Processo:
Relator: Tribunal:
Decisão: Meio processual:

Profissão: Data de nascimento: Invalid Date
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
ANTÓNIO SOBRINHO
Descritores
RENDIMENTO DISPONÍVEL SUBSÍDIO DE FÉRIAS SUBSÍDIO DE NATAL
No do documento
RG
Data do Acordão
05/23/2019
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
PROCEDENTE
Sumário
Sumário (do relator): Desde que os subsídios de férias e de natal a receber pela devedora, englobados nos rendimentos totais desta, não ultrapassem objectivamente um salário mínimo nacional e meio fixado como o montante necessário ao sustento digno da insolvente, estão excluídos do rendimento disponível para o fiduciário.
Decisão integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: 

I – Relatório;

(..)  requereu, oportunamente, a declaração do seu estado de insolvência e a exoneração do passivo restante. 

Tendo sido admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo, foi de seguida proferido despacho sobre a cessão do rendimento disponível da devedora, fixando-se num salário mínimo nacional e 1/2, o montante necessário ao sustento digno da insolvente, conforme sentença proferida em 31.10.2018, transitada em julgado.

Posteriormente, através de requerimento apresentado em 19.12.2018, a insolvente requereu que o valor auferido a título de subsídio de férias e de natal, não seja incluído no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência, o que foi indeferido por falta de fundamento legal.

Inconformada com esta decisão, veio agora a requerente/devedora interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações apresenta, em súmula, as seguintes alegações:

A. Em 31 de Outubro de 2018, após o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa, foi proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante, fixando o Tribunal a quo em 1 salário mínimo nacional e ½, o “montante necessário ao sustento digno da Insolvente”.
B. O que significa que, apenas as quantias mensais sobrantes teriam que ser cedidas ao fiduciário.
C. Não obstante, em 16 de Novembro de 2018, o fiduciário nomeado comunicou à Recorrente que esta deveria proceder ao “(…) encaminhamento de todos os rendimentos que venha a auferir acima de 1 salário mínimo nacional acrescido de 1,2, bem como, o subsídio de férias e de Natal (…)”,
D. Ora, perante tal comunicação, mostrando-se os valores auferidos mensalmente pela Recorrente a título de subsídio de férias e de subsídio de natal, absolutamente imprescindíveis à sua sobrevivência condigna, bem como do seu agregado.
E. E, nomeadamente pelo facto da Recorrente:
i. ser divorciada,
ii. ter a seu cargo a sua filha menor de apenas 1 ano de idade,
iii. padecer de artrite reumatóide, erosiva, doença crónica que a obriga a despesas de saúde acrescidas,
iv. que apenas lhe permite trabalhar 25 horas semanais,
v. e não dispor de qualquer outro rendimento,
F. Em 19 de Dezembro de 2018, tendo por base o disposto no ponto i), da alínea b), do nº3 do art.º 239º do CIRE, a Recorrente requereu que tais valores não fossem incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência.
G. Não obstante as condições económicas e de saúde supra expostas, para surpresa sua, o pedido da Recorrente foi indeferido por falta de fundamento legal.
H. Uma decisão que a Recorrente não compreende, não aceita e, porquanto, da mesma vem nesta sede recorrer.
I. Pois, atente-se que o valor total auferido mensalmente pela Recorrente não chega sequer a atingir o valor de um salário mínimo nacional.
J. Em termos concretos, atento o valor do atual salário mínimo nacional, o Tribunal a quo fixou como tecto máximo a receber mensalmente pela Recorrente, o valor de 900,00€ (novecentos euros).
K. Tendo em conta a actualização da retribuição auferida pela Recorrente por força do aumento do salário mínimo nacional, esta recebe mensalmente apenas os seguintes valores:
i. 375,00€ (trezentos e setenta e cinco euros), a título de retribuição;
ii. 3,00€ (três euros) /dia a subsídio de alimentação;
iii. 31,25€ (trinta e um euros e vinte e cinco cêntimos) a título de subsídio de férias, e
iv. 31,25€ (trinta e um euros e vinte e cinco cêntimos) a título de subsídio natal.
L. Tudo num valor total líquido de apenas 455,37€ (quatrocentos e cinquenta e cinco euros e trinta e sete cêntimos).
M. Ora, a soma de todas as quantias auferidas mensalmente pela Recorrente, não atingem sequer o valor de um salário mínimo nacional, o qual é considerado como o mínimo intangível necessário para a salvaguarda da dignidade dos Insolventes
N. E é com este irrisório valor que a Recorrente e sua filha têm que fazer face às despesas inerentes de uma vida que se impõe ser vivida com dignidade.
O. Viola, assim, frontalmente, a decisão do Tribunal a quo, o princípio da dignidade 11/13 humana.
P. Garantido e contemplado, não só constitucionalmente (art.º 1º e alínea a) do nº2, do art.º 59º), mas também na própria DUDH (art.º 1).
Q. Um princípio que, aliás, o próprio CIRE respeita ao estipular no ponto i, alínea b) do nº3 do art.º 239º, que se devem excluir do rendimento disponível do Insolvente as quantias que sejam razoavelmente necessárias para “o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar (…)”.
R. Ora, ao decidir como decidiu, o tribunal a quo faz com que seja colocada em causa a satisfação das necessidades mais básicas do ser humano.
Q. Pois, as quantias em causa são absolutamente imprescindíveis para que a Recorrente possa assegurar para si e proporcionar à sua filha uma vivência minimamente condigna.
Pede que se revogue a decisão recorrida, substituindo-se por outra que determine que os valores auferidos por esta a título de subsídio de férias e de subsídio de natal não sejam disponibilizados ao fiduciário para os fins da insolvência.

