD no regime da separação de bens. 2. JD faleceu em 04/03/2001. 3. A autora é filha de GG a qual, nos últimos 5 anos que precederam a sua morte viveu na sua companhia. 4. Desde Janeiro de 1958 que se encontra inscrita na matriz predial da freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, sob o art. 30Xº o prédio composto de casa de habitação, com a superfície coberta de 38 m2, na Rua X, Chaves, que confronta do norte com AB, do nascente com PP, do sul com caminho e do poente com JS. 5. Tal prédio encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 0014 e o direito de propriedade sobre o mesmo encontra-se inscrito a favor de GG pela Ap. de 07/07/1986. 6. Que o adquiriu por contrato de compra e venda outorgado por escritura pública em 26/05/1986 a JC. 7. Desde essa data que GG, ocupa o imóvel, à vista de todos, de modo ininterrupto, com conhecimento de todos e à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer fosse, utilizando-o como verdadeira dona, designadamente nele guardando géneros e alfaias, executando por si e a seu mando obras de conservação e benfeitorias e pagando contribuições a taxas. 8. Nos anos 90 do século passado GG, fez um acordo verbal com JJ, construtor civil, através do qual este se comprometeu a altear o prédio identificado em 4, construindo um 1º andar, que seria destinado a habitação. 9. Em contrapartida, GG ceder-lhe-ia o rés-do-chão do prédio. 10. Os réus DD, celebraram igualmente com JJ um acordo verbal semelhante ao da ré GG e mencionado em 8 e 9, nos termos do qual também lhe cederiam o rés-do-chão do seu prédio mediante a contrapartida de edificação de um primeiro andar destinado a habitação. 11. Os réus Eusébio e mulher possuíam uma casa de habitação já bastante degradada do lado oposto à da Etelinda da Conceição Chaves, sita na Rua da Taberna em Valdanta, Chaves, estando no meio das duas habitações um prédio pertença de Ezequiel e de Piedade que João de Matos Barreira adquiriu verbalmente tendo como contrapartida edificado uma casa de habitação num terreno destes, perto daquele local. 12. Os réus DD utilizaram esse prédio durante mais de 30 anos, nele habitando e guardando objectos pessoais, executando por si e a seu mando obras de conservação e pagando os respectivos impostos. 13. Sempre à vista de toda a gente e sem qualquer oposição, continuadamente e na convicção de exercerem um direito próprio com exclusão de quem quer que fosse. 14. Em relação ao prédio de GG, JJ chegou a iniciar as obras a que se tinha comprometido tendo executado a estrutura porticada em pilares e vigas, bem como as paredes exteriores. 15. Tendo entretanto adoecido e falecido sem concluir a obra. 16. Nos anos de 1997/1998, o marido da autora e um seu cunhado, a mando de GG, realizaram alguns trabalhos com vista a procederem à finalização das obras no primeiro andar que JJ tinha edificado no prédio inscrito na matriz sob o art. 408. Ficando por executar as pinturas interiores e exteriores. 17. Os réus DD encarregaram o réu EE, que tinha feito com JJ o negócio referido em 30 a 33 de tratar das formalidades relativas ao negócio, designadamente da constituição da propriedade horizontal, de modo que ficassem com a fracção correspondente ao prédio que tinham anteriormente. 18. Por escritura pública de 30/06/98, os réus Ernesto e mulher venderam a fracção D aos réus CC, que, por escritura de 18/12/05 a transmitiram por doação aos réus Eusébio e mulher. 19. Nos anos de 2002/2003 sem o consentimento nem consentimento dos sucessores de GG a porta de entrada da referida casa foi derrubada tendo sido efectuadas obras de remodelação ao nível do rés-do-chão e 1º andar do prédio objecto dos autos. 20. Os réus BB passaram a utilizar a casa sempre que se deslocavam a Portugal. 21. Afirmando que a adquiriram por compra aos réus CC. 22. GG nunca vendeu a casa, nem o fizeram os seus sucessores. 23. Porém, os réus CC, em 19 de Maio de 1998 registaram a seu favor a aquisição do prédio urbano situado a nascente da casa de GG, composto de rés-do-chão e 1º andar com 72 m2, a confrontar de norte e nascente com herdeiros de AC, do sul com caminho público e do poente com JC (antigo proprietário da casa de GG), inscrito na matriz predial da freguesia de Valdanta sob o art. 41Xº e descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001. 24. Os mencionados réus requereram junto do Serviço de Finanças de Chaves a alteração das confrontações deste prédio, tendo declarado falsamente que, do lado poente, o dito prédio confrontava com A P. 25. O que levou à alteração da área do seu prédio de 72m2 para 150,5m2, que foi averbada no registo predial em 05/07/2004, na sequência de escritura pública de rectificação outorgada em 6 de Abril de 2004, em que intervieram além dos mencionados réus, os anteriores titulares inscritos: EE e FF, que prestaram declarações falsas, de modo a incluir na nova área do prédio o prédio mencionado em 4. 26. Nessa mesma escritura os réus CC constituíram aquele prédio em propriedade horizontal tendo-o dividido em 4 fracções, designadas pelas letras A a D, correspondendo: Fracção A – rés-do-chão e 1º andar esquerdo; Fracção B – rés-do-chão centro. Fracção C – 1º andar centro. Fracção D – rés-do-chão e 1º andar direito. 27. A área e implantação da fracção A coincide com o prédio descrito 1, pertença de GG. 28. No início do mês de Junho de 1988 o réu CC viu um anúncio no jornal onde se publicitava a venda, próximo da cidade, de café, minimercado com armazém, salão de jogos e terreno anexo. 29. Uma vez que os seus sogros – os réus EE – tinham interesse em adquirir uma propriedade com as características referidas contactou-os. 30. Os réus contactaram JJ tendo agendado uma visita ao local. 31. Em 9 de Junho de 1988 o réu EE e JJ celebraram um documento escrito, denominado “contrato promessa” nos termos do qual o segundo prometeu vender e o primeiro comprar «cinco fracções autónomas comerciais e de 117m2 de terreno localizado nas traseiras da mesma, situadas na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, compostas respectivamente por um armazém de arrumos, um minimercado, um salão de jogos, um café e ampliação do mesmo». 32. Como forma de salvaguardar o compromisso entre JJ e o réu DD mencionado em 10, o réu EE comprometeu-se a celebrar, após a conclusão das obras interiores e a legalização de todo o imóvel, uma escritura de doação da actual fracção do prédio em causa, ao réu DD. 33. Após a celebração do acordo mencionado em 33 os réus EE iniciaram as obras interiores com vista à divisão do imóvel e posterior fraccionamento. 34. E em 01/10/1988 iniciaram em nome da ré EE a actividade comercial de café – bar e minimercado que mantiveram até 30/09/1991. 35. Quando pretendiam efectuar a escritura pública de compra e venda os réus EE tomaram conhecimento que JJ estava doente, acabando por falecer. 36. Com vista a legalizar a situação instituída, tomaram os réus EE conhecimento da existência de um acordo de permuta celebrado entre JJ e os anteriores proprietários de um dos imóveis (que não o da GG nem do réu DD), E e mulher P que consistia na permuta de uma casa do casal, e onde veio a ser edificado o objecto da presente acção, pela construção de uma casa de habitação num terreno que o referido casal tinha. 37. O que veio a suceder. 38. Ao tomaram conhecimento do falecimento de JJ, os réus EE procuraram E e mulher P, os quais acederem a celebrar com aqueles escritura de compra e venda em 26/09/1996, em que declaram vender, pelo preço de cem mil escudos, que consignam ter recebido «o prédio urbano denominado CASA DE HABITAÇÃO, situado na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, composto de rés-do-chão e primeiro andar, com a superfície coberta de setenta e dois metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial do Concelho de Chaves, sob o n.º 19X, registado a favor dos vendedores pela inscrição G1, inscrito na respectiva matriz sob o art. 41Xº, com o valor patrimonial de 67.978.000$00». 39. Por escritura pública de 30/07/1998 os réus EE vendem aos réus CC (sua filha e genro) o prédio mencionado em 38. 40. Por escritura pública de 18/05/2005 os réus CC outorgaram uma escritura pública de doação, nos termos da qual doaram aos réus DD a fracção autónoma designada pela letra D, referida em 26, designadamente a «a fracção autónoma designada pela letra “D” que corresponde a um apartamento T1, no rés do chão e 1º andar direito, destinado a habitação, pertencente ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 19X, da dita freguesia e a fracção registada a favor dos doadores pela inscrição G3 (PM), afecto ao regime da propriedade horizontal nos termos da inscrição F3, inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 99Xº, com o valor patrimonial tributário de 4.040,26 €». 41. Por escritura pública de 11/07/2005 os réus CC vendem aos réus BB a fracção autónoma designada pela letra A, referida em 26, em que declaram vender «Fracção autónoma designada pela letra A, correspondente a habitação no rés-do-chão e primeiro andar esquerdo, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, situado na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 19X, registada a favor dos vendedores pela inscrição G3 (PM), afecta ao regime da propriedade horizontal nos termos da inscrição F3, inscrito na respectiva matriz sob o art. 99Xº-A.» 42. Ficando os réus CC com as fracções B e C.” Ao abrigo do artº 662º, CPC, com base no consenso das partes e nos documentos juntos, julgam-se ainda provados e aditam-se os seguintes factos: 43. Os 1ºs réus registaram a aquisição referida em 41 em 11-07-2005. 44. Em 11-02-2008, os 1ºs réus venderam a fracção A ao interveniente II, que registou esta aquisição em 12-02-2008. 45. A presente acção foi proposta em 10-05-2008 e registada em 21-08-2012 (provisoriamente por dúvidas). IV. DIREITO Comecemos por resumir a história do caso sobre que incide este litígio. Na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, existiam, em tempos, três pequenas casas, de rés-do-chão, velhas, deterioradas, contíguas: uma, propriedade de GG; outra, de E; a terceira, de DD. Havia ali também um construtor civil, JJ, que cogitou restaurá-las, obviamente tirando partido do empreendimento. Então, começou por acordar, primeiro com E, adquirir a casa deste e, em troca, construir-lhe outra num terreno próximo. Prosseguiu, acordando depois, com a GG e com o DD, edificar sobre cada uma das destes um andar de habitação e receber, em troca, os respectivos rés-do-chão. Tudo verbalmente. JJ iniciou as obras e foi erguendo o renovado edifício. Em 1988, motivado certamente pela doença que o acometeu, acordou com o EE vender-lhe, prometendo este comprar-lhe, as cinco fracções do mesmo, então apenas imaginadas, do prédio, ainda inacabado. Escreveram num documento, por ambos assinado, tal contrato-promessa. Nada o EE contratara com E, DD e GG. Tudo estava por regularizar. Era preciso acabar as obras, do que se incumbiu o EE. Porém, JJ faleceu. Os acordos a que este se vinculara ficaram por concretizar e formalizar. Então, o promissário EE, acolitado pelo seu genro, procurou o E, dono de uma das casas – a inscrita na Matriz sob o artº 41X, descrita na Conservatória com o nº 19X, com apenas 72 m2 de área –, ainda aí registada a favor deste. Acordaram formalizar, mediante escritura pública, a venda de tal prédio por este ao EE. Assim fizeram em 26-09-1996, ficando a propriedade daquele imóvel registada a favor do EE. Este, em 30-07-1998, por escritura pública, vendeu o mesmo ao genro, que registou. No entanto, nem aquilo que adquiriu (apenas aquela casa que fora de Ezequiel, com 72 m2 de área) correspondia à realidade criada (edifício renovado, alteado, ampliado na sua área e transformado fisicamente em várias fracções) nem esta tinha a expressão jurídica (na Matriz, Conservatória e quanto à respectiva aquisição e titularidade dos inerentes direitos) capaz de ao CC permitir assegurar os seus interesses e de cumprir regularmente perante os primitivos donos das duas outras casas (DD e GG) os acordos respectivos (de troca destas por fracções). Vai daí, juntaram-se os réus EE, CC, e convocaram FF (viúva e herdeira do E) para a outorga de uma escritura pública na qual verteram declarações apenas em parte conformes ao que entretanto se passara (física e juridicamente) mas com o intuito, conseguido, de à realidade existente darem, a partir da verdadeira aquisição do prédio urbano inscrito na Matriz sob o artigo 41X e descrito na Conservatória com o nº 19X, uma aparência jurídica regular, mormente por via da alteração das confrontações e área desta e de forma a englobar em tal prédio o da GG e o de DD, sem a sua intervenção formal (embora com o consentimento deste mas à revelia e contra a vontade daquela), criando e contando à Notária uma história justificativa. Assim foi outorgada em 06-04-2004 a escritura, de cujo texto certificado a fls. 49 e sgs dos autos, consta que por todos aqueles foi dito: “Que no dia vinte e seis de Setembro de 1996, por escritura outorgada no Cartório Notarial de Montalegre, exarada a folhas oitenta e quatro do respectivo Livro setecentos e cinquenta e sete – A, a primeira outorgante [P] e o seu cônjuge já falecido E, de quem é a única herdeira, venderam ao segundo outorgante [EE] um prédio urbano denominado Casa de Habitação, situada na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, aí melhor identificado. E que, no dia trinta de Julho de mil novecentos e noventa e oito, por escritura lavrada neste Cartório, exarada a folhas X. do respectivo livro duzentos, os segundos outorgantes [EE] venderam o mesmo prédio aos terceiros outorgantes [CC] os quais contraíram para pagamento do seu preço um empréstimo, constituindo em consequência, para sua garantia uma hipoteca, a favor do Banco, SA, aqui representado pelo quarto outorgante. Em todas as mencionadas escrituras, e com alguma incúria, deu-se como certa a área que então constava da matriz e que correspondia à constante na Conservatória do Registo Predial de Chaves, onde o primeiro ingressou com base na escritura de compra e venda em que o cônjuge da primeira outorgante, adquiriu o referido prédio a MR e a PJ Pereira, celebrada neste Cartório em dezanove de Novembro de mil novecentos e oitenta e dois […] da qual não consta qualquer área e que deu origem à descrição cento e noventa e cinco da freguesia de Valdanta então inscrito na respectiva matriz sob o artigo 41X [como se vê de fls. 42 e seguintes dos autos aquele prédio já estava descrito sob o nº 001, em nome de E e mulher, tendo depois da aquisição e inscrição desta pelo EE sido registada a alteração das confrontações e área] Foi apenas agora que o terceiro outorgante decidiu a total remodelação do prédio construindo um imóvel para habitação colectiva, é que se aperceberam que em todos os documentos referentes ao prédio apenas constava a superfície coberta de setenta metros quadrados, não se mencionando qualquer logradouro, quando a referida remodelação consistiu na ampliação da superfície coberta por ocupação de parte do logradouro existente. Porque era comum, em tempos ancestrais, omitir das participações efectuadas aos serviços de finanças todas as áreas descobertas, para evitar maior tributação fiscal, torna-se agora, que é imperioso a correspondência entre a verdade fáctica e a constante dos documentos, rectificar todos os títulos que se mencionaram. Foi efectuado o necessário levantamento topográfico e conseguida a intervenção de todos os confinantes. Assim, rectificam as escrituras atrás identificadas, no sentido de que o prédio vendido tem hoje a seguinte composição: Prédio urbano situado nafreguesia de Valdanta, concelho de Chaves, composto de rés-do-chão e primeiro andar, com a superfície coberta de 225,95 m2 e logradouro com a área de 150,5m2, actualmente a confrontar do norte e poente com AP, sul com Estrada Municipal, nascente com AM, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves, sob o n.º 19x, registado a favor do terceiro outorgante pela inscrição G-três, inscrito na matriz sob o art. 99x, com o valor patrimonial de € 12.928,84. Que mantêm em tudo o mais o que consta das referidas escrituras, esclarecendo que a alteração de confrontações se deve à sucessão normal de proprietários. […] Pelos terceiros outorgantes foi mais dito: Que o referido prédio a que atribuem o valor de QUINZE MIL EUROS, é composto de quatro unidades destinadas a comércio e a habitação, distintas e isoladas entre si, com saídas próprias para parte comum do prédio e desta para a via pública ou directamente para a via pública. Que constituem o mencionado prédio em regime de PROPRIEDADE HORIZONTAL, com as seguintes fracções autónomas e percentagens: Fracção A – Rés-do-chão e primeiro andar esquerdo, tipo T – um, com o valor relativo de 25%, que corresponde ao valor de 3.750 €. Fracção B – Estabelecimento comercial no rés-do-chão centro, com o valor relativo de 24%, que corresponde ao valor de 3.600 €; Fracção C – Primeiro andar centro, tipo T – dois, com o valor relativo de 25%, que corresponde ao valor total do prédio de 3.750 €; Fracção D – Rés-do-chão e primeiro andar tipo T – um, com acesso pelo alçado principal do prédio, com o valor relativo de 26% que corresponde ao valor de 3.900 €.» – cfr. fls. 196 e segs.” Deste modo, apesar de os réus CC apenas terem derivadamente adquirido, na realidade, o prédio do E, mediante as artificiosas declarações produzidas tornaram-se “formalmente” donos do edifício que abarcou os imóveis do DD e da GG e das quatro fracções autónomas em todo ele criadas, segundo o regime de propriedade horizontal a que foi submetido. Para satisfazer o compromisso com o ante-proprietário DD, os réus CC formalizaram em escritura de 18-12-2005 a doação ao mesmo da fracção autónoma D. E ficou este satisfeito e conformado. Quanto à proprietária do prédio inscrito na Matriz sob o artº 30X e descrito na Conservatória com o nº 14X, que nesta desde sempre esteve e continua inscrito a seu favor, foi simplesmente ignorada, apesar de se saber que ao seu agora fisicamente inexistente imóvel urbano corresponde in loco a habitação de rés-do-chão e primeiro andar esquerdo (fracção A) e do acordo de troca que, devidamente cumprido e formalizado, a compensaria da prometida cedência. Ao invés, os réus CC venderam em 11-07-2005 a dita fracção autónoma A à 1ª ré BB, pessoa que, como deflui dos autos, e já atrás se salientou a propósito da matéria de facto e dos documentos de fls. 475 a 478 desde 2000, não surgiu por acaso antes também estava envolvido na “história” mediante o contrato-promessa segundo o qual o EE se propôs ceder-lhe uma parte do edifício e para cujo acabamento aquele contratou obras. Por fim, estes 1ºs réus BB em 11-02-2008 venderam a fracção A a seu filho – o interveniente II. Como resume o tribunal recorrido: “… os réus CC «apoderaram-se» do prédio que correspondia e GG, incorporando-o na área do prédio que formalmente adquiriram a P, e com base nessa rectificação constituíram o regime da propriedade horizontal sem terem outorgado qualquer negócio quer em relação prédio de GG, quer em relação ao prédio de DD. Regularizaram a situação do réu Eusébio através da outorga de negócios desconformes com a realidade material, mas que visavam alcançar, aquilo que teria sido acordado com JJ.” Em relação ao réu BB também regularizaram o anterior compromisso com o JJ – acrescentamos nós – vendendo-lhe a fracção A. “Em relação à GG, não houve essa atitude, sendo aquela e os seus sucessores privados do prédio de que eram proprietários. Actualmente, a situação material que se depara é a seguinte: - O prédio que existe na área em que se encontrava o prédio de GG foi vendido aos réus BB, os quais, em 11/02/2008, o venderam a seu filho II; o prédio que inicialmente JJ tinha adquirido e que vendeu ao réu EE, pertence a CC, e o prédio que corresponde à área em que se encontrava o imóvel do réu DD passou a pertencer-lhe.” Saliente-se que, ao fim e ao cabo, na Matriz, persiste inscrita, como prédio urbano autónomo, a casa, com 38m2 de área, pertencente à GG (fls. 28), que no Registo Predial subsiste individualizada a descrição do prédio 00142/070786 (fls. 29) e que a sua aquisição a favor da mesma está inscrita pela Ap. 12/070786 (fls. 30), nenhum acto de natureza voluntária ou qualquer outro se conhecendo capaz de ter extinguido, alterado ou transmitido o direito de propriedade assim por ela titulado e mantido no seu património – ou, face ao seu decesso, pelos herdeiros e na herança respectiva. Recordando-se, agora, o rol dos pedidos formulados acima transcrito, vê-se que a acção tem contornos de petição de herança, de reivindicação, de entrega de bens da herança, além de acção de nulidade. Tenhamos para tal presentes as normas dos artºs 1311º, 2075º, 2076º e 2078º, 2088º e 2091º, todos do CCC. Bem assim, tudo quanto a propósito dos pressupostos respectivos e das semelhanças e distinções entre umas e outras, inerentes pretensões e legitimidade para as formular, ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, no seu Código Civil Anotado(8), em cotejo com a qualidade aqui invocada pela autora e os pedidos deduzidos.(9) Apresentando-se esta como herdeira e cabeça de casal e pretendendo o reconhecimento daquela qualidade, do direito da herança ao prédio da de cujus GG (imóvel urbano 30X fundido na edificação nova mas correspondente ao espaço e área da fracção A), sua desocupação e restituição no estado anterior ao património hereditário, perante quem forjou a sua integração na fictícia propriedade horizontal e o detém, a culminar uma série de actos inválidos, a fim de o poder administrar, convergem aqui os requisitos daqueles vários direitos e tipos de acção destinados a protege-los. Ora, sendo a autora filha da falecida (em 29-05-2000) GG, não há dúvida que é sua herdeira legitimária. Daí resulta inequivocamente a sua qualidade de sucessora na titularidade das relações jurídicas patrimoniais daquela – artºs 2024º, 2026º, 2027º, 2030º, nºs 1 e 2, 2131º, 2132º, 2157º e 2159º, do Código Civil. Tendo com o de cujus vivido nos últimos cinco anos de vida desta, incumbe-lhe o cargo de cabeça de casal – artº 2080º, nº 1, alínea c), e 3, CC. Daí a procedência do pedido c) relativo ao reconhecimento e declaração daquela dupla qualidade, afinal de contas nem sequer controvertido. Atenta a factualidade vertida em 4 a 7, de que decorre a existência, com perfeita autonomia e identidade jurídicas, na Matriz e na Conservatória, do prédio urbano inscrito ali sob o artº 30Xº e nesta descrito sob o nº 001, bem como o exercício da posse sobre ele, pela Etelinda, desde que o adquiriu em 26-05-196 até ao seu decesso (mais de 10 anos, com título e registo), pública, contínua, de boa fé, pacífica, com animus domini, não há dúvida que, por via da usucapião adquiriu ela o direito de propriedade sobre tal imóvel – artºs 1252º, 1258º, 1259º, 1260º, 1261º, 1262º, 1263º, 1287º, 1294º, alínea a), 1316º e 1317º, alínea c). Beneficia, aliás, da presunção de titularidade do direito, nos termos do artº 1268º, nº 1, e, bem assim, da derivada do registo a seu favor da aquisição fundada no contrato de compra e venda celebrado com JChaves, nos termos do artº 7º, do Código do Registo Predial. Deste modo, procede o pedido a). Tal como, com fundamento nos artºs 2024º e 2032º, o pedido da alínea b). Assim, no fundo, o reconheceu o tribunal a quo na primeira parte da fundamentação de direito da sentença – aliás, sem qualquer objecção dos recorrentes autores (claro), muito menos dos réus recorridos (nenhum dos quais tal questionou mesmo nas contra-alegações) – muito embora sem ter sido consequente na decisão final – como pensamos que deveria ter sido –, a pretexto da prevalência dos interesses dos 1ºs réus, enquanto terceiros adquirentes, que julgou merecedores de protecção, e considerou impeditivos ou prejudiciais dos demais pedidos, designadamente os relativos aos pretensos direitos da herança. Posto isto, vamos, então, aos restantes pedidos. Ponderou o tribunal recorrido, sobre tudo o que se passou antes da venda e doação das fracções A e D, o seguinte: “Cumpre agora proceder à análise da validade dos vários negócios que, foram, ao longo dos anos celebrados, e que tiverem por objecto essa casa. O primeiro deles consiste desde logo no acordo verbal que GG fez com JJ, nos termos do ponto 9 dos factos provados e de acordo com o qual, o segundo procederia à construção de um primeiro andar no imóvel destinado a habitação e a primeira lhe cederia a propriedade do rés-do-chão do mesmo. Este contrato reveste a natureza de um contrato misto.” E depois de teorizar sobre a natureza deste, acrescentou: “Na situação dos autos concorrem elementos do contrato de empreitada previsto no art. 1207º, do Cód. Civil – Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação á outra a realizar certa obra, mediante um preço – e de um contrato de permuta o qual, nos dias de hoje, é um contrato atípico ou inominado uma vez que não tem regulamentação específica na nossa lei. A sua regulação de referência há-de buscar-se adaptadamente no contrato de compra e venda por força do disposto no art. 939º, do Cód. Civil. Assim, estando em causa um bem imóvel, o contrato teria de ser reduzido a escritura pública por imposição do art. 875º, do Cód. Civil. Logo, ao ter sido verbalmente celebrado, o negócio encontra-se ferido de nulidade conforme determina o art. 220º, do Cód. Civil, pelo que, se verificam o preceituado no art. 289º, do Cód. Civil, ou seja, o negócio nulo não produz efeitos. Consequentemente não se transmitiu o direito de propriedade sobre o rés-do-chão para João de Matos Barreira. Deste modo, quando, JJ outorga com EE o contrato promessa referido em 31, tem o mesmo, pelo menos em parte por objecto um bem alheio, ou seja, o prédio pertença de GG. Porém, e tendo em conta que conforme resulta do regime jurídico do contrato promessa, as partes apenas se obrigam a, mais tarde, celebrar um outro negócio – cfr. art. 410º, n.º1, do Cód. Civil – não tendo lugar a transmissão ou constituição de um qualquer direito real, o facto de o mesmo ter por objecto bens alheios não afecta a sua validade intrínseca, podendo, no caso de, no momento da celebração do contrato definitivo, o promitente vendedor não ter a titularidade do bem, originar uma situação de incumprimento. Na situação dos autos, não chegaram as partes outorgantes do contrato promessa a celebrar o contrato definitivo. Assim, os réus EE, apurando que o prédio que se encontra inscrito na matriz sob o art. 418º ainda se encontrava em nome de E e P outorgam com estes o contrato de compra e venda mencionado em 38. No entanto, as declarações ali prestadas, não correspondem à verdade, pelo menos no que se refere ao pagamento realizado. Dos factos provados, mesmo assim, resulta que o objecto de tal contrato foi o «prédio urbano denominado CASA DE HABITAÇÃO situado na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, composto de rés-do-chão e primeiro andar, com a superfície coberta de 72 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 19X e registada a favor dos vendedores pela inscrição G1, inscrito na respectiva matriz sob o n.º 41Xº». Ou seja os réus EE apenas adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio inscrito na matriz sob o art. 41Xº e que, por sua vez, através de escritura de 30/07/1998 venderam aos réus CC – cfr. facto 23 e 38. Porém, e em desconformidade com o título aquisitivo, os réus CC, requereram junto do serviço de finanças uma alteração das confrontações do prédio afirmando que o mesmo confrontava com AP a poente, quando a confrontação real era com JC que foi quem vendeu o imóvel a EC. E, com o objectivo de incluir na escritura de compra venda mencionada a área de todos os prédios, incluindo o que pertencia a GG em 06/04/2004, conjuntamente com os réus EE e FF, declararam que, nas mencionadas escrituras, deu-se como certa uma área que então constava da matriz, tendo-se apercebido apenas agora que a superfície coberta é de 225,92m2 e a descoberta de 150,50 m2, procedendo à sua rectificação e inscrevendo o prédio com a nova configuração na matriz sob o n.º 99Xº. Ora, se se tiver em conta que o art. 41Xº tinha uma área de 72m2, o 40Xº de 38m2 (duplicando atenta edificação do primeiro andar), concluir-se que a área agora indicada corresponde à no artigo 40Xº, da área correspondente aos prédios de GG e de DD. Nessa mesma escritura constituíram o regime da propriedade horizontal identificando quatro fracções autónomas. Está assente que os réus fizeram constar da mencionada escritura factos que sabiam serem falsos, e com base na mesma o réu CC promoveu a constituição da propriedade horizontal. […] Resulta, assim, do exposto que os réus, através das testemunhas, fizeram a aludida declaração perante o notário, tendo-se, porém, demonstrado que a mesma não era conforme à realidade, o que se traduz na perda da eficácia probatória da escritura notarial quanto a essa declaração ou quanto a esses factos.» - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/03/2012, proferido no Proc.180/2000.E1.S1 e disponível em www.dgsi.pt. Logo, não está em apreciação a falsidade do documento em si, mas antes das declarações feitas perante o notário, as quais se veio a apurar não corresponderem à realidade. Posto isto, a constituição da propriedade horizontal, porque incidente sobre bens alheios é nula. Por sua vez, o registo da constituição da propriedade horizontal, porque assente num facto que nunca se passou é nulo, por força do disposto no art. 16º, al a), do Cód. do Registo Predial, ou seja, demonstrada a não existência do direito dos réus sobre as fracções do “prédio” é falso o respectivo registo o que implica a sua nulidade – neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supra mencionado.”