Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães. 1. RELATÓRIO Nestes autos de insolvência relativos a José A, veio o requerente requerer a exoneração do passivo restante, alegando que se encontravam preenchidos os requisitos previstos art. 235º e 236° do CIRE. Cumprido o formalismo legal previsto no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18/03, com a redacção dada pelo DL 200/2004, de 18/08, foi proferida sentença a 1-06-2015 que decidiu declarar o seu estado de insolvência, sendo ainda determinado, entre o mais, o seguinte : “c) Designar, ao abrigo do disposto no art. 52º, n.º 1, como administrador da insolvência o sr. Dr. Ademar L. d) Decretar a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos de contabilidade do devedor. Deverá o sr. administrador da insolvência proceder, de imediato, à apreensão de todos os bens do insolvente, ainda que arrestado, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva dos que hajam sido apreendidos por virtude da infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social; e ainda que objecto de cessão aos credores nos termos do artigo 831.º e seguintes do CC. Caso os bens já tenham sido vendidos a apreensão tem por base o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido – artigo 36.º, al. g) e 149.º, als. a) e b) e n.º 2 do CIRE e artigo 150. Do CIRE. e) Deverá, ainda, proceder à imediata apreensão da pensão do insolvente em tudo o que exceder 1,5 SMN.” Em sede de assembleia de apreciação de relatório, o Sr. Administrador defendeu não existirem razões para o indeferimento liminar do pedido de exoneração de passivo restante. Não foi proferida decisão no que tange à qualificação da insolvência, por não ter sido declarado aberto o referido incidente. Os credores pronunciaram-se. Com relevo para a decisão a proferir no incidente de exoneração de passivo restante, foram considerados relevantes e provados os seguintes factos: “a. O devedor está separado de facto e está reformado por velhice desde junho de 2010; auferindo € 902,30; b. Vive só; c. Apresenta despesas mensais de cerca de € 820,00; d. O passivo ascende a € 130746,13; e. Não tem antecedentes criminais”. E por decisão proferida a 11-11-2015, transitada em julgado, foi concedida a exoneração de passivo restante pretendida, desde que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível que o insolvente venha a auferir, deste se excluindo os montantes a que se reportam, entre outras, as alíneas b), i) do n.º 3 do artigo 239.º seja entregue ao fiduciário infra designado, ficando a insolvente ciente que a inobservância da sua parte das condições referidas nas alienas a) a e) inclusive do n.º 4 do artigo 239.º os farão incorrer na cessação antecipada de um tal procedimento de exoneração. E, assim, ao abrigo do disposto no artigo 239.º, n.º 2 do CIRE, foi determinado que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível – até ao montante da dívida – que o devedor aufira se considere cedido ao fiduciário que será, in casu, por razões de economia processual, o Sr. Administrador da Insolvência. Mais foi decidido que durante o período de cessão, o requerente deverá cumprir integralmente o estatuído no n.º 4 do artigo 239.º do CIRE, maxime. Quanto ao rendimento disponível a ceder, nessa decisão, foi decidido, recorrendo à ‘cláusula do razoável’ pressuposta no art. 239º, nº 3, b), i) do C.I.R.E., face às despesas devidamente comprovadas e presentes do insolvente fixar como seu sustento minimamente digno o valor de 1,5 SMN. Também quanto ao encerramento do processo foi determinado nessa decisão que “ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 230.º, n.º 1, al. d), 232.º, n.ºs 1 e 2 e 233.º todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o encerramento do presente processo de insolvência, em que é Insolvente José A e, em consequência: a) declarar cessados os efeitos que resultam da declaração de insolvência, expressos na sentença proferida nos autos; b) declarar cessadas as funções do Sr. Administrador da Insolvência, com excepção das expressas na alínea b) do n.º 1 do artigo 233.º. c) declarar que os credores da insolvência e da massa podem exercer os seus direitos nos termos constantes das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 233.º d) declarar expressamente o carácter fortuito da presente insolvência, conforme estatui o n.º 6 do artigo 233.º do CIRE. “ *** Entretanto, o insolvente JOSÉ A, apresentou a 14-12-2015 requerimento, nos seguintes termos : 1 – Na douta sentença que declarou a insolvência, o Tribunal determinou a apreensão da pensão do insolvente em tudo o que exceder 1,5 SMN. 2 – Tal quantitativo viria aliás a ser considerado no despacho inicial da exoneração do passivo restante como o sustento minimamente digno do Insolvente. 3 – Declarada a insolvência, foi o Centro Nacional de Pensões notificado para proceder à retenção da pensão do insolvente nos moldes determinados pelo Tribunal. 4 – Sucede que o Centro Nacional de Pensões reteve na totalidade o subsídio de férias a que o Insolvente tinha direito no presente ano de 2015. 