Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
EUGÉNIA CUNHA
Descritores
PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTOS (PEAP) PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO (PER) ANTERIOR
No do documento
RG
Data do Acordão
12/17/2018
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
PROCEDENTE
Sumário
Sumário (elaborado pela relatora): 1. O Processo Especial Para Acordo de Pagamentos (abreviadamente PEAP) é um processo especial autónomo, regulado pelos artigos 222º-A a 222º-J, aditados ao CIRE pelo DL 79/2017, de 30/6, com entrada em vigor a 1 de julho de 2017, que veio facultar às pessoas singulares um processo idêntico ao Processo Especial de Revitalização (abreviadamente PER, regulado pelos artigos 17º-A a 17º-J, do CIRE, com alterações introduzidas pelo referido DL), este deixado para as empresas; 2. Por o PER e o PEAP serem processos especiais distintos, autónomos, dotados de regulamentação específica para cada um deles - embora com muitas similitudes, que resultam dos específicos regimes -, é inaplicável aos presentes autos de Processo Especial Para Acordo de Pagamentos a limitação do PER contida no nº 6 do artigo 17º-G, do CIRE (pois que não estamos perante novo PER, este vedado a pessoas singulares), sendo igualmente inaplicável a limitação do nº 7, do art. 222º-G, do CIRE (pois que anteriormente a este PEAP nenhum outro PEAP correu termos e nenhum efeito de “quarentena” - impossibilidade de recorrer ao PEAP pelo prazo de dois anos - sendo, por isso, aplicável).
Decisão integral
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

Maria C., veio interpor recurso do despacho que recusou o seu requerimento para processo especial para acordo de pagamento, nos termos das normas conjugadas do nº 4, a contrario, do art. 222º-C e do nº 7, do art. 222º-G, ambos do CIRE, por ainda não terem decorrido dois anos desde o termo do PER.*Tem o despacho em causa o seguinte teor:

“Consigna-se ser do meu conhecimento funcional que correu termos um PER da aqui requerente, com o nº 3504/16.0T8VCT, do JL3 deste tribunal. 
Mais se consigna que na presente data se procedeu à consulta do processo electrónico referente a estes autos. 
**
Nos termos do nº 6 da norma do citado art. 17º-G, do CIRE, «o termo do processo de revitalização efectuado de harmonia com os números anteriores impede a empresa de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos:” 
A limitação temporal em questão existe para os casos de conclusão do processo negocial sem a aprovação do plano. 
Entretanto, entrou em vigor o DL nº 79/2017, de 30.6, o que aconteceu no dia 1 de Julho de 2017 (seu art.8º). 
Esta lei, nos artigos 222.º-A e seguintes, criou o processo especial para acordo de pagamento, destinado “a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.” 
Como se retira do normativo referido, este processo está pensado em termos essencialmente idênticos aos do PER. 
A sua previsão vem clarificar a situação das pessoas singulares: estas podem aceder a um processo idêntico ao PER, deixando-se este para as empresas. 
O art. 222º-G, nº 7 DO CIRE estabelece em termos idênticos o mencionado limite temporal.  
No caso em apreço, resulta do PER previamente instaurado que o processo negocial foi encerrado sem que se tivesse sido aprovado o plano de recuperação e bem assim que o A.I. emitiu parecer no sentido de a requerente se encontrar em situação de insolvência (art. 17º-G, nº 4 do CIRE) – cf. sentença de não homologação proferida em 14.03.2017, já transitada em julgado. 
Na verdade, o PER da aqui requerente seguiu a tramitação prevista no art.º 17º-F e, concluídas as negociações, não veio a ser aprovado pelos credores o plano de recuperação conducente à revitalização da devedora (veja-se que votou favoravelmente um credor no montante de € 5.000,00 e votaram contra, todos os outros credores, representando créditos no montante de € 1.260.522,70). 
Acontece ainda que, nesta sequência e exclusivamente com este fundamento, o referido plano não foi homologado por sentença, que se encontra já transitada em julgado. Ou seja, o plano de recuperação foi votado e não foi aprovado pela maioria dos credores e, consequentemente, também não foi homologado precisamente por esta mesma razão. 
Se assim é pode extrair-se a conclusão de que se verificaram as ocorrências/vicissitudes previstas no artigo 17.º-G, inerentes a um processo negocial concluído sem a aprovação de um plano de recuperação. 
E, por conseguinte, dado que ainda não decorreram dois anos desde o termo do PER, decide-se recusar o presente requerimento para processo especial para acordo de pagamento, nos termos das normas conjugadas do no nº 4, a contrario, do art. 222º-C e nº 7, do art. 222º-G, ambos do CIRE. 
Custas a cargo da requerente”. *A Requerente apresentou recurso de apelação, pugnando por que seja dado provimento ao recurso, revogada a referida decisão e admitido o presente PEAP, formulando as seguintes 

CONCLUSÕES:

