I - É a lei em vigor ao tempo da conclusão do contrato de arrendamento urbano para fins habitacionais e não habitacionais que regula as condições da validade substancial e o potencial dos seus efeitos. II - Quanto aos efeitos jurídicos do contrato que se traduzem em situações duradouras, respeitam-se os efeitos já produzidos sob o domínio da lei antiga e os efeitos futuros passam a reger-se pelos preceitos imperativos do NRAU, pelos seus preceitos supletivos, mas apenas quando não forem de sentido oposto ao de norma supletiva da lei vigente ao tempo da celebração do contrato, caso em que é esta a norma aplicável; e pelos preceitos resultantes das normas transitórias (arts. 26º a 58º e 59º nº 2 do NRAU).
Comodato-Proc. 2432-08.7TJPRT.P1- 1292-09-TRP Trib Jud Porto-.ºJ-.ª secção Proc. 2432-08.7TJPRT Proc. 1292-TRP Relator: Ana Paula Pereira Amorim 1ºAdjunto: Dr. José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira 2ºAdjunto: Dr. António Mendes Coelho Data do Acórdão: 04.01.2010 SUMÁRIO (art. 713º/7 CPC): I. Na distinção entre contrato de comodato e contrato de aluguer destacam-se dois aspectos: > o comodato é um contrato de natureza real, enquanto que o contrato de aluguer é um contrato de natureza obrigacional que se aperfeiçoa e completa com a mera assunção pelo locador da obrigação de proporcionar o gozo da coisa; > o comodato é um contrato gratuito, por natureza, sem prejuízo da estipulação de clausulas modais e o contrato de aluguer é sempre um contrato oneroso ( Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, pag. 76 ). II. O traço distintivo deve ser procurado através da interpretação do contrato, por forma a fixar-se o real intento negocial: se o de obter propriamente a frutificação ou rendimento do bem, caso em que haverá locação; se, antes, o de liberalidade, embora associada à satisfação modal de um interesse próprio do concedente, em que haverá comodato.” (ob. cit., pag. 77) III. O contrato reduzido a escrito e denominado “Comodato” no qual as partes acordam a cedência de um espaço para ser utilizado para o comércio de flores, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal certa e fixa devida pela utilização desse espaço, tem a natureza de um contrato de arrendamento para o exercício do comércio. IV. Por efeito do art. 1037º/1 CC, no local arrendado, o senhorio está obrigado a repor as instalações de água e energia eléctrica que cortou. Porto, 04 de Janeiro de 2010 Ana Paula Pereira Amorim _______________________________ Comodato-Proc. 2432-08.7TJPRT.P1- 1292-09-TRP Trib Jud Porto-.ºJ-.ª secção Proc. 2432-08.7TJPRT Proc. 1292-TRP Relator: Ana Paula Pereira Amorim 1ºAdjunto: Dr. José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira 2ºAdjunto: Dr. António Mendes Coelho* * *Acordam neste Tribunal da Relação do Porto I. Relatório Na presente acção que segue a forma de processo prevista no DL 108/2006 em que figuram como: - AUTORA: Freguesia ………., representada pelo Presidente da Junta de Freguesia, com domicílio na Rua ………., …, ….-… Porto; e - RÉ: B………. com domicílio na Rua ………., …, ….-… Porto pede a Autora: - que seja dado sem efeito o contrato de comodato e condenada a Ré a entregar à Autora, com efeitos imediatos, o anexo que ocupa no Cemitério ……….; - a condenação da Ré a pagar à Autora uma indemnização diária de € 100,00 por cada dia em que não entregue à Autora o aludido anexo; - a condenação da Ré a pagar à Autora uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do nº4 do art. 829º-A CPC. Alega para o efeito que em 02 de Maio de 2000 na qualidade de proprietária do cemitério ………. celebrou com a Ré um contrato de comodato, de acordo com o qual cedeu à Ré um espaço no cemitério, para venda de flores. Mais refere que necessita do espaço em causa para reorganizar os serviços do cemitério e por esse motivo em 10 de Abril de 2007 comunicou à Ré a intenção de não renovar o contrato em causa e solicitou a entrega do espaço até 30 de Setembro de 2007, o que não veio a acontecer, motivo pelo qual se justifica a acção.-Citada a Ré contestou defendendo-se por excepção e por impugnação. Invoca a ineptidão da petição, nos termos do art. 193º/2 a) CPC, por se mostrar algo confuso o pedido formulado, atenta a causa de pedir, pois pede que se julgue sem efeito o contrato, mas indica como fundamento a revogação do contrato de comodato. Mais refere que celebrou com a Ré o contrato a que se alude na petição, o qual apesar de referenciado como contrato de comodato, sempre revestiu as características de um contrato de arrendamento, procedendo a Ré ao pagamento de uma renda mensal até 2006. Nesta data a Autora recusou-se a receber a renda e por esse motivo a Ré passou a proceder ao depósito numa conta na C………. . Alega, ainda, que os valores pagos pela Ré nunca foram calculados em função dos gastos de electricidade, água ou serviços de vigilância. A contrapartida pela utilização da casa da florista existente no Cemitério ………. foi sempre calculada num montante mensal fixo e alterado anualmente. Refere, ainda, que no contrato celebrado as partes convencionaram atribuir o direito de preferência à Ré e por diversas vezes a Ré solicitou a celebração do contrato, o que nunca veio a acontecer. A partir de Junho de 2006 a Autora privou a Ré de água e electricidade, obrigando a Ré socorrer-se de meios alternativos para obter esses bens essenciais. Considera, ainda, que a Ré não tinha que entregar as instalações porque a Autora não cumpriu o contrato. Em reconvenção a Ré formula os seguintes pedidos: - a qualificação do contrato existente entre Autora e Ré como contrato de arrendamento; - a condenação da Autora a reconhecer esse contrato de arrendamento; - a condenação da Autora a pagar à Ré, uma indemnização de € 5.000,00 por danos morais; - a condenação da Autora a restabelecer imediatamente o abastecimento de energia eléctrica e água às instalações do anexo ocupado pela Ré; - a condenação da Autora como litigante de má fé, nos termos do art. 456º do CPC, em multa e indemnização à Ré, em montante a fixar a final. Reconduz os fundamento da reconvenção aos fundamentos da contestação e refere, ainda, que independentemente da qualificação do contrato, pelo facto de mandar suspender os fornecimentos de água e electricidade a Autora incorre em responsabilidade, calculando a indemnização a título de danos morais em € 5 000,00. Por fim, pede a condenação da Autora, como litigante de má-fé.-Na Resposta à Contestação a Autora mantém a posição inicial, referindo ainda, que as quantias pagas pela Ré, respeitavam à contrapartida pelos serviços prestados pela Autora.-Proferiu-se despacho que rectificou o valor da causa.-Realizou-se o julgamento e proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve: “1. Julgo improcedente, por não provada, a presente acção e, nesta conformidade, dela absolvo a Ré, B………., do pedido. 2. Julgo improcedente a excepção dilatória da ineptidão da petição inicial. 