Processo:74/08.6TBVNG.P1
Data do Acordão: 22/02/2010Relator: VIEIRA E CUNHATribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I- A aplicação no tempo do NRAU consta do respectivo art° 59º n°1, segundo o qual ele se aplica “aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo das normas transitórias”; estas normas constam dos art°s 26° a 58° NRAU. II - Da conjugação dos art°s 26°, 27° e 28° dessa Lei resulta que o legislador pretendeu que aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais (assim como aos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes do RAU), anteriores ao D.-L. n° 257/95, de 30/9, não se aplique a regra da denúncia livre por parte do senhorio. III- Desta forma, o legislador manteve em vigor os antigos regimes, relativamente aos contratos celebrados à sua sombra; IV- As disposições transitórias acabam por funcionar como não tocando nos anteriores regimes do arrendamento urbano, em matérias como a denúncia ou a oposição à renovação do contrato.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
VIEIRA E CUNHA
Descritores
CONTRATO DE ARRENDAMENTO APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO DENÚNCIA DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS
No do documento
Data do Acordão
02/23/2010
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
CONFIRMADA A DECISÃO.
Sumário
I- A aplicação no tempo do NRAU consta do respectivo art° 59º n°1, segundo o qual ele se aplica “aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo das normas transitórias”; estas normas constam dos art°s 26° a 58° NRAU. II - Da conjugação dos art°s 26°, 27° e 28° dessa Lei resulta que o legislador pretendeu que aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais (assim como aos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes do RAU), anteriores ao D.-L. n° 257/95, de 30/9, não se aplique a regra da denúncia livre por parte do senhorio. III- Desta forma, o legislador manteve em vigor os antigos regimes, relativamente aos contratos celebrados à sua sombra; IV- As disposições transitórias acabam por funcionar como não tocando nos anteriores regimes do arrendamento urbano, em matérias como a denúncia ou a oposição à renovação do contrato.
Decisão integral
● Rec.74-08.6TBVNG.P1. Relator – Vieira e Cunha.  
     Decisão    recorrida de 26/10/2009.
     Adjuntos – Desembargadores Mª das Dores Eiró e  
                                                  Proença Costa.

Acórdão do Tribunal da Relação de Porto
Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com processo comum e forma sumária nº 74/08.6TBVNG, do …º Juízo Cível de Vª Nª de Gaia.
Autores – B………….. e C………… e marido D…………..
Ré – E……………..

Pedido
Que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento em causa nos autos e a Ré condenada no despejo imediato do arrendado, entregando-o livre de pessoas e bens aos AA.
Que a Ré seja condenada a pagar aos AA. a quantia de € 884,40, acrescida das rendas vencidas até efectiva entrega do arrendado aos Autores.
Subsidiariamente:
Que seja decretada a não renovação do contrato e a consequente entrega do mesmo e benfeitorias aos AA., em 31/12/2010.
Pedido Reconvencional Subsidiário
Que os AA. sejam condenados na quantia que se liquidar em execução de sentença, relativa aos gastos e danos, tanto materiais como morais, efectuados no arrendado e ocasionados pelo despejo.

Tese dos Autores
Em 1/1/60 foi celebrado contrato de arrendamento entre o marido e pai da 2ª Autora mulher, na qualidade de senhorio, e a Ré, enquanto arrendatária, relativo a uma parcela de terreno de um prédio rústico, pelo prazo de três anos, com início em 1/12/59, pela renda anula de Esc. 1.800$00, a pagar ao senhorio em casa deste, no primeiro dia útil do mês anterior ao que respeitar.
Ficou vedada à Ré a sublocação.
A renda mensal actualmente em vigor cifra-se em € 14,74.
A Ré cede, em regime de sub-locação, a outros grupos e entidades, o locado, como recinto de jogos.
Desde Janeiro de 2003 que a Ré não paga pontualmente as rendas devidas, procedendo a depósitos irregulares e não liberatórios.
Tal falta de pagamento é também fundamento de despejo imediato, acrescendo o fundamento relativo à sublocação.
Nos termos do artº 1055º C.Civ. os AA., subsidiariamente, declaram a oposição à renovação, a ocorrer em 31/12/2010.
Tese da Ré
Impugna a invocada sublocação.
A Ré vem depositando pontualmente as rendas, desde Janeiro de 2003, dada a recusa da 1ª Autora em receber tais rendas.
Tal recusa passou a verificar-se em 16/5/2001, numa altura em que, por acordo das partes, as rendas eram pagas semestralmente.
Sem conceder, a Ré procedeu ao depósito condicional das rendas reclamadas nesta acção, acrescidas da indemnização prevista no artº 1041º nº1 C.Civ., a título condicional.
O disposto no artº 1101º al.c) C.Civ. impede a oposição à renovação do contrato que se efectue com antecedência inferior a cinco anos, daí que o contrato haja de renovar-se para além de 31/12/2010.
Correspondendo a renovação à vontade das partes, ela impõe-se á oposição à renovação do contrato, até porque, dentro do espírito de que as partes se encontravam imbuídas, foram efectuados avultados investimentos no então prédio rústico, com a comparticipação de muitos fundos públicos.

Sentença
Na sentença proferida pela Mmª Juiz “a quo”, a acção foi julgada integralmente improcedente, e a Ré absolvida do pedido, por via essencialmente da não integração, face aos factos provados, dos pressupostos do artº 1038º als. a) e f) C.Civ..

Conclusões do Recurso de Apelação dos Autores (resenha):
1 – A decisão recorrida não se pronunciou sobre o mérito do pedido subsidiário – artº 469º C.P.Civ., pelo que é nula (artº 668º nº1 C.P.Civ.).
2 – Admitindo o pagamento semestral das rendas, em 1/6/01 venceu-se o 2º semestre, cujo montante apenas foi depositado em singelo em 26/7/01.