5 – Ora, tendo em conta que o subsídio de férias constitui uma prestação relacionada com a pensão de reforma, de valor equivalente, sendo mesmo considerada uma retribuição adicional, entende o Insolvente que a sua apreensão deve respeitar o determinado na douta sentença que declarou a insolvência, 6 – Ou seja, deve incidir apenas naquilo que exceder 1,5 SMN. TERMOS EM QUE requer que o Centro Nacional de Pensões seja notificado para proceder ao pagamento ao Insolvente do subsídio de férias, retendo de tal prestação o que exceder 1,5 SMN.” Esse requerimento foi apreciado e decidido a 11-02-2016 nos seguintes termos: “Como recentemente defendeu o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, em aresto datado de 25/11/2015, “por força da submissão ao instituto da exoneração do passivo restante aquilo a que o devedor tem direito é apenas a um montante que lhe proporcione um sustento minimamente condigno e os subsídios de férias e de natal não são imprescindíveis para o sustento minimamente condigno (…), pelo que têm que ser incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência”. Assim, não assistindo razão o insolvente, indefere-se o requerido. Notifique, inclusive o sr. fiduciário. “ Inconformado o Insolvente veio interpor recurso deste último despacho e formulou as seguintes Conclusões: I – À pretensão do Insolvente relativamente ao subsídio de férias de 2015 não é aplicável o regime da exoneração do passivo restante. II – Quando o Centro Nacional de Pensões decidiu reter na totalidade o subsídio de férias do Insolvente não havia ainda qualquer decisão quanto ao pedido de exoneração do passivo restante. III – A decisão a que o Centro Nacional de Pensões estava adstrito no momento em que decidiu não pagar o subsídio de férias ao Insolvente era a constante da douta sentença que declarou a insolvência, onde se determinou a imediata apreensão da pensão do insolvente em tudo o que exceder 1,5 SMN. IV – O subsídio de férias e o subsídio de Natal constituem prestações relacionadas com a pensão de reforma, de valor equivalente, sendo mesmo consideradas uma retribuição adicional. V – Nos termos do artigo 17º do CIRE, o processo de insolvência, em tudo o que não contrarie as disposições daquele diploma, rege-se pelo Código de Processo Civil, em particular pelas normas referentes ao processo executivo para pagamento de quantia certa. VI – No que respeita à apreensão e à cessão de rendimentos no âmbito do processo de insolvência é aplicável o disposto no artigo 738º do Código de Processo Civil. VII – Os subsídios de férias e de Natal estão abrangidos pela impenhorabilidade parcial decorrente do artigo 738º, n.º 1 do Código de Processo Civil. VIII – No âmbito de um processo executivo, os subsídios de férias e de Natal são impenhoráveis na mesma medida em que o são os vencimentos, salários ou pensões. IX – Transpondo tal regra para o processo de insolvência, deve entender-se que os limites à apreensão da pensão determinada na sentença que declara a insolvência e à cessão do rendimento disponível decorrente da exoneração do passivo restante devem aplicar-se em termos iguais aos respectivos subsídios de férias e de Natal. X – A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 17º do CIRE e 738º do Código de Processo Civil. XI – A apreensão do subsídio de férias de 2015 deve limitar-se ao que exceder 1,5 SMN e os subsídios de férias e de Natal apenas devem ser incluídos nos rendimentos a disponibilizar ao fiduciário naquilo que ultrapassar aquele limite. Conclui pela revogação da decisão recorrida. Não foram apresentadas contra – alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II- - Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. Consideradas as conclusões acima transcritas a única questão a apreciar e decidir consiste em determinar se no âmbito de um processo de insolvência de pessoa singular, tendo sido decretada a insolvência com determinação da apreensão imediata da pensão do insolvente em tudo o que exceder 1,5 SMN, e tendo sido esse quantitativo considerado no despacho inicial da exoneração do passivo restante como o sustento minimamente digno do Insolvente, a apreensão dos rendimentos auferidos a título de subsídios de férias e de natal deve incidir apenas sobre aquilo que exceder 1, 5 SMN. III FUNDAMENTAÇÃO 3.1.- A factualidade a atender é aquele que foi referida no relatório que antecede. 3.2- Nos termos do nº 2 do art. 239º do CIRE, e posto que tenha seguimento liminar o pedido de exoneração do passivo restante, «O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores de insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.» E o nº 3 da mesma norma estabelece que «Integram o rendimento disponível os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: a) Dos créditos a que se refere o art. 115º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz; b) Do que seja razoavelmente necessário para: (i) o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; (ii) o exercício pelo devedor da sua actividade profissional; (iii) outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.» Parafraseando o que se lê no acórdão desta RG de 25 de Outubro de 2012 (Manuel Bargado), disponível em www.dgsi.pt, o qual, é citado no douto Ac da Relação de Guimarães de 14-02-2013, P. 267/12.8TBGMR-C.G1, Relator Manso Raínho, entendimento com que concordamos inteiramente, podemos dizer que: “a exclusão consagrada na subalínea i), trata-se da resposta natural, forçosa e obrigatória às necessidades e exigências que a subsistência e sustento colocam ao devedor insolvente e ao seu agregado familiar. Assim, na definição da amplitude do rendimento disponível, «fosse qual fosse a técnica legislativa utilizada, sempre teria que ficar de fora do “rendimento disponível” a ceder uma parte do rendimento do devedor/insolvente; parte essa suficiente e indispensável a poder suportar economicamente a sua existência» Cfr. Ac. RP de 15.07.2009, proc. 268/09.7 TBOAZ-D.P1, in