Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório1. AA e BB requereram a instauração de Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), regulado nos artigos 222.º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE). 2. Em 30 de agosto de 2017 foi proferido o despacho previsto no n.º 4 do artigo 222.º-C do CIRE, tendo sido nomeado como Administrador Judicial Provisório o Dr. Bruno …. Foi junta aos autos a lista provisória de créditos referida no n.º 3 do artigo 222.º-D do CIRE que, por não ter sido impugnada, converteu-se em lista definitiva. 3. Com o requerimento dos requerentes de 15 de Dezembro de 2017 foi junto aos autos o acordo de pagamento proposto aos credores, que veio a ser votado favoravelmente pela credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), tendo recebido os votos desfavoráveis da Caixa (…) – Caixa (…) de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L., e CC, Sucursal em Portugal (…). Os restantes credores (Banco DD, S.A., EE e FF, S.A.), não se pronunciaram. 4. O Sr. Administrador Judicial Provisório juntou aos autos o documento com o resultado da votação, concluindo que o aludido acordo de pagamento “( ... ) se encontra aprovado nos termos do disposto no art.º 222.º-F, n.º 3, al. b) do C.I.R.E., porquanto o mesmo recolheu o voto favorável de credores representativos de mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto (com efeito, votaram favoravelmente créditos representativos de 60,08% do total de créditos relacionados), e mais de metade destes correspondentes a créditos não subordinados (com efeito, 100% dos votos emitidos correspondem a créditos de natureza não subordinada).” 5. Foi então proferida sentença na qual se decidiu homologar o acordo de pagamento apresentado pelos requerentes e “já aprovado pela maioria legalmente exigida dos credores reconhecidos”. 6. Inconformada com a sentença recorre a credora CC, Sucursal em Portugal (…), pedindo a revogação da sentença, com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]: A. Os Devedores deram início a um Processo Especial para Acordo de Pagamento, nos termos do artigo 222.º-C do CIRE, manifestando a sua intenção de dar inicio às negociações com vista à aprovação de um Acordo de Pagamento. B. A ora Recorrente reclamou créditos ao abrigo do artigo 222.°- D do CIRE no valor total de € 53.528,24 (cinquenta e três mil, quinhentos e vinte e oito euros e vinte e quatro cêntimos), os quais foram devidamente reconhecidos e inseridos na respectiva lista de créditos. C. Na sequência das negociações entre Devedores e Credores - às quais a aqui Recorrente aderiu - foi apresentado acordo de pagamento, o qual foi votado desfavoravelmente pela ora Recorrente e pela Credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo e votado favoravelmente pela Credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), sendo que os Credores Banco DD, EE e FF se abstiveram. D. O plano foi assim aprovado com o voto da Credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), que representava 60,08% dos créditos, tendo sido, em 11/01/2018, proferida sentença de homologação do acordo de pagamento apresentado. E. Salvo o devido respeito, não poderá a Credora CC concordar com o teor da douta sentença proferida. F. No entender da aqui Credora, o Acordo de Pagamento não deveria ter sido homologado, porquanto apenas é favorável para a Credora hipotecária Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…). G. O Plano de pagamentos apresentado pela Devedora no que respeita ao Credor Hipotecário - Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…) - prevê: - Pagamento do valor em dívida até 11/07/2043; - Taxa de juro indexada à EUR03TM + 0,8 p.p.; - Manutenção das demais condições contratualizadas e garantias prestadas. H. No que concerne aos créditos comuns o plano apresentado prevê iguais condições de pagamento, nomeadamente: - Perdão de 50% dos valores reclamados e reconhecidos que se encontrem em dívida; - Pagamento dos restantes 50% em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas; - Início dos pagamentos no mês seguinte à data da sentença de homologação do acordo de pagamento. I. Nos termos do artigo 212.º, n.º 2, alínea a) do CIRE, aplicável por força do disposto no artigo 222.º-F n.º 5 do CIRE, não conferem direito de voto os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano. J. No caso em apreço e no que respeita ao crédito da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…) Credor hipotecária não houve qualquer alteração ao Contrato inicial, mantendo-se as mesmas condições iniciais e garantias, conforme decorre do texto do próprio Acordo de Pagamento. K. A aprovação do plano pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), não comporta para aquela entidade qualquer redução do crédito ou constrangimento à sua cobrança, razão pela qual o voto de tal entidade não pode entrar no cômputo do quórum deliberativo, pela singela razão que nem sequer tinha direito de voto. L. Pelo que, e salvo o devido respeito, não poderia a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), ter tido expressão no mapa de votação do plano - cfr. artigo 222.º-F, n.º 3, alínea b) do CIRE. M. O que, considerando que o acordo de pagamento dos Devedores foi aprovado com o voto da Credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), implicaria que o mesmo tivesse sido recusado, por não se verificar existência de quórum necessário à sua aprovação. N. Pelo exposto - e porque o acordo de pagamento apresentado pelos Devedores não deveria ter sido alvo de homologação pelo douto Tribunal a quo - deverá tal decisão ser revogada. 7. Contra-alegaram os devedores, sustentando, em síntese, que no acordo de pagamento apresentado a credora hipotecária viu ampliado o prazo de pagamento dos empréstimos concedidos, e que a recorrente não suscitou a não homologação do plano no prazo previsto no n.º 2 do artigo 222. º-F do CIRE. 8. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Remetidos e distribuídos os autos nesta Relação, pelo relator foi proferido despacho determinando a notificação do Sr. Administrador Judicial Provisório para esclarecer quais as concretas alterações efectuadas pelo plano de pagamento nos créditos que a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…) detém sobre os devedores, e juntar cópia da reclamação de créditos apresentada e respectivos documentos. Em resposta veio o Sr. Administrador informar de que o crédito em causa não sofreu quaisquer alterações, juntando a documentação solicitada. Notificados os devedores alegaram ter havido erro no que respeita à alegada alteração do crédito da recorrente, justificando a sua I. Mandatária o lapso cometido. 9. Cumpre apreciar e decidir.