3 – A Ré depositou a 8/7/02 a quantia de € 80,34 e em 5/2703 a quantia de € 83,23, não tendo pago o 1º semestre de 2003 até 8/1/03, nem sequer depositado a renda de Janeiro até 8/1/03.
4 - Em 4/7/03, a Ré depositou € 83,23, esquecendo-se da renda vencida em 1/6/2003.
5 – Em 21/1/04, a recorrida depositou a quantia de € 86,28, em 7/7/04 depositou igual quantia de € 86,28 e, em 11/1/05, depositou € 88,44, fora do prazo de vencimento, em mora, e em quantia que calculou a seu bel prazer.
6 – Em 26/6/06, a Ré depositou € 287,43, presumindo-se respeitantes aos semestres vencidos em 1/6/05 e em 1/1/06, com indemnização legal de 50%, reconhecendo mais uma vez a sua mora.
7 – Nesse mesmo dia 26/6/06, muito depois do dia 8/6/06, a Ré depositou a quantia de € 73,70, respeitante ao 2º semestre de 2006, sem que fosse acrescida da indemnização legal de 50%, pelo menos no respeitante ao mês de Junho desse ano.
8 – De 7/12/06 até 23/1/08, a Recorrida pagou ao mês e não ao semestre, contrariando o que afirmou nos articulados e resultou provado.
9 – Em 7/2/08, a Recorrida voltou a depositar quantia superior à mensalidade da renda, ou seja, € 73,70, correspondente não ao semestre mas a 5 meses.
10 – A Ré reconheceu repetidamente a mora e não depositou as rendas em tempo, violando o disposto no artº 1038º al.a) C.Civ.
11 – Deve assim ser decretada a nulidade da sentença recorrida, por falta de conhecimento do pedido subsidiário; mas caso assim se não entenda, deve a decisão ser revogada, quanto ao pedido de resolução do contrato, o qual deve ser julgado procedente.

Por contra-alegações, a Ré pugna pela manutenção do julgado, acrescentando que o depósito condicional de € 1 326,60 deve ser declarado na disponibilidade da Ré; ou então, de outra forma, os depósitos efectuados anteriormente a 17/4/08; o pedido subsidiário, ele sim, consubstancia uma pretensão sem qualquer suporte legal.

Factos Considerados Provados em 1ª Instância
1 – Em 1 de Janeiro de 1960, foi celebrado um contrato de arrendamento entre o Sr. F…………., marida da primeira A. e Pai da segunda A., e o Sr. G…………, na qualidade de Presidente da Direcção e em representação da R. 
2 - Por tal contrato, o primeiro deu de arrendamento à R. uma parcela de terreno com as dimensões de 52,5 m de comprimento por 25 m de largura, do prédio rústico sito no Lugar …….., Freguesia ……., concelho e comarca de V. N. de Gaia. 
3 – O arrendamento teve o prazo de três anos, com início em 1 de Dezembro de 1959 e terminus em 30 de Dezembro de 1962, «considerando-se renovado por períodos sucessivos de igual tempo enquanto por qualquer das partes não houver despedida com antecipação legal». 
4 – A renda anual ajustada foi de 1800$00, a pagar ao senhorio em casa deste, no primeiro dia útil do mês anterior ao que respeitar, tendo sido sucessivamente alterada, estando em vigor, actualmente, a renda mensal de 14,74 euros. 
5 – O arrendado destina-se a campo de jogos e sede da R., não podendo esta dar-lhe outro destino, nem sublocá-lo. 
6 - Nos termos do contrato de arrendamento, a R. ficou autorizada a fazer no terreno aí referido as obras e as benfeitorias e instalação da sua sede. 
7 – O contrato referido em 1 supra, foi celebrado pelo prazo de três anos e renovou-se até à presente data, considerando-se prorrogado por períodos sucessivos de igual tempo enquanto por qualquer das partes não houver despedida com antecipação legal . 
8 - A primeira renovação ocorreu em 31/12/62, para vigorar até 30/12/65. 
9 – Está em vigor a 15ª renovação, cujo terminus ocorre em 30/12/2010 . 
10 – A R. utiliza o recinto desportivo para a prática de desporto dos seus associados, designadamente voleibol, quer para treinos, quer para torneios ou campeonatos em que, a par dos associados da R., intervêm outros grupos ou clubes. Todas essas actividades desportivas estão dentro dos fins da R. que, para além de associação cultural e filantrópica, é também uma associação desportiva. 
11 – Os clubes ou grupos que treinam com os associados da R. ou que entram em competições ou torneios em que intervém a R., eventualmente ou voluntariamente, comparticipam nas despesas da R. em consumo de água e energia eléctrica para que esta possa continuar a prosseguir os seus fins, designadamente filantrópicos, como comparticipam em despesas com inscrições em torneios organizados por aquela.
12 – A R. sempre pagou pontualmente as rendas devidas relativamente ao contrato em causa, designadamente desde Janeiro de 2003, depositando-as na Caixa Geral de Depósitos, dada a recusa da A. B…………. em recebê-las.
13 - Conforme o acordado com a A. B………….., os pagamentos passaram a fazer-se de seis em seis meses, sendo que, em 16 de Maio de 2001 foi feito o depósito do primeiro semestre de 2001, de Esc. 62.020$00. 
14 – A recusa do recebimento das rendas por parte da A. B…………. verificou-se no dia 16 de Maio de 2001. 
15 – Face a todos os depósitos feitos na Caixa Geral de Depósitos, todas as rendas vencidas até à presente data estão pagas, e os AA. bem o sabem, pelo conhecimento que têm dos depósitos feitos. 
16 – A R. depositou na Caixa Geral de Depósitos, em 17 de Abril de 2008, a quantia de € 1 326,60, em depósito condicional à ordem dos herdeiros de F…………... 