Não foram apresentadas contra-alegações.

II – Delimitação do objecto do recurso; questão a apreciar;

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC).

I - A questão de direito suscitada pela recorrente prende-se com a decisão que indeferiu o pedido da insolvente/devedora de não inclusão do valor auferido a título de subsídio de férias e de natal no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

III – Fundamentos;

1. De facto;

A factualidade a considerar é a que consta do Relatório supra e ainda o seguinte:

1. Na sentença proferida em 31.10.2018, transitada em julgado, fixou-se num salário mínimo nacional e 1/2, o montante necessário ao sustento digno da insolvente, sendo este o rendimento disponível atribuído à mesma.
2. Na mesma sentença consideraram-se os seguintes os factos relevantes:

1) A insolvente é divorciada.
2) Vive com uma filha menor a seu cargo.
3) Foi-lhe diagnosticada artrite reumatóide.
4) Encontra-se a trabalhar num supermercado com a categoria de caixa balcão.
5) Não possui bens móveis sujeitos a registo nem imóveis.
6) Como a sua situação de saúde não lhe permite trabalhar em horário completo, trabalha apenas 20 horas semanais, auferindo € 290,00 por mês.
*****2. De direito;

I - A questão de direito suscitada pela recorrente respeita ao indeferimento do pedido da insolvente/devedora de não inclusão do valor auferido a título de subsídio de férias e de natal no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência.

No que concerne à figura jurídica da exoneração do passivo restante, relativa ao insolvente que seja pessoa singular, pode-se ler, no preâmbulo do DL nº 53/04, de 18.3, que aprovou o C.I.R.E., as seguintes considerações: “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. 

O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste.
 
A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica. 

Esclareça-se que a aplicação deste regime é independente da de outros procedimentos extrajudiciais ou afins destinados ao tratamento do sobreendividamento de pessoas singulares, designadamente daqueles que relevem da legislação especial relativa a consumidores.” 

A exoneração do passivo restante não tem, pois, como principal fim a satisfação dos credores da insolvência, tal como o previsto no artigo 1º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – embora, reflexamente, não esqueça por completo esses interesses, na medida em que são impostos apertados limites para a sua admissão (1).
 
Trata-se pois de um regime inovador pelo qual se faculta aos devedores pessoas singulares a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não sejam integralmente pagos no respectivo processo ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento. Visa-se com esta medida, conceder ao devedor um fresh start, permitindo-lhe recomeçar a sua actividade, sem o peso da insolvência anterior (2).

Assenta este na ideia de que quem passou por um processo de insolvência aprende com os seus erros e terá no futuro um comportamento mais equilibrado no plano financeiro.

Sendo admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, o juiz proferirá despacho inicial, nos termos do art. 239º, nºs 1 e 2, do CIRE, no qual determinará que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, denominado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido ao fiduciário para os fins do art. 241º (pagamento das custas do processo de insolvência ainda em dívida; reembolso ao Cofre Geral dos Tribunais das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do próprio fiduciário que por aquele tenham sido suportadas; pagamento da remuneração vencida do fiduciário e despesas efectuadas; distribuição do remanescente pelos credores da insolvência, nos termos prescritos para o pagamento aos credores no processo de insolvência).

No final do período da cessão, será então proferida decisão sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor, ouvido este, o fiduciário e os credores da insolvência (cfr. art. 244º) e, sendo a mesma concedida, dar-se-á, de acordo com o art. 245º, a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, salvaguardando-se, contudo, os que vêm referidos no nº 2 deste último preceito (3).

Por seu turno, o art. 239º, nº 2, estabelece que  «o despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores de insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.»