(10) Até aqui, nenhuma objecção vem suscitada pelos autores apelantes quanto ao percurso judicativo empreendido que desembocou na conclusão e afirmação de que a escritura de rectificação e de constituição de prédio em propriedade horizontal e o seu subsequente registo predial são nulos, com fundamento na respectiva falsidade. Pelo contrário, aplaudem a bondade de tal juízo. Com efeito, na sua apelação, os autores apenas questionam a protecção conferida pela sentença aos terceiros adquirentes com fundamento nos artºs 291º, nº 1, do CC, e 17º, do CRP, argumentando que a nulidade (fundada no artº 892º) da venda (subsequente à da escritura de rectificação e de constituição da propriedade horizontal) pelos 2ºs réus CC aos 1ºs réus BB (de coisa alheia) só releva na relação entre eles e não perante a herança de Etelinda (titular do domínio do imóvel 308), sendo-lhe tal negócio ineficaz por dever prevalecer a realidade existente em vez da ficção criada e, por isso, inaplicável ao caso o regime daquelas normas decorrente. Mesmo que o fosse – defendem também os apelantes – os 1ºs réus não agiram de boa-fé, sempre, por falta desse requisito, não gozando da protecção legalmente prevista aos terceiros adquirentes. Por seu turno, nenhum dos réus recorreu, todos sustentando que a sentença deve ser mantida na íntegra e nos seus precisos termos – logo quanto às declaradas nulidades –, limitando-se, nas contra-alegações, a herdeira habilitada do falecido DD a salientar que os autores não alegaram que os compradores estavam de má-fé mas que “competia aos réus compradores alegar e provar a sua boa-fé, o que conseguiram demonstrar”; os 2ºs réus CC e os 4ºs réus EE a sustentar que os 2ºs agiram de boa-fé e merecem ser protegidos como terceiros adquirentes com registo anterior ao da acção; e o interveniente II que competia aos autores alegar e provar a sua má-fé e a dos 1ºs réus (que lhe transmitiram a fracção A), não o tendo conseguido. Relativamente a este problema, o tribunal a quo, na sentença, depois de assentar, como se viu e – repete-se – todas as partes aceitam, na nulidade, por falsos, da escritura de constituição da propriedade horizontal e do subsequente registo do direito dos 2ºs réus transmitentes sobre as fracções (afinal juridicamente inexistentes), ajuizou assim: “Sucede que, por escritura pública de 11/07/2005 os réus CC vendem aos réus BB a «fracção autónoma, designada pela letra A, correspondente a habitação de rés-do-chão e primeiro andar esquerdo, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, situado na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 19x, registada a favor dos vendedores pela inscrição G3 (PM), afecta ao regime da propriedade horizontal nos termos da inscrição F3, inscrito na respectiva matriz sob o art. 99xº-A.» e que corresponde à área do imóvel de Etelinda Chaves. Tais réus procederam à inscrição no registo a seu favor pela Ap.17.” Acresce que em 11-02-2008, os 1ºs réus venderam ao interveniente a mesma fracção A, que registou no dia seguinte. Aliás, como por escritura de 18-05-2005, os mesmos 2ºs réus CC doaram ao réu DD a fracção D, aquisição a seu favor registada por AP. 17 de 2005/05/20. “A questão que se coloca é a de saber até que ponto os direitos dos réus BB, podem ser protegidos, atento, designadamente a fé pública registral. Dos factos provados resulta que os réus identificados adquiriram a fracção A ao titular inscrito no registo, a título oneroso e de boa-fé, uma vez que desconheciam a situação criada pelos réus EE e CC. A este respeito podem-se seguir dois caminhos, sendo que ambos conduzem a uma solução idêntica. É ponto assente que os réus CC venderam aos réus BB uma fracção que não lhes pertencia, pelo que o negócio outorgado se encontra ferido de nulidade, por força do disposto no art. 892º, do Cód. Civil. Sucede que, o art. 291º, n.º1, do Cód. Civil consagra que a declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite e bens imóveis, ou a bens móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa-fé se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou de anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio. No entanto os direitos de terceiro não ficam salvaguardados se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio. Ora, os réus BB celebraram de boa-fé, um contrato oneroso e procederam ao registo da sua aquisição há mais de 3 anos do registo da presente acção, que teve lugar a 21/08/2012. Assim, os terceiros adquirentes vêem o seu direito protegido. O mesmo se passa se se entender ser de aplicar o regime contido no art. 17º, do Cód. do Registo Predial, uma vez que este normativo, salvaguarda igualmente os direitos que terceiro tenha adquirido de boa-fé, a título oneroso e que tenha inscrito no registo a seu favor. Em ambos os casos o terceiro adquirente fica protegido pelo registo público, o qual tem um efeito atributivo do direito nele inscrito. O registo predial tem essencialmente por fim dar publicidade aos direitos reais inerentes às coisas imóveis: pretende-se patentear a história da situação jurídica da coisa desde a data da descrição até à actualidade (art. 1º, do Cód. do Registo Predial). As realidades tabulares repercutem-se nas situações jurídicas privadas subjacentes, ou dito de outro modo, o registo produz efeitos substantivos. Pretende-se com a instituição deste regime proteger aquele que adquire confiando na realidade que o registo predial evidencia que lhe permite presumir que o que se encontra inscrito corresponde à realidade – cfr. art. 7º, do Cód. do Registo Predial. Assim sendo, e não obstante os pedidos formulados pelos autores, os mesmos têm como escopo a declaração de que o imóvel que descrevem no seu articulado pertence á herança de GG. Tendo em conta tudo quanto já foi dito e não podendo tal pedido proceder, afigura-se inútil o conhecimento dos demais.” Vejamos. De acordo com o sumário do Acórdão da Relação de Lisboa, de 13-09-2007(11): “I - Para que o art. 291º do CC actue são necessários quatro requisitos: a) Ter o terceiro adquirente obtido o seu direito através de um negócio a título oneroso; b) Ter feito essa aquisição de boa fé, considerando-se ser esse o caso, se ele, no momento da aquisição, desconhecia, sem culpa, o vício que constitui fundamento de nulidade ou anulabilidade; c) Haver o terceiro registado a sua aquisição antes de feito o registo da acção de nulidade ou de anulação; d) Não ter sido a acção de nulidade ou anulação proposta e registada dentro do prazo de 3 anos a contar da data da conclusão do respectivo negócio” II – O terceiro que está em causa quando se trata de fazer valer a protecção do art. 291º é o subadquirente depois da celebração do negócio inválido, daí que só o negócio em que este interveio pode interessar”. Este é o negócio que se consolida, por via da excepcional protecção que a lei lhe confere, apesar da nulidade.” Conforme refere o STJ, no Acórdão de 26-10-2010(12): “I - O art. 291.º do CC visa a protecção do terceiro de boa fé, ou seja, do terceiro adquirente que, no momento da aquisição, sem culpa, desconhecia o vício do negócio nulo ou anulável, estabelecendo um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio (art. 289.º do CC) quando estão em causa bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo. II - O terceiro adquirente fica, nos termos daquela disposição legal, protegido pelo registo público, desde que se verifiquem os requisitos aí enunciados. Mas será sempre necessário que o negócio inválido conste do registo. Se o terceiro adquire na pendência desse registo e regista por sua vez, o registo tem efeito atributivo, ele torna-se o titular verdadeiro, substituindo quem o era até então. III - Porém, de harmonia com o n.º 2 do art. 291.º do CC, os direitos de terceiro sobre a coisa a restituir, cedem se a acção de nulidade ou anulação for interposta e registada dentro dos três anos posteriores ao negócio. Nesta circunstância, os direitos de terceiro não serão considerados, mesmo que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção de declaração de nulidade ou anulação. IV - Assim, o terceiro só poderá prevalecer-se da protecção concedida pelo dispositivo se tiver registado a sua aquisição e se estiver de boa fé, mas o registo só será relevante se a acção de nulidade ou anulação não for interposta e registada dentro dos três anos posteriores ao negócio. V - De acordo com o art. 17.º do CRgP, desde que o registo do acto seja anterior ao registo de acção de nulidade, a declaração de invalidade do negócio não estorva os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé. Esta disposição, em confronto com o art. 291.º do CC, estabelece, a propósito das causas de nulidade do registo, as condições de invocação da nulidade (n.º 1) e as circunstâncias em que a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título onerosos por terceiro de boa fé. Ou seja, o art. 291.º trata da nulidade e anulabilidade do negócio jurídico (nulidade substantiva), ao passo que o art. 17.º trata da nulidade do registo (nulidade registral). VI - O acórdão uniformizador n.º 3/99 (publicado no DR, I-A, de 10-07-1999) estabeleceu, quanto ao conceito de terceiros para efeitos de registo, um entendimento diferente do anterior acórdão uniformizador n.º 15/97 (publicado no DR, 1.ª Série, de 04-07-1997), cuja posição surpreendeu os tribunais, ao aceitar o conceito de terceiros de forma lata (e, como tal, a tutela irrestrita da prioridade do registo), num meio social onde ainda não se encontra arreigada a necessidade de obter, através do registo predial, a tutela efectiva de direitos, abrindo-se a situações patentemente injustas. VII - A polémica não tem hoje razão de existir, em virtude do legislador ordinário ter, entretanto, tomado posição sobre o assunto, definindo o que se deve entender por terceiros, no art. 5.º, n.º 4, do CRgP (cf. DL n.º 533/99, de 11-12), aderindo à tese do Prof. Manuel Andrade e do acórdão uniformizador n.º 3/99: “(…) são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”. VIII - A solução adoptada no art. 291.º, n.º 2, do CC, corresponde a uma opção do legislador ordinário, visando proteger o beneficiário da declaração de nulidade ou de anulação do negócio, durante um período de tempo. Tal solução não contende, assim, de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva com os mínimos de certeza e segurança que os princípios em causa envolvem, não padecendo de inconstitucionalidade.” Ora, já se referiu atrás que não cabe aos autores alegar e provar o requisito da boa-fé exigido no artº 291ºº, CC. Cabe sim aos terceiros adquirentes interessados invocar e demonstrar em juízo os factos integrantes de tal excepção peremptória. Nesse sentido, podem ver-se os Acórdãos do STJ, de 26-10-2004(13) e de 27-09-2012.(14) Sucede que os 1ºs réus (adquirentes da fracção A e posteriores transmitentes dela) nem sequer contestaram. Os 3ºs DD (adquirentes da fracção D) nada a esse propósito e em seu benefício invocaram (embora refutassem a verificação das nulidades, questão ora ultrapassada), limitando-se eles a defender aqueles (1ºs), dizendo-os desconhecedores do acordo precedente e merecedores de tutela enquanto terceiros adquirentes de boa-fé. Por sua vez, o interveniente (subadquirente) II, embora excepcionando a inoponibilidade, a si e aos 1ºs réus (que lhe transmitiram a fracção A), da nulidade da escritura respectiva, apenas salientou que os autores não alegaram a sua má-fé nem a daqueles transmitentes, e que estes “sempre agiram de boa fé”, pois “compraram o prédio convencidos de que o mesmo era propriedade dos vendedores”. Nada alegou quanto à sua própria postura subjectiva. Sendo assim, por tudo isso e porque não resultou provado – ao contrário do que se decidira em 1ª instância – que qualquer dos subadquirentes, maxime os 1ºs “réus BB desconheciam todos os «negócios» feitos pelos réus EE”, jamais estes (ou quaisquer outros) poderiam beneficiar da protecção conferida pelo artº 291º, do Código Civil – no caso de este regime ser aqui aplicável. Na verdade, acaba tal questão por ficar, a nosso ver, prejudicada, uma vez que, ao caso, considerando que os terceiros não adquirem na linha ou cadeia de negócios iniciada pela verdadeira proprietária (a Etelinda) mas a partir do negócio falso e nulo realizado pelos 2ºs, 4ºs e 5ª ré – rectificação que aglutinou com o prédio desta todos os demais e constituição da propriedade horizontal sobre edifício não pertencente aos 2ºs – não é aplicável o regime do artº 291º. Como resulta do sumário do Acórdão do STJ, de 16-11-2010(15): “II - A nulidade que resulta da venda de coisa alheia apenas se aplica na relação entre alienante e adquirente, e não no que se reporta ao dono daquela, perante o qual a mesma é ineficaz, ou seja, insusceptível de produzir efeitos sobre o seu património, por não poder actuar-se, juridicamente, a transferência do seu direito real. III - Sendo ineficaz em relação ao dono da coisa (a venda, em relação a ele, é res inter alios acta), este poderá reivindicar a coisa, directamente do comprador, sem ter que discutir a validade do contrato ou demonstrar que não consentiu a venda e sem necessidade de promover a prévia declaração judicial de nulidade do respectivo contrato. IV - Sendo o negócio ineficaz em relação ao proprietário, redunda irrelevante a invocação do disposto nos arts. 291.º do CC e 17.º, n.º 2, do CRgP. V - O art. 291.º do CC visa a protecção do terceiro de boa fé, ou seja, do terceiro adquirente (ou subadquirente) que, no momento da aquisição, sem culpa, desconhecia o vício do negócio nulo ou anulável, estabelecendo um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio (art. 289.º do CC) quando estão em causa bens imóveis ou móveis sujeitos a registo. VI - O terceiro adquirente fica, nos termos daquela disposição legal, protegido pelo registo público, desde que se verifiquem os requisitos aí enunciados. Mas será sempre necessário que o negócio inválido conste do registo. Se o terceiro adquire na pendência desse registo e regista por sua vez, o registo tem efeito atributivo, ele torna-se o titular verdadeiro, substituindo quem o era até então. VII - Porém, de harmonia com o n.º 2 do art. 291.º do CC, os direitos de terceiro sobre a coisa a restituir, cedem se a acção de nulidade ou anulação for interposta e registada dentro de três anos posteriores ao negócio. Nesta circunstância, os direitos de terceiro não serão considerados, mesmo que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção de declaração de nulidade ou anulação. VIII - Segundo o art. 17.º do CRgP, desde que o registo do acto seja anterior ao registo de acção de nulidade, a declaração de invalidade do negócio não estorva os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé. Esta disposição, em confronto com o art. 291.º do CC, estabelece, a propósito das causas de nulidade do registo, as condições de invocação da nulidade (n.º 1) e as circunstâncias em que a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título onerosos por terceiro de boa fé. Ou seja, o art. 291.º trata da nulidade e anulabilidade do negócio jurídico (nulidade substantiva), ao passo que o art. 17.º trata da nulidade do registo (nulidade registral).” Também no Acórdão do STJ, de 19-04-2016(16), se consignou, em síntese: “I - A aplicação da norma contida no art. 291.º do CC pressupõe a verificação dos seguintes requisitos: (i) declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo; (ii) aquisição onerosa; (iii) por um terceiro de boa fé; (iv) registo da aquisição a favor do terceiro; e (v) anterioridade do registo de aquisição em relação ao registo da ação de nulidade ou de anulação. II - Ainda que verificados estes requisitos, a proteção do terceiro não funcionará se outra for a causa de invalidade, que não a falta de titularidade do alienante, e se a ação for proposta ou registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio (art. 291.º, n.º 2), sendo prazo de caducidade que começa a contar a partir da data da celebração do primeiro negócio inválido, que dá origem à cadeia. III - Inserto num sistema de registo meramente declarativo, o art. 291.º do CC não protege o terceiro adquirente que beneficia dos requisitos do n.º 1, caso não tenha sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como parte do primeiro negócio inválido, excluindo-se da sua aplicação o caso em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro. IV - Tendo a autora alegado que a cadeia de negócios inválidos foi iniciada por um negócio celebrado por um falso procurador, este elemento factual e jurídico é decisivo para se saber se funciona ou não a proteção do terceiro adquirente de boa fé, impondo-se a ampliação da matéria de facto, com inclusão deste, em ordem a constituir base suficiente para a matéria da decisão de direito.” Vale a pena atentarmos detidamente na douta fundamentação expendida no corpo do aresto. Data venia: “2. A disposição do art. 291.º do Código Civil constitui uma norma inovadora do Código Civil de 1966, inserida na Parte Geral, na Secção III, do Capítulo I – Nulidade e anulabilidade do negócio jurídico. Trata-se de uma norma de influência germânica, inspirada no § 892 do BGB (Rui de Alarcão, «Invalidade dos negócios jurídicos. Anteprojecto para o novo Código Civil», BMJ, n.º 89, 1959, p. 245), mas que introduzida num país de registo declarativo e que até há pouco tempo era facultativo, não pode assumir o mesmo significado que assume na ordem jurídica alemã, em que o registo é constitutivo. O facto de o art. 291.º se enquadrar num sistema de registo declarativo, de mera condição de oponibilidade em face de terceiros, nos termos do art. 5.º do CRPred. (aplicável ao registo automóvel), limita o seu âmbito de aplicabilidade, o qual não pode ser semelhante ao princípio da fé pública do registo no direito alemão. O registo automóvel, à semelhança do registo predial (as lacunas do regime jurídico do registo automóvel são integradas pelas regras do registro predial, segundo o art. 29.º do DL n.º 54/75, de 12-02 alterado pela última vez pela Lei n.º 39/2008, de 11-08), não supre os vícios do título, ou seja, não supre outros vícios para além da falta de legitimidade do alienante, resultante de uma alienação ou oneração anterior não registada. Neste sentido, o registo não garante ao adquirente que o prédio pertence ao transmitente e não a outrem nem assegura a bondade dos títulos inscritos ou do ato de inscrição. A ser de outro modo, qualquer pessoa, mesmo que tivesse registado o respetivo facto constitutivo, poderia vir a ser expropriada dos seus bens, se alguém conseguisse registar um título falso e posteriormente alienasse o «pseudo-direito» a terceiro de boa fé que registasse a aquisição, o que representaria uma insegurança demasiado grande nas posições jurídicas estáticas (cf. Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo, A protecção do terceiro adquirente de boa fé, Almedina, Coimbra, 2010, p. 332). Na dupla alienação do mesmo bem, os chamados efeitos centrais do registo (Orlando de Carvalho, «Terceiros para efeitos de registo», BFD, Vol. LXX,1994, p. 101), a prioridade da inscrição registal não protege o terceiro adquirente, se este adquirir de um sujeito que nunca foi proprietário do bem. O registo visa assegurar, não a titularidade efetiva do alienante, mas apenas que o direito a ter existido, ainda se conserva (Vaz Serra, «Hipoteca», BMJ, n.º 62, Jan. 1957, p.7). Historicamente, o registo foi introduzido em Portugal para constituir um instrumento de pressão à inscrição dos negócios aquisitivos ou constitutivos de direitos reais, acompanhado da consequente sanção para quem não registasse – a inoponibilidade do ato perante terceiros – sanção que criava, nos casos da dupla alienação ou oneração do mesmo bem, o risco da perda do direito a favor de um terceiro de boa fé que registasse em primeiro lugar. Contudo, está ao alcance do titular do direito evitar a perda do seu direito, procedendo ao registo da sua aquisição. O registo nunca teve por objetivo, nas ordens jurídicas em que assume natureza declarativa, constituir um instrumento de proteção perante os vícios do ato inscrito, decorrentes de uma invalidade substancial do próprio ato ou de outro ato anterior da cadeia de negócios. A função de proteção do terceiro contra os efeitos da invalidade e contra a declaração de nulidade do registo surgiu mais tarde no Código Civil de 1966 e foi importada dos países de origem germânica, onde vigora o sistema do registo constitutivo. Trata-se da proteção do adquirente a non domino prevista e regulada no art. 291.º do Código Civil, e que pressupõe requisitos diferentes dos exigidos para a proteção do terceiro no caso da dupla alienação. Na invalidade sequencial ou derivada, verifica-se a conclusão de um negócio nulo ou anulável pelo qual aparentemente se alienam direitos, e a seguir, o sujeito que ocupa a posição de adquirente celebra um segundo negócio, que é afetado pela invalidade do primeiro, de modo que também os seus próprios efeitos são prejudicados pelo princípio da retroatividade da declaração de nulidade ou da anulação do primeiro negócio inválido (art 289.º do Código Civil). Há uma cadeia de negócios e uma cadeia de terceiros, que são todos os sub-adquirentes, depois da celebração do primeiro negócio inválido (Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português - Teoria Geral do Direito, Almedina, Coimbra, 1992, p. 605, n.º 1003). O art. 291.º protege os terceiros adquirentes de boa fé contra os efeitos retroativos da declaração de nulidade e da anulação do negócio jurídico (Hörster, «Efeitos do registo – terceiros – aquisição a “non domino”», RDE,1982, p.139), operando como uma exceção ao princípio da retroatividade da declaração de nulidade ou da anulação do primeiro negócio de uma cadeia de negócios inválidos, por força do princípio da conservação dos negócios jurídicos (Cf. Hörster, A Parte Geral…ob. cit., pp. 601 e ss, pp. 604 ss). Os requisitos desta norma são os seguintes: 1. Declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo 2. Aquisição onerosa 3. Por um terceiro de boa fé 4. Registo da aquisição do terceiro 5. Anterioridade do registo de aquisição em relação ao registo da ação de nulidade ou de anulação. Esta norma jurídica visa resolver um problema de conflito de direitos entre o primeiro alienante, o verdadeiro proprietário, e o terceiro sub-adquirente de boa fé, que desconhecia, sem culpa, o vício do negócio, atuou de forma honesta e com a diligência exigível no tráfico jurídico e registou a sua aquisição. O contrato entre o alienante não legitimado (que celebrou o primeiro negócio inválido com o verdadeiro titular do direito) e o terceiro de boa fé não pode padecer de outra causa de invalidade para além da falta de titularidade do alienante. Por exemplo, em caso de incapacidade do alienante, o terceiro não está protegido. O artigo 291.º também não protege um terceiro adquirente que, mesmo de boa fé em relação à falta de titularidade do transmitente, tenha usado coação moral ou dolo para concluir o negócio. O momento relevante para aferir da boa fé é o da data da conclusão do negócio de que o terceiro adquirente é parte, mas a boa fé exigida pela lei (art. 291.º, n.º 3) é uma boa fé em sentido ético, que equipara a ignorância culposa à má fé. Mesmo mediante a verificação destes requisitos, a proteção do terceiro não funcionará se a ação for proposta ou registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio (art. 291.º, n.º 2), entendendo-se que este prazo de caducidade se começa a contar a partir da data da celebração do primeiro negócio inválido, que dá origem à cadeia (Cf. Hörster, A Parte Geral…ob. cit., pp. 140 e 143; Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 151; Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo, ob. cit., p. 611). A intenção da lei foi a de não levar demasiado longe a protecção de terceiros, pois tal significaria um sacrifício grave dos interessados na nulidade ou na anulabilidade, para além de ter sido considerado que o nosso sistema registal não oferece as garantias de exactidão que oferecem outros sistemas, como o alemão (cf. Rui de Alarcão, «Invalidade dos Negócios Jurídicos, Anteprojecto para o Novo Código Civil», 1959, p. 247). Por isso, a lei usou um conceito ético de boa fé, excluiu a protecção dos terceiros adquirentes a título gratuito e consagrou um período de carência de três anos (art. 291.º, n.º 2). «O método que fundamentou a decisão legislativa, relativamente a esta questão, terá sido o da ponderação conjunta dos interesses do proprietário na reivindicação do bem, do interesse do terceiro e do interesse colectivo da segurança do tráfico jurídico, que é também, indirectamente, o interesse do proprietário na facilidade de circulação dos seus direitos. A tutela do interesse do proprietário está limitada a um período de três anos decorridos após a conclusão do negócio inválido. A lei pretende, com este prazo, dar uma oportunidade ao verdadeiro proprietário para repor a verdade jurídica material, considerando que, após o decurso do prazo, o seu interesse deixa de merecer protecção. O centro do raciocínio do legislador é o comportamento do verdadeiro titular, justificando-se o sacrifício do direito deste, na sua própria negligência ou inércia em impugnar o negócio inválido, durante um período de três anos, após a sua conclusão» (cf. Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo. A protecção do terceiro adquirente de boa fé, ob. cit., p. 336). «(…) o fundamento do art. 291.º é a estabilidade dos negócios jurídicos, sofrendo o alienante que deu origem à cadeia de negócios inválidos as consequências de não ter actuado, dentro do prazo de três anos, interpondo a acção de nulidade ou de anulação. A lei faz uma conciliação entre os interesses do verdadeiro proprietário, que pode impor a realidade jurídico-material ao terceiro, durante um prazo de três anos, a contar da data da conclusão do negócio inválido, e os do terceiro sub-adquirente, interessado em salvaguardar a sua aquisição dos efeitos retroactivos da invalidade» (Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo, ob. cit., p. 338). Contudo, esta proteção opera apenas quando o verdadeiro titular do direito dá origem à cadeia de negócios que vai culminar com a aquisição onerosa de terceiro adquirente de boa fé. A aquisição a non domino prevista no art. 291.º, n.º 1 do Código Civil não permite que, através da intervenção de um terceiro que obtenha um registo falso ou baseado em títulos falsos, fique sanada a nulidade negocial derivada da cadeia transmissiva assim gerada, pois tal solução seria equivalente a admitir a expropriação do verdadeiro titular que não terá meios para se aperceber da fraude por não ter praticado qualquer negócio jurídico que desse origem à cadeia de negócios inválidos (Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo…ob. cit., p. 481). Sendo assim, dentro da lógica de um registo meramente declarativo, o art. 291.º do Código Civil não protege o terceiro adquirente que beneficia dos requisitos do n.º 1, caso não tenha sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como parte do primeiro negócio inválido. 3. Para funcionar a proteção conferida pelo art. 291.º, a cadeia de negócios inválidos tem que ser iniciada pelo verdadeiro proprietário, não estando abrangida no seu âmbito de aplicação a situação em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro. Partindo da premissa acima enunciada, a que mais se adequa ao sistema translativo de direitos reais da ordem jurídica portuguesa e aos efeitos limitados do registo, tem razão a autora quando pede que seja ampliada a matéria de facto para que se averigue a alegada falsificação do registo obtido com base num contrato de compra e venda verbal feito, em seu nome, por um falso procurador. Não têm razão as instâncias quando entendem que estes factos são irrelevantes para a verificação dos pressupostos do art. 291.º do Código Civil. Tendo a autora alegado que a cadeia de negócios inválidos foi iniciada por um negócio celebrado por um falso procurador, este elemento factual e jurídico é decisivo para sabermos se funciona ou não a proteção do terceiro adquirente de boa fé. O facto de a autora ter intentado a ação de reivindicação contra o terceiro decorridos mais de três anos após a conclusão do primeiro negócio inválido (prazo de caducidade previsto no art. 291.º, n.º 2), e de esta ação não ter sido registada antes do registo do terceiro, como exige o art. 291.º, n.º 1, não tem relevância se vier a provar-se que a autora não teve intervenção no primeiro negócio da cadeia de negócios inválidos descrito no facto provado n.º 3.” Nesta senda se orientou também o Acórdão desta Relação de 27-10-2016(17): “1 - O art. 291.º, nºs 1 e 2 do Código Civil está em vigor, não tendo sido revogado pelos arts 5.º, nº 1 e 17.º, nº 2, do Código de Registo Predial. 2 – O conceito de terceiro para efeito do registo não coincide com o conceito de terceiro a que se reporta o artigo 291º do Código Civil, porque na primeira situação o conflito é entre dois adquirentes do mesmo transmitente e, na segunda, o conflito ocorre entre o primeiro transmitente e o último sub-adquirente, numa cadeia de negócios inválidos. Na primeira situação é pressuposta a validade do primeiro negócio de transmissão e na segunda a sua invalidade, ali é protegida a confiança do adquirente nos dados constantes no registo, e aqui é protegida a estabilidade dos negócios jurídicos. 3 - O terceiro a que se refere o artigo 291.º do CC é protegido na medida em que lhe não pode ser oposta a nulidade do primitivo contrato de compra e venda se tiver adquirido o direito sobre imóveis a título oneroso, de boa fé, inscrito no registo predial a sua aquisição e haja decorrido um triénio sobre a data do primeiro contrato sem haver sido instaurada a acção de nulidade. 4 – Contudo, para funcionar a proteção conferida pelo art. 291.º, a cadeia de negócios inválidos tem que ser iniciada pelo verdadeiro proprietário, não estando abrangida no seu âmbito de aplicação a situação em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro.” Sigamos também os seus passos, mais uma vez data venia: “Comecemos por analisar os contornos da questão colocada ao tribunal, relativamente à venda de bem alheio, partindo do facto assente que, carecendo a ré V de legitimidade para alienar o veículo da autora, tal venda consubstancia uma venda de bem alheio, que é nula, nos termos do disposto no artigo 892.º do Código Civil, cabendo averiguar se os direitos adquiridos pelos restantes réus – três registos posteriores – são ou não prejudicados em consequência do vício substantivo que está na sua base. Deve desde já dizer-se que esta venda de bem alheio, se encontra ferida de nulidade nas relações entre alienante e adquirente, mas ela é ineficaz em relação ao proprietário – veja-se Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, pág. 189 “No que se refere ao verdadeiro proprietário da coisa, a venda, como res inter alios, é verdadeiramente ineficaz (anotação de Vaz Serra ao Acórdão do STJ de 21/01/1972, na RLJ, ano 106.º, pág. 26)”. E esta é uma questão muito importante nestes autos. A autora, como proprietária do veículo, poderia ter-se limitado a uma ação de reivindicação, regressando o veículo à sua posse. Não estamos aqui perante aquela ação em que a mesma pessoa vende um bem a mais que um comprador, sendo estes terceiros para efeitos de registo, nos termos consagrados pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/99 “terceiros para efeitos do disposto no artigo 5.º do CRP, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa”. Não é o caso dos autos, em que se verifica uma sucessão de negócios jurídicos nulos, em que o transmitente e o adquirente são sempre diferentes. Mas vejamos mais detalhadamente. Ambos os recorrentes sustentam que, ao caso, deveria ter-se aplicado o disposto no artigo 17.º, n.º 2 do Código de Registo Predial e não o disposto no artigo 291.º do Código Civil. Dispõe o artigo 291.º, n.