www.dgsi.pt.. Esta exclusão surge, aliás, como uma exigência do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, afirmado no art. 1º da Constituição da República e a que se alude na al. a) do nº 1 do art. 59º do mesmo diploma fundamental, a propósito da retribuição do trabalho. O reconhecimento do princípio da dignidade humana exige do ordenamento jurídico o estabelecimento de normas que salvaguardem a todas as pessoas o mínimo julgado indispensável a uma existência condigna. Como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 24.01.2012 Proc. 1122/11.8TBGDM-B.P1, in www.dgsi.pt. , «[a] função interna do património, de que decorre a exclusão prevista na subalínea i), mais não representa do que uma aplicação prática daquele princípio supra-constitucional e enquanto alicerce da existência digna das pessoas – suporte da sua vida económica – reflecte-se em diversas normas da legislação ordinária, designadamente em normas destinadas a conferir justo e adequado equilíbrio entre os conflituantes interesses legítimos do credor (a obtenção da prestação) e os interesses do devedor (o direito inalienável à manutenção de um nível de subsistência condigno), do que são exemplos o art. 239º, nº 3, al. b), i) (…)». (…) Mas se é certo, no que respeita ao limite máximo do valor que se deve entender como sendo “o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor”, ter o legislador adoptado (…) um critério objectivamente quantificável - ou seja, o montante equivalente a três salários mínimos nacionais -, o mesmo não acontece quanto ao limite mínimo. (….). O citado art. 239º, nº 3, al. b) i) não indica qualquer limite mínimo, fazendo apenas referência ao referido conceito geral e abstracto – “o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e seu agregado familiar” -, deixando ao juiz a tarefa de, caso a caso e atentas as circunstâncias específicas de cada devedor, concretizar e quantificar esse mesmo conceito. (…) E bem se compreende que seja assim, pois que (…) o traço característico da concessão do benefício da exoneração do passivo restante ao devedor insolvente radica na conciliação entre o ressarcimento dos credores e a garantia do mínimo necessário ao sustento digno do devedor e do seu agregado familiar. Assim, quer se perfile o entendimento de que é “inadequada a escolha do salário mínimo nacional como critério-base ou de referência para a determinação do limite mínimo do que se deve entender por “o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e seu agregado familiar” Cfr. Acórdão desta Relação de Guimarães de 03.05.2011, proc. 4073/10.0TBGMR-A.G1, in www.dgsi.pt. , quer se entenda que o salário mínimo nacional é o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade Cfr. Ac. RP de 15.9.2011, p. 692/11.5 TBVCD-C.P1, in www.dgsi.pt. , o juiz terá sempre que efectuar um juízo de ponderação casuística relativamente ao montante a fixar”. Não pode pois haver dúvidas que constitui direito fundamental do insolvente ver, no contexto da exoneração do passivo restante, salvaguardado a seu favor e a favor do seu agregado familiar os recursos que permitam uma subsistência minimamente digna. Todavia, sendo embora a exoneração do passivo uma medida de proteção do devedor insolvente, é necessário ter presente que a exoneração não pode ser vista como uma espécie de expediente para a pessoa insolvente se eximir pura e simplesmente ao pagamento das suas dívidas. Pelo contrário, trata-se de um meio tendente a conciliar a possibilidade do insolvente se ver liberto das dívidas remanescentes ao fim de cinco anos com o direito dos credores a serem ressarcidos dentro desse prazo à custa do rendimento do devedor. E, citando o Ac. da Relação da Relação de Guimarães, de 14-02-2013, diremos que “Assim, não pode deixar de se entender que o insolvente tem de adequar o seu modus vivendi ao estado de insolvência a que está sujeito. E não é este estado de insolvência que tem de se adequar ao modus vivendi que o insolvente entenda adotar. Como resulta precípuo do espírito da lei (supra citada norma legal), o insolvente está apoditicamente adstrito a limitar as suas despesas e encargos àquilo que lhe proporcione um sustento (aqui considerado, bem entendido, em sentido lato, de modo a abranger também a habitação, despesas de saúde e outras necessidades essenciais) apenas minimamente digno, na medida em que só pode legitimamente contar que seja excluído do seu rendimento disponível para os fins da insolvência, o que, precisamente, for razoavelmente necessário a um sustento minimamente digno. O insolvente não pode querer ter a mesma disponibilidade de recursos (entenda-se, ter os mesmos gastos, os mesmos encargos, os mesmos desfrutes) que teria se acaso o seu rendimento não estivesse a ser direcionado para os fins da insolvência.” Feitas estas considerações, e reportando-as ao caso dos autos, diremos que o thema decidendum está restringido à decisão que determinou que os subsídios de férias e de natal devidos ao insolvente, não são imprescindíveis para o sustento minimamente condigno e que devem ser incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário. O recorrente entende que tendo sido decretada a insolvência com apreensão imediata da pensão do insolvente em tudo o que exceder 1,5 SMN, e tendo sido esse quantitativo considerado no despacho inicial da exoneração do passivo restante como o sustento minimamente digno do Insolvente, a apreensão dos rendimentos auferidos a título de subsídios de férias e de natal deve incidir apenas sobre