Depois, no nº 3 do mesmo preceito estatui-se que «integram o rendimento disponível os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: a)dos créditos a que se refere o art. 115 cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz; b) do que seja razoavelmente necessário para: (i) o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; (ii) o exercício pelo devedor da sua actividade profissional; (iii) outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.». 

A decisão deste recurso prende-se, pois, com a interpretação a dar ao preceituado no art. 239º, nº 3, al. b), i) .

A exclusão que aqui se aprecia, consignada na subalínea i), trata-se da resposta natural, forçosa e obrigatória às necessidades e exigências que a subsistência e sustento colocam ao devedor insolvente.

Na definição da amplitude do rendimento disponível, «fosse qual fosse a técnica legislativa utilizada, sempre teria que ficar de fora do “rendimento disponível” a ceder uma parte do rendimento do devedor/insolvente; parte essa suficiente e indispensável a poder suportar economicamente a sua existência» (4).
 
Esta exclusão surge, aliás, como uma exigência do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, afirmado no art. 1º da Constituição da República e a que se alude na al. a) do nº 1 do art. 59º do mesmo diploma fundamental, a propósito da retribuição do trabalho.

O reconhecimento do princípio da dignidade humana exige do ordenamento jurídico o estabelecimento de normas que salvaguardem a todas as pessoas o mínimo julgado indispensável a uma existência condigna.

Como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 24.01.2012 (5), «[a] função interna do património, de que decorre a exclusão prevista na subalínea i), mais não representa do que uma aplicação prática daquele princípio supra-constitucional e enquanto alicerce da existência digna das pessoas – suporte da sua vida económica – reflecte-se em diversas normas da legislação ordinária, designadamente em normas destinadas a conferir justo e adequado equilíbrio entre os conflituantes interesses legítimos do credor (a obtenção da prestação) e os interesses do devedor (o direito inalienável à manutenção de um nível de subsistência condigno), do que são exemplos o art. 239º, nº 3, al. b), i) e o art. 824º, nºs 1 e 2 do Cód. do Proc. Civil» (6).

O rendimento disponível, nos termos do disposto no artº 239º nº3 CIRE, é integrado pelos rendimentos que advenham por qualquer título ao devedor, com exclusão daquilo que “seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, 3 vezes o salário mínimo nacional”.

Este rendimento excluído da cessão – correctamente designado como “rendimento indisponível” – encontra-se assim caracterizado como a parte suficiente e indispensável a poder suportar economicamente a existência do devedor; por forma exemplificativa, a norma legal indica tal limite de sobrevivência como não podendo exceder 3 vezes o salário mínimo nacional, salvo decisão judicial em contrário, naturalmente fundamentada, como o deve ser qualquer decisão judicial.

Partilhamos assim do entendimento de que a dita subalínea i) coloca o acento tónico e abrangente de “sustento digno” do devedor que não se confina ou reduz com um enquadramento de limites mínimo e máximo desse sustento, na esteira, aliás, do Ac. RP. de12.06.2012, proc. 529/11.1TBVLG-B.P1, in dgsi.pt, onde se defende que “[ (…) não ter adequadamente atingido o escopo legal a caracterização efectuada no douto Ac.R.P. 15/7/09 Col.III/216, quando vê um “mínimo legal” na ideia de sustento minimamente digno, e um “máximo legal” na ideia de 3 vezes o salário mínimo nacional; na verdade, aquilo que se encontra em causa é apenas uma cláusula aberta de “sustento digno”, a preencher prudentemente pelo juiz, exemplificada na lei com um limite máximo; consideramos que o sustento digno apenas se acha em concreto, e não pode dizer-se que, em si mesmo entendido, constitui um “mínimo” ou então que esse mínimo é integrado por noções de dignidade do trabalho, redução da pobreza, segurança ou socorro social, como o são o salário mínimo nacional ou, ainda configurável, a fixação do montante de um rendimento social de inserção; no sentido em que a lei não fixa um limite mínimo para o rendimento indisponível, cf. Luís M. Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, I, pg. 63).

Todavia, visando o processo falimentar a execução universal do património do devedor e a satisfação tanto quanto possível integral dos direitos dos credores, a interpretação relativamente ao montante devido a título de rendimento indisponível, nos casos concretos, deve obedecer aos critérios interpretativos e ao princípio constitucional da “proibição do excesso” (artº 18º nº2 CRP), traduzindo-se, tanto quanto possível em adequação (isto é, apropriação ao caso), necessidade e proporcionalidade (justa medida) – assim, Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Coimbra, 3ª ed., pgs. 428ss.

A proibição do excesso, na hipótese de fixação do “rendimento indisponível”, olhará, de um lado, às necessidades fundamentais para um sustento minimamente do devedor e do seu agregado familiar, mas do outro terá em mente a necessária, tanto quanto possível, satisfação dos direitos dos credores (olvidado este escopo do processo falimentar, facilmente a “exoneração do passivo restante” se transformaria num prémio ou na cobertura a uma fraude, como significativamente alude o Ac.R.E. 13/12/2011 Col.V/263, relatado pelo Desemb. Canelas Brás] ”.