* II – Objecto do recursoO objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil. Considerando o teor das conclusões apresentadas a questão essencial a decidir consiste em saber se ocorre fundamento para a não homologação do acordo de pagamento, no caso, por ter sido votado favoravelmente pelo credor que não viu o seu crédito alterado pela parte dispositiva do acordo, e se pode a Relação apreciar tal “vício”, não tendo o mesmo sido invocado em 1ª instância no prazo previsto no n.º 2 do artigo 222. º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.* III – FundamentaçãoA) - Os Factos Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que resultam do relato dos autos sendo de destacar, com fundamento no plano de pagamentos, na informação do Administrador Judicial Provisório e no confronto daquele plano com a reclamação de créditos apresentada pelo credor hipotecário e documentos juntos, a seguinte factualidade: 1. A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), concedeu, em 11/07/2008 ao requerente os seguintes empréstimos garantidos por hipoteca: - N.º 61005379868 (Crédito Habitação), pelo valor de € 93.657,78, pelo prazo de 420 meses, vencendo o capital mutuado e em dívida juros à taxa Euribor a 3M (calculada nos termos referidos da escritura), acrescida do “spread” de 0,8PP; - N.º 56042962426 (Crédito Multiusos), no valor de € 35.000,00 pelo prazo de 420 meses, vencendo o capital mutuado e em dívida juros à taxa Euribor a 3M (calculada nos termos referidos da escritura), acrescida do “spread” de 0,8PP. 2. A credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), reclamou créditos, com referência aos ditos empréstimos, pelo capital em dívida e respectivos juros, no valor total de € 105.449,96 (sendo € 101.359,00 de capital e € 4.090,63 de juros vencidos), os quais foram incluídos na lista provisória de créditos e não impugnados, correspondentes a 60,08% dos créditos reclamados. 3. No acordo de pagamento em causa nos presentes autos prevê-se o seguinte: - Quanto aos créditos comuns: perdão de 50% dos valores reclamados e reconhecidos que se encontrem em dívida e o pagamento dos restantes 50% em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas; a primeira prestação vence-se no mês seguinte à data da sentença de homologação do acordo de pagamento; - Quanto aos créditos (garantidos por hipotecas) da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…): - Empréstimo n.º 61005379868 (Crédito Habitação) - Pagamento do valor em dívida até 11/07/2043; taxa de juro indexada à EUR03TM + 0.8 p.p.; manutenção das demais condições contratualizadas e garantias prestadas. - Empréstimo n.º 56042962426 (Crédito Multiusos) - Pagamento do valor em dívida até 11/07/2043; taxa de juro indexada à EUR03TM +0.8 p.p.; manutenção das demais condições contratualizadas e garantias prestadas. 4. Da votação do acordo de pagamento apresentado pelo devedor resulta que obteve os votos favoráveis da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), representativos de 60,08 dos créditos relacionados, 31,07% de votos desfavoráveis, registando-se 8,85% de abstenções.*B) – O Direito 1. O Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP) foi introduzido com a alteração ao Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, pelo Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de Junho, que entrou em vigor no dia 1 de Julho de 2017, e destina-se a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabeleça negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento. O regime agora instituído, regulado nos artigos 222.º-A a 222.º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, idêntico ao previsto para o Processo Especial de Revitalização (PER), introduzido pela alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas efectuada pela Lei n.º 16/2012, de 30 de Abril, referido no n.º 2 do artigo 1.º e previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I, surgiu na sequência das divergências na jurisprudência quanto à aplicação do Processo Especial de Revitalização às pessoas singulares que não desenvolviam actividade empresarial, em particular a dos tribunais da Relação, e das decisões da 6.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, à qual são distribuídos os processos desta natureza, que proferiu sucessivos acórdãos decidindo que “o PER não se aplica a pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários, ou que exerçam actividade autónoma por conta própria” [cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12/04/2016 (proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/207742" target="_blank">531/15.8T8STR.E1</a>.S1), de 18/10/2016 (proc. n.º 65/16.3T8STR.E1.S1) e de 27.10.2016 (proc. n.º 381/16.4T8STR.E1.S1), disponíveis como os demais citados em www.dgsi.pt]. Deste modo, com a entrada em vigor da referida alteração ficou clarificada a pretensão do legislador no sentido de que também o devedor que não seja uma empresa e se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, possa beneficiar de um mecanismo pré-insolvencial, estabelecendo negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo de pagamento (artigo 222.º-A). Como se refere no acórdão desta Relação de 22/02/2018 (proc. n.º 494/18.8T8STB-A.E1), à semelhança do que ocorre no Processo Especial de Revitalização também o Processo Especial para Acordo de Pagamento é um processo de pendor marcadamente extrajudicial, decorrendo da respectiva tramitação que ao juiz está cometida a prática de escassos actos de entre os quais avulta a decisão sobre se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a homologação (artigo 222.º-F, n.º 5), aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. 2. No caso presente, a questão que se coloca consiste em saber se devia ter sido recusada a homologação do acordo de pagamentos aprovado com os votos do credor hipotecário, detentor de crédito correspondente a 60,08% dos votos, pelo facto de não lhe assistir direito de voto, visto o seu crédito não ter sofrido alteração na parte dispositiva do acordo. Como decorre dos artigos 215.º e 216.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplicáveis à situação vertente por força do disposto no artigo 222.º-F n.ºs 2 e 5 do CIRE, “[o] juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação” (artigo 215º), e recusa também a homologação se tal lhe for solicitado por algum credor, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis que: “a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar” (artigo 216º, n.º 1). 