I - Mesmo que o défice funcional permanente de que o lesado ficou a padecer, em consequência do sinistro, não se traduza numa perda de rendimentos, representa sempre um dano específico, autónomo e indemnizável, independentemente da sua qualificação como dano patrimonial ou não patrimonial; II - Para uma lesada, com 78 anos de idade à data do acidente, reformada da actividade de médica e que ficou portadora de um défice funcional permanente de 4 pontos, considera-se justa e adequada, para compensação do dano daí decorrente, a quantia de 8.000,00€. III - Para a reparação, neste mesmo caso, do dano não patrimonial sofrido pelo lesada, onde se terão em conta também as dores e limitações físicas sofridas, o susto havido, o internamento hospitalar e subsequentes tratamentos, tudo isto agravado pela sua avançada idade, considera-se adequada a quantia de 15.000,00€.
Proc. nº 171/14.9 TVPRT.P1 Comarca do Porto – Porto – Instância Central – 1ª Secção Cível – J7 Apelação Recorrente: “Seguros B…, SA” Recorrida: C… Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO A autora C…, residente na Rua …, nº … – …, Porto, instaurou a presente ação, com processo comum, contra a ré “Seguros B…, SA”, com sede na Rua …, nº …, Porto, alegando que: ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente um veículo segurado pela ré, sendo responsável o respetivo condutor; deste acidente, resultaram danos patrimoniais e danos não patrimoniais para a autora. Concluiu pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de 54.075,63€, acrescida de juros moratórios, desde a citação e até integral pagamento. Contestou a ré seguradora, impugnando, no essencial, o montante dos danos sofridos. Posteriormente, foi também citada a Segurança Social, mas nada veio requerer aos autos. Findos os articulados, foi realizada a audiência prévia, sendo proferido despacho saneador, com indicação da factualidade assente, identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova. Realizou-se audiência de julgamento com observância do legal formalismo. Foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré “Seguros B…, S.A.”, a pagar à autora: - a título de danos patrimoniais, a quantia de 1.335,14€, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento; - a título de danos decorrentes da incapacidade permanente/défice funcional permanente, a quantia de 15.000,00€, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento; - a título de danos não patrimoniais, a quantia de 25.000,00€, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento. No mais peticionado, a ré foi absolvida. Inconformada com o decidido, interpôs recurso a ré que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. A aqui recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal de primeira Instância na parte em que a condenou a pagar à recorrida a quantia de 15.000,00€ a título de indemnização pelo défice funcional permanente de que a mesma ficou a padecer em consequência do acidente dos autos. 2. A sentença recorrida, apesar de, em termos teóricos, ter enquadrado correctamente a questão do cálculo desta indemnização, na prática, acabou por não decidir tão bem, visto que o montante encontrado se mostra francamente superior àquele a que se chegaria numa situação de verdadeira perda de capacidade de ganho, o que não se verifica no caso dos autos. 3. Com efeito, está demonstrado que o défice funcional permanente que afecta a autora – fixado em 4 pontos – não tem repercussão na sua capacidade de ganho, posto que, à data do acidente, a recorrida, que na altura contava 78 anos de idade, se encontrava já reformada. 4. Estamos, pois, perante um dano funcional, que deverá ser avaliado em função da situação concreta em que a recorrida se encontra, tendo sempre por base os juízos de equidade a que se reporta o artigo 566.º do CPC, pelo que não se nos afigura justo e equilibrado que seja arbitrada à autora uma indemnização muito superior, àquelas que são fixadas a lesados muito mais novos e cuja capacidade de ganho foi realmente afectada. 5. Na verdade, se compararmos o montante fixado no presente caso a este título, com outros que vêm sendo atribuídos pela nossa Jurisprudência em situações semelhantes, verifica-se que o mesmo se mostra desajustado, impondo-se a sua redução. 6. De entre vários outros Acórdãos citados nas presentes alegações, salientamos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17.09.2013, proferido no âmbito do Processo n. <a href="https://acordao.pt/decisoes/140144" target="_blank">7977/11.9TBMAI.P1</a> (consultável em www.dgsi.pt), no qual se determinou que: “II - Tendo a autora/lesada, com 73 anos à data do sinistro, ficado a padecer de uma IPG de 4 pontos e não exercendo a mesma então qualquer actividade remunerada, considera-se justa e adequada, para compensação do dano biológico, a quantia de 2.500,00€.” 7. Considerando que a autora, à data do acidente, contava mais 5 anos do que a lesada em questão no Acórdão acabado de citar, forçoso é concluir que a indemnização a arbitrar à recorrida a este título se deverá situar num montante inferior. 8. Face ao grau do défice funcional permanente de que a recorrida ficou a padecer (4 pontos) e considerando, bem assim, que esta última não tem repercussão na sua capacidade de ganho, não deverá a indemnização pelo dano funcional ser fixada em quantia superior a 2.000,00€, montante que se nos afigura mais conforme aos princípios de justiça, de equidade e de proporcionalidade. 9. A aqui recorrente não pode igualmente conformar-se com a decisão do Tribunal a quo que fixou em 25.000,00 € a indemnização a atribuir à autora a título de danos não patrimoniais. 10. Mais uma vez e salvo sempre o devido respeito, quer-nos parecer que este montante se afigura excessivo, se comparado com outras decisões proferidas pelas instâncias superiores em casos semelhantes. 11. Veja-se, a título de exemplo, o decidido nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 31/05/2012, proferido no âmbito do processo n. 1145/07.1TVLSB.L1.S1, da 7ª Secção, do Tribunal da Relação do Porto, de 22/01/2013, proferido no âmbito do processo n. <a href="https://acordao.pt/decisoes/140870" target="_blank">13492/05.2TBMAI.P1</a>, do Tribunal da Relação do Porto de 20/03/2012, proferido no processo JTRP000, relatado pelo Sr Juiz Desembargador M. Pinto dos Santos, do Tribunal da Relação de Guimarães de 09/06/2011, no âmbito do Processo nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/197005" target="_blank">735/10.0TBVCT.G1</a> e do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/04/2012, proferido no âmbito do Proc. 3046/09.0TBFIG.S1. 12. Não pretendendo, de forma alguma, menosprezar o sofrimento da autora, o certo é que os casos contemplados nos Acórdãos supra citados, se revelam todos eles, de uma maneira geral, bem mais gravosos do que o que está aqui em análise. 13. Não obstante a gravidade desses casos, os lesados naquelas acções viram-lhes ser fixadas indemnizações muito inferiores àquela que o Tribunal a quo arbitrou à recorrida. 14. Atento o exposto, atendendo sobretudo às decisões proferidas pela nossa Jurisprudência em situações análogas, é a recorrente da opinião de que se mostra mais justa, adequada e proporcional a quantia de 7.500,00 €, como indemnização pelos danos morais sofridos pela recorrida em consequência do acidente dos autos. 15. Deverá, pois, ser revogada a douta sentença e substituída por outra que fixe em 2.000,00€ e em 7.500,00€, as indemnizações relativas, respectivamente, ao dano decorrente do défice funcional permanente que afecta a autora e aos danos não patrimoniais sofridos por esta última. 16. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 496.º, 562.º e 566.