Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
CARLOS JORGE BERGUETE
Descritores
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO VIOLÊNCIA DOMÉSTICA REQUISITOS INDEMNIZAÇÃO
No do documento
Data do Acordão
09/22/2015
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
Decisão
Sumário
I - A impugnação da decisão em matéria de facto visa corrigir erros de julgamento assentes em prova inválida e/ou insuficiente e não, propriamente, obter a prevalência de convicção diversa do tribunal ad quem, acompanhando total ou parcialmente a convicção de quem recorre. II - Não é requisito do preenchimento do crime de violência doméstica, p,. e p. pelo art. 152.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, que, à data dos factos, a relação análoga à dos cônjuges ainda persistisse ou que houvesse coabitação. III - Da conjugação dos arts. 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16.09, e 82.º-A do Código de Processo Penal, decorre actualmente, não existindo pedido civil, a obrigatoriedade de fixação de indemnização em caso de condenação por crime de violência doméstica, desde que a vítima a tal se não oponha. IV - Se assim é, porém, à fixação dessa indemnização, deve corresponder, previamente, por respeito às garantias de defesa, a possibilidade do condenado se pronunciar quanto à mesma. V - Se, não obstante não existir menção, na acta da audiência de julgamento, a notificação ao arguido para se pronunciar nesse âmbito, mas o assunto, como decorre da mesma acta, foi trazido à audiência, tendo sido a vítima questionada sobre essa eventualidade de fixação de indemnização, ao arguido proporcionou-se que, nessa sede, se pronunciasse, o que se afigura suficiente para garantir que, para tanto, tivesse ficado alertado, sem se poder dizer que, para si, a fixação viesse a constituir surpresa com que não contasse. VI - Não se mostra, por isso, violado o contraditório - não é necessário que exista alguma manifestação anteriormente à realização do julgamento, o arbitramento é oficioso e apenas efectuado em caso de condenação - se o assunto é trazido à discussão em audiência, perante a dinâmica que aí é propiciada, não olvidando que o arguido esteve presente e sempre defendido por Advogado.
Decisão integral
*Acordam, em conferência, na Secção Criminal
do Tribunal da Relação de Évora

*
1. RELATÓRIO 

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com o número em epígrafe, da 1.ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca de F, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido EA, imputando-lhe factos susceptíveis de integrarem a prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea b), 2 e 4, do Código Penal (CP), e de dois crimes de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea d), 2 e 4, do CP. 
Não foram deduzidos pedidos de indemnização civil. 
O arguido não apresentou contestação, nem arrolou testemunhas. 
Realizado o julgamento e proferido acórdão, decidiu-se condenar o arguido:
a)	pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea b), 2 e 4, do CP (contra LC), na pena de 3 (três) anos de prisão; 
b)	pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea d), 2 e 4, do CP (contra a menor CR), na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão; 
c)	pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea d), 2 e 4, do CP (contra o menor CG), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
d)	em cúmulo jurídico das concretas penas aplicadas e nos termos do disposto no art. 77.º, n.º 1, do CP, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução, nos termos do disposto no art. 50.º, n.ºs 1 e 5, do CP, por igual período de tempo, subordinada a regime de prova, assente num plano de reinserção social, elaborado e executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, devendo o mesmo conter a seguinte regra de conduta a impor ao condenado: não frequentar a residência da LC - arts. 52.º, n.º 2, alínea b), aplicável por via do art. 54.º, n.º 3, e 53.º, n.º 3, todos do CP; 
e)	na pena acessória de obrigação de frequentar um programa específico de prevenção de violência doméstica, pelo período de 18 (dezoito) meses, nos termos do disposto no art. 152.º, n.º 4, do CP; 
f)	a pagar a LC a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros). 
g)	a pagar a CR a quantia de € 1.000,00 (mil euros). 
h)	a pagar a CG a quantia de € 1.000,00 (mil euros). 

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões:1ªO Acórdão ora recorrido, proferido pelo Tribunal a quo, no dia 23 de Março de 2015, pelo qual o arguido é condenado pela prática de três crimes de violência doméstica numa pena de 7 anos e 10 meses de prisão e, em cúmulo, numa pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, é de uma manifesta injustiça porquanto o mesmo foi condenado face a uma presunção de culpa que carece de qualquer suporte probatório.2ªEncontram-se incorretamente dados como provados os factos que constam descritos sob os números 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 do acórdão recorrido.3ªOs pontos 5, 7, 9, 12, 13 e 14, por um lado e 20, por outro, que foram considerados provados, consubstanciam a conduta integradora do tipo criminal p. e p. pelo art. 152º do Código Penal pelo qual o arguido foi condenado, quer quanto à sua ex-companheira, quer quanto aos filhos desta. 4ªTodavia, a factualidade considerada assente no Acórdão recorrido, não tem qualquer suporte probatório, nem se verificam os elementos objetivos ou subjetivos do crime.5ªA prova em que o Tribunal a quo refere ter-se baseado - declarações do arguido, e depoimentos prestados por LC, CR e JC - não permitiam dar como assente a factualidade que foi considerada como tal, a qual assume total relevância na decisão sub judice.
Designadamente,6ªQuanto à matéria dada como provada nos pontos 5 e 6, não podia a mesma ter sido dada como provada porque não existe qualquer registo fotográfico dos hematomas dados como provados; não existe qualquer relatório médico referente às alegadas lesões e não existem quaisquer testemunhas presenciais da alegada prática das lesões, sustentando-se a prova unicamente nas declarações da ofendida.7ªQuanto à matéria vertida nos pontos 7 e 8, igualmente deveria a mesma constar dos factos não provados porque a ofendida, mais uma vez se limitou a relatar ofensas, sem apresentar uma única prova das mesmas, além das suas declarações; além disso, se as ofensas tivessem acontecido, não eram compatíveis com meros hematomas como o Tribunal a quo considerou terem-se verificado.8ªOs factos descritos sob os nº 9 e 10 foram também erradamente dados como provados, pois a única prova produzida e na qual o Tribunal a quo se ancorou foi no depoimento da testemunha supostamente ofendida, o qual foi manifestamente exagerado e inverosímil, tanto que começou por referir que estava convicta que o arguido a tinha levado àquele sítio para a matar, para depois, quando instada a esclarecer, disse que afinal as marcas que tinham sido deixadas eram uma coisa mínima que nem sangue tinham feito.9ªEstes seis factos foram dados como provados unicamente com fundamento no depoimento da ofendida, porque as testemunhas CR e JC nada viram de concreto.10ªO ponto 12 dos factos provados foi também considerado como tal sem o mínimo suporte probatório, pois o arguido negou ter ameaçado a ex-companheira, sendo que apenas esta confirmou o teor da referida ameaça, que lhe teria sido feita, supostamente, por telefone.11ªRelativamente ao ponto 13 dos factos provados, o mesmo foi dado como provado unicamente com base nas declarações da menor CR, sem terem sido evidenciadas quaisquer marcas nem ter sido apresentada qualquer prova adicional de a agressão ter acontecido.12ªAlém disso, da matéria dada como provada neste ponto 13 não consta o DIA E HORA ONDE OS FACTOS TERIAM SUCEDIDO O QUE MANIFESTAMENTE IMPEDE O EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO.13ªO arguido confessou os factos dados como provados no ponto 14 e explicou o contexto em que os mesmos aconteceram, não se entendendo por que razão o Tribunal a quo deu mais credibilidade à versão dos factos da ofendida do que à do arguido.14ªDeveria, na verdade, ter sido dado como provado que o motivo da desavença fora o facto de a testemunha CR se ter recusado a jantar com o arguido e os seus irmãos.15ªA matéria vertida nos pontos 15 e 16 deveria ter sido dada não provada, porquanto, ninguém assistiu às alegadas agressões, o arguido negou todos os factos, o menor CG não foi chamado a depor quando poderia perfeitamente ter sido e, por tudo isso, não foi feita prova minimamente segura de que os factos tenham acontecido.16ªO ponto 17 dos factos provados foi incorretamente dada como tal uma vez que NÃO SE PROVOU que os menores tivessem ficado com quaisquer marcas, salvo na situação relativa à menor CC, que o arguido admitiu, logo não havia qualquer necessidade de receberem tratamento hospitalar.17ªO ponto 18 dos factos provados devia ter ficado não provado, porque não tendo sido prova suficiente dos factos descritos nos pontos 5 a 11, não se fez igualmente prova de que o arguido tenha provocado medo e inquietação, de forma reiterada, na testemunha LC. 18ªNão é crível que a ex-companheira do arguido refira que vivia com medo dele quando, na verdade, ambos tiveram um filho no ano de 2011 e mantiveram o relacionamento até ao ano de 2014, não se tendo separado devido a qualquer desavença ou agressão.19ªO ponto 19 deveria ter resultado não provado, porque não ficou demonstrado, fosse de que forma fosse, que o arguido molestou moral e psicologicamente as referidas crianças.20ªAssim como o ponto 20º, já que não tendo sido feita prova cabal de o arguido ter agido nas situações acima descritas, à exceção da situação referente à menor CC, que o próprio confessou, muito menos se poderia ter dado como provado que o fez livre, deliberada e conscientemente, pelo que nunca as circunstâncias subjetivas do tipo criminal poderiam ter sido dadas como provadas.21ªNão fora o erro notório na apreciação da prova produzida os factos supra mencionados teriam sido dados como não provados.22ª A conjugação das provas produzidas na audiência de julgamento, mormente nas passagens assinaladas nas alegações, impunham decisão diversa da recorrida.23ªPor outro lado, o Tribunal a quo violou o Princípio da Presunção da Inocência e o Princípio in dubio pro reo, pois declara que fundou a sua convicção quanto aos factos provados nas declarações do arguido e de três testemunhas, sendo que destes depoimentos é impossível sequer de deduzir, quanto mais de afirmar, que o arguido tenha cometido os factos.24ªViolou assim, claramente, o Tribunal recorrido, o PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO, INCORRENDO, TAMBÉM POR ESSA VIA, EM ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA!25ªO arguido foi condenado, em 1ª instância, pela prática que 1 crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. b) e n.º 2 e n.º 4 do CP, contra LC, pela prática que 1 crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. d) e n.º 2 e n.º 4 do CP, contra CR e prática que 1 crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. d) e n.º 2 e n.º 4 do CP, contra CG, todavia, de iure, temos que discordar da decisão que foi proferida.26ªNa verdade, mesmo que se considerasse que existiam elementos probatórios suficientes para considerar como provados os factos que o Tribunal a quo efetivamente considerou como tal - o que não se admite e só por hipótese se equaciona - sempre teria de se considerar que a testemunha alegadamente ofendida não reportou mais do que situações isoladas que não são suficientes para considerar verificada a prática, pelo arguido, de um crime de violência doméstica.27ªTais factos não têm a gravidade bastante para se poder afirmar que, com elas, foi ofendida a dignidade pessoal de LC ou que o seu bem-estar físico e emocional tenha sido intoleravelmente lesado para além do que seria numa situação de ofensa à integridade física.28ªPara que se verifique violência doméstica é preciso que se evidencie da conduta do agressor uma especial violência reveladora de qualidades particularmente desvaliosas (crueldade, malvadez, insensibilidade, vingança, etc.) do agente, o que manifestamente não resulta dos factos dados como provados, mesmo que estes fossem verdadeiros.29ª
Pelo que, em face disso, a decisão teria que ter sido a de absolvição do arguido quanto ao crime de violência doméstica de que vinha acusado contra LC.30ªMesmo que se entendesse que os factos se encontram corretamente dados como provados, o que não se concede, sempre teria de se concluir que os mesmos não consubstanciam um crime de violência doméstica, mas sim, eventualmente 3 crimes de ofensas à integridade física (factos 5, 7 e 9 dados como provados) e um crime de ameaças (ponto 12 dos factos dados como provados).31ªNos termos do disposto nos artigos 143º, n.º 2 e 153º, n.º 2 do CP, os crimes de ofensa à integridade física e de ameaça dependem de queixa, sendo que, em relação ao primeiro (ofensa à integridade física), nunca a ofendida o exerceu no prazo legalmente previsto, tendo-se o mesmo extinguido por caducidade (artigo 115º, n.º 1 do CP).32ªPelo que, não tendo LC exercido o direito atempadamente e tendo-se o mesmo extinguido, verifica-se que ocorre a ilegitimidade superveniente do Ministério Público para prosseguir a ação penal por tais crimes, estando o Tribunal impedido de apreciar o mérito da causa, devendo o procedimento criminal ser declarado extinto.33ªQuanto aos dois menores, não se provou, igualmente que os mesmos vivessem num clima de terror e medo face à presença do arguido, por isso, todas as situações referentes aos menores, mesmo que fossem verdadeiras, o que não se admite, sempre não passariam, igualmente de situações de ofensa à integridade física e não de violência domestica.34ªOra, acontece que, também quanto a essas situações, salvo quanto ao que ficou provado em 14 dos factos provados, as mesmas não consubstanciam mais do que meras situações de ofensa à integridade física, relativamente às quais não foi apresentada qualquer queixa pelo legal representante dos menores, no prazo legal, pelo que o direito de queixa se extinguiu, não podendo o Ministério Público prosseguir a acção penal quanto a esses factos, devendo o procedimento criminal ser declarado extinto.35ªCaso assim não se entenda, sempre se deve ter em consideração o contexto em que tais crianças viviam com o arguido, que era responsável por providenciar pela sua alimentação e educação.36ªPor isso, mesmo que tais factos fossem verdadeiros, sempre teria de se considerar que estaria excluída a ilicitude quanto aos mesmos, porquanto o arguido teria atuado com a finalidade educativa e correcional.37ªNa determinação da medida concreta da pena, o Tribunal deve seguir as linhas orientadoras do artigo 71.º do Código Penal, ou seja, deve atender à culpa do agente, às exigências de prevenção e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. O n.º 2 daquele artigo manda atender, entre outros elementos, às condições pessoais do agente.38ªAinda que o arguido tivesse praticado os crimes pelos quais foi condenado - O QUE NÃO SE CONCEDE - sempre os critérios que o Tribunal a quo utilizou para a aplicação desta pena são incompreensíveis, já que a pena aplicada ao arguido é excessiva e deverá ser reduzida.39ªApesar de mencionar tais circunstâncias, o Tribunal a quo parece não ter tido em consideração o facto de o arguido não ter antecedentes criminais e se encontrar inserido profissionalmente.40ªO arguido deveria, em caso de condenação, ter uma pena próxima do limite mínimo, em virtude de inexistirem elementos suficientes para concluir pela existência de dolo intenso ou sequer direto, para além de que o Tribunal formou a sua convicção praticamente na ausência de prova. 41ª Tanto mais que, se tivesse sido observado o princípio do in dubio pro reo no caso em apreço, o arguido teria que ter sido absolvido, face à incerteza das situações apresentadas para a condenação. Mas o que se verificou, na realidade, foi que o arguido foi condenado e numa pesada pena.42ªOra, existindo tantas dúvidas acerca dos factos que levaram à condenação do arguido, não tendo este sido absolvido, como deveria ter acontecido, impunha-se, pelo menos, a aplicação de uma pena no limite mínimo, sendo a pena aplicada manifestamente desproporcional e desadequada face à factualidade apurada, violando por esta via o Tribunal a quo o disposto no art. 71º do Código Penal.43ª Importava, ademais, ter tido em consideração que os factos referentes a violência física que o Tribunal a quo considerou provados relativamente a LC foram dados como tendo ocorrido apenas no início do relacionamento, ou seja, no ano de 2010, portanto há 5 anos.44ªE quanto aos menores, é o próprio Tribunal a quo que refere que nenhum dos hematomas era objetivamente grave para necessitar de tratamento médico, pelo que não se entende por que razão aplicou uma pena tão elevada relativamente a cada uma das crianças, sem qualquer prova de que os mesmos eram vítimas de violência doméstica.45ªAlém disso, não tendo o Tribunal objetivamente distinguido a gravidade dos factos imputados ao arguido relativamente a cada um dos menores, não se entende por que razão decidiu aplicar ao arguido uma pena de 2 anos e 4 meses de prisão relativamente à menor CC e uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão relativamente ao menor Cl. C. 46ªA condenação do arguido no pagamento de indemnização cível a LC e a cada um dos menores, ao abrigo do disposto no artigo 82º-A do CPP violou o n.º 2 desse artigo, porque não foi cumprido o princípio do contraditório.47ªA condenação constituiu uma AUTÊNTICA SURPRESA para o arguido, pois em momento algum foi informado pelo Tribunal de lhe iria ser aplicada oficiosamente condenação em quantia indemnizatória ao abrigo da supra citada disposição legal, o que só soube aquando da leitura do acórdão.48ªNão se encontrando prevista sanção específica para a violação do disposto no  art. 82º-A, n.º 2 do C.P.P., que ordena o cumprimento do princípio do contraditório, terá de se concluir que se trata de irregularidade nos termos do  nº 2 do art. 118º do C.P.P..49ªEssa irregularidade pode ser arguida a todo o tempo, uma vez que é de conhecimento oficioso, já que se trata de uma omissão que comprime, de forma intolerável, um direito fundamental de um interveniente processual, direito este que decorre diretamente da Constituição.50ªPelo que, tendo o Tribunal a quo decidido fixar indemnização sem respeitar o princípio do contraditório, deverá a decisão ser anulada, por se tratar de um ato inválido, uma vez que foi praticado com violação do princípio do contraditório.51ªAlém disso, esta decisão de condenação em indemnização a favor dos menores CR e CG sempre se mostra ferida de ilegalidade na medida em que nenhum destes menores requereu a fixação dessa indemnização nem manifestou em sede de julgamento concordância ou discordância quanto à aplicação da mesma, sendo certo que a mãe de ambos, testemunha LC, não se pronunciou em sentido favorável à aplicação de tal indemnização aos seus filhos.52ªEm termos substantivos, sempre se dirá que não tendo o arguido praticado os factos que lhe foram imputados, também não deveria o mesmo ter sido condenado no ressarcimento cível de quaisquer danos. 53ªSendo certo que se desconhece em que elementos se baseou o Tribunal para fixar o quantitativo indemnizatório, o qual é, de toda a forma, manifestamente excessivo e sempre deverá ser reduzido, caso venha a manter-se a condenação.54ºA decisão recorrida violou o disposto nos artigos 71º e 152º do C. P., bem como no artigo 82º-A do CPP.
 TERMOS EM QUE
SE REQUER SEJA CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS PETICIONADOS E O ARGUIDO ABSOLVIDO DOS CRIMES POR QUE FOI CONDENADO FAZENDO ASSIM OS SENHORES VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES A COSTUMADA JUSTIÇA!

	O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:
1.	Não se conformando o arguido EA com o douto Acórdão, proferido a 24.03.2015, no qual veio o mesmo a ser condenado, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, mediante regime de prova, veio o mesmo interpor recurso para o Tribunal da Relação de Évora.
2.	Refere o recorrente, muito sucintamente, que o Tribunal “a quo” procedeu a uma incorrecta interpretação e apreciação da prova produzida, dando como provados factos sobre os quais não foi produzida prova, os quais impugnou e que melhor se encontram descritos no recurso, para o qual se remete atenta a sua extensão.
3.	Sustenta para o efeito, que grande parte dos factos foram dados como provados com base nas declarações das ofendidas, não estando minimamente suportados por outros meios de prova, designadamente, relatórios médicos; testemunhas presenciais ou outros elementos que permitissem corroborar tais depoimentos.
4.	Alguns dos factos (indicados nos pontos 13 e 19) não estão minimamente circunstanciados, designadamente dia/hora, pelo que não pode o arguido exercer o princípio do contraditório.
5.	Entende ainda o recorrente que, não estando demonstrados os factos imputados, não pode verificar-se o crime de violência doméstica, pelo que, quanto muito, deveriam os factos configurar os crimes de ofensa à integridade física e de ameaça, sendo que, no que concerne a um dos crimes de ofensa, encontra-se caducado o direito de apresentar queixa, pelo decurso do prazo, já que a ofendida nunca manifestou expressamente essa pretensão.
6.	Considera ainda o arguido a pena aplicada excessiva, uma vez que o mesmo não tem antecedentes criminais e está social e profissionalmente inserido.
7.	Acresce a esta situação, a pouca gravidade das agressões, tendo em conta que nenhuma das ofendidas teve necessidade de receber tratamento médico.
8.	Sustenta por fim, que a condenação do arguido no pagamento de indemnização cível constituiu, para o mesmo, uma verdadeira surpresa, uma vez que esta foi aplicada oficiosamente, não tendo o arguido sido auscultado sobre a mesma, violando-se deste modo, o princípio do contraditório.
9.	Ora apreciando os argumentos expostos pelo recorrente, não podemos deixar de considerar a decisão recorrida insusceptível de qualquer insuficiência ou erro, não merecendo por isso, a nosso ver, qualquer reparo.
10.	Com efeito, na apreciação dos factos imputados ao arguido, teve o Tribunal “a quo” em consideração as declarações prestadas pelo arguido, mas acima de tudo os depoimentos prestados pelas testemunhas.
11.	Como é consabido, crimes desta natureza ocorrem normalmente no interior da habitação, ou seja, sem a presença de testemunhas. Será pois pela conjugação dos depoimentos das ofendidas, com os restantes depoimentos prestados pelas outras testemunhas, e bem assim pela forma com que o prestam, que permitirá o Tribunal aferir da veracidade dos mesmos e da credibilidade que comportam.
12.	Neste sentido, sustentou o Tribunal “a quo” na fundamentação de facto (cfr. fls. 184) que: «os depoimentos das testemunhas LC e Carinha Rocha foram prestados de forma espontânea, calma, devidamente circunstanciada e sem qualquer tentativa de exacerbação ou vitimização (como é vulgar acontecer neste tipo de casos)».
13.	 Analisando os argumentos em que se alicerçou a decisão, não restam dúvidas de que os factos dados como provados e não provados foram cuidadosamente analisados, a prova devidamente criticada e exaustivamente fundamentada.
14.	No caso “sub judice”, o recorrente invoca a existência de erro na apreciação da prova em função de um exame crítico da prova diferente daquele efectuado pelo Tribunal “a quo”. O mesmo faz referência às declarações do arguido, sem apresentar quaisquer outros elementos de prova que, de forma inequívoca, corroborem esta versão.
15.	Da decisão recorrida não decorre qualquer erro notório na apreciação da prova, uma vez que da análise do acórdão não se detecta qualquer desacerto ostensivo contrário a facto do conhecimento geral ou ofensivo das leis da física, da mecânica, da lógica ou de conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos. 
16.	O que se trata aqui é que o recorrente tem convicção diversa da do Tribunal “a quo”, mas tal como é consabido não lhe confere, nesta sede e pelo método utlizado, abalar por qualquer forma, a convicção, a que bem chegou o Tribunal “a quo” e devidamente motivada.
17.	O Tribunal da Relação só pode pois determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão (Cf. Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 15.07.2009, Processo n.º 103/09 - 3.ª Secção, 10.03.2010, Processo n.º 112/08.2GACDV.L1.S1 - 3.ª Secção, e 25.03.2010, Processo n.º 427/08.0TBSTB.E1.S1 - 3.ª Secção, relatados pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal).
18.	No caso vertente, o Tribunal recorrido fundou a factualidade apurada no exame crítico dos diversos elementos probatórios, sem que se vislumbre atenta a materialidade apurada e devidamente fundamentada, acima transcrita, a existência deste vício.
19.	Afigura-se-nos pois que o acórdão examinou exaustivamente todos os elementos essências na determinação da pena aplicada ao arguido. Ora, considerado o quadro global, ponderando a natureza do ilícito perpetrado; o bem jurídico violado e a situação pessoal do arguido, afigura-se-nos adequada a aplicação ao mesmo de uma pena de prisão, suspensa na sua execução, mediante regime de prova.
20.	No que concerne ao direito de ser ouvido quanto à indemnização fixada, consideramos que o arguido esteve presente durante a audiência de julgamento e devidamente representado pela sua defensora, pelo que ouviu a Meritíssima Juiz explicar à ofendida sobre a possibilidade de lhe ser atribuída uma indemnização. Foi dada, a final, a última palavra ao arguido, pelo que consideramos que o arguido teve oportunidade de ser ouvido sobre qualquer questão, tendo, nesta sequência sido respeitado o princípio do contraditório.  
Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado improcedente e a douta decisão recorrida mantida na íntegra.

         Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso. 

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada veio acrescentar. 

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
 
O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as de nulidade do acórdão, a que alude o art. 379.º, n.º 1, do CPP, e os vícios da decisão e nulidades que não se considerem sanadas, previstos no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, designadamente de acordo com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10 (publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995). 
Reconduz-se, então, a apreciar:
A)	- do erro notório na apreciação da prova;
B)	- da impugnação de matéria de facto;
C)	- das consequências a extrair quanto ao enquadramento jurídico dos factos;
D)	- da redução da medida das penas;
E)	- da violação do contraditório na atribuição de reparação às vítimas. 
*

No que ora releva, consta do acórdão recorrido:
Factos provados: 
1.	O arguido EA viveu com LC durante cerca de cinco anos, como se marido e mulher fossem, tendo um filho em comum, ECA, nascido a 7 de Março de 2011.
2.	Com eles viviam ainda dois outros filhos menores da LC, designadamente, CG, nascido a 7 de Junho de 2004 e CR, nascida a 30 de Novembro de 2001.
3.	A relação terminou no dia 12 de Junho de 2014, data em que a referida LC abandonou a residência comum e foi residir para casa dos seus pais com os seus filhos. 
4.	Desde o início do relacionamento, o arguido e LC viveram em vários locais, designadamente, no sítio de MG, no sítio da G, na Estrada (...), todos em F, e desde final de 2012, início de 2013 e até à data da separação, o arguido e LC viviam numa casa arrendada, na Rua (...), lote (...), em F. 
5.	Em data não concretamente apurada, mas no decurso do ano de 2010, cerca de um ano depois do início do relacionamento, quando viviam no Sitio de MG, F, motivado por ciúmes e pela desconfiança de que a referida LC lhe era infiel, o arguido agrediu-a no quarto da residência com murros e pontapés, ao mesmo tempo que a apelidou de “puta” e “desgraçada”.
6.	Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com hematomas no corpo e num olho. 
7.	Em data não concretamente apurada, mas cerca de dois a três meses após a situação ocorrida na residência de MG, quando o arguido e LL residiam na Estrada (...), em F, mais uma vez motivado por ciúmes e pela desconfiança de que LC lhe era infiel, o arguido agrediu-a no quarto da residência com socos, pontapés, puxões de cabelos, com o cano de uma arma de pressão de ar desmontada na zona lombar e com um cabo de electricidade nas pernas. 
8.	Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com hematomas pelo corpo.  
9.	Em data não concretamente apurada, mas umas semanas depois da situação descrita em 7), numa deslocação a (...), mais uma vez motivado por ciúmes e pela desconfiança de que LC lhe era infiel, o arguido disse àquela que a ia matar e desferiu-lhe dois pequenos golpes na barriga com uma faca de cozinha.
10.	Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com marcas na barriga.  
11.	Pese embora as lesões e dores sofridas, LC nunca foi assistida em qualquer Hospital na sequência das mesmas.
12.	No dia 28 de Junho de 2014 - já após a separação - cerca das 21 horas, o arguido telefonou para a LC, com vista a convencê-la a regressar para casa e, face à recusa desta, disse-lhe que tinha uma arma consigo e que a ia matar. 
13.	Em data não concretamente apurada, mas posterior a Março de 2011, por a ter visto acompanhada com colegas que estavam a dizer palavrões, o arguido desferiu duas estaladas na menor CR em frente à escola (...), em F. 
14.	Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de Maio de 2014, no interior da residência sita na Rua (...), lote (...), em F, porque a CC não comeu um ovo à refeição, o arguido bateu duas vezes com o cinto na coxa esquerda da menor CR, causando-lhe dores e hematomas na zona atingida.
15.	Em data não concretamente apurada, mas posterior a Junho de 2010 e anterior a Março de 2011, quando o CG tinha seis anos, porque este inadvertidamente defecou nas cuecas, o arguido bateu-lhe na zona das nádegas, causando-lhe dor e deixando-o com um hematoma na referida zona do corpo. 
16.	Em data não concretamente apurada, mas já posterior a Março de 2011, porque o seu ECA entalou um dedo numa porta e o arguido entendeu que o CG fora responsável, entalou o braço deste último na porta, o que lhe causou, pelo menos, dor. 
17.	Pese embora as dores e as marcas no corpo, nenhum dos menores recebeu tratamento hospitalar em virtude das condutas do arguido. 
18.	Ao proceder da forma supra descrita nos pontos 4 a 11, o arguido agiu com o intuito de molestar a saúde física e psíquica da LC, bem como causar-lhe receio pela sua vida e integridade física, provocando-lhe medo, inquietação e insegurança, o que logrou fazer de forma reiterada e sucessiva, bem sabendo que desta forma violava os especiais deveres que sobre ele impendiam em virtude da relação de coabitação que mantinha com aquela, e que dessa forma a colocava numa situação de particular vulnerabilidade. 
19.	Ao proceder da forma descrita nos pontos 12 a 15, o arguido bem sabia que molestava física, moral e psicologicamente a CR e o CG, o que fez através do uso da violência física, com total indiferença para com o dever de respeito que deveria ser devido aos referidos menores. 
20.	O arguido agiu em todos os momentos de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 
21.	O processo de desenvolvimento do arguido decorreu num contexto sócio-económico de subsistência - associada ao desenvolvimento de actividades de carácter agrícola e/ou pecuária -, e enquadramento familiar caracterizado como normativo, em termos psico-afectivos.
22.	Órfão de pai com cerca de sete anos de idade, o arguido beneficiou de uma adequada vinculação afectiva com o padrasto e duas irmãs uterinas, não sendo registadas situações de exposição a modelos relacionais de controlo ou agressão na família.
23.	Com cerca de quinze anos de idade, e após a conclusão de sete anos de escolaridade, o arguido iniciou actividade laboral, como indiferenciado, por conta de outrem, por forma a assegurar as suas despesas pessoais.
24.	Ao nível laboral, o arguido teve um percurso pautado pela diversidade de actividades - agrícola, ajudante de motorista, motorista, na descarga de contentores, empregado de mesa -, sem vínculo laboral e em moldes descontínuos, privilegiando a prática desportiva de futebol que embora não profissionalizada, traduzia-se em receitas advenientes da participação em determinados jogos.
25.	No período que antecedeu o processo de emigração para Portugal, o arguido já havia efectuado tentativas migratórias para o México e Estados Unidos da América, sendo repatriado por motivos de permanência ilegal.
26.	O arguido veio para Portugal em 2006, com 29 anos, e tem a sua situação de permanência regularizada até Novembro de 2016.
27.	Em Portugal, o arguido sempre residiu no Algarve, na zona de F, e, na globalidade, tem-se movimentado num quadro vivencial assente nas relações sociais circunstanciais restritas ao meio laboral (variável) e/ou afectivas. 
28.	Inicialmente, e durante cerca de 18 meses, partilhou o mesmo espaço habitacional com concidadãos/oriundos do mesmo meio de origem, e com os quais já não mantém contacto por motivos de regresso ao Brasil e/ou dispersão em Portugal, e posteriormente, sozinho, até ao estabelecimento da relação marital com a LC, há cerca de seis anos.
29.	Em termos económico-laborais, e exceptuando o período entre Abril/13 e Junho/14 em que EA esteve desempregado/inscrito no Centro de Emprego, o arguido, e família constituída, movimentava-se num quadro de subsistência/estabilidade, não constituindo a gestão da economia doméstica fonte de conflito. 
30.	O arguido e LC manifestam diferentes perspectivas sobre a dinâmica familiar, sendo que no ínterim que decorreu entre a ruptura marital (Junho/14) e os factos subjacentes ao presente processo, existiram períodos de entendimento relativamente às visitas/contactos entre o arguido e o descendente - sendo que o menor permanecia períodos sozinho com o arguido -, tendo, inclusive, EA se disponibilizado para apoiar sócio-económicamente a ex-companheira/ofendida quando face a uma situação pontual de ruptura relacional daquela com o agregado de origem. 
31.	Contudo, no mesmo ínterim, foram igualmente registadas situações de suspensão dos contactos entre o arguido e o seu filho ECA, na sequência das quais o arguido diligenciou junto do Tribunal de Família e Menores no sentido da regularização das responsabilidades parentais do menor, sendo que desde Outubro de 2014 que não tem contacto com o menor, e encontrando-se a aguardar decisão daquele tribunal. 
32.	Desde a ruptura marital, o arguido encontra-se a residir na morada indicada nos autos, correspondente a uma casa térrea, de tipologia V1, de características rurais, arrendada pelo valor de € 200,00 (duzentos euros).
33.	Activo laboralmente como trabalhador rural - tendo reintegrado o mercado de trabalho, em moldes regulares, logo após a separação marital -, o arguido aufere vencimento mensal de € 549,00 (quinhentos e quarenta e nove euros), movimentando-se num quadro de estabilidade económica.
34.	Embora o arguido denote, em abstracto, adequada análise crítica do bem jurídico em causa, adopta em relação aos factos uma atitude de desvinculação e de minimização. 
35.	O arguido não tem antecedentes criminais. 

