I - A falta de envio do projecto do contrato de mediação ao Instituto do Consumidor pelo mediador imobiliário é causa de nulidade desse contrato, nos termos do n.º 8 do art.º 19.º do DL n.º 211/2004, de 20/8, a qual apenas pode ser invocada pelo cliente que também terá de a provar. II - A falta de licença do mediador ou de inscrição do angariador não gera nulidade do contrato de mediação e de angariação, mas eventual responsabilidade contra-ordenacional. III - O cliente é responsável pelo pagamento da remuneração contratada, ao abrigo da norma excepcional do art.º 18.º, n.º 2, al. a) do DL n.º 211/2004, quando, estando acordado o regime de exclusividade, o negócio visado só não se concretiza por causa que lhe é imputável.
Proc. nº 141/09.9TBMAI.P1 – 3ª Secção (apelação) Tribunal Judicial da Maia Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Teresa Santos Adj. Desemb. Maria Amália Rocha Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. B…, L.DA, pessoa colectiva n.º ………, com sede na … …, Maia, intentou acção declarativa sob a forma de processo sumário contra C…, divorciado, portador do bilhete de identidade n.º ……., contribuinte n.º ………, residente na …, n.º …, ….-… Maia, alegando, no essencial, que por “contrato de mediação” entre eles celebrado, a A. obrigou-se a promover a venda, diligenciando pela angariação de interessado na compra de uma fracção autónoma de um edifício pertencente ao R., mediante remuneração e em regime de exclusividade. Na vigência do contrato, a A. apresentou ao R. uma proposta de compra de um interessado, tendo o A. apresentado uma contra-proposta que foi aceite pela interessada compradora e comunicado ao R. que, surpreendentemente, desistiu do negócio, pelo que, nos termos do contrato e do art.º 18º, nº 2, do Decreto-lei nº 211/2004, de 20 de Agosto, deve pagar-lhe a remuneração prevista, no valor de € 5.500,00, acrescido de IVA, no total de € 6.100,00. Assim: €. 110.000,00 x 5% = € 5.500,00; €. 5.500,00 x 20% = € 1.100,00. Na vigência do contrato, o A. procedeu à alienação onerosa da fracção autónoma a favor de duas outras pessoas. Pede a condenação da R. no pagamento de € 6.600,00, acrescidos de juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento. Citado, o R. contestou a acção, designadamente por excepção e impugnação parcial, alegando essencialmente que, por força de uma adenda introduzida ao contrato de mediação inicial em 14.12.2007 deixou de existir exclusividade na mediação e o contrato passou a ter validade até 28.2.2008. Daí que o crédito reclamado pela A. só seria devido se tivesse por base uma actuação causal da A. relativamente ao negócio posterior e efectivamente concluído, constituindo, nesse caso, uma indemnização pelos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão que, de resto, nunca existiu. O R. nunca aceitou a proposta que lhe foi apresentada pela A., aliás, dependente de uma condição suspensiva resolutiva. Por outro lado, o incumprimento do dever de enviar cópia dos projectos a que se refere o art.º 19º, nº 7, do citado decreto-lei, gera a nulidade do contrato. Por outra via ainda, os contratos de mediação imobiliária têm que ser celebrados por empresas de mediação inscritas no D…, sendo expressamente vedado às empresas de mediação celebrar contratos de prestação de serviços com angariadores imobiliários aí não inscritos e o angariador (consultor B…) tem uma licença do E…, e não do D…, pelo que também por esta via o contrato inicial de mediação é nulo. A A. pretende obter um enriquecimento sem causa. Termina requerendo que se declarem as excepções procedentes, incluindo a nulidade, e que se considerem impugnados todos os factos vertidos na petição inicial, devendo a oposição ser julgada provada e procedente. A A. respondeu à matéria das excepções. Em síntese, alega que a adenda contratual apenas modificou o preço do imóvel, mantendo-se, no mais, o contrato inicial. O não envio dos projectos não gera nulidade alguma. O R. não alegou que a A. não enviou para o Instituto do Consumidor o projecto do contrato de mediação utilizado com o R. e junto como documento n.