1ª- O DL Nª 79/2017 de 30 de Junho, nos artigos 222º-A e seguintes do CIRE, criou um novo processo, o Processo Especial Para Acordo de Pagamento (PEAP).
2ª- Destinado a permitir ao devedor (neste caso a recorrente) que não sendo empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente eminente, estabelecer negociações com os credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.
3ª- Aquele tipo de processo não é um PER, sendo que este se deixou para as empresas.
4ª- A douta decisão recorrida equiparou o regime legal do PER na questão da decisão ao PEAP, a nosso ver erradamente.
5ª- O PER é uma realidade jurídico processual diferente do PEAP.
6ª- O PEAP, agora criado é um tipo de processo novo, de que a recorrente pode lançar mão, como agora fez, independentemente de ter requerido um PER no domínio da Lei anterior.
7ª- Não se pode aplicar o espaço temporal de dois anos para requerer novo PER, ao mesmo espaço para requerer novo PEAP.
8ª- Ou seja, o limite temporal de dois anos previsto para o PER, não se aplica a este PEAP, processo novo, se bem que sejam coincidentes.
9ª- São processos distintos, sendo que este é novo.
10ª- Não se pode extrair a conclusão de que se verificam as ocorrências/vicissitudes previstas no artigo 17º-G do CIRE.
11ª- O prazo de dois anos previstos na lei para o PEAP, só se aplica a contar da decisão que ponha termo a este processo novo que agora se instaurou.
12ª- Ou seja, só decorridos dois anos sobre o encerramento deste PEAP novo, é que a recorrente poderá requerer igual processo.
13ª- Sendo mais claros, e com todo o respeito, para efeitos da decisão agora em crise e PER ali referido em nada conta.
14ª- É que agora estamos no domínio de um processo novo, de que a recorrente lançou mão legitimamente.
15ª- Isto independentemente da existência daquele PER ou não.
16ª- Tem a recorrente todo o direito e legitimidade, a nosso ver, de se socorrer deste processo criado de novo para situações iguais à sua.
17ª- Daí que, o espaço temporal de dois anos outrora em vigor para o PER, só se aplica ao Per e não a este PEAP.
18ª- Isto é, ao contrário do exarado na douta decisão recorrida, não se pode aplicar a este PEAP criado de novo, o espaço temporal de dois anos aplicado ao PER.
19ª- Não pode ser vedado à recorrente o direito de se socorrer deste novo processo. (PEAP).
20ª- Sob pena de se violar o mais elementar direito à sua revitalização previsto na Lei, nomeadamente na lei fundamental.
21ª- O PEAP é uma nova criação legal de que se pode lançar mão, independentemente do tempo em que se encerrou o PER.
22ª- Os presentes autos por serem novos devem ser admitidos.
23ª- Ao decidir em contrário, a Meritíssima Juiz a quo, com todo o respeito, por erro de aplicação e de interpretação, violou o disposto nos artigos 17º-G nº6 do CIRE, o disposto no DL 79/2017 de 30 de Junho, e o disposto nos artigos 222º-A e seguintes, 222º-G, Nº7 do CIRE, o disposto no artigo 17º-G nº4 do mesmo CIRE, 17º-F e artigos 222º-C, nº4 e 7 e 222º-G do mesmo CIRE.
24ª- Ao contrário do decidido, os presentes autos devem ser admitidos.*Não foram apresentadas contra alegações.*Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.*II. FUNDAMENTAÇÃO

- OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. 

Assim, a questão a decidir é a seguinte:

- Saber se nos presentes autos é inaplicável quer a limitação do nº6 do artigo 17º-G quer a do nº 7, do art. 222º-G, ambos do CIRE. *II.A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos provados, com relevância, para a decisão constam já do relatório que antecede.*II. B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

- Da inaplicabilidade aos presentes autos da limitação do nº6 do artigo 17º-G do PER, sequer da do nº 7, do art. 222º-G, do PEAP, ambos os preceitos do CIRE

Conclui a apelante que, sendo o PEAP é uma nova criação legal, tem direito a lançar mão dele independentemente do momento temporal em que se encerrou o PER e que ao decidir em contrário, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 17º-G nº6 , 222º-A e  222º-G, nº7, todos do CIRE. 
Cumpre, pois, desde logo, analisar se o nº6 do artigo 17º-G, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante designado por CIRE, se aplica aos presentes autos.
A referida lei qualifica expressamente o processo regulado nos arts 17º-A e segs como processo especial e fá-lo com inteira propriedade, pois que está, na verdade, "em causa a adoção de um modelo processual próprio, vocacionado para a satisfação de objetivos específicos, que supõe formas de intervenção dos interessados muito distintas do que é característico do processo civil e impõe, por isso, uma adaptação muito significativa e profunda da moldura comum” e “não se trata, aliás, de modalidade de insolvência, mas sim de uma espécie que vive em paralelo e autonomia àquele, construído para a obtenção de resultados distintos”, constituindo-se aquele “como uma resposta para a superação de uma situação de insolvência já verificada, a que a ordem jurídica pretende pôr cobro, o processo de revitalização dirige-se a evitá-la, assegurando a recuperação do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos seus credores.
Por isso, entre os pressupostos do processo de revitalização está o facto de o devedor se encontrar – somente! – em situação económica difícil ou, em alternativa, em situação de insolvência meramente iminente” (1).  

Com a epígrafe “Conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação”, o referido art.º 17.º-G (artigo que foi aditado pela Lei n.º 16/2012, de 20.4, e a que foram introduzidas alterações pelo DL nº 79/2017, de 30/6), dispõe:

“1 - Caso a empresa ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius. 
2 - Nos casos em que a empresa ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos.
3 - Estando, porém, a empresa já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência da empresa, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da receção pelo tribunal da comunicação mencionada no n.º 1. 
4 - Compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir a empresa e os credores, emitir o seu parecer sobre se aquela se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a respetiva insolvência, aplicando-se o disposto no artigo 28.º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência.
5 – A empresa pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer causa, devendo, para o efeito, comunicar tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os seus credores e ao tribunal, por meio de carta registada, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores.
6 - O termo do processo especial de revitalização efetuado de harmonia com os números anteriores impede a empresa de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos.
7 - Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º-D.” (sublinhado nosso).

Assim, de acordo com o n.º 6, do art.º 17.º-G, do CIRE, encerrado o processo de revitalização com fundamento no reconhecimento antecipado da impossibilidade de obtenção do acordo de revitalização ou pelo decurso do prazo das negociações sem a sua obtenção, podendo qualquer destas situações traduzir-se numa desistência, o devedor (presentemente a empresa), ainda que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas suscetível de recuperação, não poderá, pelo prazo de dois anos, iniciar um novo processo de revitalização (2).

Em ordem a evitar o recurso sucessivo ao processo especial de revitalização por parte dos devedores, o nº6 determina que o termo do mesmo de harmonia com os números anteriores impede o devedor de a ele recorrer pelo prazo de dois anos. Nuno Casanova/David Dinis, PER, p. 169, sustentam que, por interpretação extensiva, esta norma deve igualmente aplicar-se aos casos em que o acordo é aprovado mas não homologado pelo tribunal (3).