Factos não provados:
1.	As agressões referidas nos pontos 4, 6 e 8 e a conduta descrita no ponto 11 dos factos provados tenham sido presenciados por qualquer dos menores. 

Motivação da decisão quanto à matéria de facto: 
A convicção do Tribunal acerca da matéria de facto dada como provada e não provada assentou no conjunto da prova produzida em audiência recorrendo às regras de experiência e fazendo-se uma apreciação crítica da mesma nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. 
Foram valoradas as declarações do arguido que, no essencial, negou a prática dos factos, com excepção de uma vez ter agredido a menor CC com o cinto nas pernas, porquanto chamou por diversas vezes a menor para jantar e ela não ia nem respondia, tendo-a avisado previamente que se não fosse jantar apanhava. Referiu o arguido que, em consequência da sua conduta a CC ficou marcada mas foi jantar. A este propósito o arguido referiu que, em relação aos menores apenas procurava educá-los e, nesse âmbito, por vezes deu-lhes umas palmadas sem que todavia, alguma vez os tivesse deixado com nódoas negras. Em relação à sua ex-companheira, o arguido referiu que viveram juntos cerca de cinco anos e 8 meses e que, desde o final de 2012, início de 2013, viveram na Rua (...), em F. Em relação ao factos que lhe são imputados, o arguido negou-os, esclarecendo apenas que no final de Junho de 2014 lhe telefonou efectivamente mas para saber do seu filho e que, apenas em Outubro de 2014, quando a LL deixou a casa dos pais e foi viver para um apartamento, lhe propôs que reatassem a relação, ao que ela disse que não, sendo que desde Outubro de 2014 não vê o filho, tendo já recorrido à CPCJ e ao Tribunal de Família e Menores. Mais referiu que o relacionamento com a LL era pacífico e que discutiam apenas por motivos relacionados com assuntos de limpezas e não por ciúmes embora suspeitasse que ela lhe era infiel. 
Perante a comunicação de uma alteração não substancial de factos, o arguido, voltou a prestar declarações, alegando, em síntese que viveu com a LC no Sítio de MG durante o ano de 2008 e apenas durante cerca de 3 meses, que já no ano de 2009 foram viver para a Estrada (...), em F, que em 2010 foram viver para a Rua (...), no final de 2011 foram viver para a Estrada da G e que, em Julho ou Agosto de 2012 foram viver para a Rua (...); referiu ainda que só em Setembro de 2012 é que a CC foi para a Escola (...), sendo que nunca lhe deu quaisquer chapadas, em F, que não se lembra de nenhuma situação em que o seu filho ECA tenha entalado o braço, que nunca teve qualquer pressão de ar em casa, montada ou desmontada, e, por fim, que todo este processo é devido à regulação das responsabilidades parentais do menor ECA e que ainda está em curso. 
Foram valorados os depoimentos das seguintes testemunhas:
- LC: ex-companheira do arguido, a testemunha referiu que viveu com o arguido durante cerca de 5 anos e separaram-se no dia 12 de Junho de 2014; referiu que viveram em vários sítios, sempre na zona de F, e que, no início, o relacionamento era saudável, sendo que os problemas apenas surgiram cerca de um ano após o início do relacionamento e porque o arguido se convenceu que tinha ela tinha um relacionamento amoroso com o patrão dele; a testemunha esclareceu que, motivado pelos ciúmes, o arguido agrediu-a fisicamente três vezes, todas elas antes do nascimento do filho de ambos, designadamente: a primeira vez, quando residiam em MG, porque ela apareceu com um chupão no pescoço, o arguido, no quarto da residência, deu-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo e chamou-a de puta e desgraçada, em consequência das quais, ficou com vários hematomas no corpo e num olho; a segunda vez, cerca de 2 ou 3 meses depois, quando já viviam na Estrada (...), por causa de uma nódoa negra, o arguido, no quarto da residência, agrediu-a com socos, pontapés puxões de cabelos, bateu-lhe com o cano de uma pressão de ar desmontada na zona lombar e com um cabo de electricidade nas pernas, agressões que apenas cessou quando a testemunha admitiu que o traía, o que fez apenas para que ele parasse e não por corresponder à verdade; a terceira vez, semanas depois, quando ia com ele a (...) - local onde ele estava a fazer a instalação eléctrica de uma casa (pois na altura exercia a profissão de electricista) - o arguido parou o carro, exibiu-lhe uma faca que trazia (e que normalmente usava para cortar os cabos de electricidade), e mais uma vez, insistindo para que a testemunha confirmasse que o traía, espetou-lhe por duas vezes a faca na barriga, o que deixou marca ainda que não tenha feito sangue, ao mesmo tempo que referiu que a matava; a testemunha referiu ainda que o arguido não a deixava ir ao hospital, sendo que apenas na segunda situação ele próprio foi à farmácia comprar pomada para os hematomas; referiu ainda que os seus filhos nunca assistiram às agressões, embora se apercebessem das marcas que tinha no corpo, sobretudo a sua filha CC, sendo que o arguido também era bastante agressivo com os seus filhos, e sobretudo com aquela; a este propósito, e a título de exemplo, a testemunha referiu que, numa determinada altura em que viviam na zona da G, ele bateu com a cabeça dos miúdos no lavatório porque eles não queriam lavar os dentes; uma outra vez bateu com um cinto na CC e dava-lhe bofetadas se ela dizia algum palavrão e, noutra ocasião bateu no Cl. C ao ponto de ele ficar com as nádegas roxas, sendo que todas estas situações não foram por si presenciadas, tendo apenas visto as marcas que eles apresentavam quando lhe contaram o sucedido; afirmou ainda que depois das referidas agressões físicas, o arguido apenas a agrediu verbalmente, sendo que após a separação lhe enviou diversas mensagens escritas a ameaça-la e uma vez, no final de junho de 2014, foi ao seu trabalho com o Cl. C e o Edmilson propondo-lhe que reatassem o relacionamento, mas como disse que não ele disse que a matava pois preferia que o filho fosse para o refúgio e ele ia para muito longe; mais, referiu que, nesse mesmo dia, mais tarde, lhe telefonou a perguntar se a testemunha tinha pensado na sua proposta e, perante a resposta negativa, disse-lhe que à meia-noite quando fosse buscar o filho lhe ia mostrar a arma que tinha, dando a entender que concretizaria a ameaça que fizera antes, motivo pelo qual, nessa noite pediu ao seu pai que fosse buscar o ECA; por fim, referiu que a partir de Outubro de 2014 chegaram a um acordo quanto às responsabilidades parentais do filho e as coisas acalmaram desde então;
- CR, filha da testemunha LC: a testemunha referiu que nunca presenciou agressões do arguido à sua mãe, referindo, todavia, que uma vez a viu ir trabalhar com um olho roxo, episódio que situou antes do nascimento do seu irmão ECA; mais referiu que após o nascimento do irmão apenas ouviu discussões, no âmbito das quais se apercebia que o arguido dizia que a mãe tinha um amante, esclarecendo, todavia, que durante o período da gravidez e no ano seguinte eles viveram bem; relativamente ao seu irmão Cl. C, a testemunha referiu que uma vez, antes do nascimento do ECA, o irmão Cl. C fez as necessidades nas cuecas e o arguido zangou-se com ele e deu-lhe umas palmadas, referindo a testemunha que não as presenciou mas ouviu o barulho e logo de seguida o irmão veio para ao pé de si a chorar e tinha o rabo roxo; referiu ainda que já após o nascimento do ECA, em data que também não sabia concretizar, porque este uma vez se entalou numa porta e o arguido achou que a culpa era do Cl. C pegou nele e foi entalar o braço do Cl. C na mesma porta, sendo que desta vez o irmão não lhe mostrou o braço mas veio para ao pé de si a chorar e a dizer que doía; no que respeita à própria, a testemunha referiu que, pouco tempo antes de a mãe e o arguido se terem separado, o arguido deu-lhe com um cinto nas pernas porque a mesma não tinha comido um ovo ao jantar; sobre esta situação a testemunha esclareceu que nessa tarde o arguido já tinha repreendido por estar na rua a conversar com um rapaz, sendo que lhes preparou o jantar mas não jantou com eles e quando deu conta que ela não tinha comido o ovo, foi ao seu quarto, onde a testemunha estava deitada na cama, de lado, deu-lhe duas vezes com o cinto na coxa esquerda e ordenou-lhe que ela fosse comer o ovo, o que a testemunha fez; mais esclareceu que não obstante ter umas calças vestidas e duas mantas por cima, ficou com as marcas do cinto na coxa, marcas essas que mostrou à mãe cerca de três dias depois, quando lhe contou o sucedido; referiu ainda que numa outra situação, em data que não soube precisar, referindo apenas que foi já depois de o ECA ter nascido, quando a testemunha estava com uns amigos ao pé da escola (...), em F, o arguido estava lá e por se aperceber que os referidos amigos estavam a chamar nomes uns aos outros, aproximou-se dela e deu-lhe duas bofetadas em frente à escola; por fim, a testemunha referiu que conversava com a mãe sobre estes comportamentos do arguido, sendo que ambas tinham medo dele e chegaram mesmo a falar em fugir, sendo que nessa altura a mãe tomou a decisão de sair de casa e foram para casa dos avós maternos; posteriormente houve um período em que foram morar para um apartamento e nessa altura recorda-se que o arguido ligava muito, sendo que às vezes a mãe punha o telefone em alta voz e apercebia-se que a conversa não tinha nada a ver com o seu irmão mais novo;
- JC, pai da testemunha LC: a testemunha referiu que nunca presenciou qualquer agressão física do arguido em relação à sua filha e aos seus netos, mas que começou a aperceber-se que a filha tinha hematomas no corpo e que tinha comportamentos estranhos, nomeadamente, quando ia a casa dela ela fazia de tudo para que ficassem até o mais tarde possível e quando saía do trabalho ficava sempre muito preocupada em ir logo para casa, o que lhe começou a levantar suspeitas; para além disso, os netos começaram a andar receosos e manifestavam medo dele, medo esse que ainda hoje manifestam; a testemunha referiu ainda que numa determinada ocasião, pelo aniversário da sua filha, estavam em casa deles e porque a LL tinha feito apenas carnes e salada, o arguido começou a atirar com tudo pelos ares, a atirar com as coisas para o lava loiças ao mesmo tempo que gritava se aquilo era comida para um homem, o que o deixou assustado; por fim, referiu que depois de eles se separarem, a LL foi viver para a sua casa, com excepção de um período em que esteve a viver num apartamento, e que o arguido lhe mandava muitas mensagens, mesmo a meio da noite, sendo que uma vez a filha lhe pediu para ir buscar o neto mais novo, o ECA, a casa do arguido porque ele lhe tinha dito que tinha lá um “negócio” e que lhe punha fim à vida.
Para além dos depoimentos das testemunhas o tribunal teve em consideração o auto de transcrição de mensagens de fls. 44 a 63, os assentos de nascimento de fls. 99, 101 e 103. 
Sumariada a prova produzida em audiência de julgamento e a prova documental pré-constituída, com excepção do que respeita à agressão da menor CC com um cinto - situação que o arguido admitiu ainda que num contexto um pouco diferente do relatado pela própria -, existem versões contraditórias dos factos. 
É obvio que o Tribunal não conhece, através da prova produzida em audiência, a verdade “absoluta e universal” sobre o facto histórico verificado, porque o conhecimento humano é de capacidade limitada, exigindo-se apenas o “convencimento justificado”, idóneo para superar a presunção de inocência. 
	Com efeito, a verdade histórica nem sempre corresponde à verdade processual, sendo certo que, é de acordo com a prova produzida em audiência de julgamento, analisada à luz da lei e da consciência do julgador, de acordo com as regras da experiência comum, que se apura a verdade do processo.
	O facto de existirem duas versões contraditórias dos factos não é suficiente para colocar, desde logo, o Tribunal numa situação de non liquet, ou seja, numa situação de dúvida insanável sobre a verificação dos factos que, necessariamente tenha de ser resolvida por via do princípio constitucional “in dubio pro reo”. Com efeito, sopesada toda a prova produzida, conjugados os depoimentos e a prova documental, pericial ou outra junta aos autos pode o Tribunal atribuir maior credibilidade a uns depoimentos que a outros e, por via disso, dar credibilidade a uma das versões apresentadas - neste sentido, o Acórdão do STJ de 24 de Março de 1999, in CJ STJ, tomo I, pág. 247. 
	Tal é o caso dos autos, uma vez que a prova produzida, conjugada com as regras da experiência e do senso comum, permite ao Tribunal fixar o quadro factual.
	Sobre a imediação das provas e, concretamente sobre a valoração da prova testemunhal em audiência de julgamento seguimos de perto o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6 de Março de 2007, publicado em texto integral, no site www.dgsi.pt, onde pode ler-se: “O tribunal é, por excelência, uma instância de reconstituição de factos, construindo a “realidade” que sustenta a fundamentação da sua decisão, vinculativa, sobre a verificação ou inverificação do crime, e, por vezes, também dos pressupostos da responsabilidade civil. A construção da realidade, delimitada pela verdade material e pela vinculação do juiz à lei no que toca à sua valoração jurídica, está, em grande medida, dependente da valoração da prova entregue, por via de regra, à livre convicção do juiz, o qual dispõe nesse domínio duma espécie de poder absoluto ou discricionariedade real na fixação da verdade dos factos. O juiz defronta-se permanentemente com construções alternativas da realidade, a verdade da acusação e a verdade da defesa, com base nas quais irá construir a verdade processual. A reconstituição processual da realidade histórica de certo facto humano não é ou dificilmente poderá ser a expressão precisa e acabada de um qualquer meio de prova e particularmente da prova testemunhal, dadas as naturais dificuldades em se reproduzir fiel e pormenorizadamente o que foi percepcionado ou vivenciado, geralmente de forma passageira e ocasional, muito antes da audiência de discussão e julgamento, local privilegiado para a produção e discussão das provas. Muito menos podem os vários depoimentos ser entendidos isoladamente, retirando-os do respectivo contexto, apenas com base em frases transcritas num mero suporte documental e em certas imprecisões de algum dos testemunhos - por vezes justificáveis desde logo pelas circunstâncias dialécticas em que são produzidos, durante o interrogatório cruzado, formal, surgindo sempre um novo elemento em cada questão suscitada por cada um dos sujeitos processuais. Questões já de si formuladas dentro da perspectiva antagónica e por vezes conflituante de acordo com a posição de cada sujeito processual. (…) A formação da convicção pelo tribunal resulta de múltiplos dados. Num depoimento o tribunal analisa conjugadamente as razões de ciência da testemunha com o seu tom de voz, as hesitações, a seriedade, a exaltação ou não com que viveu o facto, a postura corporal e outros "elementos racionalmente não explicáveis". Daí resulta a credibilidade ou não de um testemunho. Como se afirma em acórdão proferido no recurso n.º 99/01 desta Relação, "a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente". 
 	No caso, a versão do arguido foi contrariada não apenas pela testemunha LC mas também pela testemunha CR. Para além disso, a versão que estas duas testemunhas apresentam é corroborada em parte pelo depoimento da testemunha JC. E, por fim, a versão do arguido é contrariada pelas suas próprias declarações. Com efeito, o arguido admitiu não apenas que bateu com um cinto na menor CC mas também que por vezes batia nos menores, embora, no seu entender, justificadamente, devido ao mau comportamento daqueles. Negou qualquer agressão à ex-companheira, mas espontaneamente referiu que nunca a proibiu de ir ao Hospital, quando o lógico seria dizer que não havia qualquer motivo para que tal acontecesse. 
	Os depoimentos das testemunhas LC e CR foram prestados de forma espontânea, clara, devidamente circunstanciada e sem qualquer tentativa de exacerbação ou de vitimização (como é vulgar acontecer neste tipo de casos). Com efeito, não se verificou por parte da testemunha LC a tendência para a generalização, para a queixa não concretizada, mas sim um depoimento objectivo e preciso, indicando as concretas situações em que foi agredida e não mais que isso. Por outro lado, não pode o tribunal deixar de ter em consideração que estas duas testemunhas são mãe e filha e que seria natural, dado o laço que as une e a proximidade foi patente no depoimento da testemunha CC, que pudessem tentar proteger-se ou, ainda que involuntariamente, guardassem memórias sem correspondência efectiva na realidade mas decorrentes da interiorização de que efectivamente tal conduta aconteceu porque lhe foi relatada por alguém em quem depositam inteira confiança. Mas tal não se verificou. Ambas foram precisas no momento de dizer que não viram as agressões em relação à outra. Viram marcas, aperceberam-se de situações, mas nenhuma caiu na tentação de ir mais além. Por fim, as três testemunhas inquiridas, atenta a sua postura em audiência, depuseram com a simplicidade de quem diz a verdade, sem rodeios, sem artifícios. 
	A tal não obsta o facto de não existirem elementos documentais que comprovem as lesões decorrentes das condutas do arguido. Por um lado, há que ter em consideração que estão em causa hematomas, e os hematomas são lesões frequentes quer nas crianças quer nos adultos, que podem ser motivadas por diversas circunstâncias, pelo que a generalidade das pessoas tem na sua residência pomadas adequadas para o efeito. Por outro lado, também não é comum que as pessoas se dirijam a um hospital ou a um centro de saúde por causa de hematomas. Regra geral, em casos de violência doméstica, as vítimas fotografam os hematomas e dirigem-se a estabelecimentos de saúde para poderem documentar as respectivas queixas. Mas este não é o caso dos autos. No caso concreto, o que resultou dos depoimentos das testemunhas é que as agressões à LC foram levadas a cabo antes do nascimento do filho comum do casal. Ora, tendo em conta a data em que a referida LL denunciou os factos, é manifesto que na data das agressões não lhe ocorreu tal tipo de procedimentos, sendo que apesar da gravidade das agressões, as lesões não necessitariam, em termos objectivos, de tratamento médico. 
	Por este motivo o tribunal considerou credíveis os depoimentos das testemunhas LC e CR, que se mostraram particularmente isentos pelos motivos indicados, e também o depoimento da testemunha JC. 
	E, analisados no seu conjunto, estes três depoimentos conjugam-se e complementam-se. A testemunha LL não presenciou as agressões aos filhos mas viu as marcas nos respectivos corpos, sendo coincidentes as motivações que foram indicadas pela testemunha LL e CC relativamente a essas agressões, tal como a testemunha CC não presenciou as agressões à mãe, mas viu-a numa circunstância ir trabalhar com um olho roxo, o que coincide com uma das situações descritas pela testemunha LL, sendo que de ambos os depoimentos resultou que tal ocorreu antes do nascimento do menor ECA. Por fim, a testemunha JC, nada tendo presenciado, também viu as marcas no corpo da filha e essencialmente, apercebeu-se do carácter violento do arguido, designadamente em situações que não o justificariam, tal como se apercebeu das mudanças de comportamento da filha e do temor demonstrado pelos netos. 
	Ora, a situação presenciada pela testemunha JC, permite atribuir credibilidade aos depoimentos das testemunhas LL e CC, pois que dela resulta uma personalidade coincidente com a descrita por elas e capaz de praticar os actos por elas descritos. 
	Relativamente às datas em que os factos ocorreram, designadamente no que respeita às situações vividas pelos menores, o tribunal, não tendo como apurar as datas concretas, balizou os factos de acordo com o relatado pela testemunha CC, cujo ponto de referência foi sendo “antes” ou “depois” do nascimento do ECA. Ora, as declarações do arguido, designadamente de que em 2011 não viviam em F e a CC ainda não estava na Escola (...) em nada contradizem a testemunha, na medida em que esta não referiu que os factos ocorreram nessa data, apenas quando questionada para os situar no tempo, referiu que o irmão mais novo já era nascido. E o mesmo se diga quanto à situação do braço entalado, pois que a testemunha não disse que foi em 2011, disse é que já o irmão mais novo tinha nascido, por contraposição à situação anterior relativa ao Cl. C e como aliás já havia feito nas situações referentes à mãe. 
	No que diz respeito ao menor Cl. C, não se descura que o menor não foi ouvido pelo tribunal e que, no que respeita às palmadas a testemunha CC não as presenciou. Todavia, o depoimento da testemunha CC foi suficiente para concluir pela prova dos factos, na medida em que a testemunha presenciou a situação que deu origem ao conflito - o menor fez as necessidades nas cuecas -, presenciou a zanga do arguido em relação a essa situação, ouviu barulhos que identificou como sendo palmadas e logo de seguida o seu irmão veio para ao pé de si, a chorar e tinha as nádegas roxas. Ora, face a este depoimento, isento, objectivo e credível, o tribunal considerou não ser necessário sujeitar um menor, actualmente com 10 anos, a rememorar situações traumáticas. 
	Posto isto, no que concerne aos pontos 5 a 17 dos factos provados a convicção do tribunal alicerçou-se no depoimento das três testemunhas supra referidas, sendo que, relativamente aos pontos 1 a 4 foram tidos em consideração as declarações do arguido e o depoimento da testemunha LC. 
	Relativamente ao conhecimento e vontade do arguido - pontos 18 e 19 dos factos provados -, pese embora a prova não seja directa, uma vez que o arguido não admitiu os factos, infere-se dos factos objectivos dados como provados, analisados à luz da experiência comum, na medida em que o arguido demonstrou conhecimentos adequados à sua faixa etária e condição social, pelo que não podia deixar de saber que os seus comportamentos eram adequados a causar ofensa na honra e dignidade pessoal de cada um, na integridade física e na auto-determinação pessoal, a causar medo e receio de comportamentos futuros semelhantes, o que efectivamente o arguido quis e conseguiu. Com efeito, pese embora o arguido tenha avançado com o argumento “educacional”, tal não mereceu qualquer credibilidade perante o tribunal. Por um lado, não se aplica às agressões levadas a cabo contra a então companheira LC e, por outro, nada no relatório social do arguido permite extrair a conclusão de que o arguido cresceu num ambiente de violência de modo a que tenha interiorizado tais tipos de comportamentos como correctos. Pelo contrário, os objectos utilizados para agredir (o cano de uma arma, um cabo eléctrico, um cinto) e as circunstâncias em que agredia (em frente à escola da menor, pelo menor ter feito necessidades nas cuecas, entalar o menor porque o mais novo se tinha entalado) são por si demonstrativas da intenção do arguido de humilhar, de ferir na honra e dignidade e também de demonstrar a sua superioridade. Com efeito, ficou o tribunal em crer que o arguido batia qualquer que fosse o motivo, donde o receio provocado nos demais elementos da família, que nunca sabiam quando iam ser agredidos mas que viviam na eminência de o ser. 
No que concerne às condições pessoais do arguido e à ausência de antecedentes criminais, foram valorados o relatório social de fls. 144 a 149 e o certificado de registo criminal de fls. 137. 
	Relativamente ao único facto não provado, foi o mesmo valorado dessa forma tendo em consideração o que resultou dos depoimentos das testemunhas LC e CC da Rocha. 

