Acordam na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: No processo nº 92/10.4GAENT foi proferida decisão que condenou, entre outros, os arguidos: JS, como co-autor material de um crime de roubo agravado dos arts 210.º, n.º 2, alínea b), ao art. 204.º, n.º 2, alínea f) do Código Penal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão; de um crime de simulação de crime do art. 366º, n.º 1 do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão; de um crime de detenção de arma proibida dos art. 2º, n.º 1, alínea p); 3º, n.º 4, alínea a) e 86.º, n.º 1, alínea c) do Regime Jurídico das Armas e Munições, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 6/5, na pena de nove meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de cinco anos e dez meses de prisão, e LF, como co-autor material de um crime de roubo agravado dos arts 210.º, n.º 2, alínea b) com referência ao art. 204.º, n.º 2, alínea f) do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão; de um crime de detenção de arma proibida (no caso da faca), dos arts 2.º, n.º 1, alínea m); 3.º, n.º 2, alínea f) e 86.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e Munições, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 6/5, na pena de três meses de prisão; de um crime de detenção de arma proibida (no caso da arma de fogo), dos arts 2.º, n.º 1, alínea p); 3.º, n.º 4, alínea a) e 86.º, n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e Munições, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 6/5, na pena de nove meses de prisão; ou seja, operando o respectivo cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos e dez meses de prisão. Inconformados com o assim decidido, recorreram os arguidos, concluindo da forma seguinte: O JS, “1 - A decisão recorrida não apreciou adequadamente a personalidade do arguido, de forma a aperceber-se da globalidade das condutas e da sua motivação. 2 - O Tribunal não procedeu à adequada avaliação da conduta do agente, tendo desvalorizado a sua concreta situação de “ressaca”, 3 - Tendo valorizado de forma negativa e prejudicial para o arguido tal situação de diminuição da sua imputabilidade 4 - A omissão de referência clara à personalidade do arguido e à forma como decorreu o seu percurso de vida até ao momento da prática dos factos, constitui vicio insanável de omissão de pronúncia, que constitui nulidade nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do art. 379 do CPP. 5 - A omissão de tal pronúncia constitui nulidade nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 379 do CPP, por violação dos arts 77 e 78 nº 2 do código Penal e Artº 374 nº 2 do CPP 6 - A deficiente avaliação da personalidade do arguido determinou que o Tribunal aplicasse, em cúmulo jurídico, pelos crimes praticados, uma pena única de 5 anos e 10 meses de prisão. 7 - Contudo, atendendo ao percurso de vida do arguido, à sua personalidade, às condições da sua vida e à situação concreta de ressaca em que se encontrava nos momentos que antecederam a prática dos factos e no próprio momento da sua prática, impunha-se que o arguido fosse condenado pela prática do crime de roubo agravado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, uma vez que, como refere a sentença recorrida, a pena não pode ultrapassar em caso algum, a medida da culpa, 8 - E que, considerando que a culpa do A. se encontrava fortemente diminuída pela sua situação de ressaca, é aquela a pena adequada à sua culpa. 9 - Em cúmulo Jurídico com as restantes penas aplicadas deveria o arguido ser condenado numa pena única de 3 anos e 10 meses de prisão. 10 - Considerando a personalidade do arguido, as condições da sua vida, (desde o período escolar até à prática dos factos), a sua conduta anterior e posterior ao crime e, em especial, as circunstancias em que este decorreu, era de concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizavam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, 11 - Pelo que deveria tal pena ser suspensa na sua execução. 12 - Deve assim ser alterada a pena aplicada ao arguido, aplicando-se uma pena única de 3 anos e 10 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.” O LF, “A) Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que concerne à consideração como Provados os seguintes factos: - “Depois de tomada tal resolução, e ainda antes de se deslocarem para junto da aludida farmácia, o arguido L entregou ao arguido J uma arma de fogo, de tipo pistola, metálica e municiada com uma bala de calibre de 6,35mm, para utilizar na farmácia”. - “Pelo menos os arguidos J e L sabiam que o primeiro levaria consigo a referida arma de fogo, a qual utilizaria para intimidar as pessoas que aí estivessem e a quem iriam exigir a entrega de dinheiro e valores que aí encontrassem; - “Não obstante, os arguidos J e L quiseram deter, transportar e utilizar a referida arma de fogo, nas descritas circunstâncias.” A)1. Relativamente à supra referida factualidade, a sua resposta negativa no que concerne “à intervenção” do arguido L advém da conjugação de todas as declarações dos restantes arguidos prestadas em julgamento e que foram referidas pelo Tribunal a quo para fundamentar tal conclusão, designadamente as prestadas pelos arguidos C e B, que sobre a mesma falaram de forma clara e credível, nos termos dos excertos de tais declarações acima transcritos e constantes da gravação do julgamento, cujo registo, preciso e separado de cada uma de tais declarações, é também identificado. A)2. As declarações destes arguidos foram de molde a abalar a credibilidade das prestadas pelo arguido J no que diz respeito à “propriedade e entrega” de arma de fogo pelo arguido L, uma vez que a descrição dos factos e da sua sequência temporal por eles levada a cabo, suscitam uma enorme dúvida relativamente à propriedade da arma e, sobretudo, à sua entrega ao arguido J pelo arguido L. A)3. A análise crítica da prova efectuada quanto a tal matéria, à luz das regras da lógica e da experiência comum, deveriam ter levado o Tribunal a quo a constatar uma dúvida séria e objectivamente fundamentada relativamente à detenção da arma pelo arguido L, não ignorando a razoabilidade da possibilidade de a referida arma pertencer a quem a utilizou, o que decorre da conjugação das versões apresentadas pelos restantes arguidos, designadamente por B. A)4. Conferindo total credibilidade e suficiência à “imputação” do arguido João Carlos, o Tribunal a quo violou o Princípio in dubio pro reo, corolário lógico do princípio da presunção da inocência do arguido L, não decorrendo dos autos a prova suficiente dos elementos típicos do crime em que se consubstancia a factualidade acima referida em A). B) Impugna-se, igualmente, a seguinte factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo: - “ O uso de tal bainha na lâmina, transforma tal faca num verdadeiro punhal, o que aumenta a sua perigosidade por facilitar a sua posse e dissimulação, fazendo com que tenha como fim exclusivo a sua utilização como instrumento que apenas serve para atingir o corpo de terceiros.” - “Sabia o arguido L que a lei não permite a detenção e uso de armas, como é o caso de chicotes e de facas como essa, sem justificação.” B)1. Para além do auto de apreensão do objecto — faca de cozinha — nenhuma prova foi efectuada nos autos passível de permitir a conclusão de que o arguido L detivesse o instrumento em causa sem justificação ou que o mesmo pudesse servir como um verdadeiro punhal, ou que se encontrasse dissimulado sob a forma de outro objecto, para servir como instrumento para atingir o corpo de terceiros. B)2. A própria acusação do Ministério Público não conteve a imputação de tal “prática”, de detenção de arma proibida sem justificação da sua posse, e a ausência de qualquer prova produzida em sede de julgamento que afastasse a legitimidade e justificação de posse de uma faca desde logo caracterizada como de cozinha, não pode ser ‘colmatada” com a simples referência ao facto de se encontrar protegida por uma bainha de plástico, bainha essa reforçada com fita isoladora. B)3. Nenhuma circunstância ilícita, alheia ou diferente da utilização normal e corrente da faca em causa, por parte do arguido L, foi provada (ou até alvo de qualquer diligência probatória) nos autos. B)4. Inexistiu, pois, a prova e/ou referência a quaisquer factos passíveis de consubstanciar a consideração da supra referida factualidade descrita em B) como provada e que, por isso, deverá merecer a consideração de não provada. C) Da errónea apreciação da prova nos termos sobreditos em A) e B), veio a decorrer uma incorrecta fundamentação de facto da decisão recorrida, que deve assim ser alterada no sentido de que de acordo com a prova efectivamente produzida e acima melhor explicitada, não pode concluir-se pela verificação e prova da factualidade referida em A) e B). D) De tal errónea apreciação da prova e relevância da matéria de facto considerada apurada, veio a decorrer a condenação do arguido pela prática de 2 crimes de detenção de arma proibida, um como co-autor material e outro como autor material, com violação, pelo Tribunal a quo, das disposições conjugadas dos artigos 2°, n.º 1, alínea m), 3º, n.º 2, alínea f), 86°, n.º 1, alínea d) e 2°, n.° 1, alínea p), 3º, n.º 4, alínea a), e 86, nº 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e Munições, na redacção da Lei n. 17/2009, de 6/5. E) Alterada a matéria de facto nos termos e com os fundamentos acima explicitados, deve, em consequência, absolver-se o arguido L da prática dos 2 crimes de detenção de arma proibida que lhe foram imputados e por que foi condenado. F) O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 50º do Código Penal, não sopesando, de acordo com os critérios nele estabelecidos, a relevância dos elementos constantes dos autos e que fundamentam a determinação da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado o arguido L. F)1. Com todo o respeito, discorda-se das considerações que relativamente a tal matéria constam do ponto 3.8 (Suspensão da execução da pena de prisão) do douto acórdão recorrido: Afirmando-se aí que, quanto ao recorrente “nada de relevante foi apresentado que permita fundamentar tal juízo” de conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o Tribunal a quo também não refere o que o contraria de forma relevante e suficiente para abalar esse juízo de prognose favorável. F)2. Na verdade, encontra-se demonstrado que o arguido é um jovem adulto, com 24 anos de idade e sem quaisquer antecedentes criminais. F)3. Foi igualmente demonstrada a sua “intervenção” nos factos, isto é, o facto de ter ficado no interior do veículo, de não ter empunhado qualquer arma, ameaçado ou agredido quem quer que fosse, não ter, ele próprio, agido com qualquer violência ou coação sobre terceiros. F)4. Ficou ainda demonstrado que o arguido é toxicodependente e que tal quadro de dependência (“a ressacar”), não o justificando, de alguma forma contextualiza a situação do roubo de que foi acusado em co-autoria material. F)5. Em tribunal, o arguido manifestou expressamente o desejo e vontade em submeter-se a tratamento para cura da sua dependência de substâncias estupefacientes, intervenção para cuja necessidade aponta também o Relatório Social de fls. F)6. Os factos acima explicitados permitem fundamentar um juízo de prognose favorável relativamente à capacidade do arguido em, doravante não cometer qualquer outro acto ilícito, ele que nunca os tinha praticado e que se encontra em prisão preventiva há cerca de 7 meses já. F)7. A ressocialização do agente é um dos princípios norteadores do sistema penal português e, no caso concreto, não se descurando as necessidades de prevenção e as finalidades da punição, só poderá ser prosseguida com a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado o recorrente, promovendo-se assim a sua reintegração na sociedade. F)8. Suspensão essa que tem total fundamento nos elementos constantes dos presentes autos com relevância para tal determinação, e que, no caso do recorrente deverá ser acompanhada da imposição de obrigação de tratamento médico e cura da sua dependência de substância estupefacientes em instituição adequada, para o que já manifestou o seu consentimento prévio (art. 50ºe 52º, n 3 do Código Penal) G) Requer-se, por todo exposto, a substituição da douta decisão recorrida por outra que determine a absolvição do arguido da prática dos 2 crimes de detenção de arma proibida e determine, também, a suspensão da execução da pena de prisão em que seja condenado, com a sujeição à obrigação de tratamento da sua toxicodependência.” O MP respondeu aos recursos, pronunciando-se pela total improcedência, e concluindo por seu turno: “Contrariamente às pretensões do recorrente J, a decisão recorrida: - Apreciou adequadamente a sua «personalidade», apercebendo-se «da globalidade das condutas e da sua motivação», não tendo que valorizar «a sua concreta situação de “ressaca”», considerando que se trataria «…de diminuição da sua imputabilidade»; não se constata qualquer «nulidade nos termos do disposto na alínea c) do n°1 do Artº 379 do CPP» por «omissão de pronúncia»; que existiu omissão de pronúncia a constituir «nulidade nos termos do disposto na alínea a) do n°1 do art. 379 do CPP, por violação dos arts 77 e 78 nº 2 do código Penal e Artº 374 n°2 do CPP». - De resto não existiu a alegada «deficiente avaliação da personalidade», a produzir “exagerada” pena única, em cúmulo jurídico, de 5 anos e 10 meses de prisão; que «deveria o arguido ser condenado numa pena única de 3 anos e 10 meses de prisão», «atendendo ao percurso de vida do arguido, à sua personalidade, às condições da sua vida e à situação concreta de ressaca em que se encontrava nos momentos que antecederam a prática dos factos e no próprio momento da sua prática…». - «E que, considerando que a culpa do A. se encontrava fortemente diminuída pela sua situação de ressaca, é aquela a pena adequada à sua culpa»; deveria ser aplicada, apenas, «pena única de 3 anos e 10 meses de prisão.» - Não sendo caso de a «pena ser suspensa na sua execução», considerando «a personalidade do arguido, as condições da sua vida, (desde o período escolar até à prática dos factos), a sua conduta anterior e posterior ao crime e, em especial, as circunstâncias em que este decorreu,» não seria «de concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizavam de forma adequada e suficiente a finalidades da punição». Também, diferentemente do recorrente L, verificamos que: As declarações dos arguidos C e B, não «foram de mol-de a abalar a credibilidade das prestadas pelo arguido J no que diz respeito à “propriedade e entrega” de arma de fogo pelo arguido L»; posto que «a descrição dos factos e da sua sequência temporal» não adveio qualquer «dúvida relativamente à propriedade da arma e, sobretudo, à sua entrega ao arguido J pelo arguido L». Conferindo credibilidade à “imputação” do arguido J, o Tribunal a quo não violou o princípio in dubio pro reo, corolário lógico do princípio da presunção da inocência do arguido L, pois que decorreu dos autos a prova suficiente dos elementos típicos do(s) crime(s). Bem procedeu o Tribunal a quo ao considerar provado: «O uso de tal bainha na lâmina, transforma tal faca num verdadeiro punhal, o que aumenta a sua perigosidade por facilitar a sua posse e dissimulação, fazendo com que tenha como fim exclusivo a sua utilização como instrumento que apenas serve para atingir o corpo de terceiros.» «Sabia o arguido L que a lei não permite a detenção e uso de armas, como é o caso de chicotes e de facas como essa, sem justificação.» Não existiu uma «errónea apreciação da prova» donde veio «a decorrer a condenação do arguido pela prática de 2 crimes de detenção de arma proibida, um como co-autor material e outro como autor material, com violação, pelo Tribunal a quo, das disposições conjugadas dos artigos 2°, n.° 1, alínea m), 3º, n.° 2, alínea f), 86°, n.° 1, alínea d) e 2°, n.° 1, alínea p), 3º, n.° 4, alínea a), e 86, nº 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e Munições, na redacção da Lei n. 17/2009, de 6/5.»; não se devendo, assim, alterar «a matéria de facto (…) absolver-se o arguido L da prática dos 2 crimes de detenção de arma proibida que lhe foram imputados e por que foi condenado.» O Tribunal a quo não violou o disposto no artigo 50º do Código Penal, posto que sopesou, de acordo com os critérios nele estabelecidos, a relevância dos elementos constantes dos autos, o que não permitiu a suspensão da execução da pena de prisão. Na verdade, como consta da decisão recorrida, nada de relevante foi apresentado que permita fundamentar o juízo de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Não foi caso de suspensão «acompanhada da imposição de obrigação de tratamento médico e cura da sua dependência de substância estupefacientes em instituição adequada, (…) (art. 50ºe 52º, n 3 do Código Penal)». Tudo como se explicitou no texto do acórdão recorrido, v. g. nas partes que constam transcritas . Os arguidos/recorrentes não têm razão ao imputar ao acórdão recorrido: «errónea avaliação da prova», «deficiente avaliação da personalidade» do J, «omissão de pronúncia», violação do princípio in dubio pro reo, exagero na determinação das penas, violação das (respectivas) normas legais… O que, afinal, vislumbramos é uma diversa visão/versão ou diferente interpretação da apreciação/fundamentação do Tribunal a quo, o que, é sabido, não pode colocar em crise a decisão judicial, como resulta, v. g. dos ensinamentos da jurisprudência. Efectivamente, a prova que o tribunal considerou e nos termos em que a apreciou bem permitiu fundamentar a sua convicção. Os recorrentes, nas suas subjectivas opiniões, produzem, contudo, diferentes interpretações. Notamos, como mais relevante, que o tribunal bem apreciou a prova testemunhal e por declarações, sendo dada justificada relevância às declarações do arguido J, principal “protagonista”, o qual, aliás, esclareceu a concreta actuação no roubo à farmácia, conjugadas, desde logo, com as declarações dos arguidos C e B. É sabido que: «(…) Uma coisa é a forma como o tribunal aprecia e interpreta a prova em audiência, outra coisa é a insuficiência para a decisão de facto (…) Com efeito, uma coisa é a discordância da decisão facto do julgador e outra aquela que teria sido a do próprio recorrente. (…) No caso sub judice o(s) recorrente(s) faz(em) (…) uma diferente apreciação da prova produzida em audiência, impugnando dessa forma a convicção assim adquirida e pondo em causa a regra da livre apreciação da prova (…) «A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das dec.ções e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum. Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cf. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).» No caso, no douto acórdão ora recorrido, como se constata, não existiu qualquer deficiência, erros ou incorrecções, dúvida, v. g., na análise dos factos e da produção da prova, na audiência, v. g., na prova por declarações e testemunhal aquela que o Tribunal, fundamentadamente, considerou credível, diferentemente da interpretação da prova dos recorrentes; sendo evidente que a opção do Tribunal está conforme às regras legais, v. g. com as regras da experiência comum, tendo a prova produzida, com a imediação e a oralidade, sido coerentemente valorada, lógica e racionalmente explicitada. Foram indicados os fundamentos que foram decisivos para a convicção dos julgadores, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos que dos meios de prova relevaram ou que obtiveram credibilidade no espírito dos julgadores. Ou seja, de resto, não existiu qualquer «omissão de pronúncia», a violação do nº2 do artigo 374º do CPP, posto que o Tribunal, v. g. procedeu a uma exposição, na medida do possível, completa, concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a(s) decisão(decisões), com a indicação e o exame crítico das provas. Quanto à medida concreta(s) da(s) pena(s), considerados foram os critérios norteadores a que aludem, v. g. os arts. 70º, 71º, nºs 1 e 2 e 40º, nºs 1 e 2 do Código Penal. Quanto à pena única cominada, ao J, foram considerados, também, os critérios que a doutrina e a jurisprudência nos propõem, «…na busca de uma maior certeza na pena…», no caso, atenta a apreciação dos factos, a indiciada delinquência que traduzem, a personalidade do J; pelo que foi apropriada/justa a pena única de 5 anos e 10 meses de prisão, resultante da adição de (apenas) cerca de um terço do remanescente (4 meses) à pena concreta mais elevada de 5 anos e 6 meses (esta pelo crime de roubo agravado). De resto e quanto à não suspensão da execução das penas; à não verificação dos pressupostos do art.50º, nº1 do Código Penal, como se realça no acórdão, é sabido que, relativamente ao pressuposto de ordem material, na base da decisão da suspensão da pena deverá estar uma prognose social favorável ao réu, como lhe chama JESCHECK [“Tratado de Derecho Penal”, vol I, pág. 1 153]. Ou seja, a esperança de que o(s) réu(s) sentirá(rão) a sua condenação como uma advertência e que não cometerá(rão),no futuro, qualquer crime. Na verdade, tendo presente o disposto no nº1 do art.50º do Código Penal, não foi possível concluir, no caso, que uma simples censura do facto e a ameaça da prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, principalmente atendendo às personalidades, às condições de vida, às condutas anteriores e às circunstâncias dos crimes ora praticados, v. g. ao protagonismo do L e do J, aquele ao disponibilizar e este ao utilizar a arma (a pistola) para o/no crime de roubo e os antecedentes criminais do João Carlos (v. g. por crime de roubo). O Tribunal não podia (não pode), ter aquela esperança de que estes arguidos não repetiriam crimes ou crimes semelhantes aos que cometidos, até porque não interiorizaram a necessidade de se conduzirem de acordo com as regras, sendo que a execução das penas de prisão efectiva, ora, aplicadas, orientar-se-ão, certamente, atento, desde logo, o disposto no nº1 do art.42º do Código Penal, no sentido da preparação «para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes», preparação essa que, neste momento, é notório estes argui-dos ainda não têm.” Neste Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da rejeição do recurso do arguido J, por extemporaneidade, uma vez que não procedeu adequadamente à impugnação da matéria de facto, não podendo beneficiar do prazo ampliado de trinta dias. 2. Colhidos os Vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir. No acórdão condenatório foram considerados os seguintes factos provados, na parte que interessa aos recorrentes: “No dia 29 de Julho de 2010, os arguidos J, B, C e L, decidiram deslocar-se até à farmácia denominada “Farmácia …”, sita na Rua…l, em Vila Nova da Barquinha, o que fizeram com o intuito de se apoderarem do dinheiro que existisse na aludida farmácia e também na posse das pessoas que aí viessem a encontrar, por meio de violência ou de ameaça de violência. Os arguidos tomaram tal decisão porque, sendo todos toxicodependentes e estando a ressacar, necessitavam de dinheiro que lhes permitisse a aquisição do produto estupefaciente que consumiam. Depois de tomada tal resolução, e ainda antes de se deslocarem para junto da aludida farmácia, o arguido L entregou ao arguido J uma arma de fogo, de tipo pistola, metálica e municiada com uma bala de calibre de 6,35 mm., para a utilizar na farmácia. Os arguidos deslocaram-se então até às imediações da aludida farmácia fazendo do veículo ligeiros de passageiros, de marca “Citroen” de matrícula --EE, veículo pertencente ao arguido J. Uma vez junto da farmácia, os arguidos acordaram entre si que quem se deslocaria ao interior da farmácia seriam os arguidos J e B Pelo menos os arguidos J e L sabiam que o primeiro levaria consigo a referida arma de fogo, a qual utilizaria para intimidar as pessoas que aí estivessem e a quem iriam exigir a entrega de dinheiro e valores que aí encontrassem. Acordaram também entre todos que o arguido L e a arguida C aguardariam no interior do referido veículo pela chegada dos outros dois arguidos. Assim, cerca das 19,45 horas, em execução do plano que delinearam, os arguidos J e B dirigiram-se então para o interior da farmácia, sendo que o arguido J levava a referida pistola, pistola essa não examinada. Logo que entraram na farmácia o arguido J dirigiu-se até junto do empregado que se encontrava ao balcão, o A, e apontou--lhe a pistola dizendo-lhe “O dinheiro da caixa, rápido”, expressão que repetiu duas ou três vezes, isto enquanto o arguido B estava a alguns passos de ambos. Nesse momento, o A foi-se aproximando lentamente do acesso ao interior da farmácia, isto porque ficou com medo de que o arguido fizesse uso da arma contra si e também para accionar o sinal de alarme. Logo de seguida, os arguidos J e B arremessaram a caixa registadora ao chão e abriram a gaveta da mesma. Acto contínuo, ambos os arguidos agarraram e levaram consigo as notas e moedas que se encontravam no interior de tal gaveta, tudo no total de 400 Euros (quatrocentos euros). Uma vez na posse de tal quantia os arguidos dirigiram-se para o exterior da farmácia e puseram-se em fuga correndo pela Rua 25 de Abril em direcção à Rua Gualdim Pais, local onde estava estacionado o veículo acima identificado. Logo que os arguidos J e B entraram no veículo, o arguido J pôs o mesmo em movimento e imprimiu-lhe uma grande velocidade o que fez entrar em despiste no cruzamento da Rua D. Carlos com a Rua Dr. Miguel Bombarda, já no interior da cidade do Entroncamento. Logo de seguida os arguidos abandonaram o veículo e fugiram a pé. Todos os arguidos atrás indicados agiram de comum acordo e em comunhão de esforços, o que fizeram com o intuito de se apoderarem de quantias e valores que sabiam não serem suas e sabendo que o faziam contra a vontade do respectivo dono, o que conseguiram.Os arguidos, como meio para a plena concretização do seu intento apropriativo, usaram da ameaça do uso de uma pistola, o que fizeram por forma a obstar a qualquer resistência da parte do ofendido A o qual não a esboçou sequer, uma vez que ficou tolhido pelo medo que dele apoderou. Os arguidos J e L não dispunham de qualquer licença de porte de armas e também sabiam que a lei pune a detenção e a utilização de armas de fogo como instrumentos na prática de outros crimes. Não obstante, os arguidos J e L quiseram deter, transportar e utilizar a referida arma de fogo, nas descritas circunstâncias. Todos os arguidos agiram de modo livre e voluntário, fizeram-no de modo concertado e sabiam que a lei não lhes permitia tais condutas. Uma vez na posse da quantia atrás indicada os arguidos gastaram-na na aquisição de pro-duto estupefaciente que consumiram. O arguido J, sabendo que tinha deixado o veículo atrás indicado imobilizado no interior da cidade do Entroncamento, decidiu apresentar denúncia na qual relatou que tal veículo lhe tinha sido furtado. No dia 31 de Julho de 2010, cerca das 22,24 horas, o arguido J dirigiu--se à Esquadra da PSP de Torres Novas, aí tendo apresentado denúncia contra desconhecidos e na qual indicou que o mencionado veículo lhe tinha sido furtado entre o dia 27/07/2010 e o dia 30/07/2010. O arguido J apresentou tal denúncia, sabendo que relatava factos que sabia serem falsos, o que fez com o propósito de afastar as suspeitas que sobre si recaíam no que se refere à prática dos factos ocorridos no interior da farmácia atrás identificada. Sabia também o arguido J que ao apresentar tal denúncia a mesma iria desencadear a realização de diligências de investigação por parte da entidade que a recebeu, o que aconteceu. Ao apresentar a referida denúncia o arguido J agiu de modo livre e voluntário e sabia que a lei lhe proibia tal conduta. No dia 11/11/2010, pelas 7,25 horas, o arguido L detinha na sua posse um chicote, vulgarmente conhecido por “picha de boi”. Para além de tal chicote, o arguido L detinha ainda na sua posse uma faca de cozinha, com 19 cm. de lâmina, sendo que essa faca estava protegida por uma bainha de plástico enrolada em fita isoladora. O uso de tal bainha na lâmina, transforma tal faca num verdadeiro punhal, o que aumenta a sua perigosidade por facilitar a sua posse e dissimulação, fazendo com que tenha como fim exclusivo a sua utilização como instrumento que apenas serviria para atingir o corpo de terceiros. Tais objectos foram encontrados no quarto do arguido L, quarto situado no sótão da casa sita na Rua ….., em Torres Novas. Sabia o arguido L que a lei não permite a detenção e uso de armas, como é o caso de chicotes e de facas como essa, sem justificação. O arguido L detinha tais objectos de modo livre e voluntário. O arguido J começou a mostrar desinteresse pelos estudos após o 2.º ciclo, conduzindo ao absentismo e à retenção, não tendo concluído o 8.º ano de escolaridade. Iniciou-se no mundo laboral, desempenhando tarefas indiferenciadas na construção civil. Cerca dos 16 anos de idade começou a consumir haxixe, passando depois para a heroína e a cocaína. Começou também a consumir bebidas alcoólicas. Abandonou o lar materno. Em 2007 iniciou um tratamento numa comunidade terapêutica, mas não o concluiu. Vive com os pais e as expensas destes. O arguido J foi condenado em penas de multa e de prisão, pela prática de crimes de ofensa à integridade física, receptação e roubo, nos termos certificados a fls. 603 a 606. * O arguido L abandonou a casa materna aos 16 anos de idade. Viveu algum tempo com o pai e há cerca de seis anos voltou a residir com a mãe e o companheiro desta. Completou o 4.º ano do ensino básico, mas logo depois começou a evidenciar forte desinteresse pelas matérias curriculares, com elevado absentismo e acompanhando pares problemáticos e sem interesse escolar. A mãe não demonstrou interesse e vontade em impor a sua autoridade e regras parentais. Abandonou a escola após várias retenções e passou a gerir o seu quotidiano como entendia, sem qualquer ocupação ou actividade estruturada. Depois teve algumas experiências laborais numa oficina de automóveis, na construção civil e na montagem de tectos falsos. Iniciou o consumo de haxixe aos 14/15 anos e depois o consumo de heroína. Vivia com a namorada numa casa arrendada, beneficiando ambos do Rendimento Social de Reinserção. A mãe visita-o semanalmente no estabelecimento prisional, mas não o pretende receber em casa.” 3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº2 do CPP, as questões a apreciar são as seguintes: Recurso do arguido J., - Nulidade do art. 379 nº 1, alíneas a) e c) do CPP, por omissão de pronúncia, uma vez que o tribunal não valorou adequadamente a personalidade do arguido, violando os arts 77 e 78 nº 2 do código Penal e Artº 374 nº 2 do CPP. - Medida da pena aplicada ao arguido, que se pretende reduzida para 3 anos e 10 meses de prisão e suspensa na sua execução. Recurso do arguido L, - Impugnação da matéria de facto - Consequente absolvição do arguido da prática dos dois crimes de detenção de arma proibida - Suspensão da execução da pena Recurso do arguido J Questão prévia: O acórdão em apreciação foi lido em 17 de Maio de 2011, na presença do arguido e do seu defensor, e depositado nessa mesma data. Conforme já suscitado pelo Senhor Procurador-Geral adjunto no seu parecer, “o prazo para interposição do recurso terminou em 06 de Junho de 2011 (podendo o acto ser praticado, ainda, até 09 de Junho - artigo 145°, nº 5, do Código de Processo Civil) - artigo 411°, n." 1, alínea b), do Código de Processo Penal. (…) A motivação do recurso do arguido J deu entrada em juízo em 17 de Junho de 2011 (por fax, a fls. 1272 e sgs.). (…) O recorrente J não impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, nem formula de modo processualmente válido nenhuma pretensão de ver reapreciada a prova gravada (artigo 412°, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal), limitando o objecto do recurso à pretensa existência de uma nulidade e à medida da pena de prisão aplicada, que reputa de excessiva, e à não suspensão da respectiva execução. Logo, o prazo para interposição do recurso é, no caso, de 20 dias. E porque o foi depois de decorrido o dito prazo, o recurso é intempestivo e, como tal, deve ser rejeitado, porque não admissível - Código de Processo Penal, artigos 420°, n.º 1, alínea b), e 414°, n.º 2. ” E tem toda a razão, o Senhor Procurador-Geral adjunto. Na verdade, nem da leitura das conclusões nem mesmo da motivação resulta que se pretenda sequer impugnar a decisão em matéria de facto. Limita-se o recorrente a afirmar (na motivação, porque nada é referido nas conclusões) que não há prova do facto “em execução do plano que delinearam”, acrescentando não fazer qualquer referência às concretas provas porque os suportes estiveram “indisponíveis e inacessíveis ao arguido (…) conforme resulta do despacho de 14 de Junho de 2011”. E no que respeita a um eventual recurso da matéria de facto é apenas isto que se lê em toda a motivação e nada se referindo nas conclusões. Relativamente ao “despacho de 14 de Junho de 2011”, não se percebe que relação tem este com a omissão/deficiência praticada (e confessada) pelo próprio recorrente. Trata-se de um despacho de prorrogação do prazo do recurso de co-arguido - este sim, recurso da matéria de facto - na sequência de requerimento (do também recorrente L) nesse sentido. Tal prorrogação deveu-se a uma indisponibilidade das gravações durante dois dias, findos os quais ficaram totalmente disponíveis e acessíveis a todos os sujeitos processuais que nelas tivessem tido interesse. O que foi o caso do recorrente. O recorrente nada disse, nada pretendeu, nada requereu. Importa saber, então, qual o prazo de interposição do seu recurso, a fim de se determinar, em definitivo, se o foi em tempo. Até à reforma de 2007 (lei 59/2007), o prazo de interposição do recurso em processo penal era de quinze dias. O recurso da matéria de facto pressupunha então, obrigatoriamente, a transcrição das gravações da prova (oral) produzida em audiência de julgamento. Tais transcrições, porque dispendiosas e nalguns casos morosas, só tinham lugar quando se revelassem efectivamente necessárias, ou seja, após requerimento/manifestação de vontade do recorrente no sentido de sindicar a decisão em matéria de facto. Dividiu-se, então, a jurisprudência quanto à questão da definição/quantificação do prazo de recurso nestes casos. Tal controvérsia conduziu à prolação do acórdão do STJ nº 9/2005 de 11/10, que fixou jurisprudência no sentido de "quando o recorrente impugne a decisão em matéria de facto e as provas tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no prazo de quinze dias, fixado no art. 411°, n01 do CPP, não sendo subsidiariamente aplicável em processo penal o disposto no art. 698º, nº 6 do CPC”. Em 2007, a nova redacção do art. 411 ° do CPP, epigrafado de "interposição e notificação do recurso", e formalmente reescrito por força de uma mais cuidada sistematização, comportou as seguintes alterações: - Alargamento do prazo-regra de interposição de recurso, de quinze para vinte dias (n° 1); - Elevação deste prazo para trinta dias, quando o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova gravada (nº4) - Realização da audiência apenas a requerimento do recorrente, que especificará os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos; - A notificação imediata (logo, oficiosa) do requerimento de interposição e da motivação aos restantes sujeitos processuais afectados pelo recurso. Como se vê, resolveu-se expressamente a questão do prazo, e em sentido parcialmente oposto ao da jurisprudência então fixada. O prazo de interposição do recurso, o prazo-regra, é actualmente de vinte dias. Os três dias seguintes de susceptibilidade da prática dos actos processuais em gera1 (art. 145° nº 5 CPC) e o justo impedimento (art. 146° - que na prática pode dilatar qualquer prazo sem limite de tempo), nada alteram quanto ao prazo de recurso. Trata-se de norma que disciplina a prática dos actos processuais e não de norma que estabeleça prazos processuais, mas que prevê a possibilidade da prática do acto para lá dos vinte dias, nas condições que disciplina. O mesmo se diga quanto à nova alínea do art. 411° do CPP, que amplia o prazo de recurso no caso de ataque à decisão em matéria de facto. Globalmente, o regime será hoje o seguinte, no que respeita a contagem de prazos para decidir do prazo do recurso em processo penal e do trânsito em julgado da decisão penal: Caso não haja recurso, a sentença transita ao 20° dia a contar do depósito, produzindo efeitos a partir do 21º dia. Caso seja interposto recurso, tal recurso estará em tempo se der entrada: - até ao 20° dia (prazo regra), - acrescido dos três dias (verificadas as condições do art. 145° nº5 do CPC), - acrescido de x dias (na situação prevista no art. 146° do CPC), - no prazo ampliado de trinta dias (20+10 - caso seja a decisão sindicada em matéria de facto). De tudo resulta que há que aguardar por 23 (20+3) dias ou por 33 (30+3 dias) (sempre, no caso de decisões susceptíveis de recurso em matéria de facto) para formalização da certificação do trânsito ao 20° dia e cumprimento da decisão, caso não seja efectivamente exercido o direito ao recurso. Ora, no caso sub judice, não estamos em presença de um recurso da matéria de facto, no sentido de recurso que tem “por objecto a reapreciação da prova gravada”, na expressão legal do nº4 do art. 411º do CPP. Apenas este beneficiaria do prazo elevado, de trinta dias, como resulta da letra da lei e da própria história do preceito. Consignou-se já que nem a motivação nem as conclusões do recurso demonstram que o recorrente recorra da matéria de facto, nos termos e para os efeitos previstos no art. 412º, nº3. Não revelam que pretenda discutir a prova nem a formação da convicção sobre as provas. O recurso encontra-se circunscrito, pelo próprio recorrente, à matéria de direito. O prazo do seu recurso terminou em 06 de Junho de 2011, tendo podido o acto ser ainda praticado num dos três dias seguintes, com multa. Ao ter dado entrada em 17 de Junho de 2011, impõe-se considerá-lo fora de prazo, o que se decide. Recurso do arguido L - Da impugnação da matéria de facto: Pretende o arguido impugnar a matéria de facto, em conformidade com o que a lei lhe possibilita (art. 428º do CPP). Para tanto, procedeu de acordo com o disposto no art. 412º, nº3 do CPP e com obediência às formalidades