º do Código Civil. A autora apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido. Cumpre então apreciar e decidir.*FUNDAMENTAÇÃO O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Novo Cód. do Proc. Civil.*As questões a decidir são as seguintes: I – Montante da indemnização pelo dano resultante do défice funcional permanente; II – Montante da indemnização por danos não patrimoniais.*OS FACTOS a) Factos considerados assentes no despacho saneador elaborado e que não sofreram alteração: 1.- No dia 09/03/2013, cerca das 18 horas, na Rua …, junto ao cruzamento com a Rua …, nesta cidade, ocorreu um acidente de viação. 2.- No referido acidente de viação foram intervenientes: a Autora, que atravessava, a pé, na passadeira da Rua …, em direção à Praça …; o veículo ligeiro de passageiros, de marca Opel Corsa, com a matrícula ..-..-LN, conduzido por D…, que saído da Rua … entrava na Rua …, invadindo a passadeira por onde a Autora caminhava. 3.- No aludido cruzamento o trânsito é regulado por semáforos, quando o sinal verde abre para os peões, abre também o sinal amarelo intermitente com a indicação de passagem de peões para os veículos que vindos da Rua … entram na Rua …. 4.- Quando o referido sinal verde para os peões abriu, a Autora iniciou a travessia da Rua … pela passadeira e quando se encontrava sensivelmente a meio da travessia foi embatida, em pleno na passadeira, pelo citado veículo LN, projetando-a contra o solo. 5.- O condutor do citado veículo LN não avistou a Autora a atravessar a passadeira. 6.- Como consequência do referido acidente, a Autora sofreu fratura dos ossos da perna direita, esteve internada no Hospital de …, entre 9 e 11 de Março e foi submetida a uma intervenção cirúrgica. 7.- A Companhia de Seguros Ré celebrou com E… um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ………, referente ao citado veículo automóvel ..-..-LN, visando transferir a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação com a circulação do referido veículo, a qual estava em vigor na data do acidente de viação aqui em causa, conforme consta do documento junto. b) Demais factos provados: 8.- A Autora nasceu em 01/12/1934 e, à data do acidente, encontrava-se reformada da sua atividade de médica. 9.- A Autora é beneficiária n.º ………AP da ADSE. 10.- Em virtude do acidente, a Autora: - sofreu fratura fechada da diáfise da tíbia e do perónio, à direita, e várias escoriações pelo corpo; - foi submetida a encavilhamento ETN (Vareta Expert Nail), com fixação proximal da vareta tibial com 2 parafusos e distal com 2 parafusos, sem intercorrências; - esteve em repouso e acamada na sua residência durante pelo menos 1 mês, tendo carecido de ajuda da sua empregada doméstica para os cuidados de higiene neste período de tempo; - foi submetida a múltiplos e dolorosos tratamentos de fisioterapia entre 26/04/2013 e 02/08/2013, para fortalecimento muscular, aplicação de calor húmido, mobilização articular passiva, massagem de membro, treino de equilíbrio e marcha, fazendo 3 ciclos de 20 sessões de fisioterapia, tendo ainda consultas médicas de fisiatria no Hospital de … em 22/04/2013, 30/05/2013, 04/07/2013 e 08/08/2013; teve consultas de ortopedia no Hospital de … em 18 e 25/03/2013, em 15/04/2013 e 01/07/2013, efetuando exames complementares de diagnóstico em 01/07/2013 e 28/10/2013; frequentando também as consultas com o médico da ré; - andou com gesso na perna durante pelo menos 1 mês e chegou a deslocar-se com o auxílio de canadianas, usando apenas uma canadiana na consulta de 03/06/2013 e marchando já sem canadianas na consulta de 27/08/2013. 11.- Em resultado do acidente, a Autora apresenta as seguintes sequelas: - no membro inferior direito: cicatriz de tipo cirúrgico, com vestígios de agrafos, vertical com 5 cm de comprimento e 2 cm de largura, na face anterior do joelho; duas cicatrizes de tipo cirúrgico, com vestígios de agrafos, verticais tendo cada uma delas 1,5 cm de comprimento e no seu conjunto 4 cm de comprimento e 1,5 cm de largura, estando este conjunto no terço superior da face interna da perna; duas cicatrizes de tipo cirúrgico, com vestígios de agrafos, verticais tendo cada uma delas 1 cm e 1,5 cm de comprimento e no seu conjunto 3 cm de comprimento e 1,5 cm de largura, estando este conjunto na face interna do tornozelo. Ligeiro edema da perna. Perímetro da perna: 36 cm (37 cm à esquerda, a 19 cm do polo superior da rótula). Sem dismetria aparente. Distância cicatriz umbilical – maléolo interno: 82cm. Distância crista ilíaca anterior – maléolo interno: 77cm. Mobilidade do joelho, da articulação tibiotársica e médio-társica preservada e simétrica. Sente dor nos arcos finais da dorsiflexão e da eversão. Sente dificuldades na condução do carro, a subir e descer escadas e na marcha prolongada. 12.- A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pela Autora em resultado do acidente foi fixada em 27/08/2013, altura em que lhe foi dada alta pela ré. 13.- Em consequência do acidente e das referidas lesões, a Autora: - sofreu défice funcional temporário total entre 09/03/2013 e 23/03/2013 (15 dias); - sofreu défice funcional temporário parcial entre 24/03/2013 e 27/08/2013 (157 dias); - sofreu dor, sendo o quantum doloris de grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente; - sofreu défice funcional permanente da integridade física-psíquica, em resultado do joelho doloroso e de talalgia, que é fixado em 4 pontos. - sofreu dano estético permanente, que é fixado no grau 1, numa escala de sete graus de gravidade crescente, conforme tudo melhor consta do relatório pericial de medicina-legal junto. 14.- A Autora poderá carecer de ser submetida a uma intervenção cirúrgica para retirada do material de osteossíntese, mas na consulta de 27/08/2013 referiu ao médico da ré que, nesse momento, não queria retirar tal material. 15.- Na eventualidade de a Autora vir a ser submetida a cirurgia para extração do referido material de osteossíntese, sofrerá défice funcional temporário total fixável em 2 dias, sendo o défice funcional temporário parcial fixável em 28 dias e o quantum doloris de grau 2/7. 16.- Em resultado do acidente, do susto sofrido e dos factos acima referidos em 6. e 10. a 13., a Autora sofreu dores e acentuado abalo psíquico, ficando impossibilitada, devido às sequelas do acidente, de, diariamente, fazer marcha, o que habitualmente fazia. 17.- Em despesas médicas, medicamentosas, tratamentos e similares a Autora despendeu pelo menos a quantia de €890,82, assim descriminada: - €67,40, em taxas moderadoras; - €15,65, em consultas no Hospital de …; - €710,00, no aluguer de cama articulada; - €97,77, em medicamentos. 18.- Em viagens, durante o período de doença e até à consolidação das lesões, para as deslocações aos Hospitais durante os tratamentos a Autora despendeu: - €64,00, em ambulâncias; - €35,80, em táxis. 19.- Em viagens, durante o período de doença e até à consolidação das lesões, para as deslocações aos Hospitais durante os tratamentos a Autora percorreu ainda 1.206 kms em viatura própria tripulada pelo seu marido, suportando os respetivos custos. 20.- Em despesas de estacionamento de veículo próprio aquando dos tratamentos e consultas no Hospital … a Autora despendeu €98,50. 21.- Na sequência do acidente, a autora foi seguida nos serviços clínicos da ré e, em 03/06/2013, foi aí observada e apresentava-se já clinicamente bem e apenas utilizava uma canadiana para se fazer deslocar. 22.- Tendo sido novamente aí observada em 02/07/2013, foi possível verificar que, nessa data, a consolidação da fratura sofrida pela autora tinha tido uma excelente evolução e que aquela já marchava sem o auxílio da canadiana, apresentando-se clinicamente muito bem. 23.