3. Julgo procedente, por provada, a reconvenção e, em consequência, condeno a Autora “Junta de Freguesia ………": - a reconhecer que o contrato junto aos autos a fls. 7 e 8 é um contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais, com prazo certo; - a restabelecer imediatamente o fornecimento de água e de luz à Ré; - a pagar à Ré a quantia de € 2 4493,99 a título de danos não patrimoniais. “-A Autora veio interpor recurso da sentença. -Nas alegações que apresentou a Autora-recorrente formulou as seguintes conclusões: “- A. e R. pretenderam, efectivamente, outorgar um contrato de comodato, nos precisos termos que constam do que se encontra junto aos Autos, estabelecendo, até que, perante casos omissos, submetiam o mesmo às regras do comodato; - A A. nunca poderia outorgar um contrato de arrendamento relativamente a um anexo que faz parte integrante do cemitério ………., integrado no domínio público, com acesso condicionado aos horários de funcionamento daquele equipamento; - O Contrato celebrado é um verdadeiro contrato de comodato, tendo a R. utilizado as instalações identificadas no mesmo nos precisos termos que constam do mesmo; - Em qualquer caso, a entender-se que estamos perante um contrato de arrendamento, isso não determina que a A. fique obrigada ao fornecimento de água e luz, antes competindo à R outorgar com as entidades fornecedoras de tais bens, os correspondentes contratos; - Nunca a A. se obrigou a fornecer energia eléctrica á R. “ A Autora termina por pedir o provimento do recurso e que se julgue procedente o pedido formulado na acção, condenando-se a Ré no pedido.- Não foram apresentadas contra-alegações.-O recurso foi admitido como recurso de apelação.-Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.-II. Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 685º- A CPC. As questões a decidir consistem em saber: - se entre Autora e Ré foi celebrado um contrato de comodato ou um contrato de arrendamento; - se admitindo que foi celebrado um contrato de arrendamento, o senhorio-Autora está obrigado a fornecer água e energia eléctrica.-2. Os factos Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância: 1 - A A. é dona do Cemitério ………., do qual faz parte um anexo, que, ao longo dos anos, tem servido para a venda de flores, primeiro pelo irmão da Ré e pela mãe da mesma, D………. (cfr. contrato, denominado "contrato-promessa de arrendamento" junto a fls. 5 e 6, aqui dado por integralmente reproduzido). 2 - Por contrato denominado "contrato de comodato", outorgado entre as partes, em 2 de Maio de 2000, a A. cedeu à Ré o gozo do anexo em causa, para venda de flores (cfr. documento junto a fls. 7 e 8, aqui dado por integralmente reproduzido). 3 - Daquele contrato constam, entre outras, as seguintes cláusulas: - cláusula 2ª: "o primeiro outorgante cede gratuitamente, à segunda, pelo período de cinco anos, o referido espaço, para que aí exerça ...a actividade de florista ...": - cláusula 4ª: "Complementarmente e porque o fornecimento dos serviços de vigilância e segurança, de limpeza local e do fornecimento de água incumbem à 1ª outorgante, a 2ª liquidar-Ihe-á, pela prestação de tais serviços, o valor mensal de 12.500$00 actualizáveis anualmente de 15% sobre o valor do ano antecedente: - cláusula 5ª: "O contrato será automaticamente renovado por períodos de um ano ...salvo se o primeiro outorgante, por carta registada, com aviso de recepção e aviso prévio de 6 meses em relação ao termo, decidir em contrário ...". 4 - Em 10/04/2007, a A. enviou uma carta registada à Ré e por esta recepcionada a 13/04/2007, comunicando-lhe que não procederam à renovação do contrato em causa e pedindo a entrega do espaço (anexo) até 30/07/2009 (cfr. doc. junto a fls. 9/10, aqui dado por inteiramente reproduzido). 5 - A Ré não entregou o aludido espaço, ali mantendo a sua actividade comercial. 6 - A Ré respondeu à missiva aludida em 4º, através de carta datada de 25/05/2007 (cfr. doc. junto a fls. 72, aqui dado por inteiramente reproduzido). 7 - Dou por inteiramente reproduzidos os recibos, emitidos pela Junta de Freguesia ………., juntos aos autos a fls, 38 a 45 e 47 a 57, os quais contêm, entre outras, as seguintes menções, "renda da florista referente...”: “Diferença do aumento de renda da florista dos meses de ...” 8 - Dou por integralmente reproduzida a carta junta a fls. 46. 9 - Em 2006, a A. recusou-se a receber a renda, pelo que a R. passou a depositar condicionalmente a renda na conta nº …………. da C………. (cfr. documentos juntos a fls. 58 a 71, aqui dados por inteiramente reproduzidos). 10 - Os valores pagos pela R. à A. foram entre elas negociados como contrapartida pela utilização da «casa da florista» existente no cemitério ………., num montante mensal fixo e apenas alterado anualmente. 11 - O que sempre aconteceu, mercê dos vários e sucessivos contratos de arrendamento celebrados com a família da R., designadamente o supra referido no art. 1º. 12 - A A. nunca entregou à Ré qualquer factura correspondente aos seus gastos de energia ou de água. 13 - O fornecimento de água e de luz era feito pelo interior do edifício que a A. tem no cemitério ………. . 14 - A A. enviou à Ré a carta, junta em audiência de discussão e de julgamento, datada de 12/07/2006, onde pede a entrega do espaço, porque deseja que o mesmo esteja livre, para se efectuar um concurso de ocupação, através da apresentação de propostas. 15 - Em Junho de 2006, a A., através de dois homens que, com o argumento de que estavam a reparar uma avaria, entraram no estabelecimento de venda de flores para localizarem as paredes onde estavam instaladas as ligações de água e luz, cortou o fornecimento de água e luz. 16 - Desde então, a Ré, para continuar a exercer a sua actividade profissional, viu-se obrigada a transportar diariamente garrafões e bidões de água, ou a socorrer-se de terceiros, para manter limpas as instalações que ocupa, bem como a utilizar formas alternativas de iluminação (Este facto foi provado com o esclarecimento de que a Ré se viu obrigada a socorrer-se de terceiros para os fins atrás referidos). 17 - A Ré tem 68 anos de idade.-3. O direito A apelante não impugna a matéria de facto, pois não questiona a relação dos factos dada como assente na primeira instância. Como tal, têm-se tais factos como pacíficos, já que também se não vê razão para a modificabilidade da decisão da matéria de facto ao abrigo do disposto no artº 712º do CPC (cfr. artº 713º, nº6, do CPC). Impõe-se, por isso, passar à apreciação das questões suscitadas nas conclusões da apelação. -- Da natureza do contrato celebrado entre Autora e Ré – No domínio das obrigações vigora o princípio da liberdade contratual, podendo as partes fixar livremente o conteúdo dos contratos – art. 405º CC. O contrato de comodato e o contrato de aluguer constituem contratos tipificados no Código Civil, representando o contrato de arrendamento, uma sub-espécie do contrato de aluguer cujo tratamento jurídico não se mostra limitado ao Código Civil (Novo Regime do Arrendamento Urbano; Arrendamento Rural). O comodato, previsto no art. 1129º CC, consiste no: “contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir.” O Código Civil prevê o comodato de coisas móveis e imóveis, consistindo o comodato de coisas imóveis na utilização gratuita de um prédio, com a obrigação de a restituir. Sendo um contrato gratuito