Assim sendo, cabe sublinhar que o tribunal a quo não deixou de perspectivar a determinação concreta desse rendimento “indisponível”, tendo em consideração o valor do salário mínimo garantido e não de um valor mínimo de sobrevivência a que está associado o rendimento social de inserção por exemplo.

E a decisão recorrida não deixou de aquilatar essa dupla vertente: de um lado, o sustento digno da devedora, do outro, a afectação, dentro do possível (aqui exíguo ou quase nulo), do rendimento disponível à satisfação dos credores, ao determinar o rendimento “indisponível” num salário mínimo nacional e ½ na sentença já transitada em julgada, o que à data desta correspondia a 870 euros e actualmente a 900.00€.

. Em termos concretos, atento o valor do atual salário mínimo nacional, o tribunal a quo fixou como tecto máximo a receber mensalmente pela Recorrente, o valor de 900,00€ (novecentos euros).

Suscita, porém, a recorrente a exclusão dos subsídios de férias e natal do rendimento a disponibilizar ao fiduciário face à notificação deste para entrega desses valores.

E assiste-lhe razão.

A problemática de os subsídios de férias e de natal englobarem ou não o rendimento disponível a entregar ao fiduciário tem sido muito abordada a nível jurisprudencial, sendo praticamente unânime o entendimento no sentido de que, por força do instituto da exoneração do passivo restante, aquilo a que o devedor tem direito é apenas a um montante que lhe proporcione um sustento minimamente condigno.

E não sendo os subsídios de férias e de natal imprescindíveis para o sustento minimamente condigno, tratando-se antes de um “extra” suplementar têm que ser incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência.
Foi esta posição já por nós defendida no Acórdão proferido no proc. 4211-18.4T8VNF.G1.
No mesmo sentido, vide também, entre outros os Acórdãos deste TRG de 14.02.2013, proc. 3267/12.8TBGMR-C.G1, 26.03.2015, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/194901" target="_blank">952/14.3TBGMR.G1</a>, 26.11.2015, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/194554" target="_blank">3550/14.8T8GMR.G1</a> e 12.07.2016, proc. <a href="https://acordao.pt/decisoes/194106" target="_blank">4591/15.3T8VNF.G1</a>, todos in dgsi.pt.	

Todavia, no caso concreto, temos a especificidade de o englobamento dos valores em causa recebidos pela devedora a título de subsídios de férias e de natal não ultrapassarem objectivamente o montante de um salário mínimo e meio que o tribunal a quo determinou como o montante necessário ao sustento digno da insolvente.

Ou seja, incluídos tais subsídios, não se atinge o valor actual desse salario mínimo e meio, que é de 900,00€.

Atente-se que, além de, em sede laboral, tais subsídios de férias e de natal integrarem a própria remuneração salarial, certo é que a sentença atribuiu um ‘tecto’ máximo de rendimentos que advenham à devedora, excluindo-o do rendimento disponível para o fiduciário, independentemente do tipo de rendimentos, seja a título de subsídios, abonos, trabalho suplementar ou extraordinário.

Assim, incluídos os subsídios de férias e de natal a receber pela devedora, desde que estes, englobados nos rendimentos globais desta, não ultrapassem objectivamente o fixado montante de um salário mínimo nacional e meio, estão excluídos do rendimento disponível para o fiduciário, conformando-se com o caso julgado.
E, presentemente, tais valores não o excedem, face aos rendimentos apurados e auferidos pela devedora – razão pela qual procede a apelação.

III. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação, determinando-se que os valores auferidos actualmente por esta a título de subsídio de férias e de subsídio de natal não sejam disponibilizados ao fiduciário para os fins da insolvência.

Sem custas.				
Guimarães, 23 de Maio de 2019.


1. Veja-se o acórdão do STJ de  21-10-2010, proc. nº 850/09.9TBVLG-D.P1.S1, in dgsi.pt.
2. Luís Menezes Leitão, CIRE Anotado, 4ª ed. págs. 236/7.
3. Refere-se este nº 2 aos créditos por alimentos – a), às indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade – b), aos créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações – c) e aos créditos tributários – d).
4. Cfr. Ac. RP de 15.07.2009, proc. 268/09.7 TBOAZ-D.P1, in www.dgsi.pt.
5. Proc. 1122/11.8TBGDM-B.P1, in www.dgsi.pt. 
6. Nesta última norma consagra-se a impenhorabilidade de dois terços dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante, auferidos pelo executado [nº 1, a)], bem como de dois terços de prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de outra qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, ou de quaisquer outras pensões de natureza semelhante [nº 1, b)].