aquilo que exceder 1, 5 SMN. Antecipando desde já a conclusão, diremos que não assiste qualquer razão ao recorrente-insolvente neste particular. É certo que constitui direito fundamental do insolvente ver, no contexto da exoneração do passivo restante, salvaguardado a seu favor e a favor do seu agregado familiar os recursos que permitam uma subsistência minimamente digna. Todavia, os subsídios de férias e de natal, são prestações, legalmente consagradas, destinadas aos trabalhadores por conta doutrem (e aos beneficiários de pensões de reforma) que visam proporcionar aos seus titulares um acréscimo de rendimento (equivalente ao valor da retribuição), duas vezes no ano – no período de férias e no natal – a fim de que se usufrua de forma plena esses dois períodos festivos (de férias e de natal). Visam tais subsídios ser um “plus”, um aumento de rendimento, que vai proporcionar a quem os usufrui - no caso do subsídio de férias -, o seu gozo efectivo, com um melhor aproveitamento do tempo livre sem trabalhar, proporcionando-lhe o descanso merecido no final de um ano de trabalho. No caso do subsídio de natal, visa o mesmo proporcionar ao seu titular o usufruto pleno da época natalícia, com os inerentes gastos da época em questão. Trata-se, como se disse, em ambos os casos, de um “extra”, de um acréscimo de rendimento que visa proporcionar ao seu titular um acréscimo de bem estar, com as inerentes despesas nos períodos de férias e de natal. Ora, não se pode olvidar que por força da submissão do devedor ao instituto da exoneração do passivo restante aquilo a que ele tem direito é apenas a um montante que lhe proporcione um sustento minimamente condigno – por respeito para com os seus credores. Acresce que não está em causa o direito do Apelante, enquanto trabalhador, a gozar férias e a festejar o natal. O que está em causa e constitui o cerne da questão é que existe o dever do insolvente de adequar os inerentes gastos aos seus recursos económicos em função da realidade falimentar em que se encontra. De resto, a violação do direito a férias e ao pagamento do correspetivo subsídio só pode ser oposta ao empregador, não aos credores, pois que não são estes mas aquele quem delas é devedor ou paga o subsídio. Não concordamos assim com a argumentação do recorrente na parte em que sustenta que no âmbito da insolvência, que é uma execução universal, os subsídios de férias e de natal estão abrangidos pela impenhorabilidade parcial decorrente do artigo 738º nº1, do CPC. De resto, também os credores gozam da garantia constitucional à salvaguarda do seu património (como emanação, nomeadamente, do direito de propriedade privada consagrado no art. 62º da CRP) e, como tal, à sua reintegração, em caso de violação de direitos de crédito, à custa do devedor. Como assim, os direitos constitucionais do ora Apelante enquanto trabalhador não estão a ser ilegitimamente afetados pela circunstância da lei mandar consignar aos fins da insolvência tudo aquilo que exceda o necessário ao seu sustento minimamente digno. Ora, considerando a factualidade apurada e supra transcrita no relatório, não vislumbramos que o subsídio de férias do ano de 2015 e os subsídios de férias e de natal que o recorrente- insolvente venha a auferir no período de cinco anos, sejam imprescindíveis para o sustento minimamente condigno do recorrente, pelo que, os mesmos devem ser incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência. Neste sentido Ac. da Relação de Coimbra de 13-05-2014, P 734/10.7TBFIG-G.C1, Relator: Luis Cravo e Ac. da Relaçao de Guimarães de 26-11-2015, , Relatora, Maria Amália Santos, Ac da Relação de Guimarães, de 25-05-2016, P nº 6554/15.0T8VNF.G1, relator: Fernando Fernandes Freitas, entre outros. Este sacrifício imposto ao devedor tem, assim, o reverso (que deve por ele ser aceite e compreendido) que é de o libertar das suas dívidas, decorrido esse período, permitindo-lhe recomeçar de novo, totalmente desonerado. Ou seja, trata-se de um sacrifício que lhe é imposto, mas que tem como fim uma causa justa e equilibrada, tendo em conta os interesses em jogo. Não está em causa, por outro lado, o direito do recorrente, enquanto trabalhador, a gozar férias e a festejar o natal; a questão é apenas que adeque os seus gastos aos seus recursos económicos em função da realidade falimentar em que se encontra. O sacrifício financeiro dos credores justifica, assim, proporcional sacrifício do insolvente, tendo como limite a respectiva vivência minimamente condigna. Nada há assim a censurar à decisão recorrida, improcedendo, na totalidade, as conclusões das alegações do recorrente. Sumário do acórdão: Por força da submissão ao instituto da exoneração do passivo restante aquilo a que o devedor tem direito é apenas a um montante que lhe proporcione um sustento minimamente condigno. Não ofende qualquer norma constitucional a decisão que determina que o subsídio de férias e de natal deve ser incluído no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência. IV - Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas da apelação a cargo do rendimento disponível do Insolvente. Não se logrando o pagamento por esse meio de tal pagamento, então as custas ficam a cargo do apelante, nos termos do artigo 248º do CIRE. Notifique. Guimarães, 12-07-2016 (Processado e revisto com recurso a meios informáticos) (Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira) (Fernando Fernandes Freitas) (António M. A. Figueiredo de Almeida)
