Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ISABEL ROCHA
Descritores
CONHECIMENTO OFICIOSO CULPA DO LESADO
No do documento
RG
Data do Acordão
01/14/2010
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
CONFIRMADA
Sumário
O conhecimento da culpa do lesado imposto pela segunda parte do art.º 572º do Código Civil, não permite que o juiz aprecie, por sua iniciativa, factos não alegados pelas partes que não se incluam nos casos previstos no art.º 264º nºs 2 e 3 do CPC, em que se impõe ao julgador o seu conhecimento, não obstante a omissão de tal alegação.
Decisão integral
Acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães.
 
I RELATÓRIO
[A] interpôs a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, contra “[B], Companhia de Seguros SA”, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 195.164,02 (acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação) valor em que computa os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreu em consequência de acidente de viação da responsabilidade do condutor de veículo cuja responsabilidade civil havia sido transferida para a ré, mercê de contrato de seguro.
A Ré contestou apenas por impugnação.
Foi proferido despacho saneador tabelar e organizada a matéria de facto assente e a base instrutória.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo. No decurso da mesma, o mandatário da Ré requereu, ao abrigo do disposto nos artºs 264º nº 2 do CPC e 572º do CC,  que fosse levado à base instrutória, ou pelo menos se tivessem em consideração ao fixar a matéria de facto, oficiosamente, factos instrumentais resultantes da instrução da causa, a saber, a existência de rastos de travagem e a limitação de velocidade na local do acidente.
Após decisão sobre a matéria de facto que não mereceu qualquer reclamação, foi proferida sentença onde se julgou a acção parcialmente procedente condenando-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 38.868,76, acrescida de juros de mora contados à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, que foi recebido, apresentando alegações que concluiu do seguinte modo:
1) Com o disposto no art. 572° C. Civil pretendeu o legislador evitar, na obrigação de indemnização, uma condenação eventualmente injusta de quem, por negligência processual, não alegou na acção os factos atinentes à culpa do próprio autor lesado;
2) Concomitantemente, com o disposto no art. 264° CPC pretendeu ainda o mais recente legislador conceder ao tribunal maiores poderes de apreciação e de conhecimento oficioso da factualidade essencial e instrumental interessante à decisão da causa a final;
3) Um rasto de travagem seguido de colisão automóvel indicia sempre, fruto de presunção judicial simples ou de mera experiência, uma determinada velocidade do veículo implicado, por recurso às leis da física ou dinâmica dos corpos em movimento;
4) Uma determinada limitação de velocidade que, em concreto, é de toda a gente conhecida num movimentado percurso urbano desta cidade de Braga deve ser tida como do domínio público em geral e, logo, também do próprio tribunal, independentemente da sua alegação pelas partes, seja para efeitos do disposto no cit art.512°, seja por mera aplicação do disposto nos arfo. 264°/2 e 514°/S CPC:
5) Aquela velocidade, implicada naquele rasto de travagem e na colisão subsequente, vistas as características desta, pode e deve ser apreciada e correlacionada pelo tribunal em relação à específica limitação de velocidade que é um dado seguro ou facto público e notório no local e/ou comarca competente;
6) Ao recusar o conhecimento oficioso, que lhe cumpria, de tais dados, de facto trazidos à acção pela própria instrução e discussão da causa, o tribunal a que violou directamente os preceitos supra indicados, maxime a norma ínsita ao cit. art. 572° CCivil;
7°) Aliás, é do próprio depoimento testemunhal do agente policial que elaborou o auto de notícia deste acidente de viação, e respectivo "croquis", que resulta a confirmação dessa limitação de velocidade por placas de “50” no local, à época do sinistro;
8) Deve sindicar-se, pois, o despacho de fixação da matéria de facto, na parte em que omite qualquer referência à limitação de velocidade no local e ao cálculo velocimétrico que é possível efectuar nos autos em relação ao veículo do Autor da acção, face à distância percorrida com os pneus de rastos sobre o asfalto e à violência da colisão mesmo assim produzida;
9) Para a produção do acidente de viação dos autos contribuiu também a conduta do Autor, circulando em perímetro urbano ou citadino a um velocidade que deve fixar-se em quantitativo não inferior a 80 km/h., ou, pelo menos, sempre superior a 50 kms/horários, que lhe não permitiu evitar a colisão ou o agravamento dos danos sofridos - cfr. art. 570° CCivil;
10) A indemnização conferida ao Autor para o ressarcimento do dano corporal futuro está algo sobrestimada, em termos dos critérios de equidade a ter em conta, devendo ser reduzida em conformidade com a situação mais actual que emerge da documentação junta em plena audiência de discussão e julgamento. 
 
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
 
IIFUNDAMENTAÇÃO
Objecto do recurso
O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nºs 3 e 4 e 690 nº 1 do Código de Processo Civil).
Nos recursos apreciam-se questões e não razões, não visando os mesmos criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. 
Assim sendo, as questões a decidir são as seguintes:
Apreciação, de facto e de direito, da existência da culpa do Autor lesado na produção do acidente em causa nos autos;
Valor da indemnização devida pela provada perda de capacidade de ganho do Autor, decorrente da I.P.P. . 