3. Como se concluiu no acórdão da Relação de Coimbra de 27/06/2017 (proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/118111" target="_blank">8389/16.3T8CBR.C1</a>): «IV- Muito embora a lei não o defina, deve entender-se que as “regras procedimentais” são aquelas que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, enquanto que as segundas (as normas de conteúdo) se reportarão ao dispositivo do plano de revitalização, bem como aos princípios que lhe devam estar subjacentes. Ou seja, as primeiras são todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos procedimentais que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas – incluindo, assim, as regras que disciplinam as negociações a encetar entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e votação do plano – e, bem assim, as relativas ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado, enquanto que as segundas (as normas de conteúdo) serão todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente. V- Por outro lado, muito embora o legislador tenha omitido também aqui a definição sobre o conceito de “normas não negligenciáveis”, deve entender-se que revestem tal natureza todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza e que interfiram com a justa salvaguarda dos interesses/posições dos credores. VI- Mesmo que o credor que se sinta prejudicado com o plano, contra o qual votou, não tenha oportunamente manifestado a sua oposição à aprovação do mesmo, goza ainda assim, se o tribunal o vier a homologar, do direito de impugnar a decisão por via de recurso, nos termos gerais. VII- Dentre as normas de conteúdo aplicáveis ao plano (de recuperação/revitalização) e a que o mesmo deve obedecer, encontra-se o artº 194º, que consagra o princípio da igualdade (de tratamento) entre os credores e cuja violação – como norma imperativa que é – deve, como regra, ter-se como não negligenciável. VIII – Todavia, e tal como decorre do segundo segmento do nº 1 do citado artº 194º do CIRE, o princípio da igualdade nele plasmado não configura para os credores um direito absoluto, podendo, num regime de excepção, e em casos de situações objectivamente justificáveis, sofrer de afrouxamentos ou restrições, e permitir tratamentos diferenciáveis entre os credores. IX- Desse modo, a violação desse princípio terá que ser aferida na ponderação global de cada caso concreto, devendo a homologação do plano ser recusada sempre que a vinculação de algum credor a ele se revele claramente excessiva, desproporcionada ou desrazoável.» 4. Na sentença recorrida - com base nestes ensinamentos e tendo ainda em conta os rendimentos auferidos pelos devedores e a composição do seu agregado familiar, o elevado volume de crédito concentrado nos créditos detidos pelo credor garantido, que no âmbito de eventual insolvência a credora hipotecária alcançaria o pagamento integral, ou quase integral, dos seus créditos, ao invés do que ocorreria com os demais credores, e que em sede de eventual incidente de exoneração do passivo restante previsivelmente não resultaria um rendimento disponível relevante para a satisfação dos credores -, considerou-se justificado o tratamento diferenciado dado no acordo de pagamento aos créditos privilegiados, concluindo-se “que inexiste qualquer ponderoso motivo que suporte uma decisão de não homologação do proposto acordo de pagamento”, mostrando-se o mesmo, quando confrontado com uma possível insolvência dos requerentes, adequado à defesa do interesse dos credores, nomeadamente dos credores comuns. Assim, e considerando-se que o referido acordo se encontrava aprovado nos termos do disposto n.º artigo 222º-F, n.º 3, do CIRE, homologou-se o acordo de pagamento apresentado pelos devedores. Porém, nada se disse na sentença quanto à circunstância de, em consequência de o crédito garantido não ter sido alterado pela parte dispositiva do acordo de pagamento proposto, o credor hipotecário poder estar impedido de votar o mesmo acordo, por não ter direito de voto, como agora alega a recorrente no recurso, e de, em consequência, em face da votação efectuada, não se poder ter como aprovado pelos credores o acordo apresentado pelos devedores. 5. Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 222º-F que «… considera-se aprovado o acordo de pagamento que: a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 222.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.» (destaque nosso) Da leitura deste preceito resulta que nem todos os créditos relacionados têm direito de voto e que só os que têm este direito é que servem de base ao cômputo das maiorias nele exigidas. Ora, no n.º2 do artigo 212º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas procede-se a uma delimitação pela negativa do direito de voto, estipulando-se que “[n]ão conferem direito de voto: a) Os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano”. E esta regra é aplicável no âmbito do Processo Especial para Acordo de Pagamento, não só porque no n.º 3 do artigo 222º-F, se faz referência aos créditos com “direito de voto”, importando para tanto saber se os votantes o detêm, mas também por via do disposto no n.º 5 do artigo 222º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, onde se prescreve que “[o] juiz decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à ressecção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º” (destaque nosso). Aliás, esta norma é idêntica à que actualmente consta do artigo n.º 5 do artigo 17º-F, relativa ao cômputo das maiorias necessárias à votação e aprovação do plano de recuperação no Processo Especial de Revitalização (correspondente ao anterior n.º 3 do artigo 17º-F, na redacção do Decreto-Lei n.º 26/2015, de 06 de Fevereiro), em relação à qual se entende ser igualmente aplicável a norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 212º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [cf., neste sentido, os acórdãos, da Relação de Lisboa, de 22/06/2017 (proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/108184" target="_blank">3079/16.0T8BRR.L1-8</a>), e da Relação de Coimbra de 21/04/2015 (proc. n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/119417" target="_blank">2281/13.0TBCLD.C1</a>), e, bem assim, o acórdão da Relação de Lisboa, de 23/01/2014 (proc. n.º 4303/13.6TCLRS-A.L1-2), este tirado na vigência da redacção inicial do n.º 3 do artigo 17º-F]. 6. Ora, como diz a recorrente e resulta da factualidade apurada nos autos (o que também foi confirmado pelo Sr. Administrador Judicial Provisório), os créditos do credor hipotecário sobre os devedores não sofreram qualquer alteração em relação ao inicialmente contratado, quer quanto ao montante que se encontrava em dívida, quer quanto às demais condições contratuais a que os devedores estavam vinculados, designadamente, as relativas ao prazo, taxa de juros e “spread”. Ou seja, no acordo prevê-se o cumprimento dos contratos como inicialmente estabelecido. Deste modo, e porque o credor hipotecário, no caso Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), foi o único que votou favoravelmente o acordo de pagamento, que recebeu os votos desfavoráveis dos restantes votantes, não podendo os votos favoráveis daquele credor ser considerados, por não ser detentor de direito de voto, é manifesto que o acordo apresentado não foi validamente aprovado. Assim, não podia o mesmo ter sido homologado, como sucedeu. 