nele exigidas. Discutindo o acerto da factualidade dada como provada na decisão recorrida, o recorrente deu cumprimento às exigências enunciadas, especificando as provas que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, relativamente aos dois “pontos de facto” seguintes: factos relativos à detenção da arma de fogo pelo arguido e factos relativos às características da faca apreendida ao arguido e sua possível utilização como arma. Vejamos cada um deles, em concreto e em conjunto com as provas, no enunciado recursivo. “A) Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que concerne à consideração como provados os seguintes factos: - “Depois de tomada tal resolução, e ainda antes de se deslocarem para junto da aludida farmácia, o arguido L entregou ao arguido J uma arma de fogo, de tipo pistola, metálica e municiada com uma bala de calibre de 6,35mm, para utilizar na farmácia”. - “Pelo menos os arguidos J e L sabiam que o primeiro levaria consigo a referida arma de fogo, a qual utilizaria para intimidar as pessoas que aí estivessem e a quem iriam exigir a entrega de dinheiro e valores que aí encontrassem; - “Não obstante, os arguidos J e L quiseram deter, transportar e utilizar a referida arma de fogo, nas descritas circunstâncias.” A)1. Relativamente à supra referida factualidade, a sua resposta negativa no que concerne “à intervenção” do arguido L advém da conjugação de todas as declarações dos restantes arguidos prestadas em julgamento e que foram referidas pelo Tribunal a quo para fundamentar tal conclusão, designadamente as prestadas pelos arguidos C e B, que sobre a mesma falaram de forma clara e credível, nos termos dos excertos de tais declarações acima transcritos e constantes da gravação do julgamento, cujo registo, preciso e separado de cada uma de tais declarações, é também identificado. A)2. As declarações destes arguidos foram de molde a abalar a credibilidade das prestadas pelo arguido J no que diz respeito à “propriedade e entrega” de arma de fogo pelo arguido L, uma vez que a descrição dos factos e da sua sequência temporal por eles levada a cabo, suscitam uma enorme dúvida relativamente à propriedade da arma e, sobretudo, à sua entrega ao arguido J pelo arguido L. A)3. A análise crítica da prova efectuada quanto a tal matéria, à luz das regras da lógica e da experiência comum, deveriam ter levado o Tribunal a quo a constatar uma dúvida séria e objectivamente fundamentada relativamente à detenção da arma pelo arguido L, não ignorando a razoabilidade da possibilidade de a referida arma pertencer a quem a utilizou, o que decorre da conjugação das versões apresentadas pelos restantes arguidos, designadamente por B. A). Conferindo total credibilidade e suficiência à “imputação” do arguido J, o Tribunal a quo violou o Princípio in dubio pro reo, corolário lógico do princípio da presunção da inocência do arguido L, não decorrendo dos autos a prova suficiente dos elementos típicos do crime em que se consubstancia a factualidade acima referida em A). B) Impugna-se, igualmente, a seguinte factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo: - “ O uso de tal bainha na lâmina, transforma tal faca num verdadeiro punhal, o que aumenta a sua perigosidade por facilitar a sua posse e dissimulação, fazendo com que tenha como fim exclusivo a sua utilização como instrumento que apenas serve para atingir o corpo de terceiros.” - “Sabia o arguido L que a lei não permite a detenção e uso de armas, como é o caso de chicotes e de facas como essa, sem justificação.” B)1. Para além do auto de apreensão do objecto — faca de cozinha — nenhuma prova foi efectuada nos autos passível de permitir a conclusão de que o arguido L detivesse o instrumento em causa sem justificação ou que o mesmo pudesse servir como um verdadeiro punhal, ou que se encontrasse dissimulado sob a forma de outro objecto, para servir como instrumento para atingir o corpo de terceiros. B)2. A própria acusação do Ministério Público não conteve a imputação de tal “prática”, de detenção de arma proibida sem justificação da sua posse, e a ausência de qualquer prova produzida em sede de julgamento que afastasse a legitimidade e justificação de posse de uma faca desde logo caracterizada como de cozinha, não pode ser ‘colmatada” com a simples referência ao facto de se encontrar protegida por uma bainha de plástico, bainha essa reforçada com fita isoladora. B)3. Nenhuma circunstância ilícita, alheia ou diferente da utilização normal e corrente da faca em causa, por parte do arguido L, foi provada (ou até alvo de qualquer diligência probatória) nos autos. B)4. Inexistiu, pois, a prova e/ou referência a quaisquer factos passíveis de consubstanciar a consideração da supra referida factualidade descrita em B) como provada e que, por isso, deverá merecer a consideração de não provada. Reveja-se agora o exame crítico da prova efectuado pelo tribunal, como justificante da decisão de facto, nesta parte. “A convicção do Tribunal baseou-se na apreciação crítica e global dos seguintes meios de prova: a) Nas declarações dos arguidos C (admitiu que acompanhou os restantes arguidos até às imediações da farmácia, referindo que o grupo estava carenciado do consumo de estupefacientes e que debateram ideias para conseguirem adquirir estupefacientes; viu os arguidos J e B regressar da farmácia com a gaveta da caixa registadora e dinheiro que repartiram entre todos na aquisição de estupefacientes que consumiram; também viu e teve na mão a pistola metálica, não tendo dúvida que era uma arma de fogo verdadeira e que o arguido J entregou no final ao arguido L; referiu não se recordar do que se passou até ao momento em que o roubo já tinha sido consumado, designadamente que tivesse aderido a qualquer plano ou propósito de roubar a farmácia), J (admitiu os factos essenciais da acusação, designadamente que o arguido L lhe entregou uma pistola de calibre 6,35 mm., com uma bala, já sabendo que iria ser utilizada no roubo e que o produto da subtracção iria ser, como foi, repartido pelos quatro arguidos na aquisição e consumo de estupefacientes; saiu do carro e, acompanhado pelo arguido Bokonda, foi à farmácia, tendo logrado subtrair o dinheiro que estava na gaveta da caixa registadora – referindo ser cerca de € 300 a € 400 –, tendo apontado a pistola ao funcionário; entretanto os arguidos L e C ficaram a aguardar no carro que estava nas imediações; confirmou que, na sequência do despiste, foi fazer a queixa na P.S.P. para tentar encobrir o seu envolvimento no roubo), B (admitiu detalhadamente os factos que protagonizou na ida à farmácia e na consumação do roubo, dizendo que o arguido J é que levava a arma de fogo e que depois repartiram o produto do roubo na aquisição de estupefacientes pelos 4 arguidos; relatou o seu modo de vida e manifestou-se perfeitamente consciente do mal que fez e das suas consequências, manifestando-se arrependido) e L (remeteu-se ao silêncio durante a audiência, mas no final aludiu à sua toxicodependência e admitiu que não tinha licença de porte de arma, embora negando tal detenção), cujas palavras foram, em grande parte, julgadas relevantes, porque conformes à restante prova produzida e às regras da experiência comum; Essencialmente, os factos provados supra indicados resultaram do relato convincente e coerente das indicadas pessoas que presenciaram os factos e da apreciação livre, global e crítica dos indicados meios de prova. Cumpre desenvolver e justificar a decisão de facto, quanto a algumas questões centrais. O Tribunal convenceu-se da verificação do crime de roubo na farmácia de Vila Nova da Barquinha, desde logo porque a indicada prova testemunhal a confirmou de forma espontânea e detalhada, particularmente o respectivo funcionário. A convicção de que os arguidos foram os seus autores resultou da conjugação de vários elementos, de que se destaca a circunstância de haver correspondência entre a descrição dos autores do roubo e dos arguidos J e B, de se terem acidentado no veículo utilizado no roubo apenas alguns minutos depois deste quando iam em fuga já no Entroncamento, de terem abandonado o veículo em fuga (alguns descalços como foi relatado…) após o acidente e, por último, da admissão por parte de três dos arguidos em como estiveram envolvidos no roubo. Os arguidos J e B admitiram expressa e detalhadamente o seu envolvimento, reforçando apenas a restante prova produzida ao longo da audiência. (…) Quanto ao arguido L que se preservou ao embaraço de apresentar qualquer justificação desencontrada da restante prova produzida e cujo papel é reforçado pelas declarações dos co-arguidos em como foi quem providenciou a arma de fogo utilizada no roubo. (…) Quanto à circunstância de ter sido utilizada uma arma de fogo e suas principais características, o Tribunal valorou as declarações dos arguidos J, B e C, bem como da indicada testemunha Arlindo. Pese embora tal objecto não tenha sido apreendido e examinado, considerou-se que a lei não impõe a perícia da arma como prova tabelada. A presença e principais características da arma podem ser demonstradas por qualquer meio de prova, designadamente quando sejam observáveis e as pessoas ouvidas demonstrem suficiente e seguro conhecimento directo desses factos, nomeadamente quando tiveram tal arma nas mãos e até souberam identificar o calibre das munições. Todas as indicadas pessoas assinalaram peremptória e pormenorizadamente a presença e a utilização de uma arma. Uns apenas viram a arma, mas outros estiveram com ela na mão e foram categóricos na sua descrição, referindo inequivocamente que se tratava de uma verdadeira arma de fogo e que estava municiada com uma bala de calibre 6,35 mm.. Os indicados arguidos relataram de forma concordante a posse da arma, sua utilização pelo arguido J e depois a sua devolução ao arguido L. A lacónica negação do arguido L não abalou a restante prova que inequivocamente demonstrava a detenção da arma, sendo que até fez uso do direito ao silêncio (com uma brevíssima excepção de uma declaração a negar a posse da arma), não sendo sequer possível confrontá-lo com os restantes relatos, contraditar ou aprofundar a sua versão. Refira-se ainda que não se deu como provado que os arguidos B e C tivessem detido ou utilizado a arma de fogo, por falta de prova bastante e segura deste facto, visto que os seus relatos assentam na descrição dos factos que sucederam depois do regresso do assalto. Nomeadamente por verem e até pegarem na arma por curiosidade e testemunharem a sua devolução ao arguido L. A circunstância destes arguidos terem pegado na arma depois do roubo não foi julgada relevante, pois terá sido algo de momentâneo e por curiosidade e não terá tido qualquer correspondência material em termos de quererem efectivamente deter a arma, que prontamente entregaram ao “dono” L. (…)No que diz respeito aos objectos encontrados, o Tribunal valorou os autos de apreensão”. Começando pela arma de fogo, o arguido fundamenta a sua discordância na insuficiência da prova por se basear exclusivamente nas declarações de um dos co-arguidos. Aceita-se que a prova produzida em audiência revela a correcção do alegado quanto ao sentido das declarações do co-arguido J. Mas já não é assim relativamente à ausência de qualquer outra prova no mesmo sentido. O recorrente introduz alguma entorse ao resultado da prova por declarações da também co-arguida C, desvalorizando o facto desta ter dito que o recorrente recebeu a arma das mãos do J, logo após o assalto. Facto que esta arguida revelou conhecer, por o ter presenciado. E que, no conjunto global da prova, permite ser lido como “devolução” da arma ao “dono”. Aliás, é o que resulta ipsis verbis da motivação da sentença. E a motivação da sentença traduz a leitura fiel de toda a prova que o recorrente ora transcreve. Podemos concluir pois, de acordo com a prova produzida em audiência e ora (re)examinada na parte pedida pelo recorrente, e também exactamente conforme exame crítico de prova efectuado na sentença, o seguinte: - o recorrente negou a prática da propriedade e detenção da arma, fazendo-o por simples negativa; remeteu-se, em tudo o mais da acusação, ao silêncio; - o arguido J prestou declarações de forma a confirmar os factos provados, ou seja, referiu ter sido o recorrente a entregar-lhe a pistola 6,35mm que utilizou no assalto. - a arguida C confirmou ter observado, já dentro do carro, a passagem final da arma de fogo das mãos do J para as do recorrente, o que, repete-se, no conjunto global da prova, permite ser lido como “devolução” da arma ao “dono”. Tudo isto resulta da prova produzida em audiência, não é no essencial posto em causa pelo recorrente, e encontra-se no acórdão no exame crítico da prova. Relembra-se que o tribunal ad quem procede à reapreciação da prova com a amplitude consentida pelo nº 6 do art. 412º do CPP, reapreciando as provas à luz do mesmo princípio da livre apreciação, assim sindicando a convicção do juiz de julgamento em 1ª instância. Mas fá-lo com a limitação decorrente da ausência de imediação, só podendo alterar a decisão sobre a matéria de facto se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (alínea b) do n.º 3 do artigo 412º). E embora o recurso em matéria de facto tenha de ser “um efectivo recurso em matéria de facto e não possa ser subvertido numa qualquer forma de duplicação de recurso exclusivo de matéria de direito” (Damião da Cunha, "A Estrutura dos Recursos na Proposta de Revisão do CPP", RPCC, ano 8, Fasc. 2º, pág. 258), o reexame da matéria de facto pelas relações não corresponde a um segundo julgamento, como se não tivesse havido o da 1ª instância. Visa a correcção de erros de julgamento que, em reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão quanto à matéria de facto sindicada a pedido do recorrente, não se detectam, não impondo as provas decisão diversa da recorrida. Só que, no caso, para assim concluirmos, houve que pensar a problemática da prova por declaração de co-arguido, não autonomizada no acórdão (embora correctamente tratada em termos de resultado, como adiantámos), nem explicitamente nomeada no recurso (embora o seja implicitamente). Referimo-nos ao princípio da corroboração, ou a uma preocupação acrescida de corroboração, avançada na construção então pioneira de Medina de Seiça, que alguma jurisprudência, em maior ou menor medida, tem vindo a acolher. Nas conclusões da sua dissertação, este professor chama a atenção para o facto de as declarações de co-arguido constituírem material probatório que requer uma verificação suplementar traduzida numa exigência de corroboração. “Com a corroboração significa-se a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta. A regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura de uma fundamentação insuficiente” (Medina de Seiça, O Conhecimento Probatório do Co-arguido, 1999, p. 228) Trata-se, como se sabe, não de uma regra legal de prova – normativamente, rege aqui o princípio da prova livre - mas de algo deixado ao “cuidado deontológico do aplicador” e que pode contribuir para uma “mais correcta realização da sua livre convicção” (loc. cit., p. 189-190). A jurisprudência do STJ tem revelado diferentes acolhimentos do princípio. Como exemplo vejam-se, “a prova por declarações de co-arguido, não sendo uma prova proibida, tem um diminuto valor e, por isso, carece de corroboração por outras provas e acarreta para o tribunal um acrescido dever de fundamentação” (STJ 12.06.2008, Rel. Santos Carvalho, www.dgsi.pt) e “a consideração de que as declarações do arguido se revestem à partida de uma capitis diminutio só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. (…) O depoimento incriminatório de co-arguido está sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dúbio pró reo. Assegurado o funcionamento destes e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo art. 32º da cCRP, nenhum argumento subsiste contra a validade de tal meio de prova” (STJ 03.09.2008, Rel Santos Cabral, www.dgsi.pt). Na ausência de regra tarifada sobre prova por declaração de co-arguido, a credibilidade deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação, mas, com um especial cuidado, que poderá passar por uma procura de corroboração. A prudência deve integrar a racionalidade do discurso da motivação da matéria de facto. Por corroboração entendemos algum apoio ou suporte em conteúdos probatórios fora das declarações do co-arguido que, juntamente com elas, permitam concluir pela sua correspondência à verdade. Não se trata de uma exigência de prova da prova por co-arguição mas apenas de algo mais que convença da correcção dessa versão dos factos. A tendencial procura de corroboração não terá de passar necessariamente por prova externa, no sentido de prova exterior a toda a co-arguição. Ou seja, aquilo que pode minar a força probatória da declaração do co-arguido reside numa suspeição. Essa suspeição baseia-se no interesse pessoal que o declarante pode ter no resultado da sua própria declaração: o arguido em incrimina o outro, para se defender (“não fui eu, foi ele”) ou para dividir a sua responsabilidade (“não fui apenas eu, fomos os dois”). Pode ainda ter um interesse geral de pseudo contribuição para a descoberta da verdade, com eventual peso atenuativo na escolha e medida da sua pena. Por tudo, revela-se prudente desconfiar, não de toda a co-arguição, como regra – esta regra não existe – mas da declaração de co-arguido que se encontre numa das referidas situações. Já relativamente a declaração de arguido fora de situação suspeita, a fragilização do potencial probatório deste contributo carece de justificação. No caso presente, a declaração do arguido relativamente à qual é possível associar um eventual interesse pessoal – na tese do recorrente, o J pretenderia partilhar a responsabilidade na posse da arma de fogo – é corroborada pela declaração de outra arguida, que, especificamente no que à arma se refere, é um terceiro não interessado. Sobre ela não é racionalmente justificado formular qualquer suspeição. Acresce que, conforme documentado em acta (fls. 774), os arguidos foram interrogados em separado (art. 343º, nº4 do CPP), tendo o tribunal começado por ouvir a arguida C, assim evitando, avisadamente, possível coordenação de defesas e eventual composição artificial de versões. O contributo probatório das declarações da arguida satisfaz, nesta parte, o quantum de corroboração pedido pelas regras da prudência, na racionalidade da justificação deste facto. Podemos, pois, assentar em que existe total conformidade entre o que foi dito e aquilo que o tribunal ouviu e refere ter ouvido; que nenhuma das provas em causa é proibida ou foi produzida fora das normas procedimentais que regem os meios de prova em apreciação; que o tribunal justificou adequadamente a opção que faz relativamente à escolha e graduação dos conteúdos probatórios; que, perante provas de sinal contrário (no caso, declarações de co-arguidos) e, abstractamente, de igual peso probatório, atribuiu-lhes conteúdo positivo ou negativo de uma forma racionalmente justificada, apelando às regras da lógica e da experiência comum. Inexiste, aqui, erro de julgamento. Vejamos, por último, o caso da faca. Fundamenta o recorrente a sua discordância ainda quanto aos factos seguintes, - “ O uso de tal bainha na lâmina, transforma tal faca num verdadeiro punhal, o que aumenta a sua perigosidade por facilitar a sua posse e dissimulação, fazendo com que tenha como fim exclusivo a sua utilização como instrumento que apenas serve para atingir o corpo de terceiros.” - “Sabia o arguido L que a lei não permite a detenção e uso de armas, como é o caso de chicotes e de facas como essa, sem justificação.” Com base na seguinte (ausência de) prova: “ Para além do auto de apreensão do objecto — faca de cozinha — nenhuma prova foi efectuada nos autos passível de permitir a conclusão de que o arguido L detivesse o instrumento em causa sem justificação ou que o mesmo pudesse servir como um verdadeiro punhal, ou que se encontrasse dissimulado sob a forma de outro objecto, para servir como instrumento para atingir o corpo de terceiros. A própria acusação do Ministério Público não conteve a imputação de tal “prática”, de detenção de arma proibida sem justificação da sua posse, e a ausência de qualquer prova produzida em sede de julgamento que afastasse a legitimidade e justificação de posse de uma faca desde logo caracterizada como de cozinha, não pode ser ‘colmatada” com a simples referência ao facto de se encontrar protegida por uma bainha de plástico, bainha essa reforçada com fita isoladora. Nenhuma circunstância ilícita, alheia ou diferente da utilização normal e corrente da faca em causa, por parte do arguido L, foi provada (ou até alvo de qualquer diligência probatória) nos autos. Inexistiu, pois, a prova e/ou referência a quaisquer factos passíveis de consubstanciar a consideração da supra referida factualidade descrita em B) como provada e que, por isso, deverá merecer a consideração de não provada” O tribunal justificou a convicção, nesta parte, dizendo “no que diz respeito aos objectos encontrados, o Tribunal valorou os autos de apreensão”. Já no enquadramento jurídico dos factos, completa-se “como resulta do exame do objecto e da fotografia de fls. 386, além do chicote, de um gorro “passa montanhas” e de duas luvas cirúrgicas, o arguido L detinha no seu quarto uma faca de cozinha, com 19 cm. de lâmina, que estava protegida por uma bainha de plástico enrolada em fita isoladora. O uso de tal bainha na lâmina, transforma tal faca num verdadeiro punhal, o que aumenta a sua perigosidade por facilitar a sua posse e dissimulação, fazendo com que tenha como fim exclusivo a sua utilização como instrumento que apenas serviria para atingir o corpo de terceiros.