O devedor perde, assim, nos termos do nº6, do art. 17º-G, a possibilidade de voltar a recorrer ao processo especial de revitalização por um período de dois anos. 
Realidade adjetiva distinta é o Processo Especial para Acordo de Pagamentos (PEAP).

Com efeito, o legislador decidiu restringir a aplicação do processo especial de revitalização às empresas e criou um outro processo, especial e autónomo, destinado às pessoas singulares. Assim, foram alterados os preceitos que regulam o Processo especial de revitalização – arts 17º-A e segs - e aditados ao CIRE os artigos 222º-A a 222º-J pelo DL 79/2017, de 30/6, que entrou em vigor no dia 1 de julho de 2017 (v. o seu art.8º), criando um outro processo especial – o Processo Especial para Acordo de Pagamentos (PEAP).

Trata-se, na verdade, de um processo especial, como a própria lei o assume, e novo, sendo que “Em consequência da desnecessária restrição do processo especial de revitalização às empresas, viu-se o legislador obrigado a criar um novo processo de recuperação para as entidades sem natureza empresarial, denominado processo especial para acordo de pagamento (PEAP), totalmente moldado sobre o regime daquele, às vezes com reprodução quase integral dos preceitos relativos ao PER. É assim que este artigo é muito semelhante ao art. 17º-A. Melhor seria, por isso, ter deixado o processo de revitalização aplicar-se aos devedores não empresariais, o que era aliás a doutrina maioritária, evitando assim uma desnecessária duplicação de processos.

Conforme salientam Ana Alves Leal/Cláudia Trindade, RDS IX (2017), 1, pág 80, o elemento distintivo essencial entre o PER e o PEAP “não é só o facto de o PER se destinar a devedores empresários é o facto de também pressupor a recuperabilidade destes, diversamente do que sucede no regime do PEAP” (sublinhado e negrito nosso). Efectivamente, não se encontra neste artigo qualquer referência à susceptibilidade de recuperação, prevista no art. 17º-A, nº1, nem se prevê a aprovação de qualquer plano de recuperação, mas apenas de um acordo de pagamento. Por esse motivo, também não se exige que o devedor obtenha uma certificação de que não se encontra em situação de insolvência actual, ao contrário do que está previsto para o PER” (4). 

Pondo termo a intensa discussão doutrinária (5), o referido diploma regulou a matéria, resultando agora do referido nº1 que apenas podem recorrer ao processo especial de revitalização as empresas, independentemente de serem pessoas singulares ou coletivas, não tendo deste modo acesso ao PER o devedor que não seja empresário, o qual tem que recorrer ao processo especial para acordo de pagamento (arts 222º-A e ss.). O processo especial para acordo de pagamento destina-se às pessoas que não podem recorrer ao PER, uma vez que, mesmo estando em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, não são titulares de uma empresa (6) 

Analisando os “Pressupostos legais” do processo especial para acordo de pagamento e a tramitação processual deste processo autónomo refere Menezes Leitão “Ao contrário do que sucede com o PER, ao qual apenas podem recorrer as empresas, independentemente de serem pessoas singulares ou coletivas (art. 17º-A, nº2, CIRE, o PEAP é restrito aos devedores não empresários, pelo que apenas eles têm acesso a este processo (art. 222º-A, nº1).

A lei refere que o PEAP pode ser usado pelo devedor que se encontre em situação económica difícil (art. 222º-B) ou em situação de insolvência meramente iminente (art.3º, nº4, não se exigindo no PEAP, ao contrário do que o art. 17º-A, nº1, refere para o PER que o devedor ainda seja suscetível de recuperação. Tirando essa referência, os pressupostos do PEAP da situação económica difícil e de insolvência meramente iminente são absolutamente idênticos aos do PER, sendo estranhamente repetida no art. 222º-B a definição prevista no art. 17º-B, apenas se substituindo “empresa” por “devedor”

Também à semelhança do que sucede no PER (art. 17º-A, nº2), prevê-se igualmente no PEAP a entrega pelo devedor de uma declaração escrita e assinada que ateste que preenche os requisitos legais para esse acesso, ou seja de que se encontra em situação económica difícil ou insolvência meramente iminente (art. 222º-A, nº2). Neste caso, no entanto, já não se estabelece a necessidade de que seja atestado que o devedor não se encontra em situação de insolvência efectiva, o que pode ser igualmente explicado por a suseceptibilidade de recuperação ser uma exigência estranha ao PEAP” (7).
E analisando a tramitação específica deste processo especial verifica-se que a homologação do acordo de pagamento impede o devedor de recorrer ao mesmo processo pelo prazo de dois anos e se o devedor não se encontrar em situação de insolvência, o encerramento do processo especial para acordo de pagamentos acarreta que o devedor perde a possibilidade de voltar a recorrer ao processo especial de revitalização por um período de dois anos – nº7, do art. 222º-G (8).
Em ordem a evitar o recurso sucessivo ao processo especial por parte dos devedores, o nº7 determina que o termo do mesmo de harmonia com os números anteriores impede o devedor de a ele recorrer pelo referido prazo (9).
O termo do PEAP que ocorra por não aprovação do acordo nos termos referidos no art. 222º-G, nº1, ou por desistência das negociações (cfr. art. 222º-G, nº6) impede o devedor de recorrer a novo PEAP pelo mencionado prazo (cfr. referido nº7). Reencontra-se aqui o efeito de “quarentena” (impossibilidade de recorrer ao PEAP pelo prazo de dois anos) de que se falou atrás, a propósito do PER (10).  
Pelo cotejo entre os preceitos que regem sobre o PER e o PEAP assente está que o principal elemento que os distingue é o de que a ideia de recuperação do devedor está ausente do PEAP e basta atentarmos na respetiva tramitação para concluirmos pelas grandes semelhanças que devem levar a considerar que, os demais princípios àquele processo especial aplicáveis, e cuja densificação a doutrina e a jurisprudência têm vindo a efetuar, encontram acolhimento neste (11).
 