- Em 27/08/2013, as fraturas sofridas pela autora mostravam-se já consolidadas, tendo-lhe sido dada alta e fixada pelo perito médico da ré uma incapacidade permanente geral de (IPG) de 4 pontos, em virtude das seguintes sequelas que a mesma apresentava na altura: joelho doloroso, mas sem alteração das mobilidades; talalgia e dores inespecíficas e ligeiro edema ao nível do calo da tíbia. 24.- Na referida data de 27/08/2013, a autora manifestou ao médico da ré que a observou não pretender, nesse momento, retirar o material de osteossíntese que tinha colocado na perna.*O DIREITO I – Na sentença recorrida, com apoio em diversas decisões jurisprudenciais, entendeu-se que mesmo que a incapacidade permanente/défice funcional permanente não se traduza numa perda de rendimentos para o lesado, representa sempre um dano específico, autónomo e indemnizável, independentemente da sua qualificação como dano patrimonial ou não patrimonial.[1] Nesta hipótese, mais se considerou que quando não ocorre efectiva perda de rendimentos do trabalho, provando-se apenas a incapacidade permanente, já não será adequado seguir critérios matemático/financeiros para o cálculo da indemnização, devendo antes recorrer-se à equidade, tendo sempre em conta as circunstâncias do caso concreto. Não questiona a ré/recorrente o acerto desta argumentação, divergindo apenas do decidido quanto ao concreto montante fixado pela 1ª instância – 15.000,00€ - com base na equidade e para o qual relevaram, de modo especial, a idade da autora e o grau de incapacidade permanente causado pelo acidente dos autos (4 pontos). Sustenta a ré/recorrente que a indemnização adequada para o caso aqui em apreciação não deverá ultrapassar os 2.000,00€, face à idade da autora (78 anos) e ao grau do défice funcional de que ficou a padecer. Para tal efeito, louvou-se, em particular, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.9.2013 (proc. 7977/11.9 TBMAI.P1, disponível in www.dgsi.pt), onde no ponto II do respectivo sumário se escreveu o seguinte: “Tendo a autora/lesada, com 73 anos de idade à data do sinistro, ficado a padecer de uma IPG de 4 pontos e não exercendo a mesma então qualquer actividade remunerada, considera-se justa e adequada, para compensação do dano biológico, a quantia de 2.500,00€”. Porém, outras decisões jurisprudenciais deverão ser tidas em atenção de modo a atingir um montante indemnizatório que não se distancie significativamente do que tem sido a prática dos nossos tribunais superiores, sem se cair em montantes que poderão pecar por irrisórios. Constata-se assim o seguinte: - Com uma incapacidade avaliável em 3 pontos, a um lesado com a idade de 40 anos foi fixada a indemnização por dano biológico em 8.000,00€[2]; - Com uma incapacidade avaliável em 5 pontos, a um lesado de 13 anos fixou-se a indemnização de 15.000,00 €[3]; - Com uma incapacidade também de 5 pontos, mereceu um lesado com 22 anos a indemnização de 16.698,95€[4]; - Com uma incapacidade ainda de 5 pontos, a um lesado de 36 anos fixou-se indemnização aproximada a 12.000,00€ - 11.791,00€[5]; - Com uma incapacidade de 8 pontos, a um lesado de 42 anos foi arbitrada a indemnização de 12.000,00€[6]; - Com uma incapacidade de 8 pontos, a um lesado de 49 anos foi fixada a indemnização de 20.000,00€[7]; - Com uma incapacidade de 7 pontos, a uma lesada de 19 anos foi fixada a indemnização de 17.500,00€[8]; - Com uma incapacidade de 5 pontos, a um lesado de 39 anos foi fixada a indemnização de 12.500,00€[9]; - Com uma incapacidade de 6 pontos, a um lesado com 44 anos foi fixada a indemnização de 25.000,00€[10]; - Do aqui relator, embora já mais distanciado no tempo, referir-se-á o caso de uma lesada com 20 anos de idade e uma incapacidade de 5 pontos em que a indemnização foi fixada em 15.000,00€.[11] Não cabem dúvidas de que nesta breve busca feita relativamente a decisões referentes a casos com alguma similitude com o dos autos, o que mais se assemelha ao presente é o referenciado em primeiro lugar que concerne a lesada com 73 anos de idade, que não exerce qualquer actividade remunerada e tem uma incapacidade permanente idêntica (4 pontos) – Ac. Rel. Porto de 17.9.2013. Porém, o valor que aí foi determinado para ressarcimento deste dano – 2.500,00€ - afigura-se-nos, quando transposto para a situação destes autos, como algo parcimonioso, não se podendo ignorar o universo das demais decisões jurisprudenciais acima referidas, mesmo que reportando-se a lesados mais jovens. É sabido que a fixação de uma indemnização com base na equidade é sempre uma operação cheia de dificuldades. Na ausência de uma definição legal, a doutrina portuguesa acentua que o julgamento pela equidade “é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição”.[12] Regressando ao caso “sub judice” verifica-se que estamos perante uma cidadã já com 78 anos à data do acidente, o que lhe confere uma esperança de vida não muito longa.[13] O grau de incapacidade permanente de que ficou a padecer circunscreveu-se a 4 pontos. Exercia a profissão de médica, encontrando-se, porém, reformada dessa actividade. Não teve qualquer responsabilidade na eclosão do acidente, que se tratou de atropelamento em passadeira quando se encontrava aberto para os peões o respectivo sinal verde. Neste contexto, entendemos que o valor justo e equitativo para ressarcimento do dano resultante do défice funcional permanente de que a autora ficou portadora deverá fixar-se em 8.000,00€, pelo que, nesta parte, procede parcialmente o recurso interposto.*II – A ré/recorrente insurge-se igualmente quanto ao montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais (25.000,00€), propondo em alternativa o valor de 7.500,00€. Dispõe o art. 496º, nº 1 do Cód. Civil que na fixação da indemnização se deverá atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e o nº 3 do mesmo preceito diz-nos que o respectivo montante indemnizatório será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo-se em atenção as circunstâncias referidas no art. 494º, que são o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado e as demais circunstâncias do caso que se justifiquem. Como tal, a equidade será também no que concerne a esta parcela indemnizatória o critério determinante para a fixação do seu montante, sendo certo que com a mesma se procura proporcionar ao lesado momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida[14]. Com efeito, o dano não patrimonial não pode ser avaliado em medida certa. “A moeda não se ajusta a este dano, como instrumento geral de trocas, porque se trata de bens que não têm valor venal. Daí, as hesitações e as dúvidas para se encontrar uma base objectiva sobre a qual se possa estabelecer aquilo a que é uso chamar-se (…) o preço da dor. Mas a dor pode pagar-se com o prazer; e o prazer, quando se encontra na satisfação das necessidades, pode obter-se com dinheiro.”[15] No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.5.2009 (proc. 298/06.0 TBSJM.S1, disponível in www.dgsi.pt) sobre a indemnização por danos não patrimoniais escreve-se o seguinte com apoio no Acórdão também do Supremo Tribunal de Justiça de 30.10.1996 (BMJ nº 460/444): “ (...) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”. (…) “Realçando a componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais pronunciam-se no seu ensino os tratadistas. Assim, Menezes Cordeiro “Direito das Obrigações”, 2° vol, p. 288 ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”. Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 387, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”. Menezes Leitão realça a índole ressarcitória/punitiva, da reparação por danos morais quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante” – “Direito das Obrigações”, vol. I, 299. Pinto Monteiro, de igual modo, sustenta que, a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante” – cfr. “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, n°l, 1° ano, Setembro, 1992, p. 21.” Da matéria fáctica apurada nos autos resulta que a autora, que respeitou a sinalização luminosa existente no local, foi atropelada numa passadeira destinada a peões (cfr. nºs 1 a 5). Como consequência desse acidente, a autora sofreu fratura dos ossos da perna direita, esteve internada no Hospital de …, entre 9 e 11 de Março e foi submetida a uma intervenção cirúrgica (cfr. nº 6). Mais concretamente (cfr. nº 10): - sofreu fratura fechada da diáfise da tíbia e do perónio, à direita, e várias escoriações pelo corpo; - foi submetida a encavilhamento ETN (Vareta Expert Nail), com fixação proximal da vareta tibial com 2 parafusos e distal com 2 parafusos, sem intercorrências; - esteve em repouso e acamada na sua residência durante pelo menos 1 mês, tendo carecido de ajuda da sua empregada doméstica para os cuidados de higiene neste período de tempo; - foi submetida a múltiplos e dolorosos tratamentos de fisioterapia entre 26/04/2013 e 02/08/2013, para fortalecimento muscular, aplicação de calor húmido, mobilização articular passiva, massagem de membro, treino de equilíbrio e marcha, fazendo 3 ciclos de 20 sessões de fisioterapia, tendo ainda consultas médicas de fisiatria no Hospital de … em 22/04/2013, 30/05/2013, 04/07/2013 e 08/08/2013; teve consultas de ortopedia no Hospital de … em 18 e 25/03/2013, em 15/04/2013 e 01/07/2013, efetuando exames complementares de diagnóstico em 01/07/2013 e 28/10/2013; frequentando também as consultas com o médico da ré; - andou com gesso na perna durante pelo menos 1 mês e chegou a deslocar-se com o auxílio de canadianas, usando apenas uma canadiana na consulta de 03/06/2013 e marchando já sem canadianas na consulta de 27/08/2013. Em resultado do acidente, ficou com as seguintes sequelas (cfr. nº 11): - no membro inferior direito: cicatriz de tipo cirúrgico, com vestígios de agrafos, vertical com 5 cm de comprimento e 2 cm de largura, na face anterior do joelho; duas cicatrizes de tipo cirúrgico, com vestígios de agrafos, verticais tendo cada uma delas 1,5 cm de comprimento e no seu conjunto 4 cm de comprimento e 1,5 cm de largura, estando este conjunto no terço superior da face interna da perna; duas cicatrizes de tipo cirúrgico, com vestígios de agrafos, verticais tendo cada uma delas 1 cm e 1,5 cm de comprimento e no seu conjunto 3 cm de comprimento e 1,5 cm de largura, estando este conjunto na face interna do tornozelo. Ligeiro edema da perna. Perímetro da perna: 36 cm (37 cm à esquerda, a 19 cm do polo superior da rótula). Sem dismetria aparente. Distância cicatriz umbilical – maléolo interno: 82cm. Distância crista ilíaca anterior – maléolo interno: 77cm. Mobilidade do joelho, da articulação tibiotársica e médio-társica preservada e simétrica. Sente dor nos arcos finais da dorsiflexão e da eversão. Sente dificuldades na condução do carro, a subir e descer escadas e na marcha prolongada. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pela autora em resultado do acidente foi fixada em 27/08/2013, altura em que lhe foi dada alta pela ré (cfr. nº 12). Em consequência do acidente e das referidas lesões, a autora (cfr. nº 13): - sofreu défice funcional temporário total entre 09/03/2013 e 23/03/2013 (15 dias); - sofreu défice funcional temporário parcial entre 24/03/2013 e 27/08/2013 (157 dias); - sofreu dor, sendo o quantum doloris de grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente; - sofreu défice funcional permanente da integridade física-psíquica, em resultado do joelho doloroso e de talalgia, que é fixado em 4 pontos. - sofreu dano estético permanente, que é fixado no grau 1, numa escala de sete graus de gravidade crescente. A autora sofreu dores e acentuado abalo psíquico, ficando impossibilitada, devido às sequelas do acidente, de, diariamente, fazer marcha, o que habitualmente fazia (cfr. nº 16). Em 27/08/2013, as fraturas sofridas pela autora mostravam-se já consolidadas, tendo-lhe sido dada alta e fixada pelo perito médico da ré uma incapacidade permanente geral de (IPG) de 4 pontos, em virtude das seguintes sequelas que a mesma apresentava na altura: joelho doloroso, mas sem alteração das mobilidades; talalgia e dores inespecíficas e ligeiro edema ao nível do calo da tíbia (cfr. nº 23). Ora, as lesões que se deixaram descritas - para as quais a lesada em nada contribuiu -, o susto, a dor física, a angústia, o vexame, o transtorno periódico com o internamento hospitalar e os subsequentes tratamentos, os períodos de incapacidade e as limitações físicas sofridas, tudo isto agravado pela sua avançada idade, demandam o seu ressarcimento, de acordo com o que se vem expondo, no plano dos danos não patrimoniais. Apelando de novo à equidade, entendemos que o montante fixado pela 1ª instância se nos afigura algo excessivo devendo ser reduzido para a importância de 15.000,00€, verba que, a nosso ver, se mostra consentânea com as concretas circunstâncias do presente caso. Por conseguinte, também nesta parte o recurso interposto obterá parcial procedência.*Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil): - Mesmo que o défice funcional permanente de que o lesado ficou a padecer, em consequência do sinistro, não se traduza numa perda de rendimentos, representa sempre um dano específico, autónomo e indemnizável, independentemente da sua qualificação como dano patrimonial ou não patrimonial; - Para uma lesada, com 78 anos de idade à data do acidente, reformada da actividade de médica e que ficou portadora de um défice funcional permanente de 4 pontos, considera-se justa e adequada, para compensação do dano daí decorrente, a quantia de 8.000,00€. - Para a reparação, neste mesmo caso, do dano não patrimonial sofrido pelo lesada, onde se terão em conta também as dores e limitações físicas sofridas, o susto havido, o internamento hospitalar e subsequentes tratamentos, tudo isto agravado pela sua avançada idade, considera-se adequada a quantia de 15.000,00€.*DECISÃO Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela ré “Seguros B…, SA” e, em consequência, altera-se a sentença recorrida nos seguintes termos: a) reduz-se para 8.000,00€ (oito mil euros) a indemnização atribuída a título de danos decorrentes da incapacidade permanente/défice funcional permanente, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento; b) reduz-se para 15.000,00€ (quinze mil euros) a indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento. No mais mantém-se o decidido. Custas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento. Porto, 7.4.2016 Rodrigues Pires Márcia Portela Maria de Jesus Pereira _______ [1] Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 19.5.2009, proc. 298/06.0 TBSJM.S1 e Ac. Rel. Porto de 22.5.2012, proc. 11/08.8 TBSJM.P1, disponíveis in www.dgsi.pt, citados na sentença recorrida. [2] Cfr. Ac. Rel. Porto de 20.3.2012, p. 571/10.3 TBLSD.P1, disponível in www.dgsi.pt. [3] Cfr. Ac. Rel. Porto de 11.5.2011, p. 513/08.6 TBMTS.P1, disponível in www.dgsi.pt. [4] Cfr. Ac. Rel. Porto de 31.1.2013, p. 185/08.8 TBTMC.P1, disponível in www.dgsi.pt. [5] Cfr. Ac. Rel. Porto de 1.7.2013, p. 2870/11.8 TJVNF.P1, disponível in www.dgsi.pt. [6] Cfr. Ac. Rel. Guimarães de 27.2.2012, p. 2861/07.3 TABRG.G1, disponível in www.dgsi.pt. [7] Cfr. Ac. Rel. Guimarães de 22.3.2011, p. 90/06.2 TBPTL, disponível in www.dgsi.pt. [8] Cfr. Ac. Rel. Porto de 5.5.2014, p. 779/11.4 TBPNF.P1, disponível in www.dgsi.pt. (onde se recolheu a maioria das indicações jurisprudenciais atrás referidas). [9] Cfr. Ac. Rel. Porto de 17.6.2014, p. 11756/09.5 TBVNG.P1, disponível in www.dgsi.pt. (do mesmo relator). [10] Cfr. Ac. Rel. Porto de 9.12.2014, proc. 1491/12.7 TBSTS.P1, disponível in www.dgsi.pt. [11] Cfr. Ac. Rel. Porto de 3.3.2009, p. 0825315, disponível in www.dgsi.pt. [12] Cfr. Menezes Cordeiro, “O Direito”, 122º/272”. [13] Em 2013, em Portugal a esperança média de vida à nascença para as pessoas do sexo feminino era de 83 anos (site Pordata) [14] Cfr. Ac. STJ de 7.7.2009, p. 858/05.7TCGMR, disponível in www.dgsi.pt. [15] Cfr. Dario Martins de Almeida, “Manual de Acidentes de Viação”, 3ª ed., pág. 274/5.