7. Porém, invocam os devedores que tal facto impeditivo à homologação do plano não foi antes alegado pela recorrente “CC” no prazo previsto no artigo 222º-F, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o que é verdade, pois verifica-se que, na sequência da publicação do anúncio relativo à apresentação do acordo de pagamento a que se reporta a norma em apreço, não veio a ora recorrente suscitar a sua não homologação, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos, 215º e 216º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplicáveis ao Plano Especial para Acordo de Pagamento, com as necessárias adaptações. Contudo a falta de tal invocação não constituía impedimento a que o tribunal recorrido se pronunciasse sobre a questão, porquanto o fundamento impeditivo invocado não se reconduz às causas de não homologação do acordo previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 216º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano …; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.], de que o tribunal só conhece “a solicitação” dos interessados, mas sim às causas de recusa de homologação oficiosa previstas no artigo 215º do mesmo código, por redundar numa violação não negligenciável de regras procedimentais relativas à votação e aprovação do acordo, consagradas em lei expressa, a que o tribunal tinha que atender aquando da decisão de homologação ou não do acordo de pagamento (cf. artigo 222º-F, n.º 5). E, recordamos, como acima se disse, sufragando o entendimento constante do acórdão da Relação de Coimbra, de 27/06/2017, acima citado, que “regras procedimentais” são aquelas que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, ou seja aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos procedimentais que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas, incluindo, assim, as regras que disciplinam as negociações a encetar entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e votação do plano, nas quais se integram necessariamente as regras legais imperativas relativas à exclusão do direito de voto, como a prevista no artigo 212º, n.º 2, alínea a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. 8. É verdade que em sede recurso tal questão surge como uma questão nova e, em regra, o tribunal ad quem não podia dela conhecer, porquanto os recursos visam apenas modificar as decisões recorridas e não apreciar questões não decididas pelo tribunal a quo. Contudo, trata-se de matéria sujeita a conhecimento oficioso, integrando o objecto do recurso, pelo que o tribunal ad quem tem que dela conhecer [veja-se, entre outros, o citado acórdão da Relação de Coimbra de 27/06/2017, onde se concluiu que “mesmo que o credor que se sinta prejudicado com o plano, contra o qual votou, não tenha oportunamente manifestado a sua oposição à aprovação do mesmo, goza ainda assim, se o tribunal o vier a homologar, do direito de impugnar a decisão por via de recurso, nos termos gerais”]. Acresce que ainda que se considere como justificada a discriminação positiva dada no acordo de pagamento aos créditos garantidos em relação aos comuns, que quanto ao conteúdo do acordo podia constituir fundamento para a sua homologação, tal circunstância não pode servir para o afastamento de regras legais imperativas relativas à aprovação do plano, designadamente quanto à exclusão do direito de voto, como parecem querer sustentar os recorridos. 9. Deste modo, procede a apelação, sendo de revogar a sentença recorrida e determinar a não homologação do acordo de pagamento apresentado pelos devedores. * C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil] I. Apresentado o acordo de pagamento e votado pelos credores compete ao juiz decidir se o homologa, ou não, sendo aplicáveis as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com as necessárias adaptações. II. No controlo da legalidade do acordo de pagamento aprovado pelos credores deve o juiz recusar, mesmo ex officio, a sua homologação quando, nos termos do artigo 215º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais, ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza. III. Por “regras procedimentais” deve entender-se aquelas que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, ou seja, todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos procedimentais que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas, incluindo, assim, as regras que disciplinam as negociações a encetar entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e votação do plano e, ainda, as relativas ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado. IV. A norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 212º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que não confere direito de voto aos créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano, é aplicável à aprovação do acordo no âmbito do Plano Especial para Acordo de Pagamento. V. Constitui violação não negligenciável de regra procedimental relativa à votação e aprovação do acordo de pagamento, de que o tribunal deve conhecer oficiosamente, a admissão a votação de credor cujos créditos não conferem direito de voto. VI. Mesmo que o credor que se sinta prejudicado com o plano, contra o qual votou, não tenha oportunamente manifestado a sua oposição à aprovação do mesmo, goza ainda assim, se o tribunal o vier a homologar, do direito de impugnar a decisão por via de recurso, nos termos gerais.* IV – DecisãoNestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, não se homologando o acordo de pagamento apresentado pelos devedores AA e BB. Custas a cargo dos devedores/recorridos.* Évora, 7 de Junho de 2018 _______________________________ (Francisco Xavier) _________________________________ (Maria João Sousa e Faro) _________________________________ (Florbela Moreira Lança)