Escreve-se no referido Acórdão “a finalidade do processo de insolvência que vem plasmada no artigo 1.º, n.º 1, do CIRE, de acordo com o qual aquela se reconduz à satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência baseado na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores. 
Igualmente no âmbito do PER verificamos que o legislador não teve em mente apenas o interesse da recuperação do devedor, compatibilizando-o com o interesse dos credores, de cuja manifestação de vontade, faz depender o juízo sobre a ponderação do referido interesse individual relativamente ao colectivo, sempre num quadro pautado pelos princípios anunciados logo na exposição de motivos da Lei que introduziu aquele processo especial, avultando para o caso em apreço desde logo o princípio nono ali enunciado de acordo com o qual as propostas apresentadas e os acordos realizados durante o procedimento, incluindo aqueles que apenas envolvam os credores, devem reflectir a lei vigente e a posição relativa de cada credor. Ou seja, o legislador não coloca integralmente «nas mãos» do devedor e dos credores o conteúdo dos acordos, impondo que estes sejam alcançados reflectindo a lei vigente e a posição relativa de cada credor.
Ora, conforme já dissemos acima, existe uma quase identidade entre o PER e o PEAP, salvo quanto à ideia de recuperação do devedor que está ausente do PEAP, o qual visa apenas que o devedor estabeleça negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento”.

Como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 2/8/2017, vindo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça entendendo que, no que respeita aos devedores pessoas singulares, o processo especial de revitalização não deve ser facultado àqueles que detenham uma “situação patrimonial estática” (v.g. trabalhadores por conta de outrem), sendo possível àqueles devedores que funcionem como “agentes económicos empresariais”, o DL nº 79/2017, de 30.6, com entrada em vigor em 1 de Julho, criou o processo especial para acordo de pagamento ( arts.222-A e segs.), aplicável às pessoas singulares. (12) Aí se escreve “Apesar da letra da lei não o distinguir, o seu espírito tem subjacente a revitalização da atividade económica do devedor, entendido como agente económico, como organizador de capital e trabalho, visando o exercício de uma atividade económica. A principal motivação da criação do processo de revitalização foi, como expresso na sua exposição de motivos, “a manutenção do devedor no giro comercial” e “o combate ao desaparecimento de agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas”. “Do que fica dito resulta, com clareza (a nosso ver), que o propósito do legislador, ao criar o PER, foi o de permitir a revitalização da atividade económica do devedor que funcione como “agente económico empresarial”, e não de quaisquer outros devedores, nomeadamente pessoas singulares trabalhadores por conta de outrem. Sendo esta, como é, a mens legislatoris, o elemento racional (ou teleológico) da interpretação e o elemento histórico impõem tal conclusão. O devedor que apenas detém uma "situação patrimonial estática" não é susceptível de revitalização”.

O DL nº 79/2017, de 30.6 criou, nos artigos 222.º-A e seguintes do CIRE, o processo especial para acordo de pagamento, destinado “a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.”, processo este que veio clarificar a situação das pessoas singulares facultando-lhes um processo idêntico ao PER, deixando-se este para as empresas. 

PER e PEAP são, pois, como vimos, processos especiais autónomos.
A limitação temporal em questão existe para cada um dos processos em causa, para o PER e para o PEAP, afigurando-se-nos não poder a do PER ser aplicada ao novo processo - PEAP - , que apesar de estar pensado em termos que, no essencial, idênticos aos do PER se não trata do mesmo processo especial .

Sendo o PEAP um novo processo especial, rege-se pelas suas normas adjetivas próprias, de modo autónomo, não podendo ser aplicadas in casu, sem mais, normas específicas de um outro processo especial, sequer normas específicas do PEAP com vista à produção de efeitos para um momento anterior à sua criação.

Tal novo processo especial destina-se, efetivamente, a permitir ao devedor que não sendo empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente eminente, estabelecer negociações com os credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.
Não se trata de um PER, deixado para as empresas.

 Embora similares, o PER e o PEAP são adjetivamente diferentes pelo que o PEAP, agora criado, sendo um tipo de processo novo, permite à recorrente dele lançar mão independentemente de ter requerido um PER no domínio de Lei anterior. 

Com efeito, não se pode aplicar ao processo novo (PEAP) regime a regular limite temporal “para requerer novo PER”, pois que não está em causa requerimento de novo “PER”. O limite temporal de dois anos previsto para o PER, não se aplica ao PEAP, processo especial novo, com regulamentação específica. 

E o prazo de dois anos previstos na lei para o PEAP, só se aplica a contar da decisão que ponha termo a este processo novo que agora se instaurou, não podendo a lei adjetiva que regula este processo especial ser aplicado retroativamente.
A limitação que emerge do nº 6, do art. 17º-G do CIRE é aplicada dentro do PER e a que emerge do nº 7, do art. 222º-G, do mesmo diploma, é aplicada dentro do PEAP, tendo cada um destes processos a sua disciplina própria, autónoma, específica.
Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, ocorrendo a violação dos normativos invocados pela apelante, supra referidos.

Deste modo, perante a apresentação do requerimento para processo especial para acordo de pagamento, tem o processo especial de ser ulteriormente tramitado, a não haver outras razões para o seu indeferimento liminar.
*III. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida e ordenam o prosseguimento do Processo Especial para Acordo de Pagamento.*Sem custas.*
Guimarães, 17 de dezembro de 2018
(Assinado digitalmente pelos Senhores Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha (relatora), José Flores e Sandra Melo)


I. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, Quid Juris, pag 137
2. Acórdão da Relação de Guimarães de 19/1/2017, processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/193755" target="_blank">132/16.3T8VFL.G1</a>, in dgsi.net
3. Ibidem, pág 95 
4. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2017, 9ª Edição, Almedina, pág 263 
5. Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2017, 9ª Edição, Almedina, pág 77 
6. Catarina Serra (Coord) IV Congresso do Direito da Insolvência, Setembro de 2017 Almedina, pág 271
7. Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 8ª Edição, págs 353-354
8. Ibidem, pág 360
9. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2017, 9ª Edição, Almedina, pág 273
10. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2018 Almedina, pág 590 e pág 479
11. Ac. da Relação de Évora de 22/2/2018 processo 494/18.8T8STB-A.E1, in dgsi
12. Ac. da Relação de Coimbra de 2/8/2017, Processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/118076" target="_blank">1535/17.1T8CBR.C1</a>, in dgsi.net