º 1 do Código Civil o seguinte: “A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a bens móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da ação de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio” Contudo, conforme decorre do disposto no n.º 2 deste artigo 291.º do CC, no caso dos autos, os direitos de terceiros não estariam protegidos, uma vez que a ação foi proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio. É que a tutela do interesse do proprietário está limitada a um período de três anos decorridos após a conclusão do negócio que, no caso dos autos, ocorreu a 05/08/2009, tendo a ação sido instaurada a 31/03/2011 e registada a 20/02/2012. A lei pretende, com este prazo, dar uma oportunidade ao verdadeiro proprietário para repor a verdade jurídica material, considerando que, após o decurso do prazo, o seu interesse deixa de merecer proteção. No caso dos autos, tendo a ação sido intentada e registada dentro daquele período de três anos, não são reconhecidos os direitos de terceiros. Seria, então de aplicar o artigo 17.º do Código do Registo Predial? Vejamos. A presunção derivada do registo automóvel, decorrente das disposições conjugadas dos arts 29.º do Dec-lei 54/75, de 12 de Fevereiro, e do art. 7.º do Cód. Reg. Predial, é uma mera presunção "juris tantum", ilidível mediante prova em contrário. Tal prova pode resultar da nulidade do próprio registo ou da invalidade do acto substantivo inscrito (Antunes Varela, R.L.J. Ano 118- 307). O art. 17, nº 2, do C.R.P. proclama: "A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade ". Mas esta disposição tem de ser conjugada com o art. 291.º do Cód. Civil – veja-se, neste sentido, Acórdão do STJ de 27/04/2005, relator Azevedo Ramos, processo 05A837, in www.dgsi.pt. Pronunciando-se sobre a matéria, escreve Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., pág. 617): "No actual Código Civil, o problema da oponibilidade da nulidade ou anulabilidade a terceiros foi resolvido de forma original, através de um sistema de compromisso entre os interesses que estão na base da invalidade e os interesses legítimos de terceiros e do tráfico. Em princípio, tais formas de invalidade são oponíveis a terceiros, salvo o caso especial de simulação, que é inoponível a terceiros de boa fé (art. 243). Em nome da protecção dos legítimos interesses de terceiros e dos interesses do tráfico jurídico, estabeleceu-se, contudo, que a declaração de nulidade ou a anulação do negócio respeitante a bens sujeitos a registo, se não for proposta e registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio, é inoponível a terceiros de boa fé, adquirentes a título oneroso, de direitos sobre os mesmo bens". Na mesma esteira, Antunes Varela (R.L.J. Ano 118-310) também ensina: De acordo com a solução decorrente do art. 291, nºs 1 e 2, do C.C., "os efeitos extintivos característicos da nulidade ou anulação (do contrato) mantém-se plenamente durante os três anos posteriores à conclusão do negócio impugnado, desde que a acção, estando sujeita a registo, seja efectivamente registada. Passado, no entanto, esse período de defeso cerrado, se o contrato nulo ou anulado respeitar a bens imóveis (ou a móveis sujeitos a registo), e esses bens tiverem sido alienados ou onerados a favor de terceiro, que tenha registado a sua aquisição, os efeitos da nulidade ou anulação podem ter que ceder perante o direito do terceiro adquirente. Bastará para tal que o registo da aquisição de terceiro seja anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação, que a aquisição tenha sido a título oneroso e que o adquirente tenha agido de boa fé ". Logo a seguir, o insigne Professor Antunes Varela acrescenta que a disciplina instituída pelo citado art. 291 do Cód. Civil pode, assim, ser retratada sob um duplo prisma de observação (obra e local cit.): "Por um lado, a disposição legal confirma a falta de valor constitutivo (autónomo) do registo, na medida em que durante os três anos posteriores à conclusão de qualquer contrato não defende o titular do direito formalmente inscrito nos livros do registo predial contra os efeitos da nulidade ou da anulação do contrato que tenha servido de pressuposto à sua aquisição ". " (...) Por outro lado, o preceito legal representa uma primeira e significativa conquista do registo contra o regime tradicional da nulidade ou anulação, na medida em que permite ao titular da inscrição efectuada no registo, embora só a partir de certo momento posterior à conclusão do contrato nulo ou anulável, fazer prevalecer o seu direito (real) referente ao imóvel ou ao móvel sujeito a registo sobre o direito, relativo à mesma coisa, do beneficiário da nulidade ou anulação ". E conclui: A nova disciplina formulada no art. 291 do Cód. Civil (...) " não representa uma limitação à força anteriormente atribuída ao registo, mas, bem contrário, um triunfo, uma vitória, uma conquista em suma (embora limitada e condicionada) do registo sobre a eficácia (extintiva ou destruidora) reconhecida no direito anterior à declaração de nulidade (absoluta ou relativa) ” – citações retiradas do Acórdão do STJ de 27/04/2005, já citado. Ou seja, o art. 291.º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil está em vigor, não tendo sido revogado pelos arts 5.º, nº 1 e 17.º, nº2, do C.R.P. (veja-se, também, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-11-96 Col. Ac. S.T.J., IV, 3º, pág. 104). “De resto, a plena vigência do mencionado art. 291 da lei civil é aceite pela generalidade da doutrina (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed, pág. 267; Antunes Varela, R.L.J. Ano 118- 310; Mota Pinto, Teoria Geral de Direito Civil, 3ª ed, pág. 617; Menezes Cordeiro, Direitos Reais, I, 1979, pág. 383 e segs; Heinrich Horst, Rev. de Dir. e Economia, Ano 8º, pág. 136 e segs)” – Ac. STJ de 27/04/2005. Relembramos que o conceito de terceiro de boa fé para efeitos de registo (AUJ n.º 3/99, já citado), que está implícito na redação do artigo 17.º do CRP, não tem aplicação no caso dos autos, uma vez que não existe aqui uma situação de conflito entre dois adquirentes, em que um dos negócios é válido e em que se protege a confiança do adquirente nos dados constantes do registo. O que existe é uma sucessão de negócios jurídicos nulos, em que o conflito se estabelece entre o primeiro transmitente e o último sub-adquirente, pressupondo-se, não a validade (como no caso dos terceiros para efeitos de registo), mas antes a invalidade do primeiro negócio de transmissão. Ou seja, declarada a nulidade de um contrato de compra e venda, em simultâneo deve o comprador restituí-lo ao vendedor e este entregar àquele o respectivo preço (artigos 290º, 874º e 879º do Código Civil). Todavia, excepcionalmente, por um lado, a declaração de nulidade do negócio jurídico respeitante a bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre eles a título oneroso por terceiro de boa fé – desconhecedor do vício sem culpa no momento da aquisição - no caso de o registo da aquisição ser anterior ao registo da acção (artigo 291º, nºs 1 e 3, do Código Civil). E, por outro, em quadro de limitação daquela excepção, os direitos de terceiro não são reconhecidos se a acção for proposta e registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio (artigo 291º, nº 2, do Código Civil). “Este último artigo reporta-se, por exemplo, aos casos em que uma pessoa, por contrato afectado de nulidade, vendeu a outra um prédio, e esta última o vendeu invalidamente a outrem. Visa o referido normativo, verificados os pressupostos a que alude, proteger, por exemplo, o referido comprador do efeito da declaração da nulidade do primeiro contrato de compra e venda. O terceiro a que este artigo se reporta é, pois, o sub-adquirente posterior à celebração do primeiro contrato afectado de nulidade por ilegitimidade substantiva, portanto no quadro de aquisição a non domino. É protegido na medida em que lhe não pode ser oposta a nulidade do primitivo contrato de compra e venda se tiver adquirido o direito sobre imóveis a título oneroso, de boa fé, inscrito no registo predial a sua aquisição e haja decorrido um triénio sobre a data do primeiro contrato sem haver sido instaurada a acção de nulidade. O conceito de terceiro a que se refere este artigo, sob motivação de estabilidade de situações jurídicas, pressupõe, pois, a sequência de nulidades e o conflito entre o primeiro transmitente e o último subadquirente, pelo que é diverso do conceito de terceiros para efeito de registo predial” – Acórdão do STJ de 21/06/2007, relator Salvador da Costa, processo 07B1847, www.dgsi.pt. A função do registo predial, sendo declarativa e não constitutiva, não pode suprir a falta do direito nem sanar os vícios que envolvam os direitos transmitidos. E continua, de forma esclarecedora, aquele Acórdão do STJ de 21/06/2007: “As situações prevenidas pelo conceito de terceiros para efeitos de registo, são situações em que ocorre uma relação triangular consubstanciada em dupla transmissão pelo mesmo alienante de um bem imóvel ou de um bem móvel sujeito a registo a um primeiro transmissário, que não inscreve no registo a aquisição, e depois a um segundo, que opera a respectiva inscrição registal. São situações de conflito entre dois adquirentes, é válido o primeiro negócio de transmissão e não o segundo, mas o primeiro adquirente não pode opor ao segundo a sua aquisição, porque ela não constava no registo, e o último não podia, dada a fé pública derivada do registo, conhecer que o alienante já não era o titular do direito em causa. Mas este conceito de terceiro para efeito do registo, tal como acima se referiu, não coincide com o conceito de terceiro a que se reporta o artigo 291º do Código Civil, porque na primeira situação o conflito é entre dois adquirentes e, na segunda, o conflito ocorre entre o primeiro transmitente e o último sub-adquirente. Na primeira situação é pressuposta a validade do primeiro negócio de transmissão e na segunda a sua invalidade, ali é protegida a confiança do adquirente nos dados constantes no registo, e aqui é protegida a estabilidade dos negócios jurídicos em termos de excepção ao disposto no artigo 289º, nº 1, do Código Civil”. Não se verifica qualquer inconstitucionalidade material por violação dos princípios da boa fé nos negócios, na publicidade do registo da equidade e da justiça, conforme pretende o recorrente Paulo J – conclusão XXIV da sua alegação – uma vez que a não aplicação do artigo 17.º do CRP não resulta de qualquer discordância, ou interpretação mais restritiva desse normativo, mas pura e simplesmente, porque o mesmo não é de aplicar à situação dos autos, existindo, na lei civil, norma que tutela a questão substantiva em análise, de acordo com a opção do legislador ordinário, a quem cabe densificar os conceitos em causa. Importa, ainda, lembrar o que acima referimos quanto à ineficácia do acto em relação ao verdadeiro proprietário. Conforme refere Maria Clara Sottomayor, in “Invalidade e registo, A protecção do terceiro adquirente de boa fé”, Almedina, Coimbra, 2010, p. 338 «(…) o fundamento do art. 291.º é a estabilidade dos negócios jurídicos, sofrendo o alienante que deu origem à cadeia de negócios inválidos as consequências de não ter actuado, dentro do prazo de três anos, interpondo a acção de nulidade ou de anulação. A lei faz uma conciliação entre os interesses do verdadeiro proprietário, que pode impor a realidade jurídico-material ao terceiro, durante um prazo de três anos, a contar da data da conclusão do negócio inválido, e os do terceiro sub-adquirente, interessado em salvaguardar a sua aquisição dos efeitos retroactivos da invalidade» Contudo, como refere a Conselheira Clara Sottomayor, no Acórdão do STJ de 19/04/2016, processo n.º 5800/12.6TBOER.L1-A.S1, in www.dgsi.pt: “esta proteção opera apenas quando o verdadeiro titular do direito dá origem à cadeia de negócios que vai culminar com a aquisição onerosa de terceiro adquirente de boa fé. A aquisição a non domino prevista no art. 291.º, n.º 1 do Código Civil não permite que, através da intervenção de um terceiro que obtenha um registo falso ou baseado em títulos falsos, fique sanada a nulidade negocial derivada da cadeia transmissiva assim gerada, pois tal solução seria equivalente a admitir a expropriação do verdadeiro titular que não terá meios para se aperceber da fraude por não ter praticado qualquer negócio jurídico que desse origem à cadeia de negócios inválidos (Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo…ob. cit., p. 481). Sendo assim, dentro da lógica de um registo meramente declarativo, o art. 291.º do Código Civil não protege o terceiro adquirente que beneficia dos requisitos do n.º 1, caso não tenha sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como parte do primeiro negócio inválido. Para funcionar a proteção conferida pelo art. 291.º, a cadeia de negócios inválidos tem que ser iniciada pelo verdadeiro proprietário, não estando abrangida no seu âmbito de aplicação a situação em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro”. Como, enfim, ensinava o Prof. Orlando de Carvalho(18), o artº 291º, do CC, consagra o que (além do efeito automático e do efeito central) apelidou de efeito lateral do registo, no caso tutelando terceiros de boa-fé contra a invocação de invalidades do mesmo. Pressuposto, porém, é que os conflituantes adquiram do mesmo autor ou transmitente. Como corrobora, citando Coviello, “«Quem pretende ser preferido em virtude da transcrição a que procedeu deve encontrar-se em conflito com alguém que adquiriu do mesmo causam dans. Se são diversos os autores, um será proprietário e o outro não. Ora quem não tinha o poder de dispor nada podia transmitir e aquele que com ele contratou nada podia obter, de acordo com o conhecido princípio nemo plus júris transfere potest quam ipse habet. O conflito não poderá então decidir-se com base na prioridade da transcrição, mas segundo a pertença ou não do domínio aos respectivos autores. Quem adquiriu a domino, ainda que não tenha transcrito, é sempre preferido a quem adquire a no domino, se bem que o seu título se torne público.» O que importa, em suma, é realçar que terceiros são apenas os que estão em conflito entre si, o que só se verifica quando o direito de um é posto em causa pelo do outro. Pressupõe isto que o transmitente ou causante é o mesmo, pois, não o sendo, só um dos adquirentes é a domino e o direito do outro, mais do que afectado pelo direito daquele, é afectado pelo não direito do seu tradens.” Ainda na busca da distinção entre as normas do artº 291º, do CC, e do artº 17º, do CRP, refere-se no sumário do Acórdão do STJ, de 05-07-2016(18): “I – O art. 291º do CC refere-se às desconformidade substantivas ao passo que a previsão do art. 17º do CRgP se reporta à invalidade registal. II – A previsão do artº 291º do CC tem como fundamento a estabilidade dos negócios jurídicos, conciliando os interesses do proprietário – que pode impor a realidade jurídico-material a terceiros – e os terceiros de boa fé, que almeja preservar a aquisição face aos efeitos retroactivos da declaração de nulidade. O comando ínsito no artº 17º do CRgP assenta num vício que determina a nulidade do registo, protegendo o terceiro que adquiriu o seu pseudodireito com base num registo desconforme com a realidade substantiva. III – Verificando-se que o registo da presente acção (pela qual se pretende a declaração de nulidade de dois negócios de compra e venda) não precedeu quer o registo da aquisição efectuado pelo réu adquirente quer aquele que foi efectuado pelo réu dele subadquirente e que este comprou o imóvel de boa fé, a aplicação do disposto no artº 17º do CRgP conduziria ao reconhecimento da propriedade ao primeiro réu, o que, tendo em conta que a compra e venda que celebrou veio a ser declarada nula, afrontaria a protecção constitucional desse direito real.” Voltando ao nosso caso. Como resulta dos factos apurados e salientam os apelantes, nem a Etelinda nem os seus herdeiros foram “tidos nem achados” quanto à transmissão do direito de propriedade sobre o seu imóvel urbano inscrito na Matriz sob o artigo 308 e descrito na Conservatória sob o nº 00142/070786 e nesta inscrito a seu favor pela AP. 12 de 07/07/1986. Embora ela tivesse acordado com JJ “trocá-lo” por uma fracção do edifício a lá reconstruir por este, o certo é que tal negócio nunca se concretizou entre eles nem entre quem lhes sucedeu, permanecendo incólume nas inscrições e na esfera jurídica dela e, depois, dos herdeiros, não só a coisa enquanto imóvel urbano mas também a titularidade do direito de propriedade sobre ela, agora integrante do acervo hereditário titulado por estes. Os negócios posteriores, designadamente dos 2ºs réus para os 1ºs réus, ocorreram à revelia daqueles, partiram de uma aparência ou ficção falsamente criada pelos intervenientes na escritura de rectificação e de constituição da propriedade horizontal e através desta, da qual emergiram novas coisas (fracções autónomas) e novos direitos reais (de propriedade sobre aquelas e de compropriedade sobre as partes comuns – artº 1420º, CC) constituídos contrariamente à verdade e titulados por quem realmente os não adquiriu, designadamente da anterior titular Etelinda. Bem assim, com base neles, os registos. Logo, à luz de tudo o exposto(20), nenhuma aquisição procedendo a domino, não podem os “terceiros” pretender beneficiar, por inaplicável a tal situação, do regime protectivo do artº 291º, CC. Assim sendo, como é, permanecendo incólume o direito de propriedade sobre o referido prédio urbano (inscrito na Matriz sob o artº 30X e descrito na Conservatória com o nº 00142), titulado primeiro pela GG e depois pelos seus herdeiros, atento o seu carácter erga omnes impositivo de obrigação passiva universal respeitadora do gozo pleno e exclusivo, pelo proprietário, dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa que lhe pertence (artº 1305º, CC) mas verificando-se que a situação criada se aparta de tal obrigação e ofende tal direito, mormente pela alteração física levada a cabo no imóvel e, sobretudo, pela detenção deste pelo interveniente sem fundamento válido e legítimo algum, há que reconhecer à herança o direito de sobre ele realmente exercer a sequela e preempção características do seu absoluto domínio, devendo ser-lhe restituída, como decorre em geral do artº 1311º e, em especial, dos artºs 2075º, e sgs, CC, por forma a propiciar à sua cabeça de casal (a autora) administrá-lo, nos termos dos artºs 2079º e 2088º, e aos herdeiros dele dispor ou partilhá-lo. De facto, àquela protecção do artº 291º, CC, se tendo limitado as objecções a tal reconhecimento e entrega deduzidas mas sendo a mesma inaplicável ao caso como se viu, as vicissitudes ocorridas que conduziram à posse do bem pelo interveniente são ineficazes em relação ao dominus e não constituem obstáculo nem dificuldade juridicamente atendíveis à reposição da situação ex ante. Aliás, o inquestionado vício originário (nulidade absoluta) já reconhecido na sentença ora impugnada dos actos vertidos na escritura de rectificação e de constituição da propriedade horizontal (e, portanto, deste, enquanto criador das fracções sobre coisa alheia) com a reflexa afectação invalidante dos actos transmissivos subsequentes até à colocação do bem no domínio fáctico do interveniente, impõe a sua declaração (até de carácter oficioso e, para além dos réus participantes, erga omnes) com os normais efeitos restitutivos previstos na lei, nos termos dos artºs 286º e 289º, CC, conforme peticionado, efeitos contra os quais – repete-se – nada mais foi objectado nem procede o do artº 291º. Naturalmente, os registos daqueles actos originários e dos posteriormente lavrados com base neles têm de ser cancelados, nos termos do artº 13º, do Código de Registo Predial. Daí que, na procedência da apelação, deva alterar-se a sentença recorrida e julgar-se procedente a acção e os pedidos formulados. V. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, alteram a decisão recorrida, julgando totalmente procedente, por provada, a acção, e, em consequência: a) Declaram que GG foi, até à sua morte, ocorrida em 29-05-2000, dona, com exclusão de outrem, do prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão, com 36 m2, sito na Rua X, Chaves, inscrito na Matriz sob o artº 30Xº, descrito na CRP sob o nº 00142 e aí inscrito a seu favor pela AP.12; b) Declaram que o prédio identificado na precedente alínea a), em consequência do óbito daquela GG, passou a integrar o património autónomo constituído pela sua herança aberta, ainda ilíquida e indivisa; c) Declaram que a autora AA é herdeira e cabeça de casal da herança referida em b); d) Condenam os demandados a reconhecerem o declarado nas precedentes alíneas a), b) e c) e a respeitarem e a não perturbarem, por qualquer forma, o direito de propriedade da herança sobre tal prédio, conforme alíneas a) e b); e) Declaram a nulidade da escritura de rectificação e de constituição da propriedade horizontal outorgada no Cartório Notarial de Chaves em 06-04-2004, constante do livro para escrituras diversas nº 4XX C, a fls. X, por falsidade das declarações nela prestadas; f) Ordenam, em consequência, o cancelamento dos seguintes registos: - Constituição da propriedade horizontal (Ap.03– F3; Averb. 3) do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001; - Alteração da área e confrontação do lado poente (Ap.03 Av.2) do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001; - Registo das fracções autónomas A a D do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001; - Inscrições, descrições e averbamentos de actos que a partir e com base naquela escritura e nestes registos tenham sido lavrados posteriormente sobre as fracções autónomas constituídas; g) Declaram, em consequência, a nulidade da escritura de compra (pelos 1ºs réus BB) e venda (pelos 2ºs réus CC) outorgada no Cartório Notarial de Montalegre, em 11-07-2005, constante do livro de escrituras diversas nº 9XX-A, a fls. X e ss; h) Declararam, em consequência, a nulidade da escritura de doação (pelos 2ºs réus Manuel Francisco Ribeiro aos 3ºs réus DD outorgada no Cartório Notarial de Valpaços, em 18-05-2005, constante do livro para escrituras diversas nº 1XX-D, a fls. X e ss; i) Declararam, em consequência, a nulidade da escritura de compra e venda outorgada (pelos 1ºs réus BB e marido ao interveniente principal demandado II) no Cartório Notarial de Boticas, em 11-02-2008, constante do Livro 6XX-C, a fls. X; j) Condenam os demandados a reconhecerem o declarado nas alíneas e) a j) e, bem assim, a desocuparem imediatamente o imóvel referido na alínea a) precedente, a desfazerem todas as obras nele efectuadas, repondo-o ao seu anterior estado, e a entregá-lo à autora AA, a fim de esta o poder administrar como cabeça de casal da dita herança. * Custas da acção e da apelação pelos demandados/apelados – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP). * * * Notifique. Guimarães, 16 de Março de 2017 ____________________________________ José Fernando Cardoso Amaral ____________________________________ Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo ____________________________________ Higina Orvalho Castelo ______________________________________________________________________ 1. Adiante alterados. 2. Relatado pelo Consº Garcia Calejo. 3. Estudos Sobre o Novo Processo Civil, página 453. 4. Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª edição, páginas 172 e 173. 5. “O Ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil”, acessível na Internet, através do Google, pesquisando com este título. 6. Transcreve-se tal narrativa, uma vez que ela retrata expressivamente o caso tal como o tribunal a quo o percepcionou e se convenceu. 7. Mais adiante transcreveremos o teor de tal escritura. 8. Volume VI, Coimbra Editora, 1998, páginas 130 a 135 e 146 a 152. 9. Acórdão da Relação do Porto, de 22-10-2013, processo nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/140007" target="_blank">272/12.8TBMGD.P1</a>, relatado pelo Desembargador Fernando Samões: “V - A acção de petição da herança tem como causa de pedir a sucessão mortis causa e a subsequente apropriação por outrem de bem da massa hereditária e como pedidos o reconhecimento judicial da qualidade sucessória de herdeiro – principal – e a restituição desse bem. VI - A acção de reivindicação – acção real por natureza – tem como pedido principal o reconhecimento do direito de propriedade e a consequente restituição da coisa.” 10.Sublinhados nossos. 11.Processo 1509/2007-6, relatado pela então Desembargadora Fernanda Isabel Pereira. 12.Processo 1268/03.6TBSCR.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Garcia Calejo. 13.Processo nº 04A1054, relatado pelo Consº Moreira Alves. 14.Processo nº 3375/09.2TBMTS.P1.S1, reltado pelo Consº Tavares de Paiva. 15.Processo 42/2001.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Garcia Calejo. Sublinhados sempre por nós apostos. 16.Processo nº 5800/12.6TBOER.L1-A.S1, relatado pela Conselheira Maria Clara Sottomayor. 17.Processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/193976" target="_blank">1122/11.8TBBCL.G1</a>, relatado pela Desembargadora Ana Cristina Duarte. 18.“Terceiros para Efeitos de Registo”, in BFDUC, nº 70 (1994), páginas 97 a 106. 19.Processo nº 1171/10.3TBVIS-J.C1.S1-6ª secção, relatado pelo Conselheiro Pinto de Almeida. 20.Que se nos afigura a orientação relativa ao conceito de terceiros e aos problemas de registo e prevalência dos princípios e regras de direito substantivo mais consonante com a emergente do AUJ 3/99 e do recente AUJ 1/2017.
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Os autores AA instauraram, em 10-05-2008, no Tribunal de Chaves, acção declarativa de condenação (então, sumária) contra os réus: 1ºs – BB; 2ºs – CC; 3ºs – DD; 4ºs – EE; e 5ª – FF. Formularam uma dezena de pedidos(1), a saber: “Deve a presente acção proceder por provada e, em consequência: a) Declarar-se que GG foi, até à sua morte, ocorrida em 29/05/2000, dona com exclusão de outrem do prédio urbano identificado nos itens 6 e 7 da petição inicial [desde Janeiro de 1958 inscrito sob o artº 3º da Matriz, composto de casa de rés do chão, com 36 m2, sita na Rua T, Chaves, descrito sob o nº 00, e inscrito a seu favor pela AP.12, condenando-se os réus a isso reconhecer; b) Declarar-se que tal prédio, com o óbito da dita GG, passou a integrar o património autónomo constituído pela herança ilíquida e indivisa aberta pelo seu decesso, condenando-se os réus a isso reconhecer; c) Declarar-se que a autora é herdeira e cabeça de casal na herança aberta por óbito da sua identificada mãe (GG), condenando-se os réus a isso reconhecer; d) Declarar-se a nulidade da escritura de rectificação e constituição da propriedade horizontal outorgada no Cartório Notarial de Chaves em 6 de Abril de 2004, constante do livro para escrituras diversas nº 4, a fls. X; e) Ordenar-se o cancelamento dos seguintes registos: - Constituição da propriedade horizontal (Ap.03; Averb. 3) do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 00 – Valdanta; - Alteração da área e confrontação do lado poente (Ap.03 Av.2) do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 00 – Valdanta; - Registo das fracções A a D do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 00 – Valdanta; f) Declarar-se a nulidade da escritura de compra [pelos 1ºs réus] e venda [pelos 2ºs, àqueles] outorgada no Cartório Notarial de Montalegre, em 11/07/2005, constante do livro de escrituras diversas nº 9, a fls. X e ss; g) Declarar-se a nulidade da escritura de doação [pelos 2ºs réus aos 3ºs réus] outorgada no Cartório Notarial de Valpaços, em 18/05/2005, constante do livro para escrituras diversas nº 1, a fls. X e ss; h) Condenar-se os réus a respeitarem e não perturbarem, por qualquer forma, o direito de propriedade da herança ilíquida aberta por óbito de Etelinda Chaves sobre o prédio referido em a); i) Condenar-se os réus a reconhecerem o peticionado nas alíneas d) a h) e a desfazerem todas as obras efectuadas naquele imóvel (referido em a), repondo-o ao seu anterior estado; j) Condenar-se os réus a desocuparem imediatamente o imóvel, entregando-o à autora, para que, no uso dos poderes conferidos pelo artº 2088º, do CC, o possa administrar.” Alegaram, para tanto, na petição inicial, que, em 29-05-2000, faleceu, sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, GG, casada com HH, no regime da separação de bens. Este, por sua vez, faleceu em 04-03-2001. A autora AA é filha de GG, competindo-lhe o cargo de cabeça de casal da herança deixada por esta, por com ela ter vivido (artº 2080º, CC). Desde Janeiro de 1958, está inscrito na Matriz Predial de Valdanta, Chaves, sob o art. 0,º o prédio composto de casa de habitação, de rés-do-chão, com a superfície coberta de 36 m2, sito na Rua x, que confronta de norte com A, do nascente com P, do sul com caminho público e do poente com J. Tal prédio encontra-se descrito na CR Predial de Chaves, sob o n.