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães. 1. RELATÓRIO Nestes autos de insolvência relativos a José A, veio o requerente requerer a exoneração do passivo restante, alegando que se encontravam preenchidos os requisitos previstos art. 235º e 236° do CIRE. Cumprido o formalismo legal previsto no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18/03, com a redacção dada pelo DL 200/2004, de 18/08, foi proferida sentença a 1-06-2015 que decidiu declarar o seu estado de insolvência, sendo ainda determinado, entre o mais, o seguinte : “c) Designar, ao abrigo do disposto no art. 52º, n.º 1, como administrador da insolvência o sr. Dr. Ademar L. d) Decretar a apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos de contabilidade do devedor. Deverá o sr. administrador da insolvência proceder, de imediato, à apreensão de todos os bens do insolvente, ainda que arrestado, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva dos que hajam sido apreendidos por virtude da infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social; e ainda que objecto de cessão aos credores nos termos do artigo 831.º e seguintes do CC. Caso os bens já tenham sido vendidos a apreensão tem por base o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido – artigo 36.º, al. g) e 149.º, als. a) e b) e n.º 2 do CIRE e artigo 150. Do CIRE. e) Deverá, ainda, proceder à imediata apreensão da pensão do insolvente em tudo o que exceder 1,5 SMN.” Em sede de assembleia de apreciação de relatório, o Sr. Administrador defendeu não existirem razões para o indeferimento liminar do pedido de exoneração de passivo restante. Não foi proferida decisão no que tange à qualificação da insolvência, por não ter sido declarado aberto o referido incidente. Os credores pronunciaram-se. Com relevo para a decisão a proferir no incidente de exoneração de passivo restante, foram considerados relevantes e provados os seguintes factos: “a. O devedor está separado de facto e está reformado por velhice desde junho de 2010; auferindo € 902,30; b. Vive só; c. Apresenta despesas mensais de cerca de € 820,00; d. O passivo ascende a € 130746,13; e. Não tem antecedentes criminais”. E por decisão proferida a 11-11-2015, transitada em julgado, foi concedida a exoneração de passivo restante pretendida, desde que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível que o insolvente venha a auferir, deste se excluindo os montantes a que se reportam, entre outras, as alíneas b), i) do n.º 3 do artigo 239.º seja entregue ao fiduciário infra designado, ficando a insolvente ciente que a inobservância da sua parte das condições referidas nas alienas a) a e) inclusive do n.º 4 do artigo 239.º os farão incorrer na cessação antecipada de um tal procedimento de exoneração. E, assim, ao abrigo do disposto no artigo 239.º, n.º 2 do CIRE, foi determinado que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível – até ao montante da dívida – que o devedor aufira se considere cedido ao fiduciário que será, in casu, por razões de economia processual, o Sr. Administrador da Insolvência. Mais foi decidido que durante o período de cessão, o requerente deverá cumprir integralmente o estatuído no n.º 4 do artigo 239.º do CIRE, maxime. Quanto ao rendimento disponível a ceder, nessa decisão, foi decidido, recorrendo à ‘cláusula do razoável’ pressuposta no art. 239º, nº 3, b), i) do C.I.R.E., face às despesas devidamente comprovadas e presentes do insolvente fixar como seu sustento minimamente digno o valor de 1,5 SMN. Também quanto ao encerramento do processo foi determinado nessa decisão que “ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 230.º, n.º 1, al. d), 232.º, n.ºs 1 e 2 e 233.º todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o encerramento do presente processo de insolvência, em que é Insolvente José A e, em consequência: a) declarar cessados os efeitos que resultam da declaração de insolvência, expressos na sentença proferida nos autos; b) declarar cessadas as funções do Sr. Administrador da Insolvência, com excepção das expressas na alínea b) do n.º 1 do artigo 233.º. c) declarar que os credores da insolvência e da massa podem exercer os seus direitos nos termos constantes das alíneas c) e d) do n.º 1 do artigo 233.º d) declarar expressamente o carácter fortuito da presente insolvência, conforme estatui o n.º 6 do artigo 233.º do CIRE. “ *** Entretanto, o insolvente JOSÉ A, apresentou a 14-12-2015 requerimento, nos seguintes termos : 1 – Na douta sentença que declarou a insolvência, o Tribunal determinou a apreensão da pensão do insolvente em tudo o que exceder 1,5 SMN. 2 – Tal quantitativo viria aliás a ser considerado no despacho inicial da exoneração do passivo restante como o sustento minimamente digno do Insolvente. 3 – Declarada a insolvência, foi o Centro Nacional de Pensões notificado para proceder à retenção da pensão do insolvente nos moldes determinados pelo Tribunal. 4 – Sucede que o Centro Nacional de Pensões reteve na totalidade o subsídio de férias a que o Insolvente tinha direito no presente ano de 2015. 