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO Maria C., veio interpor recurso do despacho que recusou o seu requerimento para processo especial para acordo de pagamento, nos termos das normas conjugadas do nº 4, a contrario, do art. 222º-C e do nº 7, do art. 222º-G, ambos do CIRE, por ainda não terem decorrido dois anos desde o termo do PER.*Tem o despacho em causa o seguinte teor: “Consigna-se ser do meu conhecimento funcional que correu termos um PER da aqui requerente, com o nº 3504/16.0T8VCT, do JL3 deste tribunal. Mais se consigna que na presente data se procedeu à consulta do processo electrónico referente a estes autos. ** Nos termos do nº 6 da norma do citado art. 17º-G, do CIRE, «o termo do processo de revitalização efectuado de harmonia com os números anteriores impede a empresa de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos:” A limitação temporal em questão existe para os casos de conclusão do processo negocial sem a aprovação do plano. Entretanto, entrou em vigor o DL nº 79/2017, de 30.6, o que aconteceu no dia 1 de Julho de 2017 (seu art.8º). Esta lei, nos artigos 222.º-A e seguintes, criou o processo especial para acordo de pagamento, destinado “a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.” Como se retira do normativo referido, este processo está pensado em termos essencialmente idênticos aos do PER. A sua previsão vem clarificar a situação das pessoas singulares: estas podem aceder a um processo idêntico ao PER, deixando-se este para as empresas. O art. 222º-G, nº 7 DO CIRE estabelece em termos idênticos o mencionado limite temporal. No caso em apreço, resulta do PER previamente instaurado que o processo negocial foi encerrado sem que se tivesse sido aprovado o plano de recuperação e bem assim que o A.I. emitiu parecer no sentido de a requerente se encontrar em situação de insolvência (art. 17º-G, nº 4 do CIRE) – cf. sentença de não homologação proferida em 14.03.2017, já transitada em julgado. Na verdade, o PER da aqui requerente seguiu a tramitação prevista no art.º 17º-F e, concluídas as negociações, não veio a ser aprovado pelos credores o plano de recuperação conducente à revitalização da devedora (veja-se que votou favoravelmente um credor no montante de € 5.000,00 e votaram contra, todos os outros credores, representando créditos no montante de € 1.260.522,70). Acontece ainda que, nesta sequência e exclusivamente com este fundamento, o referido plano não foi homologado por sentença, que se encontra já transitada em julgado. Ou seja, o plano de recuperação foi votado e não foi aprovado pela maioria dos credores e, consequentemente, também não foi homologado precisamente por esta mesma razão. Se assim é pode extrair-se a conclusão de que se verificaram as ocorrências/vicissitudes previstas no artigo 17.º-G, inerentes a um processo negocial concluído sem a aprovação de um plano de recuperação. E, por conseguinte, dado que ainda não decorreram dois anos desde o termo do PER, decide-se recusar o presente requerimento para processo especial para acordo de pagamento, nos termos das normas conjugadas do no nº 4, a contrario, do art. 222º-C e nº 7, do art. 222º-G, ambos do CIRE. Custas a cargo da requerente”. *A Requerente apresentou recurso de apelação, pugnando por que seja dado provimento ao recurso, revogada a referida decisão e admitido o presente PEAP, formulando as seguintes CONCLUSÕES: 1ª- O DL Nª 79/2017 de 30 de Junho, nos artigos 222º-A e seguintes do CIRE, criou um novo processo, o Processo Especial Para Acordo de Pagamento (PEAP). 2ª- Destinado a permitir ao devedor (neste caso a recorrente) que não sendo empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente eminente, estabelecer negociações com os credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento. 3ª- Aquele tipo de processo não é um PER, sendo que este se deixou para as empresas. 4ª- A douta decisão recorrida equiparou o regime legal do PER na questão da decisão ao PEAP, a nosso ver erradamente. 5ª- O PER é uma realidade jurídico processual diferente do PEAP. 6ª- O PEAP, agora criado é um tipo de processo novo, de que a recorrente pode lançar mão, como agora fez, independentemente de ter requerido um PER no domínio da Lei anterior. 7ª- Não se pode aplicar o espaço temporal de dois anos para requerer novo PER, ao mesmo espaço para requerer novo PEAP. 8ª- Ou seja, o limite temporal de dois anos previsto para o PER, não se aplica a este PEAP, processo novo, se bem que sejam coincidentes. 9ª- São processos distintos, sendo que este é novo. 10ª- Não se pode extrair a conclusão de que se verificam as ocorrências/vicissitudes previstas no artigo 17º-G do CIRE. 11ª- O prazo de dois anos previstos na lei para o PEAP, só se aplica a contar da decisão que ponha termo a este processo novo que agora se instaurou. 12ª- Ou seja, só decorridos dois anos sobre o encerramento deste PEAP novo, é que a recorrente poderá requerer igual processo. 13ª- Sendo mais claros, e com todo o respeito, para efeitos da decisão agora em crise e PER ali referido em nada conta. 14ª- É que agora estamos no domínio de um processo novo, de que a recorrente lançou mão legitimamente. 15ª- Isto independentemente da existência daquele PER ou não. 16ª- Tem a recorrente todo o direito e legitimidade, a nosso ver, de se socorrer deste processo criado de novo para situações iguais à sua. 17ª- Daí que, o espaço temporal de dois anos outrora em vigor para o PER, só se aplica ao Per e não a este PEAP. 18ª- Isto é, ao contrário do exarado na douta decisão recorrida, não se pode aplicar a este PEAP criado de novo, o espaço temporal de dois anos aplicado ao PER. 19ª- Não pode ser vedado à recorrente o direito de se socorrer deste novo processo. (PEAP). 20ª- Sob pena de se violar o mais elementar direito à sua revitalização previsto na Lei, nomeadamente na lei fundamental. 21ª- O PEAP é uma nova criação legal de que se pode lançar mão, independentemente do tempo em que se encerrou o PER. 22ª- Os presentes autos por serem novos devem ser admitidos. 23ª- Ao decidir em contrário, a Meritíssima Juiz a quo, com todo o respeito, por erro de aplicação e de interpretação, violou o disposto nos artigos 17º-G nº6 do CIRE, o disposto no DL 79/2017 de 30 de Junho, e o disposto nos artigos 222º-A e seguintes, 222º-G, Nº7 do CIRE, o disposto no artigo 17º-G nº4 do mesmo CIRE, 17º-F e artigos 222º-C, nº4 e 7 e 222º-G do mesmo CIRE. 24ª- Ao contrário do decidido, os presentes autos devem ser admitidos.