º 00. A GG adquiriu-o, por compra, em contrato celebrado por escritura pública de 26-05-1986, a J, estando a propriedade inscrita a seu favor por Ap.12 de 07/07/1986. Desde esta data, a inscrição matricial e a descrição predial permaneceram sem qualquer modificação. Primeiro um e depois outro, foram praticando sobre tal prédio, durante mais de 40 anos seguidos, actos de posse em termos que conduziram também à sua aquisição originária, pela Etelinda, por usucapião. Sucedeu que, no início da última década de 90, GG fez um acordo verbal com JJ, empreiteiro de Valdanta, segundo o qual este se comprometeu a construir, sobre tal prédio, um outro piso, 1º andar, para habitação e aquela, em contrapartida, se comprometeu a, logo que concluída tal construção, ceder a este o rés-do-chão do imóvel. O dito JJ ainda chegou a iniciar as obras, tendo executado a estrutura porticada do 1º andar, em pilares e vigas, o telhado e as paredes exteriores. Porém, abandonou-a de seguida, sem a concluir e sem cumprir o acordo. Em 1997/1998, face a tal abandono, o marido da aqui autora e um seu cunhado, a mando de GG, concluíram a obra: revestiram as paredes exteriores, construíram as paredes interiores, aplicaram a instalação eléctrica e as canalizações, assentaram os mosaicos e as loiças no quarto de banho e colocaram portas e janelas (só faltando as pinturas). Aconteceu, porém, que, nos anos de 2002/2003, contra a vontade dos sucessores de GG (falecida antes, em 29-05-2000) e sem o seu conhecimento nem consentimento (todos ausentes, inclusive no estrangeiro), a porta de entrada do imóvel foi derrubada [não alegam os autores por quem], tendo sido efectuadas obras de remodelação ao nível do rés-do-chão e do 1º andar. Acto contínuo, os 1ºs réus (BB) passaram a utilizar a casa sempre que se deslocam a Portugal, arrogando-se como seus donos, afirmando que compraram o imóvel aos 2ºs réus (CC). Efectivamente, existe uma escritura pública, outorgada em 11-07-2005, no Cartório Notarial de Montalegre, da qual consta que a 1ª ré (BB) adquiriu aos 2ºs réus (CC) uma fracção autónoma para habitação, inscrita na matriz predial da freguesia de Valdanta sob o art. X e descrita na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 19. Contudo, GGs nunca vendera a casa, nem o fizeram os seus sucessores. Jamais qualquer deles teve quaisquer contactos ou conversações com qualquer dos réus, não os conhecendo sequer. Ainda assim, com base naquela escritura naufragou uma acção de reivindicação que, em 2005, os autores haviam intentado contra os 1ºs réus (apesar de nele ter ficado provado que o prédio urbano em causa era propriedade de Etelinda, integrou a sua herança e que a autora é herdeira). Foi então que os autores perceberam o enredo. Com efeito: Os 2ºs réus (CC), em 19-05-1998, registaram a seu favor a aquisição do prédio urbano localizado a nascente da casa de GG, composto de rés-do-chão e 1º andar, com 72 m2, a confrontar do norte e nascente com herdeiros de A, do sul com caminho público, e do poente com J (anterior proprietário da casa de GG), inscrito na matriz predial da freguesia de Valdanta sob o art. X e descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001. Os mesmos 2ºs réus, requereram, junto dos Serviços de Finanças de Chaves, a alteração das confrontações de tal prédio, tendo aí declarado falsamente que, do lado poente, o dito prédio confrontava com AP. Tal declaração visou facilitar, sem intervenção dos sucessores de GG, a alteração da área do prédio dos 2ºs réus – de 72 m2 para 150,2m2 –, área que estes assim lograram averbar no registo predial em 05-07-2004, na sequência de escritura pública de rectificação, outorgada em 06-04-2004, no Cartório Notarial de Chaves, na qual intervierem os anteriores titulares inscritos daquele prédio, ou seja, os 4ºs réus (EE) e a 5ª ré (FF). Nessa mesma escritura, os 2ºs réus constituíram aquele prédio em propriedade horizontal tendo-o dividido em 4 fracções designadas pelas letras A a D, assim identificadas: - Fracção A – rés-do-chão e 1º andar esquerdos {objecto de compra e venda celebrada entre os 1ºs (BB) e 2ºs réus (CC) outorgada no Cartório Notarial de Montalegre em 11-07-2005}; - Fracção B – rés-do-chão centro (registada na Conservatória do Registo Predial a favor dos 2ºs réus sob o n.º 19; - Fracção C – 1º andar centro (registada na Conservatória do Registo Predial a favor dos 2ºs réus sob o n.º 15– C; - Fracção D – rés-do-chão e 1º andar direito (registada na Conservatória a favor dos 3ºs réus sob o n.º 19-D, objecto de escritura de doação, em 18-05-2005, dos 2ºs réus aos 3º s). Assim, na ampliação de área que efectuaram, os 2ºs réus incorporaram, sem o consentimento de GG nem dos seus sucessores, o prédio dela no seu. Tanto que, no local, a área e a implantação da fracção A coincidem com as do prédio de GG. Uma vez citados, contestaram: Os 3ºs réus DD (fls. 106 a 114): -Por excepção de ineptidão da petição inicial, alegando que, mesmo que os autores consigam fazer a prova dos factos que alegam na petição inicial, sempre improcederão os pedidos de declaração de nulidade das escrituras de rectificação e constituição da propriedade horizontal, de compra e venda e de doação que formularam, pois, ainda que as declarações prestadas fossem falsas, tal não integra causa de nulidade dos actos notariais previstas nos art.s 70º e 71º, do Cód. do Notariado. Além disso, deveriam ter os autores alegado que o oficial público que elaborou tais documentos não teve qualquer percepção das declarações documentadas ou que não praticou os actos em causa. Assim, o pedido formulado não tem causa de pedir, havendo contradição entre esta e aquele, sendo inepta a petição, com as devidas consequências. -Por impugnação, dizendo desconhecerem ou ser falsa parte da matéria alegada. Acrescentaram que o acordo verbal aludido pelo autores foi um acordo global celebrado entre JJ (que foi empreiteiro), por um lado, e GG, DD e EE, por outro lado. É que os contestantes eram donos de uma casa de habitação já bastante degradada, contígua aos imóveis de GG e de EE, também estes bastante degradados, sita na rua X, em Valdanta, sobre que exerceram posse conducente à aquisição do respectivo direito de propriedade por usucapião. Naquele contexto de degradação física e estrutural das três casas, foi feito o citado acordo entre todos (GG, DD, EE e JJ), no sentido da reconstrução daquele conjunto habitacional e edificação de um piso superior (1º andar). Como contrapartida, convencionaram, a final, constituir o regime da propriedade horizontal sobre tal prédio reconstruido, do qual resultariam quatro fracções autónomas, comprometendo-se a darem uma ao construtor (correspondente ao actual rés do chão centro) e ficando cada uma das outras três para os primitivos proprietários em correspondência com a casa que cada um deles já possuía. Uma vez que Etelinda vivia em França e os contestantes no Algarve, ficou o réu EE encarregado de tratar das formalidades respeitantes ao negócio (constituição da propriedade horizontal e outras) de forma a que cada um dos primitivos proprietários ficasse dono da fracção autónoma correspondente sensivelmente ao prédio que cada um deles possuía anteriormente. Porém, o mencionado JJ não terminou a obra constante do aludido acordo. Por isso, cada um dos proprietários terminou, por sua conta, as obras correspondente às fracções que lhes ficariam a pertencer. Os réus DD viram os seus interesses salvaguardados uma vez que os 2ºs réus CC lhes transmitiram a fracção autónoma [fracção D, por doação, segundo os autores e documentos por estes juntos] sua pertença (que adquiriram [?] aos réus EE), daí resultando o efeito convencionado de caber a cada um de direito aquilo que de facto já lhes cabia. Porém, no que respeita à fracção autónoma correspondente ao imóvel de GG, os 4ºs réus EE [?] venderam-na aos 2ºs réus CC (seu genro e filha) que posteriormente a vendeu aos 1ºs réus BB, ao invés de a terem transmitido aos herdeiros da dita GG [tratar-se-ia da fracção A, porém só como tal constituída pelos 2ºs réus…]. Todo o negócio acordado estaria perfeito, não fora o facto de a fracção autónoma que hoje pertence aos 1ºs réus BB não ter sido transmitida aos autores [herança da GG]. No entanto, os réus BB, desconheciam o acordo descrito, pelo que, como terceiros de boa-fé que são para efeitos de registo, não podem deixar de ter a sua situação acautelada. Sendo forçoso concluir pela validade dos negócios celebrados pelas escrituras juntas aos autos. Pugnam pela procedência da excepção e a consequente absolvição da instância, ou, caso assim não se entenda, pela improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.* A 5ª ré FF (fls. 160 a 163), afirmando não saber por que é demandada, pois não é nem nunca foi herdeira de GG e marido, nunca esteve na posse de qualquer bem que tivesse sido da sua propriedade, não é referida na petição inicial nem contra si foi formulado qualquer pedido. Apenas consta como tendo assinado a escritura de 06-04-2004 (de rectificação e constituição da propriedade horizontal), acto de que nada recorda, estando à data muito abalada com a morte do marido. É verdade que o prédio em causa abrange hoje o espaço antes ocupado por uma casa que ela e seu cônjuge tinham comprado, há mais de 30 anos, a Maria e que muito mais tarde “entregou” por permuta a um construtor (JJ, já falecido), que lhe construiu uma outra habitação, de rés-do-chão [o que resulta do registo – fls. 43 – e da escritura – fls. 51 – é que, ela e marido, venderam tal casa ao réu EE!], a poucos metros do local, num terreno sua pertença. Tudo se passou dentro da legalidade e de boa-fé, ignorando qualquer problema. Os 2ºs réus CC e os 4ºs réus DD (fls. 167 a 173). -Por excepção de ineptidão (nos mesmos termos dos 3ºs réus); -Por impugnação alegando desconhecer ou serem falsos alguns dos factos e acrescentando que, no início do mês de Junho de 1988, o 2º réu CC leu, no semanário “Noticias de Chaves”, um anúncio em que se publicitava a venda, próximo da cidade, de um café, minimercado com armazém, salão de jogos e terreno anexo. Sabendo do interesse dos seus sogros (4ºs réus EE) em adquirir coisa do género, deu-lhes conhecimento do anúncio. Estes, telefonaram para o número indicado e falaram com R (genro de JJ), ficando combinada uma visita ao prédio. Após esta, JJ e EE outorgaram um contrato promessa de compra e venda no dia 09-06-1988, do qual constavam “…cinco fracções autónomas comerciais e de 117 m2 de terreno localizado nas traseiras da mesma, sitas na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, compostas respectivamente por: um armazém de arrumos, um minimercado, um salão de jogos, um café e ampliação do mesmo…”. Como complemento do contrato promessa e como forma de salvaguardar o compromisso assumido entre aquele João de Matos Barreira e o 3º réu DD [não esclarecem os contestantes a origem de tal compromisso nem os detalhes do mesmo], os outorgantes [JJ e EE] celebraram entre si um acordo verbal no qual o réu EE se comprometia a celebrar, após a conclusão das obras interiores e legalização de todo o imóvel, uma escritura de doação da actual fracção “D” do prédio em causa àquele Eusébio. Celebrado o contrato promessa, através deste os 4ºs réus EE, de imediato tomaram posse do imóvel e iniciaram as obras interiores com vista à divisão de todo o imóvel e posterior fraccionamento. E mudaram-se para o imóvel adquirido e, em 01-10-1988, em nome da ré EE (4ª ré), iniciaram a actividade comercial de café, bar e minimercado, mantida até 30-09-1991. Decorrido algum tempo, os 4ºs réus EE, com o objectivo de celebrarem a escritura pública de compra e venda do imóvel e negócio em causa, procuraram o JJ, vindo a saber que este se encontrava bastante doente. Nessa altura, tomaram os mesmos 4ºs réus conhecimento do acordo de permuta celebrado entre XX e mulher que consistia na permuta da casa onde vivia o casal, e onde o construtor civil JJ veio a edificar o imóvel objecto da presente acção, pela construção de uma outra habitação de rés-do-chão, num terreno propriedade daqueles. Entretanto, faleceu o JJ. Sabendo do óbito, os 4ºs réus EE procuraram os mencionados XX e mulher que lhes confirmaram o acordo que tinham celebrado. Estes, impossibilitados de terem outorgado em vida do JJ a escritura de permuta com este acordada, e conhecedores da venda efectuada pelo JJ do imóvel que este construíra e do negócio de minimercado, café e salão de jogos, que lá instalara, aos réus EE, outorgaram com estes a escritura pública de compra e venda em 26-09-1996 (fls. 185 e 186), regularizando, assim, o negócio entre eles e cumprindo formalmente a sua quota-parte em tal acordo. Em 30-07-1998 (fls. 189 a 192), os 4ºs réus EE venderam aos 2ºs réus CC o prédio objecto da presente acção, sendo que estes já viviam na casa em questão com aqueles (seus sogros e pais), mesmo antes de efectuarem a aquisição da mesma por escritura pública de compra e venda. Empenhados em concluir o processo de legalização do imóvel, requereram à Câmara o processo de obras, apercebendo-se então os 2º réus (CC) que, nos documentos do prédio, não constava a área correta e, com o objectivo de rectificar a situação descrita eles, juntamente com os anteriores 4ºs réus (EE) e a 5ª ré FF, celebraram em 06-04-2004 escritura pública de rectificação e constituição da propriedade horizontal (fls. 197 a 202). Concluído todo o processo de remodelação e legalização do imóvel, designadamente a constituição da propriedade horizontal, os réus e proprietários BB celebraram em 18-05-2005 (fls. 204 a 206) escritura de doação da fracção autónoma designada pela letra “D” a favor dos 3ºs réus (EE), cumprindo assim o compromisso verbal assumido entre o JJ e o réu EE. Por sua vez, em 11-07-2005 (fls. 207 a 210), os 2ºs réus CC venderam aos 1ºs réus BB a fracção autónoma designada pela letra “A”. Ficaram os 2ºs réus com as fracções “B” e “C”. Os 1ºs réus, apesar de citados (fls. 218), não contestaram. Entretanto, por requerimento de fls. 222 e 223, os autores deduziram incidente de intervenção principal provocada de II. Alegaram, em seu fundamento, que, quando se preparavam para proceder ao ordenado registo da acção, constataram que os 1ºs réus (BB) haviam declarado vender a esse chamado, que por sua vez declarou comprar-lhes, por escritura pública outorgada em 11-02-2008, a fracção autónoma A, descrita na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 19-A, aquisição que aquele registou a seu favor por Ap.7 de 20. Pediram que se declare nula e de nenhum efeito esta escritura e se ordene o cancelamento deste registo. Nada tendo oposto a parte contrária, por decisão de 30-04-2009 foi admitida intervenção requerida e ordenada a citação do chamado para os termos dos presentes autos, depois de junta, conforme ordenado, nova petição corrigida com a reformulação do pedido de acordo com o requerido incidente de intervenção, e que passou a ser o seguinte: “Deve a presente acção proceder por provada e, em consequência: a) Declarar-se que GG foi, até à sua morte, ocorrida em 29/05/2000, dona com exclusão de outrem do prédio urbano identificado nos itens 6 e 7 da petição inicial [desde Janeiro de 1958 inscrito sob o artº 308º da Matriz, composto de casa de rés do chão, com 36 m2, sita na Rua X, Valdanta, descrito sob o nº 0016 e inscrito a seu favor pela AP.12], condenando-se os réus a isso reconhecer; b) Declarar-se que tal prédio, com o óbito da dita GG, passou a integrar o património autónomo constituído pela herança ilíquida e indivisa aberta pelo seu decesso, condenando-se os réus a isso reconhecer; c) Declarar-se que a autora é herdeira e cabeça de casal na herança aberta por óbito da sua identificada mãe (GG), condenando-se os réus a isso reconhecer; d) Declarar-se a nulidade da escritura de rectificação e constituição da propriedade horizontal outorgada no Cartório Notarial de Chaves em 6 de Abril de 2004, constante do livro para escrituras diversas nº 4-C, a fls. X; e) Ordenar-se o cancelamento dos seguintes registos: - Constituição da propriedade horizontal (Ap.03 Aveb. 3) do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001 – Valdanta; - Alteração da área e confrontação do lado poente (Ap.03 Av.2) do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001 – Valdanta; - Registo das fracções A a D do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001– Valdanta; f) Declarar-se a nulidade da escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Montalegre, em 11/07/2005, constante do livro de escrituras diversas nº 9A, a fls. X e ss; g) Declarar-se a nulidade da escritura de doação outorgada no Cartório Notarial de Valpaços, em 18/05/2005, constante do livro para escrituras diversas nº 1D, a fls. X e ss; h) Declarar-se a nulidade da escritura de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Boticas, em 11-02-2008, constante do Livro 69-C, a fls. 78, a que se alude no incidente de intervenção principal provocada doutamente admitido; i) Condenar-se os réus e o interveniente II a respeitarem e não perturbarem, por qualquer forma, o direito de propriedade da herança ilíquida aberta por óbito de GG sobre o prédio referido em a); j) Condenar-se os réus e o interveniente II a reconhecerem o peticionado nas alíneas d) a i) e a desfazerem todas as obras efectuadas naquele imóvel (referido em a), repondo-o ao seu anterior estado; k) Condenar-se os réus e o interveniente II a desocuparem imediatamente o imóvel, entregando-o à autora, para que, no uso dos poderes conferidos pelo artº 2088º, do CC, o possa administrar.“ O chamado II interveio nos autos e contestou (fls. 311e 312), excepcionando a inoponibilidade, a si e aos 1ºs réus, da nulidade da referida escritura (venda, em 11-07-2005, pelos 2ºs réus aos 1ºs), nos termos do artº 291º, CC, uma vez que, apesar de a acção ter sido intentada dentro do prazo de 3 anos subsequente ao negócio, o seu registo não foi feito no mesmo prazo, sendo certo que os 1ºs réus compraram a fracção convencidos que ela era propriedade dos vendedores, agindo de boa-fé (salientando que, aliás, os autores não alegaram a má fé). A esta contestação responderam os autores (fls. 319 a 321), pugnando pela improcedência da excepção, argumentando que o registo não dá a titularidade dos bens, apenas lhes dá publicidade mas não sana vícios, sendo que a presunção de titularidade derivada do registo é uma presunção ilidível. No caso, o artigo matricial constante da escritura pública de aquisição outorgada pelo interveniente II e pelos seus pais BB e do subsequente registo a seu favor, mais não é do que mera ficção, uma vez que ao prédio corresponde, há décadas, outro artigo matricial e outra inscrição registral. O artigo 892º, do Cód. Civil, consagra a nulidade da venda de bens alheios e somente a inoponibilidade dessa nulidade ao comprador de boa- fé por parte do vendedor. A falecida Etelinda ou os seus herdeiros nunca venderam o seu prédio aos réus, pelo que não lhes é vedado invocar a nulidade dos negócios jurídicos em que não participaram e que os afectam. Acrescentaram que o regime do artº 291º, CC, se aplica apenas aos casos em que o dono do imóvel o vende em duas ocasiões a duas pessoas distintas. A moratória do nº 2 aplica-se somente em relação a casos em que o imóvel transmitido se não encontra inscrito no registo a favor do transmitente, sendo despiciendo alegar que já passaram 3 anos sobre a conclusão do negócio porque o sub judice não cai no âmbito dessa previsão. A boa-fé do interveniente é irrelevante para o caso, pois, não tendo decorrido o prazo de que a lei faz depender a sua aquisição originária por usucapião, tal boa-fé só releva no âmbito do direito de regresso contra seus pais (1ºs réus), já que estes, aquando da venda ao filho, não podiam desconhecer a factualidade a que se reportam os autos, uma vez que haviam sido réus na alegada acção anterior, cuja sentença está junta. Ainda assim, ao não alegar (o interveniente) desconhecer a matéria vertida na petição inicial não demonstra a sua alegada boa-fé. Responderam também (fls. 327 a 329) à contestação dos réus DDr, alegando que nos autos não estão em causa e nem sequer são alegados vícios formais referidos no Código do Notariado. Em causa estão vícios que afectam o conteúdo substancial dos negócios, que determinam a sua invalidade, pois alterar falsamente a área de um imóvel para mais do dobro, de modo a nele incorporar o prédio vizinho alheio e assim constituir o conjunto ilegalmente formado em regime de propriedade horizontal, sem ter sido adquirido aquele prédio vizinho e, sendo tudo feito, sem o conhecimento e contra a vontade da sua legitima dona, é praticar um acto contrário à lei e consequentemente nulo. Responderam ainda à contestação da ré FF, alegando que a legitimidade dela resulta do facto de ter vendido ao réu Ernesto o prédio urbano inscrito sob o art. 4xº da freguesia de Valdanta, o que contribuiu para a falsidade que se veio a verificar. Responderam, por fim, à contestação dos réus CC e Outros, reiterando o que disseram quanto à dos réus DD, impugnando a sua versão e dizendo que nunca souberam dos documentos por eles juntos. Foi junto documento comprovativo de a acção ter sido registada provisoriamente (natureza e dúvidas) por AP. 1X, de 2012. Em despacho de 22-11-2012 foi julgada improcedente a excepção da ineptidão da petição inicial mas convidados os autores a aperfeiçoarem os pedidos d), f) e g). Os autores, em requerimento (fls. 357 e 358) expuseram que não está em causa qualquer nulidade das previstas no Código de Notariado mas, para alegadamente clarificar e precisar os pedidos efectuados, requereram nova alteração deles nos seguintes termos: “Deve a presente acção proceder por provada e, em consequência: a) Declarar-se que GG foi, até à sua morte, ocorrida em 29/05/2000, dona com exclusão de outrem do prédio urbano identificado nos itens 6 e 7 da petição inicial [desde Janeiro de 1958 inscrito sob o artº 30Xº da Matriz, composto de casa de rés do chão, com 36 m2, sita na Rua X, Valdanta, descrito sob o nº 001 e inscrito a seu favor pela AP.12], condenando-se os réus a isso reconhecer; b) Declarar-se que tal prédio, com o óbito da dita GG, passou a integrar o património autónomo constituído pela herança ilíquida e indivisa aberta pelo seu decesso, condenando-se os réus a isso reconhecer; c) Declarar-se que a autora é herdeira e cabeça de casal na herança aberta por óbito da sua identificada mãe (Etelinda), condenando-se os réus a isso reconhecer; d) Declarar-se a nulidade da escritura de rectificação e constituição da propriedade horizontal outorgada no Cartório Notarial de Chaves em 6 de Abril de 2004, constante do livro para escrituras diversas nº 4X, a fls. X, por serem falsas as declarações nela incorporadas; e) Ordenar-se, em consequência, o cancelamento dos seguintes registos: - Constituição da propriedade horizontal (Ap.03– F3; Aveb. 3) do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001 – Valdanta; - Alteração da área e confrontação do lado poente (Ap.03, Av.2) do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001– Valdanta; - Registo das fracções A a D do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001 – Valdanta; -Ordenando-se, ainda, o cancelamento de todos os averbamentos, inscrições ou descrições que tenham sido lavrados após a outorga das escrituras referidas neste pedido. f) Declarar-se, reflexamente, a nulidade da escritura de compra [pelos 1ºs réus] e venda [pelos 2ºs réus] outorgada no Cartório Notarial de Montalegre, em 11/07/2005, constante do livro de escrituras diversas nº 9X-A, a fls. X e ss; g) Declarar-se, reflexamente, a nulidade da escritura de doação [pelos 2ºs réus aos 3ºs réus] outorgada no Cartório Notarial de Valpaços, em 18/05/2005, constante do livro para escrituras diversas nº 1X-D, a fls. X e ss; h) Declarar-se, reflexamente, a nulidade da escritura de compra e venda outorgada [pelos 1ºs réus ao interveniente] no Cartório Notarial de Boticas, em 11-02-2008, constante do Livro 6X-C, a fls. 78, a que se alude no incidente de intervenção principal provocada doutamente admitido; i) Condenar-se os réus e o interveniente II a respeitarem e não perturbarem, por qualquer forma, o direito de propriedade da herança ilíquida aberta por óbito de GG sobre o prédio referido em a); j) Condenar-se os réus e o interveniente II a reconhecerem o peticionado nas alíneas d) a i) e a desfazerem todas as obras efectuadas naquele imóvel (referido em a) do pedido), repondo-o ao seu anterior estado; k) Condenar-se os réus e o interveniente II a desocuparem imediatamente o imóvel, entregando-o à autora, para que, no uso dos poderes conferidos pelo artº 2088º, do CC, o possa administrar.” Os 3ºs réus DD, a propósito de exercerem o contraditório, alegaram em requerimento (fls. 363), que se mantém a falta de causa de pedir quanto aos actos notariais, reiterando a excepção de ineptidão da petição inicial [que já fora decidida!] e pedindo a sua absolvição da instância. A pretexto da “simplicidade da causa”, foi dispensada a audiência preliminar. No saneador subsequente, tabelar quanto ao mais, retomou-se a questão da ineptidão e decidiu-se, de novo, indeferi-la. Reparando-se, então, que parte dos factos impugnados apenas poderiam ser provados por documentos autênticos (e não cópias), ordenou-se a notificação dos autores para os juntarem. Os autores informaram que já são certidões parte dos documentos juntos, e juntaram outros. Em novo despacho, ordenou-se perícia para determinação do valor da acção e a junção de outros documentos em falta. Feita a perícia, fixou-se em 33.000,00€ o valor da causa. Reparou-se, então, que, em consequência, há “erro na forma de processo” e determinou-se a correcção da acção sumária para ordinária. Noticiou-se, depois, nos autos, o óbito do réu Eusébio. Por sentença de 24-11-2014, com base na habilitação notarial, foram julgados habilitados, para nestes autos prosseguirem em lugar do falecido como seus herdeiros e sucessores, a viúva e ré DD e os dois filhos H e C. Foi exarado despacho a fixar como objecto do litígio a “titularidade do imóvel”, a elencar os factos já provados e a enumerar os ainda carentes de prova (fls. 497 a 502). Apreciados os requerimentos probatórios, designou-se data para a audiência de julgamento, que veio a realizar-se, nos termos e com as formalidades descritas nas actas respectivas (fls. 537 e 538 e 545 e 546). Finalmente, com data de 30-06-2016 (fls. 547 a 567), foi proferida a sentença, que culminou na seguinte decisão: “Por tudo quanto foi dito julgo a presente acção que AA instauraram contra BB. CC. DD, EE, FF, , improcedente por não provada e, em consequência, absolvo os réus dos pedidos. Custas pelos autores – cfr. art. 527º, n.º1, do Cód. Proc. Civil. Registe e notifique.” Os autores não se conformaram e interpuseram recurso para esta Relação (fls. 572 a 577), alegando e concluindo: “ 1. Os Recorrentes consideram que foi incorretamente julgado unicamente o seguinte ponto da matéria de facto: Ponto n.º 43: Os réus BB desconheciam todos os “negócios” feitos pelos réus EE e CC. No entendimento dos Autores deverá a formulação daquele ponto da matéria de facto ser substituída por: “Os Réus BB sabiam que o prédio que negociaram com o réu EE estava inscrito na matriz de Valdanta sob o artigo 30Xº e que pertencia aos herdeiros de GG”. São as seguintes as provas que impõem decisão diversa da recorrida: 2. Desde logo os documentos juntos aos autos pelo próprio BB, em 03/12/2014, na qualidade de representante e procurador de seu filho, II, documentos que por não terem sido inicialmente admitidos foram novamente juntos pelo seu identificado filho, em 23/03/2015, donde se alcança que, afinal, os réus BB sabiam bem que o imóvel que pretendiam adquirir era o inscrito sob o artigo 30Xº urbano de Valdanta e da ligação deste prédio aos herdeiros de GG. 3. Com efeito, o contrato promessa de compra e venda celebrado pelos réus EE e BB reporta-se ao dito artigo 30Xº pertencente a GG e a ligação deste imóvel aos seus herdeiros é claramente atestada pela declaração subscrita por Maria. De resto, a páginas 31 da sentença consigna-se que o BB tinha perfeita consciência que o imóvel que adquiriu correspondia ao artigo 30Xº, tendo-lhe sido exibida pelo vendedor uma declaração emitida por uma senhora que se apresentava como procuradora de GG. 4. O próprio BB, ouvido em depoimento de parte na sessão de julgamento de 16/11/2015, de minutos 12:28:18 a minutos 12:41:40, portanto durante 13:22 minutos, refere que foi com o réu Ernesto que fez o negócio (de 00:58 a 01:01), que foi baseado na declaração assinada pela Maria que fez o negócio e que se não fosse aquela declaração automaticamente não teria comprado (05:40 a 05:43). Inquirido se sabia que estava a comprar o artigo 308º refere claramente que sim e que está escrito (06:00 a 06:08). 5. Por outro lado, referiu este réu que não conhecia a subscritora da declaração que no seu próprio dizer foi fundamental para ele concluir o negócio, começando o seu depoimento por auto-afirmar que estava de boa fé. Ora, aquando da celebração da escritura pública de aquisição, não podem os Réus BB ignorar que não estavam a adquirir o falado artigo 308º nem os herdeiros de GG ou quem os representasse estavam a ter ou sequer tinham tido qualquer intervenção no negócio. 6. Ressaltando que estes réus se servem de uma declaração assinada por uma estranha, papel esse sem qualquer credibilidade e que podia muito bem ter sido forjado, para tentarem “lavar as mãos como Pilatos” e provar a sua autoproclamada “boa fé”. Daí que se discorde frontalmente que se considere que os réus António Fernandes Marques e mulher estavam de boa fé por alegadamente desconhecerem a situação criada pelos réus Ernesto e Manuel Francisco, conforme se considerou provado na douta sentença proferida. Isto posto, 7. Na sentença recorrida considerou-se, a nosso ver bem, a escritura de constituição de propriedade horizontal nula por ter incidido sobre bens alheios, designadamente o prédio inscrito sob o artigo 308º pertencente a GG. 8. Refere-se expressamente na sentença ser ponto assente que “os réus CC venderam aos réus BB uma fracção que não lhes pertencia, pelo que o negócio outorgado se encontra ferido de nulidade, por força do disposto no art. 89Xº, do Código Civil, com o que se concorda plenamente. 9. Porém, a ação veio a “naufragar perto da praia” porque os réus BB estarão alegadamente protegidos pela boa fé registral conferida pelos artigos 291º, n.º 1, do Código Civil e 17º do Código de Registo Predial, uma vez que o registo da aquisição destes réus ocorreu mais de 3 anos antes do registo da presente ação. 10. Já alegaram os aqui recorrentes que os réus BB não estão de boa fé e, como tal, nunca poderiam beneficiar do regime a que se reportam aquelas disposições legais. 11. Não obstante, no caso vertente, a aplicação daquele normativo legal não pode vingar porquanto toda a situação registral criada pelos réus não passa de uma ficção construída em factos falsos. 12. O thema decidendum, apesar de alguma complexidade factual, reconduz-se à simplicidade e singeleza de se averiguar se a inscrição matricial verdadeira (artigo 30Xº urbano de Valdanta) e a inscrição no registo predial verdadeira (Inscrição 001, apresentação 12 cota G-1), que permanecem desde há décadas vigentes, inalteradas e por beliscar, baseadas em factos verdadeiros e numa aquisição verdadeira (compra a JM) devem ceder perante falsificações recentes, efetuadas por quem nunca foi titular do imóvel em causa nem titular inscrito do correspondente registo. Dito de outro modo: uma inscrição predial verdadeira com 30 anos, que não foi nunca cancelada e permanece em vigor, deve capitular perante uma inscrição predial falsa só porque esta conseguiu perfazer 3 anos até ao registo da ação que visou atacá-la? 13. Sendo verdade que o registo da ação demorou mais de 3 anos a ser feito, verdade é também que os autores batalham nos tribunais desde 2005 para “desmascarar toda esta tramóia que visa legalizar a usurpação de um prédio que lhes pertence”. É que todo este enredo demorou bastante tempo a averiguar e a descobrir em toda a sua plenitude de negócios, actos e intervenientes. 14. Porém, a pedir o cancelamento do registo predial de aquisição efetuado a favor de GG há bem mais de 3 anos (cerca de 30 anos) não há nem nunca houve nenhuma ação, sendo, por conseguinte, e sem necessidade de grandes construções jurídicas, de muito difícil compreensão a sentença proferida. 15. Ora, a nulidade que resulta da venda de coisa alheia apenas se aplica na relação entre alienante e adquirente, e não no que se reporta ao dono daquela, perante o qual a mesma é ineficaz. Sendo tal venda insusceptível de, mesmo sem ter que discutir a validade do contrato translativo, produzir efeitos sobre o património do dono verdadeiro, por não poder actuar-se, juridicamente, desta forma, a transferência do seu direito real. 16. Sendo ineficaz em relação ao dono da coisa (a venda, em relação a ele, é res inter alios acta), este poderá reivindicar a coisa, directamente do comprador, demonstrando simplesmente que não consentiu a venda e sem necessidade sequer de promover a prévia declaração judicial de nulidade do respectivo contrato. 