(…).Este objecto não foi encontrado num faqueiro de uma cozinha (em que se poderia razoavelmente admitir que era mais um utensílio de uso doméstico), mas antes aparece associado a uma bainha de plástico enrolada em fita isoladora, o que constituí um sinal indicativo de que é algo que pode ser transportado e dissimulado como arma de agressão. Não colhe por isso a invocação de que será um mero instrumento de cozinha, sendo que a sua utilização nessa função tornaria licita a sua posse. Absolutamente nada corrobora tal uso. Nenhuma premissa permite razoavelmente presumir que era apenas uma vulgar faca de cozinha, usada nessas funções. Pelo contrário, as apontadas circunstâncias indiciam a facilidade com que poderia ser usada como arma de agressão.” A faca em causa encontra-se fotografada a fls. 386 e examinada a fls 393 e 394. É aí pericialmente descrita como uma faca típica de cozinha, de um só gume, com 19cm de lâmina e 31 cm no total; como arma branca originariamente afecta ao uso doméstico, mas em que a adaptação de bainha para lâmina a torna susceptível de ser utilizada como verdadeiro punhal, agravando o risco de letalidade ao seu detentor ao facilitar a posse e o uso clandestino com o fim exclusivo de ser utilizada como arma. Na ausência de qualquer outro contributo probatório de sinal contrário – e não nos referimos ao silêncio do arguido, do qual nada se pode retirar contra ele, e sim à ausência de qualquer outra prova de sinal contrário – bem andou o tribunal, na leitura que fez do exame. O exame é uma prova real e, como se sabe, teoricamente menos falível do que a prova oral/pessoal. Este meio de obtenção de prova (art. 172º, nº1 do CPP) traduzido na observação de vestígios ou fixação de factos (que são os meios de prova) mereceu a correcta apreciação, pelo tribunal, de acordo com as regras da livre apreciação da prova, a que se tem vindo a fazer referência. Improcede, por tudo, e totalmente, o recurso da matéria de facto. - Da prática dos dois crimes de detenção de arma proibida: Argumenta, neste ponto, o recorrente que, “Da errónea apreciação da prova veio a decorrer uma incorrecta fundamentação de facto da decisão recorrida, que deve assim ser alterada no sentido de que de acordo com a prova efectivamente produzida e acima melhor explicitada, não pode concluir-se pela verificação e prova da factualidade referida em A) e B). De tal errónea apreciação da prova e relevância da matéria de facto considerada apurada, veio a decorrer a condenação do arguido pela prática de 2 crimes de detenção de arma proibida, um como co-autor material e outro como autor material, com violação, pelo Tribunal a quo, das disposições conjugadas dos artigos 2°, n.º 1, alínea m), 3º, n.º 2, alínea f), 86°, n.º 1, alínea d) e 2°, n.° 1, alínea p), 3º, n.º 4, alínea a), e 86, nº 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e Munições, na redacção da Lei n. 17/2009, de 6/5. Alterada a matéria de facto deve, em consequência, absolver-se o arguido Luís Carlos Cabeceira Ferreira da prática dos 2 crimes de detenção de arma proibida que lhe foram imputados e por que foi condenado. Como se vê, o recorrente não discute o enquadramento jurídico dos factos devido a erro de direito mas como mera decorrência da procedência do recurso da matéria de facto. Da improcedência deste resultaria então, sem mais, a confirmação do enquadramento jurídico dos factos efectuado no acórdão. Mas não será assim. É certo que o comportamento do recorrente preenche o tipo de crime de detenção de arma proibida dos arts 2.º, n.º 1, alínea m); 3.º, n.º 2, alínea f) e 86.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e Munições, no caso da faca, e do crime de detenção de arma proibida, dos arts 2.º, n.º 1, alínea p); 3.º, n.º 4, alínea a) e 86.º, n.º 1, alínea c), no caso da arma de fogo. Esta matéria não é sequer discutida em recurso. Mas, deve o agente ser punido pela prática dos dois crimes, considerando-se para tanto que a sua conduta preenche um concurso efectivo de crimes? As (duas) condutas estão previstas no mesmo tipo de crime – do art. 86º, de detenção de arma proibida - mas em diferentes alíneas - na c), a arma de fogo e na d), a faca) - e são puníveis com diferentes penas abstractas. À matéria do concurso de crimes chamou Eduardo Correia “um dos mais torturantes problemas de toda a ciência do direito criminal”. Em anotação ao art. 86º da Lei das Armas, Artur Vargues defende que “a detenção de várias armas, na mesma ocasião, que se enquadrem na mesma alínea, integrará um único crime. Em diferentes ocasiões, integrarão tantos crimes quanto aquelas. Se na mesma ocasião alguém for detentor de uma arma elencada na al. a), de duas constantes da enunciação da al. c) e três outras da al. d) praticará, em concurso real, um crime do art. 86º, nº1-a), um crime do art. 86º, nº1-c) e um crime do art. 86º, nº1-d)” (Org. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário das Leis Penais Extravagantes, vol. I, p. 244). Com todo o respeito, discordamos desta solução. Ela conduziria a que o detentor de cinco pistolas fosse punido por um crime e o detentor de uma pistola e de uma faca, o fosse por dois. Figueiredo Dias propõe como solução do problema da unidade ou pluralidade de infracção, o “critério da unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global”. Refere que “o crime por cuja unidade ou pluralidade se pergunta é o facto punível e, por conseguinte, uma violação de bens jurídico-penais - que integra um tipo legal - efectivamente aplicável ao caso. A essência de uma tal violação não reside, pois, nem (por um lado) na mera “acção”, nem (por outro) na norma ou no tipo legal que integra aquela acção: reside no substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico-penal, reside (…) no ilícito-típico: é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes.” E acrescenta que “será a análise do significado do comportamento global que lhe empresta um sentido material (social) da ilicitude, devendo reconhecer-se, de um ponto de vista teleológico e de valoração normativa “a partir da consequência”, a existência de dois grupos de casos: - o caso normal, em que os crimes em concurso são na verdade recondutíveis a uma pluralidade de sentidos sociais autónomos dos ilícitos típicos cometidos e, deste ponto de vista, a uma pluralidade de factos puníveis – hipóteses de concurso efectivo (do art. 30º,nº1), próprio ou puro; - e o caso em que, apesar do concurso de tipos legais efectivamente preenchidos pelo comportamento global, se deva ainda afirmar que aquele comportamento é dominado por um único sentido autónomo de ilicitude, que a ele corresponde uma predominante e fundamental unidade de sentido dos concretos ilícitos típicos praticados – hipóteses de concurso aparente, impróprio ou impuro. Com a consequência de que só para o primeiro grupo de hipóteses deverá ter lugar uma punição nos termos do art.77º, enquanto que para o segundo deverá intervir uma punição encontrada na moldura penal cabida ao tipo legal que incorpora o sentido dominante do ilícito e na qual se considerará o ilícito excedente em termos de medida concreta da pena. (…) Se apenas um tipo legal foi preenchido, será de presumir que nos deparamos com uma unidade de facto punível; a qual no entanto, também ela, pode ser elidida se se mostrar que um e o mesmo tipo especial de crime foi preenchido várias vezes pelo comportamento do agente. Isto significa que o procedimento não pode em qualquer caso reduzir-se ao trabalho sobre normas, mas tem sempre de ser completado com um trabalho de apreensão do conteúdo de ilicitude material do facto”. (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, I, fls. 988-991). Perante uma pluralidade de realizações típicas, a unidade de desígnio criminoso, a identidade de bem jurídico, a unidade temporal e/ou espacial, entre outros e consoante o caso, funcionarão como sub-critérios para definição do sentido fundamentalmente unitário do ilícito. Nas circunstâncias constantes dos factos provados, a detenção, pelo mesmo agente e na mesma ocasião, de duas armas, se bem que de categorias diferentes, não permite descortinar dois sentidos materiais ou sociais de ilicitude, autónomos entre si, pelo que o recorrente deverá ser punido apenas por um crime, o da alínea c) do art. 86.º, n.º 1 do R.G.A.M. (o ilícito mais grave). - Da pena e da suspensão da execução da prisão: O arguido não recorre da medida da pena. Pretende, apenas, a suspensão da execução da pena única de prisão. No acórdão considerou-se: “(…) quanto ao arguido L há que destacar a importantíssima contribuição para o sucesso da actividade criminosa, pois foi quem disponibilizou a arma de fogo e a recolheu para parte incerta. Perante a gravidade da sua conduta e a ausência de qualquer sinal de arrependimento, entende-se ajustada a pena de quatro anos e seis meses de prisão pelo crime de roubo. Relativamente ao crime de detenção de arma proibida (no que diz respeito à faca) a pena será de três meses de prisão (novamente se afastando a pena de multa, em vista da sua indiferença e da personalidade associada ao consumo de estupefacientes e das exigências de prevenção especial). Quanto ao crime de detenção de arma proibida (no que diz respeito à arma de fogo), o arguido vai condenado na pena de nove meses de prisão.(…) No caso dos autos, entende-se quanto ao arguido L nada de relevante foi apresentado que permita fundamentar tal juízo, pois foi autor de um crime de assinalável gravidade (roubo de uma farmácia) e de outro crime que se poderá considerar menor (detenção de uma arma) mas nada apresentou que permita afirmar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Nada resultou nesse sentido, além da sua jovem idade ou da ausência de antecedentes criminais, o que não basta perante tão graves circunstâncias, como é o adesão ao uso da violência por meio de arma, da sua toxicodependência ou da sua personalidade. Poderá agora o Tribunal dizer que o arguido está arrependido, já se desfez da arma de fogo e vai começar uma nova vida? Absolutamente nada resultou na audiência nesse sentido, nem sequer uma explicação do próprio arguido ou algo que transmitisse qualquer conforto ou segurança, mesmo que ilusória. Por tal razão, de modo algum se suspenderá a execução da pena de prisão imposta ao arguido Luís Carlos”. A eliminação de um dos crimes – e da respectiva pena de três meses de prisão - obriga, à reformulação do cúmulo jurídico, após prévia reapreciação da pena parcelar correspondente ao crime de detenção de arma da al. c), que passa agora a integrar, também, a factualidade referente à detenção da faca. Processualmente nada impede que o tribunal ad quem suba a medida da pena parcelar correspondente a este crime – de detenção ilegal de arma - desde que o faça sem exceder o máximo de pena globalmente proferido na 1ª instância (reformatio in pejus). Considera-se, no entanto, inexistirem razões, quer a nível de prevenção geral quer de prevenção especial que imponham a requantificação – para mais – da pena de nove meses de prisão fixada no acórdão. Julga-se, designadamente, que esta pena cumpre já “as exigências de protecção das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada” e assegura a protecção do bem jurídico. A moldura abstracta do cúmulo jurídico é, agora, de quatro anos e seis meses a cinco anos e três meses de prisão (art. 77º, nº2 do CP). Na determinação da pena concreta são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art. 77º, nº1 do CP). A existência deste critério especial obriga, na conhecida lição de Figueiredo Dias, a conexionar os arts 77º, nº1 e 71º, nº2 do CP, tudo se devendo passar “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade revelará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente. (exigências de prevenção especial de socialização” (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 291). Sendo o recorrente primário e estando apenas em causa a prática de dois crimes, será de considerar que o ilícito global revela uma bi-ocasionalidade que não permite concluir que radique na personalidade. A pena única deverá por isso aproximar-se do limite mínimo da pena abstracta, fixando-se em quatro anos e oito meses de prisão. A actividade judicial de determinação da pena é uma actividade juridicamente vinculada e do art. 50º, nº1 do CP resulta que o tribunal tem de fundamentar a decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos (Ac. TC n.º61/2006 , D.R., II série, de 28-02-2006, e Acs STJ 07-11-2007, TRP 25-03-2009, TRC 16-07-2008, TRE 10-07-2007, todos em www.dgsi.pt, entre muitos outros). E só o poderá fazer na ausência de factos fundantes de um juízo de prognose favorável à ressocialização em liberdade. Dos factos apurados não é possível concluir que a simples ameaça da pena e a censura do facto sejam suficientes para afastar o arguido da criminalidade. Para além dos factos relativos à tipicidade, como factos pessoais relevantes na determinação da pena, mas também importantes para o juízo de prognose de eventual socialização em liberdade, provou-se que “o arguido L abandonou a casa materna aos 16 anos de idade. Viveu algum tempo com o pai e há cerca de seis anos voltou a residir com a mãe e o companheiro desta. Completou o 4.º ano do ensino básico, mas logo depois começou a evidenciar forte desinteresse pelas matérias curriculares, com elevado absentismo e acompanhando pares problemáticos e sem interesse escolar. A mãe não demonstrou interesse e vontade em impor a sua autoridade e regras parentais. Abandonou a escola após várias retenções e passou a gerir o seu quotidiano como entendia, sem qualquer ocupação ou actividade estruturada. Depois teve algumas experiências laborais numa oficina de automóveis, na construção civil e na montagem de tectos falsos. Iniciou o consumo de haxixe aos 14/15 anos e depois o consumo de heroína. Vivia com a namorada numa casa arrendada, beneficiando ambos do Rendimento Social de Reinserção. A mãe visita-o semanalmente no estabelecimento prisional, mas não o pretende receber em casa.” O arguido é primário. Tinha 23 anos à data dos factos, tendo agora 24 anos de idade. Impõe-se também apreciar da relevância dos hábitos de consumo de drogas, uma vez que ficou provado que era toxicodependente. O S.T.J. tem-se dividido quanto ao valor a atribuir à influência da toxicodependência na avaliação do comportamento do agente, reconhecendo-lhe nalgumas decisões um efeito agravante, considerando-a como “formas de vida que têm na sua origem uma opção voluntária e consciente” (Ac.STJ de 07.05.08). Noutras decisões, atribui-lhe influência atenuante: “as regras da experiência permitem inferir que a toxicodependência pode ter contribuído, de algum modo, para criar no arguido uma predisposição para a prática de crimes (…) todavia não diminui a culpa do arguido de tal modo que a pena tenha de ser fixada no mínimo legal, para que não seja ultrapassado o limite da culpa” (Ac. STJ de 12.07.2007) (V. análise mais completa da jurisprudência do STJ em Lourenço Martins, Medida da Pena, p. 276-286, de onde retirámos os dois acórdãos). Mas há ainda que avaliar a toxicodependência do arguido no quadro da sua potencial recuperação e evolução pessoal. E para além da primariedade e relativa juventude - mas já não jovem adulto para os efeitos previstos no D.L. 401/82 – nada mais resultou provado, e não é o bastante, para convencer da suficiência de uma ressocialização em liberdade. Não é possível concluir que a pena de prisão suspensa na execução garantirá as finalidades da punição, assumindo neste momento do processo aplicativo a prevenção especial um papel dominante mas não exclusivo. E são grandes as exigências de prevenção geral, já destacadas no acórdão e não colocadas em crise no recurso. Justifica-se, por tudo, o juízo de afastamento do instituto da suspensão da pena efectuado na decisão recorrida. 4. Face ao exposto, acordam os juízes da 2ª Secção do Tribunal da Relação de Évora em: - Rejeitar o recurso do arguido J, por extemporâneo (arts. 420º, nº1, al. b), 414º, nº2 e 411º, nº1, al. b) do CPP). - Julgar parcialmente procedente o recurso do arguido L, absolvendo-o do crime do art. 86º, nº1 al. d) do R.J.A.M. e reduzindo-lhe a pena única para quatro anos e oito meses de prisão, confirmando no mais a decisão recorrida. Fixo em 4UC as custas devidas apenas pelo recorrente J. Évora, 8.11.2011 Ana Barata Brito António João Latas