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório; (..) requereu, oportunamente, a declaração do seu estado de insolvência e a exoneração do passivo restante. Tendo sido admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo, foi de seguida proferido despacho sobre a cessão do rendimento disponível da devedora, fixando-se num salário mínimo nacional e 1/2, o montante necessário ao sustento digno da insolvente, conforme sentença proferida em 31.10.2018, transitada em julgado. Posteriormente, através de requerimento apresentado em 19.12.2018, a insolvente requereu que o valor auferido a título de subsídio de férias e de natal, não seja incluído no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência, o que foi indeferido por falta de fundamento legal. Inconformada com esta decisão, veio agora a requerente/devedora interpor o presente recurso de apelação, em cujas alegações apresenta, em súmula, as seguintes alegações: A. Em 31 de Outubro de 2018, após o encerramento do processo de insolvência por insuficiência da massa, foi proferido despacho inicial de exoneração do passivo restante, fixando o Tribunal a quo em 1 salário mínimo nacional e ½, o “montante necessário ao sustento digno da Insolvente”. B. O que significa que, apenas as quantias mensais sobrantes teriam que ser cedidas ao fiduciário. C. Não obstante, em 16 de Novembro de 2018, o fiduciário nomeado comunicou à Recorrente que esta deveria proceder ao “(…) encaminhamento de todos os rendimentos que venha a auferir acima de 1 salário mínimo nacional acrescido de 1,2, bem como, o subsídio de férias e de Natal (…)”, D. Ora, perante tal comunicação, mostrando-se os valores auferidos mensalmente pela Recorrente a título de subsídio de férias e de subsídio de natal, absolutamente imprescindíveis à sua sobrevivência condigna, bem como do seu agregado. E. E, nomeadamente pelo facto da Recorrente: i. ser divorciada, ii. ter a seu cargo a sua filha menor de apenas 1 ano de idade, iii. padecer de artrite reumatóide, erosiva, doença crónica que a obriga a despesas de saúde acrescidas, iv. que apenas lhe permite trabalhar 25 horas semanais, v. e não dispor de qualquer outro rendimento, F. Em 19 de Dezembro de 2018, tendo por base o disposto no ponto i), da alínea b), do nº3 do art.º 239º do CIRE, a Recorrente requereu que tais valores não fossem incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência. G. Não obstante as condições económicas e de saúde supra expostas, para surpresa sua, o pedido da Recorrente foi indeferido por falta de fundamento legal. H. Uma decisão que a Recorrente não compreende, não aceita e, porquanto, da mesma vem nesta sede recorrer. I. Pois, atente-se que o valor total auferido mensalmente pela Recorrente não chega sequer a atingir o valor de um salário mínimo nacional. J. Em termos concretos, atento o valor do atual salário mínimo nacional, o Tribunal a quo fixou como tecto máximo a receber mensalmente pela Recorrente, o valor de 900,00€ (novecentos euros). K. Tendo em conta a actualização da retribuição auferida pela Recorrente por força do aumento do salário mínimo nacional, esta recebe mensalmente apenas os seguintes valores: i. 375,00€ (trezentos e setenta e cinco euros), a título de retribuição; ii. 3,00€ (três euros) /dia a subsídio de alimentação; iii. 31,25€ (trinta e um euros e vinte e cinco cêntimos) a título de subsídio de férias, e iv. 31,25€ (trinta e um euros e vinte e cinco cêntimos) a título de subsídio natal. L. Tudo num valor total líquido de apenas 455,37€ (quatrocentos e cinquenta e cinco euros e trinta e sete cêntimos). M. Ora, a soma de todas as quantias auferidas mensalmente pela Recorrente, não atingem sequer o valor de um salário mínimo nacional, o qual é considerado como o mínimo intangível necessário para a salvaguarda da dignidade dos Insolventes N. E é com este irrisório valor que a Recorrente e sua filha têm que fazer face às despesas inerentes de uma vida que se impõe ser vivida com dignidade. O. Viola, assim, frontalmente, a decisão do Tribunal a quo, o princípio da dignidade 11/13 humana. P. Garantido e contemplado, não só constitucionalmente (art.º 1º e alínea a) do nº2, do art.º 59º), mas também na própria DUDH (art.º 1). Q. Um princípio que, aliás, o próprio CIRE respeita ao estipular no ponto i, alínea b) do nº3 do art.