caracteriza-se pelo facto de não existir a cargo do comodatário, prestações que constituam o equivalente ou o correspectivo da atribuição efectuada pelo comodante (Galvão Teles “Direito das Obrigações”, pag. 66). Refere a este propósito Pires de Lima e Antunes Varela que: “Se, em troca do uso da coisa, o contraente, que a recebe, promete alguma prestação, o contrato deixa de ser comodato e passa a ser de arrendamento, de aluguer ou um contrato atípico, consoante os casos.” (Código Civil, vol. II, pag. 661). Outra nota característica do contrato de comodato consiste no facto do comodante proceder à entrega da coisa – contrato de natureza real – para que o comodatário se sirva dela e a restitua seguidamente. Contudo, o facto de ser um contrato gratuito, não impede que o comodante imponha ao comodatário certos encargos e como refere Pires de Lima e Antunes Varela: “… os encargos não atribuem natureza correspectiva às prestações; apenas limitam o direito conferido gratuitamente. (…) O que é necessário é que o encargo não seja de tal valor que faça desaparecer o benefício do comodatário, como razão determinante do contrato (ob. cit., pag. 661). A respeito da distinção entre comodato e contrato de aluguer Pinto Furtado destaca dois aspectos: - o comodato é um contrato de natureza real, enquanto que o contrato de aluguer é um contrato de natureza obrigacional que se aperfeiçoa e completa com a mera assunção pelo locador da obrigação de proporcionar o gozo da coisa; - o comodato é um contrato gratuito, por natureza, sem prejuízo da estipulação de clausulas modais e o contrato de aluguer é sempre um contrato oneroso (Manual do Arrendamento Urbano, pag. 76). Analisando mais detalhadamente a natureza do “comodato modal” refere ainda, o Professor Pinto Furtado: “A estipulação de um modo, como ressalta do disposto no art. 963º CC, não retira ao acto, porém, o seu carácter gratuito. Pode, este, assim, sem se descaracterizar, servir também para satisfazer um interesse próprio do concedente, não se levantando obstáculos a que, como modo ou encargo se venha a impor ao accipiens a realização de uma prestação qualquer. Naturalmente, é portanto o comodato modal que mais se aproxima da locação e a ela mais se assemelha, visto que, sem deixar de ser gratuito, com o modo surge algo que poderá parecer-se extraordinariamente com uma retribuição locativa. (…) A susceptibilidade de confusão entre a locação e o comodato ainda mais se adensa, porém, se neste for previsto um modo constituído por somas em dinheiro ou outras prestações que normalmente são utilizadas como renda. (…) O traço distintivo deve ser procurado através da interpretação do contrato, por forma a fixar-se o real intento negocial: se o de obter propriamente a frutificação ou rendimento do bem, caso em que haverá locação; se, antes, o de liberalidade, embora associada à satisfação modal de um interesse próprio do concedente, em que haverá comodato.” (ob. cit., pag. 77). O contrato de arrendamento constitui uma sub-espécie do contrato de aluguer – art. 1023º CC. Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição (art. 1022º CC). Constituem notas típicas do contrato a cedência do gozo de uma coisa, com carácter temporário e mediante retribuição. A cedência do gozo da coisa executa-se através da entrega da coisa locada de forma a assegurar o gozo da coisa para os fins a que se destina. O contrato de locação é sempre um contrato oneroso (neste sentido Pinto Furtado, ob cit. pag. 30 e Menezes Leitão “Arrendamento Urbano”, pag. 7-18). O regime jurídico do arrendamento urbano rege-se pela Lei 6/2006 de 27/02 e pelas normas do Código Civil, com as especialidades contidas nas normas transitórias, mas na sua essência mantém os traços que caracterizam o contrato de locação. Na situação concreta, ponderando os factos provados, conclui-se que entre Autora e Ré foi celebrado um contrato de arrendamento. Da conjugação dos factos resulta que o espaço em causa, situado no Cemitério ………. sempre foi utilizado para comércio de flores, pela Ré, desde Maio de 2000 e anteriormente pelos seus familiares, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal certa (ponto 7, 10, 11 dos factos provados). No acordo celebrado e reduzido a escrito estabeleceu-se um prazo para a duração do contrato e o fim para o qual foi cedido o espaço – comércio de flores (ponto 2 e 3 dos factos provados). Contudo, apesar da cláusula constante do contrato, no sentido de fixar uma quantia a pagar pela Ré à Autora, pela prestação dos serviços de limpeza, vigilância e segurança, bem como, fornecimento de água, o certo é que a Ré passou a pagar uma contrapartida mensal fixa mediante acordo entre Autora e Ré, pela utilização da “casa da florista”. A quantia acordada não surge como um encargo na cedência do imóvel, mas como contrapartida pelo gozo e fruição do anexo (ponto 10 dos factos provados). Por outro lado, a Autora não logrou provar que procedeu á liquidação dos valores enunciados no contrato, a título de pagamento dos serviços prestados. Neste contexto, face a um declaratário normal, colocado na posição da Ré, apenas podia deduzir-se do comportamento da Autora o propósito de celebrar um contrato de arrendamento do anexo, quando além do mais não era desconhecido da Autora a real intenção e vontade da Ré, pois já anteriormente tinha cedido o espaço à família e para o mesmo fim, mediante a celebração de um contrato de arrendamento (art. 236º/ 1 /2 CC). Daí que a clausula introduzida na parte final do contrato reduzido a escrito, não mereça qualquer relevância, no sentido de constituir uma manifestação da vontade das partes, porque a Autora e a Ré nunca agiram no convencimento de celebrarem um contrato de comodato, com encargos. Resulta dos factos provados que as partes agiram como se de um contrato de arrendamento se tratasse, pois a Ré passou a ocupar o local, para exercício da actividade que se propunha exercer e mediante o pagamento mensal de uma renda que sempre pagou, o que configura os elementos típicos do contrato de arrendamento. O facto do contrato ter por objecto a parcela de um prédio, que se integra no domínio público do Estado, não altera a natureza do bem, nem impede que o mesmo seja objecto de arrendamento a entidades privadas. Com efeito, a Lei das Autarquias Locais – DL 116/84 de 06/04 – atribui à Junta de Freguesia poderes para prover à administração corrente do património da freguesia e à sua conservação (art. 27º/1 h)). Constituem actos de administração corrente a celebração de contratos de arrendamento de prédios rústicos ou urbanos (António Francisco de Sousa “Direito Administrativo das Autarquias Locais). A Autora para além de ter legitimidade para dar de arrendamento, na qualidade de proprietária do imóvel, também tem capacidade jurídica para o fazer. Acresce referir que não resulta dos factos provados que o acesso ao espaço está condicionado pelos horários de abertura e encerramento do cemitério. Os factos apurados não permitem qualificar o contrato como contrato de mandado, com encargos, pelo que, nesta parte não merece provimento a primeira, segunda e terceira conclusões do recurso.