 
A matéria de facto provada constante da sentença recorrida é a seguinte:
1 - No dia 24 de Março de 2006, pelas 12 horas e 40 minutos, na Avenida Frei Bartolomeu dos Mártires, freguesia de S. Vítor, neste concelho e comarca de Braga, ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 95-03-JO, pertencente a “[C], Lda” e então conduzido pelo ora A., e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula GU-93-06, pertencente a [D], seu dono – alínea A) da mat. facto assente;
2 - O JO circulava pela Avenida Frei Bartolomeu dos Mártires no sentido Nogueira-Hipermercado Feira Nova, pela fila de trânsito mais à esquerda das quatro que ali estavam reservadas ao tráfego que se processava no mencionado sentido – resp. às bases 1ª e 2ª;
3 - O GU saiu de um posto de abastecimento de combustíveis situado na margem direita da Avenida, conforme o sentido prosseguido pelo JO, ingressando na fila mais à direita das quatro reservadas ao tráfego que se processava no sentido Nogueira-Hipermercado Feira Nova, donde passou para a segunda fila – resp. às bases 4ª e 5ª;
4 - Apercebendo-se da progressão do GU para a esquerda, o A. buzinou – resp. à base 6ª;
5 - Apesar disso, o GU continuou a progredir para a esquerda, passando para a terceira fila e desta para a quarta, atravessando-se na frente do JO e indo embater no separador central da Avenida, cortando a trajectória do JO, cujo condutor, não obstante tivesse travado energicamente, não logrou evitar embater-lhe – resp. às bases 7ª a 12ª
6 - No momento do embate o GU não era tripulado – resp. à base 13ª;
7 - O respectivo proprietário imobilizara-o no posto de abastecimento de combustíveis para adquirir uma botija de gás e deixara-o destravado e em “ponto morto” enquanto se dirigira ao escritório para proceder ao pagamento – resp. às bases 14ª e 15ª;
8 - Porque existisse um desnível entre o posto de abastecimento de combustíveis e a Avenida Frei Bartolomeu dos Mártires, o GU deslizou em direcção a esta artéria – resp. à base 16ª;
9 - Do local do embate o A. foi transportado para o Hospital de S. Marcos, em Braga, onde lhe foram diagnosticadas escoriações no nariz e registada a queixa de dores na coluna cervical – resp. às bases 18ª e 19ª;
10 - Recebeu alta hospitalar e medicado nesse mesmo dia – resp. à base 20ª;
11 - Porque continuasse a sentir dores, no dia 24 de Março de 2006 recorreu a um médico ortopedista – resp. à base 21ª,
12 - Em consequência do embate sofreu traumatismo da coluna cervical, bem como escoriações e fractura dos ossos próprios do nariz – resp. à base 22ª;
13 - Esteve acamado – resp. à base 23ª;
14 - Foi sujeito a exames radiológicos – resp. à base 24ª;
15-E foram-lhe prescritos analgésicos, anti-inflamatórios e relaxantes musculares – resp. à base 25ª;
16 - Tendo ainda sido submetido a tratamentos de fisioterapia – resp. à base 26ª;
17 - Esteve absolutamente impossibilitado de trabalhar até 25 de Junho de 2006, data em que, mercê da consolidação médico-legal das lesões, obteve alta definitiva – resp. às bases 27ª a 29ª;
18 - Como sequelas de carácter definitivo das lesões sofridas, apresenta cervicalgia residual, que se acentua quando levanta pesos ou efectua movimentos bruscos e pronunciados, e estenose nasal mínima decorrente da fractura dos ossos do nariz, sem desvio do septo nasal, as quais lhe determinam uma incapacidade permanente geral, com rebate profissional d, de 8% - resp. às bases 30ª  e 33ª e resp. parcial à base 31ª;
19 - Durante o período de convalescença sofreu dores fixáveis no grau 2 numa escala de 1 a 7 – resp.  parcial à base 31ª;
20 - Ainda em consequência do embate despendeu a quantia de €17,20 em taxas moderadoras, a quantia de €99,06 em medicamentos, a quantia de €57,50 em exames radiológicos e a quantia de €195 em consultas médicas e tratamentos de fisioterapia – resp. às bases 35ª a 38ª;
21 – O A. nasceu no dia 1 de Setembro de 1958 – cfr. doc. de fls. 115;
22 - À data do embate era fisicamente bem constituído e saudável – resp. à base 45ª;
23 - Trabalhava como chapeiro numa oficina e prestava serviços como perito avaliador no ramo da sinistralidade automóvel, auferindo um rendimento mensal médio de €2.500,00 -  resp. à base 44ª;
24 - Sente desgosto por se ver fisicamente diminuído – resp. às bases 46ª a 50ª;
25 - A responsabilidade civil emergente da circulação do GU encontrava-se transferida para a Ré mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 5070/1144158 – alínea B) da mat. facto assente.
                                                           
O Direito
Do conhecimento oficioso da culpa do lesado.
Pretende o recorrente que o tribunal, oficiosamente, conheça, de facto e de direito, da existência da culpa do lesado na produção do acidente de viação em causa nos autos.
Dispõe o artº 572º do Código Civil:
“Àquele que alega a culpa do lesado incumbe a prova da sua verificação; mas o tribunal conhecerá dela, ainda que não alegada.”
 
Segundo a regra geral do artº 342 nº 1 do CC, quem invoca um direito cabe fazer a prova dos respectivos factos constitutivos. Por sua vez, a prova das excepções, isto é, dos factos impeditivos, modificativos e extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (artº 342º nº 2 do CC)
Por regra, ao ónus da prova estabelecido nestas normas, corresponde um ónus de alegação expresso, essencialmente, no artºs 264º nº 1 do Código de Processo Civil: é às partes que cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.
Como dispõe o nº 2 da mesma norma, “O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes…”.
O conhecimento oficioso de factos não alegados, só pode ter lugar nas situações excepcionais em que a lei processual civil o prevê, a saber: quanto aos factos notórios e àqueles que o tribunal tem conhecimento em virtude do exercício da sua função ( artº 514º do CPC); no que respeita aos factos de onde resulte terem as partes usado o processo para praticar um acto simulado ou para conseguirem um fim proibido por lei (artº 665º do CPC); quando se tratem de factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa (artº 264º nº 2 segunda parte); se estiverem em causa factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas desde que sejam complemento ou concretização de outros que as partes tenham alegado oportunamente e resultem da instrução e da discussão da causa, quando a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.