Enquadramento jurídico-penal:
Cumpre agora proceder ao enquadramento jurídico-penal da factualidade descrita, a fim de apurar se a mesma integra a prática do crime de que o arguido vem acusado.
Dispõe o artigo 152.º do Código Penal, na sua actual redacção, decorrente da alteração introduzida pela Lei n.º 19/2013, de 21.02, que:
“1. Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais:
a)	Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b)	A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga às dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c)	A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou, 
d)	A pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. 
2. No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos. 
3. Se dos factos previstos no n.º 1 resultar:
a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos;
b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.
4. Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica. 
5. A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. 
6. Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou curatela por um período de um a dez anos”.
As alterações introduzidas pela Lei n.º 19/2013, de 21.02 circunscrevem-se a duas questões: a inclusão, na alínea b) do n.º 1 da relação de namoro, que passa a igualmente a ser protegida pelo tipo legal de crime, e, a alteração do n.º 5 na medida em onde antes se dizia que a pena acessória de proibição de contacto com a vítima “podia” incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho e que o seu cumprimento “podia” ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, diz-se agora que a referida pena acessória “deve” incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho e que o seu cumprimento “deve” ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. 
No caso, tendo em consideração que a violência doméstica é um crime único, ainda que de execução reiterada, ocorrendo a sua consumação com a prática do último acto de execução (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8-11-2011, CJ, 2011, T.V, pág.319), uma vez que o último facto se reporta já ao ano de 2014, ter-se-á em consideração esta última redacção do artigo 152.º do Código Penal, sendo certo que as alterações introduzidas - e que para o caso apenas relevam a que constam do n.º 5 - não são de molde a agravar o regime já anteriormente instituído, visto que não se trata da introdução de novas penas acessórias, mas apenas da forma de cumprimento da pena acessória já legalmente prevista - vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19 de Dezembro de 2013, publicado em texto integral em www.dgsi.pt.
Posto isto. 
Em termos sistemáticos, o referido preceito encontra-se integrado na parte especial do Código Penal, no Título I, dedicado aos “crimes contra as pessoas” e, dentro deste, no Capítulo III, destinado aos “crimes contra a integridade física”. 
Os maus tratos inserem-se hoje na criminalidade violenta, de acordo com a definição do artigo 1.º do Código de Processo Penal. Esta solução justifica-se por a violência doméstica atingir dimensões insuportáveis e pôr em causa bens jurídicos da maior relevância estritamente associados à essencial dignidade da pessoa humana.
Da sua inserção sistemática decorre que, a ratio deste tipo de ilícito não está na protecção da comunidade familiar, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana, de comportamentos reiterados que lesem o seu bem-estar físico, psíquico e mental.
Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense ao Código Penal (Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 332), ainda relativamente ao crime de maus tratos previsto no artigo 152.º do Código Penal, na versão anterior à entrada em vigor da Lei n.º 57/2008, de 4 de Setembro afirma que, em última instância, o bem jurídico protegido por este crime é a saúde, bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, o qual pode ser prejudicado por toda uma multiplicidade de comportamentos que afectem a dignidade pessoal da vítima. 
Neste sentido, veja-se também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Setembro de 2014, publicado em texto integral no site www.dgsi.pt. 
Conforme afirma Plácido Conde Fernandes (“Violência Doméstica, Novo Quadro Penal e Processual Penal”, in Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, Revista do CEJ, 1.º semestre de 2008, n.º 8, pág. 305), não havendo razão para «alterar o entendimento, já sedimentado, sobre a natureza do bem jurídico protegido, como sendo a saúde, enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, num bem jurídico complexo que abrange a tutela da sua saúde física, psíquica, emocional e moral”, também se mantém válida a asserção de que “a dimensão de garantia que é corolário da dignidade da pessoa humana fundamenta a pena reforçada e a natureza pública, não bastando qualquer ofensa à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, para preenchimento do tipo legal. O bem jurídico, enquanto materialização directa da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa”.
É a exigência de especial gravidade da conduta maltratante que se acentua no acórdão da Relação de Lisboa, de 07.12.2010 (disponível em www.dgsi.pt), de que se transcreve o respectivo sumário: “I - O tipo de crime de «violência doméstica» do art. 152º do C. Penal antes da reforma operada pela Lei nº 59/2007 designado como crime de «maus tratos» visa punir criminalmente os casos mais chocantes de maus tratos em cônjuges ou em pessoa em situação análoga. Pune-se um tratamento cruel, excessivo, sem respeito pela dignidade do companheiro, tudo com aproveitamento de uma autoridade do agente que lhe advém do uso e abuso da sua força física. II – Com ele se visa proteger muito mais do que a soma dos diversos ilícitos típicos que o podem preencher, como ofensas à integridade física, injúrias ou ameaças. Está em causa a dignidade humana da vítima, a sua saúde física e psíquica, a sua liberdade de determinação, que são brutalmente ofendidas, não apenas através de ofensas, ameaças ou injúrias, mas essencialmente através de um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade, humilhação, tudo provocado pelo agente, que torna num inferno a vida daquele concreto ser humano”.
Considerando a “ratio legis” do preceito, Rui Pereira, na qualidade de Presidente da Unidade de missão para a Reforma Penal, veio esclarecer em diversas Conferências sobre a revisão do Código Penal que não se pretendia transformar qualquer ofensa ou ameaça em crimes de maus-tratos com moldura penal reforçada e natureza pública, apenas pelo facto de ocorrerem no âmbito de uma relação afectiva. Manteve-se a situação em vigor, apenas com a clarificação que a reiteração não é exigida, desde que a conduta maltratante seja especialmente intensa. 
No que concerne ao tipo objectivo de ilícito, o crime de violência doméstica pressupõe um agente que se encontre numa determinada relação para com o sujeito passivo dos comportamentos maltratantes supra referidos: relação conjugal ou análoga, seja actual ou passada, relação de namoro, relação parental ou relação de coabitação. É - mais uma vez como refere Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2.ª Edição, pág. 513 - um crime específico que, na maioria dos casos é impróprio (casos em que a especial relação existente, ou que já existiu, entre o agente e a vítima determina a agravação da ilicitude, da culpa e, consequentemente, da pena estabelecida para a infracção em si mesmo considerada). Mas, embora na generalidade dos casos se trate de um crime específico impróprio, também poderá, em certos casos, ser um crime específico próprio, na medida em que são pensáveis situações de maus tratos psíquicos que, embora não possam in se configurar uma autónoma infracção, podem, contudo, configurar, quando reiteradas, um mau trato psíquico abrangido pela ratio e pela letra do artigo 152.º, pois nestes casos é a especial relação entre o agente e a vítima (actual ou passada), que fundamenta a ilicitude e a punição do agente. Do mesmo modo, no caso dos castigos corporais sobre menores. Com efeito, estes traduzem-se, necessariamente, em ofensas corporais ou maus tratos físicos, às vezes com um eventual objectivo educativo e não com um dolo de lesão corporal. Segundo o referido autor, o que o legislador quis dizer com a referência aos “castigos corporais” foi que o facto de ter havido uma intenção educativa na prática das ofensas corporais não impede que tais castigos possam ser qualificados como crime de violência doméstica, quando apesar dos castigos individualmente considerados não serem graves e se enquadrarem no poder/dever de educação, todavia, sejam reiterados. Conclui o autor, que tal interpretação permite afirmar que o crime de violência doméstica pode também concretizar-se na prática de actos que, embora in se não configurem qualquer crime, todavia, constituam um “prejuízo” para a saúde psíquica e mental da vítima. 
Assim, sujeito passivo só pode ser o cônjuge ou ex-cônjuge, pessoa do outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou análoga à dos cônjuges, mesmo sem co-habitação, progenitor de descendente comum em 1.º grau, ou pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica. 
Relativamente a esta última situação, e, mais uma vez no que respeita à violência doméstica contra menores (que para a análise do caso concreto é relevante), a distinção entre o crime de violência doméstica (no caso da alínea d) do n.º 1) e o crime de maus tratos previsto no artigo 152.º A do Código Penal está na verificação ou não de uma relação de coabitação, pois que se esta relação existir estamos perante um crime de violência doméstica, se não existir estamos perante um crime de maus tratos. 
As condutas previstas e punidas pelo crime de violência doméstica podem ser de diversa natureza, atendendo à amplitude do bem jurídico protegido, motivo pelo qual o legislador adoptou uma fórmula exemplificativa e não taxativa: maus tratos físicos, incluindo os castigos corporais (que só se aplicam relativamente a menores), maus tratos psíquicos, privações da liberdade e ofensas sexuais. 
Embora a maior parte destas condutas revistam natural e necessariamente a forma de acção, também podem consistir em omissões. 
No que respeita à reiteração das condutas, é hoje pacífico que o tipo legal não exige uma reiteração de acções, sendo que um único acto pode consubstanciar “maus tratos” se se revelar de tal modo intenso que ao nível do desvalor (quer da acção quer do resultado) seja apto a lesar em grau elevado o bem jurídico pondo em causa a dignidade humana - neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Setembro de 2014 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20 de Janeiro de 2015, ambos publicados em texto integral em www.dgsi.pt. 
Não obstante, sendo na maioria dos casos, um crime de execução reiterada, continua a ter relevância concretizar o conceito de reiteração. Como refere, Plácido Conde Fernandes - in “Violência doméstica - Novo quadro Penal e Processual Penal.”, Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, Revista do CEJ, 1ºsemestre 2008, n.º8 (especial) -, a reiteração há-de assentar “num conceito fáctico e criminológico de reiteração por parte do sujeito activo, que dê lugar a um estado de agressão permanente, sem que as agressões tenham de ser constantes, embora com uma proximidade temporal relativa entre si. É o estado de agressão permanente que permite concluir pelo exercício de uma relação de domínio ou de poder, proporcionada pelo âmbito familiar ou quase familiar, deixando a vítima sem defesa numa situação humanamente degradante”.
Isto porque, nem todas as ofensas constituem maus-tratos, neste sentido penalmente típico. Designadamente, não serão maus-tratos quando careçam de intensidade para colocar em crise o bem jurídico protegido, ou seja, a saúde, enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, num bem jurídico complexo que abrange a tutela da sua saúde física, psíquica, emocional e moral. 
Deste modo, e como também conclui o autor supra mencionado, a dimensão da garantia que é corolário da dignidade da pessoa humana fundamenta a pena reforçada e a natureza pública, não bastando qualquer ofensa à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, para o preenchimento do tipo legal. 
O bem jurídico, enquanto materialização directa da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à sua degradação pelos maus-tratos.
Ou seja, tudo para se concluir que para o preenchimento do tipo legal de violência doméstica, o legislador continuar a exigir que existam maus-tratos, não se limitando a aceitar nesse conceito qualquer injúria, ameaça ou ofensa à integridade física.
Não bastará uma situação isolada de ofensas, injúrias ou ameaças, embora não se exija a habitualidade; todavia, uma situação de especial violência ou gravidade poderá preencher o tipo. 
Por fim, quanto ao tipo objectivo de ilícito, este crime tanto pode materializar-se numa infracção de resultado (ex. maus tratos físicos), como de mera conduta (ex. provocações e ameaças), como ainda, tendo como critério a efectiva lesão ou perigo de lesão do bem jurídico, tanto pode a conduta traduzir-se num dano (ex. privação da liberdade) como num perigo de dano (ex. ameaças ou humilhações). 
São circunstâncias qualificadoras do crime, nos termos do n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal: a) a actuação contra menor; b) a actuação na presença de menor; c) a actuação no domicílio comum e, d) a actuação no domicílio da vítima. 
São situações em que se denota uma necessidade de tutela acrescida, por imperativo ético em congruência com a ordem jurídica axiológica constitucional de protecção da inviolabilidade do domicílio e da vida privada, face à consciência de que é no domicílio que se multiplicam as agressões a coberto de uma certa sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e pela ausência de testemunhas, bem como a protecção de vítimas indirectas, como são os menores, muitas vezes “forçados” a presenciar os maus tratos. 
No que respeita ao tipo subjectivo de ilícito exige-se o dolo. É necessário o conhecimento da relação subjacente à incriminação da violência doméstica e o conhecimento e vontade da conduta e do resultado, consoante os comportamentos subsumíveis no âmbito teleológico-normativo do artigo 152.º configurem tipos de crime formais ou materiais. 
Posto isto, importa analisar o caso concreto. 
No caso, e em relação a LC, resultou provado, para além de que viveu com o arguido uma relação análoga à dos cônjuges durante cinco anos e até 12 de Junho de 2014, que:
- Em data não concretamente apurada, mas no decurso do ano de 2010, cerca de um ano depois do início do relacionamento, quando viviam no Sitio de MG, F, motivado por ciúmes e pela desconfiança de que a referida LC lhe era infiel, o arguido agrediu-a no quarto da residência com murros e pontapés, ao mesmo tempo que a apelidou de “puta” e “desgraçada”;
- Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com hematomas no corpo e num olho;
- Em data não concretamente apurada, mas cerca de dois a três meses após a situação ocorrida na residência de MG, quando o arguido e LL residiam na Estrada (...), em F, mais uma vez motivado por ciúmes e pela desconfiança de que LC lhe era infiel, o arguido agrediu-a no quarto da residência com socos, pontapés, puxões de cabelos, com o cano de uma arma de pressão de ar desmontada na zona lombar e com um cabo de electricidade nas pernas;
- Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com hematomas pelo corpo;
- Em data não concretamente apurada, mas umas semanas depois da situação anterior, numa deslocação a (...), mais uma vez motivado por ciúmes e pela desconfiança de que LC lhe era infiel, o arguido disse àquela que a ia matar e desferiu-lhe dois pequenos golpes na barriga com uma faca de cozinha;
- Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com marcas na barriga;
- Pese embora as lesões e dores sofridas, LC nunca foi assistida em qualquer Hospital na sequência das mesmas;
- No dia 28 de Junho de 2014 - já após a separação - cerca das 21 horas, o arguido telefonou para a LC, com vista a convencê-la a regressar para casa e, face à recusa desta, disse-lhe que tinha uma arma consigo e que a ia matar. 
Efectivamente, a sucessão de agressões físicas, com murros, pontapés, de modo a deixá-la marcada na face (num dos olhos) - zona particularmente sensível do corpo e, desde logo, mais estigmatizante pela sua visibilidade e pela afectação que traduz ao nível da estética - com objectos como canos de armas e cabos de electricidade, traduz um comportamento excessivo, cruel, que manifesta falta de respeito pela dignidade da companheira, aproveitando-se da sua superioridade física, usando e abusando dessa força física. 
Para além disso, as ameaças de morte, quer para a forçar a admitir uma relação extraconjugal quer para a forçar a reatar o relacionamento, bem como as injúrias, traduzem comportamentos que criam angústia, intranquilidade, medo, insegurança, humilhação e que integram o conceito de maus tratos psíquicos. 
Todos os actos praticados pelo arguido integram comportamentos com carácter violento, face à fraca motivação dos mesmos, ao modo de execução, e ao contexto em que foram praticados, estão intimamente ligados à relação de proximidade existencial de partilha que se estabeleceu entre ele e a ofendida, tendo sido praticados por causa dela e a maior parte deles no momento temporal em que essa relação era actual.
Assim, os actos praticados pelo arguido, considerados na sua globalidade, valorados no seu conjunto, são objectivamente idóneos a pôr em causa o desenvolvimento da personalidade da ofendida, a sua integridade pessoal, a sua dignidade de pessoa humana e a sua saúde, física e psíquica - de forma mais grave, em virtude da relação de confiança que existiu entre o arguido e a ofendida por força da vivência para conjugal que estabeleceram - e traduzem crueldade e insensibilidade segundo os padrões sociais vigentes. 
Efectivamente, com o seu comportamento - agredindo a ofendida com murros, pontapés, socos, puxões de cabelos, com o cano de uma arma de pressão de ar desmontada na zona lombar, com um cabo de electricidade nas pernas, com uma faca na zona da barriga, ameaçando-a de morte, apelidando-a de “puta” e “desgraçada” - o arguido - que agiu inicialmente motivado por ciúmes e, depois, querendo forçar a ofendida a reatar a relação, desprezando a vontade da ofendida - atingiu, intoleravelmente o núcleo essencial do bem jurídico protegido pela incriminação. 
Verifica-se igualmente a circunstância agravante prevista no n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal, na medida em que as duas primeiras situações foram levadas a cabo no domicílio comum. Deste modo, tratando-se de crime único, embora de execução reiterada, é objectivamente imputável ao arguido a agravação do n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal. 
Para além disso, resultou provado ainda que o arguido agiu de forma dolosa, designadamente que agiu com o intuito de molestar a saúde física e psíquica da LC, bem como causar-lhe receio pela sua vida e integridade física, provocando-lhe medo, inquietação e insegurança, o que logrou fazer de forma reiterada e sucessiva, bem sabendo que desta forma violava os especiais deveres que sobre ele impendiam em virtude da relação de co-habitação que mantinha com aquela, e que dessa forma a colocava numa situação de particular vulnerabilidade. 
Pelo que, em relação a LC não restam dúvidas que a conduta do arguido integra um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, al.b) e n.º 2 do Código Penal, crime pelo qual deverá ser condenado. 
Em relação à menor CR resultou provado que:
- Em data não concretamente apurada, mas posterior a Março de 2011, por a ter visto acompanhada com colegas que estavam a dizer palavrões, o arguido desferiu duas estaladas na menor CR em frente à escola (...), em F;
- Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de Maio de 2014, no interior da residência sita Rua (...), lote (...), em F, porque a CC não comeu um ovo à refeição, o arguido bateu duas vezes com o cinto na coxa esquerda da menor CR, causando-lhe dores e hematomas na zona atingida.
Em relação ao menor CG resultou provado que:
- Em data não concretamente apurada, mas posterior a Junho de 2010 e anterior a Março de 2011, quando o CG tinha seis anos, porque este inadvertidamente defecou nas cuecas, o arguido bateu-lhe na zona das nádegas, causando-lhe dor e deixando-o com um hematoma na referida zona do corpo;
- Em data não concretamente apurada, mas já posterior a Março de 2011, porque o seu ECA entalou um dedo numa porta e o arguido entendeu que o CG fora responsável, entalou o braço deste último na porta, o que lhe causou, pelo menos, dor.
A alínea d) do n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal prevê como sujeito passivo do crime de violência doméstica, a pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com coabite com o agente. 
E no n.º 2 do mesmo preceito qualifica a conduta quando praticada contra menor. 
	O conceito de pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, pode ser encontrado por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al.c) do Código Penal. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código Penal, Universidade Católica, 2008, pág. 350), a pessoa particularmente indefesa é a pessoa que se encontra numa situação de especial fragilidade devido à sua idade precoce ou avançada, deficiência, doença física ou psíquica ou gravidez, mas pode também incluir a situação da pessoa que se encontra numa situação de dependência hierárquica. 
	Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3 de Março de 2014, publicado em texto integral no site www.dgsi.pt, a propósito do crime de violência doméstica praticado na presença de menor “A agravação do crime de violência doméstica, resultante do facto de ser praticado na presença de menor (…), espelha a intenção do legislador de estender a tutela penal a pessoas de maior vulnerabilidade (…). 
	Ora, é manifesto que os menores, tenham 6 ou 11 anos, como acontece no caso em apreço se encontram numa situação de especial vulnerabilidade em relação ao adulto, que deles cuida, que lhes providencia pela alimentação, pelo vestuário e pela satisfação das suas necessidades pessoais, sendo exactamente essa a razão da tutela penal e do seu respectivo agravamento. 
	Relativamente aos castigos aplicados a menores, muito se tem discutido na doutrina e na jurisprudência se todos os castigos físicos humilhantes ou privativos da liberdade, conduzem à punição dos agentes pelos crimes de ofensa à integridade física, de injúria, de ameaça, de coacção, de sequestro, de violência doméstica ou de maus tratos. 
	Segundo Taipa de Carvalho (in Comentário Conimbricense ao Código Penal, pág. 520), os castigos físicos e as privações da liberdade, quando aplicados a menores, mesmo que impostos com uma finalidade ou intenção educativa poderão preencher o crime de violência doméstica, mas o poder/dever educação dos pais, ou de quem os substitua, pode consubstanciar uma causa de justificação para certos castigos, desde que estes sejam necessários, adequados, proporcionais e razoáveis. Se o castigo for grave, ou reiterado, nunca poderá ser justificado, mesmo que tenha sido aplicado com intenção educativa. No mesmo sentido, Plácido Conde Fernandes (in Violência Doméstica, pág.308/309). 
	Figueiredo Dias refere três condições de que a maioria da doutrina faz depender a justificação dos castigos: a finalidade educativa, a proporcionalidade do castigo e a sua moderação. 
	Já a autora Paula Ribeiro de Faria (in “Acerca da Fronteira entre o castigo legítimo de um menor e o crime de maus tratos do artigo 152.º do Código Penal, RPCC, 2006, 317-343) faz alusão ao conceito de adequação social. Segundo esta autora, a teoria da adequação social permite, então, excluir a tipicidade das chamadas condutas bagatelares, em nome do princípio da necessidade e da dignidade penal, mas também das lesões da integridade física ou de outro bem jurídico como a honra ou a liberdade que, pelas circunstâncias em que ocorreram, ou seja, atendendo-se à globalidade da conduta, sejam socialmente adequadas. 
	Segundo esta autora, existem quatro índices que, quando verificados, determinarão a atipicidade dos castigos: a legitimidade do agente (pais, terceiros que exerçam as responsabilidades parentais ou tutor); a intenção educativa (intuito de contribuir para a formação do menor e não com desejos de vingança ou de modo a descarregar frustrações); finalidade educativa (idoneidade do castigo ao fim visado); proporcionalidade do castigo (depende da idade do menor, da razão do castigo, características do menor). 
	Por fim, numa posição original no nosso país, Clara Sottomayor nega a existência de uma poder de correcção e entende que, face à nova concepção de família e à nova visão da infância e afirmação das crianças como sujeitos de direitos, terá de ocorrer necessariamente uma transformação do conceito de maus tratos e de castigo adequado e proporcional, nomeadamente através do alargamento do espaço de criminalização pela jurisprudência. Esta autora entende que a justificação dos castigos corporais aplicados a crianças constitui um factor de discriminação destas em relação aos adultos, uma vez que se os adultos não se podem castigar uns aos outros, também não poderão castigar as crianças, principalmente tendo em conta a sua especial vulnerabilidade. 
	Ora, é indubitável, mesmo para os autores que consentem o dever de educação/correcção como causa de justificação da conduta, que não só tem de existir um intuito educativo como o castigo tem de ser proporcional, adequado e necessário. 
	No caso concreto, cremos que a conduta do arguido, nas quatro situações que se deram por provadas, excede essa proporcionalidade e necessidade, não foram adequados e não tiveram intuito educativo. Pergunta-se: qual o intuito educativo de bater com um cinto por não comer um ovo?; qual o intuito educativo de dar duas bofetadas à porta da escola por não gostar do comportamento do grupo de amigos em que a menor se inseria?; qual o intuito educativo de bater até deixar hematoma quando um menor de 6 anos faz as necessidades fisiológicas nas cuecas?; qual o intuito educativo de entalar um braço porque sem querer um menor entalou o dedo de um irmão? Nenhum! E são castigos proporcionais e adequados aos comportamentos dos menores? Obviamente que não pois educar não é humilhar nem magoar. 
Deste modo, também nestes casos - as condutas do arguido - bater com um cinto (com tal violência que mesmo estando a menor tapada com duas mantas ficou com as marcas do cinto na coxa), por causa de a menor não comer um ovo, dar bofetadas à porta da escola (causando-lhe humilhação perante os pares), bater com violência ao ponto de deixar hematomas porque o menor fez as necessidades fisiológicas nas cuecas, entalar um braço como forma de retaliação, traduzem comportamentos excessivos, cruéis, que manifestam falta de respeito pelos filhos da sua companheira, aproveitando-se da sua superioridade física, usando e abusando dessa força física. 
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 4 de Março de 2013, publicado em texto integral em www.dgsi.pt,: “O menor, pela especialidade da sua situação face ao adulto, tem direito a uma protecção especial que lhe preserve o seu futuro e desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, congregando-se essa ideia na expressão superior interesse da criança; o exercício do poder paternal deve estar submetido ao interesse da criança, devendo dar-se prevalência à continuidade da estabilidade psicológica e afectiva que vem sendo vivenciada pelas crianças; aí se incluindo a necessidade de a criança manter a continuidade da relação afectiva com a pessoa de referência - aquela com quem mantem uma relação afectiva reciproca e estável, quem lhe presta os cuidados, que a ama e protege, quem lhe proporciona condições para o seu desenvolvimento físico e psíquico, que a integrou na sua vida familiar e no meio que a circunda”. 
Com efeito, são comportamentos com carácter violento, atendendo à ausência de causa que os justifique, ao modo de execução, e ao contexto em que foram praticados, que traduzem crueldade e insensibilidade segundo os padrões sociais vigentes. 
Assim, os actos praticados pelo arguido, considerados na sua globalidade, valorados no seu conjunto, são objectivamente idóneos a pôr em causa o desenvolvimento da personalidade dos menores CC e Cl. C, a sua integridade pessoal, a sua dignidade de pessoa humana e a sua saúde, física e psíquica e atingem, intoleravelmente o núcleo essencial do bem jurídico protegido pela incriminação. 
Termos em que se mostram preenchidos, sob a forma de autoria material, os elementos objectivos do crime de violência doméstica, bem como os elementos subjectivos tendo em conta que o arguido agiu com dolo directo. 
Para além disso, a conduta do arguido é culposa, ou seja, o facto é pessoalmente censurado ao agente, revelando uma atitude interna juridicamente desaprovada e pela qual ele tem de responder perante a exigência do dever ser comunitário (Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, pág. 274). 
	Taipa de Carvalho (ob. cit.) fala ainda na possibilidade de verificação de uma causa de exclusão da culpa - a falta de consciência da ilicitude não censurável. Refere este autor que em relação a certos castigos aplicados a menores, a falta de consciência da ilicitude só poderá ser considerada não censurável (apesar de não justificados e, portanto, ilícitos), desde que tais castigos não assumam uma relativa gravidade de as motivações do agente não sejam censuráveis. Porém, desde que os castigos assumam gravidade de relevo, não deve, hoje - mesmo que a intenção tenha sido a de correcção - considerar-se não censurável (e, portanto, não dever considerar-se excludente da culpa) a falta de consciência da ilicitude de tais castigos. 
	No caso, face ao que ficou exposto, consideramos que, a ponderar-se uma eventual falta de consciência da ilicitude - o que não se consente - seria sempre censurável, na medida em que, não houve intenção educativa, e os castigos aplicados para além de fisicamente graves, foram humilhantes e desproporcionais.  
	Tendo os crimes sido praticados contra menores verifica-se igualmente a qualificativa prevista no n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal. 
	Por conseguinte, deverá o arguido ser condenado por três crimes de violência doméstica, e não existem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. 

Da escolha e determinação da medida da pena:
Tendo-se apurado responsabilidade penal do arguido, cumpre determinar qual a tutela penal a aplicar, nos termos do disposto nos artigos 71.º, n.º 3 e 375.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. 
Ao crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, al.b) e al.d) e n.º 2 do Código Penal é de 2 a 5 anos de prisão.   
Determina o artigo 71.º, n.º 1 que a medida concreta da pena deverá ser determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
De acordo com o disposto no artigo 40.º do Código Penal, a aplicação das penas e medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum a medida da pena ultrapassar a medida da culpa.  
	A escolha da pena é fornecida pela medida da necessidade de protecção de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva e pela necessidade de integração e socialização do agente, ou seja, pelas exigências de prevenção especial, sendo a culpa do agente valorada em momento posterior na determinação da medida da pena. A culpa, funcionando como pressuposto da aplicação da pena pois não há crime sem culpa, tem também a função de limite a partir do qual a pena é ilegítima (artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal).
A fixação da medida concreta da pena far-se-á nos termos equacionados nos artigos 40.º, n.º 2 e 71.º, ambos do Código Penal, ou seja, à culpa cabe a função de determinar o limite máximo da pena; à prevenção geral de integração a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos (dentro do que é consentido pela culpa) e cujo limite mínimo se encontra nas exigências de defesa do ordenamento jurídico; à prevenção especial, cabe a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente.
Por outro lado, deverão ser consideradas, ainda, todas as circunstâncias gerais que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente, designadamente, o grau de ilicitude do facto, a intensidade do dolo e a conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, bem como as suas condições pessoais e a sua situação económica.  
Cumpre então ponderar o que segue: 
 - quanto ao grau de ilicitude dos factos, ao modo de execução dos mesmos e as suas consequências, assumem relevância os objectos com que foram provocadas as lesões à ex-companheira e à menor CC e as concretas lesões provocadas às três vítimas, quer em termos físicos quer em termos psíquicos; 
	- quanto ao grau de culpa, verifica-se que o arguido agiu com dolo directo;
	- quanto aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e às motivações do arguido, verifica-se que o arguido agiu motivado por ciúmes quanto à ex-companheira e por necessidade de se impor face aos menores, o que fez pela força, sendo que com as suas condutas revelou sentimentos de vingança e crueldade;
	- por fim, no que se refere às condições pessoais do arguido, há que atender, a seu favor, que não tem antecedentes criminais e que se encontra inserido profissionalmente; em seu desfavor, há que ter em consideração que, não tendo o arguido um passado associado a violência doméstica, as suas condutas revelam uma personalidade disforme, demonstrando que o bem estar dos menores e da sua ex-companheira não se sobrepõe ao seu egoísmo pessoal; desvalorizando os seus comportamentos, não admitindo a censurabilidade dos seus actos. 
	Assim, para além de serem elevadas as exigências de prevenção especial, são igualmente elevadas as exigências de prevenção geral. Com efeito, o comportamento ilícito do arguido é sentido pela comunidade como sinal de desprezo pela dignidade humana, fazendo perigar as expectativas dos restantes cidadãos na eficácia do ordenamento jurídico. No nosso tempo a natureza dos ilícitos em causa não se pode tolerar, pois que a violência no seio familiar, quase sempre silenciada, é um dos grandes flagelos da nossa sociedade e só uma cultura interiorizada de respeito pela dignidade poderá criar as condições de harmonia desejadas.
A violência é um acto essencialmente genético, comum a todos os seres vivos, mas, apesar de duras evidências de sinal contrário, também neste aspecto, as sociedades tendem a evoluir positivamente. 
A sociedade actual está muito longe de poder ser considerada aceitável, notando-se uma enorme disfunção entre a realidade e o sentimento social dominante, não se negando que, neste momento, existe uma profunda crise de valores, com causas e efeitos ainda indeterminados, apesar dos homens continuarem a procurar, por várias formas, novos caminhos, agora cada vez mais globais e globalizantes que os conduzirão, se não à meta desejada, pelo menos a melhores formas de sociedade. 
As sensibilidades actuais, que timidamente se vão mostrando (mesmo em diplomas de cariz ostensivamente político), mais não são do que a consequência da sedimentação dos actos históricos do Homem e, afinal, o indicador positivo de uma constante revolução de mentalidades, sendo que aos Tribunais cabe espelhar a sensibilidade social e defender os bens jurídicos, morigerando as mentalidades - vide, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10 de Janeiro de 2005, disponível in www.dgsi.pt.
 Deste modo, tudo visto e ponderado, julgam-se proporcionais e adequadas às exigência de prevenção e à culpa do arguido as seguintes penas:
	- 3 anos de prisão, relativamente ao crime de violência doméstica contra LC;
	- 2 anos e 4 meses de prisão, relativamente ao crime de violência domestica contra CR;
	- 2 anos e 6 meses de prisão, relativamente ao crime de violência doméstica contra CG.  Do cúmulo Jurídico
Dispõe o artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
O critério do concurso efectivo de crimes assenta na pluralidade de tipos violados pela conduta do agente, a que corresponde uma pluralidade de juízos de censura, equiparando-se na lei os casos de concurso real, em que a conduta se desdobra numa pluralidade de actos, aos de concurso ideal, em que a conduta se analisa num único acto. 
Dispõe o artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal que:
“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
Com efeito, o arguido praticou as infracções no mesmo dia, logo, antes de ter sido julgado por qualquer delas.  
A previsão legal vertida na segunda parte do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, esclarece que a determinação de tal pena deverá resultar da consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do arguido.
O n.º 2 do preceito fixa, como limite máximo da pena aplicável, a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes - o que, in casu ascende a 7 anos e 10 meses de prisão. 
Como limite mínimo, a mesma norma situa-a na pena concreta mais elevada que foi aplicada e que integra o cúmulo - ou seja, no caso em apreço a pena de 3 anos de prisão.  
Pelo exposto, o cúmulo jurídico das penas em causa será definido entre 7 anos e 10 meses e 3 anos de prisão. 
Ponderando-se, em conjunto, a elevada ilicitude dos factos, a gravidade das consequências, o dolo, a postura e personalidade do arguido manifestados na matéria provada em audiência de julgamento, mas igualmente a ausência de antecedentes criminais, que abona a favor do arguido, considera-se ajustada a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.	Do direito à indemnização:
	Nos termos do artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro (lei que instituiu o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das vítimas nestes crimes):
	“1. À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito de obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. 
	2. Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser”. 
	O artigo 82.º A do C.P.P. dispõe que:
	“1. Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham. 
	2. No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório. 
	3. A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização”.
Como supra referido, a violência doméstica insere-se hoje na criminalidade violenta, de acordo com a definição do artigo 1.º do Código de Processo Penal, o que se justifica por atingir dimensões insuportáveis e pôr em causa bens jurídicos da maior relevância estritamente associados à essencial dignidade da pessoa humana.
	Assim, em caso de condenação por crime de violência doméstica, mesmo que a vítima não tenha deduzido pedido de indemnização civil, desde que não se tenha expressamente oposto ao seu arbitramento, deve ser arbitrada uma reparação por via do disposto no artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 21.2. – neste sentido, os recentes Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de Maio de 2014 e de 2 de Julho de 2014, ambos publicados em texto integral em www.dgsi.pt. 
	No caso, nenhuma das três vítimas deduziu pedido de indemnização, sendo que LC, por si e em representação dos seus filhos menores, se pronunciou em sentido favorável à sua fixação. Mesmo que a entender-se que só o podia fazer por si, nenhum dos menores se opôs expressamente a que lhe fosse arbitrada uma indemnização. 
	Posto isto. 
Nos termos do disposto no artigo 129.º do Código Penal, a indemnização por perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.
Preceitua o artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Assim, para que haja obrigação de indemnizar é necessário que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
1)	Facto voluntário – no sentido de controlável pela vontade humana;
2)	Ilicitude – reprovação da conduta do agente no plano geral e abstracto da lei, em contraposição à culpa que se reporta a um comportamento concreto;
3)	Culpa – imputação do facto ao lesante, a título de dolo ou negligência, em qualquer das suas modalidades.
4)	Dano – pode ser real (lesão causada no interesse juridicamente tutelado), patrimonial (reflexo do dano real na situação patrimonial do lesado, englobando danos emergentes e lucros cessantes), ou não patrimonial (o que é insusceptível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado).
5)	O nexo de causalidade – só há responsabilidade relativamente aos danos que o lesado provavelmente não sofreria se não fosse aquela conduta, estando entre nós consagrada a teoria da causalidade adequada.
	Só e apenas quando preenchidos cumulativamente os pressupostos acima indicados incorrerá o agente em responsabilidade civil por factos ilícitos e, eventualmente, no pagamento da respectiva indemnização.
	No caso concreto, não há dúvidas, face à factualidade provada, que o arguido praticou factos ilícitos e culposos contra as três vítimas, e que lhes causou danos – físicos e psicológicos – danos esses que resultaram directa e necessariamente das suas condutas. 
	Donde, estão verificados todos os pressupostos da obrigação de reparação. 
O artigo 562° do Código Civil dispõe que "Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstruir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação ". 	
Constitui princípio geral do nosso ordenamento jurídico, que a reparação se faz por reconstituição natural. Quando esta não for possível, a indemnização far-se-á em dinheiro (cf. artigo 566°, n.º 1 do Código Civil). 
Dispõe o artigo 496.º do Código Civil que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais (sendo que os danos físicos são tutelados no nosso ordenamento como danos não patrimoniais) que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, devendo, de acordo com o disposto no n.º 3 deste artigo, a determinação do montante da indemnização ser feito com base na equidade, tendo em consideração as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo código, designadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, ponderando-se ainda os padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência.
Da equidade, dir-se-á que não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para a correcção do Direito, em ordem a que tenham em consideração, fundamentalmente, as consequências do caso concreto, devendo ter-se em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida.  
No caso, resultou provado que a conduta do arguido se prolongou entre 2010 e 2014, sendo que actualmente se encontra a residir numa casa arrendada pelo valor de € 200,00 (duzentos euros), trabalha como trabalhador rural e aufere vencimento mensal de € 549,00 (quinhentos e quarenta e nove euros). A LC vive em casa dos progenitores, com os seus filhos, incluindo o filho do arguido, e trabalha no Jumbo, em F. 
Pelo exposto, tem-se como adequada uma reparação no montante de € 1500,00 para a ex-companheira, LC, e no montante de € 1.000,00 para cada um dos menores, CR e CG. 
*

APRECIANDO, conforme ao definido objecto do recurso: 

A)	- do erro notório na apreciação da prova:
O recorrente invoca que o tribunal incorreu em erro notório na apreciação da prova, por referência à perspectiva de que a prova produzida não deveria ter conduzido às conclusões extraídas quanto aos factos que indica como incorrectamente julgados, apoiando-se, ainda, na convocação do princípio in dubio pro reo. 
Manifestando a sua discordância quanto à valoração dessa prova, não se descortina, contudo, em que sustenta a presença desse vício da decisão, que, como tal, tem de decorrer do texto da mesma, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, nos termos do art. 410.º, n.º 2, do CPP.
Esse erro, com a vertente referida, terá de ser interpretado como o tem sido o conceito de facto notório em processo civil, ou seja, como o facto de que todos se apercebem directamente ou que, observado pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório (acórdão do STJ de 06.04.1994, in CJ Acs. STJ, ano II, tomo II, pág. 185).
	Consubstancia, como referem Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7.ª edição, Rei dos Livros, págs. 77/78, falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido).
	Deste modo, deparar-se-á quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio (acórdão do STJ de 24.03.2004, no proc. n.º 03P4043, in www.dgsi.pt).
Ainda, segundo Maria João Antunes, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 4 (1994), pág. 120, verifica-se «sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art.127º do CPP, quando afirma que a prova é apreciada segundo as regras da experiência».
A argumentação do recorrente prende-se, todavia, com a sua crítica à convicção formada pelo tribunal e, deste modo, situa-se em âmbito que não se adequa aos limites da aferição do erro notório. 
Se bem que este constitua, em si mesmo, limite à livre apreciação probatória prevista naquele art. 127.º, necessário é que se revele como asserção ilógica e contendendo com as regras da experiência, e não, como o recorrente aparenta pretender, como resultado de diferente visão dessa prova.
Acresce que, analisado o texto do acórdão, é manifesto que não padece de qualquer incongruência ou falta de lógica no raciocínio por que o tribunal enveredou, nem contende com as regras da experiência ou da produção e valoração da prova. 
Além da ausência de concretização do vício e da aparente equiparação deste a erro de julgamento, a alegação de violação daquele princípio in dubio pro reo está, inevitavelmente, nesta sede, votada ao fracasso, não resultando minimamente que o tribunal viesse a expressar dúvida que não tivesse ultrapassado ou que, na circunstância, se impusesse que dúvida séria e relevante conduzisse a diferente julgamento acerca dos factos apreciados.  
	Outras considerações, nesta parte, são dispensáveis, dada a manifesta inviabilidade do preconizado pelo recorrente.