º 3, com a petição inicial. Impugnou, em larga, medida a matéria de facto nova alegada pelo demandado. Concluiu no sentido da improcedência das excepções invocadas. Foi proferido despacho saneador, com dispensa de audiência preliminar e da selecção da matéria de facto. Instruído o processo, teve lugar a audiência de discussão da causa que culminou com respostas fundamentadas em matéria de facto e a que se seguiu a prolação da sentença cujo segmento decisório é o seguinte: «Pelos fundamentos expostos, julgando improcedentes as excepções de nulidade invocadas pelo réu, julga-se a presente acção procedente, por provada e, em consequência, condena-se o réu, C…, a pagar à autora, B…, Lda., a quantia de €6.600,00 (seis mil e seiscentos euros) acrescida de juros de mora comerciais, à taxa legal, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento. Custas integralmente a cargo do réu.» Inconformado, o R. apelou da sentença formulando as seguintes CONCLUSÕES: «A Sentença Recorrida, não cuidou dos aspectos formais a que obedece o arregimentado pelo Decreto-lei nº 211/2004, embora a sua Decisão tenha colhido neste Diploma, a fundamentação legal, que viria a condenar o Recorrente. E, embora este diploma tenha por finalidade a salvaguarda do interesse financeiro e económico do mediador imobiliário, tal diploma acautela também o interesse do particular, pessoa esta não avisada e inexperiente. Embora tenha a Decisão que ora se Recorre fundamentado as “irregularidades” cometidas como susceptíveis de sancionamento com multa, facto é, que a disposição legal invocada processualmente prescreve a Nulidade contratual e, não a Multa. Fundamentou a Decisão que ora se Recorre a condenação do Recorrente no pagamento de uma indemnização correspondente ao facto de este ter declinado a proposta apresentada pela F…, contudo, esta não passou de mais uma mera intenção; primeiro porque não contratualizou o contrato promessa de compra e venda como obrigada, mas também porque sinal algum entregou, como mutua e reciprocamente estava obrigada pelas propostas de aceitação que reciprocamente subscreveram. Também não cuidou a Sentença que ora se Recorre, de ter em consideração que o Recorrente acabaria por vender a fracção prometida a uma terceira entidade pelo preço convencionado e, declarado o pagamento da comissão, tal como consta na própria escritura de compra e venda junta pela Recorrida, assim cumprindo o legalmente estatuído. Entendeu ainda a Sentença que ora se Recorre, que o facto de não ter sido dado cumprimento ao estatuído no referido D.Lei 211/2004, de não ter sido dado cumprimento ao envio dos projectos como legalmente obrigado, o exercício dessa actividade depende da licença a conceder pelo D…, estatuindo em fase última, que tal incumprimento é punido com contra-ordenação. Esquece-se contudo a Sentença que ora se Recorre, que a entidade que contratou não era, como comprovado documentalmente, pessoa habilitada pelo D… para contratualizar em nome desta ou de terceiras entidades o contrato. Não cuidou igualmente a Sentença que ora se Recorre, de se pronunciar sobre a questão relacionada com o facto do angariador não ser pessoa habilitada ou credenciada pelo D… para poder contratualizar. Tal facto, conduz às diversas sanções alegadas e, à mais grave, a Nulidade de todo o processado. Aliás, a regulamentação de tal matéria tem por pressuposto o acautelar os direitos das partes tanto nos preliminares, como na conclusão do negócio, daí que quando se contrate, as partes devem agir de boa-fé. Não se trata de “queimar etapas” como alegado pelo Mandatário da Recorrida e, constante das gravações E, muito menos, referir-se a contratos tipo como “seja lá o que isso é”. E, não existe qualquer boa-fé, quando se peticionam valores de IVA como liquidados, quando existe prova documental junta aos Autos, pelos competentes Serviços, a afirmar precisamente o contrário; isto é QUE NADA RECEBERAM. E ou quando se não esclarece o Recorrente sobre o produto que contrata e, ou quando se alega deter determinadas qualificações (que presumivelmente habilitam à prática de determinada actividade) quando na realidade as não se detém. A Sentença que ora se Recorre, tão estritamente formal, condenou o Recorrente ao pagamento de uma divida de I.V.A. que não existia nem existe, pelo que nesse sentido também é Nulo. Ainda, em momento algum, provado ficou, que o negócio concretizado, com uma terceira entidade que não a interessada F…, adveio da actuação da entidade (quem nem era mediador nem funcionário da B…, Lda). Prevê e estipula o Decreto-lei nº 211/2004, para efeitos de compensação, que “A prestação do mediador terá de ser causal, em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro. O que também não sucedeu. Não tendo existido perfeição na conclusão do negócio, não tendo existido actuação do mediador na venda realizada, a remuneração não será nunca devida nos termos contratuais e legais.» (sic) Termina no sentido de que se revogue a sentença e se julgue a acção totalmente improcedente, atentas as nulidades invocadas. A A. apresentou contra-alegações com conclusões que também se transcrevem: «A. A douta sentença proferida nos presentes autos não merece qualquer reparo, devendo ser mantida a sábia decisão aí expressa. Sem prescindir, B. As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos (art. 676.