5 – Ora, tendo em conta que o subsídio de férias constitui uma prestação relacionada com a pensão de reforma, de valor equivalente, sendo mesmo considerada uma retribuição adicional, entende o Insolvente que a sua apreensão deve respeitar o determinado na douta sentença que declarou a insolvência, 6 – Ou seja, deve incidir apenas naquilo que exceder 1,5 SMN. TERMOS EM QUE requer que o Centro Nacional de Pensões seja notificado para proceder ao pagamento ao Insolvente do subsídio de férias, retendo de tal prestação o que exceder 1,5 SMN.” Esse requerimento foi apreciado e decidido a 11-02-2016 nos seguintes termos: “Como recentemente defendeu o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, em aresto datado de 25/11/2015, “por força da submissão ao instituto da exoneração do passivo restante aquilo a que o devedor tem direito é apenas a um montante que lhe proporcione um sustento minimamente condigno e os subsídios de férias e de natal não são imprescindíveis para o sustento minimamente condigno (…), pelo que têm que ser incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência”. Assim, não assistindo razão o insolvente, indefere-se o requerido. Notifique, inclusive o sr. fiduciário. “ Inconformado o Insolvente veio interpor recurso deste último despacho e formulou as seguintes Conclusões: I – À pretensão do Insolvente relativamente ao subsídio de férias de 2015 não é aplicável o regime da exoneração do passivo restante. II – Quando o Centro Nacional de Pensões decidiu reter na totalidade o subsídio de férias do Insolvente não havia ainda qualquer decisão quanto ao pedido de exoneração do passivo restante. III – A decisão a que o Centro Nacional de Pensões estava adstrito no momento em que decidiu não pagar o subsídio de férias ao Insolvente era a constante da douta sentença que declarou a insolvência, onde se determinou a imediata apreensão da pensão do insolvente em tudo o que exceder 1,5 SMN. IV – O subsídio de férias e o subsídio de Natal constituem prestações relacionadas com a pensão de reforma, de valor equivalente, sendo mesmo consideradas uma retribuição adicional. V – Nos termos do artigo 17º do CIRE, o processo de insolvência, em tudo o que não contrarie as disposições daquele diploma, rege-se pelo Código de Processo Civil, em particular pelas normas referentes ao processo executivo para pagamento de quantia certa. VI – No que respeita à apreensão e à cessão de rendimentos no âmbito do processo de insolvência é aplicável o disposto no artigo 738º do Código de Processo Civil. VII – Os subsídios de férias e de Natal estão abrangidos pela impenhorabilidade parcial decorrente do artigo 738º, n.º 1 do Código de Processo Civil. VIII – No âmbito de um processo executivo, os subsídios de férias e de Natal são impenhoráveis na mesma medida em que o são os vencimentos, salários ou pensões. IX – Transpondo tal regra para o processo de insolvência, deve entender-se que os limites à apreensão da pensão determinada na sentença que declara a insolvência e à cessão do rendimento disponível decorrente da exoneração do passivo restante devem aplicar-se em termos iguais aos respectivos subsídios de férias e de Natal. X – A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 17º do CIRE e 738º do Código de Processo Civil. XI – A apreensão do subsídio de férias de 2015 deve limitar-se ao que exceder 1,5 SMN e os subsídios de férias e de Natal apenas devem ser incluídos nos rendimentos a disponibilizar ao fiduciário naquilo que ultrapassar aquele limite. Conclui pela revogação da decisão recorrida. Não foram apresentadas contra – alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II- - Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso. Consideradas as conclusões acima transcritas a única questão a apreciar e decidir consiste em determinar se no âmbito de um processo de insolvência de pessoa singular, tendo sido decretada a insolvência com determinação da apreensão imediata da pensão do insolvente em tudo o que exceder 1,5 SMN, e tendo sido esse quantitativo considerado no despacho inicial da exoneração do passivo restante como o sustento minimamente digno do Insolvente, a apreensão dos rendimentos auferidos a título de subsídios de férias e de natal deve incidir apenas sobre aquilo que exceder 1, 5 SMN. III FUNDAMENTAÇÃO 3.1.- A factualidade a atender é aquele que foi referida no relatório que antecede. 3.2- Nos termos do nº 2 do art. 239º do CIRE, e posto que tenha seguimento liminar o pedido de exoneração do passivo restante, «O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período de cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores de insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.» E o nº 3 da mesma norma estabelece que «Integram o rendimento disponível os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: a) Dos créditos a que se refere o art. 115º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz; b) Do que seja razoavelmente necessário para: (i) o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; (ii) o exercício pelo devedor da sua actividade profissional; (iii) outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.» Parafraseando o que se lê no acórdão desta RG de 25 de Outubro de 2012 (Manuel Bargado), disponível em www.dgsi.pt, o qual, é citado no douto Ac da Relação de Guimarães de 14-02-2013, P. 267/12.8TBGMR-C.G1, Relator Manso Raínho, entendimento com que concordamos inteiramente, podemos dizer que: “a exclusão consagrada na subalínea i), trata-se da resposta natural, forçosa e obrigatória às necessidades e exigências que a subsistência e sustento colocam ao devedor insolvente e ao seu agregado familiar. Assim, na definição da amplitude do rendimento disponível, «fosse qual fosse a técnica legislativa utilizada, sempre teria que ficar de fora do “rendimento disponível” a ceder uma parte do rendimento do devedor/insolvente; parte essa suficiente e indispensável a poder suportar economicamente a sua existência» Cfr. Ac. RP de 15.07.2009, proc. 268/09.7 TBOAZ-D.P1, in