º 239º, que se devem excluir do rendimento disponível do Insolvente as quantias que sejam razoavelmente necessárias para “o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar (…)”. R. Ora, ao decidir como decidiu, o tribunal a quo faz com que seja colocada em causa a satisfação das necessidades mais básicas do ser humano. Q. Pois, as quantias em causa são absolutamente imprescindíveis para que a Recorrente possa assegurar para si e proporcionar à sua filha uma vivência minimamente condigna. Pede que se revogue a decisão recorrida, substituindo-se por outra que determine que os valores auferidos por esta a título de subsídio de férias e de subsídio de natal não sejam disponibilizados ao fiduciário para os fins da insolvência. Não foram apresentadas contra-alegações. II – Delimitação do objecto do recurso; questão a apreciar; O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações, nos termos do artº 639º, do Código de Processo Civil (doravante CPC). I - A questão de direito suscitada pela recorrente prende-se com a decisão que indeferiu o pedido da insolvente/devedora de não inclusão do valor auferido a título de subsídio de férias e de natal no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência. Colhidos os vistos, cumpre decidir. III – Fundamentos; 1. De facto; A factualidade a considerar é a que consta do Relatório supra e ainda o seguinte: 1. Na sentença proferida em 31.10.2018, transitada em julgado, fixou-se num salário mínimo nacional e 1/2, o montante necessário ao sustento digno da insolvente, sendo este o rendimento disponível atribuído à mesma. 2. Na mesma sentença consideraram-se os seguintes os factos relevantes: 1) A insolvente é divorciada. 2) Vive com uma filha menor a seu cargo. 3) Foi-lhe diagnosticada artrite reumatóide. 4) Encontra-se a trabalhar num supermercado com a categoria de caixa balcão. 5) Não possui bens móveis sujeitos a registo nem imóveis. 6) Como a sua situação de saúde não lhe permite trabalhar em horário completo, trabalha apenas 20 horas semanais, auferindo € 290,00 por mês. *****2. De direito; I - A questão de direito suscitada pela recorrente respeita ao indeferimento do pedido da insolvente/devedora de não inclusão do valor auferido a título de subsídio de férias e de natal no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência. No que concerne à figura jurídica da exoneração do passivo restante, relativa ao insolvente que seja pessoa singular, pode-se ler, no preâmbulo do DL nº 53/04, de 18.3, que aprovou o C.I.R.E., as seguintes considerações: “O Código conjuga de forma inovadora o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste. A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica. Esclareça-se que a aplicação deste regime é independente da de outros procedimentos extrajudiciais ou afins destinados ao tratamento do sobreendividamento de pessoas singulares, designadamente daqueles que relevem da legislação especial relativa a consumidores.” A exoneração do passivo restante não tem, pois, como principal fim a satisfação dos credores da insolvência, tal como o previsto no artigo 1º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – embora, reflexamente, não esqueça por completo esses interesses, na medida em que são impostos apertados limites para a sua admissão (1). Trata-se pois de um regime inovador pelo qual se faculta aos devedores pessoas singulares a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não sejam integralmente pagos no respectivo processo ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento. Visa-se com esta medida, conceder ao devedor um fresh start, permitindo-lhe recomeçar a sua actividade, sem o peso da insolvência anterior (2). Assenta este na ideia de que quem passou por um processo de insolvência aprende com os seus erros e terá no futuro um comportamento mais equilibrado no plano financeiro. Sendo admitido liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, o juiz proferirá despacho inicial, nos termos do art. 239º, nºs 1 e 2, do CIRE, no qual determinará que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, denominado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido ao fiduciário para os fins do art. 241º (pagamento das custas do processo de insolvência ainda em dívida; reembolso ao Cofre Geral dos Tribunais das remunerações e despesas do administrador da insolvência e do próprio fiduciário que por aquele tenham sido suportadas; pagamento da remuneração vencida do fiduciário e despesas efectuadas; distribuição do remanescente pelos credores da insolvência, nos termos prescritos para o pagamento aos credores no processo de insolvência). No final do período da cessão, será então proferida decisão sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor, ouvido este, o fiduciário e os credores da insolvência (cfr. art. 244º) e, sendo a mesma concedida, dar-se-á, de acordo com o art. 245º, a extinção de todos os créditos sobre a insolvência que ainda subsistam à data em que é concedida, sem excepção dos que não tenham sido reclamados e verificados, salvaguardando-se, contudo, os que vêm referidos no nº 2 deste último preceito (3). Por seu turno, o art. 239º, nº 2, estabelece que «o despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores de insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.» Depois, no nº 3 do mesmo preceito estatui-se que «integram o rendimento disponível os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: a)dos créditos a que se refere o art. 115 cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz; b) do