A questão que agora se nos coloca é a de saber se o conhecimento da culpa do lesado imposta pela segunda parte do art.º 572º do Código Civil, permite que o juiz aprecie, por sua iniciativa, factos não alegados pelas partes que não se incluam nos referidos casos em que se impõe ao julgador o seu conhecimento, não obstante a omissão de tal alegação.
A nosso ver a resposta tem de ser negativa. 
O art.º 572º não veio postergar as normas processuais, nem por em causa o princípio do dispositivo, actualmente mitigado. O sentido da norma é que o julgador, tendo em conta os factos que lhe é lícito conhecer e a prova que deles se faça, aprecie a existência da culpa do lesado, ainda que não tenha sido alegada pela parte a quem aproveita. 
Vejamos então o caso dos autos.
A Ré Seguradora não alegou qualquer excepção, designadamente factos de onde pudesse resultar a culpa total ou parcial do Autor/lesado. Limitou-se a impugnar os factos alegados na petição inicial, sem mais.
Contudo, em audiência de julgamento requereu que fossem levados à base instrutória os seguintes factos que qualificou como instrumentais: os rastos de travagem do veículo do Autor no local do acidente e o facto de, nesse local, haver limitação de velocidade (50 quilómetros horários) que, segundo referiu nas suas alegações, seriam impostas por placas ali existentes. Tais factos, segundo refere, resultaram da instrução da causa, a saber, do documento junto a fls 6 e7, uma participação policial de acidente de viação e do depoimento, prestado em audiência, pelo respectivo participante, a testemunha [E].
Estes factos não foram alegados por nenhuma das partes.
Não se tratam obviamente de factos notórios. 
A propósito do facto relativo á limitação de velocidade, escreve a recorrente nas suas alegações que a limitação de velocidade de 50 quilómetros no local é facto notório: “A velocidade, ali, nas bombas da Repsol, imediatamente adjacentes ao início do túnel da via periférica que dá acesso aos vários supermercados e que atravessa subterraneamente a rodovia de Braga em direcção ao Bom Jesus é de 50 Km/hora, todos o sabem”.
Salvo o devido respeito, embora admitamos que tal facto possa ser do conhecimento de muitos moradores da zona de Braga, não se afigura que estejamos perante um facto notório nos termos definidos no artº 514º nº 1 do CC, que dispense de alegação e prova. Segundo esta norma, são notórios os factos que são do conhecimento geral. 
São do conhecimento geral os factos conhecidos pelos portugueses regularmente informados, por via directa ou pela sua acessibilidade aos meios normais de informação.[i]
Assim sendo, facilmente se conclui que o facto em questão não é facto do conhecimento geral, não se impondo que o julgador dele conhecesse como facto notório.
Parece-nos também indiscutível que não resulta dos autos nem a situação prevista no art.º 514 nº 2 do CPC, nem aquela a que alude o art.º 665 do mesmo diploma legal.
  Mas terão os mesmos natureza instrumental, tal como alega a recorrente?
No regime do art.º 264º do CPC faz-se uma distinção entre factos essenciais e factos instrumentais.
Os factos essenciais são os que, concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelem decisivos para a viabilidade ou procedência da acção, da reconvenção ou da defesa por excepção.
Os factos instrumentais por sua vez, destinam-se a realizar a prova indiciária dos factos essenciais, já que, através deles se poderá chegar, através de presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes, assumindo assim, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões da defesa.[ii] Os factos instrumentais, desde que decorram da instrução da causa, não carecem de ser incluídos na base instrutória, devendo o juiz considerá-los, independentemente da alegação das partes[iii].
Contudo, esses factos instrumentais pressupõem que se tenham alegado factos essenciais, cuja prova os mesmos se destinam a comprovar. 
Quanto ao facto relativo á existência de placas, no local do acidente, não se vislumbra o seu carácter instrumental em relação a nenhum dos factos essenciais constantes da base instrutória que importava apreciar. Também não se inclui na previsão do nº 3 do artº 264º, que prevê a consideração de factos não alegados que são complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução da causa. Esta previsão legal visa essencialmente duas situações paradigmáticas: quando o facto não alegado seja complemento de uma causa de pedir complexa, ou quando o mesmo possa servir para concretizar uma alegação da parte meramente conclusiva. O facto ora em análise não tem cabimento em nenhuma destas situações.
Já quanto ao segundo facto, a existência de rastos de travagem do veículo do lesado, no local do acidente, com determinadas dimensões, não restam dúvidas quanto ao seu carácter instrumental. 
Contudo, reafirmamos, os rastos de travagem, não podem ser considerados autonomamente, mas tão-somente pela sua instrumentalidade em relação a um determinado facto essencial alegado.
Ora, o único facto essencial alegado relativamente ao qual os rastos de travagem podem revestir uma função instrumental é o que foi invocado pelo Autor na sua petição inicial e levado à base instrutória, sob o número 3, onde se perguntava se o JO, veículo conduzido pelo Autor, circulava a uma velocidade inferior a 50 quilómetros por hora.
Foi nesses termos que o Mmº juiz a quo considerou esta factualidade (os rastos de travagem), com base na qual sustentou a resposta de “não provado” ao referido quesito número 3 da base instrutória, conforme resulta da motivação da decisão de facto. 
Mas, o que a Ré pretende é que se tenha em conta tal facto para que dele se possa concluir outro facto não alegado: que o Autor circulava com o seu veículo a velocidade não inferior a 80 quilómetros por hora.
