I - O relatório médico elaborado pelo INML na fase instrutória da acção de indemnização não afasta o valor probatório do relatório médico emitido por médico especialista e junto com a p. i., nem tem valor superior a este; vale para ambos o que dispõe o art. 389º do CCiv., ou seja, são livremente apreciados pelo tribunal. II - Tendo a autora/lesada, com 73 anos à data do sinistro, ficado a padecer de uma IPG de 4 pontos e não exercendo a mesma então qualquer actividade remunerada, considera-se justa e adequada, para compensação do dano biológico, a quantia de 2.500,00€. III - Estando demonstrada a necessidade, presente e futura, de a autora continuar a ser auxiliada por terceira pessoa na realização de algumas tarefas do seu dia-a-dia, terá a ré que ressarci-la dos custos daí decorrentes, nos termos que vierem a ser posteriormente liquidados.
Pc. 7977/11.9TBMAI.P1 – 2ª Sec. (apelação) _____________________________ Relator: M. Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Francisco Matos Des. Maria João Areias* * *Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, residente em …, Maia, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra C… – Companhia de Seguros, SA, com sede no Porto, alegando que no dia 02/05/2011, na Rua …, freguesia …, Maia, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo pesado de passageiros de matrícula ..-..-PX, autocarro dos D… e ela própria, autora, que o mesmo consistiu numa queda que sofreu no interior de tal autocarro devida ao facto do respectivo motorista ter arrancado a grande velocidade da paragem onde a demandante havia entrado naquele, sem permitir que se sentasse e que devido a essa queda sofreu diversas lesões, que descreve, as quais foram causa directa e necessária dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, que pretende ver ressarcidos pela ré, que especifica, resultando a responsabilidade desta da vigência de contrato de seguro que havia celebrado com a D…, proprietária do autocarro. Concluiu pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 17.086,17€ a título de reparação pelos invocados danos patrimoniais e não patrimoniais e, ainda, uma indemnização a liquidar posteriormente para reparação dos danos alegados nos artigos 104º a 106º. A Ré contestou, aceitando o essencial da versão do acidente relatada na p. i. e impugnando, por desconhecimento, a matéria relativa aos danos alegados. Pugnou pela parcial improcedência da acção com as legais consequências. Foi proferido despacho saneador e foram seleccionados os factos assentes e os controvertidos, estes formando a base instrutória, tendo havido reclamação da autora que foi desatendida. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual, após produção da prova, foi proferido despacho de resposta aos quesitos da BI, sem reclamação das partes. Seguiu-se a prolação da sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré “a pagar à Autora (…) a quantia de 13.086,17€ (treze mil e oitenta e seis euros e dezassete cêntimos) e ainda a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença relativa às despesas que a Autora tiver que suportar com o pagamento do auxílio prestado por terceira pessoa, desde a data da propositura da acção e até à data em que cessar a necessidade de tal auxílio, absolvendo-se a Ré quanto ao restante peticionado”. Mais foram Autora e Ré condenadas no pagamento das custas, na proporção do decaimento. Inconformada com o sentenciado, interpôs a Ré o recurso de apelação em apreço, cuja motivação culminou com as seguintes conclusões: “A. Nenhuma das testemunhas referiu que a autora alguma vez confeccionou e serviu refeições para os filhos. B. Do mesmo modo que ninguém referiu que a Autora pegava em sacos pesados e subia e descia escadas da sua residência. C. Aliás, resulta da resposta à matéria de facto que o quesito 54º, no qual se referia que a residência da Autora tem dois pisos e umas águas furtadas, foi considerado não provado D. A testemunha E…, filho da Autora, em resposta à questão que lhe é colocada durante o seu depoimento relativa às capacidades da mãe, nas lides da casa, antes do acidente - registado em acta do dia 27.11.2012, a partir do minuto 16h:32m – refere apenas que a mãe vivia sozinha, fazia as coisas no seu ritmo, era autónoma, fazias as refeições, lavava a roupa. E. Por outro lado, o Tribunal considerou provada - no Ponto 81º - a necessidade que a Autora mantém do auxílio de terceira pessoa de forma permanente pois jamais poderá fazer esforços com a mão esquerda. F. Nenhuma das testemunhas ouvidas referiu que a Autora jamais poderá fazer esforços com a mão esquerda, matéria que, aliás, sempre seria de questionar se e quando vinda da boca de uma testemunha, na falta da correspectiva confirmação pela perícia médico-legal. G. Na verdade, dos depoimentos prestados, resultou unicamente que a Autora durante o primeiro mês precisou do auxílio permanente e total de uma terceira pessoa, mas essa mesma pessoa, a D. F…, referiu que a partir de Setembro, a Autora já se encontrava melhor e ela mesmo sugeriu ir tratar da lida da casa da Autora apenas algumas horas por dia. H. No seu depoimento, registado em acta do dia 27.11.2012, a partir do minuto 07:25, refere que continua a ir trabalhar para casa da autora porque ela ainda tem muitas dificuldades, não pode sacudir tapetes e fazer as coisas mais pesadas. E que fica muito nervosa. Não refere – nem podia – que a autora jamais poderá fazer esforços com a mão esquerda. I. Nenhuma outra testemunha refere essa impossibilidade! J. O relatório pericial acrescenta que quanto a ajudas técnicas, a Autora apenas necessitará de ajudas medicamentosas. K. Em suma, dos depoimentos resulta que enquanto esteve com o braço imobilizado a Autora necessitou do auxílio da testemunha F… quer na lida da casa quer na sua higiene pessoal. L. Contudo, ninguém refere que antes do acidente a Autora carregava escada acima e escada abaixo sacos pesados, confeccionava e servia refeições aos filhos, ou que jamais poderá fazer esforços com a mão esquerda, pelo que, tais factos – descritos nas respostas aos números 71, 77 e 81 da Base Instrutória - deveriam ter sido considerados não provados. M. Tendo presente o teor do relatório pericial, que a sentença não afasta, também não deveriam ter sido dados como provados os factos dos números 64º a 69º da Base Instrutória. N. Constitui gritante exagero a indemnização de EUR 5.000,00 destinada a ressarcir o dano não patrimonial futuro, a qual deverá ser fixada em não mais de EUR 800,00. O. A indemnização destinada a ressarcir o dano não patrimonial, no valor de EUR 5.000,00, é igualmente exagerada, tendo presente a exiguidade das lesões sofridas, a curta duração da cura e a baixíssima incapacidade atribuída. P. Tal indemnização não deverá ir além dos EUR 2.500,00. Q. Tendo em conta que do conjunto dos factos provados não deve constar que a A., em consequência do acidente de viação e das suas sequelas físicas, vai necessitar da ajuda de uma terceira pessoa, deverá se revogada a condenação numa indemnização a liquidar em execução de sentença. Assim sendo, revogando Vas. Ex.as a sentença recorrida, nos termos retro apontados, estarão fazendo a esperada JUSTIÇA!” Não foram apresentadas contra-alegações. Foram colhidos os vistos legais.* * *II. Questões a apreciar e decidir: Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações da recorrente - art. 684º nº 3 e 685º-A nºs 1 e 2 do CPC, na redacção aqui aplicável, introduzida pelo DL 303/3007, de 24/08, por a acção ter sido instaurada depois de 01/01/2008 – e recordando que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, a que alude o nº 2 do art. 660º, «ex vi» do nº 2 do art. 713º, ambos daquele diploma, não se confunde nem demanda qualquer dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas por elas invocados, por mais fundamentados e respeitáveis que se apresentem, como flui do art. 664º [assim, i. a., Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pgs. 677-688, Ac. do Tribunal Constitucional nº 371/2008, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos e Acs. do STJ de 10/04/2008, proc. 08B877 e de 11/10/2001, proc. 01A2507, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj], as questões a apreciar e decidir são as seguintes: ● Se há que alterar a matéria de facto impugnada; ● Se há que alterar os montantes indemnizatórios que vêm postos em causa.* * *III. Factos que vêm dados como provados: A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: 1 - No dia 2 de Maio de 2011, ocorreu um sinistro, na Rua …, na freguesia …, concelho e comarca da Maia, no qual foram intervenientes o veículo pesado de passageiros – Autocarro dos D… - de matrícula ..-..-PX e a Autora, B…. 2 - O veículo pesado de passageiros era, como é, propriedade da “D…, S.A.”, com sede na …, …., ..º, ….-… Porto. 3 - E, na altura da ocorrência do sinistro, era conduzido por M…. 4 – M… era empregado da sociedade “D…, S.A.”, desempenhando para essa sociedade a profissão de motorista. 5 - Na altura da ocorrência do sinistro, o referido M… conduzia o autocarro PX em cumprimento de ordens e instruções que a sua referida entidade patronal, “D…, S.A.”, lhe havia, previamente, transmitido. 6 - E seguia, também, por um itinerário que a sua referida entidade patronal lhe havia, previamente, determinado. 7 - Efectuando o transporte de passageiros na cidade da Maia e arredores, segundo rotas e trajectos pré-definidos. 8 - O autocarro seguia no sentido … – …, dirigindo-se para uma paragem que se situa no lado direito, atento o sentido tomado pelo autocarro. 9 - Paragem que se situa junto à casa de residência do pároco de …. 10 - A Autora encontrava-se nessa paragem e quando o autocarro parou para deixar e receber passageiros, a Autora entrou dentro do autocarro. 11 - Quando a Autora entrou no autocarro, o condutor do autocarro arrancou com velocidade e efectuou uma curva à direita, antes que a autora se pudesse sentar. 12 - O condutor M… conduzia de forma completamente distraída e não prestava qualquer atenção à actividade – condução – que exercia nem aos passageiros que, na altura, transportava no PX. 13 - Dos quais, uns seguiam sentados nos respectivos assentos e outros seguiam de pé, nos lugares com que o referido autocarro estava equipado, destinados aos passageiros apeados. 14 - O condutor do veículo automóvel pesado de passageiros PX imprimia ao que conduzia uma velocidade excessiva, superior a cinquenta quilómetros por hora. 15 – M… curvou de forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, circulando a uma velocidade superior a 50 Kms horários. 16 - Em consequência dessa manobra, a A. e outros passageiros que se encontravam de pé, foram impulsionados e projectados para o lado esquerdo, estatelando-se no chão. 17 - Esse embate foi muito violento e levou a que a A. perdesse momentaneamente os sentidos. 18 - No local do sinistro e antes de lá chegar, para quem circula em qualquer dos sentidos de marcha, existiam e existem, pelas duas margens da via, de forma ininterrupta, casas de habitação e estabelecimentos comerciais e industriais, nomeadamente cafés e snack-bares. 19 - Todos eles com as suas respectivas portas de acesso a deitar directamente para a faixa de rodagem da via. 20 - A Ré, “C… - Companhia de Seguros, S.A.”, sempre reconheceu e aceitou, como continua a reconhecer e a aceitar, que a culpa na produção do sinistro é única e exclusivamente imputável ao M…. 21 - E sempre reconheceu, como continua a reconhecer, a sua responsabilidade pelo sinistro e o seu dever de indemnizar a Autora, por todos os danos por si sofridos, em consequência do acidente de trânsito que está na génese da presente acção, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes. 22 - Tendo suportado todas as despesas havidas com o tratamento médico e medicamentoso à Autora. 23 - A proprietária do veículo de matrícula ..-..-PX, através de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n.º ………….., transferiu a sua responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo para a Ré C…, encontrando-se tal contrato de seguro válido e eficaz na data em que ocorreu o sinistro. 