Proc. nº 171/14.9 TVPRT.P1 Comarca do Porto – Porto – Instância Central – 1ª Secção Cível – J7 Apelação Recorrente: “Seguros B…, SA” Recorrida: C… Relator: Eduardo Rodrigues Pires Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto: RELATÓRIO A autora C…, residente na Rua …, nº … – …, Porto, instaurou a presente ação, com processo comum, contra a ré “Seguros B…, SA”, com sede na Rua …, nº …, Porto, alegando que: ocorreu um acidente de viação em que foi interveniente um veículo segurado pela ré, sendo responsável o respetivo condutor; deste acidente, resultaram danos patrimoniais e danos não patrimoniais para a autora. Concluiu pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia global de 54.075,63€, acrescida de juros moratórios, desde a citação e até integral pagamento. Contestou a ré seguradora, impugnando, no essencial, o montante dos danos sofridos. Posteriormente, foi também citada a Segurança Social, mas nada veio requerer aos autos. Findos os articulados, foi realizada a audiência prévia, sendo proferido despacho saneador, com indicação da factualidade assente, identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova. Realizou-se audiência de julgamento com observância do legal formalismo. Foi proferida sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré “Seguros B…, S.A.”, a pagar à autora: - a título de danos patrimoniais, a quantia de 1.335,14€, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento; - a título de danos decorrentes da incapacidade permanente/défice funcional permanente, a quantia de 15.000,00€, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento; - a título de danos não patrimoniais, a quantia de 25.000,00€, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento. No mais peticionado, a ré foi absolvida. Inconformada com o decidido, interpôs recurso a ré que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões: 1. A aqui recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal de primeira Instância na parte em que a condenou a pagar à recorrida a quantia de 15.000,00€ a título de indemnização pelo défice funcional permanente de que a mesma ficou a padecer em consequência do acidente dos autos. 2. A sentença recorrida, apesar de, em termos teóricos, ter enquadrado correctamente a questão do cálculo desta indemnização, na prática, acabou por não decidir tão bem, visto que o montante encontrado se mostra francamente superior àquele a que se chegaria numa situação de verdadeira perda de capacidade de ganho, o que não se verifica no caso dos autos. 3. Com efeito, está demonstrado que o défice funcional permanente que afecta a autora – fixado em 4 pontos – não tem repercussão na sua capacidade de ganho, posto que, à data do acidente, a recorrida, que na altura contava 78 anos de idade, se encontrava já reformada. 4. Estamos, pois, perante um dano funcional, que deverá ser avaliado em função da situação concreta em que a recorrida se encontra, tendo sempre por base os juízos de equidade a que se reporta o artigo 566.º do CPC, pelo que não se nos afigura justo e equilibrado que seja arbitrada à autora uma indemnização muito superior, àquelas que são fixadas a lesados muito mais novos e cuja capacidade de ganho foi realmente afectada. 5. Na verdade, se compararmos o montante fixado no presente caso a este título, com outros que vêm sendo atribuídos pela nossa Jurisprudência em situações semelhantes, verifica-se que o mesmo se mostra desajustado, impondo-se a sua redução. 6. De entre vários outros Acórdãos citados nas presentes alegações, salientamos o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 17.09.2013, proferido no âmbito do Processo n. 7977/11.9TBMAI.P1 (consultável em www.dgsi.pt), no qual se determinou que: “II - Tendo a autora/lesada, com 73 anos à data do sinistro, ficado a padecer de uma IPG de 4 pontos e não exercendo a mesma então qualquer actividade remunerada, considera-se justa e adequada, para compensação do dano biológico, a quantia de 2.500,00€.” 7. Considerando que a autora, à data do acidente, contava mais 5 anos do que a lesada em questão no Acórdão acabado de citar, forçoso é concluir que a indemnização a arbitrar à recorrida a este título se deverá situar num montante inferior. 8. Face ao grau do défice funcional permanente de que a recorrida ficou a padecer (4 pontos) e considerando, bem assim, que esta última não tem repercussão na sua capacidade de ganho, não deverá a indemnização pelo dano funcional ser fixada em quantia superior a 2.000,00€, montante que se nos afigura mais conforme aos princípios de justiça, de equidade e de proporcionalidade. 9. A aqui recorrente não pode igualmente conformar-se com a decisão do Tribunal a quo que fixou em 25.000,00 € a indemnização a atribuir à autora a título de danos não patrimoniais. 10. Mais uma vez e salvo sempre o devido respeito, quer-nos parecer que este montante se afigura excessivo, se comparado com outras decisões proferidas pelas instâncias superiores em casos semelhantes. 11. Veja-se, a título de exemplo, o decidido nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 31/05/2012, proferido no âmbito do processo n. 1145/07.1TVLSB.L1.S1, da 7ª Secção, do Tribunal da Relação do Porto, de 22/01/2013, proferido no âmbito do processo n. 13492/05.2TBMAI.P1, do Tribunal da Relação do Porto de 20/03/2012, proferido no processo JTRP000, relatado pelo Sr Juiz Desembargador M. Pinto dos Santos, do Tribunal da Relação de Guimarães de 09/06/2011, no âmbito do Processo nº 735/10.0TBVCT.G1 e do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/04/2012, proferido no âmbito do Proc. 3046/09.0TBFIG.S1. 12. Não pretendendo, de forma alguma, menosprezar o sofrimento da autora, o certo é que os casos contemplados nos Acórdãos supra citados, se revelam todos eles, de uma maneira geral, bem mais gravosos do que o que está aqui em análise. 13. Não obstante a gravidade desses casos, os lesados naquelas acções viram-lhes ser fixadas indemnizações muito inferiores àquela que o Tribunal a quo arbitrou à recorrida. 14. Atento o exposto, atendendo sobretudo às decisões proferidas pela nossa Jurisprudência em situações análogas, é a recorrente da opinião de que se mostra mais justa, adequada e proporcional a quantia de 7.500,00 €, como indemnização pelos danos morais sofridos pela recorrida em consequência do acidente dos autos. 15. Deverá, pois, ser revogada a douta sentença e substituída por outra que fixe em 2.000,00€ e em 7.500,00€, as indemnizações relativas, respectivamente, ao dano decorrente do défice funcional permanente que afecta a autora e aos danos não patrimoniais sofridos por esta última. 16. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 496.º, 562.º e 566.º do Código Civil. A autora apresentou contra-alegações, nas quais se pronunciou pela confirmação do decidido. Cumpre então apreciar e decidir.*FUNDAMENTAÇÃO O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Novo Cód. do Proc. Civil.*As questões a decidir são as seguintes: I – Montante da indemnização pelo dano resultante do défice funcional permanente; II – Montante da indemnização por danos não patrimoniais.*OS FACTOS a) Factos considerados assentes no despacho saneador elaborado e que não sofreram alteração: 1.