Acordam na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: No processo nº 92/10.4GAENT foi proferida decisão que condenou, entre outros, os arguidos: JS, como co-autor material de um crime de roubo agravado dos arts 210.º, n.º 2, alínea b), ao art. 204.º, n.º 2, alínea f) do Código Penal, na pena de cinco anos e seis meses de prisão; de um crime de simulação de crime do art. 366º, n.º 1 do Código Penal, na pena de quatro meses de prisão; de um crime de detenção de arma proibida dos art. 2º, n.º 1, alínea p); 3º, n.º 4, alínea a) e 86.º, n.º 1, alínea c) do Regime Jurídico das Armas e Munições, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 6/5, na pena de nove meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de cinco anos e dez meses de prisão, e LF, como co-autor material de um crime de roubo agravado dos arts 210.º, n.º 2, alínea b) com referência ao art. 204.º, n.º 2, alínea f) do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão; de um crime de detenção de arma proibida (no caso da faca), dos arts 2.º, n.º 1, alínea m); 3.º, n.º 2, alínea f) e 86.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e Munições, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 6/5, na pena de três meses de prisão; de um crime de detenção de arma proibida (no caso da arma de fogo), dos arts 2.º, n.º 1, alínea p); 3.º, n.º 4, alínea a) e 86.º, n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e Munições, na redacção da Lei n.º 17/2009, de 6/5, na pena de nove meses de prisão; ou seja, operando o respectivo cúmulo jurídico, na pena única de quatro anos e dez meses de prisão. Inconformados com o assim decidido, recorreram os arguidos, concluindo da forma seguinte: O JS, “1 - A decisão recorrida não apreciou adequadamente a personalidade do arguido, de forma a aperceber-se da globalidade das condutas e da sua motivação. 2 - O Tribunal não procedeu à adequada avaliação da conduta do agente, tendo desvalorizado a sua concreta situação de “ressaca”, 3 - Tendo valorizado de forma negativa e prejudicial para o arguido tal situação de diminuição da sua imputabilidade 4 - A omissão de referência clara à personalidade do arguido e à forma como decorreu o seu percurso de vida até ao momento da prática dos factos, constitui vicio insanável de omissão de pronúncia, que constitui nulidade nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do art. 379 do CPP. 5 - A omissão de tal pronúncia constitui nulidade nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 379 do CPP, por violação dos arts 77 e 78 nº 2 do código Penal e Artº 374 nº 2 do CPP 6 - A deficiente avaliação da personalidade do arguido determinou que o Tribunal aplicasse, em cúmulo jurídico, pelos crimes praticados, uma pena única de 5 anos e 10 meses de prisão. 7 - Contudo, atendendo ao percurso de vida do arguido, à sua personalidade, às condições da sua vida e à situação concreta de ressaca em que se encontrava nos momentos que antecederam a prática dos factos e no próprio momento da sua prática, impunha-se que o arguido fosse condenado pela prática do crime de roubo agravado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, uma vez que, como refere a sentença recorrida, a pena não pode ultrapassar em caso algum, a medida da culpa, 8 - E que, considerando que a culpa do A. se encontrava fortemente diminuída pela sua situação de ressaca, é aquela a pena adequada à sua culpa. 9 - Em cúmulo Jurídico com as restantes penas aplicadas deveria o arguido ser condenado numa pena única de 3 anos e 10 meses de prisão. 10 - Considerando a personalidade do arguido, as condições da sua vida, (desde o período escolar até à prática dos factos), a sua conduta anterior e posterior ao crime e, em especial, as circunstancias em que este decorreu, era de concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizavam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, 11 - Pelo que deveria tal pena ser suspensa na sua execução. 12 - Deve assim ser alterada a pena aplicada ao arguido, aplicando-se uma pena única de 3 anos e 10 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período.” O LF, “A) Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que concerne à consideração como Provados os seguintes factos: - “Depois de tomada tal resolução, e ainda antes de se deslocarem para junto da aludida farmácia, o arguido L entregou ao arguido J uma arma de fogo, de tipo pistola, metálica e municiada com uma bala de calibre de 6,35mm, para utilizar na farmácia”. - “Pelo menos os arguidos J e L sabiam que o primeiro levaria consigo a referida arma de fogo, a qual utilizaria para intimidar as pessoas que aí estivessem e a quem iriam exigir a entrega de dinheiro e valores que aí encontrassem; - “Não obstante, os arguidos J e L quiseram deter, transportar e utilizar a referida arma de fogo, nas descritas circunstâncias.” A)1. Relativamente à supra referida factualidade, a sua resposta negativa no que concerne “à intervenção” do arguido L advém da conjugação de todas as declarações dos restantes arguidos prestadas em julgamento e que foram referidas pelo Tribunal a quo para fundamentar tal conclusão, designadamente as prestadas pelos arguidos C e B, que sobre a mesma falaram de forma clara e credível, nos termos dos excertos de tais declarações acima transcritos e constantes da gravação do julgamento, cujo registo, preciso e separado de cada uma de tais declarações, é também identificado. A)2. As declarações destes arguidos foram de molde a abalar a credibilidade das prestadas pelo arguido J no que diz respeito à “propriedade e entrega” de arma de fogo pelo arguido L, uma vez que a descrição dos factos e da sua sequência temporal por eles levada a cabo, suscitam uma enorme dúvida relativamente à propriedade da arma e, sobretudo, à sua entrega ao arguido J pelo arguido L. A)3. A análise crítica da prova efectuada quanto a tal matéria, à luz das regras da lógica e da experiência comum, deveriam ter levado o Tribunal a quo a constatar uma dúvida séria e objectivamente fundamentada relativamente à detenção da arma pelo arguido L, não ignorando a razoabilidade da possibilidade de a referida arma pertencer a quem a utilizou, o que decorre da conjugação das versões apresentadas pelos restantes arguidos, designadamente por B. A)4. Conferindo total credibilidade e suficiência à “imputação” do arguido João Carlos, o Tribunal a quo violou o Princípio in dubio pro reo, corolário lógico do princípio da presunção da inocência do arguido L, não decorrendo dos autos a prova suficiente dos elementos típicos do crime em que se consubstancia a factualidade acima referida em A). B) Impugna-se, igualmente, a seguinte factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo: - “ O uso de tal bainha na lâmina, transforma tal faca num verdadeiro punhal, o que aumenta a sua perigosidade por facilitar a sua posse e dissimulação, fazendo com que tenha como fim exclusivo a sua utilização como instrumento que apenas serve para atingir o corpo de terceiros.” - “Sabia o arguido L que a lei não permite a detenção e uso de armas, como é o caso de chicotes e de facas como essa, sem justificação.” B)1. Para além do auto de apreensão do objecto — faca de cozinha — nenhuma prova foi efectuada nos autos passível de permitir a conclusão de que o arguido L detivesse o instrumento em causa sem justificação ou que o mesmo pudesse servir como um verdadeiro punhal, ou que se encontrasse dissimulado sob a forma de outro objecto, para servir como instrumento para atingir o corpo de terceiros. B)2. A própria acusação do Ministério Público não conteve a imputação de tal “prática”, de detenção de arma proibida sem justificação da sua posse, e a ausência de qualquer prova produzida em sede de julgamento que afastasse a legitimidade e justificação de posse de uma faca desde logo caracterizada como de cozinha, não pode ser ‘colmatada” com a simples referência ao facto de se encontrar protegida por uma bainha de plástico, bainha essa reforçada com fita isoladora. B)3. Nenhuma circunstância ilícita, alheia ou diferente da utilização normal e corrente da faca em causa, por parte do arguido L, foi provada (ou até alvo de qualquer diligência probatória) nos autos. B)4. Inexistiu, pois, a prova e/ou referência a quaisquer factos passíveis de consubstanciar a consideração da supra referida factualidade descrita em B) como provada e que, por isso, deverá merecer a consideração de não provada. C) Da errónea apreciação da prova nos termos sobreditos em A) e B), veio a decorrer uma incorrecta fundamentação de facto da decisão recorrida, que deve assim ser alterada no sentido de que de acordo com a prova efectivamente produzida e acima melhor explicitada, não pode concluir-se pela verificação e prova da factualidade referida em A) e B). D) De tal errónea apreciação da prova e relevância da matéria de facto considerada apurada, veio a decorrer a condenação do arguido pela prática de 2 crimes de detenção de arma proibida, um como co-autor material e outro como autor material, com violação, pelo Tribunal a quo, das disposições conjugadas dos artigos 2°, n.º 1, alínea m), 3º, n.º 2, alínea f), 86°, n.º 1, alínea d) e 2°, n.° 1, alínea p), 3º, n.º 4, alínea a), e 86, nº 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e Munições, na redacção da Lei n. 17/2009, de 6/5. E) Alterada a matéria de facto nos termos e com os fundamentos acima explicitados, deve, em consequência, absolver-se o arguido L da prática dos 2 crimes de detenção de arma proibida que lhe foram imputados e por que foi condenado. F) O Tribunal a quo violou o disposto no artigo 50º do Código Penal, não sopesando, de acordo com os critérios nele estabelecidos, a relevância dos elementos constantes dos autos e que fundamentam a determinação da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado o arguido L. F)1. Com todo o respeito, discorda-se das considerações que relativamente a tal matéria constam do ponto 3.8 (Suspensão da execução da pena de prisão) do douto acórdão recorrido: Afirmando-se aí que, quanto ao recorrente “nada de relevante foi apresentado que permita fundamentar tal juízo” de conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o Tribunal a quo também não refere o que o contraria de forma relevante e suficiente para abalar esse juízo de prognose favorável. F)2. Na verdade, encontra-se demonstrado que o arguido é um jovem adulto, com 24 anos de idade e sem quaisquer antecedentes criminais. F)3. Foi igualmente demonstrada a sua “intervenção” nos factos, isto é, o facto de ter ficado no interior do veículo, de não ter empunhado qualquer arma, ameaçado ou agredido quem quer que fosse, não ter, ele próprio, agido com qualquer violência ou coação sobre terceiros. F)4. Ficou ainda demonstrado que o arguido é toxicodependente e que tal quadro de dependência (“a ressacar”), não o justificando, de alguma forma contextualiza a situação do roubo de que foi acusado em co-autoria material. F)5. Em tribunal, o arguido manifestou expressamente o desejo e vontade em submeter-se a tratamento para cura da sua dependência de substâncias estupefacientes, intervenção para cuja necessidade aponta também o Relatório Social de fls. F)6. Os factos acima explicitados permitem fundamentar um juízo de prognose favorável relativamente à capacidade do arguido em, doravante não cometer qualquer outro acto ilícito, ele que nunca os tinha praticado e que se encontra em prisão preventiva há cerca de 7 meses já. F)7. A ressocialização do agente é um dos princípios norteadores do sistema penal português e, no caso concreto, não se descurando as necessidades de prevenção e as finalidades da punição, só poderá ser prosseguida com a suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado o recorrente, promovendo-se assim a sua reintegração na sociedade. F)8. Suspensão essa que tem total fundamento nos elementos constantes dos presentes autos com relevância para tal determinação, e que, no caso do recorrente deverá ser acompanhada da imposição de obrigação de tratamento médico e cura da sua dependência de substância estupefacientes em instituição adequada, para o que já manifestou o seu consentimento prévio (art. 50ºe 52º, n 3 do Código Penal) G) Requer-se, por todo exposto, a substituição da douta decisão recorrida por outra que determine a absolvição do arguido da prática dos 2 crimes de detenção de arma proibida e determine, também, a suspensão da execução da pena de prisão em que seja condenado, com a sujeição à obrigação de tratamento da sua toxicodependência.” O MP respondeu aos recursos, pronunciando-se pela total improcedência, e concluindo por seu turno: “Contrariamente às pretensões do recorrente J, a decisão recorrida: - Apreciou adequadamente a sua «personalidade», apercebendo-se «da globalidade das condutas e da sua motivação», não tendo que valorizar «a sua concreta situação de “ressaca”», considerando que se trataria «…de diminuição da sua imputabilidade»; não se constata qualquer «nulidade nos termos do disposto na alínea c) do n°1 do Artº 379 do CPP» por «omissão de pronúncia»; que existiu omissão de pronúncia a constituir «nulidade nos termos do disposto na alínea a) do n°1 do art. 379 do CPP, por violação dos arts 77 e 78 nº 2 do código Penal e Artº 374 n°2 do CPP». - De resto não existiu a alegada «deficiente avaliação da personalidade», a produzir “exagerada” pena única, em cúmulo jurídico, de 5 anos e 10 meses de prisão; que «deveria o arguido ser condenado numa pena única de 3 anos e 10 meses de prisão», «atendendo ao percurso de vida do arguido, à sua personalidade, às condições da sua vida e à situação concreta de ressaca em que se encontrava nos momentos que antecederam a prática dos factos e no próprio momento da sua prática…». - «E que, considerando que a culpa do A. se encontrava fortemente diminuída pela sua situação de ressaca, é aquela a pena adequada à sua culpa»; deveria ser aplicada, apenas, «pena única de 3 anos e 10 meses de prisão.» - Não sendo caso de a «pena ser suspensa na sua execução», considerando «a personalidade do arguido, as condições da sua vida, (desde o período escolar até à prática dos factos), a sua conduta anterior e posterior ao crime e, em especial, as circunstâncias em que este decorreu,» não seria «de concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizavam de forma adequada e suficiente a finalidades da punição». Também, diferentemente do recorrente L, verificamos que: As declarações dos arguidos C e B, não «foram de mol-de a abalar a credibilidade das prestadas pelo arguido J no que diz respeito à “propriedade e entrega” de arma de fogo pelo arguido L»; posto que «a descrição dos factos e da sua sequência temporal» não adveio qualquer «dúvida relativamente à propriedade da arma e, sobretudo, à sua entrega ao arguido J pelo arguido L». Conferindo credibilidade à “imputação” do arguido J, o Tribunal a quo não violou o princípio in dubio pro reo, corolário lógico do princípio da presunção da inocência do arguido L, pois que decorreu dos autos a prova suficiente dos elementos típicos do(s) crime(s). Bem procedeu o Tribunal a quo ao considerar provado: «O uso de tal bainha na lâmina, transforma tal faca num verdadeiro punhal, o que aumenta a sua perigosidade por facilitar a sua posse e dissimulação, fazendo com que tenha como fim exclusivo a sua utilização como instrumento que apenas serve para atingir o corpo de terceiros.» «Sabia o arguido L que a lei não permite a detenção e uso de armas, como é o caso de chicotes e de facas como essa, sem justificação.» Não existiu uma «errónea apreciação da prova» donde veio «a decorrer a condenação do arguido pela prática de 2 crimes de detenção de arma proibida, um como co-autor material e outro como autor material, com violação, pelo Tribunal a quo, das disposições conjugadas dos artigos 2°, n.° 1, alínea m), 3º, n.° 2, alínea f), 86°, n.° 1, alínea d) e 2°, n.° 1, alínea p), 3º, n.° 4, alínea a), e 86, nº 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e Munições, na redacção da Lei n. 17/2009, de 6/5.»; não se devendo, assim, alterar «a matéria de facto (…) absolver-se o arguido L da prática dos 2 crimes de detenção de arma proibida que lhe foram imputados e por que foi condenado.» O Tribunal a quo não violou o disposto no artigo 50º do Código Penal, posto que sopesou, de acordo com os critérios nele estabelecidos, a relevância dos elementos constantes dos autos, o que não permitiu a suspensão da execução da pena de prisão. Na verdade, como consta da decisão recorrida, nada de relevante foi apresentado que permita fundamentar o juízo de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Não foi caso de suspensão «acompanhada da imposição de obrigação de tratamento médico e cura da sua dependência de substância estupefacientes em instituição adequada, (…) (art. 50ºe 52º, n 3 do Código Penal)». Tudo como se explicitou no texto do acórdão recorrido, v. g. nas partes que constam transcritas . Os arguidos/recorrentes não têm razão ao imputar ao acórdão recorrido: «errónea avaliação da prova», «deficiente avaliação da personalidade» do J, «omissão de pronúncia», violação do princípio in dubio pro reo, exagero na determinação das penas, violação das (respectivas) normas legais… O que, afinal, vislumbramos é uma diversa visão/versão ou diferente interpretação da apreciação/fundamentação do Tribunal a quo, o que, é sabido, não pode colocar em crise a decisão judicial, como resulta, v. g. dos ensinamentos da jurisprudência. Efectivamente, a prova que o tribunal considerou e nos termos em que a apreciou bem permitiu fundamentar a sua convicção. Os recorrentes, nas suas subjectivas opiniões, produzem, contudo, diferentes interpretações. Notamos, como mais relevante, que o tribunal bem apreciou a prova testemunhal e por declarações, sendo dada justificada relevância às declarações do arguido J, principal “protagonista”, o qual, aliás, esclareceu a concreta actuação no roubo à farmácia, conjugadas, desde logo, com as declarações dos arguidos C e B. É sabido que: «(…) Uma coisa é a forma como o tribunal aprecia e interpreta a prova em audiência, outra coisa é a insuficiência para a decisão de facto (…) Com efeito, uma coisa é a discordância da decisão facto do julgador e outra aquela que teria sido a do próprio recorrente. (…) No caso sub judice o(s) recorrente(s) faz(em) (…) uma diferente apreciação da prova produzida em audiência, impugnando dessa forma a convicção assim adquirida e pondo em causa a regra da livre apreciação da prova (…) «A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe. É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das dec.ções e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc. As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum. Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cf. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).» No caso, no douto acórdão ora recorrido, como se constata, não existiu qualquer deficiência, erros ou incorrecções, dúvida, v. g., na análise dos factos e da produção da prova, na audiência, v. g., na prova por declarações e testemunhal aquela que o Tribunal, fundamentadamente, considerou credível, diferentemente da interpretação da prova dos recorrentes; sendo evidente que a opção do Tribunal está conforme às regras legais, v. g. com as regras da experiência comum, tendo a prova produzida, com a imediação e a oralidade, sido coerentemente valorada, lógica e racionalmente explicitada. Foram indicados os fundamentos que foram decisivos para a convicção dos julgadores, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos que dos meios de prova relevaram ou que obtiveram credibilidade no espírito dos julgadores. Ou seja, de resto, não existiu qualquer «omissão de pronúncia», a violação do nº2 do artigo 374º do CPP, posto que o Tribunal, v. g. procedeu a uma exposição, na medida do possível, completa, concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentaram a(s) decisão(decisões), com a indicação e o exame crítico das provas. Quanto à medida concreta(s) da(s) pena(s), considerados foram os critérios norteadores a que aludem, v. g. os arts. 70º, 71º, nºs 1 e 2 e 40º, nºs 1 e 2 do Código Penal. Quanto à pena única cominada, ao J, foram considerados, também, os critérios que a doutrina e a jurisprudência nos propõem, «…na busca de uma maior certeza na pena…», no caso, atenta a apreciação dos factos, a indiciada delinquência que traduzem, a personalidade do J; pelo que foi apropriada/justa a pena única de 5 anos e 10 meses de prisão, resultante da adição de (apenas) cerca de um terço do remanescente (4 meses) à pena concreta mais elevada de 5 anos e 6 meses (esta pelo crime de roubo agravado). De resto e quanto à não suspensão da execução das penas; à não verificação dos pressupostos do art.50º, nº1 do Código Penal, como se realça no acórdão, é sabido que, relativamente ao pressuposto de ordem material, na base da decisão da suspensão da pena deverá estar uma prognose social favorável ao réu, como lhe chama JESCHECK [“Tratado de Derecho Penal”, vol I, pág. 1 153]. Ou seja, a esperança de que o(s) réu(s) sentirá(rão) a sua condenação como uma advertência e que não cometerá(rão),no futuro, qualquer crime. Na verdade, tendo presente o disposto no nº1 do art.50º do Código Penal, não foi possível concluir, no caso, que uma simples censura do facto e a ameaça da prisão realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, principalmente atendendo às personalidades, às condições de vida, às condutas anteriores e às circunstâncias dos crimes ora praticados, v. g. ao protagonismo do L e do J, aquele ao disponibilizar e este ao utilizar a arma (a pistola) para o/no crime de roubo e os antecedentes criminais do João Carlos (v. g. por crime de roubo). O Tribunal não podia (não pode), ter aquela esperança de que estes arguidos não repetiriam crimes ou crimes semelhantes aos que cometidos, até porque não interiorizaram a necessidade de se conduzirem de acordo com as regras, sendo que a execução das penas de prisão efectiva, ora, aplicadas, orientar-se-ão, certamente, atento, desde logo, o disposto no nº1 do art.42º do Código Penal, no sentido da preparação «para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes», preparação essa que, neste momento, é notório estes argui-dos ainda não têm.” Neste Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da rejeição do recurso do arguido J, por extemporaneidade, uma vez que não procedeu adequadamente à impugnação da matéria de facto, não podendo beneficiar do prazo ampliado de trinta dias. 2. Colhidos os Vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir. No acórdão condenatório foram considerados os seguintes factos provados, na parte que interessa aos recorrentes: “No dia 29 de Julho de 2010, os arguidos J, B, C e L, decidiram deslocar-se até à farmácia denominada “Farmácia …”, sita na Rua…l, em Vila Nova da Barquinha, o que fizeram com o intuito de se apoderarem do dinheiro que existisse na aludida farmácia e também na posse das pessoas que aí viessem a encontrar, por meio de violência ou de ameaça de violência. Os arguidos tomaram tal decisão porque, sendo todos toxicodependentes e estando a ressacar, necessitavam de dinheiro que lhes permitisse a aquisição do produto estupefaciente que consumiam. Depois de tomada tal resolução, e ainda antes de se deslocarem para junto da aludida farmácia, o arguido L entregou ao arguido J uma arma de fogo, de tipo pistola, metálica e municiada com uma bala de calibre de 6,35 mm., para a utilizar na farmácia. Os arguidos deslocaram-se então até às imediações da aludida farmácia fazendo do veículo ligeiros de passageiros, de marca “Citroen” de matrícula --EE, veículo pertencente ao arguido J. Uma vez junto da farmácia, os arguidos acordaram entre si que quem se deslocaria ao interior da farmácia seriam os arguidos J e B Pelo menos os arguidos J e L sabiam que o primeiro levaria consigo a referida arma de fogo, a qual utilizaria para intimidar as pessoas que aí estivessem e a quem iriam exigir a entrega de dinheiro e valores que aí encontrassem. Acordaram também entre todos que o arguido L e a arguida C aguardariam no interior do referido veículo pela chegada dos outros dois arguidos. Assim, cerca das 19,45 horas, em execução do plano que delinearam, os arguidos J e B dirigiram-se então para o interior da farmácia, sendo que o arguido J levava a referida pistola, pistola essa não examinada. Logo que entraram na farmácia o arguido J dirigiu-se até junto do empregado que se encontrava ao balcão, o A, e apontou--lhe a pistola dizendo-lhe “O dinheiro da caixa, rápido”, expressão que repetiu duas ou três vezes, isto enquanto o arguido B estava a alguns passos de ambos. Nesse momento, o A foi-se aproximando lentamente do acesso ao interior da farmácia, isto porque ficou com medo de que o arguido fizesse uso da arma contra si e também para accionar o sinal de alarme. Logo de seguida, os arguidos J e B arremessaram a caixa registadora ao chão e abriram a gaveta da mesma. Acto contínuo, ambos os arguidos agarraram e levaram consigo as notas e moedas que se encontravam no interior de tal gaveta, tudo no total de 400 Euros (quatrocentos euros). Uma vez na posse de tal quantia os arguidos dirigiram-se para o exterior da farmácia e puseram-se em fuga correndo pela Rua 25 de Abril em direcção à Rua Gualdim Pais, local onde estava estacionado o veículo acima identificado. Logo que os arguidos J e B entraram no veículo, o arguido J pôs o mesmo em movimento e imprimiu-lhe uma grande velocidade o que fez entrar em despiste no cruzamento da Rua D. Carlos com a Rua Dr. Miguel Bombarda, já no interior da cidade do Entroncamento. Logo de seguida os arguidos abandonaram o veículo e fugiram a pé. Todos os arguidos atrás indicados agiram de comum acordo e em comunhão de esforços, o que fizeram com o intuito de se apoderarem de quantias e valores que sabiam não serem suas e sabendo que o faziam contra a vontade do respectivo dono, o que conseguiram.Os arguidos, como meio para a plena concretização do seu intento apropriativo, usaram da ameaça do uso de uma pistola, o que fizeram por forma a obstar a qualquer resistência da parte do ofendido A o qual não a esboçou sequer, uma vez que ficou tolhido pelo medo que dele apoderou. Os arguidos J e L não dispunham de qualquer licença de porte de armas e também sabiam que a lei pune a detenção e a utilização de armas de fogo como instrumentos na prática de outros crimes. Não obstante, os arguidos J e L quiseram deter, transportar e utilizar a referida arma de fogo, nas descritas circunstâncias. Todos os arguidos agiram de modo livre e voluntário, fizeram-no de modo concertado e sabiam que a lei não lhes permitia tais condutas. Uma vez na posse da quantia atrás indicada os arguidos gastaram-na na aquisição de pro-duto estupefaciente que consumiram. O arguido J, sabendo que tinha deixado o veículo atrás indicado imobilizado no interior da cidade do Entroncamento, decidiu apresentar denúncia na qual relatou que tal veículo lhe tinha sido furtado. No dia 31 de Julho de 2010, cerca das 22,24 horas, o arguido J dirigiu--se à Esquadra da PSP de Torres Novas, aí tendo apresentado denúncia contra desconhecidos e na qual indicou que o mencionado veículo lhe tinha sido furtado entre o dia 27/07/2010 e o dia 30/07/2010. O arguido J apresentou tal denúncia, sabendo que relatava factos que sabia serem falsos, o que fez com o propósito de afastar as suspeitas que sobre si recaíam no que se refere à prática dos factos ocorridos no interior da farmácia atrás identificada. Sabia também o arguido J que ao apresentar tal denúncia a mesma iria desencadear a realização de diligências de investigação por parte da entidade que a recebeu, o que aconteceu. Ao apresentar a referida denúncia o arguido J agiu de modo livre e voluntário e sabia que a lei lhe proibia tal conduta. No dia 11/11/2010, pelas 7,25 horas, o arguido L detinha na sua posse um chicote, vulgarmente conhecido por “picha de boi”. Para além de tal chicote, o arguido L detinha ainda na sua posse uma faca de cozinha, com 19 cm. de lâmina, sendo que essa faca estava protegida por uma bainha de plástico enrolada em fita isoladora. O uso de tal bainha na lâmina, transforma tal faca num verdadeiro punhal, o que aumenta a sua perigosidade por facilitar a sua posse e dissimulação, fazendo com que tenha como fim exclusivo a sua utilização como instrumento que apenas serviria para atingir o corpo de terceiros. Tais objectos foram encontrados no quarto do arguido L, quarto situado no sótão da casa sita na Rua ….., em Torres Novas. Sabia o arguido L que a lei não permite a detenção e uso de armas, como é o caso de chicotes e de facas como essa, sem justificação. O arguido L detinha tais objectos de modo livre e voluntário. O arguido J começou a mostrar desinteresse pelos estudos após o 2.º ciclo, conduzindo ao absentismo e à retenção, não tendo concluído o 8.º ano de escolaridade. Iniciou-se no mundo laboral, desempenhando tarefas indiferenciadas na construção civil. Cerca dos 16 anos de idade começou a consumir haxixe, passando depois para a heroína e a cocaína. Começou também a consumir bebidas alcoólicas. Abandonou o lar materno. Em 2007 iniciou um tratamento numa comunidade terapêutica, mas não o concluiu. Vive com os pais e as expensas destes. O arguido J foi condenado em penas de multa e de prisão, pela prática de crimes de ofensa à integridade física, receptação e roubo, nos termos certificados a fls. 603 a 606. * O arguido L abandonou a casa materna aos 16 anos de idade. Viveu algum tempo com o pai e há cerca de seis anos voltou a residir com a mãe e o companheiro desta. Completou o 4.º ano do ensino básico, mas logo depois começou a evidenciar forte desinteresse pelas matérias curriculares, com elevado absentismo e acompanhando pares problemáticos e sem interesse escolar. A mãe não demonstrou interesse e vontade em impor a sua autoridade e regras parentais. Abandonou a escola após várias retenções e passou a gerir o seu quotidiano como entendia, sem qualquer ocupação ou actividade estruturada. Depois teve algumas experiências laborais numa oficina de automóveis, na construção civil e na montagem de tectos falsos. Iniciou o consumo de haxixe aos 14/15 anos e depois o consumo de heroína. Vivia com a namorada numa casa arrendada, beneficiando ambos do Rendimento Social de Reinserção. A mãe visita-o semanalmente no estabelecimento prisional, mas não o pretende receber em casa.” 3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº2 do CPP, as questões a apreciar são as seguintes: Recurso do arguido J., - Nulidade do art. 379 nº 1, alíneas a) e c) do CPP, por omissão de pronúncia, uma vez que o tribunal não valorou adequadamente a personalidade do arguido, violando os arts 77 e 78 nº 2 do código Penal e Artº 374 nº 2 do CPP. - Medida da pena aplicada ao arguido, que se pretende reduzida para 3 anos e 10 meses de prisão e suspensa na sua execução. Recurso do arguido L, - Impugnação da matéria de facto - Consequente absolvição do arguido da prática dos dois crimes de detenção de arma proibida - Suspensão da execução da pena Recurso do arguido J Questão prévia: O acórdão em apreciação foi lido em 17 de Maio de 2011, na presença do arguido e do seu defensor, e depositado nessa mesma data. Conforme já suscitado pelo Senhor Procurador-Geral adjunto no seu parecer, “o prazo para interposição do recurso terminou em 06 de Junho de 2011 (podendo o acto ser praticado, ainda, até 09 de Junho - artigo 145°, nº 5, do Código de Processo Civil) - artigo 411°, n." 1, alínea b), do Código de Processo Penal. (…) A motivação do recurso do arguido J deu entrada em juízo em 17 de Junho de 2011 (por fax, a fls. 1272 e sgs.). (…) O recorrente J não impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, nem formula de modo processualmente válido nenhuma pretensão de ver reapreciada a prova gravada (artigo 412°, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal), limitando o objecto do recurso à pretensa existência de uma nulidade e à medida da pena de prisão aplicada, que reputa de excessiva, e à não suspensão da respectiva execução. Logo, o prazo para interposição do recurso é, no caso, de 20 dias. E porque o foi depois de decorrido o dito prazo, o recurso é intempestivo e, como tal, deve ser rejeitado, porque não admissível - Código de Processo Penal, artigos 420°, n.º 1, alínea b), e 414°, n.º 2. ” E tem toda a razão, o Senhor Procurador-Geral adjunto. Na verdade, nem da leitura das conclusões nem mesmo da motivação resulta que se pretenda sequer impugnar a decisão em matéria de facto. Limita-se o recorrente a afirmar (na motivação, porque nada é referido nas conclusões) que não há prova do facto “em execução do plano que delinearam”, acrescentando não fazer qualquer referência às concretas provas porque os suportes estiveram “indisponíveis e inacessíveis ao arguido (…) conforme resulta do despacho de 14 de Junho de 2011”. E no que respeita a um eventual recurso da matéria de facto é apenas isto que se lê em toda a motivação e nada se referindo nas conclusões. Relativamente ao “despacho de 14 de Junho de 2011”, não se percebe que relação tem este com a omissão/deficiência praticada (e confessada) pelo próprio recorrente. Trata-se de um despacho de prorrogação do prazo do recurso de co-arguido - este sim, recurso da matéria de facto - na sequência de requerimento (do também recorrente L) nesse sentido. Tal prorrogação deveu-se a uma indisponibilidade das gravações durante dois dias, findos os quais ficaram totalmente disponíveis e acessíveis a todos os sujeitos processuais que nelas tivessem tido interesse. O que foi o caso do recorrente. O recorrente nada disse, nada pretendeu, nada requereu. Importa saber, então, qual o prazo de interposição do seu recurso, a fim de se determinar, em definitivo, se o foi em tempo. Até à reforma de 2007 (lei 59/2007), o prazo de interposição do recurso em processo penal era de quinze dias. O recurso da matéria de facto pressupunha então, obrigatoriamente, a transcrição das gravações da prova (oral) produzida em audiência de julgamento. Tais transcrições, porque dispendiosas e nalguns casos morosas, só tinham lugar quando se revelassem efectivamente necessárias, ou seja, após requerimento/manifestação de vontade do recorrente no sentido de sindicar a decisão em matéria de facto. Dividiu-se, então, a jurisprudência quanto à questão da definição/quantificação do prazo de recurso nestes casos. Tal controvérsia conduziu à prolação do acórdão do STJ nº 9/2005 de 11/10, que fixou jurisprudência no sentido de "quando o recorrente impugne a decisão em matéria de facto e as provas tenham sido gravadas, o recurso deve ser interposto no prazo de quinze dias, fixado no art. 411°, n01 do CPP, não sendo subsidiariamente aplicável em processo penal o disposto no art. 698º, nº 6 do CPC”. Em 2007, a nova redacção do art. 411 ° do CPP, epigrafado de "interposição e notificação do recurso", e formalmente reescrito por força de uma mais cuidada sistematização, comportou as seguintes alterações: - Alargamento do prazo-regra de interposição de recurso, de quinze para vinte dias (n° 1); - Elevação deste prazo para trinta dias, quando o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova gravada (nº4) - Realização da audiência apenas a requerimento do recorrente, que especificará os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos; - A notificação imediata (logo, oficiosa) do requerimento de interposição e da motivação aos restantes sujeitos processuais afectados pelo recurso. Como se vê, resolveu-se expressamente a questão do prazo, e em sentido parcialmente oposto ao da jurisprudência então fixada. O prazo de interposição do recurso, o prazo-regra, é actualmente de vinte dias. Os três dias seguintes de susceptibilidade da prática dos actos processuais em gera1 (art. 145° nº 5 CPC) e o justo impedimento (art. 146° - que na prática pode dilatar qualquer prazo sem limite de tempo), nada alteram quanto ao prazo de recurso. Trata-se de norma que disciplina a prática dos actos processuais e não de norma que estabeleça prazos processuais, mas que prevê a possibilidade da prática do acto para lá dos vinte dias, nas condições que disciplina. O mesmo se diga quanto à nova alínea do art. 411° do CPP, que amplia o prazo de recurso no caso de ataque à decisão em matéria de facto. Globalmente, o regime será hoje o seguinte, no que respeita a contagem de prazos para decidir do prazo do recurso em processo penal e do trânsito em julgado da decisão penal: Caso não haja recurso, a sentença transita ao 20° dia a contar do depósito, produzindo efeitos a partir do 21º dia. Caso seja interposto recurso, tal recurso estará em tempo se der entrada: - até ao 20° dia (prazo regra), - acrescido dos três dias (verificadas as condições do art. 145° nº5 do CPC), - acrescido de x dias (na situação prevista no art. 146° do CPC), - no prazo ampliado de trinta dias (20+10 - caso seja a decisão sindicada em matéria de facto). De tudo resulta que há que aguardar por 23 (20+3) dias ou por 33 (30+3 dias) (sempre, no caso de decisões susceptíveis de recurso em matéria de facto) para formalização da certificação do trânsito ao 20° dia e cumprimento da decisão, caso não seja efectivamente exercido o direito ao recurso. Ora, no caso sub judice, não estamos em presença de um recurso da matéria de facto, no sentido de recurso que tem “por objecto a reapreciação da prova gravada”, na expressão legal do nº4 do art. 411º do CPP. Apenas este beneficiaria do prazo elevado, de trinta dias, como resulta da letra da lei e da própria história do preceito. Consignou-se já que nem a motivação nem as conclusões do recurso demonstram que o recorrente recorra da matéria de facto, nos termos e para os efeitos previstos no art. 412º, nº3. Não revelam que pretenda discutir a prova nem a formação da convicção sobre as provas. O recurso encontra-se circunscrito, pelo próprio recorrente, à matéria de direito. O prazo do seu recurso terminou em 06 de Junho de 2011, tendo podido o acto ser ainda praticado num dos três dias seguintes, com multa. Ao ter dado entrada em 17 de Junho de 2011, impõe-se considerá-lo fora de prazo, o que se decide. Recurso do arguido L - Da impugnação da matéria de facto: Pretende o arguido impugnar a matéria de facto, em conformidade com o que a lei lhe possibilita (art. 428º do CPP). Para tanto, procedeu de acordo com o disposto no art. 412º, nº3 do CPP e com obediência às formalidades nele exigidas. Discutindo o acerto da factualidade dada como provada na decisão recorrida, o recorrente deu cumprimento às exigências enunciadas, especificando as