24 - A Autora nasceu no dia 1 de Setembro de 1937. 25 - Em virtude do embate, a Autora viveu momentos terríveis de dor, pânico e angústia. 26 - Como o autocarro em que seguia, no seu trajecto, parava no Hospital …, a autora seguiu no mesmo até à paragem da referida Unidade Hospitalar. 27 - A autora apresentava-se desorientada e pouco colaborante no auxílio quando foi assistida na urgência do Hospital …. 28 - Do ponto de vista ortopédico, a autora apresentava fracturas, sem desvio da base do 5º metacarpiano e, com desvio do terço proximal da 1ª falange, no dedo auricular esquerdo. 29 - E apresentava ainda tonturas e cefaleias, uma vez que também bateu com a cabeça no chão, tendo partido os óculos que possuía. 30 - E foram-lhe ministradas várias injecções. 31 - Tendo sido feita lavagem cirúrgica às feridas e às escoriações sofridas. 32 - Foram-lhe efectuados curativos vários. 33 - E Rx às zonas lesionadas. 34 - Em virtude das lesões, foi aplicada à autora uma tala imobilizadora na mão esquerda. 35 - A autora teve alta hospitalar nesse mesmo dia. 36 - E regressou à sua residência, onde vivia, como ainda vive, sozinha. 37 - Nos primeiros dez dias após a alta clínica, a Autora necessitou de permanecer no leito, dadas as enormes dores e incómodos que sentia, pois sentia dores na mão esquerda e em todo o corpo, porquanto o mesmo estava dorido em função da queda. 38 - Devido ao seu estado de saúde e como não tinha qualquer mobilidade na mão e braço direitos [certamente quis-se dizer esquerdos], a demandante teve de ser acompanhada por uma terceira pessoa, que ainda hoje mantém. 39 - Sendo esse trabalho realizado pela D. F…. 40 - Era essa pessoa que tratava da limpeza e alimentação da Autora. 41 - Apesar dos analgésicos e anti-inflamatórios que se encontrava a tomar, a Autora sofreu fortes dores ao ponto de lhe impedir o sono durante a noite. 42 - Durante um mês, a autora necessitava de ajuda de terceira pessoa para as necessidades mais básicas como alimentar-se, tomar banho e vestir-se. 43 - A Autora frequentou a consulta externa do Hospital … na cidade do Porto. 44 - Uma semana após o embate, na Consulta Externa do Hospital …, foi substituída a tala por aparelho gessado tipo luva, que a autora usou durante cerca de 2 meses. 45 - Por via da colocação do aparelho gessado, a A. estava impedida de cuidar da sua alimentação e higiene, tendo, de ser acompanhada por terceira pessoa. 46 - A Autora deslocou-se ao Hospital … por 6 vezes, três vezes por transporte próprio e outras três vezes de táxi. 47 - A Autora partiu os óculos na sequência do embate. 48 - Pelo que se deslocou a uma consulta de oftalmologia com a Dra. G…, em 23 de Maio de 2011. 49 - Tendo-se deslocado ao Consultório dessa Clínica no dia 6 de Junho de 2011, a fim de efectuar um exame à visão. 50 - Por recomendação médica, em 4 de Julho de 2011, a Autora iniciou tratamento de fisioterapia na H…, em …. 51 - Tendo efectuado 26 (vinte e seis) sessões de tratamento, que terminaram no dia 8 de Agosto de 2011. 52 - Os quais eram compostos por calores húmidos, ionizações, TENS, ultra-sons e massagens na parte afectada, assim como exercícios de reabilitação física. 53 - Esses tratamentos tinham a duração média de duas horas e eram particularmente dolorosos para a autora, sendo certo que, com os mesmos, a autora viu pouco evoluir a sua situação clínica. 54 - A Autora passou a ser acompanhada no Hospital …, na cidade do Porto, por indicação da Ré. 55 - Tendo solicitado à Autora um Relatório Clínico emitido pela Clínica …, o que a Autora requereu e entregou aos Serviços da Ré e do qual consta que a autora se encontrava em tratamento fisiátrico por défice de flexão das articulações metacarpo-falangica e interfalangicas de D5 da mão esquerda derivadas de sequelas da fractura de base de F1 de D5 da mão esquerda. 56 - Em 21 de Junho, 12 de Julho e 26 de Julho de 2011, a Autora deslocou-se à Consulta no Hospital … na cidade do Porto, que avaliou a situação clínica da Autora e concedeu à Autora a continuação de Incapacidade Absoluta funcional. 57 - Entendeu, o referido Clínico, que se aguardasse a evolução Clínica da Autora, no que à recuperação funcional diz respeito. 58 - Em 9 de Agosto de 2011, a Autora foi vista pelos Clínicos Drs. I… e J…, que prescreveram que a Autora reiniciasse o tratamento de fisioterapia. 59 - A Autora frequentou sessões de fisioterapia no Hospital … nos seguintes dias: 11, 19, 22, 24, 25, 26, 29, 30 e 31 de Agosto de 2011 e 1, 2, 5 e 6 de Setembro de 2011. 60 - Os quais eram compostos por calores húmidos, ionizações, TENS, ultra-sons e massagens na parte afectada, assim como exercícios de reabilitação física. 61 - Esses tratamentos tinham, igualmente, a duração média de duas horas e eram particularmente dolorosos para a autora. 62 - No dia 6 de Setembro de 2011, a Autora deslocou-se ao Hospital …, a fim de ser consultada pelo Dr. K…, que avaliou a evolução clínica da Autora e que marcou consulta para avaliação final. 63 - A Autora teve a última consulta em 27/9/2011, com o Dr. L…, com indicação de atribuição de IPP, de que até ao momento, não lhe foi informado o respectivo fundamento. 64 - A autora apresenta actualmente as seguintes queixas: - Persistência de queixas dolorosas no punho e mão esquerda, com especial incidência no dedo auricular. 65 - Essas dores são exacerbadas por qualquer situação que exija preensão, como por exemplo as que se relacionam com os seus trabalhos domésticos: fazer as camas, lavar e esfregar roupa, varrer ou transportar um balde de lixo cheio, entre outras tarefas. 66 - Dores essas que são impeditivas da realização dessas tarefas e de outras que exigem uma maior disponibilidade física. 67 - A Autora passou a sentir rigidez acentuada (análoga à anquilose) das articulações interfalângicas e menos acentuada da articulação metacarpo-falângica, no dedo auricular esquerdo. 68 - E existe um défice de extensão na mobilidade do punho esquerdo, que faz um arco de 35º. 69 - Até à data do sinistro a autora não sofria de qualquer aleijão ou diminuição física, funcional, laboral e de utilização do seu corpo. 70 - Vivia sozinha e fazia toda a lide de casa. 71 - No desempenho da sua actividade de doméstica, a Autora confeccionava e servia as refeições, na sua casa de residência, para si e não raramente para os seus filhos. 72 - A Autora, no desempenho dessa sua actividade de doméstica, lavava, limpava e arrumava a loiça. 73 - Lavava e passava a roupa a ferro. 74 - E dobrava e arrumava essa roupa. 75 - Limpava o pó de todos móveis da sua casa de residência. 76 - Varria e arrumava a sua casa de habitação. 77 - Pegava em sacos pesados e com os mesmos subia e descia as escadas da sua residência. 78 - Nos quatro meses e que esteve impossibilitada de fazer as tarefas acima referidas, a Autora pagou à terceira pessoa que contratou para o efeito a quantia de 1.500,00€. 79 - A partir do mês de Setembro de 2011, essa terceira pessoa começou a fazer menos horas por semana – 12 horas -, só efectuando os trabalhos que a autora já não consegue efectuar por via das lesões, tais como lavar, limpar a casa, levar o lixo e todos os trabalhos domésticos que exijam mais esforço físico. 80 - A autora paga 200,00€ por mês, pelo (que) até à presente data já entregou a importância de 600,00€. 81 - A Autora mantém a necessidade do auxílio dessa terceira pessoa de forma permanente, pois jamais poderá fazer esforços com a mão esquerda. 82 - Designadamente, não pode carregar e transportar objectos pesados, sacos de batatas, sacos de géneros alimentares, panelas e tachos, não pode lavar e torcer a roupa e passar a roupa a ferro, na sua actividade de doméstica. 83 - Em consultas médicas e obtenção do Relatório Médico junto aos autos a Autora gastou 290,00€. 84 - Em medicamentos que lhe foram medicamente prescritos gastou 116,17€. 85 - Na aquisição de uns novos óculos em virtude de os seus terem partido em consequência do sinistro gastou 580,00€. 86 - Em táxi para se deslocar às unidades de saúde onde recebeu tratamento a Autora gastou a quantia de 89,20€. 87 - Relativamente às restantes deslocações, quer ao Hospital …, quer aos tratamentos de fisioterapia na H…, quer relativamente às deslocações médicas ao Hospital … (consultas e fisioterapia), a autora deslocou-se em automóvel.* * *IV. Apreciação das questões enunciadas em II: 1. Se há que alterar a matéria de facto. A primeira questão que a recorrente coloca nas conclusões das suas doutas alegações tem a ver com a reapreciação da matéria de facto, pois pretende que se declarem «não provados» os factos descritos nos nºs 64 a 69, 71, 77 e 81 do ponto anterior [por lapso, a recorrente alude a estes números como sendo da base instrutória quando, claramente, os mesmos dizem respeito aos factos dados como provados na douta sentença com tal numeração, até porque a BI tinha apenas 64 quesitos como se afere de fls. 67 a 76 dos autos]. Mostrando-se suficientemente cumpridos os ónus impostos pelo art. 685º-B nºs 1 als. a) e b) e 2 do CPC, na redacção atrás indicada, há que averiguar se assiste razão à recorrente, esclarecendo-se que, diversamente do que aconteceu até há bem pouco tempo, em que, relativamente aos poderes de reapreciação da prova pelos Tribunais da Relação, dominou uma orientação restritiva que sustentava que estes não podiam procurar uma nova convicção e que deviam limitar-se a aferir se a do Julgador da 1ª instância, vertida nos factos provados e não provados e na fundamentação desse seu juízo valorativo, tinha suporte razoável no que a gravação, em conjugação com os demais elementos probatórios dos autos, permitiam percepcionar, impera actualmente uma concepção mais ampla - que seguimos - que, embora reconheça que a gravação dos depoimentos áudio ou vídeo não consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal «a quo», designadamente, o modo como as declarações foram prestadas, as hesitações que as acompanharam, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, e que existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia, entende, ainda assim, que as Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, devendo proceder à audição dos depoimentos e fazer incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição. E quando a 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção [exceptuada a prova vinculada], a que também está sujeita, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, fazendo «jus» ao reforço dos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição [assim, Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2ª ed. rev. e act., pgs. 279 a 286 e in “Reforma dos Recursos em Processo Civil”, Revista Julgar, nº 4, Janeiro-Abril/2008, pgs. 69 a 76; idem, Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª ed., pg. 228 e Remédio Marques, in “Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, 3ª ed., pgs. 638-650 e, i. a., Acórdãos do STJ de 01/07/2008, proc. 08A191, de 25/11/2008, proc. 08A3334, de 12/03/2009, proc. 08B3684, de 28/05/2009, proc. 4303/05.0TBTVD.S1 e de 01/06/2010, proc. 3003/04.2TVLSB.L1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj]. A recorrente entende que [cfr. conclusões A a M]: ● Nenhuma testemunha referiu que a autora alguma vez tenha confeccionado e servido refeições aos filhos – nº 71; ● Nenhuma testemunha tenha dito que aquela pegava em sacos pesados e que subia e descia escadas da sua residência – nº 77; ●. Nenhuma testemunha e nenhum outro meio de prova sustenta o que consta do nº 81: necessidade da autora ser auxiliada por 3ª pessoa porque jamais poderá fazer esforços com a mão esquerda; ●. O relatório pericial não sustenta os factos descritos nos nºs 64 a 69. Vejamos. 