17 – Encontram-se já depositadas na Caixa Geral de Depósitos as rendas de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2008, sendo € 14,74 do mês de Janeiro, € 22,11 de Fevereiro e € 73,70 referentes a Março, Abril, Maio, Junho, Julho de 2008, no total de € 110,55. 
18 – A R. manifesta, e sempre manifestou, vontade de poder satisfazer os fins para que foi constituída, onde avulta a actividade desportiva dedicada à juventude académica.

Fundamentos
As questões colocadas pelo presente recurso consistem em conhecer se existe nulidade no não conhecimento do pedido subsidiário dos AA. e, em caso afirmativo, suprir tal nulidade.
Caso a pretensão dos AA./Recorrentes não seja atendida, então saber se a decisão deva ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a pretensão dos AA.
Em qualquer dos casos, subsidiariamente, atender ao pedido reconvencional e ao que a Ré veio agora requerer em sede de contra-alegações. 
Apreciemos a dita matéria.

I
Em primeiro lugar, é forçoso constatar que a sentença recorrida, eventualmente “conduzida” pelo respectivo relatório, onde não é efectuada qualquer alusão ao pedido subsidiário, não conheceu deste mesmo pedido subsidiário, qual tenha consistido na apreciação da não renovação do contrato e consequente entrega do mesmo e benfeitorias aos AA., em 31/12/2010, por força da aplicação do disposto no artº 1055º C.Civ., na redacção do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU).
A nulidade cometida (omissão de pronúncia – artº 668º nº1 al.d) 1ª parte C.P.Civ.) deve ser suprida nesta instância.
Naquele citado normativo do artº 1055º estabelece-se que o senhorio se pode opor à renovação do contrato, desde que o comunique ao outro contraente com a antecedência mínima de 60 dias, quando o prazo do contrato atinge três anos, mais correctamente “de um a seis anos”. Na verdade, na cláusula 1ª do contrato, celebrado em 1 de Janeiro de 1960, estipulou-se que “o prazo de duração deste contrato é de três anos, com início no dia 1 de Dezembro de 1959 e a terminar em 30 de Dezembro de 1962, considerando-se prorrogado por períodos sucessivos de igual tempo, enquanto por qualquer das partes não houver despedida com antecipação legal”.
À data da celebração do contrato vigorava o disposto na Lei nº 2030 de 22/6/48, a qual manteve, por omissão, o princípio da prorrogação forçada dos contratos instituído pela Lei nº 1662 de 4 de Setembro de 1924 para o arrendamento de prédios urbanos, no seu artº 106º (dá-nos nota Pinto Furtado, Curso, 2ª ed., 1988, pgs. 128 a 130).
Ora, não há dúvida de que o objecto do contrato foi um prédio urbano, na acepção do artº 204º nº2 2ª parte C.Civ. – apesar de o contrato se referir no intróito a “parte de um prédio rústico, com área de cinquenta e dois metros e meio de comprimento por vinte e cinco metros de largura”, as cláusulas referem-se a: “instalação do campo de jogos e sede da União Académica” (cláusula 3ª), “podendo o arrendatário fazer todas as obras e instalação da sua sede” (cláusula 4ª) e “obrigando-se o arrendatário a mandar fazer uma vedação à volta do terreno” (cláusula 8ª). 
Aliás, encontra-se provado que o arrendado é a sede e o campo de jogos de um grupo recreativo ou desportivo, bem como o respectivo recinto de prática desportiva.
Um contrato sujeito portanto, à data da respectiva conclusão, ao princípio da impossibilidade de denúncia, por parte do senhorio, ou seja, da “prorrogação forçada” a este senhorio imposta.
Vista a questão à luz do NRAU (Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro, que entrou em vigor em 27 de Junho de 2006 (artº 65º Lei nº 6/2006), os dados do problema não se encontram alterados.
A aplicação no tempo do NRAU consta do respectivo artº 59º nº1, segundo o qual ele se aplica “aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data”, para logo excepcionar – “sem prejuízo das normas transitórias”; estas normas constam dos artºs 26º a 58º NRAU.
Da conjugação dos artºs 26º, 27º e 28º dessa Lei resulta que o legislador pretendeu que aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais (assim como aos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes do RAU), anteriores ao D.-L. nº 257/95, de 30/9, não se aplique a regra da denúncia livre por parte do senhorio, a qual passou a estar prevista nos artºs 1101 al.c) C.Civ. (determina agora o normativo que tal denúncia passe a ter que efectuar-se com antecedência não inferior a cinco anos, a não ser que ocorra trespasse ou locação do estabelecimento após a entrada em vigor da referida lei ou, sendo o arrendatário uma sociedade, ocorra transmissão inter vivos de posição ou posições sociais que determine a alteração da titularidade em mais de 50% face à situação existente aquando da entrada em vigor da lei - cf. Mª Olinda Garcia, Arrendamentos para Comércio e Fins Equiparados, Coimbra Editora, 2006, pgs. 12 a 15, cit. in Ac.R.L. 29/3/07, www.dgsi.pt, pº nº 247/07-02, relator: Jorge Leal; veja-se, em sentido idêntico, Ac.R.P. 4/1/10 in www.dgsi.pt, pº nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/144753" target="_blank">2432/08.7TJPRT.P1</a>, relatora: Ana Paula Amorim).
Aliás, veja-se igualmente a síntese de Castro Fraga e Cristina G. Carvalho, O Direito, 2005/11/415: aos contratos submetidos ao regime dos artºs 27º a 29º Lei nº 6/2006 “aplica-se o RAU em matéria de duração, renovação e denúncia (em termos semelhantes aos referidos no artº 26º); o NRAU (Código Civil) quanto a outras matérias, com excepção das previstas nesse mesmo capítulo: benfeitorias (no caso de cessação do contrato – artº 29º), a actualização de rendas (secção II) e a transmissão (secção III).