*Não foram apresentadas contra alegações.*Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.*II. FUNDAMENTAÇÃO - OBJETO DO RECURSO Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações da recorrente, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. Assim, a questão a decidir é a seguinte: - Saber se nos presentes autos é inaplicável quer a limitação do nº6 do artigo 17º-G quer a do nº 7, do art. 222º-G, ambos do CIRE. *II.A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos provados, com relevância, para a decisão constam já do relatório que antecede.*II. B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO - Da inaplicabilidade aos presentes autos da limitação do nº6 do artigo 17º-G do PER, sequer da do nº 7, do art. 222º-G, do PEAP, ambos os preceitos do CIRE Conclui a apelante que, sendo o PEAP é uma nova criação legal, tem direito a lançar mão dele independentemente do momento temporal em que se encerrou o PER e que ao decidir em contrário, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 17º-G nº6 , 222º-A e 222º-G, nº7, todos do CIRE. Cumpre, pois, desde logo, analisar se o nº6 do artigo 17º-G, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante designado por CIRE, se aplica aos presentes autos. A referida lei qualifica expressamente o processo regulado nos arts 17º-A e segs como processo especial e fá-lo com inteira propriedade, pois que está, na verdade, "em causa a adoção de um modelo processual próprio, vocacionado para a satisfação de objetivos específicos, que supõe formas de intervenção dos interessados muito distintas do que é característico do processo civil e impõe, por isso, uma adaptação muito significativa e profunda da moldura comum” e “não se trata, aliás, de modalidade de insolvência, mas sim de uma espécie que vive em paralelo e autonomia àquele, construído para a obtenção de resultados distintos”, constituindo-se aquele “como uma resposta para a superação de uma situação de insolvência já verificada, a que a ordem jurídica pretende pôr cobro, o processo de revitalização dirige-se a evitá-la, assegurando a recuperação do devedor e, nessa medida, a satisfação, também, dos interesses dos seus credores. Por isso, entre os pressupostos do processo de revitalização está o facto de o devedor se encontrar – somente! – em situação económica difícil ou, em alternativa, em situação de insolvência meramente iminente” (1). Com a epígrafe “Conclusão do processo negocial sem a aprovação de plano de recuperação”, o referido art.º 17.º-G (artigo que foi aditado pela Lei n.º 16/2012, de 20.4, e a que foram introduzidas alterações pelo DL nº 79/2017, de 30/6), dispõe: “1 - Caso a empresa ou a maioria dos credores prevista no n.º 3 do artigo anterior concluam antecipadamente não ser possível alcançar acordo, ou caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 17.º-D, o processo negocial é encerrado, devendo o administrador judicial provisório comunicar tal facto ao processo, se possível, por meios eletrónicos e publicá-lo no portal Citius. 2 - Nos casos em que a empresa ainda não se encontre em situação de insolvência, o encerramento do processo especial de revitalização acarreta a extinção de todos os seus efeitos. 3 - Estando, porém, a empresa já em situação de insolvência, o encerramento do processo regulado no presente capítulo acarreta a insolvência da empresa, devendo a mesma ser declarada pelo juiz no prazo de três dias úteis, contados a partir da receção pelo tribunal da comunicação mencionada no n.º 1. 4 - Compete ao administrador judicial provisório na comunicação a que se refere o n.º 1 e mediante a informação de que disponha, após ouvir a empresa e os credores, emitir o seu parecer sobre se aquela se encontra em situação de insolvência e, em caso afirmativo, requerer a respetiva insolvência, aplicando-se o disposto no artigo 28.º, com as necessárias adaptações, e sendo o processo especial de revitalização apenso ao processo de insolvência. 5 – A empresa pode pôr termo às negociações a todo o tempo, independentemente de qualquer causa, devendo, para o efeito, comunicar tal pretensão ao administrador judicial provisório, a todos os seus credores e ao tribunal, por meio de carta registada, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos números anteriores. 6 - O termo do processo especial de revitalização efetuado de harmonia com os números anteriores impede a empresa de recorrer ao mesmo pelo prazo de dois anos. 7 - Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º-D.” (sublinhado nosso). Assim, de acordo com o n.º 6, do art.º 17.º-G, do CIRE, encerrado o processo de revitalização com fundamento no reconhecimento antecipado da impossibilidade de obtenção do acordo de revitalização ou pelo decurso do prazo das negociações sem a sua obtenção, podendo qualquer destas situações traduzir-se numa desistência, o devedor (presentemente a empresa), ainda que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas suscetível de recuperação, não poderá, pelo prazo de dois anos, iniciar um novo processo de revitalização (2). Em ordem a evitar o recurso sucessivo ao processo especial de revitalização por parte dos devedores, o nº6 determina que o termo do mesmo de harmonia com os números anteriores impede o devedor de a ele recorrer pelo prazo de dois anos. Nuno Casanova/David Dinis, PER, p. 169, sustentam que, por interpretação extensiva, esta norma deve igualmente aplicar-se aos casos em que o acordo é aprovado mas não homologado pelo tribunal (3). O devedor perde, assim, nos termos do nº6, do art. 17º-G, a possibilidade de voltar a recorrer ao processo especial de revitalização por um período de dois anos. Realidade adjetiva distinta é o Processo Especial para Acordo de Pagamentos (PEAP). Com efeito, o legislador decidiu restringir a aplicação do processo especial de revitalização às empresas e criou um outro processo, especial e autónomo, destinado às pessoas singulares. Assim, foram alterados os preceitos que regulam o Processo especial de revitalização – arts 17º-A e segs - e aditados ao CIRE os