1.1. Começando pelos nºs 71 e 77 [correspondentes às respostas dadas aos quesitos 47º e 53º da BI]. Foram inquiridas três testemunhas – F…, E… e N… -, todas arroladas pela autora [a ré prescindiu das duas testemunhas que havia arrolado – cfr. acta de fls. 116-118]. Da audição dos respectivos depoimentos gravados constatámos que: ● A testemunha F… [que depois do sinistro passou a prestar serviços domésticos à autora, devido à incapacidade de que esta ficou afectada em consequência daquele e das lesões que sofreu], limitou-se a dizer que continua a auxiliar a autora nas lides domésticas, principalmente nas mais pesadas, por aquela não conseguir fazer esforços com a mão esquerda, auferindo cerca de 200,00€ mensais por tais tarefas. ● A testemunha E… [filho da autora], disse que antes do acidente a autora era uma pessoa autónoma, sem problemas físicos, cuidava de si e fazia sozinha, nos vagares próprios da sua idade, todas as lides de casa e que depois do acidente ficou impossibilitada de as fazer, tendo tido necessidade de contratar uma pessoa, a testemunha anterior, para levar a cabo as tarefas que antes realizava sozinha, incluindo as inerentes à sua higiene pessoal; que em consequência do acidente a autora sofreu lesões na mão e no pulso esquerdos; que a mesma continua a não poder efectuar esforços por causa do estado em que ficaram a mão [principalmente um dos dedos] e o pulso esquerdos. ● E a testemunha N… [filha da autora] prestou depoimento idêntico ao da testemunha anterior quanto ao estado de saúde e físico da autora antes do acidente e à capacidade que tinha para levar a cabo as suas tarefas pessoais e domésticas e relativamente ao estado em que ficou em consequência daquele e das incapacidades e limitações que sofreu; que a autora continua a queixar-se de dores no dedo sinistrado e na mão e que continua a não conseguir fazer esforços mais pesados nas lides domésticas [designadamente, não consegue sacudir tapetes, aspirar o pó, etc.]. Face a estes depoimentos não podemos deixar de dar razão à recorrente na impugnação que deduziu aos dois apontados números dos factos provados. Isto porque: ● Por um lado, nenhuma testemunha referiu que a autora confeccionasse e/ou servisse refeições aos filhos antes do acidente dos autos; ● E, por outro, também nada referiram acerca do que consta do nº 77. Tal significa, na ausência de outros meios de prova produzidos sobre esta matéria fáctica, que do nº 71 dos factos provados deve ser retirada a referência aos filhos da autora e que o nº 77 deve ser eliminado, por ausência de prova atinente à respectiva factualidade. 1.2. Passando aos nºs 64 a 68 [correspondentes às respostas dadas aos quesitos 40º a 44º da BI]. Decorre da fundamentação do despacho de resposta aos quesitos da BI que a factualidade exarada nestes números radicou no teor do relatório médico de incapacidade junto a fls. 33 a 37 e no teor do relatório do INML constante de fls. 97 a 100. Um e outro sustentam, sem dúvida alguma, os factos dos nºs 64 a 67, bastando, para tal, atentar-se no que consta das als. a) e b) do ponto II [estado actual] do primeiro relatório e dos itens A e B [queixas e exame objectivo] do segundo relatório. Divergência entre estes relatórios existe apenas relativamente à materialidade do nº 68, pois: ● Enquanto o primeiro [da autoria do médico ortopedista, Dr. O…, datado de 16/11/2011] refere expressamente a existência de “défice de extensão na mobilidade do punho esquerdo, que faz um arco de 35º” e admite que esta lesão/sequela encontra nexo de causalidade no “evento traumático descrito, dado que existe [como para as demais lesões/sequelas nele assinaladas] adequação entre o acidente e as lesões observadas, que são de natureza traumática, com adequação entre a sede do trauma e das lesões, existindo encadeamento anátomo-clínico, adequação temporal, excluindo-se a pré-existência do dano ou de causa estranha ao traumatismo”; Já o segundo [elaborado pela assistente de medicina legal, Dra. P…, datado de 02/07/2012], apesar de aludir a “mobilidades do punho [esquerdo] ligeiramente diminuídas na dorsiflexão e na flexão palmar, ao nível dos últimos graus de movimento”, conclui que “em lado algum dos registos clínicos há referência a alterações da mobilidade do punho, pelo que não se estabelece nexo de causalidade entre essas alterações e o evento aqui descrito”. Daqui resulta que a divergência não está na existência ou não da lesão/sequela a que alude o nº 68, pois ambos os relatórios a referem, mas sim na sua relação com o sinistro em apreço nos autos, ou seja, na existência ou não de nexo causal com este e com as lesões que dele resultaram para a autora/recorrida. O primeiro relatório médico afirma tal nexo de causalidade adequada [nos termos exigidos pelo art. 563º do CCiv.] e sustenta-o triplamente, entendendo existir “encadeamento anátomo-clínico” e “adequação temporal” e excluindo a pré-existência do dano ou de causa estranha”. O segundo limita-se a excluir o nexo causal por não haver “referência a alterações da mobilidade do punho” nos registos clínicos. Pensamos que o segundo relatório, relativamente a este assunto, é demasiado simplista e que o primeiro fundamenta adequadamente o dito nexo causal, sendo inequívoco, por um lado, que está em causa lesão/sequela situada no mesmo membro e na mesma zona corporal das demais [pulso e mão esquerdos] que resultaram efectivamente da queda/acidente da autora e, por outro, que no relatório do episódio de urgência junto a fls. 28 consta que não foi então [no momento em que aquela recebeu assistência no serviço de urgência do Hospital …] detectada à demandante qualquer outra “lesão recente” nos membros superiores. Deste modo e porque o valor probatório do 2º relatório pericial não é superior nem afasta o valor probatório do primeiro, valendo para ambos o que dispõe o art. 389º do CCiv., entendemos que deve ser mantido o que consta do nº 68 dos factos provados, improcedendo, nesta parte, a impugnação da recorrente. 1.3. Finalmente os nºs 69 e 81 [correspondentes às respostas dadas aos quesitos 45º e 58º da BI]. Quanto ao nº 69, a recorrente diz que a respectiva factualidade não encontra acolhimento no segundo relatório pericial atrás mencionado e que, por isso, não devia ter sido considerada provada. Tem, em parte, razão. No relatório pericial do INML refere-se, no item 1 do ponto C do 1º tema [Informação], sob a epígrafe “antecedentes pessoais” [fls. 98 verso], que a sinistrada padecia de “lombalgia” há vários anos e que efectuava tratamentos de fisioterapia para a coluna. Este padecimento físico impedia, por si só, que se desse como provado que aquela “não sofria de qualquer aleijão ou diminuição física, funcional e laboral”. O quesito 45º da BI devia, por via disso, ter obtido resposta restritiva, na medida em que, como disseram duas das testemunhas inquiridas em julgamento [os seus filhos], apesar daquela limitação física e funcional, a demandante continuava a ser uma pessoa autónoma e a fazer sozinha as suas lidas diárias, tratando de si e da sua habitação. Da conjugação de tais meios probatórios temos então como certo que aquele quesito 45º deve ser respondido do seguinte modo: “Provado apenas que, até à data do sinistro e apesar de padecer, há vários anos, de lombalgia, a autora era autónoma na utilização que fazia do seu corpo para a realização das suas tarefas diárias”. Consequentemente, o nº 69 dos factos provados deve passar a ter a redacção decorrente desta alteração. Relativamente ao nº 81. Os relatórios periciais atrás indicados aludem a um “défice funcional permanente” de que a recorrida ficou a sofrer. O relatório do INML fixa-o em “2 pontos, pela rigidez ligeira a moderada observada ao nível das três articulações do 5º dedo da mão esquerda e pelas queixas dolorosas referidas na mobilização desse dedo” [fls. 100]. O primeiro relatório [do médico ortopedista já citado], que admitiu o nexo causal relativamente à diminuição da mobilidade do pulso esquerdo, fixa tal dano em 4 pontos e considera que o mesmo, além de causar sofrimento físico à sinistrada, limita-a em termos funcionais [fls. 36-37]. Considerando este défice funcional permanente, a idade avançada da autora, com tudo o que lhe anda associado a nível ósseo, e o que disseram, a este respeito, as três testemunhas ouvidas em julgamento [remete-se para a síntese dos seus depoimentos], entendemos não haver motivos para alterar a resposta que foi dada ao quesito 58º da BI, nem, consequentemente, o que consta do nº 81 dos factos provados. 1.5. Em conclusão, a impugnação fáctica da recorrente só em parte procede, com as seguintes consequências: . O nº 69 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção: “Até à data do sinistro e apesar de padecer, há vários anos, de lombalgia, a autora era autónoma na utilização que fazia do seu corpo para a realização das suas tarefas diárias”; ● O nº 71 dos factos provados passa a ser do seguinte teor: “No desempenho da sua actividade de doméstica, a autora confeccionava e servia as suas refeições”; ● O nº 77 dos factos provados é eliminado. Os demais factos que vinham impugnados mantêm-se inalterados.* *2. Se há que alterar os montantes indemnizatórios. A recorrente não questiona, nas alegações, a sua responsabilidade civil extracontratual, decorrente da conduta ilícita e culposa do condutor da viatura nela segurada, aceitando o que, sobre tal assunto, ficou decidido na douta sentença recorrida. Questiona apenas os montantes de algumas das parcelas indemnizatórias em que foi condenada, a saber [cfr. conclusões N a Q]: ● a indemnização [5.000,00€] destinada a compensar a IPG de que a autora ficou afectada; ● a indemnização [5.000,00€] destinada a compensar o dano não patrimonial; ● e a indemnização a liquidar posteriormente, pela necessidade de a autora continuar a ser auxiliada por terceira pessoa. Vejamos cada um destes casos. 2.1. Comecemos pela IPG. Este dano é hoje qualificado como «dano biológico», «dano corporal» ou «dano à integridade psico-física» e vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais [cfr., i. a., Acórdãos do STJ de 20/05/2010, proc. 103/2002.L1.S1, de 23/11/2010, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/123221" target="_blank">456/06.8TBVGS.C1</a>.S1 e de 26/01/2012, proc. 220/2001-7.S1, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj; este último faz uma resenha histórica do surgimento do conceito de «dano biológico» e da sua construção]. A tutela deste dano encontra o seu substrato último, no âmbito do direito civil, no art. 25º nº 1 da CRP, que considera inviolável a integridade física das pessoas e no art. 70º nº 1 do CCiv., que protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. O corpo humano, na sua amplitude física e moral, integrando a sua constituição físico-somática, a componente psíquica e as relações fisiológicas, surge, assim, como um bem jurídico protegido perante terceiros, “considerando-se como ilícita civilmente toda e qualquer ofensa ou ameaça de ofensa desse corpo, sendo ilícitos os actos de terceiro que lesem ou ameacem lesar um corpo humano, nomeadamente, através de ferimentos, contusões, equimoses, erosões, infecções, maus tratos físicos ou psíquicos, mutilações, desfigurações, administração de substâncias ou bebidas prejudiciais à saúde, inibições ou afectações de capacidade, doenças físicas ou psíquicas, ou outras anomalias, bem como os actos de terceiro que se traduzam numa intervenção não consentida, nem de outro modo justificada, no corpo de outrem” [assim, Acórdão desta Relação do Porto de 10/11/2011, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/142474" target="_blank">3595/08.7TBMAI.P1</a>, disponível in www.dgsi.pt/jtrp]. Daí que “o responsável pelo dano biológico, porque incidente sobre o valor humano, em toda a sua dimensão, em que o bem saúde é objecto de um autónomo direito básico absoluto, deve repará-lo, em qualquer caso, mesmo que se prove que a vítima não desenvolvia qualquer actividade produtora de rendimento” [assim, Ac. do STJ de 23/11/2010, já mencionado, que cita, no mesmo sentido, o acórdão do STJ de Itália, nº 7101, de 6/7/1990, publicado na “Rivista de Giurisprudenza in Tema di Circolazione e Transporto”, 1991, pg. 644; veja-se, ainda, o estudo de J. Borges Pinto, intitulado “Notas sobre o Dano Corporal e a Perícia Médico-Legal”, de Fevereiro de 2007, disponível em Compilações Doutrinais, no site da Verbo Jurídico]. Onde surge alguma divergência é no enquadramento deste dano, pois uns consideram-no e quantificam-no como dano autónomo [um «tertium genus»], enquanto outros o integram no dano