O mesmo reafirma Meneses Leitão, Arrendamento Urbano, 3ª ed., pgs. 131 e 132, que acrescenta: “verifica-se assim que, embora não assumidamente, o legislador mantém em vigor os antigos regimes, relativamente aos contratos celebrados à sua sombra (…); as disposições transitórias acabam por funcionar como não tocando nos anteriores regimes do arrendamento urbano”.
Haverá assim por força de se concluir que, ao contrato dos autos, não é aplicável o disposto acerca da oposição à renovação, prevista no artº 1055º C.Civ., na redacção de 2006.
Não possui assim viabilidade a pretensão subsidiária formulada, embora haja que sublinhar o seguinte, quanto à questão, por vezes difícil, da aplicação das leis no tempo.
O artº 12º nºs 1 e 2 C.Civ. obedece ao sistema disjuntivo de Enneccerus-Nipperdey, o qual distingue duas categorias de normas: aquelas que regulam factos e aquelas que regulam direitos (neste sentido, Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, pg.354 – “nº1 – a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular; nº2 – quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”). 
No primeiro caso, normas que regulam factos, incluem-se as leis (ou normas) que determinam os efeitos dos factos, as suas consequências jurídicas, englobando os efeitos constitutivos dos factos; no segundo caso, normas que regulam direitos, estão as leis que se reportam a direitos, independentemente dos respectivos factos constitutivos.
Em caso de dúvida, as primeiras normas só valem para futuro (artº 12º nº2 1ª parte); as segundas abrangem as próprias situações jurídicas já existentes, podendo modificar ou até suprimir o respectivo conteúdo.
Fundamental será, por força do princípio da não retroactividade, evitar a valoração ex novo de factos passados, cujos efeitos se fixaram ou cristalizaram (B. Machado, op. cit., pg. 326). Daí que a 2ª parte do nº1 do artº 12º autonomize as situações jurídicas já constituídas aquando da entrada em vigor da lei nova, determinando que, mesmo que a esta seja atribuída eficácia retroactiva, presumem-se ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que se destina a regular (cf. Ac.R.P. 4/5/95 Col.III/198, aresto de onde se retiram as citações do Autor supra).
“Na lógica do nº2 do artº 12º C.Civ. está que os efeitos que se vão destacando do conteúdo de uma situação jurídica, por força da verificação de certos factos, devem ser olhados como efeitos desses factos”; “como esses efeitos se vão traduzir na constituição, modificação ou extinção de uma situação jurídica, as normas que se lhes referem seriam sempre abrangidas pela regra da 1ª parte do nº2 do artº 12º” (B. Machado, op. cit., pg. 359).
Todavia, e para abreviar, no caso dos autos, a pretensão formulada subsidiariamente apenas poderá ser feita valer em juízo se observado o disposto nos artºs 26º nº4 e 28º Lei 6/2006 de 27/2, aplicável por disposição expressa da lei aos contratos não habitacionais, com natureza vinculística, de pretérito, facto que, valha a verdade, sobremaneira restringirá, mesmo para futuro e neste caso concreto, a possibilidade de “oposição à renovação” ou a possibilidade de “denúncia” do contrato.

II
E quanto à pretensão principal, ou seja, a decorrente do não pagamento de rendas, ou da mora da Ré em tal pagamento?
Em primeiro lugar, constatar que a matéria de facto provada diz o contrário daquilo que é pretendido pelos AA. – cf. factos supra enumerados de 12 a 15.
É certo que esta instância pode alterar a matéria de facto, com base no disposto no artº 712º nº1 al.a) 1ª parte C.P.Civ., desde que se encontre perante os mesmos elementos de prova com que se confrontou o Tribunal da 1.ª instância. É o que sucede quando a prova produzida assenta apenas em documentos, como no caso dos presentes autos, e na resposta concreta aos pontos de facto referidos 12 a 15 (só em quadro como este e semelhantes é que o Tribunal da Relação está perante os mesmos elementos probatórios que estiveram presentes no Tribunal da 1.ª instância - cf. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma, II/pg. 252). 
Todavia, e desde logo, em primeiro lugar, os Autores não recorrem, como lhes competia, da matéria de facto fixada, pedindo agora a sua alteração – limitam-se a efectuar uma interpretação diferente dos documentos juntos aos autos, com relação à interpretação efectuada na sentença recorrida. Cabia-lhes ir mais longe.
Não vemos assim como alterar os factos assentes sob 12 a 15, constantes da sentença recorrida (cf. supra, no acórdão).
Todavia, uma tal discussão assume alguma falta de interesse à face do depósito efectuado nos autos, correspondente à quantia reclamada a título de rendas em atraso e indemnização que lhe acresce, nos termos dos artºs 1041º nº1 e 1048º nº1 C.Civ.
Um tal comportamento da Ré e depósito fazem caducar o direito à resolução do contrato, por falta de pagamento da renda, nos termos do já citado artº 1048º nº1.
Por isso, também pela via principal, a pretensão dos Autores não pode obter procedência.
Quanto à questão da devolução do montante do depósito condicional à Ré, a questão deverá ser suscitada por requerimento, em 1ª instância, uma vez que não integra objecto do recurso, conhecimento pelo qual nos encontramos limitados.

A fundamentação poderá ser resumida desta forma:
I – A aplicação no tempo do NRAU consta do respectivo artº 59º nº1, segundo o qual ele se aplica “aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo das normas transitórias”; estas normas constam dos artºs 26º a 58º NRAU.
II - Da conjugação dos artºs 26º, 27º e 28º dessa Lei resulta que o legislador pretendeu que aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais (assim como aos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes do RAU), anteriores ao D.-L. nº 257/95, de 30/9, não se aplique a regra da denúncia livre por parte do senhorio.