- No dia 09/03/2013, cerca das 18 horas, na Rua …, junto ao cruzamento com a Rua …, nesta cidade, ocorreu um acidente de viação. 2.- No referido acidente de viação foram intervenientes: a Autora, que atravessava, a pé, na passadeira da Rua …, em direção à Praça …; o veículo ligeiro de passageiros, de marca Opel Corsa, com a matrícula ..-..-LN, conduzido por D…, que saído da Rua … entrava na Rua …, invadindo a passadeira por onde a Autora caminhava. 3.- No aludido cruzamento o trânsito é regulado por semáforos, quando o sinal verde abre para os peões, abre também o sinal amarelo intermitente com a indicação de passagem de peões para os veículos que vindos da Rua … entram na Rua …. 4.- Quando o referido sinal verde para os peões abriu, a Autora iniciou a travessia da Rua … pela passadeira e quando se encontrava sensivelmente a meio da travessia foi embatida, em pleno na passadeira, pelo citado veículo LN, projetando-a contra o solo. 5.- O condutor do citado veículo LN não avistou a Autora a atravessar a passadeira. 6.- Como consequência do referido acidente, a Autora sofreu fratura dos ossos da perna direita, esteve internada no Hospital de …, entre 9 e 11 de Março e foi submetida a uma intervenção cirúrgica. 7.- A Companhia de Seguros Ré celebrou com E… um contrato de seguro titulado pela apólice n.º ………, referente ao citado veículo automóvel ..-..-LN, visando transferir a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação com a circulação do referido veículo, a qual estava em vigor na data do acidente de viação aqui em causa, conforme consta do documento junto. b) Demais factos provados: 8.- A Autora nasceu em 01/12/1934 e, à data do acidente, encontrava-se reformada da sua atividade de médica. 9.- A Autora é beneficiária n.º ………AP da ADSE. 10.- Em virtude do acidente, a Autora: - sofreu fratura fechada da diáfise da tíbia e do perónio, à direita, e várias escoriações pelo corpo; - foi submetida a encavilhamento ETN (Vareta Expert Nail), com fixação proximal da vareta tibial com 2 parafusos e distal com 2 parafusos, sem intercorrências; - esteve em repouso e acamada na sua residência durante pelo menos 1 mês, tendo carecido de ajuda da sua empregada doméstica para os cuidados de higiene neste período de tempo; - foi submetida a múltiplos e dolorosos tratamentos de fisioterapia entre 26/04/2013 e 02/08/2013, para fortalecimento muscular, aplicação de calor húmido, mobilização articular passiva, massagem de membro, treino de equilíbrio e marcha, fazendo 3 ciclos de 20 sessões de fisioterapia, tendo ainda consultas médicas de fisiatria no Hospital de … em 22/04/2013, 30/05/2013, 04/07/2013 e 08/08/2013; teve consultas de ortopedia no Hospital de … em 18 e 25/03/2013, em 15/04/2013 e 01/07/2013, efetuando exames complementares de diagnóstico em 01/07/2013 e 28/10/2013; frequentando também as consultas com o médico da ré; - andou com gesso na perna durante pelo menos 1 mês e chegou a deslocar-se com o auxílio de canadianas, usando apenas uma canadiana na consulta de 03/06/2013 e marchando já sem canadianas na consulta de 27/08/2013. 11.- Em resultado do acidente, a Autora apresenta as seguintes sequelas: - no membro inferior direito: cicatriz de tipo cirúrgico, com vestígios de agrafos, vertical com 5 cm de comprimento e 2 cm de largura, na face anterior do joelho; duas cicatrizes de tipo cirúrgico, com vestígios de agrafos, verticais tendo cada uma delas 1,5 cm de comprimento e no seu conjunto 4 cm de comprimento e 1,5 cm de largura, estando este conjunto no terço superior da face interna da perna; duas cicatrizes de tipo cirúrgico, com vestígios de agrafos, verticais tendo cada uma delas 1 cm e 1,5 cm de comprimento e no seu conjunto 3 cm de comprimento e 1,5 cm de largura, estando este conjunto na face interna do tornozelo. Ligeiro edema da perna. Perímetro da perna: 36 cm (37 cm à esquerda, a 19 cm do polo superior da rótula). Sem dismetria aparente. Distância cicatriz umbilical – maléolo interno: 82cm. Distância crista ilíaca anterior – maléolo interno: 77cm. Mobilidade do joelho, da articulação tibiotársica e médio-társica preservada e simétrica. Sente dor nos arcos finais da dorsiflexão e da eversão. Sente dificuldades na condução do carro, a subir e descer escadas e na marcha prolongada. 12.- A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pela Autora em resultado do acidente foi fixada em 27/08/2013, altura em que lhe foi dada alta pela ré. 13.- Em consequência do acidente e das referidas lesões, a Autora: - sofreu défice funcional temporário total entre 09/03/2013 e 23/03/2013 (15 dias); - sofreu défice funcional temporário parcial entre 24/03/2013 e 27/08/2013 (157 dias); - sofreu dor, sendo o quantum doloris de grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente; - sofreu défice funcional permanente da integridade física-psíquica, em resultado do joelho doloroso e de talalgia, que é fixado em 4 pontos. - sofreu dano estético permanente, que é fixado no grau 1, numa escala de sete graus de gravidade crescente, conforme tudo melhor consta do relatório pericial de medicina-legal junto. 14.- A Autora poderá carecer de ser submetida a uma intervenção cirúrgica para retirada do material de osteossíntese, mas na consulta de 27/08/2013 referiu ao médico da ré que, nesse momento, não queria retirar tal material. 15.- Na eventualidade de a Autora vir a ser submetida a cirurgia para extração do referido material de osteossíntese, sofrerá défice funcional temporário total fixável em 2 dias, sendo o défice funcional temporário parcial fixável em 28 dias e o quantum doloris de grau 2/7. 16.- Em resultado do acidente, do susto sofrido e dos factos acima referidos em 6. e 10. a 13., a Autora sofreu dores e acentuado abalo psíquico, ficando impossibilitada, devido às sequelas do acidente, de, diariamente, fazer marcha, o que habitualmente fazia. 17.- Em despesas médicas, medicamentosas, tratamentos e similares a Autora despendeu pelo menos a quantia de €890,82, assim descriminada: - €67,40, em taxas moderadoras; - €15,65, em consultas no Hospital de …; - €710,00, no aluguer de cama articulada; - €97,77, em medicamentos. 18.- Em viagens, durante o período de doença e até à consolidação das lesões, para as deslocações aos Hospitais durante os tratamentos a Autora despendeu: - €64,00, em ambulâncias; - €35,80, em táxis. 19.- Em viagens, durante o período de doença e até à consolidação das lesões, para as deslocações aos Hospitais durante os tratamentos a Autora percorreu ainda 1.206 kms em viatura própria tripulada pelo seu marido, suportando os respetivos custos. 20.- Em despesas de estacionamento de veículo próprio aquando dos tratamentos e consultas no Hospital … a Autora despendeu €98,50. 21.- Na sequência do acidente, a autora foi seguida nos serviços clínicos da ré e, em 03/06/2013, foi aí observada e apresentava-se já clinicamente bem e apenas utilizava uma canadiana para se fazer deslocar. 22.- Tendo sido novamente aí observada em 02/07/2013, foi possível verificar que, nessa data, a consolidação da fratura sofrida pela autora tinha tido uma excelente evolução e que aquela já marchava sem o auxílio da canadiana, apresentando-se clinicamente muito bem. 23.- Em 27/08/2013, as fraturas sofridas pela autora mostravam-se já consolidadas, tendo-lhe sido dada alta e fixada pelo perito médico da ré uma incapacidade permanente geral de (IPG) de 4 pontos, em virtude das seguintes sequelas que a mesma apresentava na altura: joelho doloroso, mas sem alteração das mobilidades; talalgia e dores inespecíficas e ligeiro edema ao nível do calo da tíbia. 24.- Na referida data de 27/08/2013, a autora manifestou ao médico da ré que a observou não pretender, nesse momento, retirar o material de osteossíntese que tinha colocado na perna.