patrimonial ou no dano não patrimonial, conforme dele decorra ou não perda ou diminuição dos proventos profissionais do lesado [a título de exemplo, vejam-se, i. a., os Acórdãos do STJ de 23/11/2010 e de 17/05/2011, proc. 7449/05.0TBCFR.P1.S1, este também disponível no referido sítio da DGSI, que defendem a autonomização daquele dano, e o Acórdão de 26/01/2012, supra citado, que é contra esta autonomização]. Algum afloramento desta ideia, embora expressa de forma imperfeita, surge no art. 3º als. a) e b) da Portaria nº 377/2008, de 26/05, apesar de, erradamente, retirar do conceito de dano biológico, enquadrando-o apenas como dano patrimonial futuro, os casos de incapacidade permanente absoluta ou de incapacidade para a profissão habitual, ficando aquele conceito reservado aos demais danos «pela ofensa à integridade física e psíquica, de que resulte ou não perda da capacidade de ganho» [o Ac. do STJ de 26/01/2012, supra citado, critica este enquadramento do dano biológico feito na referida Portaria]. Pela nossa parte, reconhecendo embora que em casos como o presente, em que a IPG de que a lesada ficou afectada não acarreta perda ou diminuição de rendimentos profissionais [aquela não os auferia à data do sinistro], o dano biológico se aproxima do conceito de dano moral ou não patrimonial, temos vindo, ainda assim, a autonomizá-lo e a quantificá-lo autonomamente. E não decorre daí qualquer duplicação na compensação do mesmo dano; importante é que a IPG não seja duplamente valorada/contabilizada como dano autónomo e como dano não patrimonial. Se for apenas tida em conta no primeiro caso daí nenhum agravamento da responsabilidade indemnizatória advém para o agente/lesante, ou para o seu substituto legal, ou seja, para as companhias seguradoras nos acidentes rodoviários cujas indemnizações caibam no valor do capital garantido pelo contrato de seguro. Na sentença este dano foi autonomizado do dano não patrimonial e assim se manterá. Os factos provados não quantificam a IPG de que a autora ficou afectada. Os dois relatórios periciais, já várias vezes citados neste acórdão, não coincidem neste ponto, pois enquanto o primeiro a quantificou em 4 pontos, o segundo fixou-a em 2 pontos, por não ter atentado na diminuição da mobilidade do punho esquerdo daquela. Como nesta instância se acolheu o nexo causal entre esta lesão/sequela e o acidente dos autos [remete-se para o que se exarou no item 1 deste ponto IV], logo se vê que a percentagem a ter em conta, para cálculo do montante indemnizatório deste dano, é a de 4 pontos. No que concerne ao modo de quantificação da compensação do dano biológico, em casos como o presente em que não há perda ou diminuição de proventos laborais [actuais ou futuros], a Jurisprudência tem, tradicional e maioritariamente, seguido critérios muito semelhantes aos que são adoptados para cálculo da indemnização de tal dano quando dele decorre aquela perda ou diminuição da capacidade de ganho; em ambos os casos, com os argumentos de redução da margem de arbítrio e de subjectivismo dos julgadores e para que haja uma maior uniformidade na sua quantificação. Tais critérios têm assentado nas seguintes ideias basilares: ● A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; ● No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que se confira relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; ● Os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização são apenas um instrumento de auxílio, meramente indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial fundada na equidade; ● Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o lesado gastaria consigo próprio ao longo da vida, consideração esta que, contudo, vale unicamente para os casos de morte do lesado, o que, felizmente, não ocorre «in casu»; ● Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, permitindo ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, havendo, por isso, que introduzir um desconto no valor encontrado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa do infractor ou da sua seguradora; ● Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa do lesado, a própria esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as suas necessidades básicas não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma [a título meramente exemplificativo, podem citar-se, os Acórdãos do STJ de 17/05/2011, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/143881" target="_blank">7449/05.0TBVFR.P1</a>.S1, de 30/09/2010, proc. 935/06.7TBPTL.G1.S1, de 19/05/2009, proc. 298/06.0TBSJM.S1 e de 13/01/2009, proc. 08A3747, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj, enquadrando-o alguns como dano patrimonial futuro]. Também nós temos seguido este entendimento, procedendo ao cálculo da compensação de maneira mais ou menos idêntica quer esteja em questão um caso em que a IPG de que o lesado ficou afectado determinou uma perda/diminuição dos réditos do trabalho, quer uma situação em que não houve esta perda/diminuição; embora, como não poderia deixar de ser, dando maior ênfase à retribuição e aos valores das tabelas financeiras ou métodos matemáticos no primeiro caso que no segundo. “In casu” há que ter em conta o seguinte quadro referencial: ● A idade da autora/lesada à data do sinistro - 73 anos; ● O tempo previsível de vida que, desde aquela data, tem pela frente [a esperança média de vida é, neste momento, em Portugal, de 82 anos para os indivíduos do sexo feminino, segundo dados do INE de Maio de 2012]; ● O valor da retribuição mínima mensal garantida que vigorava à data do acidente, uma vez que a autora não auferia rendimentos do trabalho [485,00€ - DL 143/2010, de 31/12]; ● A IPG de que ficou afectada – 4 pontos; ● A inexistência de culpa concorrencial da sua parte na produção do acidente e, por via disso, nas lesões que determinaram a limitação física de que ficou a padecer; ● O factor da tabela financeira adequado ao tempo de vida activa da demandante, considerando uma taxa de juro anual de 3-4% [que é a que vem sendo adoptada]. ● E o facto de a indemnização ser recebida por inteiro e não em fracções anuais até ao fim da sua vida [o que se traduz num benefício que, a não ser ponderado, importaria um injustificado enriquecimento da demandante - embora, com o devido respeito, nos pareça exagerada uma fracção de ¼ que alguns arestos tiveram em conta, sendo exemplos disso os Acórdãos do STJ de 17/05/2011, já citado e de 25/06/2002, in CJ-STJ, ano X, II, 128]. Na ponderação de todos estes factores, entendemos que a indemnização justa e adequada ao dano em referência deve situar-se nos 2.500,00 €, em vez dos 5.000,00€ fixados na douta sentença. Neste segmento procede, portanto, em parte, a douta apelação. 2.2. Segue-se o dano não patrimonial. A autora peticionou a quantia de 9.000,00€. A sentença quantificou a respectiva compensação em 5.000,00€. A recorrente pretende a redução para a importância de 2.500,00€. É sabido que os danos não patrimoniais indemnizáveis são aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito - art. 496º nº 1 do CCiv. -, e que no ressarcimento dos mesmos não existe uma genuína indemnização, pois, ao invés desta que visa essencialmente preencher uma lacuna no património do lesado, destina-se aquela a aumentar um património intacto para que, com tal acréscimo, o lesado encontre compensação para a dor, a fim de restabelecer um desequilíbrio no âmbito imedível da felicidade humana. Por via disso, o seu montante - «quantum» - deve ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tal, nas regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e do criterioso sopesar das realidades da vida, em conformidade com o preceituado no nº 3 daquele art. 496º [cfr. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., pgs. 627 a 630 e Dario M. de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação”, 3ª ed., pgs. 274 e segs.]. Mas na fixação desta indemnização interfere, ainda, uma componente punitiva, de reprovação ou castigo, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, da conduta do agente, como vem sendo salientado pela doutrina e pela jurisprudência, sendo certo que «in casu» o condutor do veículo segurado na ré-recorrente foi o causador único do sinistro [assim, i. a., Acs. do STJ de 30/10/1996, in BMJ 460/444 e de 19/05/2009, proc. 298/06.0TBSJM.S1, in www.dgsi.pt/jstj; neste último aludem-se também aos ensinamentos, no mesmo sentido, de Menezes Cordeiro, in “Direito das Obrigações”, 2º vol., pg. 288 – segundo o qual “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva” -, Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, pg. 387 – que sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma «pena privada», estabelecida no interesse da vítima” - e Pinto Monteiro, no estudo “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, in RPDC, nº 1, 1º ano, Setembro de 1992, pg. 21]. Para quantificação da compensação a arbitrar, há que ponderar, particularmente, na gravidade das lesões que a autora sofreu, na sua extensão, no período de incapacidade temporária que determinaram, nas dores e padecimentos que suportou e nos tratamentos a que foi sujeita e sua duração. Releva aqui, assim, o que ficou provado sob os nºs 25, 28 a 37, 41, 43, 44, 46, 50 a 54, 59 a 61, não podendo olvidar-se a idade avançada da demandante e o acréscimo de sofrimento e padecimentos que as descritas lesões ósseas lhe causaram no seu dia-a-dia. Por conseguinte, relativamente a este dano, pensamos que a compensação fixada na 1ª instância é justa, adequada e não merece qualquer censura, devendo ser mantida. Neste ponto improcede o recurso. 2.3. Resta a indemnização a liquidar posteriormente, pela necessidade de a autora continuar a ser auxiliada por terceira pessoa. A sentença condenou também a ré a pagar à autora a quantia de “2.100,00€ a título de compensação com os gastos suportados com o pagamento de assistência de terceira pessoa e, bem assim, os montantes que a autora vier a pagar a esse título desde a data da propositura da acção, cuja liquidação se relega para momento posterior”. A parte já liquidada desta indemnização [2.100,00€] não está em causa; a recorrente aceita-a [não a impugnou]. Questionada vem apenas a parte ilíquida, correspondente ao que a autora terá que continuar a pagar [desde a instauração da acção] à dita terceira pessoa de cujo auxílio necessita. A não aceitação deste segmento indemnizatório está associada à impugnação, também apresentada pela recorrente, do facto que consta do nº 81 dos factos provados. Como tal ponto da impugnação fáctica improcedeu, mantendo-se inalterado o facto descrito nesse nº 81, manifesto é, igualmente, que o mesmo destino está traçado para o segmento recursório ora em apreciação, pois, estando demonstrada a necessidade, presente e futura, de a autora continuar a ser auxiliada por terceira pessoa, terá a ré que ressarci-la dos custos daí decorrentes, nos termos que vierem a ser posteriormente liquidados. Em suma, a apelação procede apenas parcialmente.* *Síntese conclusiva: ● O relatório médico elaborado pelo INML na fase instrutória da acção de indemnização não afasta o valor probatório do relatório médico emitido por médico especialista e junto com a p. i., nem tem valor superior a este; vale para ambos o que dispõe o art. 389º do CCiv., ou seja, são livremente apreciados pelo tribunal. ● Tendo a autora/lesada, com 73 anos à data do sinistro, ficado a padecer de uma IPG de 4 pontos e não exercendo a mesma então qualquer actividade remunerada, considera-se justa e adequada, para compensação do dano biológico, a quantia de 2.500,00€. ● Estando demonstrada a necessidade, presente e futura, de a autora continuar a ser auxiliada por terceira pessoa na realização de algumas tarefas do seu dia-a-dia, terá a ré que ressarci-la dos custos daí decorrentes, nos termos que vierem a ser posteriormente liquidados.* * *V. Decisão: Em conformidade com o exposto, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em: 1º. Julgar parcialmente procedente o recurso e alterar a sentença recorrida, reduzindo a indemnização pelo indicado dano biológico para a quantia de 2.500,00€ [dois mil e quinhentos euros], mas mantendo inalteradas as demais parcelas indemnizatórias ali fixadas. 2º. Condenar a recorrente e a recorrida nas custas desta fase recursória, na proporção do decaimento.* * *Porto, 2013/09/17 Manuel Pinto dos Santos Francisco José Rodrigues de Matos Maria João Fontinha Areias Cardoso