III – Desta forma, o legislador manteve em vigor os antigos regimes, relativamente aos contratos celebrados à sua sombra; as disposições transitórias acabam por funcionar como não tocando nos anteriores regimes do arrendamento urbano, em matérias como a denúncia ou a oposição à renovação do contrato. 
IV – O pedido recursório de alteração de factos assentes, ainda que formulado ao abrigo do artº 712º nº1 al.a) 1ª parte C.P.Civ., por reporte à única prova documental produzida, deve expressamente mencionar os concretos pontos de facto a alterar na sentença, sob pena de tal matéria dever restar intocada no recurso.

Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República, decide-se neste Tribunal da Relação:
Julgar improcedente, por não provado, o recurso interposto, desta forma confirmando integralmente a sentença recorrida. 
Custas pelos Apelantes.

Porto, 23/II/10
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo
João Carlos Proença de Oliveira Costa

● Rec.74-08.6TBVNG.P1. Relator – Vieira e Cunha. Decisão recorrida de 26/10/2009. Adjuntos – Desembargadores Mª das Dores Eiró e Proença Costa. Acórdão do Tribunal da Relação de Porto Os Factos Recurso de apelação interposto na acção com processo comum e forma sumária nº 74/08.6TBVNG, do …º Juízo Cível de Vª Nª de Gaia. Autores – B………….. e C………… e marido D………….. Ré – E…………….. Pedido Que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento em causa nos autos e a Ré condenada no despejo imediato do arrendado, entregando-o livre de pessoas e bens aos AA. Que a Ré seja condenada a pagar aos AA. a quantia de € 884,40, acrescida das rendas vencidas até efectiva entrega do arrendado aos Autores. Subsidiariamente: Que seja decretada a não renovação do contrato e a consequente entrega do mesmo e benfeitorias aos AA., em 31/12/2010. Pedido Reconvencional Subsidiário Que os AA. sejam condenados na quantia que se liquidar em execução de sentença, relativa aos gastos e danos, tanto materiais como morais, efectuados no arrendado e ocasionados pelo despejo. Tese dos Autores Em 1/1/60 foi celebrado contrato de arrendamento entre o marido e pai da 2ª Autora mulher, na qualidade de senhorio, e a Ré, enquanto arrendatária, relativo a uma parcela de terreno de um prédio rústico, pelo prazo de três anos, com início em 1/12/59, pela renda anula de Esc. 1.800$00, a pagar ao senhorio em casa deste, no primeiro dia útil do mês anterior ao que respeitar. Ficou vedada à Ré a sublocação. A renda mensal actualmente em vigor cifra-se em € 14,74. A Ré cede, em regime de sub-locação, a outros grupos e entidades, o locado, como recinto de jogos. Desde Janeiro de 2003 que a Ré não paga pontualmente as rendas devidas, procedendo a depósitos irregulares e não liberatórios. Tal falta de pagamento é também fundamento de despejo imediato, acrescendo o fundamento relativo à sublocação. Nos termos do artº 1055º C.Civ. os AA., subsidiariamente, declaram a oposição à renovação, a ocorrer em 31/12/2010. Tese da Ré Impugna a invocada sublocação. A Ré vem depositando pontualmente as rendas, desde Janeiro de 2003, dada a recusa da 1ª Autora em receber tais rendas. Tal recusa passou a verificar-se em 16/5/2001, numa altura em que, por acordo das partes, as rendas eram pagas semestralmente. Sem conceder, a Ré procedeu ao depósito condicional das rendas reclamadas nesta acção, acrescidas da indemnização prevista no artº 1041º nº1 C.Civ., a título condicional. O disposto no artº 1101º al.c) C.Civ. impede a oposição à renovação do contrato que se efectue com antecedência inferior a cinco anos, daí que o contrato haja de renovar-se para além de 31/12/2010. Correspondendo a renovação à vontade das partes, ela impõe-se á oposição à renovação do contrato, até porque, dentro do espírito de que as partes se encontravam imbuídas, foram efectuados avultados investimentos no então prédio rústico, com a comparticipação de muitos fundos públicos. Sentença Na sentença proferida pela Mmª Juiz “a quo”, a acção foi julgada integralmente improcedente, e a Ré absolvida do pedido, por via essencialmente da não integração, face aos factos provados, dos pressupostos do artº 1038º als. a) e f) C.Civ.. Conclusões do Recurso de Apelação dos Autores (resenha): 1 – A decisão recorrida não se pronunciou sobre o mérito do pedido subsidiário – artº 469º C.P.Civ., pelo que é nula (artº 668º nº1 C.P.Civ.). 2 – Admitindo o pagamento semestral das rendas, em 1/6/01 venceu-se o 2º semestre, cujo montante apenas foi depositado em singelo em 26/7/01. 3 – A Ré depositou a 8/7/02 a quantia de € 80,34 e em 5/2703 a quantia de € 83,23, não tendo pago o 1º semestre de 2003 até 8/1/03, nem sequer depositado a renda de Janeiro até 8/1/03. 4 - Em 4/7/03, a Ré depositou € 83,23, esquecendo-se da renda vencida em 1/6/2003. 5 – Em 21/1/04, a recorrida depositou a quantia de € 86,28, em 7/7/04 depositou igual quantia de € 86,28 e, em 11/1/05, depositou € 88,44, fora do prazo de vencimento, em mora, e em quantia que calculou a seu bel prazer. 6 – Em 26/6/06, a Ré depositou € 287,43, presumindo-se respeitantes aos semestres vencidos em 1/6/05 e em 1/1/06, com indemnização legal de 50%, reconhecendo mais uma vez a sua mora. 7 – Nesse mesmo dia 26/6/06, muito depois do dia 8/6/06, a Ré depositou a quantia de € 73,70, respeitante ao 2º semestre de 2006, sem que fosse acrescida da indemnização legal de 50%, pelo menos no respeitante ao mês de Junho desse ano. 8 – De 7/12/06 até 23/1/08, a Recorrida pagou ao mês e não ao semestre, contrariando o que afirmou nos articulados e resultou provado. 