provas que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, relativamente aos dois “pontos de facto” seguintes: factos relativos à detenção da arma de fogo pelo arguido e factos relativos às características da faca apreendida ao arguido e sua possível utilização como arma. Vejamos cada um deles, em concreto e em conjunto com as provas, no enunciado recursivo. “A) Impugna-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que concerne à consideração como provados os seguintes factos: - “Depois de tomada tal resolução, e ainda antes de se deslocarem para junto da aludida farmácia, o arguido L entregou ao arguido J uma arma de fogo, de tipo pistola, metálica e municiada com uma bala de calibre de 6,35mm, para utilizar na farmácia”. - “Pelo menos os arguidos J e L sabiam que o primeiro levaria consigo a referida arma de fogo, a qual utilizaria para intimidar as pessoas que aí estivessem e a quem iriam exigir a entrega de dinheiro e valores que aí encontrassem; - “Não obstante, os arguidos J e L quiseram deter, transportar e utilizar a referida arma de fogo, nas descritas circunstâncias.” A)1. Relativamente à supra referida factualidade, a sua resposta negativa no que concerne “à intervenção” do arguido L advém da conjugação de todas as declarações dos restantes arguidos prestadas em julgamento e que foram referidas pelo Tribunal a quo para fundamentar tal conclusão, designadamente as prestadas pelos arguidos C e B, que sobre a mesma falaram de forma clara e credível, nos termos dos excertos de tais declarações acima transcritos e constantes da gravação do julgamento, cujo registo, preciso e separado de cada uma de tais declarações, é também identificado. A)2. As declarações destes arguidos foram de molde a abalar a credibilidade das prestadas pelo arguido J no que diz respeito à “propriedade e entrega” de arma de fogo pelo arguido L, uma vez que a descrição dos factos e da sua sequência temporal por eles levada a cabo, suscitam uma enorme dúvida relativamente à propriedade da arma e, sobretudo, à sua entrega ao arguido J pelo arguido L. A)3. A análise crítica da prova efectuada quanto a tal matéria, à luz das regras da lógica e da experiência comum, deveriam ter levado o Tribunal a quo a constatar uma dúvida séria e objectivamente fundamentada relativamente à detenção da arma pelo arguido L, não ignorando a razoabilidade da possibilidade de a referida arma pertencer a quem a utilizou, o que decorre da conjugação das versões apresentadas pelos restantes arguidos, designadamente por B. A). Conferindo total credibilidade e suficiência à “imputação” do arguido J, o Tribunal a quo violou o Princípio in dubio pro reo, corolário lógico do princípio da presunção da inocência do arguido L, não decorrendo dos autos a prova suficiente dos elementos típicos do crime em que se consubstancia a factualidade acima referida em A). B) Impugna-se, igualmente, a seguinte factualidade dada como provada pelo Tribunal a quo: - “ O uso de tal bainha na lâmina, transforma tal faca num verdadeiro punhal, o que aumenta a sua perigosidade por facilitar a sua posse e dissimulação, fazendo com que tenha como fim exclusivo a sua utilização como instrumento que apenas serve para atingir o corpo de terceiros.” - “Sabia o arguido L que a lei não permite a detenção e uso de armas, como é o caso de chicotes e de facas como essa, sem justificação.” B)1. Para além do auto de apreensão do objecto — faca de cozinha — nenhuma prova foi efectuada nos autos passível de permitir a conclusão de que o arguido L detivesse o instrumento em causa sem justificação ou que o mesmo pudesse servir como um verdadeiro punhal, ou que se encontrasse dissimulado sob a forma de outro objecto, para servir como instrumento para atingir o corpo de terceiros. B)2. A própria acusação do Ministério Público não conteve a imputação de tal “prática”, de detenção de arma proibida sem justificação da sua posse, e a ausência de qualquer prova produzida em sede de julgamento que afastasse a legitimidade e justificação de posse de uma faca desde logo caracterizada como de cozinha, não pode ser ‘colmatada” com a simples referência ao facto de se encontrar protegida por uma bainha de plástico, bainha essa reforçada com fita isoladora. B)3. Nenhuma circunstância ilícita, alheia ou diferente da utilização normal e corrente da faca em causa, por parte do arguido L, foi provada (ou até alvo de qualquer diligência probatória) nos autos. B)4. Inexistiu, pois, a prova e/ou referência a quaisquer factos passíveis de consubstanciar a consideração da supra referida factualidade descrita em B) como provada e que, por isso, deverá merecer a consideração de não provada. Reveja-se agora o exame crítico da prova efectuado pelo tribunal, como justificante da decisão de facto, nesta parte. “A convicção do Tribunal baseou-se na apreciação crítica e global dos seguintes meios de prova: a) Nas declarações dos arguidos C (admitiu que acompanhou os restantes arguidos até às imediações da farmácia, referindo que o grupo estava carenciado do consumo de estupefacientes e que debateram ideias para conseguirem adquirir estupefacientes; viu os arguidos J e B regressar da farmácia com a gaveta da caixa registadora e dinheiro que repartiram entre todos na aquisição de estupefacientes que consumiram; também viu e teve na mão a pistola metálica, não tendo dúvida que era uma arma de fogo verdadeira e que o arguido J entregou no final ao arguido L; referiu não se recordar do que se passou até ao momento em que o roubo já tinha sido consumado, designadamente que tivesse aderido a qualquer plano ou propósito de roubar a farmácia), J (admitiu os factos essenciais da acusação, designadamente que o arguido L lhe entregou uma pistola de calibre 6,35 mm., com uma bala, já sabendo que iria ser utilizada no roubo e que o produto da subtracção iria ser, como foi, repartido pelos quatro arguidos na aquisição e consumo de estupefacientes; saiu do carro e, acompanhado pelo arguido Bokonda, foi à farmácia, tendo logrado subtrair o dinheiro que estava na gaveta da caixa registadora – referindo ser cerca de € 300 a € 400 –, tendo apontado a pistola ao funcionário; entretanto os arguidos L e C ficaram a aguardar no carro que estava nas imediações; confirmou que, na sequência do despiste, foi fazer a queixa na P.S.P. para tentar encobrir o seu envolvimento no roubo), B (admitiu detalhadamente os factos que protagonizou na ida à farmácia e na consumação do roubo, dizendo que o arguido J é que levava a arma de fogo e que depois repartiram o produto do roubo na aquisição de estupefacientes pelos 4 arguidos; relatou o seu modo de vida e manifestou-se perfeitamente consciente do mal que fez e das suas consequências, manifestando-se arrependido) e L (remeteu-se ao silêncio durante a audiência, mas no final aludiu à sua toxicodependência e admitiu que não tinha licença de porte de arma, embora negando tal detenção), cujas palavras foram, em grande parte, julgadas relevantes, porque conformes à restante prova produzida e às regras da experiência comum; Essencialmente, os factos provados supra indicados resultaram do relato convincente e coerente das indicadas pessoas que presenciaram os factos e da apreciação livre, global e crítica dos indicados meios de prova. Cumpre desenvolver e justificar a decisão de facto, quanto a algumas questões centrais. O Tribunal convenceu-se da verificação do crime de roubo na farmácia de Vila Nova da Barquinha, desde logo porque a indicada prova testemunhal a confirmou de forma espontânea e detalhada, particularmente o respectivo funcionário. A convicção de que os arguidos foram os seus autores resultou da conjugação de vários elementos, de que se destaca a circunstância de haver correspondência entre a descrição dos autores do roubo e dos arguidos J e B, de se terem acidentado no veículo utilizado no roubo apenas alguns minutos depois deste quando iam em fuga já no Entroncamento, de terem abandonado o veículo em fuga (alguns descalços como foi relatado…) após o acidente e, por último, da admissão por parte de três dos arguidos em como estiveram envolvidos no roubo. Os arguidos J e B admitiram expressa e detalhadamente o seu envolvimento, reforçando apenas a restante prova produzida ao longo da audiência. (…) Quanto ao arguido L que se preservou ao embaraço de apresentar qualquer justificação desencontrada da restante prova produzida e cujo papel é reforçado pelas declarações dos co-arguidos em como foi quem providenciou a arma de fogo utilizada no roubo. (…) Quanto à circunstância de ter sido utilizada uma arma de fogo e suas principais características, o Tribunal valorou as declarações dos arguidos J, B e C, bem como da indicada testemunha Arlindo. Pese embora tal objecto não tenha sido apreendido e examinado, considerou-se que a lei não impõe a perícia da arma como prova tabelada. A presença e principais características da arma podem ser demonstradas por qualquer meio de prova, designadamente quando sejam observáveis e as pessoas ouvidas demonstrem suficiente e seguro conhecimento directo desses factos, nomeadamente quando tiveram tal arma nas mãos e até souberam identificar o calibre das munições. Todas as indicadas pessoas assinalaram peremptória e pormenorizadamente a presença e a utilização de uma arma. Uns apenas viram a arma, mas outros estiveram com ela na mão e foram categóricos na sua descrição, referindo inequivocamente que se tratava de uma verdadeira arma de fogo e que estava municiada com uma bala de calibre 6,35 mm.. Os indicados arguidos relataram de forma concordante a posse da arma, sua utilização pelo arguido J e depois a sua devolução ao arguido L. A lacónica negação do arguido L não abalou a restante prova que inequivocamente demonstrava a detenção da arma, sendo que até fez uso do direito ao silêncio (com uma brevíssima excepção de uma declaração a negar a posse da arma), não sendo sequer possível confrontá-lo com os restantes relatos, contraditar ou aprofundar a sua versão. Refira-se ainda que não se deu como provado que os arguidos B e C tivessem detido ou utilizado a arma de fogo, por falta de prova bastante e segura deste facto, visto que os seus relatos assentam na descrição dos factos que sucederam depois do regresso do assalto. Nomeadamente por verem e até pegarem na arma por curiosidade e testemunharem a sua devolução ao arguido L. A circunstância destes arguidos terem pegado na arma depois do roubo não foi julgada relevante, pois terá sido algo de momentâneo e por curiosidade e não terá tido qualquer correspondência material em termos de quererem efectivamente deter a arma, que prontamente entregaram ao “dono” L. (…)No que diz respeito aos objectos encontrados, o Tribunal valorou os autos de apreensão”. Começando pela arma de fogo, o arguido fundamenta a sua discordância na insuficiência da prova por se basear exclusivamente nas declarações de um dos co-arguidos. Aceita-se que a prova produzida em audiência revela a correcção do alegado quanto ao sentido das declarações do co-arguido J. Mas já não é assim relativamente à ausência de qualquer outra prova no mesmo sentido. O recorrente introduz alguma entorse ao resultado da prova por declarações da também co-arguida C, desvalorizando o facto desta ter dito que o recorrente recebeu a arma das mãos do J, logo após o assalto. Facto que esta arguida revelou conhecer, por o ter presenciado. E que, no conjunto global da prova, permite ser lido como “devolução” da arma ao “dono”. Aliás, é o que resulta ipsis verbis da motivação da sentença. E a motivação da sentença traduz a leitura fiel de toda a prova que o recorrente ora transcreve. Podemos concluir pois, de acordo com a prova produzida em audiência e ora (re)examinada na parte pedida pelo recorrente, e também exactamente conforme exame crítico de prova efectuado na sentença, o seguinte: - o recorrente negou a prática da propriedade e detenção da arma, fazendo-o por simples negativa; remeteu-se, em tudo o mais da acusação, ao silêncio; - o arguido J prestou declarações de forma a confirmar os factos provados, ou seja, referiu ter sido o recorrente a entregar-lhe a pistola 6,35mm que utilizou no assalto. - a arguida C confirmou ter observado, já dentro do carro, a passagem final da arma de fogo das mãos do J para as do recorrente, o que, repete-se, no conjunto global da prova, permite ser lido como “devolução” da arma ao “dono”. Tudo isto resulta da prova produzida em audiência, não é no essencial posto em causa pelo recorrente, e encontra-se no acórdão no exame crítico da prova. Relembra-se que o tribunal ad quem procede à reapreciação da prova com a amplitude consentida pelo nº 6 do art. 412º do CPP, reapreciando as provas à luz do mesmo princípio da livre apreciação, assim sindicando a convicção do juiz de julgamento em 1ª instância. Mas fá-lo com a limitação decorrente da ausência de imediação, só podendo alterar a decisão sobre a matéria de facto se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida (alínea b) do n.º 3 do artigo 412º). E embora o recurso em matéria de facto tenha de ser “um efectivo recurso em matéria de facto e não possa ser subvertido numa qualquer forma de duplicação de recurso exclusivo de matéria de direito” (Damião da Cunha, "A Estrutura dos Recursos na Proposta de Revisão do CPP", RPCC, ano 8, Fasc. 2º, pág. 258), o reexame da matéria de facto pelas relações não corresponde a um segundo julgamento, como se não tivesse havido o da 1ª instância. Visa a correcção de erros de julgamento que, em reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão quanto à matéria de facto sindicada a pedido do recorrente, não se detectam, não impondo as provas decisão diversa da recorrida. Só que, no caso, para assim concluirmos, houve que pensar a problemática da prova por declaração de co-arguido, não autonomizada no acórdão (embora correctamente tratada em termos de resultado, como adiantámos), nem explicitamente nomeada no recurso (embora o seja implicitamente). Referimo-nos ao princípio da corroboração, ou a uma preocupação acrescida de corroboração, avançada na construção então pioneira de Medina de Seiça, que alguma jurisprudência, em maior ou menor medida, tem vindo a acolher. Nas conclusões da sua dissertação, este professor chama a atenção para o facto de as declarações de co-arguido constituírem material probatório que requer uma verificação suplementar traduzida numa exigência de corroboração. “Com a corroboração significa-se a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem directamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta. A regra da corroboração traduz de modo particular uma exigência acrescida de fundamentação, devendo a sua falta merecer a censura de uma fundamentação insuficiente” (Medina de Seiça, O Conhecimento Probatório do Co-arguido, 1999, p. 228) Trata-se, como se sabe, não de uma regra legal de prova – normativamente, rege aqui o princípio da prova livre - mas de algo deixado ao “cuidado deontológico do aplicador” e que pode contribuir para uma “mais correcta realização da sua livre convicção” (loc. cit., p. 189-190). A jurisprudência do STJ tem revelado diferentes acolhimentos do princípio. Como exemplo vejam-se, “a prova por declarações de co-arguido, não sendo uma prova proibida, tem um diminuto valor e, por isso, carece de corroboração por outras provas e acarreta para o tribunal um acrescido dever de fundamentação” (STJ 12.06.2008, Rel. Santos Carvalho, www.dgsi.pt) e “a consideração de que as declarações do arguido se revestem à partida de uma capitis diminutio só pelo facto de ser arguido ofende o princípio da igualdade dos cidadãos. (…) O depoimento incriminatório de co-arguido está sujeito às mesmas regras de outro e qualquer meio de prova, ou seja, aos princípios da investigação, da livre apreciação e do in dúbio pró reo. Assegurado o funcionamento destes e o exercício do contraditório, nos termos preconizados pelo art. 32º da cCRP, nenhum argumento subsiste contra a validade de tal meio de prova” (STJ 03.09.2008, Rel Santos Cabral, www.dgsi.pt). Na ausência de regra tarifada sobre prova por declaração de co-arguido, a credibilidade deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação, mas, com um especial cuidado, que poderá passar por uma procura de corroboração. A prudência deve integrar a racionalidade do discurso da motivação da matéria de facto. Por corroboração entendemos algum apoio ou suporte em conteúdos probatórios fora das declarações do co-arguido que, juntamente com elas, permitam concluir pela sua correspondência à verdade. Não se trata de uma exigência de prova da prova por co-arguição mas apenas de algo mais que convença da correcção dessa versão dos factos. A tendencial procura de corroboração não terá de passar necessariamente por prova externa, no sentido de prova exterior a toda a co-arguição. Ou seja, aquilo que pode minar a força probatória da declaração do co-arguido reside numa suspeição. Essa suspeição baseia-se no interesse pessoal que o declarante pode ter no resultado da sua própria declaração: o arguido em incrimina o outro, para se defender (“não fui eu, foi ele”) ou para dividir a sua responsabilidade (“não fui apenas eu, fomos os dois”). Pode ainda ter um interesse geral de pseudo contribuição para a descoberta da verdade, com eventual peso atenuativo na escolha e medida da sua pena. Por tudo, revela-se prudente desconfiar, não de toda a co-arguição, como regra – esta regra não existe – mas da declaração de co-arguido que se encontre numa das referidas situações. Já relativamente a declaração de arguido fora de situação suspeita, a fragilização do potencial probatório deste contributo carece de justificação. No caso presente, a declaração do arguido relativamente à qual é possível associar um eventual interesse pessoal – na tese do recorrente, o J pretenderia partilhar a responsabilidade na posse da arma de fogo – é corroborada pela declaração de outra arguida, que, especificamente no que à arma se refere, é um terceiro não interessado. Sobre ela não é racionalmente justificado formular qualquer suspeição. Acresce que, conforme documentado em acta (fls. 774), os arguidos foram interrogados em separado (art. 343º, nº4 do CPP), tendo o tribunal começado por ouvir a arguida C, assim evitando, avisadamente, possível coordenação de defesas e eventual composição artificial de versões. O contributo probatório das declarações da arguida satisfaz, nesta parte, o quantum de corroboração pedido pelas regras da prudência, na racionalidade da justificação deste facto. Podemos, pois, assentar em que existe total conformidade entre o que foi dito e aquilo que o tribunal ouviu e refere ter ouvido; que nenhuma das provas em causa é proibida ou foi produzida fora das normas procedimentais que regem os meios de prova em apreciação; que o tribunal justificou adequadamente a opção que faz relativamente à escolha e graduação dos conteúdos probatórios; que, perante provas de sinal contrário (no caso, declarações de co-arguidos) e, abstractamente, de igual peso probatório, atribuiu-lhes conteúdo positivo ou negativo de uma forma racionalmente justificada, apelando às regras da lógica e da experiência comum. Inexiste, aqui, erro de julgamento. Vejamos, por último, o caso da faca. Fundamenta o recorrente a sua discordância ainda quanto aos factos seguintes, - “ O uso de tal bainha na lâmina, transforma tal faca num verdadeiro punhal, o que aumenta a sua perigosidade por facilitar a sua posse e dissimulação, fazendo com que tenha como fim exclusivo a sua utilização como instrumento que apenas serve para atingir o corpo de terceiros.” - “Sabia o arguido L que a lei não permite a detenção e uso de armas, como é o caso de chicotes e de facas como essa, sem justificação.” Com base na seguinte (ausência de) prova: “ Para além do auto de apreensão do objecto — faca de cozinha — nenhuma prova foi efectuada nos autos passível de permitir a conclusão de que o arguido L detivesse o instrumento em causa sem justificação ou que o mesmo pudesse servir como um verdadeiro punhal, ou que se encontrasse dissimulado sob a forma de outro objecto, para servir como instrumento para atingir o corpo de terceiros. A própria acusação do Ministério Público não conteve a imputação de tal “prática”, de detenção de arma proibida sem justificação da sua posse, e a ausência de qualquer prova produzida em sede de julgamento que afastasse a legitimidade e justificação de posse de uma faca desde logo caracterizada como de cozinha, não pode ser ‘colmatada” com a simples referência ao facto de se encontrar protegida por uma bainha de plástico, bainha essa reforçada com fita isoladora. Nenhuma circunstância ilícita, alheia ou diferente da utilização normal e corrente da faca em causa, por parte do arguido L, foi provada (ou até alvo de qualquer diligência probatória) nos autos. Inexistiu, pois, a prova e/ou referência a quaisquer factos passíveis de consubstanciar a consideração da supra referida factualidade descrita em B) como provada e que, por isso, deverá merecer a consideração de não provada” O tribunal justificou a convicção, nesta parte, dizendo “no que diz respeito aos objectos encontrados, o Tribunal valorou os autos de apreensão”. Já no enquadramento jurídico dos factos, completa-se “como resulta do exame do objecto e da fotografia de fls. 386, além do chicote, de um gorro “passa montanhas” e de duas luvas cirúrgicas, o arguido L detinha no seu quarto uma faca de cozinha, com 19 cm. de lâmina, que estava protegida por uma bainha de plástico enrolada em fita isoladora. O uso de tal bainha na lâmina, transforma tal faca num verdadeiro punhal, o que aumenta a sua perigosidade por facilitar a sua posse e dissimulação, fazendo com que tenha como fim exclusivo a sua utilização como instrumento que apenas serviria para atingir o corpo de terceiros.