www.dgsi.pt.. Esta exclusão surge, aliás, como uma exigência do princípio da dignidade humana, contido no princípio do Estado de Direito, afirmado no art. 1º da Constituição da República e a que se alude na al. a) do nº 1 do art. 59º do mesmo diploma fundamental, a propósito da retribuição do trabalho. O reconhecimento do princípio da dignidade humana exige do ordenamento jurídico o estabelecimento de normas que salvaguardem a todas as pessoas o mínimo julgado indispensável a uma existência condigna. Como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 24.01.2012 Proc. 1122/11.8TBGDM-B.P1, in www.dgsi.pt. , «[a] função interna do património, de que decorre a exclusão prevista na subalínea i), mais não representa do que uma aplicação prática daquele princípio supra-constitucional e enquanto alicerce da existência digna das pessoas – suporte da sua vida económica – reflecte-se em diversas normas da legislação ordinária, designadamente em normas destinadas a conferir justo e adequado equilíbrio entre os conflituantes interesses legítimos do credor (a obtenção da prestação) e os interesses do devedor (o direito inalienável à manutenção de um nível de subsistência condigno), do que são exemplos o art. 239º, nº 3, al. b), i) (…)». (…) Mas se é certo, no que respeita ao limite máximo do valor que se deve entender como sendo “o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor”, ter o legislador adoptado (…) um critério objectivamente quantificável - ou seja, o montante equivalente a três salários mínimos nacionais -, o mesmo não acontece quanto ao limite mínimo. (….). O citado art. 239º, nº 3, al. b) i) não indica qualquer limite mínimo, fazendo apenas referência ao referido conceito geral e abstracto – “o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e seu agregado familiar” -, deixando ao juiz a tarefa de, caso a caso e atentas as circunstâncias específicas de cada devedor, concretizar e quantificar esse mesmo conceito. (…) E bem se compreende que seja assim, pois que (…) o traço característico da concessão do benefício da exoneração do passivo restante ao devedor insolvente radica na conciliação entre o ressarcimento dos credores e a garantia do mínimo necessário ao sustento digno do devedor e do seu agregado familiar. Assim, quer se perfile o entendimento de que é “inadequada a escolha do salário mínimo nacional como critério-base ou de referência para a determinação do limite mínimo do que se deve entender por “o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e seu agregado familiar” Cfr. Acórdão desta Relação de Guimarães de 03.05.2011, proc. 4073/10.0TBGMR-A.G1, in www.dgsi.pt. , quer se entenda que o salário mínimo nacional é o limite que assegura a subsistência com o mínimo de dignidade Cfr. Ac. RP de 15.9.2011, p. 692/11.5 TBVCD-C.P1, in www.dgsi.pt. , o juiz terá sempre que efectuar um juízo de ponderação casuística relativamente ao montante a fixar”. Não pode pois haver dúvidas que constitui direito fundamental do insolvente ver, no contexto da exoneração do passivo restante, salvaguardado a seu favor e a favor do seu agregado familiar os recursos que permitam uma subsistência minimamente digna. Todavia, sendo embora a exoneração do passivo uma medida de proteção do devedor insolvente, é necessário ter presente que a exoneração não pode ser vista como uma espécie de expediente para a pessoa insolvente se eximir pura e simplesmente ao pagamento das suas dívidas. Pelo contrário, trata-se de um meio tendente a conciliar a possibilidade do insolvente se ver liberto das dívidas remanescentes ao fim de cinco anos com o direito dos credores a serem ressarcidos dentro desse prazo à custa do rendimento do devedor. E, citando o Ac. da Relação da Relação de Guimarães, de 14-02-2013, diremos que “Assim, não pode deixar de se entender que o insolvente tem de adequar o seu modus vivendi ao estado de insolvência a que está sujeito. E não é este estado de insolvência que tem de se adequar ao modus vivendi que o insolvente entenda adotar. Como resulta precípuo do espírito da lei (supra citada norma legal), o insolvente está apoditicamente adstrito a limitar as suas despesas e encargos àquilo que lhe proporcione um sustento (aqui considerado, bem entendido, em sentido lato, de modo a abranger também a habitação, despesas de saúde e outras necessidades essenciais) apenas minimamente digno, na medida em que só pode legitimamente contar que seja excluído do seu rendimento disponível para os fins da insolvência, o que, precisamente, for razoavelmente necessário a um sustento minimamente digno. O insolvente não pode querer ter a mesma disponibilidade de recursos (entenda-se, ter os mesmos gastos, os mesmos encargos, os mesmos desfrutes) que teria se acaso o seu rendimento não estivesse a ser direcionado para os fins da insolvência.” Feitas estas considerações, e reportando-as ao caso dos autos, diremos que o thema decidendum está restringido à decisão que determinou que os subsídios de férias e de natal devidos ao insolvente, não são imprescindíveis para o sustento minimamente condigno e que devem ser incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário. O recorrente entende que tendo sido decretada a insolvência com apreensão imediata da pensão do insolvente em tudo o que exceder 1,5 SMN, e tendo sido esse quantitativo considerado no despacho inicial da exoneração do passivo restante como o sustento minimamente digno do Insolvente, a apreensão dos rendimentos auferidos a título de subsídios de férias e de natal deve