9 – Em 7/2/08, a Recorrida voltou a depositar quantia superior à mensalidade da renda, ou seja, € 73,70, correspondente não ao semestre mas a 5 meses. 10 – A Ré reconheceu repetidamente a mora e não depositou as rendas em tempo, violando o disposto no artº 1038º al.a) C.Civ. 11 – Deve assim ser decretada a nulidade da sentença recorrida, por falta de conhecimento do pedido subsidiário; mas caso assim se não entenda, deve a decisão ser revogada, quanto ao pedido de resolução do contrato, o qual deve ser julgado procedente. Por contra-alegações, a Ré pugna pela manutenção do julgado, acrescentando que o depósito condicional de € 1 326,60 deve ser declarado na disponibilidade da Ré; ou então, de outra forma, os depósitos efectuados anteriormente a 17/4/08; o pedido subsidiário, ele sim, consubstancia uma pretensão sem qualquer suporte legal. Factos Considerados Provados em 1ª Instância 1 – Em 1 de Janeiro de 1960, foi celebrado um contrato de arrendamento entre o Sr. F…………., marida da primeira A. e Pai da segunda A., e o Sr. G…………, na qualidade de Presidente da Direcção e em representação da R. 2 - Por tal contrato, o primeiro deu de arrendamento à R. uma parcela de terreno com as dimensões de 52,5 m de comprimento por 25 m de largura, do prédio rústico sito no Lugar …….., Freguesia ……., concelho e comarca de V. N. de Gaia. 3 – O arrendamento teve o prazo de três anos, com início em 1 de Dezembro de 1959 e terminus em 30 de Dezembro de 1962, «considerando-se renovado por períodos sucessivos de igual tempo enquanto por qualquer das partes não houver despedida com antecipação legal». 4 – A renda anual ajustada foi de 1800$00, a pagar ao senhorio em casa deste, no primeiro dia útil do mês anterior ao que respeitar, tendo sido sucessivamente alterada, estando em vigor, actualmente, a renda mensal de 14,74 euros. 5 – O arrendado destina-se a campo de jogos e sede da R., não podendo esta dar-lhe outro destino, nem sublocá-lo. 6 - Nos termos do contrato de arrendamento, a R. ficou autorizada a fazer no terreno aí referido as obras e as benfeitorias e instalação da sua sede. 7 – O contrato referido em 1 supra, foi celebrado pelo prazo de três anos e renovou-se até à presente data, considerando-se prorrogado por períodos sucessivos de igual tempo enquanto por qualquer das partes não houver despedida com antecipação legal . 8 - A primeira renovação ocorreu em 31/12/62, para vigorar até 30/12/65. 9 – Está em vigor a 15ª renovação, cujo terminus ocorre em 30/12/2010 . 10 – A R. utiliza o recinto desportivo para a prática de desporto dos seus associados, designadamente voleibol, quer para treinos, quer para torneios ou campeonatos em que, a par dos associados da R., intervêm outros grupos ou clubes. Todas essas actividades desportivas estão dentro dos fins da R. que, para além de associação cultural e filantrópica, é também uma associação desportiva. 11 – Os clubes ou grupos que treinam com os associados da R. ou que entram em competições ou torneios em que intervém a R., eventualmente ou voluntariamente, comparticipam nas despesas da R. em consumo de água e energia eléctrica para que esta possa continuar a prosseguir os seus fins, designadamente filantrópicos, como comparticipam em despesas com inscrições em torneios organizados por aquela. 12 – A R. sempre pagou pontualmente as rendas devidas relativamente ao contrato em causa, designadamente desde Janeiro de 2003, depositando-as na Caixa Geral de Depósitos, dada a recusa da A. B…………. em recebê-las. 13 - Conforme o acordado com a A. B………….., os pagamentos passaram a fazer-se de seis em seis meses, sendo que, em 16 de Maio de 2001 foi feito o depósito do primeiro semestre de 2001, de Esc. 62.020$00. 14 – A recusa do recebimento das rendas por parte da A. B…………. verificou-se no dia 16 de Maio de 2001. 15 – Face a todos os depósitos feitos na Caixa Geral de Depósitos, todas as rendas vencidas até à presente data estão pagas, e os AA. bem o sabem, pelo conhecimento que têm dos depósitos feitos. 16 – A R. depositou na Caixa Geral de Depósitos, em 17 de Abril de 2008, a quantia de € 1 326,60, em depósito condicional à ordem dos herdeiros de F…………... 17 – Encontram-se já depositadas na Caixa Geral de Depósitos as rendas de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2008, sendo € 14,74 do mês de Janeiro, € 22,11 de Fevereiro e € 73,70 referentes a Março, Abril, Maio, Junho, Julho de 2008, no total de € 110,55. 18 – A R. manifesta, e sempre manifestou, vontade de poder satisfazer os fins para que foi constituída, onde avulta a actividade desportiva dedicada à juventude académica. Fundamentos As questões colocadas pelo presente recurso consistem em conhecer se existe nulidade no não conhecimento do pedido subsidiário dos AA. e, em caso afirmativo, suprir tal nulidade. Caso a pretensão dos AA./Recorrentes não seja atendida, então saber se a decisão deva ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a pretensão dos AA. Em qualquer dos casos, subsidiariamente, atender ao pedido reconvencional e ao que a Ré veio agora requerer em sede de contra-alegações. Apreciemos a dita matéria. I Em primeiro lugar, é forçoso constatar que a sentença recorrida, eventualmente “conduzida” pelo respectivo relatório, onde não é efectuada qualquer alusão ao pedido subsidiário, não conheceu deste mesmo pedido subsidiário, qual tenha consistido na apreciação da não renovação do contrato e consequente entrega do mesmo e benfeitorias aos AA., em 31/12/2010, por força da aplicação