°, n.º l do C.P.C.). C. Sendo certo que, poderão os mesmos versar sobre matéria de direito e/ou matéria de facto. D. Assim, lidas e relidas as alegações apresentadas não existe a indicação duma norma jurídica violada ou um concreto facto erradamente julgado, tornando impossível tecer qualquer comentário sobre a bondade do recurso oferecido Mais, E. O recorrente alega que o valor de IVA peticionário nunca foi liquidado pela apelada e, consequentemente, pugna pela não condenação do réu nesse valor. F. O que constitui um facto novo nos presentes autos. G. Ora, não cabe aos tribunais de recurso conhecer de questões novas, devendo apenas estes cingir-se à decisão do tribunal a quo.» (sic) Termina pedindo que se julgue o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.*II. O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 660º, nº 2, 684º e 685º-Aº do Código de Processo Civil, na redacção que foi introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável). O Tribunal deve apreciar todas as questões decorrentes da lide, mas, embora o possa fazer, não tem que discutir todos os argumentos ou raciocínios das partes, ou seja, apenas deve considerar o que for necessário e suficiente para resolver cada questão[1]. São as seguintes as questões a decidir: Questão prévia suscitada pela recorrida: recurso em matéria de facto; 1- Nulidade do contrato por falta de envio dos projectos referentes ao bem a alienar, pela A., ao Instituto do Consumidor; e por falta de habilitação de quem a representa para mediar, e para angariar, a conceder pelo D… 2- A não concretização do contrato de compra e venda e a imputação da causa ao cliente; e3- Caso seja devida a remuneração à A., se é devido I.V.A. *III. É a seguinte a matéria de facto considerada provada e constante da sentença recorrida: a) A autora é uma pessoa colectiva que tem como objecto social a mediação imobiliária. b) O réu foi proprietário da fracção autónoma sita na …, n.º …, ..° frente, habitação H, na freguesia de …, concelho da Maia, inscrito na matriz sob o artigo 1110.° da freguesia de …, descrita na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o art. 00841/0408200. c) Autora e réu celebraram, em 7 de Agosto de 2007, o “contrato de mediação imobiliária, junto a fls. 24/25, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido. d) A autora apresentou ao réu uma proposta de alienação da fracção mencionada em b). e) A autora, em Dezembro de 2007, abordou o réu no sentido de este proceder à alteração do preço de venda do seu imóvel para € 110.000,00 no âmbito de uma campanha de saldos da autora, o que este aceitou, tendo outorgado a “adenda a contrato de mediação imobiliária” cuja cópia se encontra junta a fls. 26/27 e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido. f) A campanha mencionada em e) duraria entre 28 de Dezembro de 2007 e 28 de Fevereiro de 2008. g) A autora publicou imagens fotográficas da fracção na sua revista e realizou visitas àquela fracção. h) Finda a campanha mencionada em f) sem que a venda se tivesse realizado a autora solicitou autorização ao réu para manter o preço da venda do imóvel em €.110.000,00. i) O que o autor autorizou. j) A autora apresentou ao réu uma proposta de F… de compra por € 105.000,00. k) O réu declinou a proposta mencionada em j) apresentando uma contraproposta de € 110.000,00 com o adiantamento por parte deste do pagamento de seis meses de condomínio. 1) F… remeteu à autora o mail junto a fls. 35 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido no qual consta que “aceito a sua proposta apenas pendente de aprovação do crédito bancário”. m) A autora remeteu ao réu o mail junto a fls. 36 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido no qual consta que “os clientes que efectuaram a proposta de compra para o seu apartamento concordam e aceitam as condições de venda que propôs. Perante esta situação é urgente termos uma reunião para definir todo este processo”. n) O réu remeteu à autora o mail cuja cópia se encontra junta a fls. 40 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido no qual consta que “Peço a vossa exas que não me voltem a contactar, ou então aguardem por um contacto de minha parte”. o) No dia 11 de Abril de 2008, no Cartório Notarial de …, foi outorgada entre o réu e G… e H… a escritura de compra e venda cuja certidão se encontra junta a fls. 78 a 83 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. P) O réu vendeu a fracção descrita em b) a terceiros angariados por um terceiro mediador.