B)	- da impugnação de matéria de facto:
A modificação da matéria de facto pode verificar-se, segundo o disposto no art. 431.º do CPP, designadamente “se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º”. 
Há que notar, porém, como vem sendo pacificamente entendido, que o recurso é mero remédio jurídico, e não novo julgamento com repetição dos meios de prova produzidos em 1.ª instância (exceptuado o caso em que seja admissível a renovação da prova), traduzindo reapreciação necessariamente cirúrgica e num plano alheio à imediação e à oralidade que regem a audiência de julgamento. 
Já Cunha Rodrigues o salientava, in “Lugares do Direito”, Coimbra Editora, 1999, págs. 498/499, ao referir que o Código de Processo Penal assume claramente os recursos como remédios jurídicos e não como meios de refinamento jurisprudencial, não visando o único objectivo de uma «melhor justiça».
Por isso, mesmo quando se considere a impugnação da matéria de facto de forma processualmente válida, nem por isso a impugnação equivale necessariamente à modificação da decisão de facto recorrida.
Tal impugnação não se bastará, para que venha a proceder, com a pretensão de dar-se como provada determinada versão, com base nas provas produzidas e diferentemente valoradas por quem recorre, já que a censura do tribunal ad quem não incidirá sobre a decisão do tribunal a quo que assente a sua convicção sobre a credibilidade da prova produzida, ou a falta dela, em elementos que relevam daqueles princípios da imediação e da oralidade, aos quais o tribunal de recurso não tem acesso, sem prejuízo dos limites do princípio da livre apreciação da prova consagrado no mencionado art. 127.º. 
A impugnação da decisão nesse âmbito visa, na realidade, corrigir erros de julgamento assentes em prova inválida e/ou insuficiente e não, propriamente, obter a prevalência de convicção diversa do tribunal ad quem, acompanhando total ou parcialmente a convicção de quem recorre.
Sendo certo que esse princípio da livre apreciação da prova não é absoluto, já que a própria lei lhe estabelece excepções - designadamente, as respeitantes ao valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (art. 169.º do CPP), ao caso julgado (art. 84.º do CPP), à confissão integral e sem reservas no julgamento (art. 344.º do CPP) e à prova pericial (art. 163.º do CPP) -, não é menos real, também, que não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. 
Aos seus limites, consubstanciados nas regras da experiência e na livre convicção do julgador, terá de corresponder a necessária fundamentação objectiva, inteligível e adequada à individualidade histórica do caso concreto, tal como ela foi adquirida representativamente no processo, pelas alegações, respostas, inquirições e outros meios de prova disponibilizados, sem perder de vista os critérios generalizadores da experiência que orientam os caminhos da descoberta da verdade, oferecendo probabilidades conclusivas, mas susceptíveis de motivação e controlo (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1165/96, de 19.11, in BMJ n.º 461, pág. 93).
No entanto, quando a atribuição de credibilidade a uma dada fonte de prova se baseia numa opção do julgador assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só tendencialmente estará habilitado a exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende as regras da experiência comum.
Em concreto, o recorrente respeitou as exigências de especificação daquele art. 412.º, n.º 3, tendo indicado os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os elementos probatórios que, na sua perspectiva, impõem decisão diversa, procedendo à transcrição integral dos mesmos e à concretização das passagens para tanto relevantes. 
Os pontos de facto impugnados são os constantes dos factos provados em 5. a 20., reconduzindo-se, assim, à integralidade da actuação, nas vertentes objectiva e subjectiva, que lhe foi imputada.
Os elementos de prova convocados à impugnação são as suas declarações em audiência e os depoimentos de LC, de CR e de JC. 
Sem prejuízo da transcrição que o recorrente oferece, a apreciação terá de incidir propriamente nas indicadas passagens, especificadas relativamente aos factos impugnados, em sintonia com a análise que, em sede de recurso, pode pedir-se e justificar-se.
Assim, vejamos a argumentação trazida, no confronto da motivação operada pelo tribunal e procedendo, quanto necessário, à audição da prova levada à audiência.
Acerca dos factos provados em 5. (“Em data não concretamente apurada, mas no decurso do ano de 2010, cerca de um ano depois do início do relacionamento, quando viviam no Sitio de MG, F, motivado por ciúmes e pela desconfiança de que a referida LC lhe era infiel, o arguido agrediu-a no quarto da residência com murros e pontapés, ao mesmo tempo que a apelidou de “puta” e “desgraçada””) e em 6. (“Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com hematomas no corpo e num olho”), o recorrente negou-os em audiência, enquanto a ofendida LL aos mesmos se reportou.
Pese embora o resultado contraditório desses elementos de prova, como decorre, quer da motivação decisória, quer das respectivas passagens transcritas, o tribunal acatou o depoimento daquela, valorando-o positivamente em razão da credibilidade que mereceu, o que ficou amplamente explicitado no acórdão.
Não se revela que as declarações do recorrente, meramente negatórias, tenham virtualidade para isso infirmar.
A sua alegação de que O depoimento da ofendida não foi mais isento ou credível do que o do arguido, pelo contrário. Quem presenciou os depoimentos em causa e quem os ouve consegue perceber nitidamente, comparando o tom de voz da ofendida e do arguido, que este prestou um depoimento calmo ao contrário daquela, que prestou um depoimento alterado, descrevendo os factos que alega terem acontecido de forma empolada, não tem virtualidade para suportar que os factos não tenham ocorrido.
Aliás, através da audição pertinente (art. 412.º, n.º 6, do CPP), não resulta que o depoimento da ofendida tenha sido marcado por alguma menor clareza ou algum exagero ou eventuais contradições, tornando-se lógico e inteligível na contextualização que efectuou, sendo plenamente normal que alguma emotividade sua tivesse estado presente dada a delicadeza dos assuntos que relatou.
Além disso, se alguma calma às declarações do recorrente se pode atribuir, não custa concluir que é bem fácil para alguém limitar-se a negar do que a relatar situação que, como inevitavelmente em relação à ofendida, causou sensível e importante perturbação a vários níveis. 
Por seu lado, cabe assinalar que, não só as declarações da ofendida foram aqui tidas em conta, mas também, ainda que constituindo prova indirecta, o depoimento de CR, que referiu Eu lembro-me que ela uma vez foi trabalhar com o olho roxo, e o depoimento de JC, pai da ofendida, que, conforme motivação do tribunal, “nada tendo presenciado, também viu marcas no corpo da filha”. 
Quanto às reservas colocadas pelo recorrente de que          
- Não existe qualquer registo fotográfico dos hematomas dados como provados
- Não existe qualquer relatório médico referente às alegadas lesões;
- Não existem quaisquer testemunhas presenciais da alegada prática dessas lesões,
não configuram aspectos que imponha decisão diversa quanto a esses factos, uma vez que, para além do que ficou descrito, dada a natureza das lesões, não seriam necessários especiais cuidados médicos e a ofendida esclareceu que sempre teve medo do recorrente e, nessas alturas, trancava-me em casa, bem como não surpreende, bem pelo contrário pelas regras da experiência, que o recorrente os tivesse praticado na intimidade e de molde a que não fossem vistos por alguém, designadamente, os filhos e, acrescente-se, que só depois da separação, a ofendida os tenha denunciado perante as autoridades, mormente sendo essa, tanto quanto se sabe, a primeira vez que se verificaram.
No que respeita aos factos provados em 7. (“Em data não concretamente apurada, mas cerca de dois a três meses após a situação ocorrida na residência de MG, quando o arguido e LL residiam na Estrada (...), em F, mais uma vez motivado por ciúmes e pela desconfiança de que LC lhe era infiel, o arguido agrediu-a no quarto da residência com socos, pontapés, puxões de cabelos, com o cano de uma arma de pressão de ar desmontada na zona lombar e com um cabo de electricidade nas pernas” e em 8. (“Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com hematomas pelo corpo”), defende o recorrente que o depoimento da ofendida foi impreciso, incapaz de precisar datas e inconsistente e, mais uma vez, reforçando que os negou e a ausência de outros elementos para além desse depoimento.
Porém, desde logo, contrariamente ao invocado no âmbito da suposta relevância dessa ausência, não se provou que a ofendida tivesse ficado com hematomas por todo o corpo, mas sim, apenas, pelo corpo, naturalmente nas partes atingidas, o que suscita, identicamente ao já assinalado, que não necessitasse de cuidados médicos e não lhe ocorresse, ou tivesse sido inviabilizada, a sua ida ao hospital ou centro de saúde.
Analisado o depoimento da ofendida, constata-se que pormenorizou a acção do recorrente e as circunstâncias em que a mesma ocorreu, sendo que, relativamente à data em que se verificou, esclareceu que terá sido dois, três meses, por aí, depois da primeira situação.
Assim sendo, não se tornava exigível uma maior concretização temporal, uma vez que, como se compreende, a indicação precisa de determinado dia não é imprescindível, desde que minimamente situado e, como aqui sucede, corroborado pela suficiente descrição dos actos em causa. 
Não se descortina, por isso, no depoimento, verdadeira imprecisão que inviabilizasse que a conclusão pudesse ter sido extraída como foi.
No que concerne aos factos provados em 9. (“Em data não concretamente apurada, mas umas semanas depois da situação descrita em 7), numa deslocação a (...), mais uma vez motivado por ciúmes e pela desconfiança de que LC lhe era infiel, o arguido disse àquela que a ia matar e desferiu-lhe dois pequenos golpes na barriga com uma faca de cozinha”) e em 10. (“Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com marcas na barriga”), o recorrente considera o depoimento da ofendida como exagerado e inverosímil, invocando que explicou que era frequente irem a essa localidade e que nada aconteceu, não suportando a lógica que aquela tenha referido que a levou para a matar e, ainda, que afinal se tivesse tratado, também como mencionou, de duas picadas e eram uma coisa mínima.
Alega, por seu lado, que os depoimentos de CR e JC não podem ter servido de fundamento para esses factos, por nada terem presenciado.
Vejamos.
Desde logo, detecta-se, pela motivação do tribunal, que esses dois últimos depoimentos, embora sustentando também a prova dos factos em apreço, não foram referidos, neste âmbito, enquanto prova directa dos mesmos.
Na verdade, aí não se refere que CR tenha dito que presenciou essa situação, nem isso decorre do seu depoimento, sendo que a alusão do tribunal para as diversas situações tem, obviamente, de interpretar-se perante a multiplicidade destas e não como menção a que a testemunha de todas tenha tido esse indirecto conhecimento.
Quanto ao depoimento de JC, que o recorrente apenas transcreve na íntegra e não, como seria conveniente, destacando passagens que entendia relevantes, a motivação do tribunal é esclarecedora e não contende com o mesmo:            
“a testemunha JC, nada tendo presenciado, também viu as marcas no corpo da filha e essencialmente, apercebeu-se do carácter violento do arguido, designadamente em situações que não o justificariam, tal como se apercebeu das mudanças de comportamento da filha”, além que, conforme se exige, a sua análise foi ponderada conjuntamente com a restante prova.
	Relativamente ao declarado pelo recorrente, de que a ofendida por vezes o acompanhava e ajudava a passar cabos, não vem minimamente infirmar o apurado e, se isso acontecia, foi bem diversa a situação transmitida pela ofendida, sobre a qual nesta vertente, a afirmação de que a levou para a matar aparece no contexto que explicitou, sem que se descortine que o mesmo implique que assim não tivesse sido.
	Não se desconhece que o transporte da faca fosse habitual, dada a actividade profissional do recorrente, bem como, certamente, que se essa fosse a sua intenção (o que não se provou), nesse contexto, isso não lhe teria sido inviável. 
Por seu lado, a circunstância de se ter tratado de “dois pequenos golpes na barriga” está em sintonia com o que foi revelado pela ofendida, como que desvalorizando-os em face do que a situação de lhe ter dito que a ia matar a teria feito crer quanto a uma maior gravidade.
Quanto ao facto provado em 11. (“Pese embora as lesões e dores sofridas, LC nunca foi assistida em qualquer Hospital na sequência das mesmas”), que o recorrente preconiza seja a primeira parte considerada como não provada, mostra-se relacionado com a conduta anteriormente descrita, reputando-se que, para além do depoimento da ofendida (que até se disponibilizou a exibir as marcas em audiência), a experiência nos diz que esse tipo de agressão, quer pelo meio usado, quer pelo local atingido, provoca as sequelas em causa. 
Acerca do facto provado em 12. (“No dia 28 de Junho de 2014 - já após a separação - cerca das 21 horas, o arguido telefonou para a LC, com vista a convencê-la a regressar para casa e, face à recusa desta, disse-lhe que tinha uma arma consigo e que a ia matar”), o recorrente contesta que só tivesse assentado no depoimento da ofendida, além de alegar que negou ter ameaçado a testemunha e a Polícia de Segurança Pública não encontrou qualquer arma na sua casa.
É, porém, insuficiente para fundamentar que o relato da ofendida não devesse ter sido atendido pelo tribunal da forma como o foi, na medida em que traduz mera discordância quanto ao que esta referiu.
Também, a sua negação não vale mais do que isso mesmo e a circunstância de não deter arma consigo não colide com a avaliação que a ofendida tenha feito quanto ao que lhe transmitiu, mormente, em razão do que já antes sucedera.
Sobre o facto provado em 13. (“Em data não concretamente apurada, mas posterior a Março de 2011, por a ter visto acompanhada com colegas que estavam a dizer palavrões, o arguido desferiu duas estaladas na menor CR em frente à escola (...), em F”), o recorrente, mais uma vez, surpreende-se que tenha sido aceite, para tanto, apenas o depoimento de CR, alegando que esta, por ser menor, não prestou juramento e que se viu impedido de exercer o contraditório, sem indicação de dia, hora e local onde tal facto teria sucedido.
Todavia, ouvido o depoimento, não decorre que a juventude da testemunha (à data com 13 anos) a tivesse levado a construir narração sem correspondência com a realidade, dada a forma espontânea e sem reticências ou contradições como foi respondendo às questões colocadas.
Por seu lado, a ausência de prova adicional, perante o contexto e a natureza da situação, resulta normal.
Como, também, de harmonia com a normalidade, a circunstância da testemunha não ter logrado indicar, com rigor, a data em que se verificou, não sem que, contudo, tivesse esclarecido, de modo credível, como ocorreu, não se vendo fundamento, apesar da sua idade, para nela não acreditar, nem, identicamente, para que a possibilidade de exercício do contraditório pelo recorrente tivesse sido coarctada.
Quanto ao facto provado em 14. (“Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de Maio de 2014, no interior da residência sita na Rua (...), lote (...), em F, porque a CC não comeu um ovo à refeição, o arguido bateu duas vezes com o cinto na coxa esquerda da menor CR, causando-lhe dores e hematomas na zona atingida”), o recorrente preconiza que, conforme declarou em audiência, a situação se tenha verificado em virtude de CC se ter recusado a jantar consigo e com os irmãos.
Não concretiza o porquê da sua asserção senão em que deveria ter merecido mais credibilidade que CC.
Ora, o facto em causa versa implicitamente sobre o que terá ocorrido após a refeição, sendo diferente de constar, como o recorrente pretende, explicitação acerca do que eventualmente se verificara antes da mesma.
De todo o modo, está em sintonia com o depoimento de CC e, também, embora acentuando a perspectiva de que esta não teria ido jantar quando foi chamada para o efeito, as declarações do recorrente não o infirmam.
Não decorre alegada confusão naquele depoimento na parte em causa e, ainda que assim não fosse, sem perder de vista que se trata de uma menor, a circunstância da testemunha, anteriormente, estar, ou não, a dormir não assume qualquer relevo.
Acerca dos factos provados em 15. (“Em data não concretamente apurada, mas posterior a Junho de 2010 e anterior a Março de 2011, quando o CG tinha seis anos, porque este inadvertidamente defecou nas cuecas, o arguido bateu-lhe na zona das nádegas, causando-lhe dor e deixando-o com um hematoma na referida zona do corpo”) e em 16. (“Em data não concretamente apurada, mas já posterior a Março de 2011, porque o seu ECA entalou um dedo numa porta e o arguido entendeu que o CG fora responsável, entalou o braço deste último na porta, o que lhe causou, pelo menos, dor”), a invocada ausência de prova segura não procede. 
Para tanto, não basta afirmá-lo e fundado em que ninguém assistiu, o negou e o menor Cl. C não foi ouvido quando poderia ter sido.
Note-se que, conforme motivação do tribunal: reportando ao depoimento de LC, noutra ocasião bateu no Cl. C ao ponto de ele ficar com as nádegas roxas; referindo-se ao depoimento de CR, relativamente ao seu irmão Cl. C, a testemunha referiu que uma vez, antes do nascimento do ECA, o irmão Cl. C fez as necessidades nas cuecas e o arguido zangou-se com ele e deu-lhe umas palmadas, referindo a testemunha que não as presenciou mas ouviu barulho e logo de seguida o irmão veio para o pé de si a chorar e tinha o rabo roxo; referiu ainda que já após o nascimento do ECA, em data que também não sabia concretizar, porque este uma vez se entalou numa porta e o arguido achou que a culpa era do Cl. C pegou nele e foi entalar o braço do Cl. C na mesma porta, sendo que desta vez o irmão não lhe mostrou o braço mas veio para ao pé de si a chorar e a dizer que doía.
Ora, à luz, sobretudo, deste último depoimento, não é aceitável desprezá-lo só porque a testemunha não presenciou a acção imputada ao recorrente, uma vez que aquela vivia na mesma casa do irmão, naturalmente com este convivia e conhecia-o, o que sucedia também relativamente ao recorrente, não era estranha ao que se passasse na residência e reparou, o que é normal, nos sinais que lhe foram então visíveis.  
A propósito da circunstância do menor Cl. C não ter sido ouvido, a explicação do tribunal é esclarecedora: considerou não ser necessário sujeitar um menor, actualmente com 10 anos, a rememorar situações traumáticas, o que se afigura perfeitamente justificado, sendo certo que, em audiência, o recorrente não suscitou questão nesse âmbito.
Quanto ao facto provado em 17. (“Pese embora as dores e as marcas no corpo, nenhum dos menores recebeu tratamento hospitalar em virtude das condutas do arguido”), o recorrente limita-se a dizer que, se não ficaram com quaisquer marcas, salvo na situação de CC por si admitida, o tratamento hospitalar seria desnecessário.
	Como tal, tem subjacente aspecto que não corresponde à realidade do apurado, reflectida em 14., 15. e 16., pelo que a sua alegação nenhum interesse assume.
Relativamente ao facto provado em 18. (“Ao proceder da forma supra descrita nos pontos 4 a 11, o arguido agiu com o intuito de molestar a saúde física e psíquica da LC, bem como causar-lhe receio pela sua vida e integridade física, provocando-lhe medo, inquietação e insegurança, o que logrou fazer de forma reiterada e sucessiva, bem sabendo que desta forma violava os especiais deveres que sobre ele impendiam em virtude da relação de coabitação que mantinha com aquela, e que dessa forma a colocava numa situação de particular vulnerabilidade”), insurge-se o recorrente contra a circunstância de se ter dado por provado que provocou medo e inquietação de forma reiterada em LC, sustentando que, mesmo aceitando-se o depoimento desta, as agressões teriam ocorrido antes do nascimento de ECA em 2011 e, se esse clima de terror se verificasse, a ofendida não teria tido esse filho e mantido o relacionamento até 2014, altura em que, sem que tivesse havido qualquer ofensa, o fez cessar.
Sem razão, contudo.
Por um lado, os actos praticados são, em si mesmos, idóneos a ter causado medo e inquietação na ofendida, além de que esta declarou que sempre teve medo do recorrente, pelo menos a partir do momento em que se iniciaram as desconfianças e as agressões, e a manutenção, não obstante, desse relacionamento nada tem de estranho, uma vez que é amplamente conhecido, em função da experiência, que vítimas de violência doméstica, dependentes e vulneráveis, vão suportando esse tipo de actos, muitas vezes na esperança de que os agressores se modifiquem, sem quererem quebrar os laços familiares e as consequências advenientes para os filhos e faltando-lhes apoio e coragem para abandonarem o que foram tentando construir.
E, é certo, quantas vezes o nascimento de um filho vem aparentemente servir de consolo para a vítima e dar-lhe o que necessita para, quanto possível, tentar menosprezar as divergências com quem vive ou vir a actuar no sentido de que tenha o discernimento para aquilatar da gravidade do comportamento do agressor e o denuncie, ainda que isso nunca seja de ânimo leve ou num período temporal muito curto?
Com efeito, embora parecendo que o recorrente não rejeitaria o reatar da relação com a ofendida, não é exigível que esta, a isso, se sujeitasse e, muito menos, só porque ainda viveu com aquele durante algum tempo após as aludidas agressões.
Quanto ao facto provado em 19. (“Ao proceder da forma descrita nos pontos 12 a 15, o arguido bem sabia que molestava física, moral e psicologicamente a CR e o CG, o que fez através do uso da violência física, com total indiferença para com o dever de respeito que deveria ser devido aos referidos menores”), o recorrente limita-se a dizer que não foi feita prova suficiente das ofensas, o que, inevitavelmente, se apresenta prejudicado pelo já explicitado quanto àqueles pontos e contende com a perspectiva educativa por si declarada.
Segundo o tribunal bem fundamentou, o arguido demonstrou conhecimentos adequados à sua faixa etária e condição social, pelo que não podia deixar de saber que os seus comportamentos eram adequados a causar ofensa na honra e dignidade pessoal de cada um, na integridade física e na auto-determinação pessoal, a causar medo e receio de comportamentos futuros semelhantes, o que efectivamente o arguido quis e conseguiu. Com efeito, pese embora o arguido tenha avançado com o argumento “educacional”, tal não mereceu qualquer credibilidade perante o tribunal. Por um lado, não se aplica às agressões levadas a cabo contra a então companheira LC e, por outro, nada no relatório social do arguido permite extrair a conclusão de que o arguido cresceu num ambiente de violência de modo a que tenha interiorizado tais tipos de comportamentos como correctos. Pelo contrário, os objectos utilizados para agredir (o cano de uma arma, um cabo eléctrico, um cinto) e as circunstâncias em que agredia (em frente à escola da menor, pelo menor ter feito necessidades nas cuecas, entalar o menor porque o mais novo se tinha entalado) são por si demonstrativas da intenção do arguido de humilhar, de ferir na honra e dignidade e também de demonstrar a sua superioridade. Com efeito, ficou o tribunal em crer que o arguido batia qualquer que fosse o motivo, donde o receio provocado nos demais elementos da família, que nunca sabiam quando iam ser agredidos mas que viviam na eminência de o ser, donde não se justifica acrescida ponderação.
No que respeita ao facto provado em 20. (“O arguido agiu em todos os momentos de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal”), idênticas considerações são pertinentes. 
Toda a impugnação operada pelo recorrente improcede.
Claramente se compreendem os motivos que presidiram à convicção formada pelo tribunal, com cabal cumprimento dos objectivos visados com a fundamentação, designadamente, a necessária explicitação do exame crítico que as provas mereceram (art. 374.º, n.º 2, do CPP), afigurando-se que a conjugação de todos os elementos permitiu, e bem, superar qualquer dúvida, mostrando-se respeitadas as regras e os limites de valoração da prova.
Se bem que o recorrente não aceite que, necessariamente, alguma prova contribuiu apenas indirectamente para o efeito, esse aspecto foi devidamente sustentado pelo tribunal e está em sintonia com a análise descomprometida dos factos, sem que, de forma alguma, a culpabilidade daquele não se apresente demonstrada.     
Como tal, a matéria de facto fixada como provada dá-se por definitivamente assente. 

C)	- das consequências a extrair quanto ao enquadramento jurídico dos factos: 
O recorrente discorda que as suas condutas tenham sido enquadradas como crimes de violência doméstica, previstos no art. 152.º do CP.
Quanto ao crime cometido na pessoa de LC, alega que os actos de agressão comportam situações ocasionais, apenas três, que, individual ou conjuntamente, não poderão consubstanciar aquele ilícito, sem gravidade bastante para esse desiderato, não se tendo provado que tivesse sido ofendida a dignidade pessoal daquela ou lesado o seu bem-estar de forma intolerável, que teve um filho em comum e só saiu do lar em 2014.
Por seu lado, invoca, na vertente da ameaça, que já ambos estavam separados e não houve qualquer outro contacto de teor ameaçador. 
Preconiza a sua absolvição e, mesmo que provados os factos, a sua integração em três crimes de ofensa à integridade física e um crime de ameaça, respectivamente p. e p. pelos arts. 143.º e 153.º do CP.
Ora, afastada, como ficou, a modificação da matéria de facto, a argumentação do recorrente não é de aceitar.
Acompanhando a fundamentação do acórdão, Efectivamente, com o seu comportamento - agredindo a ofendida com murros, pontapés, socos, puxões de cabelos, com o cano de uma arma de pressão de ar desmontada na zona lombar, com um cabo de electricidade nas pernas, com uma faca na zona da barriga, ameaçando-a de morte, apelidando-a de “puta” e “desgraçada” - o arguido - que agiu inicialmente motivado por ciúmes e, depois, querendo forçar a ofendida a reatar a relação, desprezando a vontade da ofendida - atingiu, intoleravelmente o núcleo essencial do bem jurídico protegido pela incriminação”, isso não merece censura à luz da imagem global que os factos oferecem, em cuidada ponderação.
A consagração do tipo legal surgiu como reflexo de uma crescente consciencialização da sociedade para a necessidade de intervenção do Estado perante uma realidade existente, traduzindo problemática de afirmação de domínio do mais forte, para o que concorrem diversos factores de risco, sociais e culturais.
O bem jurídico protegido pela incriminação é a saúde e a dignidade da pessoa e, como tal, complexo, que abrange a saúde física, psíquica e mental e que pode ser afectado por toda uma multiplicidade de comportamentos que atinge aquela dignidade.
	Tem de integrar padrão de comportamento com perigosidade típica para o bem-estar físico e psíquico da vítima. 
	Conforme sumário do acórdão desta Relação de Évora de 25.03.2010, no proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/211258" target="_blank">345/07.9PAENT.E1</a>, in www.dgsi.pt, A actual configuração do crime de violência doméstica, não exigindo comportamentos reiterados, pressupõe comportamento que se possa qualificar como maus tratos, o que não ocorre com qualquer agressão; ou seja, a configuração do crime pressupõe a existência de maus tratos físicos e psíquicos, ainda que praticados uma só vez, mas que revistam uma certa gravidade, traduzindo, nomeadamente, actos de crueldade, insensibilidade ou vingança da parte do agente e que, relativamente à vítima, se traduzam em sofrimento e humilhação.
Pacificamente ultrapassada pela doutrina e pela jurisprudência, também pelo legislador, a problemática relativa à necessidade, ou não, de reiteração do comportamento do agente, afigura-se que, no caso concreto, se verifica certa reiteração do recorrente, reflectida na repetição dos actos de agressão (os três a que se reporta), com proximidade temporal e revestindo gravidade considerável, ao longo da relação de coabitação, com motivação idêntica, afectando inegavelmente a dignidade da ofendida.
A circunstância da sua quantidade não ser elevada - três - não convence da mera ocasionalidade, perante a dimensão e a graduação que, no conjunto, revelaram, não se descurando que denotaram persistência e relevante insensibilidade do recorrente, acompanhados de injúrias e sequelas importantes, atingindo aquela dignidade.
Não tem interesse, para o efeito, que tenham tido filho em comum e/ou que a ofendida só mais tarde tenha abandonado a casa.
No tocante à referida ameaça, decorre que, apesar de ter ocorrido já depois da separação, está manifestamente conexionada com a anterior relação, comportou gravidade importante (ameaça de morte), insere-se na perspectiva de domínio que o recorrente exerceria sobre a ofendida e não se desprende, por tudo isso, da imagem global a que se aludiu.
Aliás, note-se, existindo muita proximidade entre a data da separação e a data em que a ameaça ocorreu, como no caso sucede (poucos dias), com a motivação que à mesma presidiu e, até, não esquecendo que o filho comum implicava algum contacto, todos os pressupostos de vivência em coabitação ainda pairariam, a que acresce que, nos termos do art. 152.º, n.º 1, do CP, não é requisito de preenchimento do crime que a relação análoga à dos cônjuges ainda persistisse ou que houvesse coabitação. 
A propósito dos crimes praticados nas pessoas dos menores CC e Cl. C, identicamente, o recorrente preconiza que não consubstanciam mais do que ofensas à integridade física e, ainda que o procedimento criminal possa prosseguir, a ilicitude estaria excluída por ter actuado com exclusiva finalidade educativa e correccional.
Ora, com respeito à sua invocada integração, atentando nos contornos desses actos, reveladores de uma intensa gravidade, o seu operado enquadramento, fundamentado pelo tribunal, merece aceitação.
Resta, no âmbito da exclusão da ilicitude, dizer que tal apenas seria susceptível de análise se a matéria de facto tivesse sido alterada e, também, é de salientar a esclarecida fundamentação do tribunal, conduzindo, e bem, a que os actos em que o recorrente incorreu sejam, na verdade, desproporcionais e desadequados à finalidade em vista.   

D)	- da redução da medida das penas:  
O recorrente entende que as penas (singulares e conjunta) são excessivas, pugnando pela sua redução para medidas próximas dos mínimos legais.
Contesta que se verifique dolo intenso na sua conduta.
Invoca que, relativamente ao crime cometido na pessoa de LL, ocorreu há mais de cinco anos, no início do relacionamento, viveram depois relação normal até que nasceu o filho e não se provaram lesões concretas.  
Quanto aos crimes na pessoa dos menores, alega que nenhum dos hematomas foi objectivamente grave e não encontrar fundamento, sem distinção da gravidade, para a circunstância das penas serem diferentes. 
Todavia, não se descortina que lhe assista razão.
Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág. 214, culpa e prevenção são (…) os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena, e esta deve ser encontrada num “quantum” que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar.
A medida da culpa funciona como pressuposto axiológico-normativo de qualquer pena, nos termos do art. 40.º, n.º 2, do CP, o que significa que não pode exceder, na sua medida, o grau de culpa que se apresente. 
Este, no essencial, reconduz-se a um juízo de valor, de apreciação, que enuncia o que a situação em análise, em todos os seus elementos - factuais, do agente, da vítima, da sociedade -, vale aos olhos da consciência e do que deve ser do ponto de vista da sua validade lógica, ética e do direito (acórdão do STJ de 10.04.1996, in CJ Acs. STJ ano IV, tomo II, pág. 168). 
	Será a finalidade de tutela e protecção do bem jurídico em causa - a saúde física e mental das vítimas e a sua dignidade enquanto pessoas e no contexto relacional concreto com o agente - que há-de constituir o motivo fundamento da pena, de tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade da norma e dos valores afectados, afigurando-se que, no caso, a frequência de acções como as praticadas pelo recorrente é uma realidade e merece importante censura da comunidade, exigindo resposta consentânea.
	E, nesta vertente, ainda, a elevada censurabilidade e a gravidade e intensidade das agressões, que ficaram assinaladas pelo tribunal, mais justificam essa resposta em medida que seja vista como adequada à respectiva relevância que inegavelmente denotam.
	Por seu lado, a reintegração do recorrente há-de ser prosseguida pela imposição de pena que, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
 Ora, perante os limites legais aplicáveis a cada um dos ilícitos - 2 a 5 anos de prisão -, é manifesto que as penas singularmente fixadas quedaram-se por não distantes do mínimo respectivo, não existindo, de modo algum, motivo para as reduzir.
O dolo intenso do recorrente não é posto em causa e, além do mais, é de assinalar a sua postura de desvalorização da censurabilidade da sua conduta e ausência de adequada interiorização das suas responsabilidades.
Não se vê, também, fundamento para descurar as consequências decorrentes, ainda que, admitindo-se, objectivamente não muito graves e, por isso, não requerendo acrescida punição. 
Por seu lado, a distinção das penas aplicadas aos ilícitos praticados relativamente aos menores, apesar de não expressada pelo tribunal, encontra justificação na circunstância de que, quanto a CR, o recorrente, em parte, admitiu o seu comportamento.   
Na vertente da pena conjunta aplicada (4 anos e 6 meses de prisão), identicamente, inexiste razão para a sua redução. 
Acompanhando Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 291/292, Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pruriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
Ora, tendo em conta os limites em presença, que o tribunal referiu, não se reputa minimamente que a pena conjunta seja elevada, bem pelo contrário, à luz da relevância pessoal dos ilícitos e do importante desvalor que as acções denotaram e a personalidade demonstrada pelo recorrente conexionada com esses seus actos.  

E)	- da violação do contraditório na atribuição de reparação às vítimas:
Refere, o recorrente, que a sua condenação ao pagamento de indemnizações às vítimas constituiu uma surpresa, uma vez que, segundo alega, nunca foi antes informado da intenção do tribunal, apenas em audiência esse assunto foi ventilado à testemunha LC que, quanto a isso, respondeu negativamente, nunca foi notificado para se pronunciar e, assim, foi cometida irregularidade dada a ausência de contraditório, motivando que sejam anuladas. 
Subsidiariamente, propõe que, desconhecendo os elementos que justificaram os respectivos montantes, devem estes ser reduzidos. 
Vejamos.
Nos autos, não foi deduzido pedido de indemnização civil.
Todavia, nos termos do art. 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16.09:
1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.
2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.
O art. 82.º-A do CPP, no seu n.º 1, prevê o arbitramento de quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham, devendo ser, nos termos do seu n.º 2, assegurado o respeito pelo contraditório. 
Da conjugação de tais preceitos, decorre actualmente, não existindo pedido civil, a obrigatoriedade de fixação de indemnização em caso de condenação por crime de violência doméstica, desde que a vítima a tal se não oponha, conforme acórdãos da Relação de Coimbra de 28.05.2014, no proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/120002" target="_blank">232/12.9GEACB.C1</a>, e de 02.07.2014, no proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/119937" target="_blank">245/13.3PBFIG.C1</a>, in www.dgsi.pt: e acórdão da Relação de Guimarães de 22.04.2013, sumariado in CJ, anoXXXVIII, tomo II, pág. 313; e acórdão desta Relação de Évora de 21.04.2015, no proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/208071" target="_blank">65/11.0GEALR.E1</a>, in www.dgsi.pt.  
Se assim é, à fixação dessa indemnização, deve corresponder, previamente, por respeito às garantias de defesa, a possibilidade do condenado se pronunciar quanto à mesma.
Em concreto, o recorrente reconhece que o assunto foi trazido à audiência e, na verdade, através da consulta à respectiva acta (fls. 154), a ofendida, que nesta parte se aceita como representando também os menores, foi questionada sobre essa eventualidade, ao que respondeu, contrariamente ao invocado, afirmativamente. 
Posteriormente, verifica-se que, pelo menos formalmente, de acordo com o constante da mesma acta, não existe menção a notificação ao recorrente para se pronunciar nesse âmbito, restando saber, então, se, tendo estado presente na audiência e tendo tido oportunidade para prestar declarações ao longo desta e, designadamente, a final como o fez, essa omissão deve equiparar-se a falta de respeito pelo exigido contraditório. 
Crê-se que não.
Com efeito, não se tornando necessário que exista alguma manifestação anteriormente à realização do julgamento, já que o arbitramento é oficioso e apenas efectuado em caso de condenação, se o assunto é trazido à discussão em audiência, tem a virtualidade de proporcionar-se que os presentes, como seja, aqui, o recorrente, se expressar quanto ao mesmo, o que se afigura suficiente para garantir que, para tanto, fique alertado, sem poder dizer-se que constitua, caso afirmativo, surpresa com que não contasse. 
No caso, a acta reflecte que o Tribunal determinou a reinquirição da testemunha LC para esclarecer (…) se queria que fosse fixado um valor de indemnização, tendo a mesma respondido afirmativamente.
Preenchido o pressuposto de que a tal se não opôs e que o recorrente veio a ser condenado pelos crimes em causa e pôde pronunciar-se nesse aspecto, a preterição do contraditório, vista do modo sufragado no recurso, redunda como injustificada e excessiva, perante a dinâmica que à discussão da causa em audiência é propiciada, não olvidando que sempre aquele esteve, como se impunha, defendido por Advogado.
Aliás, mesmo que se defenda que tenha decorrido irregularidade por ausência de formal notificação em audiência, afigura-se que o recorrente estava em condições de a arguir nesse acto, o que não fez, tendo por efeito a sanação respectiva (art. 123.º do CPP). 
Inexiste motivo para anular essas reparações às vítimas.  
Finalmente, a fixação dos respectivos montantes obedeceu a critérios de equidade, como ficou explicitado pelo tribunal, sem que se descortine, pois, violação das premissas que os devem nortear.
Por seu lado, a preconizada redução desses montantes é questão que não admite recurso, atenta a equiparação que deve fazer-se, pela identidade de natureza com o que acontece com a indemnização civil, de acordo com o art. 400.º, n.º 2, do CPP, quando esta, como é caso relativamente a cada uma das arbitradas, não excede metade da alçada do tribunal recorrido (acórdão da Relação de Coimbra de 29.04.2015, no proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/119388" target="_blank">27/13.2GCLMG.C1</a>, in www.dgsi.pt).    
 Esta é a solução que melhor se harmoniza com o carácter subsidiário das reparações em apreço, sem perder de vista que são indemnizações ainda que para casos especiais e, por maioria de razão, arbitradas na falta de dedução de pedido de indemnização civil no processo penal e tidas em conta em acção diversa que venha a conhecer de algum pedido dessa natureza.         
 *
3. DECISÃO      

Em face do exposto, decide-se:
- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, assim, 
- manter integralmente o acórdão recorrido.