17. Sendo o negócio ineficaz em relação ao proprietário, redunda completamente irrelevante a invocação do disposto nos arts. 291.º do CC e 17.º, n.º 2, do CRgP. 18. Em suma, no caso vertente temos que os réus EE e a filha e genro destes, os também réus CC, fabricaram um registo falso, tendo procedido a uma alienação a terceiros baseada nessa ficção matricial e de registo, não podendo, obviamente, esta tramóia prevalecer sobre a inscrição de registo verdadeira (com correspondente inscrição matricial vigente desde 1958 até à atualidade) nem justificar que os verdadeiros proprietários do bem dele sejam, desta forma iníqua e saloia, espoliados. Tudo com base numa alteração de área falsa que visou nada mais do que operar a anexação de três prédios através da aquisição válida de somente um deles e da usurpação de outros dois prédios vizinhos. A sentença recorrida violou o disposto no artigo 291º do Código Civil e 17º do Código do Registo Predial. Termos em que na procedência desta apelação e na revogação da sentença proferida e sua substituição por acordão que decrete a total procedência da ação se fará a costumada JUSTIÇA.“ Os 2ºs e 4ºs réus, em contra-alegações, concluíram: “1. O recurso ora apresentado é desnecessário e completamente escusado, pois decidiu bem a Meritíssima Juiz. 2. A única questão que importava verdadeiramente resolver era a de saber se os direitos dos réus BB estavam protegidos, vindo-se a confirmar que sim, tendo em conta a fé pública registral. 3. Pois para além de desconhecerem qualquer negócio anterior àquele que celebraram com os réus CC, registaram a sua aquisição há mais de três anos a contar da data de registo da ação de nulidade. 4. Além disso, antes da escritura pública de aquisição os RR. procederam à averiguação do registo da fração autónoma, com a letra A, correspondente a habitação de rés-do-chão e primeiro andar esquerdo, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, situado na freguesia de Valdanta, Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 19X e com a matriz predial n.º 99X, e verificaram que estava registado a favor dos RR. CC, pela inscrição G3 (PM), em propriedade horizontal, mediante a inscrição F3. 5. Pelo que nunca negociaram com o Réu EE, uma vez que o registo não estava feito a seu favor. 6. E estranham os RR. que só agora tenha surgido esta ação de nulidade pois se já há mais de 10 anos que os AA. consideravam nulos os negócios, não entendem a razão por de só agora virem invocar esse direito e querer fazer cair por terra um registo feito pelos RR. dentro da normalidade. Assim, 7. O artigo 17.º do CRgP trata da nulidade registral e estabelece que, desde que o registo do ato seja feito antes do registo da ação de nulidade, a declaração de invalidade do negócio não destrói ou afasta os direitos que o terceiro de boa fé adquiriu, neste caso, através de um contrato de compra e venda. 8. Aliado ao artigo 291.º do CC, que também prevê a protecção dos direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da ação de nulidade. 9. A culminar no facto de se questionar a seriedade e bom-senso dos RR. pois se estes não confiassem no registo público, significaria que todo o sistema de registo estaria viciado e impediria a normalidade das pessoas de realizarem negócios, sempre com receio de virem a ter complicações no futuro. 10. Daí que não se possa atribuir responsabilidades aos RR. BB, mantendo-se a verdade de que eles DESCONHECIAM os negócios realizados anteriormente sobre aquele prédio, acrescentando-se o facto de terem sido diligentes ao verificar a favor de quem estava inscrito o prédio antes de celebrarem o negócio e só depois disso, procederam à aquisição do prédio. Nestes termos esperam os Réus que os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães mantenham a sentença proferida, nos precisos termos. “ O chamado/interveniente II, nas contra-alegações, disse que o recurso não contém conclusões, uma vez que os recorrentes se limitaram a repetir, até no número, o texto alegatório e que, por isso, o recurso não deve ser recebido. À cautela pronunciaram-se sobre o mesmo e concluíram deste modo: “Era aos AA. que competia alegar e provar factos que demonstrassem que a BB e o aqui apelado agiram de má fé quando compraram a fracção objecto da acção, para poderem pedir a nulidade da compra e venda, nos termos do nº 1 do artigo 291º do Código Civil. Os AA., apelantes, todavia não fizeram nem uma coisa nem outra. A aliás douta sentença recorrida fez uma correcta interpretação e aplicação, quer do artigo 291º do Código Civil quer do artigo 17º, nº 2 do Código do Registo Predial. Não enferma, por isso a douta sentença de qualquer vício. Termos em que e nos mais julgados aplicáveis deve a douta sentença recorrida manter-se com o que farão Vªs. Exªs merecida JUSTIÇA!” Por sua vez, a ré habilitada rematou a sua resposta dizendo “não se vislumbra que a sentença recorrida tenha violado o disposto ao artigo 291º do CC ou o previsto no artigo 17º do Código do Registo Predial; ao invés é adequado e correcto o enquadramento jurídico da factualidade dada como provada. Pelo que não merecendo a sentença recorrida mínima censura, deve ser integralmente mantida, julgando-se improcedente a apelação, o que se requer a V.ªs Ex.ª.s.” Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo (fls. 1585 do ficheiro informático do processo). Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta. II. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC. No caso, importa apreciar e decidir: a) Questão prévia: falta de conclusões. b) Matéria de facto: alteração da decisão quanto ao ponto provado 43. c) Matéria de direito: consequências das nulidades e inaplicabilidade ao caso do regime do artº 291º, do CC. d) Ineficácia dos actos em causa em relação à de cujus e à herança. III. QUESTÃO PRÉVIA Sob a epígrafe “Ónus de alegar e formular conclusões”, dispõe o nº 1, do artº 639º, CPC, que “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Como a tal propósito se refere no Acórdão do STJ, de 18-06-2013(2) : “I - O recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida). II - Essas conclusões devem ser idóneas para delimitar de forma clara, inteligível e concludente o objecto do recurso, permitindo apreender as questões de facto ou de direito que o recorrente pretende suscitar na impugnação que deduz e que o tribunal superior cumpre solucionar. III - Não devem valer como conclusões arrazoadas longas e confusas em que se não discriminam com facilidade as questões invocadas.” No dever de concluir com clareza, precisão e objectividade se precipitam princípios gerais do processo civil (celeridade, agilização, simplificação, necessidade, cooperação, economia, utilidade e adequação que o legislador ergueu como pilares do novo Código, apelando a uma “nova cultura judiciária”, “desincentivando a inútil prolixidade” e a “artificiosa complexização da matéria litigiosa” com a “injustificável prolixidade das peças processuais produzidas, totalmente inadequadas à real complexidade da matéria do pleito” (cfr. Exposição de Motivos da Proposta nº 113/XII/2ª subjacente à Lei 41/2013, de 26 de Junho). Na verdade, como refere M. Teixeira de Sousa(3), sendo o recurso um meio específico de impugnar uma decisão judicial, de provocar a reapreciação das questões já decididas pelo tribunal recorrido e de obter a sua alteração, o seu objecto “é constituído por um pedido e um fundamento, sendo que o pedido consistirá normalmente na pretensão de se ver revogada a decisão impugnada, enquanto o fundamento, na invocação de um vício no procedimento (error in procedendo) ou no julgamento (error in judicando)”. Na síntese de Amâncio Ferreira, “expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razoes de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão”. (4) Tal é a importância jurídica e prática das conclusões que deve ser logo liminarmente indeferido o recurso em cujas alegações elas se não contenham ou não ser conhecido aquele em que se não corrijam as suas irregularidades – artºs 641º, nº 2, b), e 639º, nº 3. O ónus de formular conclusões não constitui, portanto, letra morta, nem deve ser ignorado, iludido ou defraudado, sobretudo perante tribunais superiores. Nem destes se deve esperar indulgência – já que tal virtude não é critério do seu juízo – face ao modo como as partes, sujeitas ao princípio da auto-responsabilidade, o cumprem (tanto mais que representadas por advogado tecnicamente sabedor e preparado cujo patrocínio obrigatório se funda legitimamente na necessidade de conhecer e observar, com diligência regras do direito adjectivo, que as partes não dominam). O cumprimento rigoroso do ónus constitui, pois, não só garantia para a parte de que todas as questões assim bem expostas, mas não mais que essas, serão facilmente percebidas, totalmente apreciadas e eficientemente decididas como também condição de melhor e mais eficaz (logo, justo) desempenho pelo tribunal da sua tarefa cometida pelo nº 2, do artº 609º (fixação das questões a resolver). Bem assim, do esclarecido, pleno e eficaz exercício do contraditório pela parte contrária. Ao próprio tribunal superior, aliás, se impõe que, no julgamento, como refere o artº 659º, nº 2, CPC, o relator faça “sucinta apresentação” do projecto de acórdão para votação e que este, nos termos do artº 663º, nº 2, príncipe pelo relatório em que “se enunciem sucintamente as questões a decidir no recurso”. Não se percebe, pois, a dificuldade, porventura a resiliência, que a prática mostra e a jurisprudência comprova existirem neste domínio, dando azo a indesejáveis querelas processuais. Sobre isso observa e verbera pertinentemente, João Aveiro Pereira(5) “Uma prática usual é a reprodução informática do corpo das alegações na área do documento que deveria ser preenchida com as conclusões. Sob esta epígrafe duplica-se e repisa-se o texto expositivo, sem se apresentarem verdadeiras conclusões. A adopção deste desembaraço, do ponto de vista da advocacia, pode explicar-se, desde logo, por um anelo de rapidez, necessária ao cumprimento dos prazos; pode ser induzida pela lei do menor esforço, mas também pode dever-se quiçá ao receio de que o tribunal, também ele acossado pela exigência de celeridade, não leia senão as conclusões e deixe de atentar no corpo alegatório. Nesta última hipótese, duplicando, o recorrente sente-se provavelmente mais confiante em que serão sempre lidas as conclusões e também as alegações. Em boa verdade, o recurso a este expediente de copy paste, para duplicar as alegações como se fosse para concluir, revela um uso abusivo dos meios automáticos de processamento de texto e conduz à inexistência material de conclusões, pois se, sob este título, apenas se derrama sobre papel o teor da parte analítica e argumentativa, o que de facto se oferece ao tribunal de recurso é uma fraude. Por consequência, apesar de aqui ou ali se mudar, cosmeticamente, uma ou outra palavra ou locução, o que realmente permanece, inelutável, é um vazio conclusivo, mau grado as habituais dezenas de folhas, com frequência metade do total da peça, e um número de artigos ditos de conclusões desnecessariamente a roçar ou a ultrapassar a centena.” E mais adiante, em face da atitude indulgente que detectou na jurisprudência, lamentou ainda: “Este laisser faire, laisser passer em relação, não só à prolixidade das conclusões, mas também quanto a outras irregularidades na elaboração das conclusões das alegações de recurso, pode evitar alguma morosidade pontual, mas tem um assinalável efeito perverso que é a instalação de uma certa indisciplina no cumprimento do ónus de concluir, de repercussões dilatórias gerais. Isto porque a sucessão de decisões permissivas vai cimentando uma rotina de cedência, que se torna praticamente impossível reverter no sentido da observância criteriosa das regras na feitura das alegações.” In casu, os autores apelantes organizaram o seu texto alegatório em parágrafos numerado de 1 a 27. Apresentaram, intitulando-o de “conclusões”, exactamente o mesmo texto, mas numerado de 1 a 18. A única diferença é que alguns dos vários parágrafos foram juntos num só (assim diminuindo o seu número de 27 para 18), criando-se uma ficção de síntese conclusiva aparentemente cumpridora da exigência legal referida, sem que, contudo, tal método e o resultado revelem um real e concreto esforço, assim poupado, no sentido de satisfazer cabalmente o ónus legal imposto à parte de acordo com o espírito e função da norma. É neste contexto que o apelado Paulo Marques (interveniente) alega não ter o recurso conclusões e, por isso, não dever ser recebido. Ora, no caso concreto, apesar do acima exposto e do rigor que temos colocado na apreciação da questão, afigura-se-nos que seria desconforme ao comando normativo em apreço, e logo injusto, considerar que não existem conclusões e fulminar tal falta com a rejeição do recurso. Sendo certo que o texto conclusivo é simples copy past, disfarçado, do alegatório, a verdade é que a sua clareza, concisão, precisão e objectividade, não obstante poderem, e deverem, ser aprimoradas com maior esmero técnico-jurídico, proporcionam evidente exposição e permitem fácil e rigorosa percepção das questões pelos apelantes suscitadas quanto à sentença recorrida, das alterações nela pretendidas (quanto a factos e ao direito) e fundamentos para tal, conforme, aliás, já acima expostas. Mostram as alegações que foram assim bem compreendidas. Por isso, embora na sua forma as conclusões não sejam uma síntese das alegações, na substância – que deve prevalecer – elas cumprem o sentido e função da norma jurídica e não beliscam intoleravelmente qualquer das demais regras e princípios adjectivos a ter em conta na sua apresentação. Deve, pois, prevalecer o interesse no prosseguimento, com economia de actos prescindíveis, maxime de convite ao aperfeiçoamento, da instância recursiva. Termos em que se julga improcedente a questão prévia suscitada. IV. MATÉRIA DE FACTO O tribunal recorrido julgou relevante e provado o facto nº 43: “Os réus BB desconheciam todos os «negócios» feitos pelos réus EE e CC.” Tais negócios, segundo o relato que fez, inserem-se no seguinte contexto, traçado pelo tribunal a quo a partir do julgamento introdutório da motivação da decisão de facto (aludindo depois a toda a prova e ao relevo que lhe foi dado.(6) “Da conjugação de toda a prova produzida nos autos, em especial da documental e da testemunhal foi possível apreender e reconstituir os passos que levaram à situação actual. Assim, em tempos idos, existam 3 casas velhas na Rua X em Valdanta. A do meio, em que em tempos funcionava uma taberna era pertença de E e P, a poente deste prédio ficava o de GG e a nascente o prédio do réu Eusébio e mulher. A certa altura, JJ, empreiteiro conhecido na localidade, que tinha interesse nos imóveis, celebrou com E e P, um acordo verbal, nos termos do qual se comprometia a construir-lhes uma casa de habitação num terreno que aqueles tinham ali perto e, em contrapartida, estes lhe cediam o prédio (do meio) que se encontrava inscrito na matriz sob o art. 41X. E efectivamente assim sucedeu. Depois de estar na posse do mencionado imóvel, o referido JJ, acordou com os proprietários dos prédios vizinhos, a poente GG e a nascente DD, que, edificariam um piso sobre as casas de rés-do-chão existentes, destinado a habitação e que, esse primeiro andar ficaria a pertencer, o do lado poente a GG e o do lado nascente a DD. Em contrapartida, quer GG quer DD, lhe cederiam os respectivos rés-do-chão. No cumprimento do acordado, JJ iniciou a realização das obras, tendo edificado toda a estrutura destinada ao primeiro piso, as paredes exteriores e as coberturas. Porém, JJ adoeceu, tendo acabado por falecer sem concluir as obras acordadas. No entanto, em momento anterior, e na perspectiva de cumprir com o que tinha combinado, JJ celebrou com o réu EE um contrato promessa nos termos do qual lhe prometeu vender pelo preço de 10.000.000$00 cinco fracções autónomas correspondentes aos imóveis aqui em causa, estando o contrato promessa a fls. 176 dos autos. E fls. 179 dos autos encontra-se uma cópia do anuncio que foi publicado no jornal em 03/06/1989, que o reu CC afirmou ser correspondente aos imóveis aqui em causa e do qual deu conhecimento aos seus sogros. Uma vez que JJ faleceu sem regularizar a situação que deu origem ao contrato promessa, os réus procuraram E e P, os quais ainda tinham inscrito a seu favor o prédio que tinham dado em troca da construção de uma casa de habitação a JJ, tendo aqueles acordado em celebrar uma escritura pública de compra e venda do mencionado prédio com o réu EE. Assim, no dia 26 de Setembro de 1996 E e mulher P, através de escritura pública declaram vender ao réu EE, pelo peço de cem mil escudos, que consignaram ter recebido o «prédio urbano denominado CASA DE HABITAÇÃO, situado na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, composto de rés-do-chão e primeiro andar, com a superfície coberta de setenta e dois metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial do Concelho de Chaves sob o n.º 19X, registado a favor dos vendedores pela inscrição G1, inscrito na respetiva matriz sob o art. 41X, com o valor patrimonial de 67.978$00.» – cfr. fls. 184 e ss. Posteriormente, em 30 de Julho de 1998, os réus EE celebraram uma escritura pública com os réus CC, sua filha e genro, nos termos da qual os primeiros venderam aos segundos, pelo preço de dez milhões de escudos, que declararam já ter recebido o prédio supra descrito, ou seja «um prédio urbano composto de rés-do-chão e primeiro andar, destinado a habitação, com a superfície coberta de setenta e dois metros quadrados, sito na dita freguesia de Valdanta, com a confrontar do norte e nascente com herdeiros de António, de sul com caminho público e de poente com JC, inscrito na respectiva matriz sob o art. 41X, com o valor patrimonial de 67.978$00, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 19X, da freguesia de Valdanta e inscrito a favor do outorgante marido pela inscrição G2» – cfr. fls. 188 e ss. No mesmo ato notarial o Banco SA mutuou aos réus a quantia de 10.000.000$00, constituindo uma hipoteca sobre o prédio acabado de adquirir. No entanto, e uma vez que a escritura realizada apenas podia servir para titular a aquisição do prédio que tinha pertencido a E e P inscrito na matriz sob o art. 41Xº, os réus FF, EE e CC, outorgaram, a 6 de Abril de 2004 escritura pública denominada «Rectificação e Constituição em Regime de Propriedade Horizontal», que se encontra nos autos a fls. 4X e ss, nos termos da qual declararam que: (7) Ora, com as mencionadas escrituras ficou o réu EE “titular” de quatro fracções, muito embora apenas “formalmente” tenha adquirido o prédio inscrito na matriz sob o art. 41Xº. No entanto, o réu DD, que se encontrava a par de toda esta “engenharia documental”, viu os seus interesses salvaguardados na medida em que, mediante o pagamento de um valor que em concreto não se apurou, “adquiriu” aos réus CC o rés-do-chão que tinha cedido a JJ, pois que, nos termos do alegado entendimento o primeiro piso já “lhe pertencia”. Para “legalizar” tal cedência, no dia 18 de Dezembro de 2005, no Cartório Notarial de Valpaços, foi outorgada uma escritura pública, que se encontra nos autos a fls. 62 e ss, nos termos da qual os réus CC declararam doar aos réus DD «a fracção autónoma designada pela letra “D”, que corresponde a um apartamento T-1, no rés-do-chão e primeiro andar direito, destinado a habitação, pertencente ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na de Valdanta, c Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 19X, da dita freguesia, e a fracção registada a favor dos doadores pela inscrição G3 (PM), afecto ao regime da propriedade horizontal nos termos da inscrição F-três, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 99Xº, com o valor patrimonial tributário e o atribuído de 4.040,26 €.» - cfr. fls. 203 e ss. Porém ao invés de adoptar um comportamento semelhante com G, ou seus sucessores, aproveitando-se da circunstância de os mesmos se encontraram a residir no estrangeiro, os réus CC, por escritura pública datada de 11 de Julho de 2005, que dos autos é fls. 58 e ss, declararam vender à ré BB, pelo preço de 15.000 € a: «Fracção autónoma designada pela letra A, correspondente a habitação no rés-do-chão e primeiro andar esquerdo, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, situado na freguesia de Valdanta, Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 19X, registada a favor dos vendedores pela inscrição G3 (PM), afecta ao regime da propriedade horizontal nos termos da inscrição F3, inscrito na respectiva matriz sob o art. 99Xº-A.» – cfr. fls. 207 e ss. Ou seja, os réus CC “apoderaram-se” do prédio que correspondia e GG, incorporando-o na área do prédio que formalmente adquiriram a P, e com base nessa rectificação constituíram o regime da propriedade horizontal sem terem outorgado qualquer negócio quer em relação prédio de GG, quer em relação ao prédio de DD. Regularizaram a situação do réu DD através da outorga de negócios desconformes com a realidade material, mas que visavam alcançar, aquilo que teria sido acordado com JJ. Em relação à GG, não houve essa atitude, sendo aquela e os seus sucessores privados do prédio de que eram proprietários. Actualmente, a situação material que se depara é a seguinte: - O prédio que existe na área em que se encontrava o prédio de GG foi vendido aos réus BB, os quais, em 11/02/2008, o venderam a seu filho II; o prédio que inicialmente JJ tinha adquirido e que vendeu ao réu EE, pertence a CC, e o prédio que corresponde à área em que se encontrava o imóvel do réu DD passou a pertencer-lhe.“ Colhe-se da motivação vertida na sentença, concretamente quanto ao aspecto que ora interessa, que a Mª Juíza ter-se-á convencido da veracidade do facto 43 impugnado, além de todo o contexto circunstancial relatado e resultante do conjunto da prova produzida sobre a “história”, sobretudo pelo que o próprio protestou no seu depoimento em audiência, pois: “…referiu que em 2000 fez o negócio estando de boa-fé, ou seja desconhecendo todos os actos anteriormente ocorridos. Após ter adquirido o imóvel fez as obras que estavam em falta, e posteriormente vendeu a casa ao genro. Tinha perfeita consciência que o imóvel que adquiriu correspondia ao art. 308º, da matriz, tendo-lhe sido exibida pelo vendedor uma declaração emitida por uma senhora que se apresentava como procuradora da Etelinda Chaves.” Os autores apelantes, impugnando nesta parte a decisão, defendem, no entanto, que foi incorrectamente julgado aquele ponto. Pretendem seja julgado provado que, como admitiu o próprio: “Os réus BB sabiam que o prédio que negociaram com o réu EE estava inscrito na matriz de Valdanta sob o artº 30Xº e que pertencia aos herdeiros de GG.” Ora, a decisão da matéria de facto pode ser modificada nos termos do artº 662º, do CPC, e, entre outras hipóteses, na de impugnação prevista no artº 640º. Estão satisfeitos os requisitos formais de que a lei, segundo o entendimento doutrinal e jurisprudencial dominante, faz depender a reapreciação, pelo Tribunal da Relação, do seu mérito. Ora, sobre o conhecimento ou desconhecimento, pelos 1ºs réus BB, do que se passou antes do negócio de compra e venda com eles celebrado, em 11-07-2005, pelos 2ºs réus CC, nada foi alegado pelos autores na petição inicial. Nem pelos ditos 1ºs réus, pois nem sequer contestaram. Tal como o não foi pelos 2ºs, ao contestarem. Os 3ºs réus DD é que, na sua oposição, sustentaram que a fracção autónoma A foi vendida pelos 2ºs aos 1ºs em vez de a transmitirem aos herdeiros da GG (com que, na sua versão, teria ficado “perfeito” o negócio acordado antes…) mas que, contudo, esses 1ºs réus (BB) estão protegidos porque desconheciam o que se tinha passado antes, sendo terceiros de boa-fé. Mesmo no requerimento em que suscitaram a intervenção principal de II, nada referiram os autores quanto ao conhecimento do passado, por este subadquirente e pelos adquirentes e transmitentes 1ºs réus. Foi o interveniente II que, na sua contestação (excepcionando o regime do artº 291º, CC, quanto a si e quanto aos 1ºs réus), alegou que estes (1ºs) agiram sempre de “boa-fé”, e que eles compraram convencidos que o imóvel era propriedade dos 2ºs. Nada mencionou quanto ao desconhecimento por si próprio. Ao responder-lhes, os autores – sustentando embora ser-lhes inoponível a excepção do artº 291º, CC, e, por isso, irrelevante a questão da boa-fé – é que alegaram que os 1ºs réus não podiam desconhecer a factualidade a que se reportam os autos por terem sido réus na acção anterior (a nº 1273/05, cuja sentença datada de 20-11-2007 e transitada em 06-12-2007, se encontra junta por certidão a fls. 333 a 337). A protecção dos terceiros adquirentes conferida pelo artº 291º, CC, integra excepção peremptória – artºs 571º, nº 2, e 576º, nº 3, CPC. Cabia aos 1ºs réus – não aos 3ºs – e ao interveniente II alegar os factos respectivos, ou seja, quanto à boa-fé, que, no momento da aquisição, desconheciam, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável – artºs 5º, nº 1, 572º, alínea c), 573º, e 576º, nº 3, CPC. Como se disse, apenas o interveniente alegou que os 1ºs réus agiram sempre de “boa-fé”, e que eles compraram convencidos que o imóvel era propriedade dos 2ºs (nada, porém, alegou quanto ao desconhecimento por si próprio). Foi neste contexto que o tribunal a quo deu como provado que os mesmos “desconheciam todos os «negócios» feitos pelos réus EE” (4º e 2º réus). E é a tal propósito que os autores pretendem se altere tal decisão mas apenas no sentido de que os 1ºs réus BB “sabiam que o prédio que negociaram com o réu EE estava inscrito na matriz de Valdanta sob o artº 308º e que pertencia aos herdeiros de GG”. Ora, mesmo a admitir-se que, com base no artº 5º, nº 2, CPC, não obstante tão escassa alegação e nada ter sido em concreto mencionado no parco e vago despacho que fixou o objecto do litígio nem nas diversas alíneas discriminadas como temas de prova (fls. 497 a 502), o tribunal poderia ainda ter considerado, na decisão, o facto “desconhecimento” vertido no ponto 43 dos provados, relativo a tudo o que estava para trás em termos de “negócios”, o certo é que os apelantes confinam a alteração pretendida ao positivo “conhecimento” por eles apenas de que o prédio – pretensa mas erradamente referido como negociado com o réu EE já que nenhum negócio se mostra com este terem feito – estava inscrito sob o artº 308 da matriz e pertencia aos herdeiros de Etelinda”. Ou seja: parecendo querer excluir da matéria provada o genérico “desconhecimento” pelos 1ºs réus de todos os negócios anteriores e defender a sua “não prova” pretendem apenas, com tal expressão, se julgue provado um facto parcialmente contrário a tal desconhecimento. O verdadeiro problema, porém, a entender-se com possível relevo para a decisão da causa, segundo as várias soluções jurídica plausíveis, a boa-fé e, portanto, os factos relativos ao desconhecimento, para ter coerência lógica a impugnação deduzida, consiste em reapreciar e decidir – até oficiosamente, com base no artº 662º, CPC – se, afinal segundo a perspectiva e interesse dos recorrentes impugnantes, tal desconhecimento, sem culpa, no momento da aquisição, dos vícios dos negócios precedentes deve ser dado como não provado, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo. Ora, como resulta claro dos autos (fls. 466 e seguintes), o próprio 1º réu não contestante António Fernandes Marques, embora agindo na qualidade de alegado procurador representante do interveniente II (filho dele e da 1ª ré BB) tentou juntar aos autos uns documentos que foram mandados desentranhar mas que, contudo, este juntou por si e acabaram por ficar neles a fls. 475 a 478 e assim admitidos. De entre esses documentos, ressalta um (fls. 476 e 477), intitulado contrato-promessa de compra e venda, datado de 06-09-2000, no qual consta que, nessa data, o dito 1º réu BB celebrou com EE um contrato-promessa de “um imóvel composto de um armazém de arrumos baixos e em primeiro andar composto de três divisões, estando apenas com as paredes levantadas e a área coberta faltando o revestimento interno e externo e acabamentos no modo geral, localizado em Valdanta concelho de Chaves”, obrigando-se este “a vender o referido imóvel…com a respectiva passagem da escritura pública no prazo máximo de 03 anos, livre de qualquer problema” e este obrigou-se “a comprar o mesmo imóvel, com o artigo nº 30X…”. Ressalta ainda um outro documento concomitantemente junto (fls. 478), datado de 19-09-2000, no qual se descreve “trabalho a prestar a BB” e se descrevem vários serviços de construção civil, orçamentados em 2.200.000$00, por conta de cuja quantia pessoa assinada (em forma ilegível) declara em manuscrito ter recebido 1.200.000,00€. Bem assim, um outro (fls. 476), junto pelo mesmo, no qual está escrita uma “declaração”, datada de 06-09-2000, subscrita pela testemunha Maria, que diz “Maria declara para os devidos efeitos que é representante dos herdeiros de GG, para a venda do prédio urbano com art. 30X da matriz de Valdanta, concelho de Chaves, pelo facto de não se encontrarem no país. Declaro também que a mesma foi vendida ao Sr. EE a que sinalizou”, a que se refere a sentença recorrida nos seguintes termos: “No entanto, a mencionada Maria, ouvida como testemunha nos presentes autos, muito embora ter reconhecido a sua assinatura na mencionada declaração, o certo é que afirmou que o teor da mesma não corresponde à verdade. Esclareceu que há muitos anos o réu EE a procurou, uma vez que a testemunha tinha uma agência de administração de condomínios (no ano de 2000) e conhecia a falecida GG (que casou com o avô da testemunha) e a autora, no sentido de diligenciar junto destas para lhe venderem o prédio inscrito na matriz sob o art. 30Xº. Apesar de ter estabelecido contacto, não conseguiram chegar a algum entendimento uma vez que existiam desavenças quanto ao preço. A partir desse momento não tratou de mais nada nem teve qualquer conhecimento de algum negócio. Assinou a declaração que se encontra junta aos autos a pedidos do réu Ernesto, que lhe disse que necessitava da mesma para conseguir vender a casa aos brasileiros. Negou, rotundamente que alguma vez tenha sido representada da autora ou de sua mãe e que tenha procedido à venda do imóvel aqui em causa e que assinou a declaração a pedido do Sr. EE e que foi este que a elaborou. Não tem conhecimento de que alguma vez os herdeiros da D. Etelinda tenham vendido a casa.” Tais documentos, possuídos pelos 1ºs réus (tendo sido a declaração conseguida e entregue aos mesmos pelo EE) e logo pelo interveniente seu filho, indiciam, no mínimo, que, em 2000, o 1º réu BB estava por dentro da “história” relativa aos imóveis (e por normal “comunicação” que é de presumir em face das regras da experiência, a 1ª ré sua cônjuge), aos negócios, à construção projectada, ao seu destino e atribuição aos diversos interessados, particularmente que o 1º réu marido pretendeu comprar o imóvel correspondente ao artigo 308º - precisamente o que era de GG e cuja remodelação, então, ainda se encontrava inacabada – e ele próprio, à sua custa, nele executar obras que tratou com um terceiro, obrigando-se o 4º réu Ernesto a vender-lho “livre de qualquer problema”, no prazo de três anos, ou seja, o previsto para a regularização de todo o “empreendimento”, representando a aquisição da fracção autónoma A mais tarde constituída e vendida aos 1ºs réus o cumprimento de tal promessa e, assim, o “quinhão” destes em todo o negócio. Neste contexto, sabendo ao certo que lhe iria ser vendido e iria adquirir a fracção no prédio entretanto a constituir em propriedade horizontal e correspondente ao prédio urbano 30X da matriz, propriedade da GG, não é credível, sendo pelo menos muito duvidosos, o “desconhecimento” de que se convenceu o tribunal recorrido e motivou o seu julgamento como provado do facto vertido no ponto 43 e, consequentemente, a “boa fé” dos 1ºs réus. Aliás, nenhuma prova existe de que, como se lhe impunha, face aos termos e circunstâncias anómalos como interveio e celebrou o contrato-promessa com o EE e depois a compra com os 2ºs réus, cautela alguma tivesse tomado para se inteirar e esclarecer a situação e assegurar-se da legitimidade de cada um e regularidade dos actos realizados, designadamente obtendo justificação para serem aqueles a vender-lhe uma coisa (fracção A) que sabia corresponder a outra (prédio urbano 308) e não pertencer àqueles mas a outrem (Etelinda). Como salientou a Mª Juiza “o réu BB, referiu que em 2000 fez o negócio estando de boa-fé, ou seja desconhecendo todos os actos anteriormente ocorridos. Após ter adquirido o imóvel fez as obras que estavam em falta, e posteriormente vendeu a casa ao genro.” Porém, “Tinha perfeita consciência que o imóvel que adquiriu correspondia ao art. 30Xº, da matriz, tendo-lhe sido exibida pelo vendedor uma declaração emitida por uma senhora que se apresentava como procuradora da GG.” Sabendo que se tratava de prédio pertencente a pessoa estranha – GG –, não se compreende como possa “desconhecer”, sem que, pelo menos tal lhe seja censurável no contexto e circunstâncias anormais apuradas, as diversas e longas vicissitudes anteriores e posteriores a 2000 escudando-se na suposta confiança que uma simples declaração, nem sequer dada e asseverada perante si pessoalmente pela declarante (que nem conhecia) mas apenas entregue pelo EE, lhe terá gerado sem que, na Matriz e Registo Predial, se inteirasse da real situação. É que se tão crente estivesse da regularidade da transmissão da fracção autónoma A entretanto já constituída em propriedade horizontal nem sequer se compreende a necessidade (após o EE a arranjar e forjar, no dizer da testemunha, e lha entregar) se documentar com a mesma, pois, segundo a sentença, “tinha perfeita consciência que o imóvel que adquiriu correspondia ao artº 30Xº da Matriz” mas, no entanto, celebrou escritura em 11-07-2005, de “coisa” de todo física e juridicamente diversa, como também logicamente não podia deixar de ter constatado. Como referem algumas das testemunhas, o EE porfiou ainda pela aquisição do prédio da GG. Não a conseguindo, enveredou pelo esquema que os autos demonstram claramente destinado a contornar tal dificuldade. Para isso, muniu-se da declaração referida e, para sossegar e garantir o BB, entregou-lha. Sabendo, pois, este, ao certo, que o prédio negociado com aquele antes e depois era ou correspondia ao 30Xº e que este pertencia à GG e depois aos seus herdeiros, e, portanto, tudo indiciando que os réus estavam ao corrente de toda a “engenharia” desenvolvida (na expressão utilizada pela sentença que a descreve e, afinal, não posta aqui em causa), constitui, a nosso ver, erro de julgamento dar como provado o ponto 43. Não cremos que ele desconhecesse a “história” e os vícios praticados em ordem a subtrair o prédio 30Xº à verdadeira titular e a “legalizá-lo” de modo a com ele poder ter sido celebrada a escritura de venda. Se dúvidas persistissem, uma vez esgotada a prova e as possibilidades de o tribunal as dissipar, então, tendo em conta que o ónus da prova, nos termos do artº 342º, nº 2, do CC, impendia sobre os réus, sempre contra estes se deveria resolver – artº 414º, CPC. Por isso, aquele facto deve ser dado como não provado e eliminado do elenco dos provados. Procede, pois, quanto a esta parte, a apelação. IV. FACTOS PROVADOS Consequentemente, não tendo os demais sido impugnados e eliminando-se o 43, fixam-se os seguintes, já assim julgados em 1ª instância: “ 1. GG faleceu em 29/05/2000 no estado de casada com JD no regime da separação de bens. 2. JD faleceu em 04/03/2001. 3. A autora é filha de GG a qual, nos últimos 5 anos que precederam a sua morte viveu na sua companhia. 4. Desde Janeiro de 1958 que se encontra inscrita na matriz predial da freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, sob o art. 30Xº o prédio composto de casa de habitação, com a superfície coberta de 38 m2, na Rua X, Chaves, que confronta do norte com AB, do nascente com PP, do sul com caminho e do poente com JS. 5. Tal prédio encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 0014 e o direito de propriedade sobre o mesmo encontra-se inscrito a favor de GG pela Ap. de 07/07/1986. 6. Que o adquiriu por contrato de compra e venda outorgado por escritura pública em 26/05/1986 a JC. 7. Desde essa data que GG, ocupa o imóvel, à vista de todos, de modo ininterrupto, com conhecimento de todos e à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer fosse, utilizando-o como verdadeira dona, designadamente nele guardando géneros e alfaias, executando por si e a seu mando obras de conservação e benfeitorias e pagando contribuições a taxas. 8. Nos anos 90 do século passado GG, fez um acordo verbal com JJ, construtor civil, através do qual este se comprometeu a altear o prédio identificado em 4, construindo um 1º andar, que seria destinado a habitação. 9. Em contrapartida, GG ceder-lhe-ia o rés-do-chão do prédio. 10. Os réus DD, celebraram igualmente com JJ um acordo verbal semelhante ao da ré GG e mencionado em 8 e 9, nos termos do qual também lhe cederiam o rés-do-chão do seu prédio mediante a contrapartida de edificação de um primeiro andar destinado a habitação. 11. Os réus Eusébio e mulher possuíam uma casa de habitação já bastante degradada do lado oposto à da Etelinda da Conceição Chaves, sita na Rua da Taberna em Valdanta, Chaves, estando no meio das duas habitações um prédio pertença de Ezequiel e de Piedade que João de Matos Barreira adquiriu verbalmente tendo como contrapartida edificado uma casa de habitação num terreno destes, perto daquele local. 12. Os réus DD utilizaram esse prédio durante mais de 30 anos, nele habitando e guardando objectos pessoais, executando por si e a seu mando obras de conservação e pagando os respectivos impostos. 13. Sempre à vista de toda a gente e sem qualquer oposição, continuadamente e na convicção de exercerem um direito próprio com exclusão de quem quer que fosse. 14. Em relação ao prédio de GG, JJ chegou a iniciar as obras a que se tinha comprometido tendo executado a estrutura porticada em pilares e vigas, bem como as paredes exteriores. 15. Tendo entretanto adoecido e falecido sem concluir a obra. 16. Nos anos de 1997/1998, o marido da autora e um seu cunhado, a mando de GG, realizaram alguns trabalhos com vista a procederem à finalização das obras no primeiro andar que JJ tinha edificado no prédio inscrito na matriz sob o art. 408. Ficando por executar as pinturas interiores e exteriores. 17. Os réus DD encarregaram o réu EE, que tinha feito com JJ o negócio referido em 30 a 33 de tratar das formalidades relativas ao negócio, designadamente da constituição da propriedade horizontal, de modo que ficassem com a fracção correspondente ao prédio que tinham anteriormente. 18. Por escritura pública de 30/06/98, os réus Ernesto e mulher venderam a fracção D aos réus CC, que, por escritura de 18/12/05 a transmitiram por doação aos réus Eusébio e mulher. 19. Nos anos de 2002/2003 sem o consentimento nem consentimento dos sucessores de GG a porta de entrada da referida casa foi derrubada tendo sido efectuadas obras de remodelação ao nível do rés-do-chão e 1º andar do prédio objecto dos autos. 20. Os réus BB passaram a utilizar a casa sempre que se deslocavam a Portugal. 21. Afirmando que a adquiriram por compra aos réus CC. 22. GG nunca vendeu a casa, nem o fizeram os seus sucessores. 23. Porém, os réus CC, em 19 de Maio de 1998 registaram a seu favor a aquisição do prédio urbano situado a nascente da casa de GG, composto de rés-do-chão e 1º andar com 72 m2, a confrontar de norte e nascente com herdeiros de AC, do sul com caminho público e do poente com JC (antigo proprietário da casa de GG), inscrito na matriz predial da freguesia de Valdanta sob o art. 41Xº e descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001. 24. Os mencionados réus requereram junto do Serviço de Finanças de Chaves a alteração das confrontações deste prédio, tendo declarado falsamente que, do lado poente, o dito prédio confrontava com A P. 25. O que levou à alteração da área do seu prédio de 72m2 para 150,5m2, que foi averbada no registo predial em 05/07/2004, na sequência de escritura pública de rectificação outorgada em 6 de Abril de 2004, em que intervieram além dos mencionados réus, os anteriores titulares inscritos: EE e FF, que prestaram declarações falsas, de modo a incluir na nova área do prédio o prédio mencionado em 4. 26. Nessa mesma escritura os réus CC constituíram aquele prédio em propriedade horizontal tendo-o dividido em 4 fracções, designadas pelas letras A a D, correspondendo: Fracção A – rés-do-chão e 1º andar esquerdo; Fracção B – rés-do-chão centro. Fracção C – 1º andar centro. Fracção D – rés-do-chão e 1º andar direito. 27. A área e implantação da fracção A coincide com o prédio descrito 1, pertença de GG. 28. No início do mês de Junho de 1988 o réu CC viu um anúncio no jornal onde se publicitava a venda, próximo da cidade, de café, minimercado com armazém, salão de jogos e terreno anexo. 29. Uma vez que os seus sogros – os réus EE – tinham interesse em adquirir uma propriedade com as características referidas contactou-os. 30. Os réus contactaram JJ tendo agendado uma visita ao local. 31. Em 9 de Junho de 1988 o réu EE e JJ celebraram um documento escrito, denominado “contrato promessa” nos termos do qual o segundo prometeu vender e o primeiro comprar «cinco fracções autónomas comerciais e de 117m2 de terreno localizado nas traseiras da mesma, situadas na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, compostas respectivamente por um armazém de arrumos, um minimercado, um salão de jogos, um café e ampliação do mesmo». 32. Como forma de salvaguardar o compromisso entre JJ e o réu DD mencionado em 10, o réu EE comprometeu-se a celebrar, após a conclusão das obras interiores e a legalização de todo o imóvel, uma escritura de doação da actual fracção do prédio em causa, ao réu DD. 33. Após a celebração do acordo mencionado em 33 os réus EE iniciaram as obras interiores com vista à divisão do imóvel e posterior fraccionamento. 34. E em 01/10/1988 iniciaram em nome da ré EE a actividade comercial de café – bar e minimercado que mantiveram até 30/09/1991. 35. Quando pretendiam efectuar a escritura pública de compra e venda os réus EE tomaram conhecimento que JJ estava doente, acabando por falecer. 36. Com vista a legalizar a situação instituída, tomaram os réus EE conhecimento da existência de um acordo de permuta celebrado entre JJ e os anteriores proprietários de um dos imóveis (que não o da GG nem do réu DD), E e mulher P que consistia na permuta de uma casa do casal, e onde veio a ser edificado o objecto da presente acção, pela construção de uma casa de habitação num terreno que o referido casal tinha. 37. O que veio a suceder. 38. Ao tomaram conhecimento do falecimento de JJ, os réus EE procuraram E e mulher P, os quais acederem a celebrar com aqueles escritura de compra e venda em 26/09/1996, em que declaram vender, pelo preço de cem mil escudos, que consignam ter recebido «o prédio urbano denominado CASA DE HABITAÇÃO, situado na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, composto de rés-do-chão e primeiro andar, com a superfície coberta de setenta e dois metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial do Concelho de Chaves, sob o n.º 19X, registado a favor dos vendedores pela inscrição G1, inscrito na respectiva matriz sob o art. 41Xº, com o valor patrimonial de 67.978.000$00». 39. Por escritura pública de 30/07/1998 os réus EE vendem aos réus CC (sua filha e genro) o prédio mencionado em 38. 40. Por escritura pública de 18/05/2005 os réus CC outorgaram uma escritura pública de doação, nos termos da qual doaram aos réus DD a fracção autónoma designada pela letra D, referida em 26, designadamente a «a fracção autónoma designada pela letra “D” que corresponde a um apartamento T1, no rés do chão e 1º andar direito, destinado a habitação, pertencente ao prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 19X, da dita freguesia e a fracção registada a favor dos doadores pela inscrição G3 (PM), afecto ao regime da propriedade horizontal nos termos da inscrição F3, inscrito na matriz predial respectiva sob o art. 99Xº, com o valor patrimonial tributário de 4.040,26 €». 41. Por escritura pública de 11/07/2005 os réus CC vendem aos réus BB a fracção autónoma designada pela letra A, referida em 26, em que declaram vender «Fracção autónoma designada pela letra A, correspondente a habitação no rés-do-chão e primeiro andar esquerdo, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, situado na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 19X, registada a favor dos vendedores pela inscrição G3 (PM), afecta ao regime da propriedade horizontal nos termos da inscrição F3, inscrito na respectiva matriz sob o art. 99Xº-A.» 42. Ficando os réus CC com as fracções B e C.” Ao abrigo do artº 662º, CPC, com base no consenso das partes e nos documentos juntos, julgam-se ainda provados e aditam-se os seguintes factos: 43. Os 1ºs réus registaram a aquisição referida em 41 em 11-07-2005. 44. Em 11-02-2008, os 1ºs réus venderam a fracção A ao interveniente II, que registou esta aquisição em 12-02-2008. 45. A presente acção foi proposta em 10-05-2008 e registada em 21-08-2012 (provisoriamente por dúvidas). IV. DIREITO Comecemos por resumir a história do caso sobre que incide este litígio. Na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, existiam, em tempos, três pequenas casas, de rés-do-chão, velhas, deterioradas, contíguas: uma, propriedade de GG; outra, de E; a terceira, de DD. Havia ali também um construtor civil, JJ, que cogitou restaurá-las, obviamente tirando partido do empreendimento. Então, começou por acordar, primeiro com E, adquirir a casa deste e, em troca, construir-lhe outra num terreno próximo. Prosseguiu, acordando depois, com a GG e com o DD, edificar sobre cada uma das destes um andar de habitação e receber, em troca, os respectivos rés-do-chão. Tudo verbalmente. JJ iniciou as obras e foi erguendo o renovado edifício. Em 1988, motivado certamente pela doença que o acometeu, acordou com o EE vender-lhe, prometendo este comprar-lhe, as cinco fracções do mesmo, então apenas imaginadas, do prédio, ainda inacabado. Escreveram num documento, por ambos assinado, tal contrato-promessa. Nada o EE contratara com E, DD e GG. Tudo estava por regularizar. Era preciso acabar as obras, do que se incumbiu o EE. Porém, JJ faleceu. Os acordos a que este se vinculara ficaram por concretizar e formalizar. Então, o promissário EE, acolitado pelo seu genro, procurou o E, dono de uma das casas – a inscrita na Matriz sob o artº 41X, descrita na Conservatória com o nº 19X, com apenas 72 m2 de área –, ainda aí registada a favor deste. Acordaram formalizar, mediante escritura pública, a venda de tal prédio por este ao EE. Assim fizeram em 26-09-1996, ficando a propriedade daquele imóvel registada a favor do EE. Este, em 30-07-1998, por escritura pública, vendeu o mesmo ao genro, que registou. No entanto, nem aquilo que adquiriu (apenas aquela casa que fora de Ezequiel, com 72 m2 de área) correspondia à realidade criada (edifício renovado, alteado, ampliado na sua área e transformado fisicamente em várias fracções) nem esta tinha a expressão jurídica (na Matriz, Conservatória e quanto à respectiva aquisição e titularidade dos inerentes direitos) capaz de ao CC permitir assegurar os seus interesses e de cumprir regularmente perante os primitivos donos das duas outras casas (DD e GG) os acordos respectivos (de troca destas por fracções). Vai daí, juntaram-se os réus EE, CC, e convocaram FF (viúva e herdeira do E) para a outorga de uma escritura pública na qual verteram declarações apenas em parte conformes ao que entretanto se passara (física e juridicamente) mas com o intuito, conseguido, de à realidade existente darem, a partir da verdadeira aquisição do prédio urbano inscrito na Matriz sob o artigo 41X e descrito na Conservatória com o nº 19X, uma aparência jurídica regular, mormente por via da alteração das confrontações e área desta e de forma a englobar em tal prédio o da GG e o de DD, sem a sua intervenção formal (embora com o consentimento deste mas à revelia e contra a vontade daquela), criando e contando à Notária uma história justificativa. Assim foi outorgada em 06-04-2004 a escritura, de cujo texto certificado a fls. 49 e sgs dos autos, consta que por todos aqueles foi dito: “Que no dia vinte e seis de Setembro de 1996, por escritura outorgada no Cartório Notarial de Montalegre, exarada a folhas oitenta e quatro do respectivo Livro setecentos e cinquenta e sete – A, a primeira outorgante [P] e o seu cônjuge já falecido E, de quem é a única herdeira, venderam ao segundo outorgante [EE] um prédio urbano denominado Casa de Habitação, situada na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, aí melhor identificado. E que, no dia trinta de Julho de mil novecentos e noventa e oito, por escritura lavrada neste Cartório, exarada a folhas X. do respectivo livro duzentos, os segundos outorgantes [EE] venderam o mesmo prédio aos terceiros outorgantes [CC] os quais contraíram para pagamento do seu preço um empréstimo, constituindo em consequência, para sua garantia uma hipoteca, a favor do Banco, SA, aqui representado pelo quarto outorgante. Em todas as mencionadas escrituras, e com alguma incúria, deu-se como certa a área que então constava da matriz e que correspondia à constante na Conservatória do Registo Predial de Chaves, onde o primeiro ingressou com base na escritura de compra e venda em que o cônjuge da primeira outorgante, adquiriu o referido prédio a MR e a PJ Pereira, celebrada neste Cartório em dezanove de Novembro de mil novecentos e oitenta e dois […] da qual não consta qualquer área e que deu origem à descrição cento e noventa e cinco da freguesia de Valdanta então inscrito na respectiva matriz sob o artigo 41X [como se vê de fls. 42 e seguintes dos autos aquele prédio já estava descrito sob o nº 001, em nome de E e mulher, tendo depois da aquisição e inscrição desta pelo EE sido registada a alteração das confrontações e área] Foi apenas agora que o terceiro outorgante decidiu a total remodelação do prédio construindo um imóvel para habitação colectiva, é que se aperceberam que em todos os documentos referentes ao prédio apenas constava a superfície coberta de setenta metros quadrados, não se mencionando qualquer logradouro, quando a referida remodelação consistiu na ampliação da superfície coberta por ocupação de parte do logradouro existente. Porque era comum, em tempos ancestrais, omitir das participações efectuadas aos serviços de finanças todas as áreas descobertas, para evitar maior tributação fiscal, torna-se agora, que é imperioso a correspondência entre a verdade fáctica e a constante dos documentos, rectificar todos os títulos que se mencionaram. Foi efectuado o necessário levantamento topográfico e conseguida a intervenção de todos os confinantes. Assim, rectificam as escrituras atrás identificadas, no sentido de que o prédio vendido tem hoje a seguinte composição: Prédio urbano situado nafreguesia de Valdanta, concelho de Chaves, composto de rés-do-chão e primeiro andar, com a superfície coberta de 225,95 m2 e logradouro com a área de 150,5m2, actualmente a confrontar do norte e poente com AP, sul com Estrada Municipal, nascente com AM, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves, sob o n.º 19x, registado a favor do terceiro outorgante pela inscrição G-três, inscrito na matriz sob o art. 99x, com o valor patrimonial de € 12.928,84. Que mantêm em tudo o mais o que consta das referidas escrituras, esclarecendo que a alteração de confrontações se deve à sucessão normal de proprietários. […] Pelos terceiros outorgantes foi mais dito: Que o referido prédio a que atribuem o valor de QUINZE MIL EUROS, é composto de quatro unidades destinadas a comércio e a habitação, distintas e isoladas entre si, com saídas próprias para parte comum do prédio e desta para a via pública ou directamente para a via pública. Que constituem o mencionado prédio em regime de PROPRIEDADE HORIZONTAL, com as seguintes fracções autónomas e percentagens: Fracção A – Rés-do-chão e primeiro andar esquerdo, tipo T – um, com o valor relativo de 25%, que corresponde ao valor de 3.750 €. Fracção B – Estabelecimento comercial no rés-do-chão centro, com o valor relativo de 24%, que corresponde ao valor de 3.600 €; Fracção C – Primeiro andar centro, tipo T – dois, com o valor relativo de 25%, que corresponde ao valor total do prédio de 3.750 €; Fracção D – Rés-do-chão e primeiro andar tipo T – um, com acesso pelo alçado principal do prédio, com o valor relativo de 26% que corresponde ao valor de 3.900 €.» – cfr. fls. 196 e segs.” Deste modo, apesar de os réus CC apenas terem derivadamente adquirido, na realidade, o prédio do E, mediante as artificiosas declarações produzidas tornaram-se “formalmente” donos do edifício que abarcou os imóveis do DD e da GG e das quatro fracções autónomas em todo ele criadas, segundo o regime de propriedade horizontal a que foi submetido. Para satisfazer o compromisso com o ante-proprietário DD, os réus CC formalizaram em escritura de 18-12-2005 a doação ao mesmo da fracção autónoma D. E ficou este satisfeito e conformado. Quanto à proprietária do prédio inscrito na Matriz sob o artº 30X e descrito na Conservatória com o nº 14X, que nesta desde sempre esteve e continua inscrito a seu favor, foi simplesmente ignorada, apesar de se saber que ao seu agora fisicamente inexistente imóvel urbano corresponde in loco a habitação de rés-do-chão e primeiro andar esquerdo (fracção A) e do acordo de troca que, devidamente cumprido e formalizado, a compensaria da prometida cedência. Ao invés, os réus CC venderam em 11-07-2005 a dita fracção autónoma A à 1ª ré BB, pessoa que, como deflui dos autos, e já atrás se salientou a propósito da matéria de facto e dos documentos de fls. 475 a 478 desde 2000, não surgiu por acaso antes também estava envolvido na “história” mediante o contrato-promessa segundo o qual o EE se propôs ceder-lhe uma parte do edifício e para cujo acabamento aquele contratou obras. Por fim, estes 1ºs réus BB em 11-02-2008 venderam a fracção A a seu filho – o interveniente II. Como resume o tribunal recorrido: “… os réus CC «apoderaram-se» do prédio que correspondia e GG, incorporando-o na área do prédio que formalmente adquiriram a P, e com base nessa rectificação constituíram o regime da propriedade horizontal sem terem outorgado qualquer negócio quer em relação prédio de GG, quer em relação ao prédio de DD. Regularizaram a situação do réu Eusébio através da outorga de negócios desconformes com a realidade material, mas que visavam alcançar, aquilo que teria sido acordado com JJ.” Em relação ao réu BB também regularizaram o anterior compromisso com o JJ – acrescentamos nós – vendendo-lhe a fracção A. “Em relação à GG, não houve essa atitude, sendo aquela e os seus sucessores privados do prédio de que eram proprietários. Actualmente, a situação material que se depara é a seguinte: - O prédio que existe na área em que se encontrava o prédio de GG foi vendido aos réus BB, os quais, em 11/02/2008, o venderam a seu filho II; o prédio que inicialmente JJ tinha adquirido e que vendeu ao réu EE, pertence a CC, e o prédio que corresponde à área em que se encontrava o imóvel do réu DD passou a pertencer-lhe.” Saliente-se que, ao fim e ao cabo, na Matriz, persiste inscrita, como prédio urbano autónomo, a casa, com 38m2 de área, pertencente à GG (fls. 28), que no Registo Predial subsiste individualizada a descrição do prédio 00142/070786 (fls. 29) e que a sua aquisição a favor da mesma está inscrita pela Ap. 12/070786 (fls. 30), nenhum acto de natureza voluntária ou qualquer outro se conhecendo capaz de ter extinguido, alterado ou transmitido o direito de propriedade assim por ela titulado e mantido no seu património – ou, face ao seu decesso, pelos herdeiros e na herança respectiva. Recordando-se, agora, o rol dos pedidos formulados acima transcrito, vê-se que a acção tem contornos de petição de herança, de reivindicação, de entrega de bens da herança, além de acção de nulidade. Tenhamos para tal presentes as normas dos artºs 1311º, 2075º, 2076º e 2078º, 2088º e 2091º, todos do CCC. Bem assim, tudo quanto a propósito dos pressupostos respectivos e das semelhanças e distinções entre umas e outras, inerentes pretensões e legitimidade para as formular, ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, no seu Código Civil Anotado(8), em cotejo com a qualidade aqui invocada pela autora e os pedidos deduzidos.(9) Apresentando-se esta como herdeira e cabeça de casal e pretendendo o reconhecimento daquela qualidade, do direito da herança ao prédio da de cujus GG (imóvel urbano 30X fundido na edificação nova mas correspondente ao espaço e área da fracção A), sua desocupação e restituição no estado anterior ao património hereditário, perante quem forjou a sua integração na fictícia propriedade horizontal e o detém, a culminar uma série de actos inválidos, a fim de o poder administrar, convergem aqui os requisitos daqueles vários direitos e tipos de acção destinados a protege-los. Ora, sendo a autora filha da falecida (em 29-05-2000) GG, não há dúvida que é sua herdeira legitimária. Daí resulta inequivocamente a sua qualidade de sucessora na titularidade das relações jurídicas patrimoniais daquela – artºs 2024º, 2026º, 2027º, 2030º, nºs 1 e 2, 2131º, 2132º, 2157º e 2159º, do Código Civil. Tendo com o de cujus vivido nos últimos cinco anos de vida desta, incumbe-lhe o cargo de cabeça de casal – artº 2080º, nº 1, alínea c), e 3, CC. Daí a procedência do pedido c) relativo ao reconhecimento e declaração daquela dupla qualidade, afinal de contas nem sequer controvertido. Atenta a factualidade vertida em 4 a 7, de que decorre a existência, com perfeita autonomia e identidade jurídicas, na Matriz e na Conservatória, do prédio urbano inscrito ali sob o artº 30Xº e nesta descrito sob o nº 001, bem como o exercício da posse sobre ele, pela Etelinda, desde que o adquiriu em 26-05-196 até ao seu decesso (mais de 10 anos, com título e registo), pública, contínua, de boa fé, pacífica, com animus domini, não há dúvida que, por via da usucapião adquiriu ela o direito de propriedade sobre tal imóvel – artºs 1252º, 1258º, 1259º, 1260º, 1261º, 1262º, 1263º, 1287º, 1294º, alínea a), 1316º e 1317º, alínea c). Beneficia, aliás, da presunção de titularidade do direito, nos termos do artº 1268º, nº 1, e, bem assim, da derivada do registo a seu favor da aquisição fundada no contrato de compra e venda celebrado com JChaves, nos termos do artº 7º, do Código do Registo Predial. Deste modo, procede o pedido a). Tal como, com fundamento nos artºs 2024º e 2032º, o pedido da alínea b). Assim, no fundo, o reconheceu o tribunal a quo na primeira parte da fundamentação de direito da sentença – aliás, sem qualquer objecção dos recorrentes autores (claro), muito menos dos réus recorridos (nenhum dos quais tal questionou mesmo nas contra-alegações) – muito embora sem ter sido consequente na decisão final – como pensamos que deveria ter sido –, a pretexto da prevalência dos interesses dos 1ºs réus, enquanto terceiros adquirentes, que julgou merecedores de protecção, e considerou impeditivos ou prejudiciais dos demais pedidos, designadamente os relativos aos pretensos direitos da herança. Posto isto, vamos, então, aos restantes pedidos. Ponderou o tribunal recorrido, sobre tudo o que se passou antes da venda e doação das fracções A e D, o seguinte: “Cumpre agora proceder à análise da validade dos vários negócios que, foram, ao longo dos anos celebrados, e que tiverem por objecto essa casa. O primeiro deles consiste desde logo no acordo verbal que GG fez com JJ, nos termos do ponto 9 dos factos provados e de acordo com o qual, o segundo procederia à construção de um primeiro andar no imóvel destinado a habitação e a primeira lhe cederia a propriedade do rés-do-chão do mesmo. Este contrato reveste a natureza de um contrato misto.” E depois de teorizar sobre a natureza deste, acrescentou: “Na situação dos autos concorrem elementos do contrato de empreitada previsto no art. 1207º, do Cód. Civil – Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação á outra a realizar certa obra, mediante um preço – e de um contrato de permuta o qual, nos dias de hoje, é um contrato atípico ou inominado uma vez que não tem regulamentação específica na nossa lei. A sua regulação de referência há-de buscar-se adaptadamente no contrato de compra e venda por força do disposto no art. 939º, do Cód. Civil. Assim, estando em causa um bem imóvel, o contrato teria de ser reduzido a escritura pública por imposição do art. 875º, do Cód. Civil. Logo, ao ter sido verbalmente celebrado, o negócio encontra-se ferido de nulidade conforme determina o art. 220º, do Cód. Civil, pelo que, se verificam o preceituado no art. 289º, do Cód. Civil, ou seja, o negócio nulo não produz efeitos. Consequentemente não se transmitiu o direito de propriedade sobre o rés-do-chão para João de Matos Barreira. Deste modo, quando, JJ outorga com EE o contrato promessa referido em 31, tem o mesmo, pelo menos em parte por objecto um bem alheio, ou seja, o prédio pertença de GG. Porém, e tendo em conta que conforme resulta do regime jurídico do contrato promessa, as partes apenas se obrigam a, mais tarde, celebrar um outro negócio – cfr. art. 410º, n.