artigos 222º-A a 222º-J pelo DL 79/2017, de 30/6, que entrou em vigor no dia 1 de julho de 2017 (v. o seu art.8º), criando um outro processo especial – o Processo Especial para Acordo de Pagamentos (PEAP). Trata-se, na verdade, de um processo especial, como a própria lei o assume, e novo, sendo que “Em consequência da desnecessária restrição do processo especial de revitalização às empresas, viu-se o legislador obrigado a criar um novo processo de recuperação para as entidades sem natureza empresarial, denominado processo especial para acordo de pagamento (PEAP), totalmente moldado sobre o regime daquele, às vezes com reprodução quase integral dos preceitos relativos ao PER. É assim que este artigo é muito semelhante ao art. 17º-A. Melhor seria, por isso, ter deixado o processo de revitalização aplicar-se aos devedores não empresariais, o que era aliás a doutrina maioritária, evitando assim uma desnecessária duplicação de processos. Conforme salientam Ana Alves Leal/Cláudia Trindade, RDS IX (2017), 1, pág 80, o elemento distintivo essencial entre o PER e o PEAP “não é só o facto de o PER se destinar a devedores empresários é o facto de também pressupor a recuperabilidade destes, diversamente do que sucede no regime do PEAP” (sublinhado e negrito nosso). Efectivamente, não se encontra neste artigo qualquer referência à susceptibilidade de recuperação, prevista no art. 17º-A, nº1, nem se prevê a aprovação de qualquer plano de recuperação, mas apenas de um acordo de pagamento. Por esse motivo, também não se exige que o devedor obtenha uma certificação de que não se encontra em situação de insolvência actual, ao contrário do que está previsto para o PER” (4). Pondo termo a intensa discussão doutrinária (5), o referido diploma regulou a matéria, resultando agora do referido nº1 que apenas podem recorrer ao processo especial de revitalização as empresas, independentemente de serem pessoas singulares ou coletivas, não tendo deste modo acesso ao PER o devedor que não seja empresário, o qual tem que recorrer ao processo especial para acordo de pagamento (arts 222º-A e ss.). O processo especial para acordo de pagamento destina-se às pessoas que não podem recorrer ao PER, uma vez que, mesmo estando em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, não são titulares de uma empresa (6) Analisando os “Pressupostos legais” do processo especial para acordo de pagamento e a tramitação processual deste processo autónomo refere Menezes Leitão “Ao contrário do que sucede com o PER, ao qual apenas podem recorrer as empresas, independentemente de serem pessoas singulares ou coletivas (art. 17º-A, nº2, CIRE, o PEAP é restrito aos devedores não empresários, pelo que apenas eles têm acesso a este processo (art. 222º-A, nº1). A lei refere que o PEAP pode ser usado pelo devedor que se encontre em situação económica difícil (art. 222º-B) ou em situação de insolvência meramente iminente (art.3º, nº4, não se exigindo no PEAP, ao contrário do que o art. 17º-A, nº1, refere para o PER que o devedor ainda seja suscetível de recuperação. Tirando essa referência, os pressupostos do PEAP da situação económica difícil e de insolvência meramente iminente são absolutamente idênticos aos do PER, sendo estranhamente repetida no art. 222º-B a definição prevista no art. 17º-B, apenas se substituindo “empresa” por “devedor” Também à semelhança do que sucede no PER (art. 17º-A, nº2), prevê-se igualmente no PEAP a entrega pelo devedor de uma declaração escrita e assinada que ateste que preenche os requisitos legais para esse acesso, ou seja de que se encontra em situação económica difícil ou insolvência meramente iminente (art. 222º-A, nº2). Neste caso, no entanto, já não se estabelece a necessidade de que seja atestado que o devedor não se encontra em situação de insolvência efectiva, o que pode ser igualmente explicado por a suseceptibilidade de recuperação ser uma exigência estranha ao PEAP” (7). E analisando a tramitação específica deste processo especial verifica-se que a homologação do acordo de pagamento impede o devedor de recorrer ao mesmo processo pelo prazo de dois anos e se o devedor não se encontrar em situação de insolvência, o encerramento do processo especial para acordo de pagamentos acarreta que o devedor perde a possibilidade de voltar a recorrer ao processo especial de revitalização por um período de dois anos – nº7, do art. 222º-G (8). Em ordem a evitar o recurso sucessivo ao processo especial por parte dos devedores, o nº7 determina que o termo do mesmo de harmonia com os números anteriores impede o devedor de a ele recorrer pelo referido prazo (9). O termo do PEAP que ocorra por não aprovação do acordo nos termos referidos no art. 222º-G, nº1, ou por desistência das negociações (cfr. art. 222º-G, nº6) impede o devedor de recorrer a novo PEAP pelo mencionado prazo (cfr. referido nº7). Reencontra-se aqui o efeito de “quarentena” (impossibilidade de recorrer ao PEAP pelo prazo de dois anos) de que se falou atrás, a propósito do PER (10). Pelo cotejo entre os preceitos que regem sobre o PER e o PEAP assente está que o principal elemento que os distingue é o de que a ideia de recuperação do devedor está ausente do PEAP e basta atentarmos na respetiva tramitação para concluirmos pelas grandes semelhanças que devem levar a considerar que, os demais princípios àquele processo especial aplicáveis, e cuja densificação a doutrina e a jurisprudência têm vindo a efetuar, encontram acolhimento neste (11). Escreve-se no referido Acórdão “a finalidade do processo de insolvência que vem plasmada no artigo 1.º, n.