-- Da obrigação de fornecer água e energia eléctrica – O NRAU – Lei 06/2006 de 27/02 – entrou em vigor em 27 de Junho de 2006. O art. 59º/1 do citado diploma, sob a epígrafe “Aplicação no Tempo”, passou a dispor: “O novo regime do arrendamento urbano aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como ás relações contratuais constituídas que subsistam dessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.” O nº3 do mesmo preceito prevê: “As normas supletivas contidas no novo regime do arrendamento urbano só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável.” O art. 60º determina, ainda: “É revogado o Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL 321-B/90 de 15/10, com todas as alterações subsequentes, salvo nas matérias a que se referem os artigos 26º e 28º da presente lei.” A nova lei estabeleceu um conjunto de normas transitórias considerando o facto da existência de contratos celebrados ao abrigo do RAU e celebrados antes da entrada em vigor do RAU. Maria Olinda Garcia refere a este respeito, que para proceder à exacta delimitação do regime aplicável aos arrendamentos vigentes à data da entrada em vigor do novo regime deverá atender-se à distinção feita pelo nº2 do art. 12º do Código Civil. Refere, ainda, que: “… as normas da nova lei que dispõem sobre condições de validade substancial ou formal do arrendamento não devem ter aplicação retroactiva, continuando, portanto, essa matéria a ser disciplinada pela lei vigente à data da celebração do contrato. Pelo contrário, as normas que dispõem directamente sobre o conteúdo da relação de arrendamento abrangem as relações já constituídas, tendo, portanto, aplicação imediata.” (A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, pag. 51). A propósito desta matéria Cunha de Sá e Leonor Coutinho referem que: “Os arrendamentos urbanos de pretérito que subsistam à data da entrada em vigor do NRAU são por ele abrangidos, nos termos estabelecidos pelos art. 59º/1 e 26º e seguintes, epigrafados “normas transitórias”. Uma vez que o arrendamento se traduz numa situação duradoura, o NRAU respeita o passado decorrido sob a égide da lei antiga e para o futuro abrange na sua disciplina, em termos específicos, os efeitos que se vierem a produzir após a sua entrada em vigor. “ Esses termos específicos são estabelecidos pelo NRAU tendo em atenção a espécie do contrato e a data da sua celebração.” (Arrendamento 2006- Nova Lei, pag. 61-62). Concretizando esta posição e em anotação ao art. 59º do NRAU os citados autores referem: “Conjugando todos os preceitos do NRAU que se relacionam com a sucessão das leis durante a vigência dos arrendamentos urbanos, para fins habitacionais e não habitacionais, que subsistam à data da entrada em vigor do NRAU, temos o seguinte quadro: - é a lei em vigor ao tempo da conclusão do contrato que regula as condições da validade substancial e o potencial dos seus efeitos; - quanto aos efeitos jurídicos do contrato que se traduzem em situações duradouras, respeitam-se os efeitos já produzidos sob o domínio da lei antiga e os efeitos futuros passam a reger-se: > pelos preceitos imperativos do NRAU; > pelos preceitos supletivos do NRAU, mas apenas quando não forem de sentido oposto ao de norma supletiva da lei vigente ao tempo da celebração do contrato, caso em que é esta a norma aplicável; > pelos preceitos resultantes das normas transitórias do NRAU (artigos 26º a 58º, 59º/2), a saber: (…) contratos sem duração limitada - transmissão por morte do arrendatário – contrato para habitação: art. 26º/2, 28º e 57ºdo NRAU; (…) - denúncia pelo senhorio – arrendamentos para habitação: > art. 26º/4/5, art. 28º do NRAU; > art. 1101º a 1104º do CC; > art. 107º do RAU” .(ob. cit., pag. 111). No caso concreto, o contrato foi celebrado em Maio de 2000, portanto em data anterior à entrada em vigor do novo regime do arrendamento. Contudo, os factos imputados ao senhorio, a título de incumprimento do contrato ocorrem em Junho de 2006, em data não concretamente apurada e desenvolvem-se também ao abrigo da nova lei, pois da matéria de facto apurada resulta que mantém-se a privação de abastecimento de água e electricidade. Cumpre aplicar o novo regime jurídico, já que os factos desenvolvem-se também ao abrigo da nova lei e sobre tal matéria, não existem normas transitórias que tutelem o direito invocado. Recai sobre o locador o dever de proporcionar ao arrendatário o gozo temporário da coisa para o fim a que ela se destina – art. 1031º/b) CC. Esta obrigação, como já se referiu, executa-se através de duas prestações distintas: - a da entrega da coisa locada; e - a de assegurar o gozo da coisa para os fins a que se destina. A segunda prestação impõe fundamentalmente ao locador a obrigação passiva de não perturbar o exercício desse aproveitamento (Pinto Furtado, ob. cit., pag. 33). Tal obrigação decorre expressamente do art. 1037º/1 CC onde se dispõe: “Não obstante convenção em contrário, o locador não pode praticar actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário, com excepção dos que a lei ou os usos facultem ou o próprio locatário consinta em cada caso.” Entre as excepções conta-se a prevista na alínea b) e e) do mesmo preceito. Apurou-se que em Junho de 2006, a Autora, através de dois homens, com o argumento de que estavam a reparar uma avaria, entraram no estabelecimento de venda de flores para localizarem as paredes onde estavam instaladas as ligações de água e luz e cortaram o fornecimento de água e luz (ponto 15 dos factos provados). Perante tal situação a Autora ficou impedida de usar a água da rede pública, ou seja, a Autora causou obstáculos ao uso e fruição do local arrendado, pois o consumo de água nesse espaço mostra-se necessário para regar as plantas e flores expostos para venda. A Autora não logrou provar que a Ré possui abastecimento de energia eléctrica. Por outro lado, não se verifica qualquer situação de excepção que dispense o senhorio desta obrigação, pois destinando-se o espaço ao exercício do comércio tem que dispor de um sistema de ligações que lhe permita usufruir de rede de abastecimento de água e electricidade. Na sentença proferida no Tribunal “a quo” condenou-se a Ré a “restabelecer o fornecimento de água e electricidade”. A Autora insurge-se contra a decisão, por considerar que na qualidade de senhorio não está obrigada ao fornecimento de água e energia eléctrica, competindo à Ré outorgar com as entidades abastecedores os respectivos contratos. Contudo, não foram esses os termos da decisão, na medida em que se limitou a ordenar o restabelecimento da instalação eléctrica e da rede de abastecimento de água, no estado em que se encontrava na data em que ocorreram os factos que determinaram a cessação desses fornecimentos. Trata-se, pois de repor as instalações, já que nos autos nunca se discutiu quem suportava os custos do abastecimento de água e energia eléctrica. Não merecem provimento a quarta e quinta conclusões de recurso da apelante.-Nos termos do art. 446º/1/2 CPC as custas, são suportadas pelo recorrente. -III. Decisão: Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e não conceder provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.-Custas pelo recorrente.-Notifique.* Porto, 04 de Janeiro de 2010 (processei e revi – art. 138º/5 CPC) Ana Paula Pereira de Amorim José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira António Manuel Mendes Coelho