Pc. 7977/11.9TBMAI.P1 – 2ª Sec. (apelação) _____________________________ Relator: M. Pinto dos Santos Adjuntos: Des. Francisco Matos Des. Maria João Areias* * *Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto: I. Relatório: B…, residente em …, Maia, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo sumário, contra C… – Companhia de Seguros, SA, com sede no Porto, alegando que no dia 02/05/2011, na Rua …, freguesia …, Maia, ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes o veículo pesado de passageiros de matrícula ..-..-PX, autocarro dos D… e ela própria, autora, que o mesmo consistiu numa queda que sofreu no interior de tal autocarro devida ao facto do respectivo motorista ter arrancado a grande velocidade da paragem onde a demandante havia entrado naquele, sem permitir que se sentasse e que devido a essa queda sofreu diversas lesões, que descreve, as quais foram causa directa e necessária dos danos, patrimoniais e não patrimoniais, que pretende ver ressarcidos pela ré, que especifica, resultando a responsabilidade desta da vigência de contrato de seguro que havia celebrado com a D…, proprietária do autocarro. Concluiu pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 17.086,17€ a título de reparação pelos invocados danos patrimoniais e não patrimoniais e, ainda, uma indemnização a liquidar posteriormente para reparação dos danos alegados nos artigos 104º a 106º. A Ré contestou, aceitando o essencial da versão do acidente relatada na p. i. e impugnando, por desconhecimento, a matéria relativa aos danos alegados. Pugnou pela parcial improcedência da acção com as legais consequências. Foi proferido despacho saneador e foram seleccionados os factos assentes e os controvertidos, estes formando a base instrutória, tendo havido reclamação da autora que foi desatendida. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, no termo da qual, após produção da prova, foi proferido despacho de resposta aos quesitos da BI, sem reclamação das partes. Seguiu-se a prolação da sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré “a pagar à Autora (…) a quantia de 13.086,17€ (treze mil e oitenta e seis euros e dezassete cêntimos) e ainda a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença relativa às despesas que a Autora tiver que suportar com o pagamento do auxílio prestado por terceira pessoa, desde a data da propositura da acção e até à data em que cessar a necessidade de tal auxílio, absolvendo-se a Ré quanto ao restante peticionado”. Mais foram Autora e Ré condenadas no pagamento das custas, na proporção do decaimento. Inconformada com o sentenciado, interpôs a Ré o recurso de apelação em apreço, cuja motivação culminou com as seguintes conclusões: “A. Nenhuma das testemunhas referiu que a autora alguma vez confeccionou e serviu refeições para os filhos. B. Do mesmo modo que ninguém referiu que a Autora pegava em sacos pesados e subia e descia escadas da sua residência. C. Aliás, resulta da resposta à matéria de facto que o quesito 54º, no qual se referia que a residência da Autora tem dois pisos e umas águas furtadas, foi considerado não provado D. A testemunha E…, filho da Autora, em resposta à questão que lhe é colocada durante o seu depoimento relativa às capacidades da mãe, nas lides da casa, antes do acidente - registado em acta do dia 27.11.2012, a partir do minuto 16h:32m – refere apenas que a mãe vivia sozinha, fazia as coisas no seu ritmo, era autónoma, fazias as refeições, lavava a roupa. E. Por outro lado, o Tribunal considerou provada - no Ponto 81º - a necessidade que a Autora mantém do auxílio de terceira pessoa de forma permanente pois jamais poderá fazer esforços com a mão esquerda. F. Nenhuma das testemunhas ouvidas referiu que a Autora jamais poderá fazer esforços com a mão esquerda, matéria que, aliás, sempre seria de questionar se e quando vinda da boca de uma testemunha, na falta da correspectiva confirmação pela perícia médico-legal. G. Na verdade, dos depoimentos prestados, resultou unicamente que a Autora durante o primeiro mês precisou do auxílio permanente e total de uma terceira pessoa, mas essa mesma pessoa, a D. F…, referiu que a partir de Setembro, a Autora já se encontrava melhor e ela mesmo sugeriu ir tratar da lida da casa da Autora apenas algumas horas por dia. H. No seu depoimento, registado em acta do dia 27.11.2012, a partir do minuto 07:25, refere que continua a ir trabalhar para casa da autora porque ela ainda tem muitas dificuldades, não pode sacudir tapetes e fazer as coisas mais pesadas. E que fica muito nervosa. Não refere – nem podia – que a autora jamais poderá fazer esforços com a mão esquerda. I. Nenhuma outra testemunha refere essa impossibilidade! J. O relatório pericial acrescenta que quanto a ajudas técnicas, a Autora apenas necessitará de ajudas medicamentosas. K. Em suma, dos depoimentos resulta que enquanto esteve com o braço imobilizado a Autora necessitou do auxílio da testemunha F… quer na lida da casa quer na sua higiene pessoal. L. Contudo, ninguém refere que antes do acidente a Autora carregava escada acima e escada abaixo sacos pesados, confeccionava e servia refeições aos filhos, ou que jamais poderá fazer esforços com a mão esquerda, pelo que, tais factos – descritos nas respostas aos números 71, 77 e 81 da Base Instrutória - deveriam ter sido considerados não provados. M. Tendo presente o teor do relatório pericial, que a sentença não afasta, também não deveriam ter sido dados como provados os factos dos números 64º a 69º da Base Instrutória. N. Constitui gritante exagero a indemnização de EUR 5.000,00 destinada a ressarcir o dano não patrimonial futuro, a qual deverá ser fixada em não mais de EUR 800,00. O. A indemnização destinada a ressarcir o dano não patrimonial, no valor de EUR 5.000,00, é igualmente exagerada, tendo presente a exiguidade das lesões sofridas, a curta duração da cura e a baixíssima incapacidade atribuída. P. Tal indemnização não deverá ir além dos EUR 2.500,00. Q. Tendo em conta que do conjunto dos factos provados não deve constar que a A., em consequência do acidente de viação e das suas sequelas físicas, vai necessitar da ajuda de uma terceira pessoa, deverá se revogada a condenação numa indemnização a liquidar em execução de sentença. Assim sendo, revogando Vas. Ex.as a sentença recorrida, nos termos retro apontados, estarão fazendo a esperada JUSTIÇA!” Não foram apresentadas contra-alegações. Foram colhidos os vistos legais.* * *II. Questões a apreciar e decidir: Em atenção à delimitação decorrente das conclusões das alegações da recorrente - art. 684º nº 3 e 685º-A nºs 1 e 2 do CPC, na redacção aqui aplicável, introduzida pelo DL 303/3007, de 24/08, por a acção ter sido instaurada depois de 01/01/2008 – e recordando que o dever de resolver todas as questões suscitadas pelas partes, a que alude o nº 2 do art. 660º, «ex vi» do nº 2 do art. 713º, ambos daquele diploma, não se confunde nem demanda qualquer dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas por elas invocados, por mais fundamentados e respeitáveis que se apresentem, como flui do art. 664º [assim, i. a., Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pgs. 677-688, Ac. do Tribunal Constitucional nº 371/2008, disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos e Acs. do STJ de 10/04/2008, proc. 08B877 e de 11/10/2001, proc. 01A2507, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj], as questões a apreciar e decidir são as seguintes: ● Se há que alterar a matéria de facto impugnada; ● Se há que alterar os montantes indemnizatórios que vêm postos em causa.* * *III. Factos que vêm dados como provados: A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos: 1 - No dia 2 de Maio de 2011, ocorreu um sinistro, na Rua …, na freguesia …, concelho e comarca da Maia, no qual foram intervenientes o veículo pesado de passageiros – Autocarro dos D… - de matrícula ..-..-PX e a Autora, B…. 2 - O veículo pesado de passageiros era, como é, propriedade da “D…, S.A.”, com sede na …, …., ..º, ….-… Porto. 3 - E, na altura da ocorrência do sinistro, era conduzido por M…. 4 – M… era empregado da sociedade “D…, S.A.”, desempenhando para essa sociedade a profissão de motorista. 5 - Na altura da ocorrência do sinistro, o referido M… conduzia o autocarro PX em cumprimento de ordens e instruções que a sua referida entidade patronal, “D…, S.A.”, lhe havia, previamente, transmitido. 6 - E seguia, também, por um itinerário que a sua referida entidade patronal lhe havia, previamente, determinado. 7 - Efectuando o transporte de passageiros na cidade da Maia e arredores, segundo rotas e trajectos pré-definidos. 8 - O autocarro seguia no sentido … – …, dirigindo-se para uma paragem que se situa no lado direito, atento o sentido tomado pelo autocarro. 9 - Paragem que se situa junto à casa de residência do pároco de …. 10 - A Autora encontrava-se nessa paragem e quando o autocarro parou para deixar e receber passageiros, a Autora entrou dentro do autocarro. 11 - Quando a Autora entrou no autocarro, o condutor do autocarro arrancou com velocidade e efectuou uma curva à direita, antes que a autora se pudesse sentar. 12 - O condutor M… conduzia de forma completamente distraída e não prestava qualquer atenção à actividade – condução – que exercia nem aos passageiros que, na altura, transportava no PX. 13 - Dos quais, uns seguiam sentados nos respectivos assentos e outros seguiam de pé, nos lugares com que o referido autocarro estava equipado, destinados aos passageiros apeados. 14 - O condutor do veículo automóvel pesado de passageiros PX imprimia ao que conduzia uma velocidade excessiva, superior a cinquenta quilómetros por hora. 15 – M… curvou de forma súbita, brusca, imprevista e inopinada, circulando a uma velocidade superior a 50 Kms horários. 16 - Em consequência dessa manobra, a A. e outros passageiros que se encontravam de pé, foram impulsionados e projectados para o lado esquerdo, estatelando-se no chão. 17 - Esse embate foi muito violento e levou a que a A. perdesse momentaneamente os sentidos. 18 - No local do sinistro e antes de lá chegar, para quem circula em qualquer dos sentidos de marcha, existiam e existem, pelas duas margens da via, de forma ininterrupta, casas de habitação e estabelecimentos comerciais e industriais, nomeadamente cafés e snack-bares. 19 - Todos eles com as suas respectivas portas de acesso a deitar directamente para a faixa de rodagem da via. 20 - A Ré, “C… - Companhia de Seguros, S.A.”, sempre reconheceu e aceitou, como continua a reconhecer e a aceitar, que a culpa na produção do sinistro é única e exclusivamente imputável ao M…. 21 - E sempre reconheceu, como continua a reconhecer, a sua responsabilidade pelo sinistro e o seu dever de indemnizar a Autora, por todos os danos por si sofridos, em consequência do acidente de trânsito que está na génese da presente acção, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes. 22 - Tendo suportado todas as despesas havidas com o tratamento médico e medicamentoso à Autora. 23 - A proprietária do veículo de matrícula ..-..-PX, através de contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel titulado pela apólice n.º ………….., transferiu a sua responsabilidade civil emergente da circulação do referido veículo para a Ré C…, encontrando-se tal contrato de seguro válido e eficaz na data em que ocorreu o sinistro. 24 - A Autora nasceu no dia 1 de Setembro de 1937. 25 - Em virtude do embate, a Autora viveu momentos terríveis de dor, pânico e angústia. 26 - Como o autocarro em que seguia, no seu trajecto, parava no Hospital …, a autora seguiu no mesmo até à paragem da referida Unidade Hospitalar. 27 - A autora apresentava-se desorientada e pouco colaborante no auxílio quando foi assistida na urgência do Hospital …. 