Em face do exposto, entendemos que não pode considerar-se o facto “instrumental” em questão com a finalidade de se alcançar a prova de um facto essencial que a lei não permite ao julgador conhecer, por não ter sido alegado, conforme determina o artº 264º nº 2 primeira parte do CPC.
De qualquer forma, a simples prova da existência e dimensão dos rastos de travagem, não seriam suficientes para determinar com exactidão a velocidade do veículo conduzido pelo Autor já que haveria que considerar outros factores que não resultam dos factos provados, designadamente as características do veículo, o sistema de travagem do mesmo e as próprias condições da via, para além de que teria de resultar dos factos provados que foi a velocidade a que circulava o veículo do Autor que determinou total ou parcialmente, o embate em causa.
Assim sendo e com o devido respeito por opinião contrária, os dois factos em questão não podiam ser considerados pelo Mmº Juiz a quo nos termos pretendidos pela Ré.
E, da factualidade provada, não se pode concluir pela existência de culpa total ou parcial por parte do Autor/lesado, como bem se decidiu na sentença recorrida, para cujos termos remetemos.
Não merece pois censura, nesta parte, a decisão recorrida.
 
II -  Da indemnização devida perda de capacidade de ganho do Autor como consequência do acidente em causa nos autos
Defende a apelante que esta indemnização, fixada em € 32.500,00, deve fixar-se em € 20.000,00, porquanto, resulta dos autos que, logo no ano imediato ao acidente os seus rendimentos eram apenas de € 1000,00 e não os € 2500,00 considerados na sentença recorrida, estando demonstrado que não ganhava este montante.
Ficou provado nos autos que as lesões sofridas pelo Autor no acidente em causa nos autos lhe determinaram uma incapacidade permanente geral, com rebate profissional de 8%.
Esta perda da capacidade laboral, originará, previsivelmente, a perda de rendimentos por parte do lesado.
Trata-se, mais uma vez, de um dano futuro, previsível a que o tribunal deve atender nos termos do disposto no artº 564º nº 2 do CC.
A questão que então se coloca é a de saber como se determina tal dano. 
Ao longo dos anos vários têm sido os critérios usados nas decisões dos tribunais.
Começou-se por recorrer ás tabelas financeiras usadas no direito laboral para cálculo das pensões de vida por incapacidades permanentes, critério que foi abandonado por não garantirem um justo ressarcimento, atendendo à “multiplicidade e especificidade das circunstâncias que concorrem em cada caso e que o tornam único e diferente” ( cfr Ac. do STJ de 04/02/1993, CJ – STJ, ano I, Tomo I, pag 129).
No acórdão do STJ de 09/01/1979 ( BMJ 283, pag 260) entendeu-se que a indemnização por estes danos futuros, deve representar um capital que se extinga no fim da vida activa do lesado e seja susceptível de garantir as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.
No desenvolvimento deste critério, decidiu-se nos Acs. do STJ de 18.01.1979, BMJ 283, p. 2759 e de 19.5.1981 e 8.5.1986 respectivamente in BMJ 307º, p. 242 e 357º, p. 396), que a indemnização deve ser calculada tendo em atenção o tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final do período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente a um determinado juro.
Esta solução parece ter tido acolhimento na maioria da jurisprudência, que tem lançado mão de algumas fórmulas como critérios referenciais para o cálculo da indemnização, com a finalidade de as tornar mais justas, actuais, de modo a evitar a arbitrariedade e a assegurar um critério orientador que não permita muitas discrepâncias entre as várias decisões.
Entre as fórmulas mais usadas encontra-se aquela de que se socorreu a sentença recorrida. 
Aceita-se o recurso a tais critérios matemáticos, no sentido, já referido, de se evitarem arbitrariedades. 
Contudo, como refere o Conselheiro Sousa Dinis no seu estudo “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, CJ STJ ano IX, TomoI-2001, “o juiz não deve por de lado a equidade, mas, sem se escravizar ao rigor matemático, nada impede que não se possa encontrar um menor múltiplo comum, isto é, um factor que seja mais ou menos constante para a determinação da indemnização…”.
Os cálculos financeiros são, assim, meros instrumentos de trabalho, até porque os mesmos não são infalíveis, já que “não podem considerar os imponderáveis factores que surjam no futuro como a morte prematura do lesado até… ás variações do valor da moeda…”( cfr Ac do STJ de 28 de Setembro de 1995, CJSTJ ano III, T III, pag 36).
A discordância da apelante tem apenas que ver com os pressupostos do referido cálculo, mais concretamente com o valor da remuneração mensal do Autor.
Resulta dos factos provados que o Autor auferia um rendimento mensal médio de € 2.500,00, na sua actividade de chapeiro numa oficina e nos serviços que prestava como perito avaliador no ramo da sinistralidade automóvel. 
A recorrente não impugnou tal facto nos termos determinados no artº 690-A do CPC na versão aplicável aos autos.
Assim sendo e considerando que o critério usado pela primeira instância para avaliação do dano em questão se afigura adequado e equitativo, entendemos que o mesmo não deve ser alterado.
Na verdade, o Mmº Juiz a quo apenas se serviu do aludido critério matemático como critério referencial, não deixando de fazer uma ponderação equitativa nos termos do disposto no artº 566º nº 3 do CPC, tal como resulta do teor da sentença, para cujos termos remetemos.
Assim e em conclusão, deve improceder na íntegra a apelação.
 
III DECISÃO
Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem esta secção cível em julgar a apelação improcedente, confirmando na íntegra a sentença apelada.
Custas pela apelante.
Notifique.
 
 
 

        [i] A. dos Reis, CPC anotado1950, Vol III, pag 261 e Ac. do STJ de 2/10/2008, www.dgsi.pt.             