Comodato-Proc. 2432-08.7TJPRT.P1- 1292-09-TRP Trib Jud Porto-.ºJ-.ª secção Proc. 2432-08.7TJPRT Proc. 1292-TRP Relator: Ana Paula Pereira Amorim 1ºAdjunto: Dr. José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira 2ºAdjunto: Dr. António Mendes Coelho Data do Acórdão: 04.01.2010 SUMÁRIO (art. 713º/7 CPC): I. Na distinção entre contrato de comodato e contrato de aluguer destacam-se dois aspectos: > o comodato é um contrato de natureza real, enquanto que o contrato de aluguer é um contrato de natureza obrigacional que se aperfeiçoa e completa com a mera assunção pelo locador da obrigação de proporcionar o gozo da coisa; > o comodato é um contrato gratuito, por natureza, sem prejuízo da estipulação de clausulas modais e o contrato de aluguer é sempre um contrato oneroso ( Pinto Furtado, Manual do Arrendamento Urbano, pag. 76 ). II. O traço distintivo deve ser procurado através da interpretação do contrato, por forma a fixar-se o real intento negocial: se o de obter propriamente a frutificação ou rendimento do bem, caso em que haverá locação; se, antes, o de liberalidade, embora associada à satisfação modal de um interesse próprio do concedente, em que haverá comodato.” (ob. cit., pag. 77) III. O contrato reduzido a escrito e denominado “Comodato” no qual as partes acordam a cedência de um espaço para ser utilizado para o comércio de flores, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal certa e fixa devida pela utilização desse espaço, tem a natureza de um contrato de arrendamento para o exercício do comércio. IV. Por efeito do art. 1037º/1 CC, no local arrendado, o senhorio está obrigado a repor as instalações de água e energia eléctrica que cortou. Porto, 04 de Janeiro de 2010 Ana Paula Pereira Amorim _______________________________ Comodato-Proc. 2432-08.7TJPRT.P1- 1292-09-TRP Trib Jud Porto-.ºJ-.ª secção Proc. 2432-08.7TJPRT Proc. 1292-TRP Relator: Ana Paula Pereira Amorim 1ºAdjunto: Dr. José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira 2ºAdjunto: Dr. António Mendes Coelho* * *Acordam neste Tribunal da Relação do Porto I. Relatório Na presente acção que segue a forma de processo prevista no DL 108/2006 em que figuram como: - AUTORA: Freguesia ………., representada pelo Presidente da Junta de Freguesia, com domicílio na Rua ………., …, ….-… Porto; e - RÉ: B………. com domicílio na Rua ………., …, ….-… Porto pede a Autora: - que seja dado sem efeito o contrato de comodato e condenada a Ré a entregar à Autora, com efeitos imediatos, o anexo que ocupa no Cemitério ……….; - a condenação da Ré a pagar à Autora uma indemnização diária de € 100,00 por cada dia em que não entregue à Autora o aludido anexo; - a condenação da Ré a pagar à Autora uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do nº4 do art. 829º-A CPC. Alega para o efeito que em 02 de Maio de 2000 na qualidade de proprietária do cemitério ………. celebrou com a Ré um contrato de comodato, de acordo com o qual cedeu à Ré um espaço no cemitério, para venda de flores. Mais refere que necessita do espaço em causa para reorganizar os serviços do cemitério e por esse motivo em 10 de Abril de 2007 comunicou à Ré a intenção de não renovar o contrato em causa e solicitou a entrega do espaço até 30 de Setembro de 2007, o que não veio a acontecer, motivo pelo qual se justifica a acção.-Citada a Ré contestou defendendo-se por excepção e por impugnação. Invoca a ineptidão da petição, nos termos do art. 193º/2 a) CPC, por se mostrar algo confuso o pedido formulado, atenta a causa de pedir, pois pede que se julgue sem efeito o contrato, mas indica como fundamento a revogação do contrato de comodato. Mais refere que celebrou com a Ré o contrato a que se alude na petição, o qual apesar de referenciado como contrato de comodato, sempre revestiu as características de um contrato de arrendamento, procedendo a Ré ao pagamento de uma renda mensal até 2006. Nesta data a Autora recusou-se a receber a renda e por esse motivo a Ré passou a proceder ao depósito numa conta na C………. . Alega, ainda, que os valores pagos pela Ré nunca foram calculados em função dos gastos de electricidade, água ou serviços de vigilância. A contrapartida pela utilização da casa da florista existente no Cemitério ………. foi sempre calculada num montante mensal fixo e alterado anualmente. Refere, ainda, que no contrato celebrado as partes convencionaram atribuir o direito de preferência à Ré e por diversas vezes a Ré solicitou a celebração do contrato, o que nunca veio a acontecer. A partir de Junho de 2006 a Autora privou a Ré de água e electricidade, obrigando a Ré socorrer-se de meios alternativos para obter esses bens essenciais. Considera, ainda, que a Ré não tinha que entregar as instalações porque a Autora não cumpriu o contrato. Em reconvenção a Ré formula os seguintes pedidos: - a qualificação do contrato existente entre Autora e Ré como contrato de arrendamento; - a condenação da Autora a reconhecer esse contrato de arrendamento; - a condenação da Autora a pagar à Ré, uma indemnização de € 5.000,00 por danos morais; - a condenação da Autora a restabelecer imediatamente o abastecimento de energia eléctrica e água às instalações do anexo ocupado pela Ré; - a condenação da Autora como litigante de má fé, nos termos do art. 456º do CPC, em multa e indemnização à Ré, em montante a fixar a final. Reconduz os fundamento da reconvenção aos fundamentos da contestação e refere, ainda, que independentemente da qualificação do contrato, pelo facto de mandar suspender os fornecimentos de água e electricidade a Autora incorre em responsabilidade, calculando a indemnização a título de danos morais em € 5 000,00. Por fim, pede a condenação da Autora, como litigante de má-fé.-Na Resposta à Contestação a Autora mantém a posição inicial, referindo ainda, que as quantias pagas pela Ré, respeitavam à contrapartida pelos serviços prestados pela Autora.-Proferiu-se despacho que rectificou o valor da causa.-Realizou-se o julgamento e proferiu-se sentença com a decisão que se transcreve: “1. Julgo improcedente, por não provada, a presente acção e, nesta conformidade, dela absolvo a Ré, B………., do pedido. 2. Julgo improcedente a excepção dilatória da ineptidão da petição inicial. 