º 1, do CIRE, de acordo com o qual aquela se reconduz à satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência baseado na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores. Igualmente no âmbito do PER verificamos que o legislador não teve em mente apenas o interesse da recuperação do devedor, compatibilizando-o com o interesse dos credores, de cuja manifestação de vontade, faz depender o juízo sobre a ponderação do referido interesse individual relativamente ao colectivo, sempre num quadro pautado pelos princípios anunciados logo na exposição de motivos da Lei que introduziu aquele processo especial, avultando para o caso em apreço desde logo o princípio nono ali enunciado de acordo com o qual as propostas apresentadas e os acordos realizados durante o procedimento, incluindo aqueles que apenas envolvam os credores, devem reflectir a lei vigente e a posição relativa de cada credor. Ou seja, o legislador não coloca integralmente «nas mãos» do devedor e dos credores o conteúdo dos acordos, impondo que estes sejam alcançados reflectindo a lei vigente e a posição relativa de cada credor. Ora, conforme já dissemos acima, existe uma quase identidade entre o PER e o PEAP, salvo quanto à ideia de recuperação do devedor que está ausente do PEAP, o qual visa apenas que o devedor estabeleça negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento”. Como se decidiu no Acórdão da Relação de Coimbra de 2/8/2017, vindo a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça entendendo que, no que respeita aos devedores pessoas singulares, o processo especial de revitalização não deve ser facultado àqueles que detenham uma “situação patrimonial estática” (v.g. trabalhadores por conta de outrem), sendo possível àqueles devedores que funcionem como “agentes económicos empresariais”, o DL nº 79/2017, de 30.6, com entrada em vigor em 1 de Julho, criou o processo especial para acordo de pagamento ( arts.222-A e segs.), aplicável às pessoas singulares. (12) Aí se escreve “Apesar da letra da lei não o distinguir, o seu espírito tem subjacente a revitalização da atividade económica do devedor, entendido como agente económico, como organizador de capital e trabalho, visando o exercício de uma atividade económica. A principal motivação da criação do processo de revitalização foi, como expresso na sua exposição de motivos, “a manutenção do devedor no giro comercial” e “o combate ao desaparecimento de agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas”. “Do que fica dito resulta, com clareza (a nosso ver), que o propósito do legislador, ao criar o PER, foi o de permitir a revitalização da atividade económica do devedor que funcione como “agente económico empresarial”, e não de quaisquer outros devedores, nomeadamente pessoas singulares trabalhadores por conta de outrem. Sendo esta, como é, a mens legislatoris, o elemento racional (ou teleológico) da interpretação e o elemento histórico impõem tal conclusão. O devedor que apenas detém uma "situação patrimonial estática" não é susceptível de revitalização”. O DL nº 79/2017, de 30.6 criou, nos artigos 222.º-A e seguintes do CIRE, o processo especial para acordo de pagamento, destinado “a permitir ao devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento.”, processo este que veio clarificar a situação das pessoas singulares facultando-lhes um processo idêntico ao PER, deixando-se este para as empresas. PER e PEAP são, pois, como vimos, processos especiais autónomos. A limitação temporal em questão existe para cada um dos processos em causa, para o PER e para o PEAP, afigurando-se-nos não poder a do PER ser aplicada ao novo processo - PEAP - , que apesar de estar pensado em termos que, no essencial, idênticos aos do PER se não trata do mesmo processo especial . Sendo o PEAP um novo processo especial, rege-se pelas suas normas adjetivas próprias, de modo autónomo, não podendo ser aplicadas in casu, sem mais, normas específicas de um outro processo especial, sequer normas específicas do PEAP com vista à produção de efeitos para um momento anterior à sua criação. Tal novo processo especial destina-se, efetivamente, a permitir ao devedor que não sendo empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente eminente, estabelecer negociações com os credores de modo a concluir com estes acordo de pagamento. Não se trata de um PER, deixado para as empresas. Embora similares, o PER e o PEAP são adjetivamente diferentes pelo que o PEAP, agora criado, sendo um tipo de processo novo, permite à recorrente dele lançar mão independentemente de ter requerido um PER no domínio de Lei anterior. Com efeito, não se pode aplicar ao processo novo (PEAP) regime a regular limite temporal “para requerer novo PER”, pois que não está em causa requerimento de novo “PER”. O limite temporal de dois anos previsto para o PER, não se aplica ao PEAP, processo especial novo, com regulamentação específica. E o prazo de dois anos previstos na lei para o PEAP, só se aplica a contar da decisão que ponha termo a este processo novo que agora se instaurou, não podendo a lei adjetiva que regula este processo especial ser aplicado retroativamente. A limitação que emerge do nº 6, do art. 17º-G do CIRE é aplicada dentro do PER e a que emerge do nº 7, do art. 222º-G, do mesmo diploma, é aplicada dentro do PEAP, tendo cada um destes processos a sua disciplina própria, autónoma, específica. Procedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, ocorrendo a violação dos normativos invocados pela apelante, supra referidos. Deste modo, perante a apresentação do requerimento para processo especial para acordo de pagamento, tem o processo especial de ser ulteriormente tramitado, a não haver outras razões para o seu indeferimento liminar. *III. DECISÃO Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida e ordenam o prosseguimento do Processo Especial para Acordo de Pagamento.*Sem custas.* Guimarães, 17 de dezembro de 2018 (Assinado digitalmente pelos Senhores Juízes Desembargadores Eugénia Cunha (relatora), José Flores e Sandra Melo) I. Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, Quid Juris, pag 137 2. Acórdão da Relação de Guimarães de 19/1/2017, processo 132/16.3T8VFL.G1, in dgsi.net 3. Ibidem, pág 95 4. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2017, 9ª Edição, Almedina, pág 263 5. Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2017, 9ª Edição, Almedina, pág 77 6. Catarina Serra (Coord) IV Congresso do Direito da Insolvência, Setembro de 2017 Almedina, pág 271 7. Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 8ª Edição, págs 353-354 8. Ibidem, pág 360 9. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2017, 9ª Edição, Almedina, pág 273 10. Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, 2018 Almedina, pág 590 e pág 479 11. Ac. da Relação de Évora de 22/2/2018 processo 494/18.8T8STB-A.E1, in dgsi 12. Ac. da Relação de Coimbra de 2/8/2017, Processo 1535/17.1T8CBR.C1, in dgsi.net