º1, do Cód. Civil – não tendo lugar a transmissão ou constituição de um qualquer direito real, o facto de o mesmo ter por objecto bens alheios não afecta a sua validade intrínseca, podendo, no caso de, no momento da celebração do contrato definitivo, o promitente vendedor não ter a titularidade do bem, originar uma situação de incumprimento. Na situação dos autos, não chegaram as partes outorgantes do contrato promessa a celebrar o contrato definitivo. Assim, os réus EE, apurando que o prédio que se encontra inscrito na matriz sob o art. 418º ainda se encontrava em nome de E e P outorgam com estes o contrato de compra e venda mencionado em 38. No entanto, as declarações ali prestadas, não correspondem à verdade, pelo menos no que se refere ao pagamento realizado. Dos factos provados, mesmo assim, resulta que o objecto de tal contrato foi o «prédio urbano denominado CASA DE HABITAÇÃO situado na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, composto de rés-do-chão e primeiro andar, com a superfície coberta de 72 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 19X e registada a favor dos vendedores pela inscrição G1, inscrito na respectiva matriz sob o n.º 41Xº». Ou seja os réus EE apenas adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio inscrito na matriz sob o art. 41Xº e que, por sua vez, através de escritura de 30/07/1998 venderam aos réus CC – cfr. facto 23 e 38. Porém, e em desconformidade com o título aquisitivo, os réus CC, requereram junto do serviço de finanças uma alteração das confrontações do prédio afirmando que o mesmo confrontava com AP a poente, quando a confrontação real era com JC que foi quem vendeu o imóvel a EC. E, com o objectivo de incluir na escritura de compra venda mencionada a área de todos os prédios, incluindo o que pertencia a GG em 06/04/2004, conjuntamente com os réus EE e FF, declararam que, nas mencionadas escrituras, deu-se como certa uma área que então constava da matriz, tendo-se apercebido apenas agora que a superfície coberta é de 225,92m2 e a descoberta de 150,50 m2, procedendo à sua rectificação e inscrevendo o prédio com a nova configuração na matriz sob o n.º 99Xº. Ora, se se tiver em conta que o art. 41Xº tinha uma área de 72m2, o 40Xº de 38m2 (duplicando atenta edificação do primeiro andar), concluir-se que a área agora indicada corresponde à no artigo 40Xº, da área correspondente aos prédios de GG e de DD. Nessa mesma escritura constituíram o regime da propriedade horizontal identificando quatro fracções autónomas. Está assente que os réus fizeram constar da mencionada escritura factos que sabiam serem falsos, e com base na mesma o réu CC promoveu a constituição da propriedade horizontal. […] Resulta, assim, do exposto que os réus, através das testemunhas, fizeram a aludida declaração perante o notário, tendo-se, porém, demonstrado que a mesma não era conforme à realidade, o que se traduz na perda da eficácia probatória da escritura notarial quanto a essa declaração ou quanto a esses factos.» - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01/03/2012, proferido no Proc.180/2000.E1.S1 e disponível em www.dgsi.pt. Logo, não está em apreciação a falsidade do documento em si, mas antes das declarações feitas perante o notário, as quais se veio a apurar não corresponderem à realidade. Posto isto, a constituição da propriedade horizontal, porque incidente sobre bens alheios é nula. Por sua vez, o registo da constituição da propriedade horizontal, porque assente num facto que nunca se passou é nulo, por força do disposto no art. 16º, al a), do Cód. do Registo Predial, ou seja, demonstrada a não existência do direito dos réus sobre as fracções do “prédio” é falso o respectivo registo o que implica a sua nulidade – neste sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supra mencionado.”(10) Até aqui, nenhuma objecção vem suscitada pelos autores apelantes quanto ao percurso judicativo empreendido que desembocou na conclusão e afirmação de que a escritura de rectificação e de constituição de prédio em propriedade horizontal e o seu subsequente registo predial são nulos, com fundamento na respectiva falsidade. Pelo contrário, aplaudem a bondade de tal juízo. Com efeito, na sua apelação, os autores apenas questionam a protecção conferida pela sentença aos terceiros adquirentes com fundamento nos artºs 291º, nº 1, do CC, e 17º, do CRP, argumentando que a nulidade (fundada no artº 892º) da venda (subsequente à da escritura de rectificação e de constituição da propriedade horizontal) pelos 2ºs réus CC aos 1ºs réus BB (de coisa alheia) só releva na relação entre eles e não perante a herança de Etelinda (titular do domínio do imóvel 308), sendo-lhe tal negócio ineficaz por dever prevalecer a realidade existente em vez da ficção criada e, por isso, inaplicável ao caso o regime daquelas normas decorrente. Mesmo que o fosse – defendem também os apelantes – os 1ºs réus não agiram de boa-fé, sempre, por falta desse requisito, não gozando da protecção legalmente prevista aos terceiros adquirentes. Por seu turno, nenhum dos réus recorreu, todos sustentando que a sentença deve ser mantida na íntegra e nos seus precisos termos – logo quanto às declaradas nulidades –, limitando-se, nas contra-alegações, a herdeira habilitada do falecido DD a salientar que os autores não alegaram que os compradores estavam de má-fé mas que “competia aos réus compradores alegar e provar a sua boa-fé, o que conseguiram demonstrar”; os 2ºs réus CC e os 4ºs réus EE a sustentar que os 2ºs agiram de boa-fé e merecem ser protegidos como terceiros adquirentes com registo anterior ao da acção; e o interveniente II que competia aos autores alegar e provar a sua má-fé e a dos 1ºs réus (que lhe transmitiram a fracção A), não o tendo conseguido. Relativamente a este problema, o tribunal a quo, na sentença, depois de assentar, como se viu e – repete-se – todas as partes aceitam, na nulidade, por falsos, da escritura de constituição da propriedade horizontal e do subsequente registo do direito dos 2ºs réus transmitentes sobre as fracções (afinal juridicamente inexistentes), ajuizou assim: “Sucede que, por escritura pública de 11/07/2005 os réus CC vendem aos réus BB a «fracção autónoma, designada pela letra A, correspondente a habitação de rés-do-chão e primeiro andar esquerdo, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, situado na freguesia de Valdanta, concelho de Chaves, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 19x, registada a favor dos vendedores pela inscrição G3 (PM), afecta ao regime da propriedade horizontal nos termos da inscrição F3, inscrito na respectiva matriz sob o art. 99xº-A.» e que corresponde à área do imóvel de Etelinda Chaves. Tais réus procederam à inscrição no registo a seu favor pela Ap.17.” Acresce que em 11-02-2008, os 1ºs réus venderam ao interveniente a mesma fracção A, que registou no dia seguinte. Aliás, como por escritura de 18-05-2005, os mesmos 2ºs réus CC doaram ao réu DD a fracção D, aquisição a seu favor registada por AP. 17 de 2005/05/20. “A questão que se coloca é a de saber até que ponto os direitos dos réus BB, podem ser protegidos, atento, designadamente a fé pública registral. Dos factos provados resulta que os réus identificados adquiriram a fracção A ao titular inscrito no registo, a título oneroso e de boa-fé, uma vez que desconheciam a situação criada pelos réus EE e CC. A este respeito podem-se seguir dois caminhos, sendo que ambos conduzem a uma solução idêntica. É ponto assente que os réus CC venderam aos réus BB uma fracção que não lhes pertencia, pelo que o negócio outorgado se encontra ferido de nulidade, por força do disposto no art. 892º, do Cód. Civil. Sucede que, o art. 291º, n.º1, do Cód. Civil consagra que a declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite e bens imóveis, ou a bens móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa-fé se o registo da aquisição for anterior ao registo da acção de nulidade ou de anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio. No entanto os direitos de terceiro não ficam salvaguardados se a acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio. Ora, os réus BB celebraram de boa-fé, um contrato oneroso e procederam ao registo da sua aquisição há mais de 3 anos do registo da presente acção, que teve lugar a 21/08/2012. Assim, os terceiros adquirentes vêem o seu direito protegido. O mesmo se passa se se entender ser de aplicar o regime contido no art. 17º, do Cód. do Registo Predial, uma vez que este normativo, salvaguarda igualmente os direitos que terceiro tenha adquirido de boa-fé, a título oneroso e que tenha inscrito no registo a seu favor. Em ambos os casos o terceiro adquirente fica protegido pelo registo público, o qual tem um efeito atributivo do direito nele inscrito. O registo predial tem essencialmente por fim dar publicidade aos direitos reais inerentes às coisas imóveis: pretende-se patentear a história da situação jurídica da coisa desde a data da descrição até à actualidade (art. 1º, do Cód. do Registo Predial). As realidades tabulares repercutem-se nas situações jurídicas privadas subjacentes, ou dito de outro modo, o registo produz efeitos substantivos. Pretende-se com a instituição deste regime proteger aquele que adquire confiando na realidade que o registo predial evidencia que lhe permite presumir que o que se encontra inscrito corresponde à realidade – cfr. art. 7º, do Cód. do Registo Predial. Assim sendo, e não obstante os pedidos formulados pelos autores, os mesmos têm como escopo a declaração de que o imóvel que descrevem no seu articulado pertence á herança de GG. Tendo em conta tudo quanto já foi dito e não podendo tal pedido proceder, afigura-se inútil o conhecimento dos demais.” Vejamos. De acordo com o sumário do Acórdão da Relação de Lisboa, de 13-09-2007(11): “I - Para que o art. 291º do CC actue são necessários quatro requisitos: a) Ter o terceiro adquirente obtido o seu direito através de um negócio a título oneroso; b) Ter feito essa aquisição de boa fé, considerando-se ser esse o caso, se ele, no momento da aquisição, desconhecia, sem culpa, o vício que constitui fundamento de nulidade ou anulabilidade; c) Haver o terceiro registado a sua aquisição antes de feito o registo da acção de nulidade ou de anulação; d) Não ter sido a acção de nulidade ou anulação proposta e registada dentro do prazo de 3 anos a contar da data da conclusão do respectivo negócio” II – O terceiro que está em causa quando se trata de fazer valer a protecção do art. 291º é o subadquirente depois da celebração do negócio inválido, daí que só o negócio em que este interveio pode interessar”. Este é o negócio que se consolida, por via da excepcional protecção que a lei lhe confere, apesar da nulidade.” Conforme refere o STJ, no Acórdão de 26-10-2010(12): “I - O art. 291.º do CC visa a protecção do terceiro de boa fé, ou seja, do terceiro adquirente que, no momento da aquisição, sem culpa, desconhecia o vício do negócio nulo ou anulável, estabelecendo um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio (art. 289.º do CC) quando estão em causa bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo. II - O terceiro adquirente fica, nos termos daquela disposição legal, protegido pelo registo público, desde que se verifiquem os requisitos aí enunciados. Mas será sempre necessário que o negócio inválido conste do registo. Se o terceiro adquire na pendência desse registo e regista por sua vez, o registo tem efeito atributivo, ele torna-se o titular verdadeiro, substituindo quem o era até então. III - Porém, de harmonia com o n.º 2 do art. 291.º do CC, os direitos de terceiro sobre a coisa a restituir, cedem se a acção de nulidade ou anulação for interposta e registada dentro dos três anos posteriores ao negócio. Nesta circunstância, os direitos de terceiro não serão considerados, mesmo que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção de declaração de nulidade ou anulação. IV - Assim, o terceiro só poderá prevalecer-se da protecção concedida pelo dispositivo se tiver registado a sua aquisição e se estiver de boa fé, mas o registo só será relevante se a acção de nulidade ou anulação não for interposta e registada dentro dos três anos posteriores ao negócio. V - De acordo com o art. 17.º do CRgP, desde que o registo do acto seja anterior ao registo de acção de nulidade, a declaração de invalidade do negócio não estorva os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé. Esta disposição, em confronto com o art. 291.º do CC, estabelece, a propósito das causas de nulidade do registo, as condições de invocação da nulidade (n.º 1) e as circunstâncias em que a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título onerosos por terceiro de boa fé. Ou seja, o art. 291.º trata da nulidade e anulabilidade do negócio jurídico (nulidade substantiva), ao passo que o art. 17.º trata da nulidade do registo (nulidade registral). VI - O acórdão uniformizador n.º 3/99 (publicado no DR, I-A, de 10-07-1999) estabeleceu, quanto ao conceito de terceiros para efeitos de registo, um entendimento diferente do anterior acórdão uniformizador n.º 15/97 (publicado no DR, 1.ª Série, de 04-07-1997), cuja posição surpreendeu os tribunais, ao aceitar o conceito de terceiros de forma lata (e, como tal, a tutela irrestrita da prioridade do registo), num meio social onde ainda não se encontra arreigada a necessidade de obter, através do registo predial, a tutela efectiva de direitos, abrindo-se a situações patentemente injustas. VII - A polémica não tem hoje razão de existir, em virtude do legislador ordinário ter, entretanto, tomado posição sobre o assunto, definindo o que se deve entender por terceiros, no art. 5.º, n.º 4, do CRgP (cf. DL n.º 533/99, de 11-12), aderindo à tese do Prof. Manuel Andrade e do acórdão uniformizador n.º 3/99: “(…) são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”. VIII - A solução adoptada no art. 291.º, n.º 2, do CC, corresponde a uma opção do legislador ordinário, visando proteger o beneficiário da declaração de nulidade ou de anulação do negócio, durante um período de tempo. Tal solução não contende, assim, de forma intolerável, arbitrária ou demasiado opressiva com os mínimos de certeza e segurança que os princípios em causa envolvem, não padecendo de inconstitucionalidade.” Ora, já se referiu atrás que não cabe aos autores alegar e provar o requisito da boa-fé exigido no artº 291ºº, CC. Cabe sim aos terceiros adquirentes interessados invocar e demonstrar em juízo os factos integrantes de tal excepção peremptória. Nesse sentido, podem ver-se os Acórdãos do STJ, de 26-10-2004(13) e de 27-09-2012.(14) Sucede que os 1ºs réus (adquirentes da fracção A e posteriores transmitentes dela) nem sequer contestaram. Os 3ºs DD (adquirentes da fracção D) nada a esse propósito e em seu benefício invocaram (embora refutassem a verificação das nulidades, questão ora ultrapassada), limitando-se eles a defender aqueles (1ºs), dizendo-os desconhecedores do acordo precedente e merecedores de tutela enquanto terceiros adquirentes de boa-fé. Por sua vez, o interveniente (subadquirente) II, embora excepcionando a inoponibilidade, a si e aos 1ºs réus (que lhe transmitiram a fracção A), da nulidade da escritura respectiva, apenas salientou que os autores não alegaram a sua má-fé nem a daqueles transmitentes, e que estes “sempre agiram de boa fé”, pois “compraram o prédio convencidos de que o mesmo era propriedade dos vendedores”. Nada alegou quanto à sua própria postura subjectiva. Sendo assim, por tudo isso e porque não resultou provado – ao contrário do que se decidira em 1ª instância – que qualquer dos subadquirentes, maxime os 1ºs “réus BB desconheciam todos os «negócios» feitos pelos réus EE”, jamais estes (ou quaisquer outros) poderiam beneficiar da protecção conferida pelo artº 291º, do Código Civil – no caso de este regime ser aqui aplicável. Na verdade, acaba tal questão por ficar, a nosso ver, prejudicada, uma vez que, ao caso, considerando que os terceiros não adquirem na linha ou cadeia de negócios iniciada pela verdadeira proprietária (a Etelinda) mas a partir do negócio falso e nulo realizado pelos 2ºs, 4ºs e 5ª ré – rectificação que aglutinou com o prédio desta todos os demais e constituição da propriedade horizontal sobre edifício não pertencente aos 2ºs – não é aplicável o regime do artº 291º. Como resulta do sumário do Acórdão do STJ, de 16-11-2010(15): “II - A nulidade que resulta da venda de coisa alheia apenas se aplica na relação entre alienante e adquirente, e não no que se reporta ao dono daquela, perante o qual a mesma é ineficaz, ou seja, insusceptível de produzir efeitos sobre o seu património, por não poder actuar-se, juridicamente, a transferência do seu direito real. III - Sendo ineficaz em relação ao dono da coisa (a venda, em relação a ele, é res inter alios acta), este poderá reivindicar a coisa, directamente do comprador, sem ter que discutir a validade do contrato ou demonstrar que não consentiu a venda e sem necessidade de promover a prévia declaração judicial de nulidade do respectivo contrato. IV - Sendo o negócio ineficaz em relação ao proprietário, redunda irrelevante a invocação do disposto nos arts. 291.º do CC e 17.º, n.º 2, do CRgP. V - O art. 291.º do CC visa a protecção do terceiro de boa fé, ou seja, do terceiro adquirente (ou subadquirente) que, no momento da aquisição, sem culpa, desconhecia o vício do negócio nulo ou anulável, estabelecendo um desvio ao princípio geral sobre os efeitos da nulidade ou anulabilidade do negócio (art. 289.º do CC) quando estão em causa bens imóveis ou móveis sujeitos a registo. VI - O terceiro adquirente fica, nos termos daquela disposição legal, protegido pelo registo público, desde que se verifiquem os requisitos aí enunciados. Mas será sempre necessário que o negócio inválido conste do registo. Se o terceiro adquire na pendência desse registo e regista por sua vez, o registo tem efeito atributivo, ele torna-se o titular verdadeiro, substituindo quem o era até então. VII - Porém, de harmonia com o n.º 2 do art. 291.º do CC, os direitos de terceiro sobre a coisa a restituir, cedem se a acção de nulidade ou anulação for interposta e registada dentro de três anos posteriores ao negócio. Nesta circunstância, os direitos de terceiro não serão considerados, mesmo que o registo da aquisição seja anterior ao registo da acção de declaração de nulidade ou anulação. VIII - Segundo o art. 17.º do CRgP, desde que o registo do acto seja anterior ao registo de acção de nulidade, a declaração de invalidade do negócio não estorva os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé. Esta disposição, em confronto com o art. 291.º do CC, estabelece, a propósito das causas de nulidade do registo, as condições de invocação da nulidade (n.º 1) e as circunstâncias em que a declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título onerosos por terceiro de boa fé. Ou seja, o art. 291.º trata da nulidade e anulabilidade do negócio jurídico (nulidade substantiva), ao passo que o art. 17.º trata da nulidade do registo (nulidade registral).” Também no Acórdão do STJ, de 19-04-2016(16), se consignou, em síntese: “I - A aplicação da norma contida no art. 291.º do CC pressupõe a verificação dos seguintes requisitos: (i) declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo; (ii) aquisição onerosa; (iii) por um terceiro de boa fé; (iv) registo da aquisição a favor do terceiro; e (v) anterioridade do registo de aquisição em relação ao registo da ação de nulidade ou de anulação. II - Ainda que verificados estes requisitos, a proteção do terceiro não funcionará se outra for a causa de invalidade, que não a falta de titularidade do alienante, e se a ação for proposta ou registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio (art. 291.º, n.º 2), sendo prazo de caducidade que começa a contar a partir da data da celebração do primeiro negócio inválido, que dá origem à cadeia. III - Inserto num sistema de registo meramente declarativo, o art. 291.º do CC não protege o terceiro adquirente que beneficia dos requisitos do n.º 1, caso não tenha sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como parte do primeiro negócio inválido, excluindo-se da sua aplicação o caso em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro. IV - Tendo a autora alegado que a cadeia de negócios inválidos foi iniciada por um negócio celebrado por um falso procurador, este elemento factual e jurídico é decisivo para se saber se funciona ou não a proteção do terceiro adquirente de boa fé, impondo-se a ampliação da matéria de facto, com inclusão deste, em ordem a constituir base suficiente para a matéria da decisão de direito.” Vale a pena atentarmos detidamente na douta fundamentação expendida no corpo do aresto. Data venia: “2. A disposição do art. 291.º do Código Civil constitui uma norma inovadora do Código Civil de 1966, inserida na Parte Geral, na Secção III, do Capítulo I – Nulidade e anulabilidade do negócio jurídico. Trata-se de uma norma de influência germânica, inspirada no § 892 do BGB (Rui de Alarcão, «Invalidade dos negócios jurídicos. Anteprojecto para o novo Código Civil», BMJ, n.º 89, 1959, p. 245), mas que introduzida num país de registo declarativo e que até há pouco tempo era facultativo, não pode assumir o mesmo significado que assume na ordem jurídica alemã, em que o registo é constitutivo. O facto de o art. 291.º se enquadrar num sistema de registo declarativo, de mera condição de oponibilidade em face de terceiros, nos termos do art. 5.º do CRPred. (aplicável ao registo automóvel), limita o seu âmbito de aplicabilidade, o qual não pode ser semelhante ao princípio da fé pública do registo no direito alemão. O registo automóvel, à semelhança do registo predial (as lacunas do regime jurídico do registo automóvel são integradas pelas regras do registro predial, segundo o art. 29.º do DL n.º 54/75, de 12-02 alterado pela última vez pela Lei n.º 39/2008, de 11-08), não supre os vícios do título, ou seja, não supre outros vícios para além da falta de legitimidade do alienante, resultante de uma alienação ou oneração anterior não registada. Neste sentido, o registo não garante ao adquirente que o prédio pertence ao transmitente e não a outrem nem assegura a bondade dos títulos inscritos ou do ato de inscrição. A ser de outro modo, qualquer pessoa, mesmo que tivesse registado o respetivo facto constitutivo, poderia vir a ser expropriada dos seus bens, se alguém conseguisse registar um título falso e posteriormente alienasse o «pseudo-direito» a terceiro de boa fé que registasse a aquisição, o que representaria uma insegurança demasiado grande nas posições jurídicas estáticas (cf. Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo, A protecção do terceiro adquirente de boa fé, Almedina, Coimbra, 2010, p. 332). Na dupla alienação do mesmo bem, os chamados efeitos centrais do registo (Orlando de Carvalho, «Terceiros para efeitos de registo», BFD, Vol. LXX,1994, p. 101), a prioridade da inscrição registal não protege o terceiro adquirente, se este adquirir de um sujeito que nunca foi proprietário do bem. O registo visa assegurar, não a titularidade efetiva do alienante, mas apenas que o direito a ter existido, ainda se conserva (Vaz Serra, «Hipoteca», BMJ, n.º 62, Jan. 1957, p.7). Historicamente, o registo foi introduzido em Portugal para constituir um instrumento de pressão à inscrição dos negócios aquisitivos ou constitutivos de direitos reais, acompanhado da consequente sanção para quem não registasse – a inoponibilidade do ato perante terceiros – sanção que criava, nos casos da dupla alienação ou oneração do mesmo bem, o risco da perda do direito a favor de um terceiro de boa fé que registasse em primeiro lugar. Contudo, está ao alcance do titular do direito evitar a perda do seu direito, procedendo ao registo da sua aquisição. O registo nunca teve por objetivo, nas ordens jurídicas em que assume natureza declarativa, constituir um instrumento de proteção perante os vícios do ato inscrito, decorrentes de uma invalidade substancial do próprio ato ou de outro ato anterior da cadeia de negócios. A função de proteção do terceiro contra os efeitos da invalidade e contra a declaração de nulidade do registo surgiu mais tarde no Código Civil de 1966 e foi importada dos países de origem germânica, onde vigora o sistema do registo constitutivo. Trata-se da proteção do adquirente a non domino prevista e regulada no art. 291.º do Código Civil, e que pressupõe requisitos diferentes dos exigidos para a proteção do terceiro no caso da dupla alienação. Na invalidade sequencial ou derivada, verifica-se a conclusão de um negócio nulo ou anulável pelo qual aparentemente se alienam direitos, e a seguir, o sujeito que ocupa a posição de adquirente celebra um segundo negócio, que é afetado pela invalidade do primeiro, de modo que também os seus próprios efeitos são prejudicados pelo princípio da retroatividade da declaração de nulidade ou da anulação do primeiro negócio inválido (art 289.º do Código Civil). Há uma cadeia de negócios e uma cadeia de terceiros, que são todos os sub-adquirentes, depois da celebração do primeiro negócio inválido (Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português - Teoria Geral do Direito, Almedina, Coimbra, 1992, p. 605, n.º 1003). O art. 291.º protege os terceiros adquirentes de boa fé contra os efeitos retroativos da declaração de nulidade e da anulação do negócio jurídico (Hörster, «Efeitos do registo – terceiros – aquisição a “non domino”», RDE,1982, p.139), operando como uma exceção ao princípio da retroatividade da declaração de nulidade ou da anulação do primeiro negócio de uma cadeia de negócios inválidos, por força do princípio da conservação dos negócios jurídicos (Cf. Hörster, A Parte Geral…ob. cit., pp. 601 e ss, pp. 604 ss). Os requisitos desta norma são os seguintes: 1. Declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis ou a bens móveis sujeitos a registo 2. Aquisição onerosa 3. Por um terceiro de boa fé 4. Registo da aquisição do terceiro 5. Anterioridade do registo de aquisição em relação ao registo da ação de nulidade ou de anulação. Esta norma jurídica visa resolver um problema de conflito de direitos entre o primeiro alienante, o verdadeiro proprietário, e o terceiro sub-adquirente de boa fé, que desconhecia, sem culpa, o vício do negócio, atuou de forma honesta e com a diligência exigível no tráfico jurídico e registou a sua aquisição. O contrato entre o alienante não legitimado (que celebrou o primeiro negócio inválido com o verdadeiro titular do direito) e o terceiro de boa fé não pode padecer de outra causa de invalidade para além da falta de titularidade do alienante. Por exemplo, em caso de incapacidade do alienante, o terceiro não está protegido. O artigo 291.º também não protege um terceiro adquirente que, mesmo de boa fé em relação à falta de titularidade do transmitente, tenha usado coação moral ou dolo para concluir o negócio. O momento relevante para aferir da boa fé é o da data da conclusão do negócio de que o terceiro adquirente é parte, mas a boa fé exigida pela lei (art. 291.º, n.º 3) é uma boa fé em sentido ético, que equipara a ignorância culposa à má fé. Mesmo mediante a verificação destes requisitos, a proteção do terceiro não funcionará se a ação for proposta ou registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio (art. 291.º, n.º 2), entendendo-se que este prazo de caducidade se começa a contar a partir da data da celebração do primeiro negócio inválido, que dá origem à cadeia (Cf. Hörster, A Parte Geral…ob. cit., pp. 140 e 143; Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 6.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 151; Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo, ob. cit., p. 611). A intenção da lei foi a de não levar demasiado longe a protecção de terceiros, pois tal significaria um sacrifício grave dos interessados na nulidade ou na anulabilidade, para além de ter sido considerado que o nosso sistema registal não oferece as garantias de exactidão que oferecem outros sistemas, como o alemão (cf. Rui de Alarcão, «Invalidade dos Negócios Jurídicos, Anteprojecto para o Novo Código Civil», 1959, p. 247). Por isso, a lei usou um conceito ético de boa fé, excluiu a protecção dos terceiros adquirentes a título gratuito e consagrou um período de carência de três anos (art. 291.º, n.º 2). «O método que fundamentou a decisão legislativa, relativamente a esta questão, terá sido o da ponderação conjunta dos interesses do proprietário na reivindicação do bem, do interesse do terceiro e do interesse colectivo da segurança do tráfico jurídico, que é também, indirectamente, o interesse do proprietário na facilidade de circulação dos seus direitos. A tutela do interesse do proprietário está limitada a um período de três anos decorridos após a conclusão do negócio inválido. A lei pretende, com este prazo, dar uma oportunidade ao verdadeiro proprietário para repor a verdade jurídica material, considerando que, após o decurso do prazo, o seu interesse deixa de merecer protecção. O centro do raciocínio do legislador é o comportamento do verdadeiro titular, justificando-se o sacrifício do direito deste, na sua própria negligência ou inércia em impugnar o negócio inválido, durante um período de três anos, após a sua conclusão» (cf. Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo. A protecção do terceiro adquirente de boa fé, ob. cit., p. 336). «(…) o fundamento do art. 291.º é a estabilidade dos negócios jurídicos, sofrendo o alienante que deu origem à cadeia de negócios inválidos as consequências de não ter actuado, dentro do prazo de três anos, interpondo a acção de nulidade ou de anulação. A lei faz uma conciliação entre os interesses do verdadeiro proprietário, que pode impor a realidade jurídico-material ao terceiro, durante um prazo de três anos, a contar da data da conclusão do negócio inválido, e os do terceiro sub-adquirente, interessado em salvaguardar a sua aquisição dos efeitos retroactivos da invalidade» (Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo, ob. cit., p. 338). Contudo, esta proteção opera apenas quando o verdadeiro titular do direito dá origem à cadeia de negócios que vai culminar com a aquisição onerosa de terceiro adquirente de boa fé. A aquisição a non domino prevista no art. 291.º, n.º 1 do Código Civil não permite que, através da intervenção de um terceiro que obtenha um registo falso ou baseado em títulos falsos, fique sanada a nulidade negocial derivada da cadeia transmissiva assim gerada, pois tal solução seria equivalente a admitir a expropriação do verdadeiro titular que não terá meios para se aperceber da fraude por não ter praticado qualquer negócio jurídico que desse origem à cadeia de negócios inválidos (Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo…ob. cit., p. 481). Sendo assim, dentro da lógica de um registo meramente declarativo, o art. 291.