3. Julgo procedente, por provada, a reconvenção e, em consequência, condeno a Autora “Junta de Freguesia ………": - a reconhecer que o contrato junto aos autos a fls. 7 e 8 é um contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais, com prazo certo; - a restabelecer imediatamente o fornecimento de água e de luz à Ré; - a pagar à Ré a quantia de € 2 4493,99 a título de danos não patrimoniais. “-A Autora veio interpor recurso da sentença. -Nas alegações que apresentou a Autora-recorrente formulou as seguintes conclusões: “- A. e R. pretenderam, efectivamente, outorgar um contrato de comodato, nos precisos termos que constam do que se encontra junto aos Autos, estabelecendo, até que, perante casos omissos, submetiam o mesmo às regras do comodato; - A A. nunca poderia outorgar um contrato de arrendamento relativamente a um anexo que faz parte integrante do cemitério ………., integrado no domínio público, com acesso condicionado aos horários de funcionamento daquele equipamento; - O Contrato celebrado é um verdadeiro contrato de comodato, tendo a R. utilizado as instalações identificadas no mesmo nos precisos termos que constam do mesmo; - Em qualquer caso, a entender-se que estamos perante um contrato de arrendamento, isso não determina que a A. fique obrigada ao fornecimento de água e luz, antes competindo à R outorgar com as entidades fornecedoras de tais bens, os correspondentes contratos; - Nunca a A. se obrigou a fornecer energia eléctrica á R. “ A Autora termina por pedir o provimento do recurso e que se julgue procedente o pedido formulado na acção, condenando-se a Ré no pedido.- Não foram apresentadas contra-alegações.-O recurso foi admitido como recurso de apelação.-Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.-II. Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 685º- A CPC. As questões a decidir consistem em saber: - se entre Autora e Ré foi celebrado um contrato de comodato ou um contrato de arrendamento; - se admitindo que foi celebrado um contrato de arrendamento, o senhorio-Autora está obrigado a fornecer água e energia eléctrica.-2. Os factos Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância: 1 - A A. é dona do Cemitério ………., do qual faz parte um anexo, que, ao longo dos anos, tem servido para a venda de flores, primeiro pelo irmão da Ré e pela mãe da mesma, D………. (cfr. contrato, denominado "contrato-promessa de arrendamento" junto a fls. 5 e 6, aqui dado por integralmente reproduzido). 2 - Por contrato denominado "contrato de comodato", outorgado entre as partes, em 2 de Maio de 2000, a A. cedeu à Ré o gozo do anexo em causa, para venda de flores (cfr. documento junto a fls. 7 e 8, aqui dado por integralmente reproduzido). 3 - Daquele contrato constam, entre outras, as seguintes cláusulas: - cláusula 2ª: "o primeiro outorgante cede gratuitamente, à segunda, pelo período de cinco anos, o referido espaço, para que aí exerça ...a actividade de florista ...": - cláusula 4ª: "Complementarmente e porque o fornecimento dos serviços de vigilância e segurança, de limpeza local e do fornecimento de água incumbem à 1ª outorgante, a 2ª liquidar-Ihe-á, pela prestação de tais serviços, o valor mensal de 12.500$00 actualizáveis anualmente de 15% sobre o valor do ano antecedente: - cláusula 5ª: "O contrato será automaticamente renovado por períodos de um ano ...salvo se o primeiro outorgante, por carta registada, com aviso de recepção e aviso prévio de 6 meses em relação ao termo, decidir em contrário ...". 4 - Em 10/04/2007, a A. enviou uma carta registada à Ré e por esta recepcionada a 13/04/2007, comunicando-lhe que não procederam à renovação do contrato em causa e pedindo a entrega do espaço (anexo) até 30/07/2009 (cfr. doc. junto a fls. 9/10, aqui dado por inteiramente reproduzido). 5 - A Ré não entregou o aludido espaço, ali mantendo a sua actividade comercial. 6 - A Ré respondeu à missiva aludida em 4º, através de carta datada de 25/05/2007 (cfr. doc. junto a fls. 72, aqui dado por inteiramente reproduzido). 7 - Dou por inteiramente reproduzidos os recibos, emitidos pela Junta de Freguesia ………., juntos aos autos a fls, 38 a 45 e 47 a 57, os quais contêm, entre outras, as seguintes menções, "renda da florista referente...”: “Diferença do aumento de renda da florista dos meses de ...” 8 - Dou por integralmente reproduzida a carta junta a fls. 46. 9 - Em 2006, a A. recusou-se a receber a renda, pelo que a R. passou a depositar condicionalmente a renda na conta nº …………. da C………. (cfr. documentos juntos a fls. 58 a 71, aqui dados por inteiramente reproduzidos). 10 - Os valores pagos pela R. à A. foram entre elas negociados como contrapartida pela utilização da «casa da florista» existente no cemitério ………., num montante mensal fixo e apenas alterado anualmente. 11 - O que sempre aconteceu, mercê dos vários e sucessivos contratos de arrendamento celebrados com a família da R., designadamente o supra referido no art. 1º. 12 - A A. nunca entregou à Ré qualquer factura correspondente aos seus gastos de energia ou de água. 13 - O fornecimento de água e de luz era feito pelo interior do edifício que a A. tem no cemitério ………. . 14 - A A. enviou à Ré a carta, junta em audiência de discussão e de julgamento, datada de 12/07/2006, onde pede a entrega do espaço, porque deseja que o mesmo esteja livre, para se efectuar um concurso de ocupação, através da apresentação de propostas. 15 - Em Junho de 2006, a A., através de dois homens que, com o argumento de que estavam a reparar uma avaria, entraram no estabelecimento de venda de flores para localizarem as paredes onde estavam instaladas as ligações de água e luz, cortou o fornecimento de água e luz. 16 - Desde então, a Ré, para continuar a exercer a sua actividade profissional, viu-se obrigada a transportar diariamente garrafões e bidões de água, ou a socorrer-se de terceiros, para manter limpas as instalações que ocupa, bem como a utilizar formas alternativas de iluminação (Este facto foi provado com o esclarecimento de que a Ré se viu obrigada a socorrer-se de terceiros para os fins atrás referidos). 17 - A Ré tem 68 anos de idade.-3. O direito A apelante não impugna a matéria de facto, pois não questiona a relação dos factos dada como assente na primeira instância. Como tal, têm-se tais factos como pacíficos, já que também se não vê razão para a modificabilidade da decisão da matéria de facto ao abrigo do disposto no artº 712º do CPC (cfr. artº 713º, nº6, do CPC). Impõe-se, por isso, passar à apreciação das questões suscitadas nas conclusões da apelação. -- Da natureza do contrato celebrado entre Autora e Ré – No domínio das obrigações vigora o princípio da liberdade contratual, podendo as partes fixar livremente o conteúdo dos contratos – art. 405º CC. O contrato de comodato e o contrato de aluguer constituem contratos tipificados no Código Civil, representando o contrato de arrendamento, uma sub-espécie do contrato de aluguer cujo tratamento jurídico não se mostra limitado ao Código Civil (Novo Regime do Arrendamento Urbano; Arrendamento Rural). O comodato, previsto no art. 1129º CC, consiste no: “contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que se sirva dela, com a obrigação de a restituir.” O Código Civil prevê o comodato de coisas móveis e imóveis, consistindo o comodato de coisas imóveis na utilização gratuita de um prédio, com a obrigação de a restituir. Sendo um contrato gratuito caracteriza-se pelo facto de não existir a cargo do comodatário, prestações que constituam o equivalente ou o correspectivo da atribuição efectuada pelo comodante (Galvão Teles “Direito das Obrigações”, pag. 66). Refere a este propósito Pires de Lima e Antunes Varela que: “Se, em troca do uso da coisa, o contraente, que a recebe, promete alguma prestação, o contrato deixa de ser comodato e passa a ser