	Custas a cargo do recorrente, com a taxa de justiça em soma correspondente a 5 UC. 
 *

Processado e revisto pelo relator.
*                    (Carlos Jorge Berguete)
                    (João Gomes de Sousa)

*Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora * 1. RELATÓRIO Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com o número em epígrafe, da 1.ª Secção Criminal da Instância Central da Comarca de F, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido EA, imputando-lhe factos susceptíveis de integrarem a prática, em autoria material e em concurso efectivo, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea b), 2 e 4, do Código Penal (CP), e de dois crimes de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea d), 2 e 4, do CP. Não foram deduzidos pedidos de indemnização civil. O arguido não apresentou contestação, nem arrolou testemunhas. Realizado o julgamento e proferido acórdão, decidiu-se condenar o arguido: a) pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea b), 2 e 4, do CP (contra LC), na pena de 3 (três) anos de prisão; b) pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea d), 2 e 4, do CP (contra a menor CR), na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão; c) pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152.º, n.ºs 1, alínea d), 2 e 4, do CP (contra o menor CG), na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; d) em cúmulo jurídico das concretas penas aplicadas e nos termos do disposto no art. 77.º, n.º 1, do CP, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na execução, nos termos do disposto no art. 50.º, n.ºs 1 e 5, do CP, por igual período de tempo, subordinada a regime de prova, assente num plano de reinserção social, elaborado e executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, devendo o mesmo conter a seguinte regra de conduta a impor ao condenado: não frequentar a residência da LC - arts. 52.º, n.º 2, alínea b), aplicável por via do art. 54.º, n.º 3, e 53.º, n.º 3, todos do CP; e) na pena acessória de obrigação de frequentar um programa específico de prevenção de violência doméstica, pelo período de 18 (dezoito) meses, nos termos do disposto no art. 152.º, n.º 4, do CP; f) a pagar a LC a quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros). g) a pagar a CR a quantia de € 1.000,00 (mil euros). h) a pagar a CG a quantia de € 1.000,00 (mil euros). Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões:1ªO Acórdão ora recorrido, proferido pelo Tribunal a quo, no dia 23 de Março de 2015, pelo qual o arguido é condenado pela prática de três crimes de violência doméstica numa pena de 7 anos e 10 meses de prisão e, em cúmulo, numa pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, é de uma manifesta injustiça porquanto o mesmo foi condenado face a uma presunção de culpa que carece de qualquer suporte probatório.2ªEncontram-se incorretamente dados como provados os factos que constam descritos sob os números 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20 do acórdão recorrido.3ªOs pontos 5, 7, 9, 12, 13 e 14, por um lado e 20, por outro, que foram considerados provados, consubstanciam a conduta integradora do tipo criminal p. e p. pelo art. 152º do Código Penal pelo qual o arguido foi condenado, quer quanto à sua ex-companheira, quer quanto aos filhos desta. 4ªTodavia, a factualidade considerada assente no Acórdão recorrido, não tem qualquer suporte probatório, nem se verificam os elementos objetivos ou subjetivos do crime.5ªA prova em que o Tribunal a quo refere ter-se baseado - declarações do arguido, e depoimentos prestados por LC, CR e JC - não permitiam dar como assente a factualidade que foi considerada como tal, a qual assume total relevância na decisão sub judice. Designadamente,6ªQuanto à matéria dada como provada nos pontos 5 e 6, não podia a mesma ter sido dada como provada porque não existe qualquer registo fotográfico dos hematomas dados como provados; não existe qualquer relatório médico referente às alegadas lesões e não existem quaisquer testemunhas presenciais da alegada prática das lesões, sustentando-se a prova unicamente nas declarações da ofendida.7ªQuanto à matéria vertida nos pontos 7 e 8, igualmente deveria a mesma constar dos factos não provados porque a ofendida, mais uma vez se limitou a relatar ofensas, sem apresentar uma única prova das mesmas, além das suas declarações; além disso, se as ofensas tivessem acontecido, não eram compatíveis com meros hematomas como o Tribunal a quo considerou terem-se verificado.8ªOs factos descritos sob os nº 9 e 10 foram também erradamente dados como provados, pois a única prova produzida e na qual o Tribunal a quo se ancorou foi no depoimento da testemunha supostamente ofendida, o qual foi manifestamente exagerado e inverosímil, tanto que começou por referir que estava convicta que o arguido a tinha levado àquele sítio para a matar, para depois, quando instada a esclarecer, disse que afinal as marcas que tinham sido deixadas eram uma coisa mínima que nem sangue tinham feito.9ªEstes seis factos foram dados como provados unicamente com fundamento no depoimento da ofendida, porque as testemunhas CR e JC nada viram de concreto.10ªO ponto 12 dos factos provados foi também considerado como tal sem o mínimo suporte probatório, pois o arguido negou ter ameaçado a ex-companheira, sendo que apenas esta confirmou o teor da referida ameaça, que lhe teria sido feita, supostamente, por telefone.11ªRelativamente ao ponto 13 dos factos provados, o mesmo foi dado como provado unicamente com base nas declarações da menor CR, sem terem sido evidenciadas quaisquer marcas nem ter sido apresentada qualquer prova adicional de a agressão ter acontecido.12ªAlém disso, da matéria dada como provada neste ponto 13 não consta o DIA E HORA ONDE OS FACTOS TERIAM SUCEDIDO O QUE MANIFESTAMENTE IMPEDE O EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO.13ªO arguido confessou os factos dados como provados no ponto 14 e explicou o contexto em que os mesmos aconteceram, não se entendendo por que razão o Tribunal a quo deu mais credibilidade à versão dos factos da ofendida do que à do arguido.14ªDeveria, na verdade, ter sido dado como provado que o motivo da desavença fora o facto de a testemunha CR se ter recusado a jantar com o arguido e os seus irmãos.15ªA matéria vertida nos pontos 15 e 16 deveria ter sido dada não provada, porquanto, ninguém assistiu às alegadas agressões, o arguido negou todos os factos, o menor CG não foi chamado a depor quando poderia perfeitamente ter sido e, por tudo isso, não foi feita prova minimamente segura de que os factos tenham acontecido.16ªO ponto 17 dos factos provados foi incorretamente dada como tal uma vez que NÃO SE PROVOU que os menores tivessem ficado com quaisquer marcas, salvo na situação relativa à menor CC, que o arguido admitiu, logo não havia qualquer necessidade de receberem tratamento hospitalar.17ªO ponto 18 dos factos provados devia ter ficado não provado, porque não tendo sido prova suficiente dos factos descritos nos pontos 5 a 11, não se fez igualmente prova de que o arguido tenha provocado medo e inquietação, de forma reiterada, na testemunha LC. 18ªNão é crível que a ex-companheira do arguido refira que vivia com medo dele quando, na verdade, ambos tiveram um filho no ano de 2011 e mantiveram o relacionamento até ao ano de 2014, não se tendo separado devido a qualquer desavença ou agressão.19ªO ponto 19 deveria ter resultado não provado, porque não ficou demonstrado, fosse de que forma fosse, que o arguido molestou moral e psicologicamente as referidas crianças.20ªAssim como o ponto 20º, já que não tendo sido feita prova cabal de o arguido ter agido nas situações acima descritas, à exceção da situação referente à menor CC, que o próprio confessou, muito menos se poderia ter dado como provado que o fez livre, deliberada e conscientemente, pelo que nunca as circunstâncias subjetivas do tipo criminal poderiam ter sido dadas como provadas.21ªNão fora o erro notório na apreciação da prova produzida os factos supra mencionados teriam sido dados como não provados.22ª A conjugação das provas produzidas na audiência de julgamento, mormente nas passagens assinaladas nas alegações, impunham decisão diversa da recorrida.23ªPor outro lado, o Tribunal a quo violou o Princípio da Presunção da Inocência e o Princípio in dubio pro reo, pois declara que fundou a sua convicção quanto aos factos provados nas declarações do arguido e de três testemunhas, sendo que destes depoimentos é impossível sequer de deduzir, quanto mais de afirmar, que o arguido tenha cometido os factos.24ªViolou assim, claramente, o Tribunal recorrido, o PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO, INCORRENDO, TAMBÉM POR ESSA VIA, EM ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA!25ªO arguido foi condenado, em 1ª instância, pela prática que 1 crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. b) e n.º 2 e n.º 4 do CP, contra LC, pela prática que 1 crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. d) e n.º 2 e n.º 4 do CP, contra CR e prática que 1 crime de violência doméstica p. e p. pelo artigo 152º, n.º 1, al. d) e n.º 2 e n.º 4 do CP, contra CG, todavia, de iure, temos que discordar da decisão que foi proferida.26ªNa verdade, mesmo que se considerasse que existiam elementos probatórios suficientes para considerar como provados os factos que o Tribunal a quo efetivamente considerou como tal - o que não se admite e só por hipótese se equaciona - sempre teria de se considerar que a testemunha alegadamente ofendida não reportou mais do que situações isoladas que não são suficientes para considerar verificada a prática, pelo arguido, de um crime de violência doméstica.27ªTais factos não têm a gravidade bastante para se poder afirmar que, com elas, foi ofendida a dignidade pessoal de LC ou que o seu bem-estar físico e emocional tenha sido intoleravelmente lesado para além do que seria numa situação de ofensa à integridade física.28ªPara que se verifique violência doméstica é preciso que se evidencie da conduta do agressor uma especial violência reveladora de qualidades particularmente desvaliosas (crueldade, malvadez, insensibilidade, vingança, etc.) do agente, o que manifestamente não resulta dos factos dados como provados, mesmo que estes fossem verdadeiros.29ª Pelo que, em face disso, a decisão teria que ter sido a de absolvição do arguido quanto ao crime de violência doméstica de que vinha acusado contra LC.30ªMesmo que se entendesse que os factos se encontram corretamente dados como provados, o que não se concede, sempre teria de se concluir que os mesmos não consubstanciam um crime de violência doméstica, mas sim, eventualmente 3 crimes de ofensas à integridade física (factos 5, 7 e 9 dados como provados) e um crime de ameaças (ponto 12 dos factos dados como provados).31ªNos termos do disposto nos artigos 143º, n.º 2 e 153º, n.º 2 do CP, os crimes de ofensa à integridade física e de ameaça dependem de queixa, sendo que, em relação ao primeiro (ofensa à integridade física), nunca a ofendida o exerceu no prazo legalmente previsto, tendo-se o mesmo extinguido por caducidade (artigo 115º, n.º 1 do CP).32ªPelo que, não tendo LC exercido o direito atempadamente e tendo-se o mesmo extinguido, verifica-se que ocorre a ilegitimidade superveniente do Ministério Público para prosseguir a ação penal por tais crimes, estando o Tribunal impedido de apreciar o mérito da causa, devendo o procedimento criminal ser declarado extinto.33ªQuanto aos dois menores, não se provou, igualmente que os mesmos vivessem num clima de terror e medo face à presença do arguido, por isso, todas as situações referentes aos menores, mesmo que fossem verdadeiras, o que não se admite, sempre não passariam, igualmente de situações de ofensa à integridade física e não de violência domestica.34ªOra, acontece que, também quanto a essas situações, salvo quanto ao que ficou provado em 14 dos factos provados, as mesmas não consubstanciam mais do que meras situações de ofensa à integridade física, relativamente às quais não foi apresentada qualquer queixa pelo legal representante dos menores, no prazo legal, pelo que o direito de queixa se extinguiu, não podendo o Ministério Público prosseguir a acção penal quanto a esses factos, devendo o procedimento criminal ser declarado extinto.35ªCaso assim não se entenda, sempre se deve ter em consideração o contexto em que tais crianças viviam com o arguido, que era responsável por providenciar pela sua alimentação e educação.36ªPor isso, mesmo que tais factos fossem verdadeiros, sempre teria de se considerar que estaria excluída a ilicitude quanto aos mesmos, porquanto o arguido teria atuado com a finalidade educativa e correcional.37ªNa determinação da medida concreta da pena, o Tribunal deve seguir as linhas orientadoras do artigo 71.º do Código Penal, ou seja, deve atender à culpa do agente, às exigências de prevenção e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. O n.º 2 daquele artigo manda atender, entre outros elementos, às condições pessoais do agente.38ªAinda que o arguido tivesse praticado os crimes pelos quais foi condenado - O QUE NÃO SE CONCEDE - sempre os critérios que o Tribunal a quo utilizou para a aplicação desta pena são incompreensíveis, já que a pena aplicada ao arguido é excessiva e deverá ser reduzida.39ªApesar de mencionar tais circunstâncias, o Tribunal a quo parece não ter tido em consideração o facto de o arguido não ter antecedentes criminais e se encontrar inserido profissionalmente.40ªO arguido deveria, em caso de condenação, ter uma pena próxima do limite mínimo, em virtude de inexistirem elementos suficientes para concluir pela existência de dolo intenso ou sequer direto, para além de que o Tribunal formou a sua convicção praticamente na ausência de prova. 41ª Tanto mais que, se tivesse sido observado o princípio do in dubio pro reo no caso em apreço, o arguido teria que ter sido absolvido, face à incerteza das situações apresentadas para a condenação. Mas o que se verificou, na realidade, foi que o arguido foi condenado e numa pesada pena.42ªOra, existindo tantas dúvidas acerca dos factos que levaram à condenação do arguido, não tendo este sido absolvido, como deveria ter acontecido, impunha-se, pelo menos, a aplicação de uma pena no limite mínimo, sendo a pena aplicada manifestamente desproporcional e desadequada face à factualidade apurada, violando por esta via o Tribunal a quo o disposto no art. 71º do Código Penal.43ª Importava, ademais, ter tido em consideração que os factos referentes a violência física que o Tribunal a quo considerou provados relativamente a LC foram dados como tendo ocorrido apenas no início do relacionamento, ou seja, no ano de 2010, portanto há 5 anos.44ªE quanto aos menores, é o próprio Tribunal a quo que refere que nenhum dos hematomas era objetivamente grave para necessitar de tratamento médico, pelo que não se entende por que razão aplicou uma pena tão elevada relativamente a cada uma das crianças, sem qualquer prova de que os mesmos eram vítimas de violência doméstica.45ªAlém disso, não tendo o Tribunal objetivamente distinguido a gravidade dos factos imputados ao arguido relativamente a cada um dos menores, não se entende por que razão decidiu aplicar ao arguido uma pena de 2 anos e 4 meses de prisão relativamente à menor CC e uma pena de 2 anos e 6 meses de prisão relativamente ao menor Cl. C. 46ªA condenação do arguido no pagamento de indemnização cível a LC e a cada um dos menores, ao abrigo do disposto no artigo 82º-A do CPP violou o n.º 2 desse artigo, porque não foi cumprido o princípio do contraditório.47ªA condenação constituiu uma AUTÊNTICA SURPRESA para o arguido, pois em momento algum foi informado pelo Tribunal de lhe iria ser aplicada oficiosamente condenação em quantia indemnizatória ao abrigo da supra citada disposição legal, o que só soube aquando da leitura do acórdão.48ªNão se encontrando prevista sanção específica para a violação do disposto no art. 82º-A, n.º 2 do C.P.P., que ordena o cumprimento do princípio do contraditório, terá de se concluir que se trata de irregularidade nos termos do nº 2 do art. 118º do C.P.P..49ªEssa irregularidade pode ser arguida a todo o tempo, uma vez que é de conhecimento oficioso, já que se trata de uma omissão que comprime, de forma intolerável, um direito fundamental de um interveniente processual, direito este que decorre diretamente da Constituição.50ªPelo que, tendo o Tribunal a quo decidido fixar indemnização sem respeitar o princípio do contraditório, deverá a decisão ser anulada, por se tratar de um ato inválido, uma vez que foi praticado com violação do princípio do contraditório.51ªAlém disso, esta decisão de condenação em indemnização a favor dos menores CR e CG sempre se mostra ferida de ilegalidade na medida em que nenhum destes menores requereu a fixação dessa indemnização nem manifestou em sede de julgamento concordância ou discordância quanto à aplicação da mesma, sendo certo que a mãe de ambos, testemunha LC, não se pronunciou em sentido favorável à aplicação de tal indemnização aos seus filhos.52ªEm termos substantivos, sempre se dirá que não tendo o arguido praticado os factos que lhe foram imputados, também não deveria o mesmo ter sido condenado no ressarcimento cível de quaisquer danos. 53ªSendo certo que se desconhece em que elementos se baseou o Tribunal para fixar o quantitativo indemnizatório, o qual é, de toda a forma, manifestamente excessivo e sempre deverá ser reduzido, caso venha a manter-se a condenação.54ºA decisão recorrida violou o disposto nos artigos 71º e 152º do C. P., bem como no artigo 82º-A do CPP. TERMOS EM QUE SE REQUER SEJA CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO REVOGANDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS PETICIONADOS E O ARGUIDO ABSOLVIDO DOS CRIMES POR QUE FOI CONDENADO FAZENDO ASSIM OS SENHORES VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES A COSTUMADA JUSTIÇA! O recurso foi admitido. O Ministério Público apresentou resposta, concluindo: 1. Não se conformando o arguido EA com o douto Acórdão, proferido a 24.03.2015, no qual veio o mesmo a ser condenado, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, mediante regime de prova, veio o mesmo interpor recurso para o Tribunal da Relação de Évora. 2. Refere o recorrente, muito sucintamente, que o Tribunal “a quo” procedeu a uma incorrecta interpretação e apreciação da prova produzida, dando como provados factos sobre os quais não foi produzida prova, os quais impugnou e que melhor se encontram descritos no recurso, para o qual se remete atenta a sua extensão. 3. Sustenta para o efeito, que grande parte dos factos foram dados como provados com base nas declarações das ofendidas, não estando minimamente suportados por outros meios de prova, designadamente, relatórios médicos; testemunhas presenciais ou outros elementos que permitissem corroborar tais depoimentos. 4. Alguns dos factos (indicados nos pontos 13 e 19) não estão minimamente circunstanciados, designadamente dia/hora, pelo que não pode o arguido exercer o princípio do contraditório. 5. Entende ainda o recorrente que, não estando demonstrados os factos imputados, não pode verificar-se o crime de violência doméstica, pelo que, quanto muito, deveriam os factos configurar os crimes de ofensa à integridade física e de ameaça, sendo que, no que concerne a um dos crimes de ofensa, encontra-se caducado o direito de apresentar queixa, pelo decurso do prazo, já que a ofendida nunca manifestou expressamente essa pretensão. 6. Considera ainda o arguido a pena aplicada excessiva, uma vez que o mesmo não tem antecedentes criminais e está social e profissionalmente inserido. 7. Acresce a esta situação, a pouca gravidade das agressões, tendo em conta que nenhuma das ofendidas teve necessidade de receber tratamento médico. 8. Sustenta por fim, que a condenação do arguido no pagamento de indemnização cível constituiu, para o mesmo, uma verdadeira surpresa, uma vez que esta foi aplicada oficiosamente, não tendo o arguido sido auscultado sobre a mesma, violando-se deste modo, o princípio do contraditório. 9. Ora apreciando os argumentos expostos pelo recorrente, não podemos deixar de considerar a decisão recorrida insusceptível de qualquer insuficiência ou erro, não merecendo por isso, a nosso ver, qualquer reparo. 10. Com efeito, na apreciação dos factos imputados ao arguido, teve o Tribunal “a quo” em consideração as declarações prestadas pelo arguido, mas acima de tudo os depoimentos prestados pelas testemunhas. 11. Como é consabido, crimes desta natureza ocorrem normalmente no interior da habitação, ou seja, sem a presença de testemunhas. Será pois pela conjugação dos depoimentos das ofendidas, com os restantes depoimentos prestados pelas outras testemunhas, e bem assim pela forma com que o prestam, que permitirá o Tribunal aferir da veracidade dos mesmos e da credibilidade que comportam. 12. Neste sentido, sustentou o Tribunal “a quo” na fundamentação de facto (cfr. fls. 184) que: «os depoimentos das testemunhas LC e Carinha Rocha foram prestados de forma espontânea, calma, devidamente circunstanciada e sem qualquer tentativa de exacerbação ou vitimização (como é vulgar acontecer neste tipo de casos)». 13. Analisando os argumentos em que se alicerçou a decisão, não restam dúvidas de que os factos dados como provados e não provados foram cuidadosamente analisados, a prova devidamente criticada e exaustivamente fundamentada. 14. No caso “sub judice”, o recorrente invoca a existência de erro na apreciação da prova em função de um exame crítico da prova diferente daquele efectuado pelo Tribunal “a quo”. O mesmo faz referência às declarações do arguido, sem apresentar quaisquer outros elementos de prova que, de forma inequívoca, corroborem esta versão. 15. Da decisão recorrida não decorre qualquer erro notório na apreciação da prova, uma vez que da análise do acórdão não se detecta qualquer desacerto ostensivo contrário a facto do conhecimento geral ou ofensivo das leis da física, da mecânica, da lógica ou de conhecimentos científicos criminológicos e vitimológicos. 16. O que se trata aqui é que o recorrente tem convicção diversa da do Tribunal “a quo”, mas tal como é consabido não lhe confere, nesta sede e pelo método utlizado, abalar por qualquer forma, a convicção, a que bem chegou o Tribunal “a quo” e devidamente motivada. 17. O Tribunal da Relação só pode pois determinar uma alteração da matéria de facto assente quando concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitem uma outra decisão (Cf. Acórdãos do Venerando Supremo Tribunal de Justiça de 15.07.2009, Processo n.º 103/09 - 3.ª Secção, 10.03.2010, Processo n.º 112/08.2GACDV.L1.S1 - 3.ª Secção, e 25.03.2010, Processo n.º 427/08.0TBSTB.E1.S1 - 3.ª Secção, relatados pelo Senhor Conselheiro Raul Borges, in www.stj.pt/jurisprudencia/sumáriosdeacórdãos /secção criminal). 18. No caso vertente, o Tribunal recorrido fundou a factualidade apurada no exame crítico dos diversos elementos probatórios, sem que se vislumbre atenta a materialidade apurada e devidamente fundamentada, acima transcrita, a existência deste vício. 19. Afigura-se-nos pois que o acórdão examinou exaustivamente todos os elementos essências na determinação da pena aplicada ao arguido. Ora, considerado o quadro global, ponderando a natureza do ilícito perpetrado; o bem jurídico violado e a situação pessoal do arguido, afigura-se-nos adequada a aplicação ao mesmo de uma pena de prisão, suspensa na sua execução, mediante regime de prova. 20. No que concerne ao direito de ser ouvido quanto à indemnização fixada, consideramos que o arguido esteve presente durante a audiência de julgamento e devidamente representado pela sua defensora, pelo que ouviu a Meritíssima Juiz explicar à ofendida sobre a possibilidade de lhe ser atribuída uma indemnização. Foi dada, a final, a última palavra ao arguido, pelo que consideramos que o arguido teve oportunidade de ser ouvido sobre qualquer questão, tendo, nesta sequência sido respeitado o princípio do contraditório. Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado improcedente e a douta decisão recorrida mantida na íntegra. Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso. Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada veio acrescentar. Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir. * 2. FUNDAMENTAÇÃO O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam, as de nulidade do acórdão, a que alude o art. 379.º, n.º 1, do CPP, e os vícios da decisão e nulidades que não se considerem sanadas, previstos no art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP, designadamente de acordo com a jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10 (publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995). Reconduz-se, então, a apreciar: A) - do erro notório na apreciação da prova; B) - da impugnação de matéria de facto; C) - das consequências a extrair quanto ao enquadramento jurídico dos factos; D) - da redução da medida das penas; E) - da violação do contraditório na atribuição de reparação às vítimas. * No que ora releva, consta do acórdão recorrido: Factos provados: 1. O arguido EA viveu com LC durante cerca de cinco anos, como se marido e mulher fossem, tendo um filho em comum, ECA, nascido a 7 de Março de 2011. 2. Com eles viviam ainda dois outros filhos menores da LC, designadamente, CG, nascido a 7 de Junho de 2004 e CR, nascida a 30 de Novembro de 2001. 3. A relação terminou no dia 12 de Junho de 2014, data em que a referida LC abandonou a residência comum e foi residir para casa dos seus pais com os seus filhos. 4. Desde o início do relacionamento, o arguido e LC viveram em vários locais, designadamente, no sítio de MG, no sítio da G, na Estrada (...), todos em F, e desde final de 2012, início de 2013 e até à data da separação, o arguido e LC viviam numa casa arrendada, na Rua (...), lote (...), em F. 5. Em data não concretamente apurada, mas no decurso do ano de 2010, cerca de um ano depois do início do relacionamento, quando viviam no Sitio de MG, F, motivado por ciúmes e pela desconfiança de que a referida LC lhe era infiel, o arguido agrediu-a no quarto da residência com murros e pontapés, ao mesmo tempo que a apelidou de “puta” e “desgraçada”. 6. Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com hematomas no corpo e num olho. 7. Em data não concretamente apurada, mas cerca de dois a três meses após a situação ocorrida na residência de MG, quando o arguido e LL residiam na Estrada (...), em F, mais uma vez motivado por ciúmes e pela desconfiança de que LC lhe era infiel, o arguido agrediu-a no quarto da residência com socos, pontapés, puxões de cabelos, com o cano de uma arma de pressão de ar desmontada na zona lombar e com um cabo de electricidade nas pernas. 8. Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com hematomas pelo corpo. 9. Em data não concretamente apurada, mas umas semanas depois da situação descrita em 7), numa deslocação a (...), mais uma vez motivado por ciúmes e pela desconfiança de que LC lhe era infiel, o arguido disse àquela que a ia matar e desferiu-lhe dois pequenos golpes na barriga com uma faca de cozinha. 10. Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com marcas na barriga. 11. Pese embora as lesões e dores sofridas, LC nunca foi assistida em qualquer Hospital na sequência das mesmas. 12. No dia 28 de Junho de 2014 - já após a separação - cerca das 21 horas, o arguido telefonou para a LC, com vista a convencê-la a regressar para casa e, face à recusa desta, disse-lhe que tinha uma arma consigo e que a ia matar. 13. Em data não concretamente apurada, mas posterior a Março de 2011, por a ter visto acompanhada com colegas que estavam a dizer palavrões, o arguido desferiu duas estaladas na menor CR em frente à escola (...), em F. 14. Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de Maio de 2014, no interior da residência sita na Rua (...), lote (...), em F, porque a CC não comeu um ovo à refeição, o arguido bateu duas vezes com o cinto na coxa esquerda da menor CR, causando-lhe dores e hematomas na zona atingida. 15. Em data não concretamente apurada, mas posterior a Junho de 2010 e anterior a Março de 2011, quando o CG tinha seis anos, porque este inadvertidamente defecou nas cuecas, o arguido bateu-lhe na zona das nádegas, causando-lhe dor e deixando-o com um hematoma na referida zona do corpo. 16. Em data não concretamente apurada, mas já posterior a Março de 2011, porque o seu ECA entalou um dedo numa porta e o arguido entendeu que o CG fora responsável, entalou o braço deste último na porta, o que lhe causou, pelo menos, dor. 17. Pese embora as dores e as marcas no corpo, nenhum dos menores recebeu tratamento hospitalar em virtude das condutas do arguido. 18. Ao proceder da forma supra descrita nos pontos 4 a 11, o arguido agiu com o intuito de molestar a saúde física e psíquica da LC, bem como causar-lhe receio pela sua vida e integridade física, provocando-lhe medo, inquietação e insegurança, o que logrou fazer de forma reiterada e sucessiva, bem sabendo que desta forma violava os especiais deveres que sobre ele impendiam em virtude da relação de coabitação que mantinha com aquela, e que dessa forma a colocava numa situação de particular vulnerabilidade. 19. Ao proceder da forma descrita nos pontos 12 a 15, o arguido bem sabia que molestava física, moral e psicologicamente a CR e o CG, o que fez através do uso da violência física, com total indiferença para com o dever de respeito que deveria ser devido aos referidos menores. 20. O arguido agiu em todos os momentos de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal. 21. O processo de desenvolvimento do arguido decorreu num contexto sócio-económico de subsistência - associada ao desenvolvimento de actividades de carácter agrícola e/ou pecuária -, e enquadramento familiar caracterizado como normativo, em termos psico-afectivos. 22. Órfão de pai com cerca de sete anos de idade, o arguido beneficiou de uma adequada vinculação afectiva com o padrasto e duas irmãs uterinas, não sendo registadas situações de exposição a modelos relacionais de controlo ou agressão na família. 23. Com cerca de quinze anos de idade, e após a conclusão de sete anos de escolaridade, o arguido iniciou actividade laboral, como indiferenciado, por conta de outrem, por forma a assegurar as suas despesas pessoais. 24. Ao nível laboral, o arguido teve um percurso pautado pela diversidade de actividades - agrícola, ajudante de motorista, motorista, na descarga de contentores, empregado de mesa -, sem vínculo laboral e em moldes descontínuos, privilegiando a prática desportiva de futebol que embora não profissionalizada, traduzia-se em receitas advenientes da participação em determinados jogos. 25. No período que antecedeu o processo de emigração para Portugal, o arguido já havia efectuado tentativas migratórias para o México e Estados Unidos da América, sendo repatriado por motivos de permanência ilegal. 26. O arguido veio para Portugal em 2006, com 29 anos, e tem a sua situação de permanência regularizada até Novembro de 2016. 27. Em Portugal, o arguido sempre residiu no Algarve, na zona de F, e, na globalidade, tem-se movimentado num quadro vivencial assente nas relações sociais circunstanciais restritas ao meio laboral (variável) e/ou afectivas. 28. Inicialmente, e durante cerca de 18 meses, partilhou o mesmo espaço habitacional com concidadãos/oriundos do mesmo meio de origem, e com os quais já não mantém contacto por motivos de regresso ao Brasil e/ou dispersão em Portugal, e posteriormente, sozinho, até ao estabelecimento da relação marital com a LC, há cerca de seis anos. 29. Em termos económico-laborais, e exceptuando o período entre Abril/13 e Junho/14 em que EA esteve desempregado/inscrito no Centro de Emprego, o arguido, e família constituída, movimentava-se num quadro de subsistência/estabilidade, não constituindo a gestão da economia doméstica fonte de conflito. 30. O arguido e LC manifestam diferentes perspectivas sobre a dinâmica familiar, sendo que no ínterim que decorreu entre a ruptura marital (Junho/14) e os factos subjacentes ao presente processo, existiram períodos de entendimento relativamente às visitas/contactos entre o arguido e o descendente - sendo que o menor permanecia períodos sozinho com o arguido -, tendo, inclusive, EA se disponibilizado para apoiar sócio-económicamente a ex-companheira/ofendida quando face a uma situação pontual de ruptura relacional daquela com o agregado de origem. 31. Contudo, no mesmo ínterim, foram igualmente registadas situações de suspensão dos contactos entre o arguido e o seu filho ECA, na sequência das quais o arguido diligenciou junto do Tribunal de Família e Menores no sentido da regularização das responsabilidades parentais do menor, sendo que desde Outubro de 2014 que não tem contacto com o menor, e encontrando-se a aguardar decisão daquele tribunal. 32. Desde a ruptura marital, o arguido encontra-se a residir na morada indicada nos autos, correspondente a uma casa térrea, de tipologia V1, de características rurais, arrendada pelo valor de € 200,00 (duzentos euros). 33. Activo laboralmente como trabalhador rural - tendo reintegrado o mercado de trabalho, em moldes regulares, logo após a separação marital -, o arguido aufere vencimento mensal de € 549,00 (quinhentos e quarenta e nove euros), movimentando-se num quadro de estabilidade económica. 34. Embora o arguido denote, em abstracto, adequada análise crítica do bem jurídico em causa, adopta em relação aos factos uma atitude de desvinculação e de minimização. 