incidir apenas sobre aquilo que exceder 1, 5 SMN. Antecipando desde já a conclusão, diremos que não assiste qualquer razão ao recorrente-insolvente neste particular. É certo que constitui direito fundamental do insolvente ver, no contexto da exoneração do passivo restante, salvaguardado a seu favor e a favor do seu agregado familiar os recursos que permitam uma subsistência minimamente digna. Todavia, os subsídios de férias e de natal, são prestações, legalmente consagradas, destinadas aos trabalhadores por conta doutrem (e aos beneficiários de pensões de reforma) que visam proporcionar aos seus titulares um acréscimo de rendimento (equivalente ao valor da retribuição), duas vezes no ano – no período de férias e no natal – a fim de que se usufrua de forma plena esses dois períodos festivos (de férias e de natal). Visam tais subsídios ser um “plus”, um aumento de rendimento, que vai proporcionar a quem os usufrui - no caso do subsídio de férias -, o seu gozo efectivo, com um melhor aproveitamento do tempo livre sem trabalhar, proporcionando-lhe o descanso merecido no final de um ano de trabalho. No caso do subsídio de natal, visa o mesmo proporcionar ao seu titular o usufruto pleno da época natalícia, com os inerentes gastos da época em questão. Trata-se, como se disse, em ambos os casos, de um “extra”, de um acréscimo de rendimento que visa proporcionar ao seu titular um acréscimo de bem estar, com as inerentes despesas nos períodos de férias e de natal. Ora, não se pode olvidar que por força da submissão do devedor ao instituto da exoneração do passivo restante aquilo a que ele tem direito é apenas a um montante que lhe proporcione um sustento minimamente condigno – por respeito para com os seus credores. Acresce que não está em causa o direito do Apelante, enquanto trabalhador, a gozar férias e a festejar o natal. O que está em causa e constitui o cerne da questão é que existe o dever do insolvente de adequar os inerentes gastos aos seus recursos económicos em função da realidade falimentar em que se encontra. De resto, a violação do direito a férias e ao pagamento do correspetivo subsídio só pode ser oposta ao empregador, não aos credores, pois que não são estes mas aquele quem delas é devedor ou paga o subsídio. Não concordamos assim com a argumentação do recorrente na parte em que sustenta que no âmbito da insolvência, que é uma execução universal, os subsídios de férias e de natal estão abrangidos pela impenhorabilidade parcial decorrente do artigo 738º nº1, do CPC. De resto, também os credores gozam da garantia constitucional à salvaguarda do seu património (como emanação, nomeadamente, do direito de propriedade privada consagrado no art. 62º da CRP) e, como tal, à sua reintegração, em caso de violação de direitos de crédito, à custa do devedor. Como assim, os direitos constitucionais do ora Apelante enquanto trabalhador não estão a ser ilegitimamente afetados pela circunstância da lei mandar consignar aos fins da insolvência tudo aquilo que exceda o necessário ao seu sustento minimamente digno. Ora, considerando a factualidade apurada e supra transcrita no relatório, não vislumbramos que o subsídio de férias do ano de 2015 e os subsídios de férias e de natal que o recorrente- insolvente venha a auferir no período de cinco anos, sejam imprescindíveis para o sustento minimamente condigno do recorrente, pelo que, os mesmos devem ser incluídos no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência. Neste sentido Ac. da Relação de Coimbra de 13-05-2014, P 734/10.7TBFIG-G.C1, Relator: Luis Cravo e Ac. da Relaçao de Guimarães de 26-11-2015, , Relatora, Maria Amália Santos, Ac da Relação de Guimarães, de 25-05-2016, P nº 6554/15.0T8VNF.G1, relator: Fernando Fernandes Freitas, entre outros. Este sacrifício imposto ao devedor tem, assim, o reverso (que deve por ele ser aceite e compreendido) que é de o libertar das suas dívidas, decorrido esse período, permitindo-lhe recomeçar de novo, totalmente desonerado. Ou seja, trata-se de um sacrifício que lhe é imposto, mas que tem como fim uma causa justa e equilibrada, tendo em conta os interesses em jogo. Não está em causa, por outro lado, o direito do recorrente, enquanto trabalhador, a gozar férias e a festejar o natal; a questão é apenas que adeque os seus gastos aos seus recursos económicos em função da realidade falimentar em que se encontra. O sacrifício financeiro dos credores justifica, assim, proporcional sacrifício do insolvente, tendo como limite a respectiva vivência minimamente condigna. Nada há assim a censurar à decisão recorrida, improcedendo, na totalidade, as conclusões das alegações do recorrente. Sumário do acórdão: Por força da submissão ao instituto da exoneração do passivo restante aquilo a que o devedor tem direito é apenas a um montante que lhe proporcione um sustento minimamente condigno. Não ofende qualquer norma constitucional a decisão que determina que o subsídio de férias e de natal deve ser incluído no rendimento a disponibilizar ao fiduciário para os fins da insolvência. IV - Decisão: Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida. Custas da apelação a cargo do rendimento disponível do Insolvente. Não se logrando o pagamento por esse meio de tal pagamento, então as custas ficam a cargo do apelante, nos termos do artigo 248º do CIRE. Notifique. Guimarães, 12-07-2016 (Processado e revisto com recurso a meios informáticos) (Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira) (Fernando Fernandes Freitas) (António M. A. Figueiredo de Almeida)