que seja razoavelmente necessário para: (i) o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; (ii) o exercício pelo devedor da sua actividade profissional; (iii) outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.». A decisão deste recurso prende-se, pois, com a interpretação a dar ao preceituado no art. 239º, nº 3, al. b), i) . A exclusão que aqui se aprecia, consignada na subalínea i), trata-se da resposta natural, forçosa e obrigatória às necessidades e exigências que a subsistência e sustento colocam ao devedor insolvente. Na definição da amplitude do rendimento disponível, «fosse qual fosse a técnica legislativa utilizada, sempre teria que ficar de fora do “rendimento disponível” a ceder uma parte do rendimento do devedor/insolvente; parte essa suficiente e indispensável a poder suportar economicamente a sua existência» (4). Esta exclusão surge, aliás, como uma exigência do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, afirmado no art. 1º da Constituição da República e a que se alude na al. a) do nº 1 do art. 59º do mesmo diploma fundamental, a propósito da retribuição do trabalho. O reconhecimento do princípio da dignidade humana exige do ordenamento jurídico o estabelecimento de normas que salvaguardem a todas as pessoas o mínimo julgado indispensável a uma existência condigna. Como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 24.01.2012 (5), «[a] função interna do património, de que decorre a exclusão prevista na subalínea i), mais não representa do que uma aplicação prática daquele princípio supra-constitucional e enquanto alicerce da existência digna das pessoas – suporte da sua vida económica – reflecte-se em diversas normas da legislação ordinária, designadamente em normas destinadas a conferir justo e adequado equilíbrio entre os conflituantes interesses legítimos do credor (a obtenção da prestação) e os interesses do devedor (o direito inalienável à manutenção de um nível de subsistência condigno), do que são exemplos o art. 239º, nº 3, al. b), i) e o art. 824º, nºs 1 e 2 do Cód. do Proc. Civil» (6). O rendimento disponível, nos termos do disposto no artº 239º nº3 CIRE, é integrado pelos rendimentos que advenham por qualquer título ao devedor, com exclusão daquilo que “seja razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, 3 vezes o salário mínimo nacional”. Este rendimento excluído da cessão – correctamente designado como “rendimento indisponível” – encontra-se assim caracterizado como a parte suficiente e indispensável a poder suportar economicamente a existência do devedor; por forma exemplificativa, a norma legal indica tal limite de sobrevivência como não podendo exceder 3 vezes o salário mínimo nacional, salvo decisão judicial em contrário, naturalmente fundamentada, como o deve ser qualquer decisão judicial. Partilhamos assim do entendimento de que a dita subalínea i) coloca o acento tónico e abrangente de “sustento digno” do devedor que não se confina ou reduz com um enquadramento de limites mínimo e máximo desse sustento, na esteira, aliás, do Ac. RP. de12.06.2012, proc. 529/11.1TBVLG-B.P1, in dgsi.pt, onde se defende que “[ (…) não ter adequadamente atingido o escopo legal a caracterização efectuada no douto Ac.R.P. 15/7/09 Col.III/216, quando vê um “mínimo legal” na ideia de sustento minimamente digno, e um “máximo legal” na ideia de 3 vezes o salário mínimo nacional; na verdade, aquilo que se encontra em causa é apenas uma cláusula aberta de “sustento digno”, a preencher prudentemente pelo juiz, exemplificada na lei com um limite máximo; consideramos que o sustento digno apenas se acha em concreto, e não pode dizer-se que, em si mesmo entendido, constitui um “mínimo” ou então que esse mínimo é integrado por noções de dignidade do trabalho, redução da pobreza, segurança ou socorro social, como o são o salário mínimo nacional ou, ainda configurável, a fixação do montante de um rendimento social de inserção; no sentido em que a lei não fixa um limite mínimo para o rendimento indisponível, cf. Luís M. Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, I, pg. 63). Todavia, visando o processo falimentar a execução universal do património do devedor e a satisfação tanto quanto possível integral dos direitos dos credores, a interpretação relativamente ao montante devido a título de rendimento indisponível, nos casos concretos, deve obedecer aos critérios interpretativos e ao princípio constitucional da “proibição do excesso” (artº 18º nº2 CRP), traduzindo-se, tanto quanto possível em adequação (isto é, apropriação ao caso), necessidade e proporcionalidade (justa medida) – assim, Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Coimbra, 3ª ed., pgs. 428ss. A proibição do excesso, na hipótese de fixação do “rendimento indisponível”, olhará, de um lado, às necessidades fundamentais para um sustento minimamente do devedor e do seu agregado familiar, mas do outro terá