*IV. A. Questão prévia suscitada pela recorrida: recurso em matéria de facto. Nas suas alegações de recurso (e não já nas respectivas conclusões) o recorrente transcreve uma parte do (que diz ser o) único depoimento testemunhal prestado em audiência de julgamento. E assim agindo, fica a ideia --- como ficou para a recorrida --- e a aparência, de que está a recorrer em matéria de facto, pois que se o não faz, também não tem justificação a transcrição de depoimentos. Das decisões de que seja admissível recurso (art.ºs 678º, 680º e 684º do Código de Processo Civil), as partes podem recorrer em matéria de facto e em matéria de direito. A lei do processo é especialmente exigente quando se impugne a decisão em matéria de facto. Sob pena de rejeição, o recorrente deve, obrigatoriamente[2], especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; e b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (art.ºs 685º-B nº 1 e 712º, nº 1). O recorrente não deu a mínima satisfação a qualquer uma destas exigências. Pese embora a posição da recorrida no sentido de que não estão reunidos os pressupostos indispensáveis ao recurso em matéria de facto, como que sugerindo a sua rejeição[3], a verdade é que o recorrente nem sequer mostra intenção de recorrer naquela matéria; não põe em causa qualquer dos factos dados como provados nem pretende que, de entre o alegado, se dêem como provados outros factos. Daí que não estejamos perante um caso de rejeição do recurso em matéria de facto, mas de inexistência de recurso com esse fundamento. O apelante não pretende mais do que atacar o que entende ter sido uma incorrecta aplicação do Direito na 1ª instância. É este o objecto da apelação, concretizado nas questões a decidir, acima transcritas e das quais passamos a conhecer.*B. A questão jurídica - Considerações gerais A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade comercial de mediação imobiliária (al. a)). Em 7 de Agosto de 2007, o R. celebrou um contrato com a A. que logo ali denominaram de “contrato de mediação imobiliária”, nos termos do qual esta se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado para a compra de uma fracção autónoma de um imóvel, pelo preço de € 117.000,00, no regime de exclusividade e pelo período de 6 meses, mediante a remuneração de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio fosse efectivamente concretizado, acrescido de I.V.A. à taxa de 21% (cf. cláusulas 1ª, 2ª, 4ª, 5ª e 8ª). No âmbito desse contrato ficou ainda clausulado que o contrato se renova automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo (cláusula 6ª). É este o clausulado mais relevante para a decisão das questões objecto da apelação. Não estando o tribunal sujeito à qualificação jurídica dada pelas partes ao contrato celebrado, ainda que estejam de acordo nessa matéria (art.º 664º), o conteúdo negocial em causa não deixa a menor dúvida de que foi, efectivamente, celebrado entre elas um contrato de mediação imobiliária cujo regime jurídico, atenta a sua data, estava e continua a estar previsto no Decreto-lei nº 211/2004, de 20 de Agosto[4], tal como as partes muito bem consideraram; regime que, por força do respectivo art.º 57º, nº 1, substituiu o que fora regulamentado no Decreto-lei nº 77/99, de 16 de Março que, por sua vez, havia revogado o Decreto-lei nº 285/92, de 19 de Dezembro (cf. respectivo art.º 40º). Resulta do art.º 2º que a actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel. Essa actividade consubstancia-se no desenvolvimento de: a) Acções de prospecção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente; b) Acções de promoção dos bens imóveis sobre os quais o cliente pretenda realizar negócio jurídico, designadamente através da sua divulgação, publicitação ou da realização de leilões. As empresas podem ainda prestar serviços de obtenção de documentação e de informação necessários à concretização dos negócios objecto do contrato de mediação imobiliária, que não estejam legalmente atribuídos, em exclusivo, a outras profissões. Também este último serviço foi contratado entre as partes (cláusula 6ª). Decorre, assim, daquele normativo, por um lado, que a mediação, em sentido técnico ou estrito, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para determinado incidente sobre bens imóveis e a aproximar esse interessado da outra parte e, por outro, que a função do mediador (que é apenas um intermediário e desenvolve uma actividade meramente material e preparatória --- a prevista nas