        [ii] Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª edição, pag 252 e 253.
        [iii] Lebre de Freitas, CPC anotado, 2ª edição, pag 507.

Acordam os Juízes que constituem a 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães. I RELATÓRIO [A] interpôs a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, contra “[B], Companhia de Seguros SA”, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 195.164,02 (acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação) valor em que computa os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreu em consequência de acidente de viação da responsabilidade do condutor de veículo cuja responsabilidade civil havia sido transferida para a ré, mercê de contrato de seguro. A Ré contestou apenas por impugnação. Foi proferido despacho saneador tabelar e organizada a matéria de facto assente e a base instrutória. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo. No decurso da mesma, o mandatário da Ré requereu, ao abrigo do disposto nos artºs 264º nº 2 do CPC e 572º do CC,  que fosse levado à base instrutória, ou pelo menos se tivessem em consideração ao fixar a matéria de facto, oficiosamente, factos instrumentais resultantes da instrução da causa, a saber, a existência de rastos de travagem e a limitação de velocidade na local do acidente. Após decisão sobre a matéria de facto que não mereceu qualquer reclamação, foi proferida sentença onde se julgou a acção parcialmente procedente condenando-se a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 38.868,76, acrescida de juros de mora contados à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, que foi recebido, apresentando alegações que concluiu do seguinte modo: 1) Com o disposto no art. 572° C. Civil pretendeu o legislador evitar, na obrigação de indemnização, uma condenação eventualmente injusta de quem, por negligência processual, não alegou na acção os factos atinentes à culpa do próprio autor lesado; 2) Concomitantemente, com o disposto no art. 264° CPC pretendeu ainda o mais recente legislador conceder ao tribunal maiores poderes de apreciação e de conhecimento oficioso da factualidade essencial e instrumental interessante à decisão da causa a final; 3) Um rasto de travagem seguido de colisão automóvel indicia sempre, fruto de presunção judicial simples ou de mera experiência, uma determinada velocidade do veículo implicado, por recurso às leis da física ou dinâmica dos corpos em movimento; 4) Uma determinada limitação de velocidade que, em concreto, é de toda a gente conhecida num movimentado percurso urbano desta cidade de Braga deve ser tida como do domínio público em geral e, logo, também do próprio tribunal, independentemente da sua alegação pelas partes, seja para efeitos do disposto no cit art.512°, seja por mera aplicação do disposto nos arfo. 264°/2 e 514°/S CPC: 5) Aquela velocidade, implicada naquele rasto de travagem e na colisão subsequente, vistas as características desta, pode e deve ser apreciada e correlacionada pelo tribunal em relação à específica limitação de velocidade que é um dado seguro ou facto público e notório no local e/ou comarca competente; 6) Ao recusar o conhecimento oficioso, que lhe cumpria, de tais dados, de facto trazidos à acção pela própria instrução e discussão da causa, o tribunal a que violou directamente os preceitos supra indicados, maxime a norma ínsita ao cit. art. 572° CCivil; 7°) Aliás, é do próprio depoimento testemunhal do agente policial que elaborou o auto de notícia deste acidente de viação, e respectivo "croquis", que resulta a confirmação dessa limitação de velocidade por placas de “50” no local, à época do sinistro; 8) Deve sindicar-se, pois, o despacho de fixação da matéria de facto, na parte em que omite qualquer referência à limitação de velocidade no local e ao cálculo velocimétrico que é possível efectuar nos autos em relação ao veículo do Autor da acção, face à distância percorrida com os pneus de rastos sobre o asfalto e à violência da colisão mesmo assim produzida; 9) Para a produção do acidente de viação dos autos contribuiu também a conduta do Autor, circulando em perímetro urbano ou citadino a um velocidade que deve fixar-se em quantitativo não inferior a 80 km/h., ou, pelo menos, sempre superior a 50 kms/horários, que lhe não permitiu evitar a colisão ou o agravamento dos danos sofridos - cfr. art. 570° CCivil; 10) A indemnização conferida ao Autor para o ressarcimento do dano corporal futuro está algo sobrestimada, em termos dos critérios de equidade a ter em conta, devendo ser reduzida em conformidade com a situação mais actual que emerge da documentação junta em plena audiência de discussão e julgamento. Não foram apresentadas contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. IIFUNDAMENTAÇÃO Objecto do recurso O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (artºs 684º nºs 3 e 4 e 690 nº 1 do Código de Processo Civil). Nos recursos apreciam-se questões e não razões, não visando os mesmos criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido. Assim sendo, as questões a decidir são as seguintes: Apreciação, de facto e de direito, da existência da culpa do Autor lesado na produção do acidente em causa nos autos; Valor da indemnização devida pela provada perda de capacidade de ganho do Autor, decorrente da I.P.P. . A matéria de facto provada constante da sentença recorrida é a seguinte: 1 - No dia 24 de Março de 2006, pelas 12 horas e 40 minutos, na Avenida Frei Bartolomeu dos Mártires, freguesia de S. Vítor, neste concelho e comarca de Braga, ocorreu um embate em que foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiros de matrícula 95-03-JO, pertencente a “[C], Lda” e então conduzido pelo ora A., e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula GU-93-06, pertencente a [D], seu dono – alínea A) da mat. facto assente; 2 - O JO circulava pela Avenida Frei Bartolomeu dos Mártires no sentido Nogueira-Hipermercado Feira Nova, pela