em mente a necessária, tanto quanto possível, satisfação dos direitos dos credores (olvidado este escopo do processo falimentar, facilmente a “exoneração do passivo restante” se transformaria num prémio ou na cobertura a uma fraude, como significativamente alude o Ac.R.E. 13/12/2011 Col.V/263, relatado pelo Desemb. Canelas Brás] ”. Assim sendo, cabe sublinhar que o tribunal a quo não deixou de perspectivar a determinação concreta desse rendimento “indisponível”, tendo em consideração o valor do salário mínimo garantido e não de um valor mínimo de sobrevivência a que está associado o rendimento social de inserção por exemplo. E a decisão recorrida não deixou de aquilatar essa dupla vertente: de um lado, o sustento digno da devedora, do outro, a afectação, dentro do possível (aqui exíguo ou quase nulo), do rendimento disponível à satisfação dos credores, ao determinar o rendimento “indisponível” num salário mínimo nacional e ½ na sentença já transitada em julgada, o que à data desta correspondia a 870 euros e actualmente a 900.00€. . Em termos concretos, atento o valor do atual salário mínimo nacional, o tribunal a quo fixou como tecto máximo a receber mensalmente pela Recorrente, o valor de 900,00€ (novecentos euros). Suscita, porém, a recorrente a exclusão dos subsídios de férias e natal do rendimento a disponibilizar ao fiduciário face à notificação deste para entrega desses valores. E assiste-lhe razão. A problemática de os subsídios de férias e de natal englobarem ou não o rendimento disponível a entregar ao fiduciário tem sido muito abordada a nível jurisprudencial, sendo praticamente unânime o entendimento no sentido de que, por força do instituto da exoneração do passivo restante, aquilo a que o devedor tem direito é apenas a um montante que lhe proporcione um sustento minimamente condigno. E não sendo os subsídios de férias e de natal imprescindíveis para o sustento minimamente condigno, tratando-se antes de um “extra” suplementar têm que ser incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência. Foi esta posição já por nós defendida no Acórdão proferido no proc. 4211-18.4T8VNF.G1. No mesmo sentido, vide também, entre outros os Acórdãos deste TRG de 14.02.2013, proc. 3267/12.8TBGMR-C.G1, 26.03.2015, proc. 952/14.3TBGMR.G1, 26.11.2015, proc. 3550/14.8T8GMR.G1 e 12.07.2016, proc. 4591/15.3T8VNF.G1, todos in dgsi.pt. Todavia, no caso concreto, temos a especificidade de o englobamento dos valores em causa recebidos pela devedora a título de subsídios de férias e de natal não ultrapassarem objectivamente o montante de um salário mínimo e meio que o tribunal a quo determinou como o montante necessário ao sustento digno da insolvente. Ou seja, incluídos tais subsídios, não se atinge o valor actual desse salario mínimo e meio, que é de 900,00€. Atente-se que, além de, em sede laboral, tais subsídios de férias e de natal integrarem a própria remuneração salarial, certo é que a sentença atribuiu um ‘tecto’ máximo de rendimentos que advenham à devedora, excluindo-o do rendimento disponível para o fiduciário, independentemente do tipo de rendimentos, seja a título de subsídios, abonos, trabalho suplementar ou extraordinário. Assim, incluídos os subsídios de férias e de natal a receber pela devedora, desde que estes, englobados nos rendimentos globais desta, não ultrapassem objectivamente o fixado montante de um salário mínimo nacional e meio, estão excluídos do rendimento disponível para o fiduciário, conformando-se com o caso julgado. E, presentemente, tais valores não o excedem, face aos rendimentos apurados e auferidos pela devedora – razão pela qual procede a apelação. III. DECISÃO Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente a apelação, determinando-se que os valores auferidos actualmente por esta a título de subsídio de férias e de subsídio de natal não sejam disponibilizados ao fiduciário para os fins da insolvência. Sem custas. Guimarães, 23 de Maio de 2019. 1. Veja-se o acórdão do STJ de 21-10-2010, proc. nº 850/09.9TBVLG-D.P1.S1, in dgsi.pt. 2. Luís Menezes Leitão, CIRE Anotado, 4ª ed. págs. 236/7. 3. Refere-se este nº 2 aos créditos por alimentos – a), às indemnizações devidas por factos ilícitos dolosos praticados pelo devedor, que hajam sido reclamadas nessa qualidade – b), aos créditos por multas, coimas e outras sanções pecuniárias por crimes ou contra-ordenações – c) e aos créditos tributários – d). 4. Cfr. Ac. RP de 15.07.2009, proc. 268/09.7 TBOAZ-D.P1, in www.dgsi.pt. 5. Proc. 1122/11.8TBGDM-B.P1, in www.dgsi.pt. 6. Nesta última norma consagra-se a impenhorabilidade de dois terços dos vencimentos, salários ou prestações de natureza semelhante, auferidos pelo executado [nº 1, a)], bem como de dois terços de prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de outra qualquer regalia social, seguro, indemnização por acidente ou renda vitalícia, ou de quaisquer outras pensões de natureza semelhante [nº 1, b)].