35. O arguido não tem antecedentes criminais. Factos não provados: 1. As agressões referidas nos pontos 4, 6 e 8 e a conduta descrita no ponto 11 dos factos provados tenham sido presenciados por qualquer dos menores. Motivação da decisão quanto à matéria de facto: A convicção do Tribunal acerca da matéria de facto dada como provada e não provada assentou no conjunto da prova produzida em audiência recorrendo às regras de experiência e fazendo-se uma apreciação crítica da mesma nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal. Foram valoradas as declarações do arguido que, no essencial, negou a prática dos factos, com excepção de uma vez ter agredido a menor CC com o cinto nas pernas, porquanto chamou por diversas vezes a menor para jantar e ela não ia nem respondia, tendo-a avisado previamente que se não fosse jantar apanhava. Referiu o arguido que, em consequência da sua conduta a CC ficou marcada mas foi jantar. A este propósito o arguido referiu que, em relação aos menores apenas procurava educá-los e, nesse âmbito, por vezes deu-lhes umas palmadas sem que todavia, alguma vez os tivesse deixado com nódoas negras. Em relação à sua ex-companheira, o arguido referiu que viveram juntos cerca de cinco anos e 8 meses e que, desde o final de 2012, início de 2013, viveram na Rua (...), em F. Em relação ao factos que lhe são imputados, o arguido negou-os, esclarecendo apenas que no final de Junho de 2014 lhe telefonou efectivamente mas para saber do seu filho e que, apenas em Outubro de 2014, quando a LL deixou a casa dos pais e foi viver para um apartamento, lhe propôs que reatassem a relação, ao que ela disse que não, sendo que desde Outubro de 2014 não vê o filho, tendo já recorrido à CPCJ e ao Tribunal de Família e Menores. Mais referiu que o relacionamento com a LL era pacífico e que discutiam apenas por motivos relacionados com assuntos de limpezas e não por ciúmes embora suspeitasse que ela lhe era infiel. Perante a comunicação de uma alteração não substancial de factos, o arguido, voltou a prestar declarações, alegando, em síntese que viveu com a LC no Sítio de MG durante o ano de 2008 e apenas durante cerca de 3 meses, que já no ano de 2009 foram viver para a Estrada (...), em F, que em 2010 foram viver para a Rua (...), no final de 2011 foram viver para a Estrada da G e que, em Julho ou Agosto de 2012 foram viver para a Rua (...); referiu ainda que só em Setembro de 2012 é que a CC foi para a Escola (...), sendo que nunca lhe deu quaisquer chapadas, em F, que não se lembra de nenhuma situação em que o seu filho ECA tenha entalado o braço, que nunca teve qualquer pressão de ar em casa, montada ou desmontada, e, por fim, que todo este processo é devido à regulação das responsabilidades parentais do menor ECA e que ainda está em curso. Foram valorados os depoimentos das seguintes testemunhas: - LC: ex-companheira do arguido, a testemunha referiu que viveu com o arguido durante cerca de 5 anos e separaram-se no dia 12 de Junho de 2014; referiu que viveram em vários sítios, sempre na zona de F, e que, no início, o relacionamento era saudável, sendo que os problemas apenas surgiram cerca de um ano após o início do relacionamento e porque o arguido se convenceu que tinha ela tinha um relacionamento amoroso com o patrão dele; a testemunha esclareceu que, motivado pelos ciúmes, o arguido agrediu-a fisicamente três vezes, todas elas antes do nascimento do filho de ambos, designadamente: a primeira vez, quando residiam em MG, porque ela apareceu com um chupão no pescoço, o arguido, no quarto da residência, deu-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo e chamou-a de puta e desgraçada, em consequência das quais, ficou com vários hematomas no corpo e num olho; a segunda vez, cerca de 2 ou 3 meses depois, quando já viviam na Estrada (...), por causa de uma nódoa negra, o arguido, no quarto da residência, agrediu-a com socos, pontapés puxões de cabelos, bateu-lhe com o cano de uma pressão de ar desmontada na zona lombar e com um cabo de electricidade nas pernas, agressões que apenas cessou quando a testemunha admitiu que o traía, o que fez apenas para que ele parasse e não por corresponder à verdade; a terceira vez, semanas depois, quando ia com ele a (...) - local onde ele estava a fazer a instalação eléctrica de uma casa (pois na altura exercia a profissão de electricista) - o arguido parou o carro, exibiu-lhe uma faca que trazia (e que normalmente usava para cortar os cabos de electricidade), e mais uma vez, insistindo para que a testemunha confirmasse que o traía, espetou-lhe por duas vezes a faca na barriga, o que deixou marca ainda que não tenha feito sangue, ao mesmo tempo que referiu que a matava; a testemunha referiu ainda que o arguido não a deixava ir ao hospital, sendo que apenas na segunda situação ele próprio foi à farmácia comprar pomada para os hematomas; referiu ainda que os seus filhos nunca assistiram às agressões, embora se apercebessem das marcas que tinha no corpo, sobretudo a sua filha CC, sendo que o arguido também era bastante agressivo com os seus filhos, e sobretudo com aquela; a este propósito, e a título de exemplo, a testemunha referiu que, numa determinada altura em que viviam na zona da G, ele bateu com a cabeça dos miúdos no lavatório porque eles não queriam lavar os dentes; uma outra vez bateu com um cinto na CC e dava-lhe bofetadas se ela dizia algum palavrão e, noutra ocasião bateu no Cl. C ao ponto de ele ficar com as nádegas roxas, sendo que todas estas situações não foram por si presenciadas, tendo apenas visto as marcas que eles apresentavam quando lhe contaram o sucedido; afirmou ainda que depois das referidas agressões físicas, o arguido apenas a agrediu verbalmente, sendo que após a separação lhe enviou diversas mensagens escritas a ameaça-la e uma vez, no final de junho de 2014, foi ao seu trabalho com o Cl. C e o Edmilson propondo-lhe que reatassem o relacionamento, mas como disse que não ele disse que a matava pois preferia que o filho fosse para o refúgio e ele ia para muito longe; mais, referiu que, nesse mesmo dia, mais tarde, lhe telefonou a perguntar se a testemunha tinha pensado na sua proposta e, perante a resposta negativa, disse-lhe que à meia-noite quando fosse buscar o filho lhe ia mostrar a arma que tinha, dando a entender que concretizaria a ameaça que fizera antes, motivo pelo qual, nessa noite pediu ao seu pai que fosse buscar o ECA; por fim, referiu que a partir de Outubro de 2014 chegaram a um acordo quanto às responsabilidades parentais do filho e as coisas acalmaram desde então; - CR, filha da testemunha LC: a testemunha referiu que nunca presenciou agressões do arguido à sua mãe, referindo, todavia, que uma vez a viu ir trabalhar com um olho roxo, episódio que situou antes do nascimento do seu irmão ECA; mais referiu que após o nascimento do irmão apenas ouviu discussões, no âmbito das quais se apercebia que o arguido dizia que a mãe tinha um amante, esclarecendo, todavia, que durante o período da gravidez e no ano seguinte eles viveram bem; relativamente ao seu irmão Cl. C, a testemunha referiu que uma vez, antes do nascimento do ECA, o irmão Cl. C fez as necessidades nas cuecas e o arguido zangou-se com ele e deu-lhe umas palmadas, referindo a testemunha que não as presenciou mas ouviu o barulho e logo de seguida o irmão veio para ao pé de si a chorar e tinha o rabo roxo; referiu ainda que já após o nascimento do ECA, em data que também não sabia concretizar, porque este uma vez se entalou numa porta e o arguido achou que a culpa era do Cl. C pegou nele e foi entalar o braço do Cl. C na mesma porta, sendo que desta vez o irmão não lhe mostrou o braço mas veio para ao pé de si a chorar e a dizer que doía; no que respeita à própria, a testemunha referiu que, pouco tempo antes de a mãe e o arguido se terem separado, o arguido deu-lhe com um cinto nas pernas porque a mesma não tinha comido um ovo ao jantar; sobre esta situação a testemunha esclareceu que nessa tarde o arguido já tinha repreendido por estar na rua a conversar com um rapaz, sendo que lhes preparou o jantar mas não jantou com eles e quando deu conta que ela não tinha comido o ovo, foi ao seu quarto, onde a testemunha estava deitada na cama, de lado, deu-lhe duas vezes com o cinto na coxa esquerda e ordenou-lhe que ela fosse comer o ovo, o que a testemunha fez; mais esclareceu que não obstante ter umas calças vestidas e duas mantas por cima, ficou com as marcas do cinto na coxa, marcas essas que mostrou à mãe cerca de três dias depois, quando lhe contou o sucedido; referiu ainda que numa outra situação, em data que não soube precisar, referindo apenas que foi já depois de o ECA ter nascido, quando a testemunha estava com uns amigos ao pé da escola (...), em F, o arguido estava lá e por se aperceber que os referidos amigos estavam a chamar nomes uns aos outros, aproximou-se dela e deu-lhe duas bofetadas em frente à escola; por fim, a testemunha referiu que conversava com a mãe sobre estes comportamentos do arguido, sendo que ambas tinham medo dele e chegaram mesmo a falar em fugir, sendo que nessa altura a mãe tomou a decisão de sair de casa e foram para casa dos avós maternos; posteriormente houve um período em que foram morar para um apartamento e nessa altura recorda-se que o arguido ligava muito, sendo que às vezes a mãe punha o telefone em alta voz e apercebia-se que a conversa não tinha nada a ver com o seu irmão mais novo; - JC, pai da testemunha LC: a testemunha referiu que nunca presenciou qualquer agressão física do arguido em relação à sua filha e aos seus netos, mas que começou a aperceber-se que a filha tinha hematomas no corpo e que tinha comportamentos estranhos, nomeadamente, quando ia a casa dela ela fazia de tudo para que ficassem até o mais tarde possível e quando saía do trabalho ficava sempre muito preocupada em ir logo para casa, o que lhe começou a levantar suspeitas; para além disso, os netos começaram a andar receosos e manifestavam medo dele, medo esse que ainda hoje manifestam; a testemunha referiu ainda que numa determinada ocasião, pelo aniversário da sua filha, estavam em casa deles e porque a LL tinha feito apenas carnes e salada, o arguido começou a atirar com tudo pelos ares, a atirar com as coisas para o lava loiças ao mesmo tempo que gritava se aquilo era comida para um homem, o que o deixou assustado; por fim, referiu que depois de eles se separarem, a LL foi viver para a sua casa, com excepção de um período em que esteve a viver num apartamento, e que o arguido lhe mandava muitas mensagens, mesmo a meio da noite, sendo que uma vez a filha lhe pediu para ir buscar o neto mais novo, o ECA, a casa do arguido porque ele lhe tinha dito que tinha lá um “negócio” e que lhe punha fim à vida. Para além dos depoimentos das testemunhas o tribunal teve em consideração o auto de transcrição de mensagens de fls. 44 a 63, os assentos de nascimento de fls. 99, 101 e 103. Sumariada a prova produzida em audiência de julgamento e a prova documental pré-constituída, com excepção do que respeita à agressão da menor CC com um cinto - situação que o arguido admitiu ainda que num contexto um pouco diferente do relatado pela própria -, existem versões contraditórias dos factos. É obvio que o Tribunal não conhece, através da prova produzida em audiência, a verdade “absoluta e universal” sobre o facto histórico verificado, porque o conhecimento humano é de capacidade limitada, exigindo-se apenas o “convencimento justificado”, idóneo para superar a presunção de inocência. Com efeito, a verdade histórica nem sempre corresponde à verdade processual, sendo certo que, é de acordo com a prova produzida em audiência de julgamento, analisada à luz da lei e da consciência do julgador, de acordo com as regras da experiência comum, que se apura a verdade do processo. O facto de existirem duas versões contraditórias dos factos não é suficiente para colocar, desde logo, o Tribunal numa situação de non liquet, ou seja, numa situação de dúvida insanável sobre a verificação dos factos que, necessariamente tenha de ser resolvida por via do princípio constitucional “in dubio pro reo”. Com efeito, sopesada toda a prova produzida, conjugados os depoimentos e a prova documental, pericial ou outra junta aos autos pode o Tribunal atribuir maior credibilidade a uns depoimentos que a outros e, por via disso, dar credibilidade a uma das versões apresentadas - neste sentido, o Acórdão do STJ de 24 de Março de 1999, in CJ STJ, tomo I, pág. 247. Tal é o caso dos autos, uma vez que a prova produzida, conjugada com as regras da experiência e do senso comum, permite ao Tribunal fixar o quadro factual. Sobre a imediação das provas e, concretamente sobre a valoração da prova testemunhal em audiência de julgamento seguimos de perto o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 6 de Março de 2007, publicado em texto integral, no site www.dgsi.pt, onde pode ler-se: “O tribunal é, por excelência, uma instância de reconstituição de factos, construindo a “realidade” que sustenta a fundamentação da sua decisão, vinculativa, sobre a verificação ou inverificação do crime, e, por vezes, também dos pressupostos da responsabilidade civil. A construção da realidade, delimitada pela verdade material e pela vinculação do juiz à lei no que toca à sua valoração jurídica, está, em grande medida, dependente da valoração da prova entregue, por via de regra, à livre convicção do juiz, o qual dispõe nesse domínio duma espécie de poder absoluto ou discricionariedade real na fixação da verdade dos factos. O juiz defronta-se permanentemente com construções alternativas da realidade, a verdade da acusação e a verdade da defesa, com base nas quais irá construir a verdade processual. A reconstituição processual da realidade histórica de certo facto humano não é ou dificilmente poderá ser a expressão precisa e acabada de um qualquer meio de prova e particularmente da prova testemunhal, dadas as naturais dificuldades em se reproduzir fiel e pormenorizadamente o que foi percepcionado ou vivenciado, geralmente de forma passageira e ocasional, muito antes da audiência de discussão e julgamento, local privilegiado para a produção e discussão das provas. Muito menos podem os vários depoimentos ser entendidos isoladamente, retirando-os do respectivo contexto, apenas com base em frases transcritas num mero suporte documental e em certas imprecisões de algum dos testemunhos - por vezes justificáveis desde logo pelas circunstâncias dialécticas em que são produzidos, durante o interrogatório cruzado, formal, surgindo sempre um novo elemento em cada questão suscitada por cada um dos sujeitos processuais. Questões já de si formuladas dentro da perspectiva antagónica e por vezes conflituante de acordo com a posição de cada sujeito processual. (…) A formação da convicção pelo tribunal resulta de múltiplos dados. Num depoimento o tribunal analisa conjugadamente as razões de ciência da testemunha com o seu tom de voz, as hesitações, a seriedade, a exaltação ou não com que viveu o facto, a postura corporal e outros "elementos racionalmente não explicáveis". Daí resulta a credibilidade ou não de um testemunho. Como se afirma em acórdão proferido no recurso n.º 99/01 desta Relação, "a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente". No caso, a versão do arguido foi contrariada não apenas pela testemunha LC mas também pela testemunha CR. Para além disso, a versão que estas duas testemunhas apresentam é corroborada em parte pelo depoimento da testemunha JC. E, por fim, a versão do arguido é contrariada pelas suas próprias declarações. Com efeito, o arguido admitiu não apenas que bateu com um cinto na menor CC mas também que por vezes batia nos menores, embora, no seu entender, justificadamente, devido ao mau comportamento daqueles. Negou qualquer agressão à ex-companheira, mas espontaneamente referiu que nunca a proibiu de ir ao Hospital, quando o lógico seria dizer que não havia qualquer motivo para que tal acontecesse. Os depoimentos das testemunhas LC e CR foram prestados de forma espontânea, clara, devidamente circunstanciada e sem qualquer tentativa de exacerbação ou de vitimização (como é vulgar acontecer neste tipo de casos). Com efeito, não se verificou por parte da testemunha LC a tendência para a generalização, para a queixa não concretizada, mas sim um depoimento objectivo e preciso, indicando as concretas situações em que foi agredida e não mais que isso. Por outro lado, não pode o tribunal deixar de ter em consideração que estas duas testemunhas são mãe e filha e que seria natural, dado o laço que as une e a proximidade foi patente no depoimento da testemunha CC, que pudessem tentar proteger-se ou, ainda que involuntariamente, guardassem memórias sem correspondência efectiva na realidade mas decorrentes da interiorização de que efectivamente tal conduta aconteceu porque lhe foi relatada por alguém em quem depositam inteira confiança. Mas tal não se verificou. Ambas foram precisas no momento de dizer que não viram as agressões em relação à outra. Viram marcas, aperceberam-se de situações, mas nenhuma caiu na tentação de ir mais além. Por fim, as três testemunhas inquiridas, atenta a sua postura em audiência, depuseram com a simplicidade de quem diz a verdade, sem rodeios, sem artifícios. A tal não obsta o facto de não existirem elementos documentais que comprovem as lesões decorrentes das condutas do arguido. Por um lado, há que ter em consideração que estão em causa hematomas, e os hematomas são lesões frequentes quer nas crianças quer nos adultos, que podem ser motivadas por diversas circunstâncias, pelo que a generalidade das pessoas tem na sua residência pomadas adequadas para o efeito. Por outro lado, também não é comum que as pessoas se dirijam a um hospital ou a um centro de saúde por causa de hematomas. Regra geral, em casos de violência doméstica, as vítimas fotografam os hematomas e dirigem-se a estabelecimentos de saúde para poderem documentar as respectivas queixas. Mas este não é o caso dos autos. No caso concreto, o que resultou dos depoimentos das testemunhas é que as agressões à LC foram levadas a cabo antes do nascimento do filho comum do casal. Ora, tendo em conta a data em que a referida LL denunciou os factos, é manifesto que na data das agressões não lhe ocorreu tal tipo de procedimentos, sendo que apesar da gravidade das agressões, as lesões não necessitariam, em termos objectivos, de tratamento médico. Por este motivo o tribunal considerou credíveis os depoimentos das testemunhas LC e CR, que se mostraram particularmente isentos pelos motivos indicados, e também o depoimento da testemunha JC. E, analisados no seu conjunto, estes três depoimentos conjugam-se e complementam-se. A testemunha LL não presenciou as agressões aos filhos mas viu as marcas nos respectivos corpos, sendo coincidentes as motivações que foram indicadas pela testemunha LL e CC relativamente a essas agressões, tal como a testemunha CC não presenciou as agressões à mãe, mas viu-a numa circunstância ir trabalhar com um olho roxo, o que coincide com uma das situações descritas pela testemunha LL, sendo que de ambos os depoimentos resultou que tal ocorreu antes do nascimento do menor ECA. Por fim, a testemunha JC, nada tendo presenciado, também viu as marcas no corpo da filha e essencialmente, apercebeu-se do carácter violento do arguido, designadamente em situações que não o justificariam, tal como se apercebeu das mudanças de comportamento da filha e do temor demonstrado pelos netos. Ora, a situação presenciada pela testemunha JC, permite atribuir credibilidade aos depoimentos das testemunhas LL e CC, pois que dela resulta uma personalidade coincidente com a descrita por elas e capaz de praticar os actos por elas descritos. Relativamente às datas em que os factos ocorreram, designadamente no que respeita às situações vividas pelos menores, o tribunal, não tendo como apurar as datas concretas, balizou os factos de acordo com o relatado pela testemunha CC, cujo ponto de referência foi sendo “antes” ou “depois” do nascimento do ECA. Ora, as declarações do arguido, designadamente de que em 2011 não viviam em F e a CC ainda não estava na Escola (...) em nada contradizem a testemunha, na medida em que esta não referiu que os factos ocorreram nessa data, apenas quando questionada para os situar no tempo, referiu que o irmão mais novo já era nascido. E o mesmo se diga quanto à situação do braço entalado, pois que a testemunha não disse que foi em 2011, disse é que já o irmão mais novo tinha nascido, por contraposição à situação anterior relativa ao Cl. C e como aliás já havia feito nas situações referentes à mãe. No que diz respeito ao menor Cl. C, não se descura que o menor não foi ouvido pelo tribunal e que, no que respeita às palmadas a testemunha CC não as presenciou. Todavia, o depoimento da testemunha CC foi suficiente para concluir pela prova dos factos, na medida em que a testemunha presenciou a situação que deu origem ao conflito - o menor fez as necessidades nas cuecas -, presenciou a zanga do arguido em relação a essa situação, ouviu barulhos que identificou como sendo palmadas e logo de seguida o seu irmão veio para ao pé de si, a chorar e tinha as nádegas roxas. Ora, face a este depoimento, isento, objectivo e credível, o tribunal considerou não ser necessário sujeitar um menor, actualmente com 10 anos, a rememorar situações traumáticas. Posto isto, no que concerne aos pontos 5 a 17 dos factos provados a convicção do tribunal alicerçou-se no depoimento das três testemunhas supra referidas, sendo que, relativamente aos pontos 1 a 4 foram tidos em consideração as declarações do arguido e o depoimento da testemunha LC. Relativamente ao conhecimento e vontade do arguido - pontos 18 e 19 dos factos provados -, pese embora a prova não seja directa, uma vez que o arguido não admitiu os factos, infere-se dos factos objectivos dados como provados, analisados à luz da experiência comum, na medida em que o arguido demonstrou conhecimentos adequados à sua faixa etária e condição social, pelo que não podia deixar de saber que os seus comportamentos eram adequados a causar ofensa na honra e dignidade pessoal de cada um, na integridade física e na auto-determinação pessoal, a causar medo e receio de comportamentos futuros semelhantes, o que efectivamente o arguido quis e conseguiu. Com efeito, pese embora o arguido tenha avançado com o argumento “educacional”, tal não mereceu qualquer credibilidade perante o tribunal. Por um lado, não se aplica às agressões levadas a cabo contra a então companheira LC e, por outro, nada no relatório social do arguido permite extrair a conclusão de que o arguido cresceu num ambiente de violência de modo a que tenha interiorizado tais tipos de comportamentos como correctos. Pelo contrário, os objectos utilizados para agredir (o cano de uma arma, um cabo eléctrico, um cinto) e as circunstâncias em que agredia (em frente à escola da menor, pelo menor ter feito necessidades nas cuecas, entalar o menor porque o mais novo se tinha entalado) são por si demonstrativas da intenção do arguido de humilhar, de ferir na honra e dignidade e também de demonstrar a sua superioridade. Com efeito, ficou o tribunal em crer que o arguido batia qualquer que fosse o motivo, donde o receio provocado nos demais elementos da família, que nunca sabiam quando iam ser agredidos mas que viviam na eminência de o ser. No que concerne às condições pessoais do arguido e à ausência de antecedentes criminais, foram valorados o relatório social de fls. 144 a 149 e o certificado de registo criminal de fls. 137. Relativamente ao único facto não provado, foi o mesmo valorado dessa forma tendo em consideração o que resultou dos depoimentos das testemunhas LC e CC da Rocha. Enquadramento jurídico-penal: Cumpre agora proceder ao enquadramento jurídico-penal da factualidade descrita, a fim de apurar se a mesma integra a prática do crime de que o arguido vem acusado. Dispõe o artigo 152.º do Código Penal, na sua actual redacção, decorrente da alteração introduzida pela Lei n.º 19/2013, de 21.02, que: “1. Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade e ofensas sexuais: a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge; b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga às dos cônjuges, ainda que sem coabitação; c) A progenitor de descendente comum em 1.º grau; ou, d) A pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal. 2. No caso previsto no número anterior, se o agente praticar o facto contra menor, na presença de menor, no domicílio comum ou no domicílio da vítima é punido com pena de prisão de dois a cinco anos. 3. Se dos factos previstos no n.º 1 resultar: a) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos; b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos. 4. Nos casos previstos nos números anteriores, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima e proibição de uso e porte de armas, pelo período de seis meses a cinco anos, e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica. 5. A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. 6. Quem for condenado por crime previsto neste artigo pode, atenta a concreta gravidade do facto e a sua conexão com a função exercida pelo agente, ser inibido do exercício do poder paternal, da tutela ou curatela por um período de um a dez anos”. As alterações introduzidas pela Lei n.º 19/2013, de 21.02 circunscrevem-se a duas questões: a inclusão, na alínea b) do n.º 1 da relação de namoro, que passa a igualmente a ser protegida pelo tipo legal de crime, e, a alteração do n.º 5 na medida em onde antes se dizia que a pena acessória de proibição de contacto com a vítima “podia” incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho e que o seu cumprimento “podia” ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, diz-se agora que a referida pena acessória “deve” incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho e que o seu cumprimento “deve” ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância. No caso, tendo em consideração que a violência doméstica é um crime único, ainda que de execução reiterada, ocorrendo a sua consumação com a prática do último acto de execução (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8-11-2011, CJ, 2011, T.V, pág.319), uma vez que o último facto se reporta já ao ano de 2014, ter-se-á em consideração esta última redacção do artigo 152.º do Código Penal, sendo certo que as alterações introduzidas - e que para o caso apenas relevam a que constam do n.º 5 - não são de molde a agravar o regime já anteriormente instituído, visto que não se trata da introdução de novas penas acessórias, mas apenas da forma de cumprimento da pena acessória já legalmente prevista - vide Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19 de Dezembro de 2013, publicado em texto integral em www.dgsi.pt. Posto isto. Em termos sistemáticos, o referido preceito encontra-se integrado na parte especial do Código Penal, no Título I, dedicado aos “crimes contra as pessoas” e, dentro deste, no Capítulo III, destinado aos “crimes contra a integridade física”. Os maus tratos inserem-se hoje na criminalidade violenta, de acordo com a definição do artigo 1.º do Código de Processo Penal. Esta solução justifica-se por a violência doméstica atingir dimensões insuportáveis e pôr em causa bens jurídicos da maior relevância estritamente associados à essencial dignidade da pessoa humana. Da sua inserção sistemática decorre que, a ratio deste tipo de ilícito não está na protecção da comunidade familiar, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana, de comportamentos reiterados que lesem o seu bem-estar físico, psíquico e mental. Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense ao Código Penal (Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 332), ainda relativamente ao crime de maus tratos previsto no artigo 152.º do Código Penal, na versão anterior à entrada em vigor da Lei n.º 57/2008, de 4 de Setembro afirma que, em última instância, o bem jurídico protegido por este crime é a saúde, bem jurídico complexo que abrange a saúde física, psíquica e mental, o qual pode ser prejudicado por toda uma multiplicidade de comportamentos que afectem a dignidade pessoal da vítima. Neste sentido, veja-se também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Setembro de 2014, publicado em texto integral no site www.dgsi.pt. Conforme afirma Plácido Conde Fernandes (“Violência Doméstica, Novo Quadro Penal e Processual Penal”, in Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, Revista do CEJ, 1.º semestre de 2008, n.º 8, pág. 305), não havendo razão para «alterar o entendimento, já sedimentado, sobre a natureza do bem jurídico protegido, como sendo a saúde, enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, num bem jurídico complexo que abrange a tutela da sua saúde física, psíquica, emocional e moral”, também se mantém válida a asserção de que “a dimensão de garantia que é corolário da dignidade da pessoa humana fundamenta a pena reforçada e a natureza pública, não bastando qualquer ofensa à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, para preenchimento do tipo legal. O bem jurídico, enquanto materialização directa da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa”. É a exigência de especial gravidade da conduta maltratante que se acentua no acórdão da Relação de Lisboa, de 07.12.2010 (disponível em www.dgsi.pt), de que se transcreve o respectivo sumário: “I - O tipo de crime de «violência doméstica» do art. 152º do C. Penal antes da reforma operada pela Lei nº 59/2007 designado como crime de «maus tratos» visa punir criminalmente os casos mais chocantes de maus tratos em cônjuges ou em pessoa em situação análoga. Pune-se um tratamento cruel, excessivo, sem respeito pela dignidade do companheiro, tudo com aproveitamento de uma autoridade do agente que lhe advém do uso e abuso da sua força física. II – Com ele se visa proteger muito mais do que a soma dos diversos ilícitos típicos que o podem preencher, como ofensas à integridade física, injúrias ou ameaças. Está em causa a dignidade humana da vítima, a sua saúde física e psíquica, a sua liberdade de determinação, que são brutalmente ofendidas, não apenas através de ofensas, ameaças ou injúrias, mas essencialmente através de um clima de medo, angústia, intranquilidade, insegurança, infelicidade, fragilidade, humilhação, tudo provocado pelo agente, que torna num inferno a vida daquele concreto ser humano”. Considerando a “ratio legis” do preceito, Rui Pereira, na qualidade de Presidente da Unidade de missão para a Reforma Penal, veio esclarecer em diversas Conferências sobre a revisão do Código Penal que não se pretendia transformar qualquer ofensa ou ameaça em crimes de maus-tratos com moldura penal reforçada e natureza pública, apenas pelo facto de ocorrerem no âmbito de uma relação afectiva. Manteve-se a situação em vigor, apenas com a clarificação que a reiteração não é exigida, desde que a conduta maltratante seja especialmente intensa. No que concerne ao tipo objectivo de ilícito, o crime de violência doméstica pressupõe um agente que se encontre numa determinada relação para com o sujeito passivo dos comportamentos maltratantes supra referidos: relação conjugal ou análoga, seja actual ou passada, relação de namoro, relação parental ou relação de coabitação. É - mais uma vez como refere Américo Taipa de Carvalho, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, 2.ª Edição, pág. 513 - um crime específico que, na maioria dos casos é impróprio (casos em que a especial relação existente, ou que já existiu, entre o agente e a vítima determina a agravação da ilicitude, da culpa e, consequentemente, da pena estabelecida para a infracção em si mesmo considerada). Mas, embora na generalidade dos casos se trate de um crime específico impróprio, também poderá, em certos casos, ser um crime específico próprio, na medida em que são pensáveis situações de maus tratos psíquicos que, embora não possam in se configurar uma autónoma infracção, podem, contudo, configurar, quando reiteradas, um mau trato psíquico abrangido pela ratio e pela letra do artigo 152.º, pois nestes casos é a especial relação entre o agente e a vítima (actual ou passada), que fundamenta a ilicitude e a punição do agente. Do mesmo modo, no caso dos castigos corporais sobre menores. Com efeito, estes traduzem-se, necessariamente, em ofensas corporais ou maus tratos físicos, às vezes com um eventual objectivo educativo e não com um dolo de lesão corporal. Segundo o referido autor, o que o legislador quis dizer com a referência aos “castigos corporais” foi que o facto de ter havido uma intenção educativa na prática das ofensas corporais não impede que tais castigos possam ser qualificados como crime de violência doméstica, quando apesar dos castigos individualmente considerados não serem graves e se enquadrarem no poder/dever de educação, todavia, sejam reiterados. Conclui o autor, que tal interpretação permite afirmar que o crime de violência doméstica pode também concretizar-se na prática de actos que, embora in se não configurem qualquer crime, todavia, constituam um “prejuízo” para a saúde psíquica e mental da vítima. Assim, sujeito passivo só pode ser o cônjuge ou ex-cônjuge, pessoa do outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou análoga à dos cônjuges, mesmo sem co-habitação, progenitor de descendente comum em 1.º grau, ou pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica. Relativamente a esta última situação, e, mais uma vez no que respeita à violência doméstica contra menores (que para a análise do caso concreto é relevante), a distinção entre o crime de violência doméstica (no caso da alínea d) do n.º 1) e o crime de maus tratos previsto no artigo 152.º A do Código Penal está na verificação ou não de uma relação de coabitação, pois que se esta relação existir estamos perante um crime de violência doméstica, se não existir estamos perante um crime de maus tratos. As condutas previstas e punidas pelo crime de violência doméstica podem ser de diversa natureza, atendendo à amplitude do bem jurídico protegido, motivo pelo qual o legislador adoptou uma fórmula exemplificativa e não taxativa: maus tratos físicos, incluindo os castigos corporais (que só se aplicam relativamente a menores), maus tratos psíquicos, privações da liberdade e ofensas sexuais. Embora a maior parte destas condutas revistam natural e necessariamente a forma de acção, também podem consistir em omissões. No que respeita à reiteração das condutas, é hoje pacífico que o tipo legal não exige uma reiteração de acções, sendo que um único acto pode consubstanciar “maus tratos” se se revelar de tal modo intenso que ao nível do desvalor (quer da acção quer do resultado) seja apto a lesar em grau elevado o bem jurídico pondo em causa a dignidade humana - neste sentido, entre muitos outros, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Setembro de 2014 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20 de Janeiro de 2015, ambos publicados em texto integral em www.dgsi.pt. Não obstante, sendo na maioria dos casos, um crime de execução reiterada, continua a ter relevância concretizar o conceito de reiteração. Como refere, Plácido Conde Fernandes - in “Violência doméstica - Novo quadro Penal e Processual Penal.”, Jornadas sobre a Revisão do Código Penal, Revista do CEJ, 1ºsemestre 2008, n.º8 (especial) -, a reiteração há-de assentar “num conceito fáctico e criminológico de reiteração por parte do sujeito activo, que dê lugar a um estado de agressão permanente, sem que as agressões tenham de ser constantes, embora com uma proximidade temporal relativa entre si. É o estado de agressão permanente que permite concluir pelo exercício de uma relação de domínio ou de poder, proporcionada pelo âmbito familiar ou quase familiar, deixando a vítima sem defesa numa situação humanamente degradante”. Isto porque, nem todas as ofensas constituem maus-tratos, neste sentido penalmente típico. Designadamente, não serão maus-tratos quando careçam de intensidade para colocar em crise o bem jurídico protegido, ou seja, a saúde, enquanto manifestação da dignidade da pessoa humana e da garantia da integridade pessoal contra os tratos cruéis, degradantes ou desumanos, num bem jurídico complexo que abrange a tutela da sua saúde física, psíquica, emocional e moral. Deste modo, e como também conclui o autor supra mencionado, a dimensão da garantia que é corolário da dignidade da pessoa humana fundamenta a pena reforçada e a natureza pública, não bastando qualquer ofensa à saúde física, psíquica, emocional ou moral da vítima, para o preenchimento do tipo legal. O bem jurídico, enquanto materialização directa da tutela da dignidade da pessoa humana, implica que a norma incriminadora apenas preveja as condutas efectivamente maltratantes, ou seja, que coloquem em causa a dignidade da pessoa humana, conduzindo à sua degradação pelos maus-tratos. Ou seja, tudo para se concluir que para o preenchimento do tipo legal de violência doméstica, o legislador continuar a exigir que existam maus-tratos, não se limitando a aceitar nesse conceito qualquer injúria, ameaça ou ofensa à integridade física. Não bastará uma situação isolada de ofensas, injúrias ou ameaças, embora não se exija a habitualidade; todavia, uma situação de especial violência ou gravidade poderá preencher o tipo. Por fim, quanto ao tipo objectivo de ilícito, este crime tanto pode materializar-se numa infracção de resultado (ex. maus tratos físicos), como de mera conduta (ex. provocações e ameaças), como ainda, tendo como critério a efectiva lesão ou perigo de lesão do bem jurídico, tanto pode a conduta traduzir-se num dano (ex. privação da liberdade) como num perigo de dano (ex. ameaças ou humilhações). São circunstâncias qualificadoras do crime, nos termos do n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal: a) a actuação contra menor; b) a actuação na presença de menor; c) a actuação no domicílio comum e, d) a actuação no domicílio da vítima. São situações em que se denota uma necessidade de tutela acrescida, por imperativo ético em congruência com a ordem jurídica axiológica constitucional de protecção da inviolabilidade do domicílio e da vida privada, face à consciência de que é no domicílio que se multiplicam as agressões a coberto de uma certa sensação de impunidade dada pelo espaço fechado e pela ausência de testemunhas, bem como a protecção de vítimas indirectas, como são os menores, muitas vezes “forçados” a presenciar os maus tratos. No que respeita ao tipo subjectivo de ilícito exige-se o dolo. É necessário o conhecimento da relação subjacente à incriminação da violência doméstica e o conhecimento e vontade da conduta e do resultado, consoante os comportamentos subsumíveis no âmbito teleológico-normativo do artigo 152.