28 - Do ponto de vista ortopédico, a autora apresentava fracturas, sem desvio da base do 5º metacarpiano e, com desvio do terço proximal da 1ª falange, no dedo auricular esquerdo. 29 - E apresentava ainda tonturas e cefaleias, uma vez que também bateu com a cabeça no chão, tendo partido os óculos que possuía. 30 - E foram-lhe ministradas várias injecções. 31 - Tendo sido feita lavagem cirúrgica às feridas e às escoriações sofridas. 32 - Foram-lhe efectuados curativos vários. 33 - E Rx às zonas lesionadas. 34 - Em virtude das lesões, foi aplicada à autora uma tala imobilizadora na mão esquerda. 35 - A autora teve alta hospitalar nesse mesmo dia. 36 - E regressou à sua residência, onde vivia, como ainda vive, sozinha. 37 - Nos primeiros dez dias após a alta clínica, a Autora necessitou de permanecer no leito, dadas as enormes dores e incómodos que sentia, pois sentia dores na mão esquerda e em todo o corpo, porquanto o mesmo estava dorido em função da queda. 38 - Devido ao seu estado de saúde e como não tinha qualquer mobilidade na mão e braço direitos [certamente quis-se dizer esquerdos], a demandante teve de ser acompanhada por uma terceira pessoa, que ainda hoje mantém. 39 - Sendo esse trabalho realizado pela D. F…. 40 - Era essa pessoa que tratava da limpeza e alimentação da Autora. 41 - Apesar dos analgésicos e anti-inflamatórios que se encontrava a tomar, a Autora sofreu fortes dores ao ponto de lhe impedir o sono durante a noite. 42 - Durante um mês, a autora necessitava de ajuda de terceira pessoa para as necessidades mais básicas como alimentar-se, tomar banho e vestir-se. 43 - A Autora frequentou a consulta externa do Hospital … na cidade do Porto. 44 - Uma semana após o embate, na Consulta Externa do Hospital …, foi substituída a tala por aparelho gessado tipo luva, que a autora usou durante cerca de 2 meses. 45 - Por via da colocação do aparelho gessado, a A. estava impedida de cuidar da sua alimentação e higiene, tendo, de ser acompanhada por terceira pessoa. 46 - A Autora deslocou-se ao Hospital … por 6 vezes, três vezes por transporte próprio e outras três vezes de táxi. 47 - A Autora partiu os óculos na sequência do embate. 48 - Pelo que se deslocou a uma consulta de oftalmologia com a Dra. G…, em 23 de Maio de 2011. 49 - Tendo-se deslocado ao Consultório dessa Clínica no dia 6 de Junho de 2011, a fim de efectuar um exame à visão. 50 - Por recomendação médica, em 4 de Julho de 2011, a Autora iniciou tratamento de fisioterapia na H…, em …. 51 - Tendo efectuado 26 (vinte e seis) sessões de tratamento, que terminaram no dia 8 de Agosto de 2011. 52 - Os quais eram compostos por calores húmidos, ionizações, TENS, ultra-sons e massagens na parte afectada, assim como exercícios de reabilitação física. 53 - Esses tratamentos tinham a duração média de duas horas e eram particularmente dolorosos para a autora, sendo certo que, com os mesmos, a autora viu pouco evoluir a sua situação clínica. 54 - A Autora passou a ser acompanhada no Hospital …, na cidade do Porto, por indicação da Ré. 55 - Tendo solicitado à Autora um Relatório Clínico emitido pela Clínica …, o que a Autora requereu e entregou aos Serviços da Ré e do qual consta que a autora se encontrava em tratamento fisiátrico por défice de flexão das articulações metacarpo-falangica e interfalangicas de D5 da mão esquerda derivadas de sequelas da fractura de base de F1 de D5 da mão esquerda. 56 - Em 21 de Junho, 12 de Julho e 26 de Julho de 2011, a Autora deslocou-se à Consulta no Hospital … na cidade do Porto, que avaliou a situação clínica da Autora e concedeu à Autora a continuação de Incapacidade Absoluta funcional. 57 - Entendeu, o referido Clínico, que se aguardasse a evolução Clínica da Autora, no que à recuperação funcional diz respeito. 58 - Em 9 de Agosto de 2011, a Autora foi vista pelos Clínicos Drs. I… e J…, que prescreveram que a Autora reiniciasse o tratamento de fisioterapia. 59 - A Autora frequentou sessões de fisioterapia no Hospital … nos seguintes dias: 11, 19, 22, 24, 25, 26, 29, 30 e 31 de Agosto de 2011 e 1, 2, 5 e 6 de Setembro de 2011. 60 - Os quais eram compostos por calores húmidos, ionizações, TENS, ultra-sons e massagens na parte afectada, assim como exercícios de reabilitação física. 61 - Esses tratamentos tinham, igualmente, a duração média de duas horas e eram particularmente dolorosos para a autora. 62 - No dia 6 de Setembro de 2011, a Autora deslocou-se ao Hospital …, a fim de ser consultada pelo Dr. K…, que avaliou a evolução clínica da Autora e que marcou consulta para avaliação final. 63 - A Autora teve a última consulta em 27/9/2011, com o Dr. L…, com indicação de atribuição de IPP, de que até ao momento, não lhe foi informado o respectivo fundamento. 64 - A autora apresenta actualmente as seguintes queixas: - Persistência de queixas dolorosas no punho e mão esquerda, com especial incidência no dedo auricular. 65 - Essas dores são exacerbadas por qualquer situação que exija preensão, como por exemplo as que se relacionam com os seus trabalhos domésticos: fazer as camas, lavar e esfregar roupa, varrer ou transportar um balde de lixo cheio, entre outras tarefas. 66 - Dores essas que são impeditivas da realização dessas tarefas e de outras que exigem uma maior disponibilidade física. 67 - A Autora passou a sentir rigidez acentuada (análoga à anquilose) das articulações interfalângicas e menos acentuada da articulação metacarpo-falângica, no dedo auricular esquerdo. 68 - E existe um défice de extensão na mobilidade do punho esquerdo, que faz um arco de 35º. 69 - Até à data do sinistro a autora não sofria de qualquer aleijão ou diminuição física, funcional, laboral e de utilização do seu corpo. 70 - Vivia sozinha e fazia toda a lide de casa. 71 - No desempenho da sua actividade de doméstica, a Autora confeccionava e servia as refeições, na sua casa de residência, para si e não raramente para os seus filhos. 72 - A Autora, no desempenho dessa sua actividade de doméstica, lavava, limpava e arrumava a loiça. 73 - Lavava e passava a roupa a ferro. 74 - E dobrava e arrumava essa roupa. 75 - Limpava o pó de todos móveis da sua casa de residência. 76 - Varria e arrumava a sua casa de habitação. 77 - Pegava em sacos pesados e com os mesmos subia e descia as escadas da sua residência. 78 - Nos quatro meses e que esteve impossibilitada de fazer as tarefas acima referidas, a Autora pagou à terceira pessoa que contratou para o efeito a quantia de 1.500,00€. 79 - A partir do mês de Setembro de 2011, essa terceira pessoa começou a fazer menos horas por semana – 12 horas -, só efectuando os trabalhos que a autora já não consegue efectuar por via das lesões, tais como lavar, limpar a casa, levar o lixo e todos os trabalhos domésticos que exijam mais esforço físico. 80 - A autora paga 200,00€ por mês, pelo (que) até à presente data já entregou a importância de 600,00€. 81 - A Autora mantém a necessidade do auxílio dessa terceira pessoa de forma permanente, pois jamais poderá fazer esforços com a mão esquerda. 82 - Designadamente, não pode carregar e transportar objectos pesados, sacos de batatas, sacos de géneros alimentares, panelas e tachos, não pode lavar e torcer a roupa e passar a roupa a ferro, na sua actividade de doméstica. 83 - Em consultas médicas e obtenção do Relatório Médico junto aos autos a Autora gastou 290,00€. 84 - Em medicamentos que lhe foram medicamente prescritos gastou 116,17€. 85 - Na aquisição de uns novos óculos em virtude de os seus terem partido em consequência do sinistro gastou 580,00€. 86 - Em táxi para se deslocar às unidades de saúde onde recebeu tratamento a Autora gastou a quantia de 89,20€. 87 - Relativamente às restantes deslocações, quer ao Hospital …, quer aos tratamentos de fisioterapia na H…, quer relativamente às deslocações médicas ao Hospital … (consultas e fisioterapia), a autora deslocou-se em automóvel.* * *IV. Apreciação das questões enunciadas em II: 1. Se há que alterar a matéria de facto. A primeira questão que a recorrente coloca nas conclusões das suas doutas alegações tem a ver com a reapreciação da matéria de facto, pois pretende que se declarem «não provados» os factos descritos nos nºs 64 a 69, 71, 77 e 81 do ponto anterior [por lapso, a recorrente alude a estes números como sendo da base instrutória quando, claramente, os mesmos dizem respeito aos factos dados como provados na douta sentença com tal numeração, até porque a BI tinha apenas 64 quesitos como se afere de fls. 67 a 76 dos autos]. Mostrando-se suficientemente cumpridos os ónus impostos pelo art. 685º-B nºs 1 als. a) e b) e 2 do CPC, na redacção atrás indicada, há que averiguar se assiste razão à recorrente, esclarecendo-se que, diversamente do que aconteceu até há bem pouco tempo, em que, relativamente aos poderes de reapreciação da prova pelos Tribunais da Relação, dominou uma orientação restritiva que sustentava que estes não podiam procurar uma nova convicção e que deviam limitar-se a aferir se a do Julgador da 1ª instância, vertida nos factos provados e não provados e na fundamentação desse seu juízo valorativo, tinha suporte razoável no que a gravação, em conjugação com os demais elementos probatórios dos autos, permitiam percepcionar, impera actualmente uma concepção mais ampla - que seguimos - que, embora reconheça que a gravação dos depoimentos áudio ou vídeo não consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal «a quo», designadamente, o modo como as declarações foram prestadas, as hesitações que as acompanharam, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, e que existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia, entende, ainda assim, que as Relações têm a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância, devendo proceder à audição dos depoimentos e fazer incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição. E quando a 2ª instância, ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção [exceptuada a prova vinculada], a que também está sujeita, conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, fazendo «jus» ao reforço dos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição [assim, Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2ª ed. rev. e act., pgs. 279 a 286 e in “Reforma dos Recursos em Processo Civil”, Revista Julgar, nº 4, Janeiro-Abril/2008, pgs. 69 a 76; idem, Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª ed., pg. 228 e Remédio Marques, in “Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, 3ª ed., pgs. 638-650 e, i. a., Acórdãos do STJ de 01/07/2008, proc. 08A191, de 25/11/2008, proc. 08A3334, de 12/03/2009, proc. 08B3684, de 28/05/2009, proc. 4303/05.0TBTVD.S1 e de 01/06/2010, proc. 3003/04.2TVLSB.L1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt/jstj]. A recorrente entende que [cfr. conclusões A a M]: ● Nenhuma testemunha referiu que a autora alguma vez tenha confeccionado e servido refeições aos filhos – nº 71; ● Nenhuma testemunha tenha dito que aquela pegava em sacos pesados e que subia e descia escadas da sua residência – nº 77; ●. Nenhuma testemunha e nenhum outro meio de prova sustenta o que consta do nº 81: necessidade da autora ser auxiliada por 3ª pessoa porque jamais poderá fazer esforços com a mão esquerda; ●. O relatório pericial não sustenta os factos descritos nos nºs 64 a 69. Vejamos. 