fila de trânsito mais à esquerda das quatro que ali estavam reservadas ao tráfego que se processava no mencionado sentido – resp. às bases 1ª e 2ª; 3 - O GU saiu de um posto de abastecimento de combustíveis situado na margem direita da Avenida, conforme o sentido prosseguido pelo JO, ingressando na fila mais à direita das quatro reservadas ao tráfego que se processava no sentido Nogueira-Hipermercado Feira Nova, donde passou para a segunda fila – resp. às bases 4ª e 5ª; 4 - Apercebendo-se da progressão do GU para a esquerda, o A. buzinou – resp. à base 6ª; 5 - Apesar disso, o GU continuou a progredir para a esquerda, passando para a terceira fila e desta para a quarta, atravessando-se na frente do JO e indo embater no separador central da Avenida, cortando a trajectória do JO, cujo condutor, não obstante tivesse travado energicamente, não logrou evitar embater-lhe – resp. às bases 7ª a 12ª 6 - No momento do embate o GU não era tripulado – resp. à base 13ª; 7 - O respectivo proprietário imobilizara-o no posto de abastecimento de combustíveis para adquirir uma botija de gás e deixara-o destravado e em “ponto morto” enquanto se dirigira ao escritório para proceder ao pagamento – resp. às bases 14ª e 15ª; 8 - Porque existisse um desnível entre o posto de abastecimento de combustíveis e a Avenida Frei Bartolomeu dos Mártires, o GU deslizou em direcção a esta artéria – resp. à base 16ª; 9 - Do local do embate o A. foi transportado para o Hospital de S. Marcos, em Braga, onde lhe foram diagnosticadas escoriações no nariz e registada a queixa de dores na coluna cervical – resp. às bases 18ª e 19ª; 10 - Recebeu alta hospitalar e medicado nesse mesmo dia – resp. à base 20ª; 11 - Porque continuasse a sentir dores, no dia 24 de Março de 2006 recorreu a um médico ortopedista – resp. à base 21ª, 12 - Em consequência do embate sofreu traumatismo da coluna cervical, bem como escoriações e fractura dos ossos próprios do nariz – resp. à base 22ª; 13 - Esteve acamado – resp. à base 23ª; 14 - Foi sujeito a exames radiológicos – resp. à base 24ª; 15-E foram-lhe prescritos analgésicos, anti-inflamatórios e relaxantes musculares – resp. à base 25ª; 16 - Tendo ainda sido submetido a tratamentos de fisioterapia – resp. à base 26ª; 17 - Esteve absolutamente impossibilitado de trabalhar até 25 de Junho de 2006, data em que, mercê da consolidação médico-legal das lesões, obteve alta definitiva – resp. às bases 27ª a 29ª; 18 - Como sequelas de carácter definitivo das lesões sofridas, apresenta cervicalgia residual, que se acentua quando levanta pesos ou efectua movimentos bruscos e pronunciados, e estenose nasal mínima decorrente da fractura dos ossos do nariz, sem desvio do septo nasal, as quais lhe determinam uma incapacidade permanente geral, com rebate profissional d, de 8% - resp. às bases 30ª  e 33ª e resp. parcial à base 31ª; 19 - Durante o período de convalescença sofreu dores fixáveis no grau 2 numa escala de 1 a 7 – resp.  parcial à base 31ª; 20 - Ainda em consequência do embate despendeu a quantia de €17,20 em taxas moderadoras, a quantia de €99,06 em medicamentos, a quantia de €57,50 em exames radiológicos e a quantia de €195 em consultas médicas e tratamentos de fisioterapia – resp. às bases 35ª a 38ª; 21 – O A. nasceu no dia 1 de Setembro de 1958 – cfr. doc. de fls. 115; 22 - À data do embate era fisicamente bem constituído e saudável – resp. à base 45ª; 23 - Trabalhava como chapeiro numa oficina e prestava serviços como perito avaliador no ramo da sinistralidade automóvel, auferindo um rendimento mensal médio de €2.500,00 -  resp. à base 44ª; 24 - Sente desgosto por se ver fisicamente diminuído – resp. às bases 46ª a 50ª; 25 - A responsabilidade civil emergente da circulação do GU encontrava-se transferida para a Ré mediante contrato de seguro titulado pela apólice n.º 5070/1144158 – alínea B) da mat. facto assente.                                                            O Direito Do conhecimento oficioso da culpa do lesado. Pretende o recorrente que o tribunal, oficiosamente, conheça, de facto e de direito, da existência da culpa do lesado na produção do acidente de viação em causa nos autos. Dispõe o artº 572º do Código Civil: “Àquele que alega a culpa do lesado incumbe a prova da sua verificação; mas o tribunal conhecerá dela, ainda que não alegada.” Segundo a regra geral do artº 342 nº 1 do CC, quem invoca um direito cabe fazer a prova dos respectivos factos constitutivos. Por sua vez, a prova das excepções, isto é, dos factos impeditivos, modificativos e extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (artº 342º nº 2 do CC) Por regra, ao ónus da prova estabelecido nestas normas, corresponde um ónus de alegação expresso, essencialmente, no artºs 264º nº 1 do Código de Processo Civil: é às partes que cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções. Como dispõe o nº 2 da mesma norma, “O juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes…”. O conhecimento oficioso de factos não alegados, só pode ter lugar nas situações excepcionais em que a lei processual civil o prevê, a saber: quanto aos factos notórios e àqueles que o tribunal tem conhecimento em virtude do exercício da sua função ( artº 514º do CPC); no que respeita aos factos de onde resulte terem as partes usado o processo para praticar um acto simulado ou para conseguirem um fim proibido por lei (artº 665º do CPC); quando se tratem de factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa (artº 264º nº 2 segunda parte); se estiverem em causa factos essenciais à procedência das pretensões formuladas ou das excepções deduzidas desde que sejam complemento ou concretização de outros que as partes tenham alegado oportunamente e resultem da instrução e da discussão da causa, quando a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório. A questão que agora se nos coloca é a de saber se o conhecimento da culpa do lesado imposta pela segunda parte do art.