º do Código Civil não protege o terceiro adquirente que beneficia dos requisitos do n.º 1, caso não tenha sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como parte do primeiro negócio inválido. 3. Para funcionar a proteção conferida pelo art. 291.º, a cadeia de negócios inválidos tem que ser iniciada pelo verdadeiro proprietário, não estando abrangida no seu âmbito de aplicação a situação em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro. Partindo da premissa acima enunciada, a que mais se adequa ao sistema translativo de direitos reais da ordem jurídica portuguesa e aos efeitos limitados do registo, tem razão a autora quando pede que seja ampliada a matéria de facto para que se averigue a alegada falsificação do registo obtido com base num contrato de compra e venda verbal feito, em seu nome, por um falso procurador. Não têm razão as instâncias quando entendem que estes factos são irrelevantes para a verificação dos pressupostos do art. 291.º do Código Civil. Tendo a autora alegado que a cadeia de negócios inválidos foi iniciada por um negócio celebrado por um falso procurador, este elemento factual e jurídico é decisivo para sabermos se funciona ou não a proteção do terceiro adquirente de boa fé. O facto de a autora ter intentado a ação de reivindicação contra o terceiro decorridos mais de três anos após a conclusão do primeiro negócio inválido (prazo de caducidade previsto no art. 291.º, n.º 2), e de esta ação não ter sido registada antes do registo do terceiro, como exige o art. 291.º, n.º 1, não tem relevância se vier a provar-se que a autora não teve intervenção no primeiro negócio da cadeia de negócios inválidos descrito no facto provado n.º 3.” Nesta senda se orientou também o Acórdão desta Relação de 27-10-2016(17): “1 - O art. 291.º, nºs 1 e 2 do Código Civil está em vigor, não tendo sido revogado pelos arts 5.º, nº 1 e 17.º, nº 2, do Código de Registo Predial. 2 – O conceito de terceiro para efeito do registo não coincide com o conceito de terceiro a que se reporta o artigo 291º do Código Civil, porque na primeira situação o conflito é entre dois adquirentes do mesmo transmitente e, na segunda, o conflito ocorre entre o primeiro transmitente e o último sub-adquirente, numa cadeia de negócios inválidos. Na primeira situação é pressuposta a validade do primeiro negócio de transmissão e na segunda a sua invalidade, ali é protegida a confiança do adquirente nos dados constantes no registo, e aqui é protegida a estabilidade dos negócios jurídicos. 3 - O terceiro a que se refere o artigo 291.º do CC é protegido na medida em que lhe não pode ser oposta a nulidade do primitivo contrato de compra e venda se tiver adquirido o direito sobre imóveis a título oneroso, de boa fé, inscrito no registo predial a sua aquisição e haja decorrido um triénio sobre a data do primeiro contrato sem haver sido instaurada a acção de nulidade. 4 – Contudo, para funcionar a proteção conferida pelo art. 291.º, a cadeia de negócios inválidos tem que ser iniciada pelo verdadeiro proprietário, não estando abrangida no seu âmbito de aplicação a situação em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro.” Sigamos também os seus passos, mais uma vez data venia: “Comecemos por analisar os contornos da questão colocada ao tribunal, relativamente à venda de bem alheio, partindo do facto assente que, carecendo a ré V de legitimidade para alienar o veículo da autora, tal venda consubstancia uma venda de bem alheio, que é nula, nos termos do disposto no artigo 892.º do Código Civil, cabendo averiguar se os direitos adquiridos pelos restantes réus – três registos posteriores – são ou não prejudicados em consequência do vício substantivo que está na sua base. Deve desde já dizer-se que esta venda de bem alheio, se encontra ferida de nulidade nas relações entre alienante e adquirente, mas ela é ineficaz em relação ao proprietário – veja-se Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 3.ª edição revista e atualizada, Coimbra Editora, pág. 189 “No que se refere ao verdadeiro proprietário da coisa, a venda, como res inter alios, é verdadeiramente ineficaz (anotação de Vaz Serra ao Acórdão do STJ de 21/01/1972, na RLJ, ano 106.º, pág. 26)”. E esta é uma questão muito importante nestes autos. A autora, como proprietária do veículo, poderia ter-se limitado a uma ação de reivindicação, regressando o veículo à sua posse. Não estamos aqui perante aquela ação em que a mesma pessoa vende um bem a mais que um comprador, sendo estes terceiros para efeitos de registo, nos termos consagrados pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 3/99 “terceiros para efeitos do disposto no artigo 5.º do CRP, são os adquirentes de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa”. Não é o caso dos autos, em que se verifica uma sucessão de negócios jurídicos nulos, em que o transmitente e o adquirente são sempre diferentes. Mas vejamos mais detalhadamente. Ambos os recorrentes sustentam que, ao caso, deveria ter-se aplicado o disposto no artigo 17.º, n.º 2 do Código de Registo Predial e não o disposto no artigo 291.º do Código Civil. Dispõe o artigo 291.º, n.º 1 do Código Civil o seguinte: “A declaração de nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a bens móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da ação de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da invalidade do negócio” Contudo, conforme decorre do disposto no n.º 2 deste artigo 291.º do CC, no caso dos autos, os direitos de terceiros não estariam protegidos, uma vez que a ação foi proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio. É que a tutela do interesse do proprietário está limitada a um período de três anos decorridos após a conclusão do negócio que, no caso dos autos, ocorreu a 05/08/2009, tendo a ação sido instaurada a 31/03/2011 e registada a 20/02/2012. A lei pretende, com este prazo, dar uma oportunidade ao verdadeiro proprietário para repor a verdade jurídica material, considerando que, após o decurso do prazo, o seu interesse deixa de merecer proteção. No caso dos autos, tendo a ação sido intentada e registada dentro daquele período de três anos, não são reconhecidos os direitos de terceiros. Seria, então de aplicar o artigo 17.º do Código do Registo Predial? Vejamos. A presunção derivada do registo automóvel, decorrente das disposições conjugadas dos arts 29.º do Dec-lei 54/75, de 12 de Fevereiro, e do art. 7.º do Cód. Reg. Predial, é uma mera presunção "juris tantum", ilidível mediante prova em contrário. Tal prova pode resultar da nulidade do próprio registo ou da invalidade do acto substantivo inscrito (Antunes Varela, R.L.J. Ano 118- 307). O art. 17, nº 2, do C.R.P. proclama: "A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade ". Mas esta disposição tem de ser conjugada com o art. 291.º do Cód. Civil – veja-se, neste sentido, Acórdão do STJ de 27/04/2005, relator Azevedo Ramos, processo 05A837, in www.dgsi.pt. Pronunciando-se sobre a matéria, escreve Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., pág. 617): "No actual Código Civil, o problema da oponibilidade da nulidade ou anulabilidade a terceiros foi resolvido de forma original, através de um sistema de compromisso entre os interesses que estão na base da invalidade e os interesses legítimos de terceiros e do tráfico. Em princípio, tais formas de invalidade são oponíveis a terceiros, salvo o caso especial de simulação, que é inoponível a terceiros de boa fé (art. 243). Em nome da protecção dos legítimos interesses de terceiros e dos interesses do tráfico jurídico, estabeleceu-se, contudo, que a declaração de nulidade ou a anulação do negócio respeitante a bens sujeitos a registo, se não for proposta e registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio, é inoponível a terceiros de boa fé, adquirentes a título oneroso, de direitos sobre os mesmo bens". Na mesma esteira, Antunes Varela (R.L.J. Ano 118-310) também ensina: De acordo com a solução decorrente do art. 291, nºs 1 e 2, do C.C., "os efeitos extintivos característicos da nulidade ou anulação (do contrato) mantém-se plenamente durante os três anos posteriores à conclusão do negócio impugnado, desde que a acção, estando sujeita a registo, seja efectivamente registada. Passado, no entanto, esse período de defeso cerrado, se o contrato nulo ou anulado respeitar a bens imóveis (ou a móveis sujeitos a registo), e esses bens tiverem sido alienados ou onerados a favor de terceiro, que tenha registado a sua aquisição, os efeitos da nulidade ou anulação podem ter que ceder perante o direito do terceiro adquirente. Bastará para tal que o registo da aquisição de terceiro seja anterior ao registo da acção de nulidade ou anulação, que a aquisição tenha sido a título oneroso e que o adquirente tenha agido de boa fé ". Logo a seguir, o insigne Professor Antunes Varela acrescenta que a disciplina instituída pelo citado art. 291 do Cód. Civil pode, assim, ser retratada sob um duplo prisma de observação (obra e local cit.): "Por um lado, a disposição legal confirma a falta de valor constitutivo (autónomo) do registo, na medida em que durante os três anos posteriores à conclusão de qualquer contrato não defende o titular do direito formalmente inscrito nos livros do registo predial contra os efeitos da nulidade ou da anulação do contrato que tenha servido de pressuposto à sua aquisição ". " (...) Por outro lado, o preceito legal representa uma primeira e significativa conquista do registo contra o regime tradicional da nulidade ou anulação, na medida em que permite ao titular da inscrição efectuada no registo, embora só a partir de certo momento posterior à conclusão do contrato nulo ou anulável, fazer prevalecer o seu direito (real) referente ao imóvel ou ao móvel sujeito a registo sobre o direito, relativo à mesma coisa, do beneficiário da nulidade ou anulação ". E conclui: A nova disciplina formulada no art. 291 do Cód. Civil (...) " não representa uma limitação à força anteriormente atribuída ao registo, mas, bem contrário, um triunfo, uma vitória, uma conquista em suma (embora limitada e condicionada) do registo sobre a eficácia (extintiva ou destruidora) reconhecida no direito anterior à declaração de nulidade (absoluta ou relativa) ” – citações retiradas do Acórdão do STJ de 27/04/2005, já citado. Ou seja, o art. 291.º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil está em vigor, não tendo sido revogado pelos arts 5.º, nº 1 e 17.º, nº2, do C.R.P. (veja-se, também, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-11-96 Col. Ac. S.T.J., IV, 3º, pág. 104). “De resto, a plena vigência do mencionado art. 291 da lei civil é aceite pela generalidade da doutrina (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed, pág. 267; Antunes Varela, R.L.J. Ano 118- 310; Mota Pinto, Teoria Geral de Direito Civil, 3ª ed, pág. 617; Menezes Cordeiro, Direitos Reais, I, 1979, pág. 383 e segs; Heinrich Horst, Rev. de Dir. e Economia, Ano 8º, pág. 136 e segs)” – Ac. STJ de 27/04/2005. Relembramos que o conceito de terceiro de boa fé para efeitos de registo (AUJ n.º 3/99, já citado), que está implícito na redação do artigo 17.º do CRP, não tem aplicação no caso dos autos, uma vez que não existe aqui uma situação de conflito entre dois adquirentes, em que um dos negócios é válido e em que se protege a confiança do adquirente nos dados constantes do registo. O que existe é uma sucessão de negócios jurídicos nulos, em que o conflito se estabelece entre o primeiro transmitente e o último sub-adquirente, pressupondo-se, não a validade (como no caso dos terceiros para efeitos de registo), mas antes a invalidade do primeiro negócio de transmissão. Ou seja, declarada a nulidade de um contrato de compra e venda, em simultâneo deve o comprador restituí-lo ao vendedor e este entregar àquele o respectivo preço (artigos 290º, 874º e 879º do Código Civil). Todavia, excepcionalmente, por um lado, a declaração de nulidade do negócio jurídico respeitante a bens imóveis, ou móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre eles a título oneroso por terceiro de boa fé – desconhecedor do vício sem culpa no momento da aquisição - no caso de o registo da aquisição ser anterior ao registo da acção (artigo 291º, nºs 1 e 3, do Código Civil). E, por outro, em quadro de limitação daquela excepção, os direitos de terceiro não são reconhecidos se a acção for proposta e registada nos três anos posteriores à conclusão do negócio (artigo 291º, nº 2, do Código Civil). “Este último artigo reporta-se, por exemplo, aos casos em que uma pessoa, por contrato afectado de nulidade, vendeu a outra um prédio, e esta última o vendeu invalidamente a outrem. Visa o referido normativo, verificados os pressupostos a que alude, proteger, por exemplo, o referido comprador do efeito da declaração da nulidade do primeiro contrato de compra e venda. O terceiro a que este artigo se reporta é, pois, o sub-adquirente posterior à celebração do primeiro contrato afectado de nulidade por ilegitimidade substantiva, portanto no quadro de aquisição a non domino. É protegido na medida em que lhe não pode ser oposta a nulidade do primitivo contrato de compra e venda se tiver adquirido o direito sobre imóveis a título oneroso, de boa fé, inscrito no registo predial a sua aquisição e haja decorrido um triénio sobre a data do primeiro contrato sem haver sido instaurada a acção de nulidade. O conceito de terceiro a que se refere este artigo, sob motivação de estabilidade de situações jurídicas, pressupõe, pois, a sequência de nulidades e o conflito entre o primeiro transmitente e o último subadquirente, pelo que é diverso do conceito de terceiros para efeito de registo predial” – Acórdão do STJ de 21/06/2007, relator Salvador da Costa, processo 07B1847, www.dgsi.pt. A função do registo predial, sendo declarativa e não constitutiva, não pode suprir a falta do direito nem sanar os vícios que envolvam os direitos transmitidos. E continua, de forma esclarecedora, aquele Acórdão do STJ de 21/06/2007: “As situações prevenidas pelo conceito de terceiros para efeitos de registo, são situações em que ocorre uma relação triangular consubstanciada em dupla transmissão pelo mesmo alienante de um bem imóvel ou de um bem móvel sujeito a registo a um primeiro transmissário, que não inscreve no registo a aquisição, e depois a um segundo, que opera a respectiva inscrição registal. São situações de conflito entre dois adquirentes, é válido o primeiro negócio de transmissão e não o segundo, mas o primeiro adquirente não pode opor ao segundo a sua aquisição, porque ela não constava no registo, e o último não podia, dada a fé pública derivada do registo, conhecer que o alienante já não era o titular do direito em causa. Mas este conceito de terceiro para efeito do registo, tal como acima se referiu, não coincide com o conceito de terceiro a que se reporta o artigo 291º do Código Civil, porque na primeira situação o conflito é entre dois adquirentes e, na segunda, o conflito ocorre entre o primeiro transmitente e o último sub-adquirente. Na primeira situação é pressuposta a validade do primeiro negócio de transmissão e na segunda a sua invalidade, ali é protegida a confiança do adquirente nos dados constantes no registo, e aqui é protegida a estabilidade dos negócios jurídicos em termos de excepção ao disposto no artigo 289º, nº 1, do Código Civil”. Não se verifica qualquer inconstitucionalidade material por violação dos princípios da boa fé nos negócios, na publicidade do registo da equidade e da justiça, conforme pretende o recorrente Paulo J – conclusão XXIV da sua alegação – uma vez que a não aplicação do artigo 17.º do CRP não resulta de qualquer discordância, ou interpretação mais restritiva desse normativo, mas pura e simplesmente, porque o mesmo não é de aplicar à situação dos autos, existindo, na lei civil, norma que tutela a questão substantiva em análise, de acordo com a opção do legislador ordinário, a quem cabe densificar os conceitos em causa. Importa, ainda, lembrar o que acima referimos quanto à ineficácia do acto em relação ao verdadeiro proprietário. Conforme refere Maria Clara Sottomayor, in “Invalidade e registo, A protecção do terceiro adquirente de boa fé”, Almedina, Coimbra, 2010, p. 338 «(…) o fundamento do art. 291.º é a estabilidade dos negócios jurídicos, sofrendo o alienante que deu origem à cadeia de negócios inválidos as consequências de não ter actuado, dentro do prazo de três anos, interpondo a acção de nulidade ou de anulação. A lei faz uma conciliação entre os interesses do verdadeiro proprietário, que pode impor a realidade jurídico-material ao terceiro, durante um prazo de três anos, a contar da data da conclusão do negócio inválido, e os do terceiro sub-adquirente, interessado em salvaguardar a sua aquisição dos efeitos retroactivos da invalidade» Contudo, como refere a Conselheira Clara Sottomayor, no Acórdão do STJ de 19/04/2016, processo n.º 5800/12.6TBOER.L1-A.S1, in www.dgsi.pt: “esta proteção opera apenas quando o verdadeiro titular do direito dá origem à cadeia de negócios que vai culminar com a aquisição onerosa de terceiro adquirente de boa fé. A aquisição a non domino prevista no art. 291.º, n.º 1 do Código Civil não permite que, através da intervenção de um terceiro que obtenha um registo falso ou baseado em títulos falsos, fique sanada a nulidade negocial derivada da cadeia transmissiva assim gerada, pois tal solução seria equivalente a admitir a expropriação do verdadeiro titular que não terá meios para se aperceber da fraude por não ter praticado qualquer negócio jurídico que desse origem à cadeia de negócios inválidos (Maria Clara Sottomayor, Invalidade e registo…ob. cit., p. 481). Sendo assim, dentro da lógica de um registo meramente declarativo, o art. 291.º do Código Civil não protege o terceiro adquirente que beneficia dos requisitos do n.º 1, caso não tenha sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como parte do primeiro negócio inválido. Para funcionar a proteção conferida pelo art. 291.º, a cadeia de negócios inválidos tem que ser iniciada pelo verdadeiro proprietário, não estando abrangida no seu âmbito de aplicação a situação em que um sujeito obtém um registo falso e aliena o bem a um terceiro”. Como, enfim, ensinava o Prof. Orlando de Carvalho(18), o artº 291º, do CC, consagra o que (além do efeito automático e do efeito central) apelidou de efeito lateral do registo, no caso tutelando terceiros de boa-fé contra a invocação de invalidades do mesmo. Pressuposto, porém, é que os conflituantes adquiram do mesmo autor ou transmitente. Como corrobora, citando Coviello, “«Quem pretende ser preferido em virtude da transcrição a que procedeu deve encontrar-se em conflito com alguém que adquiriu do mesmo causam dans. Se são diversos os autores, um será proprietário e o outro não. Ora quem não tinha o poder de dispor nada podia transmitir e aquele que com ele contratou nada podia obter, de acordo com o conhecido princípio nemo plus júris transfere potest quam ipse habet. O conflito não poderá então decidir-se com base na prioridade da transcrição, mas segundo a pertença ou não do domínio aos respectivos autores. Quem adquiriu a domino, ainda que não tenha transcrito, é sempre preferido a quem adquire a no domino, se bem que o seu título se torne público.» O que importa, em suma, é realçar que terceiros são apenas os que estão em conflito entre si, o que só se verifica quando o direito de um é posto em causa pelo do outro. Pressupõe isto que o transmitente ou causante é o mesmo, pois, não o sendo, só um dos adquirentes é a domino e o direito do outro, mais do que afectado pelo direito daquele, é afectado pelo não direito do seu tradens.” Ainda na busca da distinção entre as normas do artº 291º, do CC, e do artº 17º, do CRP, refere-se no sumário do Acórdão do STJ, de 05-07-2016(18): “I – O art. 291º do CC refere-se às desconformidade substantivas ao passo que a previsão do art. 17º do CRgP se reporta à invalidade registal. II – A previsão do artº 291º do CC tem como fundamento a estabilidade dos negócios jurídicos, conciliando os interesses do proprietário – que pode impor a realidade jurídico-material a terceiros – e os terceiros de boa fé, que almeja preservar a aquisição face aos efeitos retroactivos da declaração de nulidade. O comando ínsito no artº 17º do CRgP assenta num vício que determina a nulidade do registo, protegendo o terceiro que adquiriu o seu pseudodireito com base num registo desconforme com a realidade substantiva. III – Verificando-se que o registo da presente acção (pela qual se pretende a declaração de nulidade de dois negócios de compra e venda) não precedeu quer o registo da aquisição efectuado pelo réu adquirente quer aquele que foi efectuado pelo réu dele subadquirente e que este comprou o imóvel de boa fé, a aplicação do disposto no artº 17º do CRgP conduziria ao reconhecimento da propriedade ao primeiro réu, o que, tendo em conta que a compra e venda que celebrou veio a ser declarada nula, afrontaria a protecção constitucional desse direito real.” Voltando ao nosso caso. Como resulta dos factos apurados e salientam os apelantes, nem a Etelinda nem os seus herdeiros foram “tidos nem achados” quanto à transmissão do direito de propriedade sobre o seu imóvel urbano inscrito na Matriz sob o artigo 308 e descrito na Conservatória sob o nº 00142/070786 e nesta inscrito a seu favor pela AP. 12 de 07/07/1986. Embora ela tivesse acordado com JJ “trocá-lo” por uma fracção do edifício a lá reconstruir por este, o certo é que tal negócio nunca se concretizou entre eles nem entre quem lhes sucedeu, permanecendo incólume nas inscrições e na esfera jurídica dela e, depois, dos herdeiros, não só a coisa enquanto imóvel urbano mas também a titularidade do direito de propriedade sobre ela, agora integrante do acervo hereditário titulado por estes. Os negócios posteriores, designadamente dos 2ºs réus para os 1ºs réus, ocorreram à revelia daqueles, partiram de uma aparência ou ficção falsamente criada pelos intervenientes na escritura de rectificação e de constituição da propriedade horizontal e através desta, da qual emergiram novas coisas (fracções autónomas) e novos direitos reais (de propriedade sobre aquelas e de compropriedade sobre as partes comuns – artº 1420º, CC) constituídos contrariamente à verdade e titulados por quem realmente os não adquiriu, designadamente da anterior titular Etelinda. Bem assim, com base neles, os registos. Logo, à luz de tudo o exposto(20), nenhuma aquisição procedendo a domino, não podem os “terceiros” pretender beneficiar, por inaplicável a tal situação, do regime protectivo do artº 291º, CC. Assim sendo, como é, permanecendo incólume o direito de propriedade sobre o referido prédio urbano (inscrito na Matriz sob o artº 30X e descrito na Conservatória com o nº 00142), titulado primeiro pela GG e depois pelos seus herdeiros, atento o seu carácter erga omnes impositivo de obrigação passiva universal respeitadora do gozo pleno e exclusivo, pelo proprietário, dos direitos de uso, fruição e disposição da coisa que lhe pertence (artº 1305º, CC) mas verificando-se que a situação criada se aparta de tal obrigação e ofende tal direito, mormente pela alteração física levada a cabo no imóvel e, sobretudo, pela detenção deste pelo interveniente sem fundamento válido e legítimo algum, há que reconhecer à herança o direito de sobre ele realmente exercer a sequela e preempção características do seu absoluto domínio, devendo ser-lhe restituída, como decorre em geral do artº 1311º e, em especial, dos artºs 2075º, e sgs, CC, por forma a propiciar à sua cabeça de casal (a autora) administrá-lo, nos termos dos artºs 2079º e 2088º, e aos herdeiros dele dispor ou partilhá-lo. De facto, àquela protecção do artº 291º, CC, se tendo limitado as objecções a tal reconhecimento e entrega deduzidas mas sendo a mesma inaplicável ao caso como se viu, as vicissitudes ocorridas que conduziram à posse do bem pelo interveniente são ineficazes em relação ao dominus e não constituem obstáculo nem dificuldade juridicamente atendíveis à reposição da situação ex ante. Aliás, o inquestionado vício originário (nulidade absoluta) já reconhecido na sentença ora impugnada dos actos vertidos na escritura de rectificação e de constituição da propriedade horizontal (e, portanto, deste, enquanto criador das fracções sobre coisa alheia) com a reflexa afectação invalidante dos actos transmissivos subsequentes até à colocação do bem no domínio fáctico do interveniente, impõe a sua declaração (até de carácter oficioso e, para além dos réus participantes, erga omnes) com os normais efeitos restitutivos previstos na lei, nos termos dos artºs 286º e 289º, CC, conforme peticionado, efeitos contra os quais – repete-se – nada mais foi objectado nem procede o do artº 291º. Naturalmente, os registos daqueles actos originários e dos posteriormente lavrados com base neles têm de ser cancelados, nos termos do artº 13º, do Código de Registo Predial. Daí que, na procedência da apelação, deva alterar-se a sentença recorrida e julgar-se procedente a acção e os pedidos formulados. V. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, em consequência, dando provimento à apelação, alteram a decisão recorrida, julgando totalmente procedente, por provada, a acção, e, em consequência: a) Declaram que GG foi, até à sua morte, ocorrida em 29-05-2000, dona, com exclusão de outrem, do prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão, com 36 m2, sito na Rua X, Chaves, inscrito na Matriz sob o artº 30Xº, descrito na CRP sob o nº 00142 e aí inscrito a seu favor pela AP.12; b) Declaram que o prédio identificado na precedente alínea a), em consequência do óbito daquela GG, passou a integrar o património autónomo constituído pela sua herança aberta, ainda ilíquida e indivisa; c) Declaram que a autora AA é herdeira e cabeça de casal da herança referida em b); d) Condenam os demandados a reconhecerem o declarado nas precedentes alíneas a), b) e c) e a respeitarem e a não perturbarem, por qualquer forma, o direito de propriedade da herança sobre tal prédio, conforme alíneas a) e b); e) Declaram a nulidade da escritura de rectificação e de constituição da propriedade horizontal outorgada no Cartório Notarial de Chaves em 06-04-2004, constante do livro para escrituras diversas nº 4XX C, a fls. X, por falsidade das declarações nela prestadas; f) Ordenam, em consequência, o cancelamento dos seguintes registos: - Constituição da propriedade horizontal (Ap.03– F3; Averb. 3) do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001; - Alteração da área e confrontação do lado poente (Ap.03 Av.2) do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001; - Registo das fracções autónomas A a D do prédio urbano inscrito na Conservatória do Registo Predial de Chaves sob o n.º 001; - Inscrições, descrições e averbamentos de actos que a partir e com base naquela escritura e nestes registos tenham sido lavrados posteriormente sobre as fracções autónomas constituídas; g) Declaram, em consequência, a nulidade da escritura de compra (pelos 1ºs réus BB) e venda (pelos 2ºs réus CC) outorgada no Cartório Notarial de Montalegre, em 11-07-2005, constante do livro de escrituras diversas nº 9XX-A, a fls. X e ss; h) Declararam, em consequência, a nulidade da escritura de doação (pelos 2ºs réus Manuel Francisco Ribeiro aos 3ºs réus DD outorgada no Cartório Notarial de Valpaços, em 18-05-2005, constante do livro para escrituras diversas nº 1XX-D, a fls. X e ss; i) Declararam, em consequência, a nulidade da escritura de compra e venda outorgada (pelos 1ºs réus BB e marido ao interveniente principal demandado II) no Cartório Notarial de Boticas, em 11-02-2008, constante do Livro 6XX-C, a fls. X; j) Condenam os demandados a reconhecerem o declarado nas alíneas e) a j) e, bem assim, a desocuparem imediatamente o imóvel referido na alínea a) precedente, a desfazerem todas as obras nele efectuadas, repondo-o ao seu anterior estado, e a entregá-lo à autora AA, a fim de esta o poder administrar como cabeça de casal da dita herança. * Custas da acção e da apelação pelos demandados/apelados – (artºs 527º, nºs 1 e 2, e 529º, do novo CPC, e 1º, nºs 1 e 2, 3º, nº 1, 6º, nº 2, referido à Tabela anexa I-B, 7º, nº 2, 12º, nº 2, 13º, nº 1 e 16º, do RCP). * * * Notifique. Guimarães, 16 de Março de 2017 ____________________________________ José Fernando Cardoso Amaral ____________________________________ Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo ____________________________________ Higina Orvalho Castelo ______________________________________________________________________ 1. Adiante alterados. 2. Relatado pelo Consº Garcia Calejo. 3. Estudos Sobre o Novo Processo Civil, página 453. 4. Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª edição, páginas 172 e 173. 5. “O Ónus de concluir nas alegações de recurso em processo civil”, acessível na Internet, através do Google, pesquisando com este título. 6. Transcreve-se tal narrativa, uma vez que ela retrata expressivamente o caso tal como o tribunal a quo o percepcionou e se convenceu. 7. Mais adiante transcreveremos o teor de tal escritura. 8. Volume VI, Coimbra Editora, 1998, páginas 130 a 135 e 146 a 152. 9. Acórdão da Relação do Porto, de 22-10-2013, processo nº 272/12.8TBMGD.P1, relatado pelo Desembargador Fernando Samões: “V - A acção de petição da herança tem como causa de pedir a sucessão mortis causa e a subsequente apropriação por outrem de bem da massa hereditária e como pedidos o reconhecimento judicial da qualidade sucessória de herdeiro – principal – e a restituição desse bem. VI - A acção de reivindicação – acção real por natureza – tem como pedido principal o reconhecimento do direito de propriedade e a consequente restituição da coisa.” 10.Sublinhados nossos. 11.Processo 1509/2007-6, relatado pela então Desembargadora Fernanda Isabel Pereira. 12.Processo 1268/03.6TBSCR.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Garcia Calejo. 13.Processo nº 04A1054, relatado pelo Consº Moreira Alves. 14.Processo nº 3375/09.2TBMTS.P1.S1, reltado pelo Consº Tavares de Paiva. 15.Processo 42/2001.C1.S1, relatado pelo Conselheiro Garcia Calejo. Sublinhados sempre por nós apostos. 16.Processo nº 5800/12.6TBOER.L1-A.S1, relatado pela Conselheira Maria Clara Sottomayor. 17.Processo 1122/11.8TBBCL.G1, relatado pela Desembargadora Ana Cristina Duarte. 18.“Terceiros para Efeitos de Registo”, in BFDUC, nº 70 (1994), páginas 97 a 106. 19.Processo nº 1171/10.3TBVIS-J.C1.S1-6ª secção, relatado pelo Conselheiro Pinto de Almeida. 20.Que se nos afigura a orientação relativa ao conceito de terceiros e aos problemas de registo e prevalência dos princípios e regras de direito substantivo mais consonante com a emergente do AUJ 3/99 e do recente AUJ 1/2017.