de arrendamento, de aluguer ou um contrato atípico, consoante os casos.” (Código Civil, vol. II, pag. 661). Outra nota característica do contrato de comodato consiste no facto do comodante proceder à entrega da coisa – contrato de natureza real – para que o comodatário se sirva dela e a restitua seguidamente. Contudo, o facto de ser um contrato gratuito, não impede que o comodante imponha ao comodatário certos encargos e como refere Pires de Lima e Antunes Varela: “… os encargos não atribuem natureza correspectiva às prestações; apenas limitam o direito conferido gratuitamente. (…) O que é necessário é que o encargo não seja de tal valor que faça desaparecer o benefício do comodatário, como razão determinante do contrato (ob. cit., pag. 661). A respeito da distinção entre comodato e contrato de aluguer Pinto Furtado destaca dois aspectos: - o comodato é um contrato de natureza real, enquanto que o contrato de aluguer é um contrato de natureza obrigacional que se aperfeiçoa e completa com a mera assunção pelo locador da obrigação de proporcionar o gozo da coisa; - o comodato é um contrato gratuito, por natureza, sem prejuízo da estipulação de clausulas modais e o contrato de aluguer é sempre um contrato oneroso (Manual do Arrendamento Urbano, pag. 76). Analisando mais detalhadamente a natureza do “comodato modal” refere ainda, o Professor Pinto Furtado: “A estipulação de um modo, como ressalta do disposto no art. 963º CC, não retira ao acto, porém, o seu carácter gratuito. Pode, este, assim, sem se descaracterizar, servir também para satisfazer um interesse próprio do concedente, não se levantando obstáculos a que, como modo ou encargo se venha a impor ao accipiens a realização de uma prestação qualquer. Naturalmente, é portanto o comodato modal que mais se aproxima da locação e a ela mais se assemelha, visto que, sem deixar de ser gratuito, com o modo surge algo que poderá parecer-se extraordinariamente com uma retribuição locativa. (…) A susceptibilidade de confusão entre a locação e o comodato ainda mais se adensa, porém, se neste for previsto um modo constituído por somas em dinheiro ou outras prestações que normalmente são utilizadas como renda. (…) O traço distintivo deve ser procurado através da interpretação do contrato, por forma a fixar-se o real intento negocial: se o de obter propriamente a frutificação ou rendimento do bem, caso em que haverá locação; se, antes, o de liberalidade, embora associada à satisfação modal de um interesse próprio do concedente, em que haverá comodato.” (ob. cit., pag. 77). O contrato de arrendamento constitui uma sub-espécie do contrato de aluguer – art. 1023º CC. Locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição (art. 1022º CC). Constituem notas típicas do contrato a cedência do gozo de uma coisa, com carácter temporário e mediante retribuição. A cedência do gozo da coisa executa-se através da entrega da coisa locada de forma a assegurar o gozo da coisa para os fins a que se destina. O contrato de locação é sempre um contrato oneroso (neste sentido Pinto Furtado, ob cit. pag. 30 e Menezes Leitão “Arrendamento Urbano”, pag. 7-18). O regime jurídico do arrendamento urbano rege-se pela Lei 6/2006 de 27/02 e pelas normas do Código Civil, com as especialidades contidas nas normas transitórias, mas na sua essência mantém os traços que caracterizam o contrato de locação. Na situação concreta, ponderando os factos provados, conclui-se que entre Autora e Ré foi celebrado um contrato de arrendamento. Da conjugação dos factos resulta que o espaço em causa, situado no Cemitério ………. sempre foi utilizado para comércio de flores, pela Ré, desde Maio de 2000 e anteriormente pelos seus familiares, mediante o pagamento de uma contrapartida mensal certa (ponto 7, 10, 11 dos factos provados). No acordo celebrado e reduzido a escrito estabeleceu-se um prazo para a duração do contrato e o fim para o qual foi cedido o espaço – comércio de flores (ponto 2 e 3 dos factos provados). Contudo, apesar da cláusula constante do contrato, no sentido de fixar uma quantia a pagar pela Ré à Autora, pela prestação dos serviços de limpeza, vigilância e segurança, bem como, fornecimento de água, o certo é que a Ré passou a pagar uma contrapartida mensal fixa mediante acordo entre Autora e Ré, pela utilização da “casa da florista”. A quantia acordada não surge como um encargo na cedência do imóvel, mas como contrapartida pelo gozo e fruição do anexo (ponto 10 dos factos provados). Por outro lado, a Autora não logrou provar que procedeu á liquidação dos valores enunciados no contrato, a título de pagamento dos serviços prestados. Neste contexto, face a um declaratário normal, colocado na posição da Ré, apenas podia deduzir-se do comportamento da Autora o propósito de celebrar um contrato de arrendamento do anexo, quando além do mais não era desconhecido da Autora a real intenção e vontade da Ré, pois já anteriormente tinha cedido o espaço à família e para o mesmo fim, mediante a celebração de um contrato de arrendamento (art. 236º/ 1 /2 CC). Daí que a clausula introduzida na parte final do contrato reduzido a escrito, não mereça qualquer relevância, no sentido de constituir uma manifestação da vontade das partes, porque a Autora e a Ré nunca agiram no convencimento de celebrarem um contrato de comodato, com encargos. Resulta dos factos provados que as partes agiram como se de um contrato de arrendamento se tratasse, pois a Ré passou a ocupar o local, para exercício da actividade que se propunha exercer e mediante o pagamento mensal de uma renda que sempre pagou, o que configura os elementos típicos do contrato de arrendamento. O facto do contrato ter por objecto a parcela de um prédio, que se integra no domínio público do Estado, não altera a natureza do bem, nem impede que o mesmo seja objecto de arrendamento a entidades privadas. Com efeito, a Lei das Autarquias Locais – DL 116/84 de 06/04 – atribui à Junta de Freguesia poderes para prover à administração corrente do património da freguesia e à sua conservação (art. 27º/1 h)). Constituem actos de administração corrente a celebração de contratos de arrendamento de prédios rústicos ou urbanos (António Francisco de Sousa “Direito Administrativo das Autarquias Locais). A Autora para além de ter legitimidade para dar de arrendamento, na qualidade de proprietária do imóvel, também tem capacidade jurídica para o fazer. Acresce referir que não resulta dos factos provados que o acesso ao espaço está condicionado pelos horários de abertura e encerramento do cemitério. Os factos apurados não permitem qualificar o contrato como contrato de mandado, com encargos, pelo que, nesta parte não merece provimento a primeira, segunda e terceira conclusões do recurso.