(…).Este objecto não foi encontrado num faqueiro de uma cozinha (em que se poderia razoavelmente admitir que era mais um utensílio de uso doméstico), mas antes aparece associado a uma bainha de plástico enrolada em fita isoladora, o que constituí um sinal indicativo de que é algo que pode ser transportado e dissimulado como arma de agressão. Não colhe por isso a invocação de que será um mero instrumento de cozinha, sendo que a sua utilização nessa função tornaria licita a sua posse. Absolutamente nada corrobora tal uso. Nenhuma premissa permite razoavelmente presumir que era apenas uma vulgar faca de cozinha, usada nessas funções. Pelo contrário, as apontadas circunstâncias indiciam a facilidade com que poderia ser usada como arma de agressão.” A faca em causa encontra-se fotografada a fls. 386 e examinada a fls 393 e 394. É aí pericialmente descrita como uma faca típica de cozinha, de um só gume, com 19cm de lâmina e 31 cm no total; como arma branca originariamente afecta ao uso doméstico, mas em que a adaptação de bainha para lâmina a torna susceptível de ser utilizada como verdadeiro punhal, agravando o risco de letalidade ao seu detentor ao facilitar a posse e o uso clandestino com o fim exclusivo de ser utilizada como arma. Na ausência de qualquer outro contributo probatório de sinal contrário – e não nos referimos ao silêncio do arguido, do qual nada se pode retirar contra ele, e sim à ausência de qualquer outra prova de sinal contrário – bem andou o tribunal, na leitura que fez do exame. O exame é uma prova real e, como se sabe, teoricamente menos falível do que a prova oral/pessoal. Este meio de obtenção de prova (art. 172º, nº1 do CPP) traduzido na observação de vestígios ou fixação de factos (que são os meios de prova) mereceu a correcta apreciação, pelo tribunal, de acordo com as regras da livre apreciação da prova, a que se tem vindo a fazer referência. Improcede, por tudo, e totalmente, o recurso da matéria de facto. - Da prática dos dois crimes de detenção de arma proibida: Argumenta, neste ponto, o recorrente que, “Da errónea apreciação da prova veio a decorrer uma incorrecta fundamentação de facto da decisão recorrida, que deve assim ser alterada no sentido de que de acordo com a prova efectivamente produzida e acima melhor explicitada, não pode concluir-se pela verificação e prova da factualidade referida em A) e B). De tal errónea apreciação da prova e relevância da matéria de facto considerada apurada, veio a decorrer a condenação do arguido pela prática de 2 crimes de detenção de arma proibida, um como co-autor material e outro como autor material, com violação, pelo Tribunal a quo, das disposições conjugadas dos artigos 2°, n.º 1, alínea m), 3º, n.º 2, alínea f), 86°, n.º 1, alínea d) e 2°, n.° 1, alínea p), 3º, n.º 4, alínea a), e 86, nº 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e Munições, na redacção da Lei n. 17/2009, de 6/5. Alterada a matéria de facto deve, em consequência, absolver-se o arguido Luís Carlos Cabeceira Ferreira da prática dos 2 crimes de detenção de arma proibida que lhe foram imputados e por que foi condenado. Como se vê, o recorrente não discute o enquadramento jurídico dos factos devido a erro de direito mas como mera decorrência da procedência do recurso da matéria de facto. Da improcedência deste resultaria então, sem mais, a confirmação do enquadramento jurídico dos factos efectuado no acórdão. Mas não será assim. É certo que o comportamento do recorrente preenche o tipo de crime de detenção de arma proibida dos arts 2.º, n.º 1, alínea m); 3.º, n.º 2, alínea f) e 86.º, n.º 1, alínea d), do Regime Jurídico das Armas e Munições, no caso da faca, e do crime de detenção de arma proibida, dos arts 2.º, n.º 1, alínea p); 3.º, n.º 4, alínea a) e 86.º, n.º 1, alínea c), no caso da arma de fogo. Esta matéria não é sequer discutida em recurso. Mas, deve o agente ser punido pela prática dos dois crimes, considerando-se para tanto que a sua conduta preenche um concurso efectivo de crimes? As (duas) condutas estão previstas no mesmo tipo de crime – do art. 86º, de detenção de arma proibida - mas em diferentes alíneas - na c), a arma de fogo e na d), a faca) - e são puníveis com diferentes penas abstractas. À matéria do concurso de crimes chamou Eduardo Correia “um dos mais torturantes problemas de toda a ciência do direito criminal”. Em anotação ao art. 86º da Lei das Armas, Artur Vargues defende que “a detenção de várias armas, na mesma ocasião, que se enquadrem na mesma alínea, integrará um único crime. Em diferentes ocasiões, integrarão tantos crimes quanto aquelas. Se na mesma ocasião alguém for detentor de uma arma elencada na al. a), de duas constantes da enunciação da al. c) e três outras da al. d) praticará, em concurso real, um crime do art. 86º, nº1-a), um crime do art. 86º, nº1-c) e um crime do art. 86º, nº1-d)” (Org. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário das Leis Penais Extravagantes, vol. I, p. 244). Com todo o respeito, discordamos desta solução. Ela conduziria a que o detentor de cinco pistolas fosse punido por um crime e o detentor de uma pistola e de uma faca, o fosse por dois. Figueiredo Dias propõe como solução do problema da unidade ou pluralidade de infracção, o “critério da unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global”. Refere que “o crime por cuja unidade ou pluralidade se pergunta é o facto punível e, por conseguinte, uma violação de bens jurídico-penais - que integra um tipo legal - efectivamente aplicável ao caso. A essência de uma tal violação não reside, pois, nem (por um lado) na mera “acção”, nem (por outro) na norma ou no tipo legal que integra aquela acção: reside no substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico-penal, reside (…) no ilícito-típico: é a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica, existente no comportamento global do agente submetido à cognição do tribunal, que decide em definitivo da unidade ou pluralidade de factos puníveis e, nesta acepção, de crimes.” E acrescenta que “será a análise do significado do comportamento global que lhe empresta um sentido material (social) da ilicitude, devendo reconhecer-se, de um ponto de vista teleológico e de valoração normativa “a partir da consequência”, a existência de dois grupos de casos: - o caso normal, em que os crimes em concurso são na verdade recondutíveis a uma pluralidade de sentidos sociais autónomos dos ilícitos típicos cometidos e, deste ponto de vista, a uma pluralidade de factos puníveis – hipóteses de concurso efectivo (do art. 30º,nº1), próprio ou puro; - e o caso em que, apesar do concurso de tipos legais efectivamente preenchidos pelo comportamento global, se deva ainda afirmar que aquele comportamento é dominado por um único sentido autónomo de ilicitude, que a ele corresponde uma predominante e fundamental unidade de sentido dos concretos ilícitos típicos praticados – hipóteses de concurso aparente, impróprio ou impuro. Com a consequência de que só para o primeiro grupo de hipóteses deverá ter lugar uma punição nos termos do art.77º, enquanto que para o segundo deverá intervir uma punição encontrada na moldura penal cabida ao tipo legal que incorpora o sentido dominante do ilícito e na qual se considerará o ilícito excedente em termos de medida concreta da pena. (…) Se apenas um tipo legal foi preenchido, será de presumir que nos deparamos com uma unidade de facto punível; a qual no entanto, também ela, pode ser elidida se se mostrar que um e o mesmo tipo especial de crime foi preenchido várias vezes pelo comportamento do agente. Isto significa que o procedimento não pode em qualquer caso reduzir-se ao trabalho sobre normas, mas tem sempre de ser completado com um trabalho de apreensão do conteúdo de ilicitude material do facto”. (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, I, fls. 988-991). Perante uma pluralidade de realizações típicas, a unidade de desígnio criminoso, a identidade de bem jurídico, a unidade temporal e/ou espacial, entre outros e consoante o caso, funcionarão como sub-critérios para definição do sentido fundamentalmente unitário do ilícito. Nas circunstâncias constantes dos factos provados, a detenção, pelo mesmo agente e na mesma ocasião, de duas armas, se bem que de categorias diferentes, não permite descortinar dois sentidos materiais ou sociais de ilicitude, autónomos entre si, pelo que o recorrente deverá ser punido apenas por um crime, o da alínea c) do art. 86.º, n.º 1 do R.G.A.M. (o ilícito mais grave). - Da pena e da suspensão da execução da prisão: O arguido não recorre da medida da pena. Pretende, apenas, a suspensão da execução da pena única de prisão. No acórdão considerou-se: “(…) quanto ao arguido L há que destacar a importantíssima contribuição para o sucesso da actividade criminosa, pois foi quem disponibilizou a arma de fogo e a recolheu para parte incerta. Perante a gravidade da sua conduta e a ausência de qualquer sinal de arrependimento, entende-se ajustada a pena de quatro anos e seis meses de prisão pelo crime de roubo. Relativamente ao crime de detenção de arma proibida (no que diz respeito à faca) a pena será de três meses de prisão (novamente se afastando a pena de multa, em vista da sua indiferença e da personalidade associada ao consumo de estupefacientes e das exigências de prevenção especial). Quanto ao crime de detenção de arma proibida (no que diz respeito à arma de fogo), o arguido vai condenado na pena de nove meses de prisão.(…) No caso dos autos, entende-se quanto ao arguido L nada de relevante foi apresentado que permita fundamentar tal juízo, pois foi autor de um crime de assinalável gravidade (roubo de uma farmácia) e de outro crime que se poderá considerar menor (detenção de uma arma) mas nada apresentou que permita afirmar que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Nada resultou nesse sentido, além da sua jovem idade ou da ausência de antecedentes criminais, o que não basta perante tão graves circunstâncias, como é o adesão ao uso da violência por meio de arma, da sua toxicodependência ou da sua personalidade. Poderá agora o Tribunal dizer que o arguido está arrependido, já se desfez da arma de fogo e vai começar uma nova vida? Absolutamente nada resultou na audiência nesse sentido, nem sequer uma explicação do próprio arguido ou algo que transmitisse qualquer conforto ou segurança, mesmo que ilusória. Por tal razão, de modo algum se suspenderá a execução da pena de prisão imposta ao arguido Luís Carlos”. A eliminação de um dos crimes – e da respectiva pena de três meses de prisão - obriga, à reformulação do cúmulo jurídico, após prévia reapreciação da pena parcelar correspondente ao crime de detenção de arma da al. c), que passa agora a integrar, também, a factualidade referente à detenção da faca. Processualmente nada impede que o tribunal ad quem suba a medida da pena parcelar correspondente a este crime – de detenção ilegal de arma - desde que o faça sem exceder o máximo de pena globalmente proferido na 1ª instância (reformatio in pejus). Considera-se, no entanto, inexistirem razões, quer a nível de prevenção geral quer de prevenção especial que imponham a requantificação – para mais – da pena de nove meses de prisão fixada no acórdão. Julga-se, designadamente, que esta pena cumpre já “as exigências de protecção das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada” e assegura a protecção do bem jurídico. A moldura abstracta do cúmulo jurídico é, agora, de quatro anos e seis meses a cinco anos e três meses de prisão (art. 77º, nº2 do CP). Na determinação da pena concreta são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (art. 77º, nº1 do CP). A existência deste critério especial obriga, na conhecida lição de Figueiredo Dias, a conexionar os arts 77º, nº1 e 71º, nº2 do CP, tudo se devendo passar “como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade revelará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente. (exigências de prevenção especial de socialização” (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 291). Sendo o recorrente primário e estando apenas em causa a prática de dois crimes, será de considerar que o ilícito global revela uma bi-ocasionalidade que não permite concluir que radique na personalidade. A pena única deverá por isso aproximar-se do limite mínimo da pena abstracta, fixando-se em quatro anos e oito meses de prisão. A actividade judicial de determinação da pena é uma actividade juridicamente vinculada e do art. 50º, nº1 do CP resulta que o tribunal tem de fundamentar a decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos (Ac. TC n.º61/2006 , D.R., II série, de 28-02-2006, e Acs STJ 07-11-2007, TRP 25-03-2009, TRC 16-07-2008, TRE 10-07-2007, todos em www.dgsi.pt, entre muitos outros). E só o poderá fazer na ausência de factos fundantes de um juízo de prognose favorável à ressocialização em liberdade. Dos factos apurados não é possível concluir que a simples ameaça da pena e a censura do facto sejam suficientes para afastar o arguido da criminalidade. Para além dos factos relativos à tipicidade, como factos pessoais relevantes na determinação da pena, mas também importantes para o juízo de prognose de eventual socialização em liberdade, provou-se que “o arguido L abandonou a casa materna aos 16 anos de idade. Viveu algum tempo com o pai e há cerca de seis anos voltou a residir com a mãe e o companheiro desta. Completou o 4.º ano do ensino básico, mas logo depois começou a evidenciar forte desinteresse pelas matérias curriculares, com elevado absentismo e acompanhando pares problemáticos e sem interesse escolar. A mãe não demonstrou interesse e vontade em impor a sua autoridade e regras parentais. Abandonou a escola após várias retenções e passou a gerir o seu quotidiano como entendia, sem qualquer ocupação ou actividade estruturada. Depois teve algumas experiências laborais numa oficina de automóveis, na construção civil e na montagem de tectos falsos. Iniciou o consumo de haxixe aos 14/15 anos e depois o consumo de heroína. Vivia com a namorada numa casa arrendada, beneficiando ambos do Rendimento Social de Reinserção. A mãe visita-o semanalmente no estabelecimento prisional, mas não o pretende receber em casa.” O arguido é primário. Tinha 23 anos à data dos factos, tendo agora 24 anos de idade. Impõe-se também apreciar da relevância dos hábitos de consumo de drogas, uma vez que ficou provado que era toxicodependente. O S.T.J. tem-se dividido quanto ao valor a atribuir à influência da toxicodependência na avaliação do comportamento do agente, reconhecendo-lhe nalgumas decisões um efeito agravante, considerando-a como “formas de vida que têm na sua origem uma opção voluntária e consciente” (Ac.STJ de 07.05.08). Noutras decisões, atribui-lhe influência atenuante: “as regras da experiência permitem inferir que a toxicodependência pode ter contribuído, de algum modo, para criar no arguido uma predisposição para a prática de crimes (…) todavia não diminui a culpa do arguido de tal modo que a pena tenha de ser fixada no mínimo legal, para que não seja ultrapassado o limite da culpa” (Ac. STJ de 12.07.2007) (V. análise mais completa da jurisprudência do STJ em Lourenço Martins, Medida da Pena, p. 276-286, de onde retirámos os dois acórdãos). Mas há ainda que avaliar a toxicodependência do arguido no quadro da sua potencial recuperação e evolução pessoal. E para além da primariedade e relativa juventude - mas já não jovem adulto para os efeitos previstos no D.L. 401/82 – nada mais resultou provado, e não é o bastante, para convencer da suficiência de uma ressocialização em liberdade. Não é possível concluir que a pena de prisão suspensa na execução garantirá as finalidades da punição, assumindo neste momento do processo aplicativo a prevenção especial um papel dominante mas não exclusivo. E são grandes as exigências de prevenção geral, já destacadas no acórdão e não colocadas em crise no recurso. Justifica-se, por tudo, o juízo de afastamento do instituto da suspensão da pena efectuado na decisão recorrida. 4. Face ao exposto, acordam os juízes da 2ª Secção do Tribunal da Relação de Évora em: - Rejeitar o recurso do arguido J, por extemporâneo (arts. 420º, nº1, al. b), 414º, nº2 e 411º, nº1, al. b) do CPP). - Julgar parcialmente procedente o recurso do arguido L, absolvendo-o do crime do art. 86º, nº1 al. d) do R.J.A.M. e reduzindo-lhe a pena única para quatro anos e oito meses de prisão, confirmando no mais a decisão recorrida. Fixo em 4UC as custas devidas apenas pelo recorrente J. Évora, 8.11.2011 Ana Barata Brito António João Latas