º 572º do Código Civil, permite que o juiz aprecie, por sua iniciativa, factos não alegados pelas partes que não se incluam nos referidos casos em que se impõe ao julgador o seu conhecimento, não obstante a omissão de tal alegação. A nosso ver a resposta tem de ser negativa. O art.º 572º não veio postergar as normas processuais, nem por em causa o princípio do dispositivo, actualmente mitigado. O sentido da norma é que o julgador, tendo em conta os factos que lhe é lícito conhecer e a prova que deles se faça, aprecie a existência da culpa do lesado, ainda que não tenha sido alegada pela parte a quem aproveita. Vejamos então o caso dos autos. A Ré Seguradora não alegou qualquer excepção, designadamente factos de onde pudesse resultar a culpa total ou parcial do Autor/lesado. Limitou-se a impugnar os factos alegados na petição inicial, sem mais. Contudo, em audiência de julgamento requereu que fossem levados à base instrutória os seguintes factos que qualificou como instrumentais: os rastos de travagem do veículo do Autor no local do acidente e o facto de, nesse local, haver limitação de velocidade (50 quilómetros horários) que, segundo referiu nas suas alegações, seriam impostas por placas ali existentes. Tais factos, segundo refere, resultaram da instrução da causa, a saber, do documento junto a fls 6 e7, uma participação policial de acidente de viação e do depoimento, prestado em audiência, pelo respectivo participante, a testemunha [E]. Estes factos não foram alegados por nenhuma das partes. Não se tratam obviamente de factos notórios. A propósito do facto relativo á limitação de velocidade, escreve a recorrente nas suas alegações que a limitação de velocidade de 50 quilómetros no local é facto notório: “A velocidade, ali, nas bombas da Repsol, imediatamente adjacentes ao início do túnel da via periférica que dá acesso aos vários supermercados e que atravessa subterraneamente a rodovia de Braga em direcção ao Bom Jesus é de 50 Km/hora, todos o sabem”. Salvo o devido respeito, embora admitamos que tal facto possa ser do conhecimento de muitos moradores da zona de Braga, não se afigura que estejamos perante um facto notório nos termos definidos no artº 514º nº 1 do CC, que dispense de alegação e prova. Segundo esta norma, são notórios os factos que são do conhecimento geral. São do conhecimento geral os factos conhecidos pelos portugueses regularmente informados, por via directa ou pela sua acessibilidade aos meios normais de informação.[i] Assim sendo, facilmente se conclui que o facto em questão não é facto do conhecimento geral, não se impondo que o julgador dele conhecesse como facto notório. Parece-nos também indiscutível que não resulta dos autos nem a situação prevista no art.º 514 nº 2 do CPC, nem aquela a que alude o art.º 665 do mesmo diploma legal.   Mas terão os mesmos natureza instrumental, tal como alega a recorrente? No regime do art.º 264º do CPC faz-se uma distinção entre factos essenciais e factos instrumentais. Os factos essenciais são os que, concretizando, especificando e densificando os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor ou do reconvinte, ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, se revelem decisivos para a viabilidade ou procedência da acção, da reconvenção ou da defesa por excepção. Os factos instrumentais por sua vez, destinam-se a realizar a prova indiciária dos factos essenciais, já que, através deles se poderá chegar, através de presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes, assumindo assim, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões da defesa.[ii] Os factos instrumentais, desde que decorram da instrução da causa, não carecem de ser incluídos na base instrutória, devendo o juiz considerá-los, independentemente da alegação das partes[iii]. Contudo, esses factos instrumentais pressupõem que se tenham alegado factos essenciais, cuja prova os mesmos se destinam a comprovar. Quanto ao facto relativo á existência de placas, no local do acidente, não se vislumbra o seu carácter instrumental em relação a nenhum dos factos essenciais constantes da base instrutória que importava apreciar. Também não se inclui na previsão do nº 3 do artº 264º, que prevê a consideração de factos não alegados que são complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução da causa. Esta previsão legal visa essencialmente duas situações paradigmáticas: quando o facto não alegado seja complemento de uma causa de pedir complexa, ou quando o mesmo possa servir para concretizar uma alegação da parte meramente conclusiva. O facto ora em análise não tem cabimento em nenhuma destas situações. Já quanto ao segundo facto, a existência de rastos de travagem do veículo do lesado, no local do acidente, com determinadas dimensões, não restam dúvidas quanto ao seu carácter instrumental. Contudo, reafirmamos, os rastos de travagem, não podem ser considerados autonomamente, mas tão-somente pela sua instrumentalidade em relação a um determinado facto essencial alegado. Ora, o único facto essencial alegado relativamente ao qual os rastos de travagem podem revestir uma função instrumental é o que foi invocado pelo Autor na sua petição inicial e levado à base instrutória, sob o número 3, onde se perguntava se o JO, veículo conduzido pelo Autor, circulava a uma velocidade inferior a 50 quilómetros por hora. Foi nesses termos que o Mmº juiz a quo considerou esta factualidade (os rastos de travagem), com base na qual sustentou a resposta de “não provado” ao referido quesito número 3 da base instrutória, conforme resulta da motivação da decisão de facto. Mas, o que a Ré pretende é que se tenha em conta tal facto para que dele se possa concluir outro facto não alegado: que o Autor circulava com o seu veículo a velocidade não inferior a 80 quilómetros por hora. Em face do exposto, entendemos que não pode considerar-se o facto “instrumental” em questão com a finalidade de se alcançar a prova de um facto essencial que a lei não permite ao