1.1. Começando pelos nºs 71 e 77 [correspondentes às respostas dadas aos quesitos 47º e 53º da BI]. Foram inquiridas três testemunhas – F…, E… e N… -, todas arroladas pela autora [a ré prescindiu das duas testemunhas que havia arrolado – cfr. acta de fls. 116-118]. Da audição dos respectivos depoimentos gravados constatámos que: ● A testemunha F… [que depois do sinistro passou a prestar serviços domésticos à autora, devido à incapacidade de que esta ficou afectada em consequência daquele e das lesões que sofreu], limitou-se a dizer que continua a auxiliar a autora nas lides domésticas, principalmente nas mais pesadas, por aquela não conseguir fazer esforços com a mão esquerda, auferindo cerca de 200,00€ mensais por tais tarefas. ● A testemunha E… [filho da autora], disse que antes do acidente a autora era uma pessoa autónoma, sem problemas físicos, cuidava de si e fazia sozinha, nos vagares próprios da sua idade, todas as lides de casa e que depois do acidente ficou impossibilitada de as fazer, tendo tido necessidade de contratar uma pessoa, a testemunha anterior, para levar a cabo as tarefas que antes realizava sozinha, incluindo as inerentes à sua higiene pessoal; que em consequência do acidente a autora sofreu lesões na mão e no pulso esquerdos; que a mesma continua a não poder efectuar esforços por causa do estado em que ficaram a mão [principalmente um dos dedos] e o pulso esquerdos. ● E a testemunha N… [filha da autora] prestou depoimento idêntico ao da testemunha anterior quanto ao estado de saúde e físico da autora antes do acidente e à capacidade que tinha para levar a cabo as suas tarefas pessoais e domésticas e relativamente ao estado em que ficou em consequência daquele e das incapacidades e limitações que sofreu; que a autora continua a queixar-se de dores no dedo sinistrado e na mão e que continua a não conseguir fazer esforços mais pesados nas lides domésticas [designadamente, não consegue sacudir tapetes, aspirar o pó, etc.]. Face a estes depoimentos não podemos deixar de dar razão à recorrente na impugnação que deduziu aos dois apontados números dos factos provados. Isto porque: ● Por um lado, nenhuma testemunha referiu que a autora confeccionasse e/ou servisse refeições aos filhos antes do acidente dos autos; ● E, por outro, também nada referiram acerca do que consta do nº 77. Tal significa, na ausência de outros meios de prova produzidos sobre esta matéria fáctica, que do nº 71 dos factos provados deve ser retirada a referência aos filhos da autora e que o nº 77 deve ser eliminado, por ausência de prova atinente à respectiva factualidade. 1.2. Passando aos nºs 64 a 68 [correspondentes às respostas dadas aos quesitos 40º a 44º da BI]. Decorre da fundamentação do despacho de resposta aos quesitos da BI que a factualidade exarada nestes números radicou no teor do relatório médico de incapacidade junto a fls. 33 a 37 e no teor do relatório do INML constante de fls. 97 a 100. Um e outro sustentam, sem dúvida alguma, os factos dos nºs 64 a 67, bastando, para tal, atentar-se no que consta das als. a) e b) do ponto II [estado actual] do primeiro relatório e dos itens A e B [queixas e exame objectivo] do segundo relatório. Divergência entre estes relatórios existe apenas relativamente à materialidade do nº 68, pois: ● Enquanto o primeiro [da autoria do médico ortopedista, Dr. O…, datado de 16/11/2011] refere expressamente a existência de “défice de extensão na mobilidade do punho esquerdo, que faz um arco de 35º” e admite que esta lesão/sequela encontra nexo de causalidade no “evento traumático descrito, dado que existe [como para as demais lesões/sequelas nele assinaladas] adequação entre o acidente e as lesões observadas, que são de natureza traumática, com adequação entre a sede do trauma e das lesões, existindo encadeamento anátomo-clínico, adequação temporal, excluindo-se a pré-existência do dano ou de causa estranha ao traumatismo”; Já o segundo [elaborado pela assistente de medicina legal, Dra. P…, datado de 02/07/2012], apesar de aludir a “mobilidades do punho [esquerdo] ligeiramente diminuídas na dorsiflexão e na flexão palmar, ao nível dos últimos graus de movimento”, conclui que “em lado algum dos registos clínicos há referência a alterações da mobilidade do punho, pelo que não se estabelece nexo de causalidade entre essas alterações e o evento aqui descrito”. Daqui resulta que a divergência não está na existência ou não da lesão/sequela a que alude o nº 68, pois ambos os relatórios a referem, mas sim na sua relação com o sinistro em apreço nos autos, ou seja, na existência ou não de nexo causal com este e com as lesões que dele resultaram para a autora/recorrida. O primeiro relatório médico afirma tal nexo de causalidade adequada [nos termos exigidos pelo art. 563º do CCiv.] e sustenta-o triplamente, entendendo existir “encadeamento anátomo-clínico” e “adequação temporal” e excluindo a pré-existência do dano ou de causa estranha”. O segundo limita-se a excluir o nexo causal por não haver “referência a alterações da mobilidade do punho” nos registos clínicos. Pensamos que o segundo relatório, relativamente a este assunto, é demasiado simplista e que o primeiro fundamenta adequadamente o dito nexo causal, sendo inequívoco, por um lado, que está em causa lesão/sequela situada no mesmo membro e na mesma zona corporal das demais [pulso e mão esquerdos] que resultaram efectivamente da queda/acidente da autora e, por outro, que no relatório do episódio de urgência junto a fls. 28 consta que não foi então [no momento em que aquela recebeu assistência no serviço de urgência do Hospital …] detectada à demandante qualquer outra “lesão recente” nos membros superiores. Deste modo e porque o valor probatório do 2º relatório pericial não é superior nem afasta o valor probatório do primeiro, valendo para ambos o que dispõe o art. 389º do CCiv., entendemos que deve ser mantido o que consta do nº 68 dos factos provados, improcedendo, nesta parte, a impugnação da recorrente. 1.3. Finalmente os nºs 69 e 81 [correspondentes às respostas dadas aos quesitos 45º e 58º da BI]. Quanto ao nº 69, a recorrente diz que a respectiva factualidade não encontra acolhimento no segundo relatório pericial atrás mencionado e que, por isso, não devia ter sido considerada provada. Tem, em parte, razão. No relatório pericial do INML refere-se, no item 1 do ponto C do 1º tema [Informação], sob a epígrafe “antecedentes pessoais” [fls. 98 verso], que a sinistrada padecia de “lombalgia” há vários anos e que efectuava tratamentos de fisioterapia para a coluna. Este padecimento físico impedia, por si só, que se desse como provado que aquela “não sofria de qualquer aleijão ou diminuição física, funcional e laboral”. O quesito 45º da BI devia, por via disso, ter obtido resposta restritiva, na medida em que, como disseram duas das testemunhas inquiridas em julgamento [os seus filhos], apesar daquela limitação física e funcional, a demandante continuava a ser uma pessoa autónoma e a fazer sozinha as suas lidas diárias, tratando de si e da sua habitação. Da conjugação de tais meios probatórios temos então como certo que aquele quesito 45º deve ser respondido do seguinte modo: “Provado apenas que, até à data do sinistro e apesar de padecer, há vários anos, de lombalgia, a autora era autónoma na utilização que fazia do seu corpo para a realização das suas tarefas diárias”. Consequentemente, o nº 69 dos factos provados deve passar a ter a redacção decorrente desta alteração. Relativamente ao nº 81. Os relatórios periciais atrás indicados aludem a um “défice funcional permanente” de que a recorrida ficou a sofrer. O relatório do INML fixa-o em “2 pontos, pela rigidez ligeira a moderada observada ao nível das três articulações do 5º dedo da mão esquerda e pelas queixas dolorosas referidas na mobilização desse dedo” [fls. 100]. O primeiro relatório [do médico ortopedista já citado], que admitiu o nexo causal relativamente à diminuição da mobilidade do pulso esquerdo, fixa tal dano em 4 pontos e considera que o mesmo, além de causar sofrimento físico à sinistrada, limita-a em termos funcionais [fls. 36-37]. Considerando este défice funcional permanente, a idade avançada da autora, com tudo o que lhe anda associado a nível ósseo, e o que disseram, a este respeito, as três testemunhas ouvidas em julgamento [remete-se para a síntese dos seus depoimentos], entendemos não haver motivos para alterar a resposta que foi dada ao quesito 58º da BI, nem, consequentemente, o que consta do nº 81 dos factos provados. 1.5. Em conclusão, a impugnação fáctica da recorrente só em parte procede, com as seguintes consequências: . O nº 69 dos factos provados passa a ter a seguinte redacção: “Até à data do sinistro e apesar de padecer, há vários anos, de lombalgia, a autora era autónoma na utilização que fazia do seu corpo para a realização das suas tarefas diárias”; ● O nº 71 dos factos provados passa a ser do seguinte teor: “No desempenho da sua actividade de doméstica, a autora confeccionava e servia as suas refeições”; ● O nº 77 dos factos provados é eliminado. Os demais factos que vinham impugnados mantêm-se inalterados.* *2. Se há que alterar os montantes indemnizatórios. A recorrente não questiona, nas alegações, a sua responsabilidade civil extracontratual, decorrente da conduta ilícita e culposa do condutor da viatura nela segurada, aceitando o que, sobre tal assunto, ficou decidido na douta sentença recorrida. Questiona apenas os montantes de algumas das parcelas indemnizatórias em que foi condenada, a saber [cfr. conclusões N a Q]: ● a indemnização [5.000,00€] destinada a compensar a IPG de que a autora ficou afectada; ● a indemnização [5.000,00€] destinada a compensar o dano não patrimonial; ● e a indemnização a liquidar posteriormente, pela necessidade de a autora continuar a ser auxiliada por terceira pessoa. Vejamos cada um destes casos. 2.1. Comecemos pela IPG. Este dano é hoje qualificado como «dano biológico», «dano corporal» ou «dano à integridade psico-física» e vem sendo entendido como dano-evento, reportado a toda a violação da integridade físico-psíquica da pessoa com tradução médico-legal, ou como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com repercussão na sua vida pessoal e profissional, independentemente de dele decorrer ou não perda ou diminuição de proventos laborais [cfr., i. a., Acórdãos do STJ de 20/05/2010, proc. 103/2002.L1.S1, de 23/11/2010, proc. 456/06.8TBVGS.C1.S1 e de 26/01/2012, proc. 220/2001-7.S1, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj; este último faz uma resenha histórica do surgimento do conceito de «dano biológico» e da sua construção]. A tutela deste dano encontra o seu substrato último, no âmbito do direito civil, no art. 25º nº 1 da CRP, que considera inviolável a integridade física das pessoas e no art. 70º nº 1 do CCiv., que protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral. O corpo humano, na sua amplitude física e moral, integrando a sua constituição físico-somática, a componente psíquica e as relações fisiológicas, surge, assim, como um bem jurídico protegido perante terceiros, “considerando-se como ilícita civilmente toda e qualquer ofensa ou ameaça de ofensa desse corpo, sendo ilícitos os actos de terceiro que lesem ou ameacem lesar um corpo humano, nomeadamente, através de ferimentos, contusões, equimoses, erosões, infecções, maus tratos físicos ou psíquicos, mutilações, desfigurações, administração de substâncias ou bebidas prejudiciais à saúde, inibições ou afectações de capacidade, doenças físicas ou psíquicas, ou outras anomalias, bem como os actos de terceiro que se traduzam numa intervenção não consentida, nem de outro modo justificada, no corpo de outrem” [assim, Acórdão desta Relação do Porto de 10/11/2011, proc. 3595/08.7TBMAI.