º configurem tipos de crime formais ou materiais. Posto isto, importa analisar o caso concreto. No caso, e em relação a LC, resultou provado, para além de que viveu com o arguido uma relação análoga à dos cônjuges durante cinco anos e até 12 de Junho de 2014, que: - Em data não concretamente apurada, mas no decurso do ano de 2010, cerca de um ano depois do início do relacionamento, quando viviam no Sitio de MG, F, motivado por ciúmes e pela desconfiança de que a referida LC lhe era infiel, o arguido agrediu-a no quarto da residência com murros e pontapés, ao mesmo tempo que a apelidou de “puta” e “desgraçada”; - Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com hematomas no corpo e num olho; - Em data não concretamente apurada, mas cerca de dois a três meses após a situação ocorrida na residência de MG, quando o arguido e LL residiam na Estrada (...), em F, mais uma vez motivado por ciúmes e pela desconfiança de que LC lhe era infiel, o arguido agrediu-a no quarto da residência com socos, pontapés, puxões de cabelos, com o cano de uma arma de pressão de ar desmontada na zona lombar e com um cabo de electricidade nas pernas; - Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com hematomas pelo corpo; - Em data não concretamente apurada, mas umas semanas depois da situação anterior, numa deslocação a (...), mais uma vez motivado por ciúmes e pela desconfiança de que LC lhe era infiel, o arguido disse àquela que a ia matar e desferiu-lhe dois pequenos golpes na barriga com uma faca de cozinha; - Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com marcas na barriga; - Pese embora as lesões e dores sofridas, LC nunca foi assistida em qualquer Hospital na sequência das mesmas; - No dia 28 de Junho de 2014 - já após a separação - cerca das 21 horas, o arguido telefonou para a LC, com vista a convencê-la a regressar para casa e, face à recusa desta, disse-lhe que tinha uma arma consigo e que a ia matar. Efectivamente, a sucessão de agressões físicas, com murros, pontapés, de modo a deixá-la marcada na face (num dos olhos) - zona particularmente sensível do corpo e, desde logo, mais estigmatizante pela sua visibilidade e pela afectação que traduz ao nível da estética - com objectos como canos de armas e cabos de electricidade, traduz um comportamento excessivo, cruel, que manifesta falta de respeito pela dignidade da companheira, aproveitando-se da sua superioridade física, usando e abusando dessa força física. Para além disso, as ameaças de morte, quer para a forçar a admitir uma relação extraconjugal quer para a forçar a reatar o relacionamento, bem como as injúrias, traduzem comportamentos que criam angústia, intranquilidade, medo, insegurança, humilhação e que integram o conceito de maus tratos psíquicos. Todos os actos praticados pelo arguido integram comportamentos com carácter violento, face à fraca motivação dos mesmos, ao modo de execução, e ao contexto em que foram praticados, estão intimamente ligados à relação de proximidade existencial de partilha que se estabeleceu entre ele e a ofendida, tendo sido praticados por causa dela e a maior parte deles no momento temporal em que essa relação era actual. Assim, os actos praticados pelo arguido, considerados na sua globalidade, valorados no seu conjunto, são objectivamente idóneos a pôr em causa o desenvolvimento da personalidade da ofendida, a sua integridade pessoal, a sua dignidade de pessoa humana e a sua saúde, física e psíquica - de forma mais grave, em virtude da relação de confiança que existiu entre o arguido e a ofendida por força da vivência para conjugal que estabeleceram - e traduzem crueldade e insensibilidade segundo os padrões sociais vigentes. Efectivamente, com o seu comportamento - agredindo a ofendida com murros, pontapés, socos, puxões de cabelos, com o cano de uma arma de pressão de ar desmontada na zona lombar, com um cabo de electricidade nas pernas, com uma faca na zona da barriga, ameaçando-a de morte, apelidando-a de “puta” e “desgraçada” - o arguido - que agiu inicialmente motivado por ciúmes e, depois, querendo forçar a ofendida a reatar a relação, desprezando a vontade da ofendida - atingiu, intoleravelmente o núcleo essencial do bem jurídico protegido pela incriminação. Verifica-se igualmente a circunstância agravante prevista no n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal, na medida em que as duas primeiras situações foram levadas a cabo no domicílio comum. Deste modo, tratando-se de crime único, embora de execução reiterada, é objectivamente imputável ao arguido a agravação do n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal. Para além disso, resultou provado ainda que o arguido agiu de forma dolosa, designadamente que agiu com o intuito de molestar a saúde física e psíquica da LC, bem como causar-lhe receio pela sua vida e integridade física, provocando-lhe medo, inquietação e insegurança, o que logrou fazer de forma reiterada e sucessiva, bem sabendo que desta forma violava os especiais deveres que sobre ele impendiam em virtude da relação de co-habitação que mantinha com aquela, e que dessa forma a colocava numa situação de particular vulnerabilidade. Pelo que, em relação a LC não restam dúvidas que a conduta do arguido integra um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, al.b) e n.º 2 do Código Penal, crime pelo qual deverá ser condenado. Em relação à menor CR resultou provado que: - Em data não concretamente apurada, mas posterior a Março de 2011, por a ter visto acompanhada com colegas que estavam a dizer palavrões, o arguido desferiu duas estaladas na menor CR em frente à escola (...), em F; - Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de Maio de 2014, no interior da residência sita Rua (...), lote (...), em F, porque a CC não comeu um ovo à refeição, o arguido bateu duas vezes com o cinto na coxa esquerda da menor CR, causando-lhe dores e hematomas na zona atingida. Em relação ao menor CG resultou provado que: - Em data não concretamente apurada, mas posterior a Junho de 2010 e anterior a Março de 2011, quando o CG tinha seis anos, porque este inadvertidamente defecou nas cuecas, o arguido bateu-lhe na zona das nádegas, causando-lhe dor e deixando-o com um hematoma na referida zona do corpo; - Em data não concretamente apurada, mas já posterior a Março de 2011, porque o seu ECA entalou um dedo numa porta e o arguido entendeu que o CG fora responsável, entalou o braço deste último na porta, o que lhe causou, pelo menos, dor. A alínea d) do n.º 1 do artigo 152.º do Código Penal prevê como sujeito passivo do crime de violência doméstica, a pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com coabite com o agente. E no n.º 2 do mesmo preceito qualifica a conduta quando praticada contra menor. O conceito de pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, pode ser encontrado por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al.c) do Código Penal. Como refere Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código Penal, Universidade Católica, 2008, pág. 350), a pessoa particularmente indefesa é a pessoa que se encontra numa situação de especial fragilidade devido à sua idade precoce ou avançada, deficiência, doença física ou psíquica ou gravidez, mas pode também incluir a situação da pessoa que se encontra numa situação de dependência hierárquica. Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3 de Março de 2014, publicado em texto integral no site www.dgsi.pt, a propósito do crime de violência doméstica praticado na presença de menor “A agravação do crime de violência doméstica, resultante do facto de ser praticado na presença de menor (…), espelha a intenção do legislador de estender a tutela penal a pessoas de maior vulnerabilidade (…). Ora, é manifesto que os menores, tenham 6 ou 11 anos, como acontece no caso em apreço se encontram numa situação de especial vulnerabilidade em relação ao adulto, que deles cuida, que lhes providencia pela alimentação, pelo vestuário e pela satisfação das suas necessidades pessoais, sendo exactamente essa a razão da tutela penal e do seu respectivo agravamento. Relativamente aos castigos aplicados a menores, muito se tem discutido na doutrina e na jurisprudência se todos os castigos físicos humilhantes ou privativos da liberdade, conduzem à punição dos agentes pelos crimes de ofensa à integridade física, de injúria, de ameaça, de coacção, de sequestro, de violência doméstica ou de maus tratos. Segundo Taipa de Carvalho (in Comentário Conimbricense ao Código Penal, pág. 520), os castigos físicos e as privações da liberdade, quando aplicados a menores, mesmo que impostos com uma finalidade ou intenção educativa poderão preencher o crime de violência doméstica, mas o poder/dever educação dos pais, ou de quem os substitua, pode consubstanciar uma causa de justificação para certos castigos, desde que estes sejam necessários, adequados, proporcionais e razoáveis. Se o castigo for grave, ou reiterado, nunca poderá ser justificado, mesmo que tenha sido aplicado com intenção educativa. No mesmo sentido, Plácido Conde Fernandes (in Violência Doméstica, pág.308/309). Figueiredo Dias refere três condições de que a maioria da doutrina faz depender a justificação dos castigos: a finalidade educativa, a proporcionalidade do castigo e a sua moderação. Já a autora Paula Ribeiro de Faria (in “Acerca da Fronteira entre o castigo legítimo de um menor e o crime de maus tratos do artigo 152.º do Código Penal, RPCC, 2006, 317-343) faz alusão ao conceito de adequação social. Segundo esta autora, a teoria da adequação social permite, então, excluir a tipicidade das chamadas condutas bagatelares, em nome do princípio da necessidade e da dignidade penal, mas também das lesões da integridade física ou de outro bem jurídico como a honra ou a liberdade que, pelas circunstâncias em que ocorreram, ou seja, atendendo-se à globalidade da conduta, sejam socialmente adequadas. Segundo esta autora, existem quatro índices que, quando verificados, determinarão a atipicidade dos castigos: a legitimidade do agente (pais, terceiros que exerçam as responsabilidades parentais ou tutor); a intenção educativa (intuito de contribuir para a formação do menor e não com desejos de vingança ou de modo a descarregar frustrações); finalidade educativa (idoneidade do castigo ao fim visado); proporcionalidade do castigo (depende da idade do menor, da razão do castigo, características do menor). Por fim, numa posição original no nosso país, Clara Sottomayor nega a existência de uma poder de correcção e entende que, face à nova concepção de família e à nova visão da infância e afirmação das crianças como sujeitos de direitos, terá de ocorrer necessariamente uma transformação do conceito de maus tratos e de castigo adequado e proporcional, nomeadamente através do alargamento do espaço de criminalização pela jurisprudência. Esta autora entende que a justificação dos castigos corporais aplicados a crianças constitui um factor de discriminação destas em relação aos adultos, uma vez que se os adultos não se podem castigar uns aos outros, também não poderão castigar as crianças, principalmente tendo em conta a sua especial vulnerabilidade. Ora, é indubitável, mesmo para os autores que consentem o dever de educação/correcção como causa de justificação da conduta, que não só tem de existir um intuito educativo como o castigo tem de ser proporcional, adequado e necessário. No caso concreto, cremos que a conduta do arguido, nas quatro situações que se deram por provadas, excede essa proporcionalidade e necessidade, não foram adequados e não tiveram intuito educativo. Pergunta-se: qual o intuito educativo de bater com um cinto por não comer um ovo?; qual o intuito educativo de dar duas bofetadas à porta da escola por não gostar do comportamento do grupo de amigos em que a menor se inseria?; qual o intuito educativo de bater até deixar hematoma quando um menor de 6 anos faz as necessidades fisiológicas nas cuecas?; qual o intuito educativo de entalar um braço porque sem querer um menor entalou o dedo de um irmão? Nenhum! E são castigos proporcionais e adequados aos comportamentos dos menores? Obviamente que não pois educar não é humilhar nem magoar. Deste modo, também nestes casos - as condutas do arguido - bater com um cinto (com tal violência que mesmo estando a menor tapada com duas mantas ficou com as marcas do cinto na coxa), por causa de a menor não comer um ovo, dar bofetadas à porta da escola (causando-lhe humilhação perante os pares), bater com violência ao ponto de deixar hematomas porque o menor fez as necessidades fisiológicas nas cuecas, entalar um braço como forma de retaliação, traduzem comportamentos excessivos, cruéis, que manifestam falta de respeito pelos filhos da sua companheira, aproveitando-se da sua superioridade física, usando e abusando dessa força física. Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 4 de Março de 2013, publicado em texto integral em www.dgsi.pt,: “O menor, pela especialidade da sua situação face ao adulto, tem direito a uma protecção especial que lhe preserve o seu futuro e desenvolvimento harmonioso da sua personalidade, congregando-se essa ideia na expressão superior interesse da criança; o exercício do poder paternal deve estar submetido ao interesse da criança, devendo dar-se prevalência à continuidade da estabilidade psicológica e afectiva que vem sendo vivenciada pelas crianças; aí se incluindo a necessidade de a criança manter a continuidade da relação afectiva com a pessoa de referência - aquela com quem mantem uma relação afectiva reciproca e estável, quem lhe presta os cuidados, que a ama e protege, quem lhe proporciona condições para o seu desenvolvimento físico e psíquico, que a integrou na sua vida familiar e no meio que a circunda”. Com efeito, são comportamentos com carácter violento, atendendo à ausência de causa que os justifique, ao modo de execução, e ao contexto em que foram praticados, que traduzem crueldade e insensibilidade segundo os padrões sociais vigentes. Assim, os actos praticados pelo arguido, considerados na sua globalidade, valorados no seu conjunto, são objectivamente idóneos a pôr em causa o desenvolvimento da personalidade dos menores CC e Cl. C, a sua integridade pessoal, a sua dignidade de pessoa humana e a sua saúde, física e psíquica e atingem, intoleravelmente o núcleo essencial do bem jurídico protegido pela incriminação. Termos em que se mostram preenchidos, sob a forma de autoria material, os elementos objectivos do crime de violência doméstica, bem como os elementos subjectivos tendo em conta que o arguido agiu com dolo directo. Para além disso, a conduta do arguido é culposa, ou seja, o facto é pessoalmente censurado ao agente, revelando uma atitude interna juridicamente desaprovada e pela qual ele tem de responder perante a exigência do dever ser comunitário (Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, pág. 274). Taipa de Carvalho (ob. cit.) fala ainda na possibilidade de verificação de uma causa de exclusão da culpa - a falta de consciência da ilicitude não censurável. Refere este autor que em relação a certos castigos aplicados a menores, a falta de consciência da ilicitude só poderá ser considerada não censurável (apesar de não justificados e, portanto, ilícitos), desde que tais castigos não assumam uma relativa gravidade de as motivações do agente não sejam censuráveis. Porém, desde que os castigos assumam gravidade de relevo, não deve, hoje - mesmo que a intenção tenha sido a de correcção - considerar-se não censurável (e, portanto, não dever considerar-se excludente da culpa) a falta de consciência da ilicitude de tais castigos. No caso, face ao que ficou exposto, consideramos que, a ponderar-se uma eventual falta de consciência da ilicitude - o que não se consente - seria sempre censurável, na medida em que, não houve intenção educativa, e os castigos aplicados para além de fisicamente graves, foram humilhantes e desproporcionais. Tendo os crimes sido praticados contra menores verifica-se igualmente a qualificativa prevista no n.º 2 do artigo 152.º do Código Penal. Por conseguinte, deverá o arguido ser condenado por três crimes de violência doméstica, e não existem quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa. Da escolha e determinação da medida da pena: Tendo-se apurado responsabilidade penal do arguido, cumpre determinar qual a tutela penal a aplicar, nos termos do disposto nos artigos 71.º, n.º 3 e 375.º, n.º 1 do Código de Processo Penal. Ao crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, al.b) e al.d) e n.º 2 do Código Penal é de 2 a 5 anos de prisão. Determina o artigo 71.º, n.º 1 que a medida concreta da pena deverá ser determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. De acordo com o disposto no artigo 40.º do Código Penal, a aplicação das penas e medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum a medida da pena ultrapassar a medida da culpa. A escolha da pena é fornecida pela medida da necessidade de protecção de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva e pela necessidade de integração e socialização do agente, ou seja, pelas exigências de prevenção especial, sendo a culpa do agente valorada em momento posterior na determinação da medida da pena. A culpa, funcionando como pressuposto da aplicação da pena pois não há crime sem culpa, tem também a função de limite a partir do qual a pena é ilegítima (artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal). A fixação da medida concreta da pena far-se-á nos termos equacionados nos artigos 40.º, n.º 2 e 71.º, ambos do Código Penal, ou seja, à culpa cabe a função de determinar o limite máximo da pena; à prevenção geral de integração a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima da tutela dos bens jurídicos (dentro do que é consentido pela culpa) e cujo limite mínimo se encontra nas exigências de defesa do ordenamento jurídico; à prevenção especial, cabe a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro da moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do delinquente. Por outro lado, deverão ser consideradas, ainda, todas as circunstâncias gerais que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente, designadamente, o grau de ilicitude do facto, a intensidade do dolo e a conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime, bem como as suas condições pessoais e a sua situação económica. Cumpre então ponderar o que segue: - quanto ao grau de ilicitude dos factos, ao modo de execução dos mesmos e as suas consequências, assumem relevância os objectos com que foram provocadas as lesões à ex-companheira e à menor CC e as concretas lesões provocadas às três vítimas, quer em termos físicos quer em termos psíquicos; - quanto ao grau de culpa, verifica-se que o arguido agiu com dolo directo; - quanto aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e às motivações do arguido, verifica-se que o arguido agiu motivado por ciúmes quanto à ex-companheira e por necessidade de se impor face aos menores, o que fez pela força, sendo que com as suas condutas revelou sentimentos de vingança e crueldade; - por fim, no que se refere às condições pessoais do arguido, há que atender, a seu favor, que não tem antecedentes criminais e que se encontra inserido profissionalmente; em seu desfavor, há que ter em consideração que, não tendo o arguido um passado associado a violência doméstica, as suas condutas revelam uma personalidade disforme, demonstrando que o bem estar dos menores e da sua ex-companheira não se sobrepõe ao seu egoísmo pessoal; desvalorizando os seus comportamentos, não admitindo a censurabilidade dos seus actos. Assim, para além de serem elevadas as exigências de prevenção especial, são igualmente elevadas as exigências de prevenção geral. Com efeito, o comportamento ilícito do arguido é sentido pela comunidade como sinal de desprezo pela dignidade humana, fazendo perigar as expectativas dos restantes cidadãos na eficácia do ordenamento jurídico. No nosso tempo a natureza dos ilícitos em causa não se pode tolerar, pois que a violência no seio familiar, quase sempre silenciada, é um dos grandes flagelos da nossa sociedade e só uma cultura interiorizada de respeito pela dignidade poderá criar as condições de harmonia desejadas. A violência é um acto essencialmente genético, comum a todos os seres vivos, mas, apesar de duras evidências de sinal contrário, também neste aspecto, as sociedades tendem a evoluir positivamente. A sociedade actual está muito longe de poder ser considerada aceitável, notando-se uma enorme disfunção entre a realidade e o sentimento social dominante, não se negando que, neste momento, existe uma profunda crise de valores, com causas e efeitos ainda indeterminados, apesar dos homens continuarem a procurar, por várias formas, novos caminhos, agora cada vez mais globais e globalizantes que os conduzirão, se não à meta desejada, pelo menos a melhores formas de sociedade. As sensibilidades actuais, que timidamente se vão mostrando (mesmo em diplomas de cariz ostensivamente político), mais não são do que a consequência da sedimentação dos actos históricos do Homem e, afinal, o indicador positivo de uma constante revolução de mentalidades, sendo que aos Tribunais cabe espelhar a sensibilidade social e defender os bens jurídicos, morigerando as mentalidades - vide, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10 de Janeiro de 2005, disponível in www.dgsi.pt. Deste modo, tudo visto e ponderado, julgam-se proporcionais e adequadas às exigência de prevenção e à culpa do arguido as seguintes penas: - 3 anos de prisão, relativamente ao crime de violência doméstica contra LC; - 2 anos e 4 meses de prisão, relativamente ao crime de violência domestica contra CR; - 2 anos e 6 meses de prisão, relativamente ao crime de violência doméstica contra CG. Do cúmulo Jurídico Dispõe o artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. O critério do concurso efectivo de crimes assenta na pluralidade de tipos violados pela conduta do agente, a que corresponde uma pluralidade de juízos de censura, equiparando-se na lei os casos de concurso real, em que a conduta se desdobra numa pluralidade de actos, aos de concurso ideal, em que a conduta se analisa num único acto. Dispõe o artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal que: “1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. Com efeito, o arguido praticou as infracções no mesmo dia, logo, antes de ter sido julgado por qualquer delas. A previsão legal vertida na segunda parte do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, esclarece que a determinação de tal pena deverá resultar da consideração, em conjunto, dos factos e da personalidade do arguido. O n.º 2 do preceito fixa, como limite máximo da pena aplicável, a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes - o que, in casu ascende a 7 anos e 10 meses de prisão. Como limite mínimo, a mesma norma situa-a na pena concreta mais elevada que foi aplicada e que integra o cúmulo - ou seja, no caso em apreço a pena de 3 anos de prisão. Pelo exposto, o cúmulo jurídico das penas em causa será definido entre 7 anos e 10 meses e 3 anos de prisão. Ponderando-se, em conjunto, a elevada ilicitude dos factos, a gravidade das consequências, o dolo, a postura e personalidade do arguido manifestados na matéria provada em audiência de julgamento, mas igualmente a ausência de antecedentes criminais, que abona a favor do arguido, considera-se ajustada a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão. Do direito à indemnização: Nos termos do artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro (lei que instituiu o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das vítimas nestes crimes): “1. À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito de obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. 2. Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser”. O artigo 82.º A do C.P.P. dispõe que: “1. Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham. 2. No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório. 3. A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização”. Como supra referido, a violência doméstica insere-se hoje na criminalidade violenta, de acordo com a definição do artigo 1.º do Código de Processo Penal, o que se justifica por atingir dimensões insuportáveis e pôr em causa bens jurídicos da maior relevância estritamente associados à essencial dignidade da pessoa humana. Assim, em caso de condenação por crime de violência doméstica, mesmo que a vítima não tenha deduzido pedido de indemnização civil, desde que não se tenha expressamente oposto ao seu arbitramento, deve ser arbitrada uma reparação por via do disposto no artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 21.2. – neste sentido, os recentes Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de Maio de 2014 e de 2 de Julho de 2014, ambos publicados em texto integral em www.dgsi.pt. No caso, nenhuma das três vítimas deduziu pedido de indemnização, sendo que LC, por si e em representação dos seus filhos menores, se pronunciou em sentido favorável à sua fixação. Mesmo que a entender-se que só o podia fazer por si, nenhum dos menores se opôs expressamente a que lhe fosse arbitrada uma indemnização. Posto isto. Nos termos do disposto no artigo 129.º do Código Penal, a indemnização por perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil. Preceitua o artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”. Assim, para que haja obrigação de indemnizar é necessário que se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos: 1) Facto voluntário – no sentido de controlável pela vontade humana; 2) Ilicitude – reprovação da conduta do agente no plano geral e abstracto da lei, em contraposição à culpa que se reporta a um comportamento concreto; 3) Culpa – imputação do facto ao lesante, a título de dolo ou negligência, em qualquer das suas modalidades. 4) Dano – pode ser real (lesão causada no interesse juridicamente tutelado), patrimonial (reflexo do dano real na situação patrimonial do lesado, englobando danos emergentes e lucros cessantes), ou não patrimonial (o que é insusceptível de avaliação pecuniária, podendo apenas ser compensado). 5) O nexo de causalidade – só há responsabilidade relativamente aos danos que o lesado provavelmente não sofreria se não fosse aquela conduta, estando entre nós consagrada a teoria da causalidade adequada. Só e apenas quando preenchidos cumulativamente os pressupostos acima indicados incorrerá o agente em responsabilidade civil por factos ilícitos e, eventualmente, no pagamento da respectiva indemnização. No caso concreto, não há dúvidas, face à factualidade provada, que o arguido praticou factos ilícitos e culposos contra as três vítimas, e que lhes causou danos – físicos e psicológicos – danos esses que resultaram directa e necessariamente das suas condutas. Donde, estão verificados todos os pressupostos da obrigação de reparação. O artigo 562° do Código Civil dispõe que "Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstruir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação ". Constitui princípio geral do nosso ordenamento jurídico, que a reparação se faz por reconstituição natural. Quando esta não for possível, a indemnização far-se-á em dinheiro (cf. artigo 566°, n.º 1 do Código Civil). Dispõe o artigo 496.º do Código Civil que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais (sendo que os danos físicos são tutelados no nosso ordenamento como danos não patrimoniais) que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, devendo, de acordo com o disposto no n.º 3 deste artigo, a determinação do montante da indemnização ser feito com base na equidade, tendo em consideração as circunstâncias referidas no artigo 494.º do mesmo código, designadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, entre as quais se contam as lesões sofridas e os correspondentes sofrimentos, ponderando-se ainda os padrões de indemnização geralmente adoptados pela jurisprudência. Da equidade, dir-se-á que não é sinónimo de arbitrariedade, mas sim um critério para a correcção do Direito, em ordem a que tenham em consideração, fundamentalmente, as consequências do caso concreto, devendo ter-se em conta as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida. No caso, resultou provado que a conduta do arguido se prolongou entre 2010 e 2014, sendo que actualmente se encontra a residir numa casa arrendada pelo valor de € 200,00 (duzentos euros), trabalha como trabalhador rural e aufere vencimento mensal de € 549,00 (quinhentos e quarenta e nove euros). A LC vive em casa dos progenitores, com os seus filhos, incluindo o filho do arguido, e trabalha no Jumbo, em F. Pelo exposto, tem-se como adequada uma reparação no montante de € 1500,00 para a ex-companheira, LC, e no montante de € 1.000,00 para cada um dos menores, CR e CG. * APRECIANDO, conforme ao definido objecto do recurso: A) - do erro notório na apreciação da prova: O recorrente invoca que o tribunal incorreu em erro notório na apreciação da prova, por referência à perspectiva de que a prova produzida não deveria ter conduzido às conclusões extraídas quanto aos factos que indica como incorrectamente julgados, apoiando-se, ainda, na convocação do princípio in dubio pro reo. Manifestando a sua discordância quanto à valoração dessa prova, não se descortina, contudo, em que sustenta a presença desse vício da decisão, que, como tal, tem de decorrer do texto da mesma, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, nos termos do art. 410.º, n.º 2, do CPP. Esse erro, com a vertente referida, terá de ser interpretado como o tem sido o conceito de facto notório em processo civil, ou seja, como o facto de que todos se apercebem directamente ou que, observado pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório (acórdão do STJ de 06.04.1994, in CJ Acs. STJ, ano II, tomo II, pág. 185). Consubstancia, como referem Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7.ª edição, Rei dos Livros, págs. 77/78, falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido). Deste modo, deparar-se-á quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio (acórdão do STJ de 24.03.2004, no proc. n.º 03P4043, in www.dgsi.pt). Ainda, segundo Maria João Antunes, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 4 (1994), pág. 120, verifica-se «sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art.127º do CPP, quando afirma que a prova é apreciada segundo as regras da experiência». A argumentação do recorrente prende-se, todavia, com a sua crítica à convicção formada pelo tribunal e, deste modo, situa-se em âmbito que não se adequa aos limites da aferição do erro notório. Se bem que este constitua, em si mesmo, limite à livre apreciação probatória prevista naquele art. 127.º, necessário é que se revele como asserção ilógica e contendendo com as regras da experiência, e não, como o recorrente aparenta pretender, como resultado de diferente visão dessa prova. Acresce que, analisado o texto do acórdão, é manifesto que não padece de qualquer incongruência ou falta de lógica no raciocínio por que o tribunal enveredou, nem contende com as regras da experiência ou da produção e valoração da prova. Além da ausência de concretização do vício e da aparente equiparação deste a erro de julgamento, a alegação de violação daquele princípio in dubio pro reo está, inevitavelmente, nesta sede, votada ao fracasso, não resultando minimamente que o tribunal viesse a expressar dúvida que não tivesse ultrapassado ou que, na circunstância, se impusesse que dúvida séria e relevante conduzisse a diferente julgamento acerca dos factos apreciados. Outras considerações, nesta parte, são dispensáveis, dada a manifesta inviabilidade do preconizado pelo recorrente. B) - da impugnação de matéria de facto: A modificação da matéria de facto pode verificar-se, segundo o disposto no art. 431.º do CPP, designadamente “se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º”. Há que notar, porém, como vem sendo pacificamente entendido, que o recurso é mero remédio jurídico, e não novo julgamento com repetição dos meios de prova produzidos em 1.ª instância (exceptuado o caso em que seja admissível a renovação da prova), traduzindo reapreciação necessariamente cirúrgica e num plano alheio à imediação e à oralidade que regem a audiência de julgamento. Já Cunha Rodrigues o salientava, in “Lugares do Direito”, Coimbra Editora, 1999, págs. 498/499, ao referir que o Código de Processo Penal assume claramente os recursos como remédios jurídicos e não como meios de refinamento jurisprudencial, não visando o único objectivo de uma «melhor justiça». Por isso, mesmo quando se considere a impugnação da matéria de facto de forma processualmente válida, nem por isso a impugnação equivale necessariamente à modificação da decisão de facto recorrida. Tal impugnação não se bastará, para que venha a proceder, com a pretensão de dar-se como provada determinada versão, com base nas provas produzidas e diferentemente valoradas por quem recorre, já que a censura do tribunal ad quem não incidirá sobre a decisão do tribunal a quo que assente a sua convicção sobre a credibilidade da prova produzida, ou a falta dela, em elementos que relevam daqueles princípios da imediação e da oralidade, aos quais o tribunal de recurso não tem acesso, sem prejuízo dos limites do princípio da livre apreciação da prova consagrado no mencionado art. 127.º. A impugnação da decisão nesse âmbito visa, na realidade, corrigir erros de julgamento assentes em prova inválida e/ou insuficiente e não, propriamente, obter a prevalência de convicção diversa do tribunal ad quem, acompanhando total ou parcialmente a convicção de quem recorre. Sendo certo que esse princípio da livre apreciação da prova não é absoluto, já que a própria lei lhe estabelece excepções - designadamente, as respeitantes ao valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (art. 169.º do CPP), ao caso julgado (art. 84.º do CPP), à confissão integral e sem reservas no julgamento (art. 344.º do CPP) e à prova pericial (art. 163.º do CPP) -, não é menos real, também, que não se confunde com apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova, de todo em todo imotivável. Aos seus limites, consubstanciados nas regras da experiência e na livre convicção do julgador, terá de corresponder a necessária fundamentação objectiva, inteligível e adequada à individualidade histórica do caso concreto, tal como ela foi adquirida representativamente no processo, pelas alegações, respostas, inquirições e outros meios de prova disponibilizados, sem perder de vista os critérios generalizadores da experiência que orientam os caminhos da descoberta da verdade, oferecendo probabilidades conclusivas, mas susceptíveis de motivação e controlo (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 1165/96, de 19.11, in BMJ n.º 461, pág. 93). No entanto, quando a atribuição de credibilidade a uma dada fonte de prova se baseia numa opção do julgador assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só tendencialmente estará habilitado a exercer censura crítica se ficar demonstrado que o caminho de convicção trilhado ofende as regras da experiência comum. Em concreto, o recorrente respeitou as exigências de especificação daquele art. 412.º, n.