do disposto no artº 1055º C.Civ., na redacção do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU). A nulidade cometida (omissão de pronúncia – artº 668º nº1 al.d) 1ª parte C.P.Civ.) deve ser suprida nesta instância. Naquele citado normativo do artº 1055º estabelece-se que o senhorio se pode opor à renovação do contrato, desde que o comunique ao outro contraente com a antecedência mínima de 60 dias, quando o prazo do contrato atinge três anos, mais correctamente “de um a seis anos”. Na verdade, na cláusula 1ª do contrato, celebrado em 1 de Janeiro de 1960, estipulou-se que “o prazo de duração deste contrato é de três anos, com início no dia 1 de Dezembro de 1959 e a terminar em 30 de Dezembro de 1962, considerando-se prorrogado por períodos sucessivos de igual tempo, enquanto por qualquer das partes não houver despedida com antecipação legal”. À data da celebração do contrato vigorava o disposto na Lei nº 2030 de 22/6/48, a qual manteve, por omissão, o princípio da prorrogação forçada dos contratos instituído pela Lei nº 1662 de 4 de Setembro de 1924 para o arrendamento de prédios urbanos, no seu artº 106º (dá-nos nota Pinto Furtado, Curso, 2ª ed., 1988, pgs. 128 a 130). Ora, não há dúvida de que o objecto do contrato foi um prédio urbano, na acepção do artº 204º nº2 2ª parte C.Civ. – apesar de o contrato se referir no intróito a “parte de um prédio rústico, com área de cinquenta e dois metros e meio de comprimento por vinte e cinco metros de largura”, as cláusulas referem-se a: “instalação do campo de jogos e sede da União Académica” (cláusula 3ª), “podendo o arrendatário fazer todas as obras e instalação da sua sede” (cláusula 4ª) e “obrigando-se o arrendatário a mandar fazer uma vedação à volta do terreno” (cláusula 8ª). Aliás, encontra-se provado que o arrendado é a sede e o campo de jogos de um grupo recreativo ou desportivo, bem como o respectivo recinto de prática desportiva. Um contrato sujeito portanto, à data da respectiva conclusão, ao princípio da impossibilidade de denúncia, por parte do senhorio, ou seja, da “prorrogação forçada” a este senhorio imposta. Vista a questão à luz do NRAU (Lei nº 6/2006 de 27 de Fevereiro, que entrou em vigor em 27 de Junho de 2006 (artº 65º Lei nº 6/2006), os dados do problema não se encontram alterados. A aplicação no tempo do NRAU consta do respectivo artº 59º nº1, segundo o qual ele se aplica “aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data”, para logo excepcionar – “sem prejuízo das normas transitórias”; estas normas constam dos artºs 26º a 58º NRAU. Da conjugação dos artºs 26º, 27º e 28º dessa Lei resulta que o legislador pretendeu que aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais (assim como aos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes do RAU), anteriores ao D.-L. nº 257/95, de 30/9, não se aplique a regra da denúncia livre por parte do senhorio, a qual passou a estar prevista nos artºs 1101 al.c) C.Civ. (determina agora o normativo que tal denúncia passe a ter que efectuar-se com antecedência não inferior a cinco anos, a não ser que ocorra trespasse ou locação do estabelecimento após a entrada em vigor da referida lei ou, sendo o arrendatário uma sociedade, ocorra transmissão inter vivos de posição ou posições sociais que determine a alteração da titularidade em mais de 50% face à situação existente aquando da entrada em vigor da lei - cf. Mª Olinda Garcia, Arrendamentos para Comércio e Fins Equiparados, Coimbra Editora, 2006, pgs. 12 a 15, cit. in Ac.R.L. 29/3/07, www.dgsi.pt, pº nº 247/07-02, relator: Jorge Leal; veja-se, em sentido idêntico, Ac.R.P. 4/1/10 in www.dgsi.pt, pº nº 2432/08.7TJPRT.P1, relatora: Ana Paula Amorim). Aliás, veja-se igualmente a síntese de Castro Fraga e Cristina G. Carvalho, O Direito, 2005/11/415: aos contratos submetidos ao regime dos artºs 27º a 29º Lei nº 6/2006 “aplica-se o RAU em matéria de duração, renovação e denúncia (em termos semelhantes aos referidos no artº 26º); o NRAU (Código Civil) quanto a outras matérias, com excepção das previstas nesse mesmo capítulo: benfeitorias (no caso de cessação do contrato – artº 29º), a actualização de rendas (secção II) e a transmissão (secção III). O mesmo reafirma Meneses Leitão, Arrendamento Urbano, 3ª ed., pgs. 131 e 132, que acrescenta: “verifica-se assim que, embora não assumidamente, o legislador mantém em vigor os antigos regimes, relativamente aos contratos celebrados à sua sombra (…); as disposições transitórias acabam por funcionar como não tocando nos anteriores regimes do arrendamento urbano”. Haverá assim por força de se concluir que, ao contrato dos autos, não é aplicável o disposto acerca da oposição à renovação, prevista no artº 1055º C.Civ., na redacção de 2006. Não possui assim viabilidade a pretensão subsidiária formulada, embora haja que sublinhar o seguinte, quanto à questão, por vezes difícil, da aplicação das leis no tempo. O artº 12º nºs 1 e 2 C.Civ. obedece ao sistema disjuntivo de Enneccerus-Nipperdey, o qual distingue duas categorias de normas: aquelas que regulam factos e aquelas que regulam direitos (neste sentido, Baptista Machado, Sobre a Aplicação no Tempo do Novo Código Civil, pg.354 – “nº1 – a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular; nº2 – quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor”). No primeiro caso, normas que regulam factos, incluem-se as leis (ou normas) que determinam os efeitos dos factos, as suas consequências jurídicas, englobando os efeitos constitutivos dos factos; no segundo