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório1. AA e BB requereram a instauração de Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP), regulado nos artigos 222.º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE). 2. Em 30 de agosto de 2017 foi proferido o despacho previsto no n.º 4 do artigo 222.º-C do CIRE, tendo sido nomeado como Administrador Judicial Provisório o Dr. Bruno …. Foi junta aos autos a lista provisória de créditos referida no n.º 3 do artigo 222.º-D do CIRE que, por não ter sido impugnada, converteu-se em lista definitiva. 3. Com o requerimento dos requerentes de 15 de Dezembro de 2017 foi junto aos autos o acordo de pagamento proposto aos credores, que veio a ser votado favoravelmente pela credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), tendo recebido os votos desfavoráveis da Caixa (…) – Caixa (…) de Crédito Agrícola Mútuo, C.R.L., e CC, Sucursal em Portugal (…). Os restantes credores (Banco DD, S.A., EE e FF, S.A.), não se pronunciaram. 4. O Sr. Administrador Judicial Provisório juntou aos autos o documento com o resultado da votação, concluindo que o aludido acordo de pagamento “( ... ) se encontra aprovado nos termos do disposto no art.º 222.º-F, n.º 3, al. b) do C.I.R.E., porquanto o mesmo recolheu o voto favorável de credores representativos de mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto (com efeito, votaram favoravelmente créditos representativos de 60,08% do total de créditos relacionados), e mais de metade destes correspondentes a créditos não subordinados (com efeito, 100% dos votos emitidos correspondem a créditos de natureza não subordinada).” 5. Foi então proferida sentença na qual se decidiu homologar o acordo de pagamento apresentado pelos requerentes e “já aprovado pela maioria legalmente exigida dos credores reconhecidos”. 6. Inconformada com a sentença recorre a credora CC, Sucursal em Portugal (…), pedindo a revogação da sentença, com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]: A. Os Devedores deram início a um Processo Especial para Acordo de Pagamento, nos termos do artigo 222.º-C do CIRE, manifestando a sua intenção de dar inicio às negociações com vista à aprovação de um Acordo de Pagamento. B. A ora Recorrente reclamou créditos ao abrigo do artigo 222.°- D do CIRE no valor total de € 53.528,24 (cinquenta e três mil, quinhentos e vinte e oito euros e vinte e quatro cêntimos), os quais foram devidamente reconhecidos e inseridos na respectiva lista de créditos. C. Na sequência das negociações entre Devedores e Credores - às quais a aqui Recorrente aderiu - foi apresentado acordo de pagamento, o qual foi votado desfavoravelmente pela ora Recorrente e pela Credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo e votado favoravelmente pela Credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), sendo que os Credores Banco DD, EE e FF se abstiveram. D. O plano foi assim aprovado com o voto da Credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), que representava 60,08% dos créditos, tendo sido, em 11/01/2018, proferida sentença de homologação do acordo de pagamento apresentado. E. Salvo o devido respeito, não poderá a Credora CC concordar com o teor da douta sentença proferida. F. No entender da aqui Credora, o Acordo de Pagamento não deveria ter sido homologado, porquanto apenas é favorável para a Credora hipotecária Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…). G. O Plano de pagamentos apresentado pela Devedora no que respeita ao Credor Hipotecário - Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…) - prevê: - Pagamento do valor em dívida até 11/07/2043; - Taxa de juro indexada à EUR03TM + 0,8 p.p.; - Manutenção das demais condições contratualizadas e garantias prestadas. H. No que concerne aos créditos comuns o plano apresentado prevê iguais condições de pagamento, nomeadamente: - Perdão de 50% dos valores reclamados e reconhecidos que se encontrem em dívida; - Pagamento dos restantes 50% em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas; - Início dos pagamentos no mês seguinte à data da sentença de homologação do acordo de pagamento. I. Nos termos do artigo 212.º, n.º 2, alínea a) do CIRE, aplicável por força do disposto no artigo 222.º-F n.º 5 do CIRE, não conferem direito de voto os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano. J. No caso em apreço e no que respeita ao crédito da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…) Credor hipotecária não houve qualquer alteração ao Contrato inicial, mantendo-se as mesmas condições iniciais e garantias, conforme decorre do texto do próprio Acordo de Pagamento. K. A aprovação do plano pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), não comporta para aquela entidade qualquer redução do crédito ou constrangimento à sua cobrança, razão pela qual o voto de tal entidade não pode entrar no cômputo do quórum deliberativo, pela singela razão que nem sequer tinha direito de voto. L. Pelo que, e salvo o devido respeito, não poderia a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), ter tido expressão no mapa de votação do plano - cfr. artigo 222.º-F, n.º 3, alínea b) do CIRE. M. O que, considerando que o acordo de pagamento dos Devedores foi aprovado com o voto da Credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), implicaria que o mesmo tivesse sido recusado, por não se verificar existência de quórum necessário à sua aprovação. N. Pelo exposto - e porque o acordo de pagamento apresentado pelos Devedores não deveria ter sido alvo de homologação pelo douto Tribunal a quo - deverá tal decisão ser revogada. 7. Contra-alegaram os devedores, sustentando, em síntese, que no acordo de pagamento apresentado a credora hipotecária viu ampliado o prazo de pagamento dos empréstimos concedidos, e que a recorrente não suscitou a não homologação do plano no prazo previsto no n.º 2 do artigo 222. º-F do CIRE. 8. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Remetidos e distribuídos os autos nesta Relação, pelo relator foi proferido despacho determinando a notificação do Sr. Administrador Judicial Provisório para esclarecer quais as concretas alterações efectuadas pelo plano de pagamento nos créditos que a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…) detém sobre os devedores, e juntar cópia da reclamação de créditos apresentada e respectivos documentos. Em resposta veio o Sr. Administrador informar de que o crédito em causa não sofreu quaisquer alterações, juntando a documentação solicitada. Notificados os devedores alegaram ter havido erro no que respeita à alegada alteração do crédito da recorrente, justificando a sua I. Mandatária o lapso cometido. 9. Cumpre apreciar e decidir.* II – Objecto do recursoO objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil. Considerando o teor das conclusões apresentadas a questão essencial a decidir consiste em saber se ocorre fundamento para a não homologação do acordo de pagamento, no caso, por ter sido votado favoravelmente pelo credor que não viu o seu crédito alterado pela parte dispositiva do acordo, e se pode a Relação apreciar tal “vício”, não tendo o mesmo sido invocado em 1ª instância no prazo previsto no n.º 2 do artigo 222. º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.