-- Da obrigação de fornecer água e energia eléctrica – O NRAU – Lei 06/2006 de 27/02 – entrou em vigor em 27 de Junho de 2006. O art. 59º/1 do citado diploma, sob a epígrafe “Aplicação no Tempo”, passou a dispor: “O novo regime do arrendamento urbano aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como ás relações contratuais constituídas que subsistam dessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias.” O nº3 do mesmo preceito prevê: “As normas supletivas contidas no novo regime do arrendamento urbano só se aplicam aos contratos celebrados antes da entrada em vigor da presente lei quando não sejam em sentido oposto ao de norma supletiva vigente aquando da celebração, caso em que é essa a norma aplicável.” O art. 60º determina, ainda: “É revogado o Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo DL 321-B/90 de 15/10, com todas as alterações subsequentes, salvo nas matérias a que se referem os artigos 26º e 28º da presente lei.” A nova lei estabeleceu um conjunto de normas transitórias considerando o facto da existência de contratos celebrados ao abrigo do RAU e celebrados antes da entrada em vigor do RAU. Maria Olinda Garcia refere a este respeito, que para proceder à exacta delimitação do regime aplicável aos arrendamentos vigentes à data da entrada em vigor do novo regime deverá atender-se à distinção feita pelo nº2 do art. 12º do Código Civil. Refere, ainda, que: “… as normas da nova lei que dispõem sobre condições de validade substancial ou formal do arrendamento não devem ter aplicação retroactiva, continuando, portanto, essa matéria a ser disciplinada pela lei vigente à data da celebração do contrato. Pelo contrário, as normas que dispõem directamente sobre o conteúdo da relação de arrendamento abrangem as relações já constituídas, tendo, portanto, aplicação imediata.” (A Nova Disciplina do Arrendamento Urbano, pag. 51). A propósito desta matéria Cunha de Sá e Leonor Coutinho referem que: “Os arrendamentos urbanos de pretérito que subsistam à data da entrada em vigor do NRAU são por ele abrangidos, nos termos estabelecidos pelos art. 59º/1 e 26º e seguintes, epigrafados “normas transitórias”. Uma vez que o arrendamento se traduz numa situação duradoura, o NRAU respeita o passado decorrido sob a égide da lei antiga e para o futuro abrange na sua disciplina, em termos específicos, os efeitos que se vierem a produzir após a sua entrada em vigor. “ Esses termos específicos são estabelecidos pelo NRAU tendo em atenção a espécie do contrato e a data da sua celebração.” (Arrendamento 2006- Nova Lei, pag. 61-62). Concretizando esta posição e em anotação ao art. 59º do NRAU os citados autores referem: “Conjugando todos os preceitos do NRAU que se relacionam com a sucessão das leis durante a vigência dos arrendamentos urbanos, para fins habitacionais e não habitacionais, que subsistam à data da entrada em vigor do NRAU, temos o seguinte quadro: - é a lei em vigor ao tempo da conclusão do contrato que regula as condições da validade substancial e o potencial dos seus efeitos; - quanto aos efeitos jurídicos do contrato que se traduzem em situações duradouras, respeitam-se os efeitos já produzidos sob o domínio da lei antiga e os efeitos futuros passam a reger-se: > pelos preceitos imperativos do NRAU; > pelos preceitos supletivos do NRAU, mas apenas quando não forem de sentido oposto ao de norma supletiva da lei vigente ao tempo da celebração do contrato, caso em que é esta a norma aplicável; > pelos preceitos resultantes das normas transitórias do NRAU (artigos 26º a 58º, 59º/2), a saber: (…) contratos sem duração limitada - transmissão por morte do arrendatário – contrato para habitação: art. 26º/2, 28º e 57ºdo NRAU; (…) - denúncia pelo senhorio – arrendamentos para habitação: > art. 26º/4/5, art. 28º do NRAU; > art. 1101º a 1104º do CC; > art. 107º do RAU” .(ob. cit., pag. 111). No caso concreto, o contrato foi celebrado em Maio de 2000, portanto em data anterior à entrada em vigor do novo regime do arrendamento. Contudo, os factos imputados ao senhorio, a título de incumprimento do contrato ocorrem em Junho de 2006, em data não concretamente apurada e desenvolvem-se também ao abrigo da nova lei, pois da matéria de facto apurada resulta que mantém-se a privação de abastecimento de água e electricidade. Cumpre aplicar o novo regime jurídico, já que os factos desenvolvem-se também ao abrigo da nova lei e sobre tal matéria, não existem normas transitórias que tutelem o direito invocado. Recai sobre o locador o dever de proporcionar ao arrendatário o gozo temporário da coisa para o fim a que ela se destina – art. 1031º/b) CC. Esta obrigação, como já se referiu, executa-se através de duas prestações distintas: - a da entrega da coisa locada; e - a de assegurar o gozo da coisa para os fins a que se destina. A segunda prestação impõe fundamentalmente ao locador a obrigação passiva de não perturbar o exercício desse aproveitamento (Pinto Furtado, ob. cit., pag. 33). Tal obrigação decorre expressamente do art. 1037º/1 CC onde se dispõe: “Não obstante convenção em contrário, o locador não pode praticar actos que impeçam ou diminuam o gozo da coisa pelo locatário, com excepção dos que a lei ou os usos facultem ou o próprio locatário consinta em cada caso.” Entre as excepções conta-se a prevista na alínea b) e e) do mesmo preceito. Apurou-se que em Junho de 2006, a Autora, através de dois homens, com o argumento de que estavam a reparar uma avaria, entraram no estabelecimento de venda de flores para localizarem as paredes onde estavam instaladas as ligações de água e luz e cortaram o fornecimento de água e luz (ponto 15 dos factos provados). Perante tal situação a Autora ficou impedida de usar a água da rede pública, ou seja, a Autora causou obstáculos ao uso e fruição do local arrendado, pois o consumo de água nesse espaço mostra-se necessário para regar as plantas e flores expostos para venda. A Autora não logrou provar que a Ré possui abastecimento de energia eléctrica. Por outro lado, não se verifica qualquer situação de excepção que dispense o senhorio desta obrigação, pois destinando-se o espaço ao exercício do comércio tem que dispor de um sistema de ligações que lhe permita usufruir de rede de abastecimento de água e electricidade. Na sentença proferida no Tribunal “a quo” condenou-se a Ré a “restabelecer o fornecimento de água e electricidade”. A Autora insurge-se contra a decisão, por considerar que na qualidade de senhorio não está obrigada ao fornecimento de água e energia eléctrica, competindo à Ré outorgar com as entidades abastecedores os respectivos contratos. Contudo, não foram esses os termos da decisão, na medida em que se limitou a ordenar o restabelecimento da instalação eléctrica e da rede de abastecimento de água, no estado em que se encontrava na data em que ocorreram os factos que determinaram a cessação desses fornecimentos. Trata-se, pois de repor as instalações, já que nos autos nunca se discutiu quem suportava os custos do abastecimento de água e energia eléctrica. Não merecem provimento a quarta e quinta conclusões de recurso da apelante.-Nos termos do art. 446º/1/2 CPC as custas, são suportadas pelo recorrente. -III. Decisão: Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e não conceder provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.-Custas pelo recorrente.-Notifique.* Porto, 04 de Janeiro de 2010 (processei e revi – art. 138º/5 CPC) Ana Paula Pereira de Amorim José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira António Manuel Mendes Coelho