caso, normas que regulam direitos, estão as leis que se reportam a direitos, independentemente dos respectivos factos constitutivos. Em caso de dúvida, as primeiras normas só valem para futuro (artº 12º nº2 1ª parte); as segundas abrangem as próprias situações jurídicas já existentes, podendo modificar ou até suprimir o respectivo conteúdo. Fundamental será, por força do princípio da não retroactividade, evitar a valoração ex novo de factos passados, cujos efeitos se fixaram ou cristalizaram (B. Machado, op. cit., pg. 326). Daí que a 2ª parte do nº1 do artº 12º autonomize as situações jurídicas já constituídas aquando da entrada em vigor da lei nova, determinando que, mesmo que a esta seja atribuída eficácia retroactiva, presumem-se ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que se destina a regular (cf. Ac.R.P. 4/5/95 Col.III/198, aresto de onde se retiram as citações do Autor supra). “Na lógica do nº2 do artº 12º C.Civ. está que os efeitos que se vão destacando do conteúdo de uma situação jurídica, por força da verificação de certos factos, devem ser olhados como efeitos desses factos”; “como esses efeitos se vão traduzir na constituição, modificação ou extinção de uma situação jurídica, as normas que se lhes referem seriam sempre abrangidas pela regra da 1ª parte do nº2 do artº 12º” (B. Machado, op. cit., pg. 359). Todavia, e para abreviar, no caso dos autos, a pretensão formulada subsidiariamente apenas poderá ser feita valer em juízo se observado o disposto nos artºs 26º nº4 e 28º Lei 6/2006 de 27/2, aplicável por disposição expressa da lei aos contratos não habitacionais, com natureza vinculística, de pretérito, facto que, valha a verdade, sobremaneira restringirá, mesmo para futuro e neste caso concreto, a possibilidade de “oposição à renovação” ou a possibilidade de “denúncia” do contrato. II E quanto à pretensão principal, ou seja, a decorrente do não pagamento de rendas, ou da mora da Ré em tal pagamento? Em primeiro lugar, constatar que a matéria de facto provada diz o contrário daquilo que é pretendido pelos AA. – cf. factos supra enumerados de 12 a 15. É certo que esta instância pode alterar a matéria de facto, com base no disposto no artº 712º nº1 al.a) 1ª parte C.P.Civ., desde que se encontre perante os mesmos elementos de prova com que se confrontou o Tribunal da 1.ª instância. É o que sucede quando a prova produzida assenta apenas em documentos, como no caso dos presentes autos, e na resposta concreta aos pontos de facto referidos 12 a 15 (só em quadro como este e semelhantes é que o Tribunal da Relação está perante os mesmos elementos probatórios que estiveram presentes no Tribunal da 1.ª instância - cf. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma, II/pg. 252). Todavia, e desde logo, em primeiro lugar, os Autores não recorrem, como lhes competia, da matéria de facto fixada, pedindo agora a sua alteração – limitam-se a efectuar uma interpretação diferente dos documentos juntos aos autos, com relação à interpretação efectuada na sentença recorrida. Cabia-lhes ir mais longe. Não vemos assim como alterar os factos assentes sob 12 a 15, constantes da sentença recorrida (cf. supra, no acórdão). Todavia, uma tal discussão assume alguma falta de interesse à face do depósito efectuado nos autos, correspondente à quantia reclamada a título de rendas em atraso e indemnização que lhe acresce, nos termos dos artºs 1041º nº1 e 1048º nº1 C.Civ. Um tal comportamento da Ré e depósito fazem caducar o direito à resolução do contrato, por falta de pagamento da renda, nos termos do já citado artº 1048º nº1. Por isso, também pela via principal, a pretensão dos Autores não pode obter procedência. Quanto à questão da devolução do montante do depósito condicional à Ré, a questão deverá ser suscitada por requerimento, em 1ª instância, uma vez que não integra objecto do recurso, conhecimento pelo qual nos encontramos limitados. A fundamentação poderá ser resumida desta forma: I – A aplicação no tempo do NRAU consta do respectivo artº 59º nº1, segundo o qual ele se aplica “aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo das normas transitórias”; estas normas constam dos artºs 26º a 58º NRAU. II - Da conjugação dos artºs 26º, 27º e 28º dessa Lei resulta que o legislador pretendeu que aos contratos de arrendamento para fins não habitacionais (assim como aos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes do RAU), anteriores ao D.-L. nº 257/95, de 30/9, não se aplique a regra da denúncia livre por parte do senhorio. III – Desta forma, o legislador manteve em vigor os antigos regimes, relativamente aos contratos celebrados à sua sombra; as disposições transitórias acabam por funcionar como não tocando nos anteriores regimes do arrendamento urbano, em matérias como a denúncia ou a oposição à renovação do contrato. IV – O pedido recursório de alteração de factos assentes, ainda que formulado ao abrigo do artº 712º nº1 al.a) 1ª parte C.P.Civ., por reporte à única prova documental produzida, deve expressamente mencionar os concretos pontos de facto a alterar na sentença, sob pena de tal matéria dever restar intocada no recurso. Com os poderes conferidos pelo disposto no artº 202º nº1 da Constituição da República, decide-se neste Tribunal da Relação: Julgar improcedente, por não provado, o recurso interposto, desta forma confirmando integralmente a sentença recorrida. Custas pelos Apelantes. Porto, 23/II/10 José Manuel Cabrita Vieira e Cunha Maria das Dores Eiró de Araújo João Carlos Proença de Oliveira Costa