* III – FundamentaçãoA) - Os Factos Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que resultam do relato dos autos sendo de destacar, com fundamento no plano de pagamentos, na informação do Administrador Judicial Provisório e no confronto daquele plano com a reclamação de créditos apresentada pelo credor hipotecário e documentos juntos, a seguinte factualidade: 1. A Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), concedeu, em 11/07/2008 ao requerente os seguintes empréstimos garantidos por hipoteca: - N.º 61005379868 (Crédito Habitação), pelo valor de € 93.657,78, pelo prazo de 420 meses, vencendo o capital mutuado e em dívida juros à taxa Euribor a 3M (calculada nos termos referidos da escritura), acrescida do “spread” de 0,8PP; - N.º 56042962426 (Crédito Multiusos), no valor de € 35.000,00 pelo prazo de 420 meses, vencendo o capital mutuado e em dívida juros à taxa Euribor a 3M (calculada nos termos referidos da escritura), acrescida do “spread” de 0,8PP. 2. A credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), reclamou créditos, com referência aos ditos empréstimos, pelo capital em dívida e respectivos juros, no valor total de € 105.449,96 (sendo € 101.359,00 de capital e € 4.090,63 de juros vencidos), os quais foram incluídos na lista provisória de créditos e não impugnados, correspondentes a 60,08% dos créditos reclamados. 3. No acordo de pagamento em causa nos presentes autos prevê-se o seguinte: - Quanto aos créditos comuns: perdão de 50% dos valores reclamados e reconhecidos que se encontrem em dívida e o pagamento dos restantes 50% em 120 prestações mensais, iguais e sucessivas; a primeira prestação vence-se no mês seguinte à data da sentença de homologação do acordo de pagamento; - Quanto aos créditos (garantidos por hipotecas) da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…): - Empréstimo n.º 61005379868 (Crédito Habitação) - Pagamento do valor em dívida até 11/07/2043; taxa de juro indexada à EUR03TM + 0.8 p.p.; manutenção das demais condições contratualizadas e garantias prestadas. - Empréstimo n.º 56042962426 (Crédito Multiusos) - Pagamento do valor em dívida até 11/07/2043; taxa de juro indexada à EUR03TM +0.8 p.p.; manutenção das demais condições contratualizadas e garantias prestadas. 4. Da votação do acordo de pagamento apresentado pelo devedor resulta que obteve os votos favoráveis da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), representativos de 60,08 dos créditos relacionados, 31,07% de votos desfavoráveis, registando-se 8,85% de abstenções.*B) – O Direito 1. O Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEAP) foi introduzido com a alteração ao Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, pelo Decreto-Lei n.º 79/2017, de 30 de Junho, que entrou em vigor no dia 1 de Julho de 2017, e destina-se a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabeleça negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento. O regime agora instituído, regulado nos artigos 222.º-A a 222.º-I do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, idêntico ao previsto para o Processo Especial de Revitalização (PER), introduzido pela alteração ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas efectuada pela Lei n.º 16/2012, de 30 de Abril, referido no n.º 2 do artigo 1.º e previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I, surgiu na sequência das divergências na jurisprudência quanto à aplicação do Processo Especial de Revitalização às pessoas singulares que não desenvolviam actividade empresarial, em particular a dos tribunais da Relação, e das decisões da 6.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, à qual são distribuídos os processos desta natureza, que proferiu sucessivos acórdãos decidindo que “o PER não se aplica a pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários, ou que exerçam actividade autónoma por conta própria” [cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12/04/2016 (proc. n.º 531/15.8T8STR.E1.S1), de 18/10/2016 (proc. n.º 65/16.3T8STR.E1.S1) e de 27.10.2016 (proc. n.º 381/16.4T8STR.E1.S1), disponíveis como os demais citados em www.dgsi.pt]. Deste modo, com a entrada em vigor da referida alteração ficou clarificada a pretensão do legislador no sentido de que também o devedor que não seja uma empresa e se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, possa beneficiar de um mecanismo pré-insolvencial, estabelecendo negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo de pagamento (artigo 222.º-A). Como se refere no acórdão desta Relação de 22/02/2018 (proc. n.º 494/18.8T8STB-A.E1), à semelhança do que ocorre no Processo Especial de Revitalização também o Processo Especial para Acordo de Pagamento é um processo de pendor marcadamente extrajudicial, decorrendo da respectiva tramitação que ao juiz está cometida a prática de escassos actos de entre os quais avulta a decisão sobre se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a homologação (artigo 222.º-F, n.º 5), aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. 2. No caso presente, a questão que se coloca consiste em saber se devia ter sido recusada a homologação do acordo de pagamentos aprovado com os votos do credor hipotecário, detentor de crédito correspondente a 60,08% dos votos, pelo facto de não lhe assistir direito de voto, visto o seu crédito não ter sofrido alteração na parte dispositiva do acordo. Como decorre dos artigos 215.º e 216.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplicáveis à situação vertente por força do disposto no artigo 222.º-F n.ºs 2 e 5 do CIRE, “[o] juiz recusa oficiosamente a homologação do plano de insolvência aprovado em assembleia de credores no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do plano ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação” (artigo 215º), e recusa também a homologação se tal lhe for solicitado por algum credor, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis que: “a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar” (artigo 216º, n.º 1). 3. Como se concluiu no acórdão da Relação de Coimbra de 27/06/2017 (proc. n.