alíneas do nº 2 e no nº 3 do art. 2º) consiste em aproximar duas ou mais partes que desejam realizar um negócio, actuando em nome próprio (e não em representação daquelas), facilitando-lhes a conclusão do negócio pretendido. O contrato de mediação é actualmente, como era já no âmbito do regime aprovado pelo Decreto-lei nº 285/92, de 19 de Dezembro e, depois, pelo Decreto-lei nº 77/99, de 16 de Março, um contrato de prestação de serviços nominado e tipificado na lei, onde se previu também o regime da respectiva remuneração da empresa mediadora e que, para o caso concreto em análise, o último estipulava já uma solução semelhante, interessando-nos, em bom rigor, a actual solução, consagrada no art.º 18º do Decreto-lei nº 211/2004, nos seguintes termos: «1- A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação. 2- Exceptuam-se do disposto no número anterior: a) Os casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado, em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, tendo esta direito a remuneração; b) … …». Integrando, como se disse, a categoria dos contratos de prestação de serviços (cf. art.º 4º, nº 1), a mediação é um contrato de resultado e não de mera actividade, compreendendo-se que, por regra, sem a obtenção do objectivo contratado não seja devida remuneração. No caso, a mediadora deveria angariar e aproximar do proprietário vendedor um interessado que reunisse as condições exigidas por ele, necessárias à celebração do contrato de compra e venda da fracção autónoma, designadamente quanto ao preço indicado e condições de pagamento, e só com a conclusão e perfeição do negócio visado seria devida a remuneração dos serviços da A., assim, desde que houvesse também uma relação de causalidade entre a actividade dela e a conclusão do contrato procurado. De facto, na concretização da obrigação do mediador, este pratica, por conta própria, vários actos materiais, que podem ser de publicitação do que se pretende vender (por exemplo, publicação de anúncios em jornais e revistas, colocação de placas nos prédios em venda, estabelecimento de contactos com clientes em carteira, etc.), como, aliás, aconteceu (cf. al. g) dos factos provados), visando a obtenção ou concretização do negócio em relação a determinado imóvel. Porém, só no momento da concretização do negócio com o interessado, definido este na al. a) do n.º 4 do artigo 2.º, como “o terceiro angariado pela empresa de mediação, desde que esse terceiro venha a concretizar o negócio visado pelo contrato de mediação”, é que o mediador cumpre o fim precípuo da mediação, razão pela qual apenas nesse momento lhe assiste o direito à remuneração, conforme prescreve o 18.º, n.º 1, quando estipula que “a remuneração só é devida com a conclusão do negócio visado pelo exercício da mediação”. Dita a referida regra de que o direito à remuneração nasce apenas da conclusão perfeita do negócio objecto da mediação. Esta regra apenas é excepcionada nos casos mencionados no n.º 2 do mesmo artigo 18.º que se reporta ao regime de exclusividade e celebração de contrato promessa. No caso, as partes celebraram o contrato em regime de exclusividade, pelo que só a A. tinha direito de promover a compra e venda do prédio objecto durante o período de vigência por elas estipulado (art.º 19º, nº 4): seis meses a contar da celebração do contrato, ou seja, desde 7 de Agosto de 2007, sem prejuízo da sua renovação automática caso não fosse denunciado por qualquer das partes (cláusula 8ª). Por força da já transcrita al. a) do nº 2 do art.º 18º, o regime de exclusividade na mediação confere ao mediador, excepcionalmente, no que respeita à remuneração dos seus serviços, o direito à retribuição respectiva nos casos em que o negócio visado não seja celebrado por causa imputável ao proprietário do bem, cliente da empresa mediadora, ou seja, aos próprios vendedores. Por nos situarmos no âmbito da responsabilidade contratual, é ao devedor que cabe o ónus de demonstrar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua (art.