º 3, tendo indicado os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e os elementos probatórios que, na sua perspectiva, impõem decisão diversa, procedendo à transcrição integral dos mesmos e à concretização das passagens para tanto relevantes. Os pontos de facto impugnados são os constantes dos factos provados em 5. a 20., reconduzindo-se, assim, à integralidade da actuação, nas vertentes objectiva e subjectiva, que lhe foi imputada. Os elementos de prova convocados à impugnação são as suas declarações em audiência e os depoimentos de LC, de CR e de JC. Sem prejuízo da transcrição que o recorrente oferece, a apreciação terá de incidir propriamente nas indicadas passagens, especificadas relativamente aos factos impugnados, em sintonia com a análise que, em sede de recurso, pode pedir-se e justificar-se. Assim, vejamos a argumentação trazida, no confronto da motivação operada pelo tribunal e procedendo, quanto necessário, à audição da prova levada à audiência. Acerca dos factos provados em 5. (“Em data não concretamente apurada, mas no decurso do ano de 2010, cerca de um ano depois do início do relacionamento, quando viviam no Sitio de MG, F, motivado por ciúmes e pela desconfiança de que a referida LC lhe era infiel, o arguido agrediu-a no quarto da residência com murros e pontapés, ao mesmo tempo que a apelidou de “puta” e “desgraçada””) e em 6. (“Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com hematomas no corpo e num olho”), o recorrente negou-os em audiência, enquanto a ofendida LL aos mesmos se reportou. Pese embora o resultado contraditório desses elementos de prova, como decorre, quer da motivação decisória, quer das respectivas passagens transcritas, o tribunal acatou o depoimento daquela, valorando-o positivamente em razão da credibilidade que mereceu, o que ficou amplamente explicitado no acórdão. Não se revela que as declarações do recorrente, meramente negatórias, tenham virtualidade para isso infirmar. A sua alegação de que O depoimento da ofendida não foi mais isento ou credível do que o do arguido, pelo contrário. Quem presenciou os depoimentos em causa e quem os ouve consegue perceber nitidamente, comparando o tom de voz da ofendida e do arguido, que este prestou um depoimento calmo ao contrário daquela, que prestou um depoimento alterado, descrevendo os factos que alega terem acontecido de forma empolada, não tem virtualidade para suportar que os factos não tenham ocorrido. Aliás, através da audição pertinente (art. 412.º, n.º 6, do CPP), não resulta que o depoimento da ofendida tenha sido marcado por alguma menor clareza ou algum exagero ou eventuais contradições, tornando-se lógico e inteligível na contextualização que efectuou, sendo plenamente normal que alguma emotividade sua tivesse estado presente dada a delicadeza dos assuntos que relatou. Além disso, se alguma calma às declarações do recorrente se pode atribuir, não custa concluir que é bem fácil para alguém limitar-se a negar do que a relatar situação que, como inevitavelmente em relação à ofendida, causou sensível e importante perturbação a vários níveis. Por seu lado, cabe assinalar que, não só as declarações da ofendida foram aqui tidas em conta, mas também, ainda que constituindo prova indirecta, o depoimento de CR, que referiu Eu lembro-me que ela uma vez foi trabalhar com o olho roxo, e o depoimento de JC, pai da ofendida, que, conforme motivação do tribunal, “nada tendo presenciado, também viu marcas no corpo da filha”. Quanto às reservas colocadas pelo recorrente de que - Não existe qualquer registo fotográfico dos hematomas dados como provados - Não existe qualquer relatório médico referente às alegadas lesões; - Não existem quaisquer testemunhas presenciais da alegada prática dessas lesões, não configuram aspectos que imponha decisão diversa quanto a esses factos, uma vez que, para além do que ficou descrito, dada a natureza das lesões, não seriam necessários especiais cuidados médicos e a ofendida esclareceu que sempre teve medo do recorrente e, nessas alturas, trancava-me em casa, bem como não surpreende, bem pelo contrário pelas regras da experiência, que o recorrente os tivesse praticado na intimidade e de molde a que não fossem vistos por alguém, designadamente, os filhos e, acrescente-se, que só depois da separação, a ofendida os tenha denunciado perante as autoridades, mormente sendo essa, tanto quanto se sabe, a primeira vez que se verificaram. No que respeita aos factos provados em 7. (“Em data não concretamente apurada, mas cerca de dois a três meses após a situação ocorrida na residência de MG, quando o arguido e LL residiam na Estrada (...), em F, mais uma vez motivado por ciúmes e pela desconfiança de que LC lhe era infiel, o arguido agrediu-a no quarto da residência com socos, pontapés, puxões de cabelos, com o cano de uma arma de pressão de ar desmontada na zona lombar e com um cabo de electricidade nas pernas” e em 8. (“Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com hematomas pelo corpo”), defende o recorrente que o depoimento da ofendida foi impreciso, incapaz de precisar datas e inconsistente e, mais uma vez, reforçando que os negou e a ausência de outros elementos para além desse depoimento. Porém, desde logo, contrariamente ao invocado no âmbito da suposta relevância dessa ausência, não se provou que a ofendida tivesse ficado com hematomas por todo o corpo, mas sim, apenas, pelo corpo, naturalmente nas partes atingidas, o que suscita, identicamente ao já assinalado, que não necessitasse de cuidados médicos e não lhe ocorresse, ou tivesse sido inviabilizada, a sua ida ao hospital ou centro de saúde. Analisado o depoimento da ofendida, constata-se que pormenorizou a acção do recorrente e as circunstâncias em que a mesma ocorreu, sendo que, relativamente à data em que se verificou, esclareceu que terá sido dois, três meses, por aí, depois da primeira situação. Assim sendo, não se tornava exigível uma maior concretização temporal, uma vez que, como se compreende, a indicação precisa de determinado dia não é imprescindível, desde que minimamente situado e, como aqui sucede, corroborado pela suficiente descrição dos actos em causa. Não se descortina, por isso, no depoimento, verdadeira imprecisão que inviabilizasse que a conclusão pudesse ter sido extraída como foi. No que concerne aos factos provados em 9. (“Em data não concretamente apurada, mas umas semanas depois da situação descrita em 7), numa deslocação a (...), mais uma vez motivado por ciúmes e pela desconfiança de que LC lhe era infiel, o arguido disse àquela que a ia matar e desferiu-lhe dois pequenos golpes na barriga com uma faca de cozinha”) e em 10. (“Em consequência da referida conduta do arguido, LC teve dores ficou com marcas na barriga”), o recorrente considera o depoimento da ofendida como exagerado e inverosímil, invocando que explicou que era frequente irem a essa localidade e que nada aconteceu, não suportando a lógica que aquela tenha referido que a levou para a matar e, ainda, que afinal se tivesse tratado, também como mencionou, de duas picadas e eram uma coisa mínima. Alega, por seu lado, que os depoimentos de CR e JC não podem ter servido de fundamento para esses factos, por nada terem presenciado. Vejamos. Desde logo, detecta-se, pela motivação do tribunal, que esses dois últimos depoimentos, embora sustentando também a prova dos factos em apreço, não foram referidos, neste âmbito, enquanto prova directa dos mesmos. Na verdade, aí não se refere que CR tenha dito que presenciou essa situação, nem isso decorre do seu depoimento, sendo que a alusão do tribunal para as diversas situações tem, obviamente, de interpretar-se perante a multiplicidade destas e não como menção a que a testemunha de todas tenha tido esse indirecto conhecimento. Quanto ao depoimento de JC, que o recorrente apenas transcreve na íntegra e não, como seria conveniente, destacando passagens que entendia relevantes, a motivação do tribunal é esclarecedora e não contende com o mesmo: “a testemunha JC, nada tendo presenciado, também viu as marcas no corpo da filha e essencialmente, apercebeu-se do carácter violento do arguido, designadamente em situações que não o justificariam, tal como se apercebeu das mudanças de comportamento da filha”, além que, conforme se exige, a sua análise foi ponderada conjuntamente com a restante prova. Relativamente ao declarado pelo recorrente, de que a ofendida por vezes o acompanhava e ajudava a passar cabos, não vem minimamente infirmar o apurado e, se isso acontecia, foi bem diversa a situação transmitida pela ofendida, sobre a qual nesta vertente, a afirmação de que a levou para a matar aparece no contexto que explicitou, sem que se descortine que o mesmo implique que assim não tivesse sido. Não se desconhece que o transporte da faca fosse habitual, dada a actividade profissional do recorrente, bem como, certamente, que se essa fosse a sua intenção (o que não se provou), nesse contexto, isso não lhe teria sido inviável. Por seu lado, a circunstância de se ter tratado de “dois pequenos golpes na barriga” está em sintonia com o que foi revelado pela ofendida, como que desvalorizando-os em face do que a situação de lhe ter dito que a ia matar a teria feito crer quanto a uma maior gravidade. Quanto ao facto provado em 11. (“Pese embora as lesões e dores sofridas, LC nunca foi assistida em qualquer Hospital na sequência das mesmas”), que o recorrente preconiza seja a primeira parte considerada como não provada, mostra-se relacionado com a conduta anteriormente descrita, reputando-se que, para além do depoimento da ofendida (que até se disponibilizou a exibir as marcas em audiência), a experiência nos diz que esse tipo de agressão, quer pelo meio usado, quer pelo local atingido, provoca as sequelas em causa. Acerca do facto provado em 12. (“No dia 28 de Junho de 2014 - já após a separação - cerca das 21 horas, o arguido telefonou para a LC, com vista a convencê-la a regressar para casa e, face à recusa desta, disse-lhe que tinha uma arma consigo e que a ia matar”), o recorrente contesta que só tivesse assentado no depoimento da ofendida, além de alegar que negou ter ameaçado a testemunha e a Polícia de Segurança Pública não encontrou qualquer arma na sua casa. É, porém, insuficiente para fundamentar que o relato da ofendida não devesse ter sido atendido pelo tribunal da forma como o foi, na medida em que traduz mera discordância quanto ao que esta referiu. Também, a sua negação não vale mais do que isso mesmo e a circunstância de não deter arma consigo não colide com a avaliação que a ofendida tenha feito quanto ao que lhe transmitiu, mormente, em razão do que já antes sucedera. Sobre o facto provado em 13. (“Em data não concretamente apurada, mas posterior a Março de 2011, por a ter visto acompanhada com colegas que estavam a dizer palavrões, o arguido desferiu duas estaladas na menor CR em frente à escola (...), em F”), o recorrente, mais uma vez, surpreende-se que tenha sido aceite, para tanto, apenas o depoimento de CR, alegando que esta, por ser menor, não prestou juramento e que se viu impedido de exercer o contraditório, sem indicação de dia, hora e local onde tal facto teria sucedido. Todavia, ouvido o depoimento, não decorre que a juventude da testemunha (à data com 13 anos) a tivesse levado a construir narração sem correspondência com a realidade, dada a forma espontânea e sem reticências ou contradições como foi respondendo às questões colocadas. Por seu lado, a ausência de prova adicional, perante o contexto e a natureza da situação, resulta normal. Como, também, de harmonia com a normalidade, a circunstância da testemunha não ter logrado indicar, com rigor, a data em que se verificou, não sem que, contudo, tivesse esclarecido, de modo credível, como ocorreu, não se vendo fundamento, apesar da sua idade, para nela não acreditar, nem, identicamente, para que a possibilidade de exercício do contraditório pelo recorrente tivesse sido coarctada. Quanto ao facto provado em 14. (“Em data não concretamente apurada, mas situada no mês de Maio de 2014, no interior da residência sita na Rua (...), lote (...), em F, porque a CC não comeu um ovo à refeição, o arguido bateu duas vezes com o cinto na coxa esquerda da menor CR, causando-lhe dores e hematomas na zona atingida”), o recorrente preconiza que, conforme declarou em audiência, a situação se tenha verificado em virtude de CC se ter recusado a jantar consigo e com os irmãos. Não concretiza o porquê da sua asserção senão em que deveria ter merecido mais credibilidade que CC. Ora, o facto em causa versa implicitamente sobre o que terá ocorrido após a refeição, sendo diferente de constar, como o recorrente pretende, explicitação acerca do que eventualmente se verificara antes da mesma. De todo o modo, está em sintonia com o depoimento de CC e, também, embora acentuando a perspectiva de que esta não teria ido jantar quando foi chamada para o efeito, as declarações do recorrente não o infirmam. Não decorre alegada confusão naquele depoimento na parte em causa e, ainda que assim não fosse, sem perder de vista que se trata de uma menor, a circunstância da testemunha, anteriormente, estar, ou não, a dormir não assume qualquer relevo. Acerca dos factos provados em 15. (“Em data não concretamente apurada, mas posterior a Junho de 2010 e anterior a Março de 2011, quando o CG tinha seis anos, porque este inadvertidamente defecou nas cuecas, o arguido bateu-lhe na zona das nádegas, causando-lhe dor e deixando-o com um hematoma na referida zona do corpo”) e em 16. (“Em data não concretamente apurada, mas já posterior a Março de 2011, porque o seu ECA entalou um dedo numa porta e o arguido entendeu que o CG fora responsável, entalou o braço deste último na porta, o que lhe causou, pelo menos, dor”), a invocada ausência de prova segura não procede. Para tanto, não basta afirmá-lo e fundado em que ninguém assistiu, o negou e o menor Cl. C não foi ouvido quando poderia ter sido. Note-se que, conforme motivação do tribunal: reportando ao depoimento de LC, noutra ocasião bateu no Cl. C ao ponto de ele ficar com as nádegas roxas; referindo-se ao depoimento de CR, relativamente ao seu irmão Cl. C, a testemunha referiu que uma vez, antes do nascimento do ECA, o irmão Cl. C fez as necessidades nas cuecas e o arguido zangou-se com ele e deu-lhe umas palmadas, referindo a testemunha que não as presenciou mas ouviu barulho e logo de seguida o irmão veio para o pé de si a chorar e tinha o rabo roxo; referiu ainda que já após o nascimento do ECA, em data que também não sabia concretizar, porque este uma vez se entalou numa porta e o arguido achou que a culpa era do Cl. C pegou nele e foi entalar o braço do Cl. C na mesma porta, sendo que desta vez o irmão não lhe mostrou o braço mas veio para ao pé de si a chorar e a dizer que doía. Ora, à luz, sobretudo, deste último depoimento, não é aceitável desprezá-lo só porque a testemunha não presenciou a acção imputada ao recorrente, uma vez que aquela vivia na mesma casa do irmão, naturalmente com este convivia e conhecia-o, o que sucedia também relativamente ao recorrente, não era estranha ao que se passasse na residência e reparou, o que é normal, nos sinais que lhe foram então visíveis. A propósito da circunstância do menor Cl. C não ter sido ouvido, a explicação do tribunal é esclarecedora: considerou não ser necessário sujeitar um menor, actualmente com 10 anos, a rememorar situações traumáticas, o que se afigura perfeitamente justificado, sendo certo que, em audiência, o recorrente não suscitou questão nesse âmbito. Quanto ao facto provado em 17. (“Pese embora as dores e as marcas no corpo, nenhum dos menores recebeu tratamento hospitalar em virtude das condutas do arguido”), o recorrente limita-se a dizer que, se não ficaram com quaisquer marcas, salvo na situação de CC por si admitida, o tratamento hospitalar seria desnecessário. Como tal, tem subjacente aspecto que não corresponde à realidade do apurado, reflectida em 14., 15. e 16., pelo que a sua alegação nenhum interesse assume. Relativamente ao facto provado em 18. (“Ao proceder da forma supra descrita nos pontos 4 a 11, o arguido agiu com o intuito de molestar a saúde física e psíquica da LC, bem como causar-lhe receio pela sua vida e integridade física, provocando-lhe medo, inquietação e insegurança, o que logrou fazer de forma reiterada e sucessiva, bem sabendo que desta forma violava os especiais deveres que sobre ele impendiam em virtude da relação de coabitação que mantinha com aquela, e que dessa forma a colocava numa situação de particular vulnerabilidade”), insurge-se o recorrente contra a circunstância de se ter dado por provado que provocou medo e inquietação de forma reiterada em LC, sustentando que, mesmo aceitando-se o depoimento desta, as agressões teriam ocorrido antes do nascimento de ECA em 2011 e, se esse clima de terror se verificasse, a ofendida não teria tido esse filho e mantido o relacionamento até 2014, altura em que, sem que tivesse havido qualquer ofensa, o fez cessar. Sem razão, contudo. Por um lado, os actos praticados são, em si mesmos, idóneos a ter causado medo e inquietação na ofendida, além de que esta declarou que sempre teve medo do recorrente, pelo menos a partir do momento em que se iniciaram as desconfianças e as agressões, e a manutenção, não obstante, desse relacionamento nada tem de estranho, uma vez que é amplamente conhecido, em função da experiência, que vítimas de violência doméstica, dependentes e vulneráveis, vão suportando esse tipo de actos, muitas vezes na esperança de que os agressores se modifiquem, sem quererem quebrar os laços familiares e as consequências advenientes para os filhos e faltando-lhes apoio e coragem para abandonarem o que foram tentando construir. E, é certo, quantas vezes o nascimento de um filho vem aparentemente servir de consolo para a vítima e dar-lhe o que necessita para, quanto possível, tentar menosprezar as divergências com quem vive ou vir a actuar no sentido de que tenha o discernimento para aquilatar da gravidade do comportamento do agressor e o denuncie, ainda que isso nunca seja de ânimo leve ou num período temporal muito curto? Com efeito, embora parecendo que o recorrente não rejeitaria o reatar da relação com a ofendida, não é exigível que esta, a isso, se sujeitasse e, muito menos, só porque ainda viveu com aquele durante algum tempo após as aludidas agressões. Quanto ao facto provado em 19. (“Ao proceder da forma descrita nos pontos 12 a 15, o arguido bem sabia que molestava física, moral e psicologicamente a CR e o CG, o que fez através do uso da violência física, com total indiferença para com o dever de respeito que deveria ser devido aos referidos menores”), o recorrente limita-se a dizer que não foi feita prova suficiente das ofensas, o que, inevitavelmente, se apresenta prejudicado pelo já explicitado quanto àqueles pontos e contende com a perspectiva educativa por si declarada. Segundo o tribunal bem fundamentou, o arguido demonstrou conhecimentos adequados à sua faixa etária e condição social, pelo que não podia deixar de saber que os seus comportamentos eram adequados a causar ofensa na honra e dignidade pessoal de cada um, na integridade física e na auto-determinação pessoal, a causar medo e receio de comportamentos futuros semelhantes, o que efectivamente o arguido quis e conseguiu. Com efeito, pese embora o arguido tenha avançado com o argumento “educacional”, tal não mereceu qualquer credibilidade perante o tribunal. Por um lado, não se aplica às agressões levadas a cabo contra a então companheira LC e, por outro, nada no relatório social do arguido permite extrair a conclusão de que o arguido cresceu num ambiente de violência de modo a que tenha interiorizado tais tipos de comportamentos como correctos. Pelo contrário, os objectos utilizados para agredir (o cano de uma arma, um cabo eléctrico, um cinto) e as circunstâncias em que agredia (em frente à escola da menor, pelo menor ter feito necessidades nas cuecas, entalar o menor porque o mais novo se tinha entalado) são por si demonstrativas da intenção do arguido de humilhar, de ferir na honra e dignidade e também de demonstrar a sua superioridade. Com efeito, ficou o tribunal em crer que o arguido batia qualquer que fosse o motivo, donde o receio provocado nos demais elementos da família, que nunca sabiam quando iam ser agredidos mas que viviam na eminência de o ser, donde não se justifica acrescida ponderação. No que respeita ao facto provado em 20. (“O arguido agiu em todos os momentos de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal”), idênticas considerações são pertinentes. Toda a impugnação operada pelo recorrente improcede. Claramente se compreendem os motivos que presidiram à convicção formada pelo tribunal, com cabal cumprimento dos objectivos visados com a fundamentação, designadamente, a necessária explicitação do exame crítico que as provas mereceram (art. 374.º, n.º 2, do CPP), afigurando-se que a conjugação de todos os elementos permitiu, e bem, superar qualquer dúvida, mostrando-se respeitadas as regras e os limites de valoração da prova. Se bem que o recorrente não aceite que, necessariamente, alguma prova contribuiu apenas indirectamente para o efeito, esse aspecto foi devidamente sustentado pelo tribunal e está em sintonia com a análise descomprometida dos factos, sem que, de forma alguma, a culpabilidade daquele não se apresente demonstrada. Como tal, a matéria de facto fixada como provada dá-se por definitivamente assente. C) - das consequências a extrair quanto ao enquadramento jurídico dos factos: O recorrente discorda que as suas condutas tenham sido enquadradas como crimes de violência doméstica, previstos no art. 152.º do CP. Quanto ao crime cometido na pessoa de LC, alega que os actos de agressão comportam situações ocasionais, apenas três, que, individual ou conjuntamente, não poderão consubstanciar aquele ilícito, sem gravidade bastante para esse desiderato, não se tendo provado que tivesse sido ofendida a dignidade pessoal daquela ou lesado o seu bem-estar de forma intolerável, que teve um filho em comum e só saiu do lar em 2014. Por seu lado, invoca, na vertente da ameaça, que já ambos estavam separados e não houve qualquer outro contacto de teor ameaçador. Preconiza a sua absolvição e, mesmo que provados os factos, a sua integração em três crimes de ofensa à integridade física e um crime de ameaça, respectivamente p. e p. pelos arts. 143.º e 153.º do CP. Ora, afastada, como ficou, a modificação da matéria de facto, a argumentação do recorrente não é de aceitar. Acompanhando a fundamentação do acórdão, Efectivamente, com o seu comportamento - agredindo a ofendida com murros, pontapés, socos, puxões de cabelos, com o cano de uma arma de pressão de ar desmontada na zona lombar, com um cabo de electricidade nas pernas, com uma faca na zona da barriga, ameaçando-a de morte, apelidando-a de “puta” e “desgraçada” - o arguido - que agiu inicialmente motivado por ciúmes e, depois, querendo forçar a ofendida a reatar a relação, desprezando a vontade da ofendida - atingiu, intoleravelmente o núcleo essencial do bem jurídico protegido pela incriminação”, isso não merece censura à luz da imagem global que os factos oferecem, em cuidada ponderação. A consagração do tipo legal surgiu como reflexo de uma crescente consciencialização da sociedade para a necessidade de intervenção do Estado perante uma realidade existente, traduzindo problemática de afirmação de domínio do mais forte, para o que concorrem diversos factores de risco, sociais e culturais. O bem jurídico protegido pela incriminação é a saúde e a dignidade da pessoa e, como tal, complexo, que abrange a saúde física, psíquica e mental e que pode ser afectado por toda uma multiplicidade de comportamentos que atinge aquela dignidade. Tem de integrar padrão de comportamento com perigosidade típica para o bem-estar físico e psíquico da vítima. Conforme sumário do acórdão desta Relação de Évora de 25.03.2010, no proc. n.º 345/07.9PAENT.E1, in www.dgsi.pt, A actual configuração do crime de violência doméstica, não exigindo comportamentos reiterados, pressupõe comportamento que se possa qualificar como maus tratos, o que não ocorre com qualquer agressão; ou seja, a configuração do crime pressupõe a existência de maus tratos físicos e psíquicos, ainda que praticados uma só vez, mas que revistam uma certa gravidade, traduzindo, nomeadamente, actos de crueldade, insensibilidade ou vingança da parte do agente e que, relativamente à vítima, se traduzam em sofrimento e humilhação. Pacificamente ultrapassada pela doutrina e pela jurisprudência, também pelo legislador, a problemática relativa à necessidade, ou não, de reiteração do comportamento do agente, afigura-se que, no caso concreto, se verifica certa reiteração do recorrente, reflectida na repetição dos actos de agressão (os três a que se reporta), com proximidade temporal e revestindo gravidade considerável, ao longo da relação de coabitação, com motivação idêntica, afectando inegavelmente a dignidade da ofendida. A circunstância da sua quantidade não ser elevada - três - não convence da mera ocasionalidade, perante a dimensão e a graduação que, no conjunto, revelaram, não se descurando que denotaram persistência e relevante insensibilidade do recorrente, acompanhados de injúrias e sequelas importantes, atingindo aquela dignidade. Não tem interesse, para o efeito, que tenham tido filho em comum e/ou que a ofendida só mais tarde tenha abandonado a casa. No tocante à referida ameaça, decorre que, apesar de ter ocorrido já depois da separação, está manifestamente conexionada com a anterior relação, comportou gravidade importante (ameaça de morte), insere-se na perspectiva de domínio que o recorrente exerceria sobre a ofendida e não se desprende, por tudo isso, da imagem global a que se aludiu. Aliás, note-se, existindo muita proximidade entre a data da separação e a data em que a ameaça ocorreu, como no caso sucede (poucos dias), com a motivação que à mesma presidiu e, até, não esquecendo que o filho comum implicava algum contacto, todos os pressupostos de vivência em coabitação ainda pairariam, a que acresce que, nos termos do art. 152.º, n.º 1, do CP, não é requisito de preenchimento do crime que a relação análoga à dos cônjuges ainda persistisse ou que houvesse coabitação. A propósito dos crimes praticados nas pessoas dos menores CC e Cl. C, identicamente, o recorrente preconiza que não consubstanciam mais do que ofensas à integridade física e, ainda que o procedimento criminal possa prosseguir, a ilicitude estaria excluída por ter actuado com exclusiva finalidade educativa e correccional. Ora, com respeito à sua invocada integração, atentando nos contornos desses actos, reveladores de uma intensa gravidade, o seu operado enquadramento, fundamentado pelo tribunal, merece aceitação. Resta, no âmbito da exclusão da ilicitude, dizer que tal apenas seria susceptível de análise se a matéria de facto tivesse sido alterada e, também, é de salientar a esclarecida fundamentação do tribunal, conduzindo, e bem, a que os actos em que o recorrente incorreu sejam, na verdade, desproporcionais e desadequados à finalidade em vista. D) - da redução da medida das penas: O recorrente entende que as penas (singulares e conjunta) são excessivas, pugnando pela sua redução para medidas próximas dos mínimos legais. Contesta que se verifique dolo intenso na sua conduta. Invoca que, relativamente ao crime cometido na pessoa de LL, ocorreu há mais de cinco anos, no início do relacionamento, viveram depois relação normal até que nasceu o filho e não se provaram lesões concretas. Quanto aos crimes na pessoa dos menores, alega que nenhum dos hematomas foi objectivamente grave e não encontrar fundamento, sem distinção da gravidade, para a circunstância das penas serem diferentes. Todavia, não se descortina que lhe assista razão. Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, pág. 214, culpa e prevenção são (…) os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena, e esta deve ser encontrada num “quantum” que varia entre um ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias e onde, portanto, a medida da pena pode ainda situar-se até atingir o limiar mínimo, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar. A medida da culpa funciona como pressuposto axiológico-normativo de qualquer pena, nos termos do art. 40.º, n.º 2, do CP, o que significa que não pode exceder, na sua medida, o grau de culpa que se apresente. Este, no essencial, reconduz-se a um juízo de valor, de apreciação, que enuncia o que a situação em análise, em todos os seus elementos - factuais, do agente, da vítima, da sociedade -, vale aos olhos da consciência e do que deve ser do ponto de vista da sua validade lógica, ética e do direito (acórdão do STJ de 10.04.1996, in CJ Acs. STJ ano IV, tomo II, pág. 168). Será a finalidade de tutela e protecção do bem jurídico em causa - a saúde física e mental das vítimas e a sua dignidade enquanto pessoas e no contexto relacional concreto com o agente - que há-de constituir o motivo fundamento da pena, de tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade da norma e dos valores afectados, afigurando-se que, no caso, a frequência de acções como as praticadas pelo recorrente é uma realidade e merece importante censura da comunidade, exigindo resposta consentânea. E, nesta vertente, ainda, a elevada censurabilidade e a gravidade e intensidade das agressões, que ficaram assinaladas pelo tribunal, mais justificam essa resposta em medida que seja vista como adequada à respectiva relevância que inegavelmente denotam. Por seu lado, a reintegração do recorrente há-de ser prosseguida pela imposição de pena que, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades. Ora, perante os limites legais aplicáveis a cada um dos ilícitos - 2 a 5 anos de prisão -, é manifesto que as penas singularmente fixadas quedaram-se por não distantes do mínimo respectivo, não existindo, de modo algum, motivo para as reduzir. O dolo intenso do recorrente não é posto em causa e, além do mais, é de assinalar a sua postura de desvalorização da censurabilidade da sua conduta e ausência de adequada interiorização das suas responsabilidades. Não se vê, também, fundamento para descurar as consequências decorrentes, ainda que, admitindo-se, objectivamente não muito graves e, por isso, não requerendo acrescida punição. Por seu lado, a distinção das penas aplicadas aos ilícitos praticados relativamente aos menores, apesar de não expressada pelo tribunal, encontra justificação na circunstância de que, quanto a CR, o recorrente, em parte, admitiu o seu comportamento. Na vertente da pena conjunta aplicada (4 anos e 6 meses de prisão), identicamente, inexiste razão para a sua redução. Acompanhando Figueiredo Dias, ob. cit., págs. 291/292, Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pruriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Ora, tendo em conta os limites em presença, que o tribunal referiu, não se reputa minimamente que a pena conjunta seja elevada, bem pelo contrário, à luz da relevância pessoal dos ilícitos e do importante desvalor que as acções denotaram e a personalidade demonstrada pelo recorrente conexionada com esses seus actos. E) - da violação do contraditório na atribuição de reparação às vítimas: Refere, o recorrente, que a sua condenação ao pagamento de indemnizações às vítimas constituiu uma surpresa, uma vez que, segundo alega, nunca foi antes informado da intenção do tribunal, apenas em audiência esse assunto foi ventilado à testemunha LC que, quanto a isso, respondeu negativamente, nunca foi notificado para se pronunciar e, assim, foi cometida irregularidade dada a ausência de contraditório, motivando que sejam anuladas. Subsidiariamente, propõe que, desconhecendo os elementos que justificaram os respectivos montantes, devem estes ser reduzidos. Vejamos. Nos autos, não foi deduzido pedido de indemnização civil. Todavia, nos termos do art. 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16.09: 1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável. 2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser. O art. 82.º-A do CPP, no seu n.º 1, prevê o arbitramento de quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham, devendo ser, nos termos do seu n.º 2, assegurado o respeito pelo contraditório. Da conjugação de tais preceitos, decorre actualmente, não existindo pedido civil, a obrigatoriedade de fixação de indemnização em caso de condenação por crime de violência doméstica, desde que a vítima a tal se não oponha, conforme acórdãos da Relação de Coimbra de 28.05.2014, no proc. n.º 232/12.9GEACB.C1, e de 02.07.2014, no proc. n.º 245/13.3PBFIG.C1, in www.dgsi.pt: e acórdão da Relação de Guimarães de 22.04.2013, sumariado in CJ, anoXXXVIII, tomo II, pág. 313; e acórdão desta Relação de Évora de 21.04.2015, no proc. n.º 65/11.0GEALR.E1, in www.dgsi.pt. Se assim é, à fixação dessa indemnização, deve corresponder, previamente, por respeito às garantias de defesa, a possibilidade do condenado se pronunciar quanto à mesma. Em concreto, o recorrente reconhece que o assunto foi trazido à audiência e, na verdade, através da consulta à respectiva acta (fls. 154), a ofendida, que nesta parte se aceita como representando também os menores, foi questionada sobre essa eventualidade, ao que respondeu, contrariamente ao invocado, afirmativamente. Posteriormente, verifica-se que, pelo menos formalmente, de acordo com o constante da mesma acta, não existe menção a notificação ao recorrente para se pronunciar nesse âmbito, restando saber, então, se, tendo estado presente na audiência e tendo tido oportunidade para prestar declarações ao longo desta e, designadamente, a final como o fez, essa omissão deve equiparar-se a falta de respeito pelo exigido contraditório. Crê-se que não. Com efeito, não se tornando necessário que exista alguma manifestação anteriormente à realização do julgamento, já que o arbitramento é oficioso e apenas efectuado em caso de condenação, se o assunto é trazido à discussão em audiência, tem a virtualidade de proporcionar-se que os presentes, como seja, aqui, o recorrente, se expressar quanto ao mesmo, o que se afigura suficiente para garantir que, para tanto, fique alertado, sem poder dizer-se que constitua, caso afirmativo, surpresa com que não contasse. No caso, a acta reflecte que o Tribunal determinou a reinquirição da testemunha LC para esclarecer (…) se queria que fosse fixado um valor de indemnização, tendo a mesma respondido afirmativamente. Preenchido o pressuposto de que a tal se não opôs e que o recorrente veio a ser condenado pelos crimes em causa e pôde pronunciar-se nesse aspecto, a preterição do contraditório, vista do modo sufragado no recurso, redunda como injustificada e excessiva, perante a dinâmica que à discussão da causa em audiência é propiciada, não olvidando que sempre aquele esteve, como se impunha, defendido por Advogado. Aliás, mesmo que se defenda que tenha decorrido irregularidade por ausência de formal notificação em audiência, afigura-se que o recorrente estava em condições de a arguir nesse acto, o que não fez, tendo por efeito a sanação respectiva (art. 123.º do CPP). Inexiste motivo para anular essas reparações às vítimas. Finalmente, a fixação dos respectivos montantes obedeceu a critérios de equidade, como ficou explicitado pelo tribunal, sem que se descortine, pois, violação das premissas que os devem nortear. Por seu lado, a preconizada redução desses montantes é questão que não admite recurso, atenta a equiparação que deve fazer-se, pela identidade de natureza com o que acontece com a indemnização civil, de acordo com o art. 400.º, n.º 2, do CPP, quando esta, como é caso relativamente a cada uma das arbitradas, não excede metade da alçada do tribunal recorrido (acórdão da Relação de Coimbra de 29.04.2015, no proc. n.º 27/13.2GCLMG.C1, in www.dgsi.pt). Esta é a solução que melhor se harmoniza com o carácter subsidiário das reparações em apreço, sem perder de vista que são indemnizações ainda que para casos especiais e, por maioria de razão, arbitradas na falta de dedução de pedido de indemnização civil no processo penal e tidas em conta em acção diversa que venha a conhecer de algum pedido dessa natureza. * 3. DECISÃO Em face do exposto, decide-se: - negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, assim, - manter integralmente o acórdão recorrido. Custas a cargo do recorrente, com a taxa de justiça em soma correspondente a 5 UC. * Processado e revisto pelo relator. * (Carlos Jorge Berguete) (João Gomes de Sousa)