julgador conhecer, por não ter sido alegado, conforme determina o artº 264º nº 2 primeira parte do CPC. De qualquer forma, a simples prova da existência e dimensão dos rastos de travagem, não seriam suficientes para determinar com exactidão a velocidade do veículo conduzido pelo Autor já que haveria que considerar outros factores que não resultam dos factos provados, designadamente as características do veículo, o sistema de travagem do mesmo e as próprias condições da via, para além de que teria de resultar dos factos provados que foi a velocidade a que circulava o veículo do Autor que determinou total ou parcialmente, o embate em causa. Assim sendo e com o devido respeito por opinião contrária, os dois factos em questão não podiam ser considerados pelo Mmº Juiz a quo nos termos pretendidos pela Ré. E, da factualidade provada, não se pode concluir pela existência de culpa total ou parcial por parte do Autor/lesado, como bem se decidiu na sentença recorrida, para cujos termos remetemos. Não merece pois censura, nesta parte, a decisão recorrida. II -  Da indemnização devida perda de capacidade de ganho do Autor como consequência do acidente em causa nos autos Defende a apelante que esta indemnização, fixada em € 32.500,00, deve fixar-se em € 20.000,00, porquanto, resulta dos autos que, logo no ano imediato ao acidente os seus rendimentos eram apenas de € 1000,00 e não os € 2500,00 considerados na sentença recorrida, estando demonstrado que não ganhava este montante. Ficou provado nos autos que as lesões sofridas pelo Autor no acidente em causa nos autos lhe determinaram uma incapacidade permanente geral, com rebate profissional de 8%. Esta perda da capacidade laboral, originará, previsivelmente, a perda de rendimentos por parte do lesado. Trata-se, mais uma vez, de um dano futuro, previsível a que o tribunal deve atender nos termos do disposto no artº 564º nº 2 do CC. A questão que então se coloca é a de saber como se determina tal dano. Ao longo dos anos vários têm sido os critérios usados nas decisões dos tribunais. Começou-se por recorrer ás tabelas financeiras usadas no direito laboral para cálculo das pensões de vida por incapacidades permanentes, critério que foi abandonado por não garantirem um justo ressarcimento, atendendo à “multiplicidade e especificidade das circunstâncias que concorrem em cada caso e que o tornam único e diferente” ( cfr Ac. do STJ de 04/02/1993, CJ – STJ, ano I, Tomo I, pag 129). No acórdão do STJ de 09/01/1979 ( BMJ 283, pag 260) entendeu-se que a indemnização por estes danos futuros, deve representar um capital que se extinga no fim da vida activa do lesado e seja susceptível de garantir as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho. No desenvolvimento deste critério, decidiu-se nos Acs. do STJ de 18.01.1979, BMJ 283, p. 2759 e de 19.5.1981 e 8.5.1986 respectivamente in BMJ 307º, p. 242 e 357º, p. 396), que a indemnização deve ser calculada tendo em atenção o tempo provável de vida activa da vítima, de forma a representar um capital produtor do rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final do período, segundo as tabelas financeiras usadas para determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente a um determinado juro. Esta solução parece ter tido acolhimento na maioria da jurisprudência, que tem lançado mão de algumas fórmulas como critérios referenciais para o cálculo da indemnização, com a finalidade de as tornar mais justas, actuais, de modo a evitar a arbitrariedade e a assegurar um critério orientador que não permita muitas discrepâncias entre as várias decisões. Entre as fórmulas mais usadas encontra-se aquela de que se socorreu a sentença recorrida. Aceita-se o recurso a tais critérios matemáticos, no sentido, já referido, de se evitarem arbitrariedades. Contudo, como refere o Conselheiro Sousa Dinis no seu estudo “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, CJ STJ ano IX, TomoI-2001, “o juiz não deve por de lado a equidade, mas, sem se escravizar ao rigor matemático, nada impede que não se possa encontrar um menor múltiplo comum, isto é, um factor que seja mais ou menos constante para a determinação da indemnização…”. Os cálculos financeiros são, assim, meros instrumentos de trabalho, até porque os mesmos não são infalíveis, já que “não podem considerar os imponderáveis factores que surjam no futuro como a morte prematura do lesado até… ás variações do valor da moeda…”( cfr Ac do STJ de 28 de Setembro de 1995, CJSTJ ano III, T III, pag 36). A discordância da apelante tem apenas que ver com os pressupostos do referido cálculo, mais concretamente com o valor da remuneração mensal do Autor. Resulta dos factos provados que o Autor auferia um rendimento mensal médio de € 2.500,00, na sua actividade de chapeiro numa oficina e nos serviços que prestava como perito avaliador no ramo da sinistralidade automóvel. A recorrente não impugnou tal facto nos termos determinados no artº 690-A do CPC na versão aplicável aos autos. Assim sendo e considerando que o critério usado pela primeira instância para avaliação do dano em questão se afigura adequado e equitativo, entendemos que o mesmo não deve ser alterado. Na verdade, o Mmº Juiz a quo apenas se serviu do aludido critério matemático como critério referencial, não deixando de fazer uma ponderação equitativa nos termos do disposto no artº 566º nº 3 do CPC, tal como resulta do teor da sentença, para cujos termos remetemos. Assim e em conclusão, deve improceder na íntegra a apelação. III DECISÃO Por tudo o exposto, acordam os Juízes que constituem esta secção cível em julgar a apelação improcedente, confirmando na íntegra a sentença apelada. Custas pela apelante. Notifique.         [i] A. dos Reis, CPC anotado1950, Vol III, pag 261 e Ac. do STJ de 2/10/2008, www.dgsi.pt.                     [ii] Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, 2ª edição, pag 252 e 253.         [iii] Lebre de Freitas, CPC anotado, 2ª edição, pag 507.