º 799º, nº 1, do Código Civil); ou seja, sempre seria do R. o dever de provar que a inviabilização do cumprimento do contrato de mediação não resultou de facto seu, sob pena de se presumir que agiu com culpa. Contudo, por razões de coerência e lógica jurídicas, impõe-se, necessariamente, como sendo anterior à do cumprimento do contrato, a questão da sua vigência; se o contrato, por motivo juridicamente relevante, deixar de vigorar não há, em princípio, que o cumprir, de parte a parte e, por isso, não é possível falar em incumprimento. As partes, mesmo depois de se vincularem, conservam, as duas em conjunto, liberdade negocial, visto poderem, por novo acordo, revogar ou modificar a convenção preliminar. Uma das formas de extinção dos contratos é a sua revogação por vontade das partes. Elas que, no uso da liberdade contratual, decidiram contratar, têm também a liberdade de, em conjunto, poderem modificar ou revogar e extinguir a convenção. E se o contrato tem força de lei entre as partes, deixa de a ter também por vontade delas. Pela revogação do contrato ocorre uma destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do contrato, assente no acordo dos contraentes posterior à celebração do contrato, com sinal oposto do primitivo[5]. Situando-se a meio termo entre a resolução e a denúncia, tem efeito ex nunc. É discutível se pode haver uma revogação unilateral na mediação imobiliária, por parte do cliente da mediadora. Por regra, na falta de acordo das partes nesse sentido ou de disposição legal que preveja a revogação por acto unilateral[6] ou o chamado direito de desistência[7], a revogação ou a denúncia do contrato só ocorre por vontade conjunta das partes. Aqui chegados, é tempo de entrar nas concretas questões suscitadas na apelação. A exposição introdutória efectuada tem a forte utilidade de constituir um elementar pressuposto de análise dessas questões. Adiante voltaremos a este assunto. 1ª questão: nulidade do contrato por falta de envio dos projectos referentes ao bem a alienar, pela A., ao Instituto do Consumidor; e por falta de habilitação para mediar e para angariar, a conceder pelo D…. Pretende, o apelante, em primeiro lugar, que se comine com nulidade contratual a falta de envio do projecto do contrato referente ao bem a alienar, pela A. ao Instituto do Consumidor. Dispõe o art.º 19º, nº 7, que “tratando-se de contratos com uso de cláusulas contratuais gerais, a empresa de mediação deve enviar a cópia dos respectivos projectos ao Instituto do Consumidor”. E o nº 8 do mesmo preceito legal, num afloramento do princípio de protecção da parte contratual mais fraca e subscritora de contrato de adesão, estipula que o incumprimento daquela obrigação gera a nulidade do contrato, não podendo ela, contudo, ser invocada pela empresa de mediação. Ainda que se entenda, como se impõe pela simples análise do contrato de fl.s 24 e 25 dos autos que o R. usou de uma margem de negociação muito limitada na celebração do contrato de mediação, quase se confinando à subscrição de documento previamente elaborado pela A. (art.º 1º do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro – RJCCG), não pode o tribunal presumir que a A. não procedeu ao envio daquela documentação, facto essencial para a apreciação da nulidade e que não consta do elenco da matéria de facto assente no processo. É certo que o R. invocou aquela forma de invalidade logo na contestação. E fez bem, porquanto a nulidade configura matéria de excepção relativamente ao direito invocado pela A., sendo a contestação o meio e o momento próprios para o efeito (art.ºs 489º e 493º do Código de Processo Civil). Mas invocar a nulidade passa, sobretudo, pela alegação do facto com base no qual aquele efeito deve ser determinado. Ora, em parte alguma da contestação o R. alega que a A. não enviou o projecto do contrato ao Instituto do Consumidor. Limita-se a concluir que a demandante a isso está obrigada, que o incumprimento dessa obrigação gera a nulidade do contrato, a declarar pretender esse efeito, devendo a A. juntar comprovativos do envio e registo dos projectos do contrato e adenda depositados no Instituto do Consumidor. Ou seja, o R. como que considera que se trata de um facto cujo ónus de alegação e prova pertence à A. Mas não é assim. O facto que fundamenta a nulidade, a título de excepção, é impeditivo do direito da A.; é defesa do R. por via de excepção, peremptória (art.ºs 493º, nº 2 e 496º do Código de Processo Civil), sendo deste, na qualidade de interessado, o ónus da respectiva alegação na contestação[8] e prova, como ditam o princípio do dispositivo, as regras processuais e o direito substantivo (art.ºs 264º, nº 1, in fine, 486º e 489º do Código de Processo Civil e art.ºs 341º e 342º, nº 2, do Código Civil). Não tendo o R. alegado o facto e sendo dele o ónus de alegação e prova, desconhecendo-se se a A. procedeu ao envio, ou não, dos projectos do contrato de mediação e da adenda contratual posterior ao referido instituto, não é possível declarar a pretendida nulidade, por ausência de fundamento fáctico. Invoca ainda o recorrente que há nulidade do contrato por falta de habilitação de quem representa a A., para mediar, a conceder pelo D…. Segundo o art.