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp]. Daí que “o responsável pelo dano biológico, porque incidente sobre o valor humano, em toda a sua dimensão, em que o bem saúde é objecto de um autónomo direito básico absoluto, deve repará-lo, em qualquer caso, mesmo que se prove que a vítima não desenvolvia qualquer actividade produtora de rendimento” [assim, Ac. do STJ de 23/11/2010, já mencionado, que cita, no mesmo sentido, o acórdão do STJ de Itália, nº 7101, de 6/7/1990, publicado na “Rivista de Giurisprudenza in Tema di Circolazione e Transporto”, 1991, pg. 644; veja-se, ainda, o estudo de J. Borges Pinto, intitulado “Notas sobre o Dano Corporal e a Perícia Médico-Legal”, de Fevereiro de 2007, disponível em Compilações Doutrinais, no site da Verbo Jurídico]. Onde surge alguma divergência é no enquadramento deste dano, pois uns consideram-no e quantificam-no como dano autónomo [um «tertium genus»], enquanto outros o integram no dano patrimonial ou no dano não patrimonial, conforme dele decorra ou não perda ou diminuição dos proventos profissionais do lesado [a título de exemplo, vejam-se, i. a., os Acórdãos do STJ de 23/11/2010 e de 17/05/2011, proc. 7449/05.0TBCFR.P1.S1, este também disponível no referido sítio da DGSI, que defendem a autonomização daquele dano, e o Acórdão de 26/01/2012, supra citado, que é contra esta autonomização]. Algum afloramento desta ideia, embora expressa de forma imperfeita, surge no art. 3º als. a) e b) da Portaria nº 377/2008, de 26/05, apesar de, erradamente, retirar do conceito de dano biológico, enquadrando-o apenas como dano patrimonial futuro, os casos de incapacidade permanente absoluta ou de incapacidade para a profissão habitual, ficando aquele conceito reservado aos demais danos «pela ofensa à integridade física e psíquica, de que resulte ou não perda da capacidade de ganho» [o Ac. do STJ de 26/01/2012, supra citado, critica este enquadramento do dano biológico feito na referida Portaria]. Pela nossa parte, reconhecendo embora que em casos como o presente, em que a IPG de que a lesada ficou afectada não acarreta perda ou diminuição de rendimentos profissionais [aquela não os auferia à data do sinistro], o dano biológico se aproxima do conceito de dano moral ou não patrimonial, temos vindo, ainda assim, a autonomizá-lo e a quantificá-lo autonomamente. E não decorre daí qualquer duplicação na compensação do mesmo dano; importante é que a IPG não seja duplamente valorada/contabilizada como dano autónomo e como dano não patrimonial. Se for apenas tida em conta no primeiro caso daí nenhum agravamento da responsabilidade indemnizatória advém para o agente/lesante, ou para o seu substituto legal, ou seja, para as companhias seguradoras nos acidentes rodoviários cujas indemnizações caibam no valor do capital garantido pelo contrato de seguro. Na sentença este dano foi autonomizado do dano não patrimonial e assim se manterá. Os factos provados não quantificam a IPG de que a autora ficou afectada. Os dois relatórios periciais, já várias vezes citados neste acórdão, não coincidem neste ponto, pois enquanto o primeiro a quantificou em 4 pontos, o segundo fixou-a em 2 pontos, por não ter atentado na diminuição da mobilidade do punho esquerdo daquela. Como nesta instância se acolheu o nexo causal entre esta lesão/sequela e o acidente dos autos [remete-se para o que se exarou no item 1 deste ponto IV], logo se vê que a percentagem a ter em conta, para cálculo do montante indemnizatório deste dano, é a de 4 pontos. No que concerne ao modo de quantificação da compensação do dano biológico, em casos como o presente em que não há perda ou diminuição de proventos laborais [actuais ou futuros], a Jurisprudência tem, tradicional e maioritariamente, seguido critérios muito semelhantes aos que são adoptados para cálculo da indemnização de tal dano quando dele decorre aquela perda ou diminuição da capacidade de ganho; em ambos os casos, com os argumentos de redução da margem de arbítrio e de subjectivismo dos julgadores e para que haja uma maior uniformidade na sua quantificação. Tais critérios têm assentado nas seguintes ideias basilares: ● A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; ● No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que se confira relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; ● Os métodos matemáticos e/ou as tabelas financeiras utilizados para apurar a indemnização são apenas um instrumento de auxílio, meramente indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial fundada na equidade; ● Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o lesado gastaria consigo próprio ao longo da vida, consideração esta que, contudo, vale unicamente para os casos de morte do lesado, o que, felizmente, não ocorre «in casu»; ● Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, permitindo ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, havendo, por isso, que introduzir um desconto no valor encontrado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa do infractor ou da sua seguradora; ● Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa do lesado, a própria esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as suas necessidades básicas não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma [a título meramente exemplificativo, podem citar-se, os Acórdãos do STJ de 17/05/2011, proc. 7449/05.0TBVFR.P1.S1, de 30/09/2010, proc. 935/06.7TBPTL.G1.S1, de 19/05/2009, proc. 298/06.0TBSJM.S1 e de 13/01/2009, proc. 08A3747, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj, enquadrando-o alguns como dano patrimonial futuro]. Também nós temos seguido este entendimento, procedendo ao cálculo da compensação de maneira mais ou menos idêntica quer esteja em questão um caso em que a IPG de que o lesado ficou afectado determinou uma perda/diminuição dos réditos do trabalho, quer uma situação em que não houve esta perda/diminuição; embora, como não poderia deixar de ser, dando maior ênfase à retribuição e aos valores das tabelas financeiras ou métodos matemáticos no primeiro caso que no segundo. “In casu” há que ter em conta o seguinte quadro referencial: ● A idade da autora/lesada à data do sinistro - 73 anos; ● O tempo previsível de vida que, desde aquela data, tem pela frente [a esperança média de vida é, neste momento, em Portugal, de 82 anos para os indivíduos do sexo feminino, segundo dados do INE de Maio de 2012]; ● O valor da retribuição mínima mensal garantida que vigorava à data do acidente, uma vez que a autora não auferia rendimentos do trabalho [485,00€ - DL 143/2010, de 31/12]; ● A IPG de que ficou afectada – 4 pontos; ● A inexistência de culpa concorrencial da sua parte na produção do acidente e, por via disso, nas lesões que determinaram a limitação física de que ficou a padecer; ● O factor da tabela financeira adequado ao tempo de vida activa da demandante, considerando uma taxa de juro anual de 3-4% [que é a que vem sendo adoptada]. ● E o facto de a indemnização ser recebida por inteiro e não em fracções anuais até ao fim da sua vida [o que se traduz num benefício que, a não ser ponderado, importaria um injustificado enriquecimento da demandante - embora, com o devido respeito, nos pareça exagerada uma fracção de ¼ que alguns arestos tiveram em conta, sendo exemplos disso os Acórdãos do STJ de 17/05/2011, já citado e de 25/06/2002, in CJ-STJ, ano X, II, 128]. Na ponderação de todos estes factores, entendemos que a indemnização justa e adequada ao dano em referência deve situar-se nos 2.500,00 €, em vez dos 5.000,00€ fixados na douta sentença. Neste segmento procede, portanto, em parte, a douta apelação. 2.2. Segue-se o dano não patrimonial. A autora peticionou a quantia de 9.000,00€. A sentença quantificou a respectiva compensação em 5.000,00€. A recorrente pretende a redução para a importância de 2.500,00€. É sabido que os danos não patrimoniais indemnizáveis são aqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito - art. 496º nº 1 do CCiv. -, e que no ressarcimento dos mesmos não existe uma genuína indemnização, pois, ao invés desta que visa essencialmente preencher uma lacuna no património do lesado, destina-se aquela a aumentar um património intacto para que, com tal acréscimo, o lesado encontre compensação para a dor, a fim de restabelecer um desequilíbrio no âmbito imedível da felicidade humana. Por via disso, o seu montante - «quantum» - deve ser proporcional à gravidade do dano, ponderando-se, para tal, nas regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e do criterioso sopesar das realidades da vida, em conformidade com o preceituado no nº 3 daquele art. 496º [cfr. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, 9ª ed., pgs. 627 a 630 e Dario M. de Almeida, in “Manual de Acidentes de Viação”, 3ª ed., pgs. 274 e segs.]. Mas na fixação desta indemnização interfere, ainda, uma componente punitiva, de reprovação ou castigo, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, da conduta do agente, como vem sendo salientado pela doutrina e pela jurisprudência, sendo certo que «in casu» o condutor do veículo segurado na ré-recorrente foi o causador único do sinistro [assim, i. a., Acs. do STJ de 30/10/1996, in BMJ 460/444 e de 19/05/2009, proc. 298/06.0TBSJM.S1, in www.dgsi.pt/jstj; neste último aludem-se também aos ensinamentos, no mesmo sentido, de Menezes Cordeiro, in “Direito das Obrigações”, 2º vol., pg. 288 – segundo o qual “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva” -, Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, pg. 387 – que sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma «pena privada», estabelecida no interesse da vítima” - e Pinto Monteiro, no estudo “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, in RPDC, nº 1, 1º ano, Setembro de 1992, pg. 21]. Para quantificação da compensação a arbitrar, há que ponderar, particularmente, na gravidade das lesões que a autora sofreu, na sua extensão, no período de incapacidade temporária que determinaram, nas dores e padecimentos que suportou e nos tratamentos a que foi sujeita e sua duração. Releva aqui, assim, o que ficou provado sob os nºs 25, 28 a 37, 41, 43, 44, 46, 50 a 54, 59 a 61, não podendo olvidar-se a idade avançada da demandante e o acréscimo de sofrimento e padecimentos que as descritas lesões ósseas lhe causaram no seu dia-a-dia. Por conseguinte, relativamente a este dano, pensamos que a compensação fixada na 1ª instância é justa, adequada e não merece qualquer censura, devendo ser mantida. Neste ponto improcede o recurso. 2.3. Resta a indemnização a liquidar posteriormente, pela necessidade de a autora continuar a ser auxiliada por terceira pessoa. A sentença condenou também a ré a pagar à autora a quantia de “2.100,00€ a título de compensação com os gastos suportados com o pagamento de assistência de terceira pessoa e, bem assim, os montantes que a autora vier a pagar a esse título desde a data da propositura da acção, cuja liquidação se relega para momento posterior”. A parte já liquidada desta indemnização [2.100,00€] não está em causa; a recorrente aceita-a [não a impugnou]. Questionada vem apenas a parte ilíquida, correspondente ao que a autora terá que continuar a pagar [desde a instauração da acção] à dita terceira pessoa de cujo auxílio necessita. A não aceitação deste segmento indemnizatório está associada à impugnação, também apresentada pela recorrente, do facto que consta do nº 81 dos factos provados. Como tal ponto da impugnação fáctica improcedeu, mantendo-se inalterado o facto descrito nesse nº 81, manifesto é, igualmente, que o mesmo destino está traçado para o segmento recursório ora em apreciação, pois, estando demonstrada a necessidade, presente e futura, de a autora continuar a ser auxiliada por terceira pessoa, terá a ré que ressarci-la dos custos daí decorrentes, nos termos que vierem a ser posteriormente liquidados. Em suma, a apelação procede apenas parcialmente.* *Síntese conclusiva: ● O relatório médico elaborado pelo INML na fase instrutória da acção de indemnização não afasta o valor probatório do relatório médico emitido por médico especialista e junto com a p. i., nem tem valor superior a este; vale para ambos o que dispõe o art. 389º do CCiv., ou seja, são livremente apreciados pelo tribunal. ● Tendo a autora/lesada, com 73 anos à data do sinistro, ficado a padecer de uma IPG de 4 pontos e não exercendo a mesma então qualquer actividade remunerada, considera-se justa e adequada, para compensação do dano biológico, a quantia de 2.500,00€. ● Estando demonstrada a necessidade, presente e futura, de a autora continuar a ser auxiliada por terceira pessoa na realização de algumas tarefas do seu dia-a-dia, terá a ré que ressarci-la dos custos daí decorrentes, nos termos que vierem a ser posteriormente liquidados.* * *V. Decisão: Em conformidade com o exposto, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em: 1º. Julgar parcialmente procedente o recurso e alterar a sentença recorrida, reduzindo a indemnização pelo indicado dano biológico para a quantia de 2.500,00€ [dois mil e quinhentos euros], mas mantendo inalteradas as demais parcelas indemnizatórias ali fixadas. 2º. Condenar a recorrente e a recorrida nas custas desta fase recursória, na proporção do decaimento.* * *Porto, 2013/09/17 Manuel Pinto dos Santos Francisco José Rodrigues de Matos Maria João Fontinha Areias Cardoso