*O DIREITO I – Na sentença recorrida, com apoio em diversas decisões jurisprudenciais, entendeu-se que mesmo que a incapacidade permanente/défice funcional permanente não se traduza numa perda de rendimentos para o lesado, representa sempre um dano específico, autónomo e indemnizável, independentemente da sua qualificação como dano patrimonial ou não patrimonial.[1] Nesta hipótese, mais se considerou que quando não ocorre efectiva perda de rendimentos do trabalho, provando-se apenas a incapacidade permanente, já não será adequado seguir critérios matemático/financeiros para o cálculo da indemnização, devendo antes recorrer-se à equidade, tendo sempre em conta as circunstâncias do caso concreto. Não questiona a ré/recorrente o acerto desta argumentação, divergindo apenas do decidido quanto ao concreto montante fixado pela 1ª instância – 15.000,00€ - com base na equidade e para o qual relevaram, de modo especial, a idade da autora e o grau de incapacidade permanente causado pelo acidente dos autos (4 pontos). Sustenta a ré/recorrente que a indemnização adequada para o caso aqui em apreciação não deverá ultrapassar os 2.000,00€, face à idade da autora (78 anos) e ao grau do défice funcional de que ficou a padecer. Para tal efeito, louvou-se, em particular, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17.9.2013 (proc. 7977/11.9 TBMAI.P1, disponível in www.dgsi.pt), onde no ponto II do respectivo sumário se escreveu o seguinte: “Tendo a autora/lesada, com 73 anos de idade à data do sinistro, ficado a padecer de uma IPG de 4 pontos e não exercendo a mesma então qualquer actividade remunerada, considera-se justa e adequada, para compensação do dano biológico, a quantia de 2.500,00€”. Porém, outras decisões jurisprudenciais deverão ser tidas em atenção de modo a atingir um montante indemnizatório que não se distancie significativamente do que tem sido a prática dos nossos tribunais superiores, sem se cair em montantes que poderão pecar por irrisórios. Constata-se assim o seguinte: - Com uma incapacidade avaliável em 3 pontos, a um lesado com a idade de 40 anos foi fixada a indemnização por dano biológico em 8.000,00€[2]; - Com uma incapacidade avaliável em 5 pontos, a um lesado de 13 anos fixou-se a indemnização de 15.000,00 €[3]; - Com uma incapacidade também de 5 pontos, mereceu um lesado com 22 anos a indemnização de 16.698,95€[4]; - Com uma incapacidade ainda de 5 pontos, a um lesado de 36 anos fixou-se indemnização aproximada a 12.000,00€ - 11.791,00€[5]; - Com uma incapacidade de 8 pontos, a um lesado de 42 anos foi arbitrada a indemnização de 12.000,00€[6]; - Com uma incapacidade de 8 pontos, a um lesado de 49 anos foi fixada a indemnização de 20.000,00€[7]; - Com uma incapacidade de 7 pontos, a uma lesada de 19 anos foi fixada a indemnização de 17.500,00€[8]; - Com uma incapacidade de 5 pontos, a um lesado de 39 anos foi fixada a indemnização de 12.500,00€[9]; - Com uma incapacidade de 6 pontos, a um lesado com 44 anos foi fixada a indemnização de 25.000,00€[10]; - Do aqui relator, embora já mais distanciado no tempo, referir-se-á o caso de uma lesada com 20 anos de idade e uma incapacidade de 5 pontos em que a indemnização foi fixada em 15.000,00€.[11] Não cabem dúvidas de que nesta breve busca feita relativamente a decisões referentes a casos com alguma similitude com o dos autos, o que mais se assemelha ao presente é o referenciado em primeiro lugar que concerne a lesada com 73 anos de idade, que não exerce qualquer actividade remunerada e tem uma incapacidade permanente idêntica (4 pontos) – Ac. Rel. Porto de 17.9.2013. Porém, o valor que aí foi determinado para ressarcimento deste dano – 2.500,00€ - afigura-se-nos, quando transposto para a situação destes autos, como algo parcimonioso, não se podendo ignorar o universo das demais decisões jurisprudenciais acima referidas, mesmo que reportando-se a lesados mais jovens. É sabido que a fixação de uma indemnização com base na equidade é sempre uma operação cheia de dificuldades. Na ausência de uma definição legal, a doutrina portuguesa acentua que o julgamento pela equidade “é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição”.[12] Regressando ao caso “sub judice” verifica-se que estamos perante uma cidadã já com 78 anos à data do acidente, o que lhe confere uma esperança de vida não muito longa.[13] O grau de incapacidade permanente de que ficou a padecer circunscreveu-se a 4 pontos. Exercia a profissão de médica, encontrando-se, porém, reformada dessa actividade. Não teve qualquer responsabilidade na eclosão do acidente, que se tratou de atropelamento em passadeira quando se encontrava aberto para os peões o respectivo sinal verde. Neste contexto, entendemos que o valor justo e equitativo para ressarcimento do dano resultante do défice funcional permanente de que a autora ficou portadora deverá fixar-se em 8.000,00€, pelo que, nesta parte, procede parcialmente o recurso interposto.*II – A ré/recorrente insurge-se igualmente quanto ao montante fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais (25.000,00€), propondo em alternativa o valor de 7.500,00€. Dispõe o art. 496º, nº 1 do Cód. Civil que na fixação da indemnização se deverá atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito e o nº 3 do mesmo preceito diz-nos que o respectivo montante indemnizatório será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo-se em atenção as circunstâncias referidas no art. 494º, que são o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e a do lesado e as demais circunstâncias do caso que se justifiquem. Como tal, a equidade será também no que concerne a esta parcela indemnizatória o critério determinante para a fixação do seu montante, sendo certo que com a mesma se procura proporcionar ao lesado momentos de prazer que contribuam para atenuar a dor sofrida[14]. Com efeito, o dano não patrimonial não pode ser avaliado em medida certa. “A moeda não se ajusta a este dano, como instrumento geral de trocas, porque se trata de bens que não têm valor venal. Daí, as hesitações e as dúvidas para se encontrar uma base objectiva sobre a qual se possa estabelecer aquilo a que é uso chamar-se (…) o preço da dor. Mas a dor pode pagar-se com o prazer; e o prazer, quando se encontra na satisfação das necessidades, pode obter-se com dinheiro.”[15] No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.5.2009 (proc. 298/06.0 TBSJM.S1, disponível in www.dgsi.pt) sobre a indemnização por danos não patrimoniais escreve-se o seguinte com apoio no Acórdão também do Supremo Tribunal de Justiça de 30.10.1996 (BMJ nº 460/444): “ (...) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”. (…) “Realçando a componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais pronunciam-se no seu ensino os tratadistas. Assim, Menezes Cordeiro “Direito das Obrigações”, 2° vol, p. 288 ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”. Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 387, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”. Menezes Leitão realça a índole ressarcitória/punitiva, da reparação por danos morais quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante” – “Direito das Obrigações”, vol. I, 299. Pinto Monteiro, de igual modo, sustenta que, a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante” – cfr. “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, n°l, 1° ano, Setembro, 1992, p. 21.” Da matéria fáctica apurada nos autos resulta que a autora, que respeitou a sinalização luminosa existente no local, foi atropelada numa passadeira destinada a peões (cfr. nºs 1 a 5). Como consequência desse acidente, a autora sofreu fratura dos ossos da perna direita, esteve internada no Hospital de …, entre 9 e 11 de Março e foi submetida a uma intervenção cirúrgica (cfr. nº 6). Mais concretamente (cfr. nº 10): - sofreu fratura fechada da diáfise da tíbia e do perónio, à direita, e várias escoriações pelo corpo; - foi submetida a encavilhamento ETN (Vareta Expert Nail), com fixação proximal da vareta tibial com 2 parafusos e distal com 2 parafusos, sem intercorrências; - esteve em repouso e acamada na sua residência durante pelo menos 1 mês, tendo carecido de ajuda da sua empregada doméstica para os cuidados de higiene neste período de tempo; - foi submetida a múltiplos e dolorosos tratamentos de fisioterapia entre 26/04/2013 e 02/08/2013, para fortalecimento muscular, aplicação de calor húmido, mobilização articular passiva, massagem de membro, treino de equilíbrio e marcha, fazendo 3 ciclos de 20 sessões de fisioterapia, tendo ainda consultas médicas de fisiatria no Hospital de … em 22/04/2013, 30/05/2013, 04/07/2013 e 08/08/2013; teve consultas de ortopedia no Hospital de … em 18 e 25/03/2013, em 15/04/2013 e 01/07/2013, efetuando exames complementares de diagnóstico em 01/07/2013 e 28/10/2013; frequentando também as consultas com o médico da ré; - andou com gesso na perna durante pelo menos 1 mês e chegou a deslocar-se com o auxílio de canadianas, usando apenas uma canadiana na consulta de 03/06/2013 e marchando já sem canadianas na consulta de 27/08/2013. Em resultado do acidente, ficou com as seguintes sequelas (cfr. nº 11): - no membro inferior direito: cicatriz de tipo cirúrgico, com vestígios de agrafos, vertical com 5 cm de comprimento e 2 cm de largura, na face anterior do joelho; duas cicatrizes de tipo cirúrgico, com vestígios de agrafos, verticais tendo cada uma delas 1,5 cm de comprimento e no seu conjunto 4 cm de comprimento e 1,5 cm de largura, estando este conjunto no terço superior da face interna da perna; duas cicatrizes de tipo cirúrgico, com vestígios de agrafos, verticais tendo cada uma delas 1 cm e 1,5 cm de comprimento e no seu conjunto 3 cm de comprimento e 1,5 cm de largura, estando este conjunto na face interna do tornozelo. Ligeiro edema da perna. Perímetro da perna: 36 cm (37 cm à esquerda, a 19 cm do polo superior da rótula). Sem dismetria aparente. Distância cicatriz umbilical – maléolo interno: 82cm. Distância crista ilíaca anterior – maléolo interno: 77cm. Mobilidade do joelho, da articulação tibiotársica e médio-társica preservada e simétrica. Sente dor nos arcos finais da dorsiflexão e da eversão. Sente dificuldades na condução do carro, a subir e descer escadas e na marcha prolongada. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pela autora em resultado do acidente foi fixada em 27/08/2013, altura em que lhe foi dada alta pela ré (cfr. nº 12). Em consequência do acidente e das referidas lesões, a autora (cfr. nº 13): - sofreu défice funcional temporário total entre 09/03/2013 e 23/03/2013 (15 dias); - sofreu défice funcional temporário parcial entre 24/03/2013 e 27/08/2013 (157 dias); - sofreu dor, sendo o quantum doloris de grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente; - sofreu défice funcional permanente da integridade física-psíquica, em resultado do joelho doloroso e de talalgia, que é fixado em 4 pontos. - sofreu dano estético permanente, que é fixado no grau 1, numa escala de sete graus de gravidade crescente. A autora sofreu dores e acentuado abalo psíquico, ficando impossibilitada, devido às sequelas do acidente, de, diariamente, fazer marcha, o que habitualmente fazia (cfr. nº 16). Em 27/08/2013, as fraturas sofridas pela autora mostravam-se já consolidadas, tendo-lhe sido dada alta e fixada pelo perito médico da ré uma incapacidade permanente geral de (IPG) de 4 pontos, em virtude das seguintes sequelas que a mesma apresentava na altura: joelho doloroso, mas sem alteração das mobilidades; talalgia e dores inespecíficas e ligeiro edema ao nível do calo da tíbia (cfr. nº 23). Ora, as lesões que se deixaram descritas - para as quais a lesada em nada contribuiu -, o susto, a dor física, a angústia, o vexame, o transtorno periódico com o internamento hospitalar e os subsequentes tratamentos, os períodos de incapacidade e as limitações físicas sofridas, tudo isto agravado pela sua avançada idade, demandam o seu ressarcimento, de acordo com o que se vem expondo, no plano dos danos não patrimoniais. Apelando de novo à equidade, entendemos que o montante fixado pela 1ª instância se nos afigura algo excessivo devendo ser reduzido para a importância de 15.000,00€, verba que, a nosso ver, se mostra consentânea com as concretas circunstâncias do presente caso. Por conseguinte, também nesta parte o recurso interposto obterá parcial procedência.*Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil): - Mesmo que o défice funcional permanente de que o lesado ficou a padecer, em consequência do sinistro, não se traduza numa perda de rendimentos, representa sempre um dano específico, autónomo e indemnizável, independentemente da sua qualificação como dano patrimonial ou não patrimonial; - Para uma lesada, com 78 anos de idade à data do acidente, reformada da actividade de médica e que ficou portadora de um défice funcional permanente de 4 pontos, considera-se justa e adequada, para compensação do dano daí decorrente, a quantia de 8.000,00€. - Para a reparação, neste mesmo caso, do dano não patrimonial sofrido pelo lesada, onde se terão em conta também as dores e limitações físicas sofridas, o susto havido, o internamento hospitalar e subsequentes tratamentos, tudo isto agravado pela sua avançada idade, considera-se adequada a quantia de 15.000,00€.*DECISÃO Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela ré “Seguros B…, SA” e, em consequência, altera-se a sentença recorrida nos seguintes termos: a) reduz-se para 8.000,00€ (oito mil euros) a indemnização atribuída a título de danos decorrentes da incapacidade permanente/défice funcional permanente, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento; b) reduz-se para 15.000,00€ (quinze mil euros) a indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento. No mais mantém-se o decidido. Custas, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento. Porto, 7.4.2016 Rodrigues Pires Márcia Portela Maria de Jesus Pereira _______ [1] Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 19.5.2009, proc. 298/06.0 TBSJM.S1 e Ac. Rel. Porto de 22.5.2012, proc. 11/08.8 TBSJM.P1, disponíveis in www.dgsi.pt, citados na sentença recorrida. [2] Cfr. Ac. Rel. Porto de 20.3.2012, p. 571/10.3 TBLSD.P1, disponível in www.dgsi.pt. [3] Cfr. Ac. Rel. Porto de 11.5.2011, p. 513/08.6 TBMTS.P1, disponível in www.dgsi.pt. [4] Cfr. Ac. Rel. Porto de 31.1.2013, p. 185/08.8 TBTMC.P1, disponível in www.dgsi.pt. [5] Cfr. Ac. Rel. Porto de 1.7.2013, p. 2870/11.8 TJVNF.P1, disponível in www.dgsi.pt. [6] Cfr. Ac. Rel. Guimarães de 27.2.2012, p. 2861/07.3 TABRG.G1, disponível in www.dgsi.pt. [7] Cfr. Ac. Rel. Guimarães de 22.3.2011, p. 90/06.2 TBPTL, disponível in www.dgsi.pt. [8] Cfr. Ac. Rel. Porto de 5.5.2014, p. 779/11.4 TBPNF.P1, disponível in www.dgsi.pt. (onde se recolheu a maioria das indicações jurisprudenciais atrás referidas). [9] Cfr. Ac. Rel. Porto de 17.6.2014, p. 11756/09.5 TBVNG.P1, disponível in www.dgsi.pt. (do mesmo relator). [10] Cfr. Ac. Rel. Porto de 9.12.2014, proc. 1491/12.7 TBSTS.P1, disponível in www.dgsi.pt. [11] Cfr. Ac. Rel. Porto de 3.3.2009, p. 0825315, disponível in www.dgsi.pt. [12] Cfr. Menezes Cordeiro, “O Direito”, 122º/272”. [13] Em 2013, em Portugal a esperança média de vida à nascença para as pessoas do sexo feminino era de 83 anos (site Pordata) [14] Cfr. Ac. STJ de 7.7.2009, p. 858/05.7TCGMR, disponível in www.dgsi.pt. [15] Cfr. Dario Martins de Almeida, “Manual de Acidentes de Viação”, 3ª ed., pág. 274/5.