º 5º, nº 1, «o exercício da actividade de mediação imobiliária depende de licença a conceder pelo D…». O nº 2 acrescenta que «o D… emitirá cartões de identificação aos administradores, gerentes ou directores das empresas licenciadas, que os deverão exibir em todos os actos em que intervenham». Defende o recorrente, nas alegações, que “pretendendo a Recorrida ser ressarcida financeiramente no âmbito da actividade de mediação imobiliária, deveria este ter justificado e comprovado a qualidade em que contratava e ou a qualidade de quem o representava nessa contratação e, que tal entidade tinha capacidade e, se encontrava habilitada para exercer o referido mandato. O representante da referida sociedade, assim mandatado, deveria ter comprovado a sua capacidade profissional, demonstrando que na data em que contratou tinha essa capacidade e, estava habilitado para tal” (sic). Volvendo à contestação, a questão é suscitada no respectivo artigo 42º, onde, de modo pouco claro, se aponta apenas, como facto, que “o angariador (consultor B…) tem uma licença do E… mas não do D… pelo que também e sem prescindir o contrato inicial é nulo”. Apenas se diz ali também, sem mais concretização, que “os contratos de mediação imobiliária têm que ser celebrados por empresas de mediação inscritas no D…, sendo expressamente vedado às empresas de mediação de celebrar contratos de prestação de serviços com angariadores imobiliários aí não inscritos”. (sic) De parte alguma dos factos provados resulta que a A. agiu através de qualquer angariador e, pelas razões atrás apontadas --- que também aqui relevam ---, não é da A. o ónus da prova de factos que aproveitam ao R. Estaria a cargo do demandado alegar e provar a falta de licença (art.º 5º) do mediador ou de inscrição do angariador (art.º 24º) no D…, ou de quaisquer factos que pudessem relevar na validade do contrato que celebrou, enquanto impedientes do direito da A., sendo do interesse desta, por seu turno, alegar e demonstrar os factos necessários ao exercício do seus direito, designadamente o contrato de mediação que celebrou com o R. e a causa do direito à remuneração. Contudo, aqueles deveres são legais e situam-se fora do âmbito dos contratos que as mediadoras ou os angariadores celebram e são logicamente anteriores por respeitarem a uma relação administrativa, com o Estado, relacionada com a verificação de requisitos prévios ao exercício daquelas actividades. A lei não comina com nulidade dos contratos a inobservância daqueles requisitos; antes estabelece sanções (coimas) para a violação das referidas normas, pela via contra-ordenacional (cf. art.º 44º, nº 1, al.s a) e c)). Neste sentido, se pronunciou já o acórdão desta Relação de 20.9.2001[9], no âmbito de aplicação do Decreto-lei nº 285/92, de 19 de Dezembro, no seguintes termos: “A sanção aplicável ao mediador que exerça a actividade sem licença, não interfere com a validade do acto celebrado nem com a marcha do processo, apenas existe no plano do mediador de facto-Estado”. Improcede, assim, a questão da nulidade do contrato.*2ª questão: a não concretização do contrato de compra e venda e a imputação da causa ao cliente Para tratar da presente questão, há que retomar agora a parte final das considerações gerais já tecidas, designadamente o art.º 18º citado, correndo algum risco de repetir algumas considerações já efectuadas. Vinha sendo defendido e é hoje pacífico no âmbito de aplicação do Decreto-lei nº 21/2004[10], o entendimento de que a remuneração só é devida ao mediador com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (art.º 18º, nº 1), desde que contribua para o efeito uma acção causal e relevante do mediador, ainda que não seja a única. Concretizando a sua obrigação de mediador, este pratica, por conta própria, vários actos materiais, que podem ser de publicitação do que se pretende vender (por exemplo, publicação de anúncios em jornais e revistas, colocação de placas nos prédios em venda, estabelecimento de contactos com clientes em carteira, etc.), visando a obtenção ou concretização do negócio em relação a determinado imóvel. Porém, só no momento da concretização do negócio com o interessado, definido este na alínea a) do n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 211/2004, como “o terceiro angariado pela empresa de mediação, desde que esse terceiro venha a concretizar o negócio visado pelo contrato de mediação”, é que o mediador cumpre o fim precípuo da mediação, razão pela qual apenas nesse momento lhe assiste o direito à remuneração, conforme prescreve o art.º 18º, n.º 1, quando estipula que “a remuneração só é devida com a conclusão do negócio visado pelo exercício da mediação”.