º 8389/16.3T8CBR.C1): «IV- Muito embora a lei não o defina, deve entender-se que as “regras procedimentais” são aquelas que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, enquanto que as segundas (as normas de conteúdo) se reportarão ao dispositivo do plano de revitalização, bem como aos princípios que lhe devam estar subjacentes. Ou seja, as primeiras são todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos procedimentais que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas – incluindo, assim, as regras que disciplinam as negociações a encetar entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e votação do plano – e, bem assim, as relativas ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado, enquanto que as segundas (as normas de conteúdo) serão todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente. V- Por outro lado, muito embora o legislador tenha omitido também aqui a definição sobre o conceito de “normas não negligenciáveis”, deve entender-se que revestem tal natureza todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza e que interfiram com a justa salvaguarda dos interesses/posições dos credores. VI- Mesmo que o credor que se sinta prejudicado com o plano, contra o qual votou, não tenha oportunamente manifestado a sua oposição à aprovação do mesmo, goza ainda assim, se o tribunal o vier a homologar, do direito de impugnar a decisão por via de recurso, nos termos gerais. VII- Dentre as normas de conteúdo aplicáveis ao plano (de recuperação/revitalização) e a que o mesmo deve obedecer, encontra-se o artº 194º, que consagra o princípio da igualdade (de tratamento) entre os credores e cuja violação – como norma imperativa que é – deve, como regra, ter-se como não negligenciável. VIII – Todavia, e tal como decorre do segundo segmento do nº 1 do citado artº 194º do CIRE, o princípio da igualdade nele plasmado não configura para os credores um direito absoluto, podendo, num regime de excepção, e em casos de situações objectivamente justificáveis, sofrer de afrouxamentos ou restrições, e permitir tratamentos diferenciáveis entre os credores. IX- Desse modo, a violação desse princípio terá que ser aferida na ponderação global de cada caso concreto, devendo a homologação do plano ser recusada sempre que a vinculação de algum credor a ele se revele claramente excessiva, desproporcionada ou desrazoável.» 4. Na sentença recorrida - com base nestes ensinamentos e tendo ainda em conta os rendimentos auferidos pelos devedores e a composição do seu agregado familiar, o elevado volume de crédito concentrado nos créditos detidos pelo credor garantido, que no âmbito de eventual insolvência a credora hipotecária alcançaria o pagamento integral, ou quase integral, dos seus créditos, ao invés do que ocorreria com os demais credores, e que em sede de eventual incidente de exoneração do passivo restante previsivelmente não resultaria um rendimento disponível relevante para a satisfação dos credores -, considerou-se justificado o tratamento diferenciado dado no acordo de pagamento aos créditos privilegiados, concluindo-se “que inexiste qualquer ponderoso motivo que suporte uma decisão de não homologação do proposto acordo de pagamento”, mostrando-se o mesmo, quando confrontado com uma possível insolvência dos requerentes, adequado à defesa do interesse dos credores, nomeadamente dos credores comuns. Assim, e considerando-se que o referido acordo se encontrava aprovado nos termos do disposto n.º artigo 222º-F, n.º 3, do CIRE, homologou-se o acordo de pagamento apresentado pelos devedores. Porém, nada se disse na sentença quanto à circunstância de, em consequência de o crédito garantido não ter sido alterado pela parte dispositiva do acordo de pagamento proposto, o credor hipotecário poder estar impedido de votar o mesmo acordo, por não ter direito de voto, como agora alega a recorrente no recurso, e de, em consequência, em face da votação efectuada, não se poder ter como aprovado pelos credores o acordo apresentado pelos devedores. 5. Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 222º-F que «… considera-se aprovado o acordo de pagamento que: a) Sendo votado por credores cujos créditos representem, pelo menos, um terço do total dos créditos relacionados com direito de voto, contidos na lista de créditos a que se referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 222.º-D, recolha o voto favorável de mais de dois terços da totalidade dos votos emitidos e mais de metade dos votos emitidos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções; ou b) Recolha o voto favorável de credores cujos créditos representem mais de metade da totalidade dos créditos relacionados com direito de voto, calculados de harmonia com o disposto na alínea anterior, e mais de metade destes votos correspondentes a créditos não subordinados, não se considerando como tal as abstenções.» (destaque nosso) Da leitura deste preceito resulta que nem todos os créditos relacionados têm direito de voto e que só os que têm este direito é que servem de base ao cômputo das maiorias nele exigidas. Ora, no n.º2 do artigo 212º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas procede-se a uma delimitação pela negativa do direito de voto, estipulando-se que “[n]ão conferem direito de voto: a) Os créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano”. E esta regra é aplicável no âmbito do Processo Especial para Acordo de Pagamento, não só porque no n.º 3 do artigo 222º-F, se faz referência aos créditos com “direito de voto”, importando para tanto saber se os votantes o detêm, mas também por via do disposto no n.º 5 do artigo 222º-F do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, onde se prescreve que “[o] juiz decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à ressecção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º” (destaque nosso). Aliás, esta norma é idêntica à que actualmente consta do artigo n.º 5 do artigo 17º-F, relativa ao cômputo das maiorias necessárias à votação e aprovação do plano de recuperação no Processo Especial de Revitalização (correspondente ao anterior n.º 3 do artigo 17º-F, na redacção do Decreto-Lei n.º 26/2015, de 06 de Fevereiro), em relação à qual se entende ser igualmente aplicável a norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 212º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [cf., neste sentido, os acórdãos, da Relação de Lisboa, de 22/06/2017 (proc. n.º 3079/16.0T8BRR.L1-8), e da Relação de Coimbra de 21/04/2015 (proc. n.º 2281/13.0TBCLD.C1), e, bem assim, o acórdão da Relação de Lisboa, de 23/01/2014 (proc. n.º 4303/13.6TCLRS-A.L1-2), este tirado na vigência da redacção inicial do n.º 3 do artigo 17º-F]. 6. Ora, como diz a recorrente e resulta da factualidade apurada nos autos (o que também foi confirmado pelo Sr. Administrador Judicial Provisório), os créditos do credor hipotecário sobre os devedores não sofreram qualquer alteração em relação ao inicialmente contratado, quer quanto ao montante que se encontrava em dívida, quer quanto às demais condições contratuais a que os devedores estavam vinculados, designadamente, as relativas ao prazo, taxa de juros e “spread”. Ou seja, no acordo prevê-se o cumprimento dos contratos como inicialmente estabelecido. Deste modo, e porque o credor hipotecário, no caso Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de (…), foi o único que votou favoravelmente o acordo de pagamento, que recebeu os votos desfavoráveis dos restantes votantes, não podendo os votos favoráveis daquele credor ser considerados, por não ser detentor de direito de voto, é manifesto que o acordo apresentado não foi validamente aprovado. Assim, não podia o mesmo ter sido homologado, como sucedeu. 7. Porém, invocam os devedores que tal facto impeditivo à homologação do plano não foi antes alegado pela recorrente “CC” no prazo previsto no artigo 222º-F, n.º 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o que é verdade, pois verifica-se que, na sequência da publicação do anúncio relativo à apresentação do acordo de pagamento a que se reporta a norma em apreço, não veio a ora recorrente suscitar a sua não homologação, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos, 215º e 216º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplicáveis ao Plano Especial para Acordo de Pagamento, com as necessárias adaptações. Contudo a falta de tal invocação não constituía impedimento a que o tribunal recorrido se pronunciasse sobre a questão, porquanto o fundamento impeditivo invocado não se reconduz às causas de não homologação do acordo previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 216º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas [O juiz recusa ainda a homologação se tal lhe for solicitado pelo devedor, caso este não seja o proponente e tiver manifestado nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência, ou por algum credor ou sócio, associado ou membro do devedor cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos, contanto que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano …; b) O plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar.], de que o tribunal só conhece “a solicitação” dos interessados, mas sim às causas de recusa de homologação oficiosa previstas no artigo 215º do mesmo código, por redundar numa violação não negligenciável de regras procedimentais relativas à votação e aprovação do acordo, consagradas em lei expressa, a que o tribunal tinha que atender aquando da decisão de homologação ou não do acordo de pagamento (cf. artigo 222º-F, n.º 5). E, recordamos, como acima se disse, sufragando o entendimento constante do acórdão da Relação de Coimbra, de 27/06/2017, acima citado, que “regras procedimentais” são aquelas que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, ou seja aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos procedimentais que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas, incluindo, assim, as regras que disciplinam as negociações a encetar entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e votação do plano, nas quais se integram necessariamente as regras legais imperativas relativas à exclusão do direito de voto, como a prevista no artigo 212º, n.º 2, alínea a) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. 8. É verdade que em sede recurso tal questão surge como uma questão nova e, em regra, o tribunal ad quem não podia dela conhecer, porquanto os recursos visam apenas modificar as decisões recorridas e não apreciar questões não decididas pelo tribunal a quo. Contudo, trata-se de matéria sujeita a conhecimento oficioso, integrando o objecto do recurso, pelo que o tribunal ad quem tem que dela conhecer [veja-se, entre outros, o citado acórdão da Relação de Coimbra de 27/06/2017, onde se concluiu que “mesmo que o credor que se sinta prejudicado com o plano, contra o qual votou, não tenha oportunamente manifestado a sua oposição à aprovação do mesmo, goza ainda assim, se o tribunal o vier a homologar, do direito de impugnar a decisão por via de recurso, nos termos gerais”]. Acresce que ainda que se considere como justificada a discriminação positiva dada no acordo de pagamento aos créditos garantidos em relação aos comuns, que quanto ao conteúdo do acordo podia constituir fundamento para a sua homologação, tal circunstância não pode servir para o afastamento de regras legais imperativas relativas à aprovação do plano, designadamente quanto à exclusão do direito de voto, como parecem querer sustentar os recorridos. 9. Deste modo, procede a apelação, sendo de revogar a sentença recorrida e determinar a não homologação do acordo de pagamento apresentado pelos devedores. * C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil] I. Apresentado o acordo de pagamento e votado pelos credores compete ao juiz decidir se o homologa, ou não, sendo aplicáveis as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título ix, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com as necessárias adaptações. II. No controlo da legalidade do acordo de pagamento aprovado pelos credores deve o juiz recusar, mesmo ex officio, a sua homologação quando, nos termos do artigo 215º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresa, ocorrer violação não negligenciável de regras procedimentais, ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza. III. Por “regras procedimentais” deve entender-se aquelas que visam regular a forma como deverá desenrolar-se o processo, ou seja, todas aquelas que regem a actuação a desenvolver no processo, que incluem os passos procedimentais que nele devem ser dados até que os credores decidam sobre as propostas que lhes foram apresentadas, incluindo, assim, as regras que disciplinam as negociações a encetar entre os credores e o devedor e as regras que regulam a aprovação e votação do plano e, ainda, as relativas ao modo como o plano deve ser elaborado e apresentado. IV. A norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 212º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que não confere direito de voto aos créditos que não sejam modificados pela parte dispositiva do plano, é aplicável à aprovação do acordo no âmbito do Plano Especial para Acordo de Pagamento. V. Constitui violação não negligenciável de regra procedimental relativa à votação e aprovação do acordo de pagamento, de que o tribunal deve conhecer oficiosamente, a admissão a votação de credor cujos créditos não conferem direito de voto. VI. Mesmo que o credor que se sinta prejudicado com o plano, contra o qual votou, não tenha oportunamente manifestado a sua oposição à aprovação do mesmo, goza ainda assim, se o tribunal o vier a homologar, do direito de impugnar a decisão por via de recurso, nos termos gerais.* IV – DecisãoNestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, não se homologando o acordo de pagamento apresentado pelos devedores AA e BB. Custas a cargo dos devedores/recorridos.* Évora, 7 de Junho de 2018 _______________________________ (Francisco Xavier) _________________________________ (Maria João Sousa e Faro) _________________________________ (Florbela Moreira Lança)