[11] Esta é a regra da remuneração do mediador que, no entanto, comporta as duas excepções previstas no nº 2, al.s a) e b) do art.º 18º; uma delas (al. a)) prevendo a remuneração do mediador para o caso em que as partes tenham fixado o regime de exclusividade e o negócio visado não se concretiza por “causa imputável ao cliente da empresa mediadora. E aqui entroncamos no caso sub judice. Não se suscitando dúvida alguma sobre a validade formal e substancial do contrato de mediação celebrado entre A. e R., bem como sobre a sua vigência (por renovação automática do prazo contratual, na falta de denúncia, conforme cláusulas 8ª do contrato e cláusula, a que não obstou a adenda escrita junta a fl.s 26 e 27) na data em que o último vendeu a fracção a terceira pessoa não angariada pela A., relevam aqui ainda, essencialmente, os seguintes factos provados: Entre A. e R. foi estabelecido pelo contrato o regime da exclusividade (cláusula 4ª); A autora apresentou ao réu uma proposta de compra da fracção efectuada por F… pelo preço de € 105.000,00. O R. declinou essa proposta, apresentando uma contraproposta de € 110.000,00 com o adiantamento por parte deste do pagamento de seis meses de condomínio. F… remeteu à autora o mail junto a fls. 35, do qual consta: “aceito a sua proposta apenas pendente de aprovação do crédito bancário”. A A. remeteu ao R. o mail junto a fls. 36, no qual consta que “os clientes que efectuaram a proposta de compra para o seu apartamento concordam e aceitam as condições de venda que propôs. Perante esta situação é urgente termos uma reunião para definir todo este processo”. Ao que o R. respondeu, também por mail: “Peço a vossa exas que não me voltem a contactar, ou então aguardem por um contacto de minha parte”. E sem que se conheça qualquer outro contrato, ficou ainda provado que no dia 11 de Abril de 2008 o R. vendeu a G… e a H… a fracção autónoma objecto da mediação; porém, através de outro mediador, assim, sem a intervenção da A. Importa ter presente que incumbe à A. mediadora, impetrante da remuneração a que se acha com direito, a prova dos respectivos elementos constitutivos, o que, in casu, passa pela existência da referida excepção prevista na al. a) do nº 1 do art.º 18º (art.º 342º, nº 1, do Código Civil). E demonstrado que esteja o contrato e o respectivo incumprimento do R., por nos situarmos no âmbito da responsabilidade contratual, cabe a este a prova de que agiu sem culpa, sob pena de se tornar responsável perante o mediador, pela satisfação do direito à remuneração legalmente previsto (art.ºs 798º e 799º do Código Civil e citado art.º 18º, nº 1, al. a)). Contratada em regime de exclusividade, só a A. tinha o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência (art.º 19º, nº 4). Isto significa que, situando-se fora do regime livre, o R. cliente não dispunha de liberdade de contratar, simultaneamente, com outra entidade imobiliária, nem para promover, ele próprio, a venda. E também não podia revogar unilateralmente o contrato de medição, como efectivamente não revogou. À semelhança do que ocorre quanto à regra da remuneração prevista no nº 1 do art.º 18º, em que aquela é devida mesmo que a acção do mediador não constitua a única causa da conclusão e perfeição do negócio visado[12], mas uma sua causa adequada, também no que respeita às referida excepção (nº 2, al. a)), deve considerar-se que basta o contributo causal preponderante e injustificado do cliente proprietário do bem no sentido da não concretização do negócio para que haja lugar à remuneração. Como se refere naquele aresto, citando um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, “nos contratos de mediação, o direito à remuneração nasce da conclusão dos negócios objecto da mediação, mas a conclusão, para o mediador --- isto resulta da essência do contrato --- surge quando tais negócios se consideram aproximados entre o comitente e terceiros e consegue a adesão destes haja ou não execução posterior. Deve, porém haver um nexo de causalidade entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio.” Na execução dos contratos, as partes estão também obrigadas a deveres acessórios de conduta (protecção, informação e lealdade) que surgem no âmbito das relações específicas, pelos quais tanto o devedor como o credor devem obedecer a princípios de correcção e colaboração recíprocas, por forma a permitir a plena satisfação do interesse do credor sem sacrifícios excessivos para qualquer das partes --- princípio da boa fé (art.º 762º do Código Civil). Ora, o R. cliente não violou apenas o dever de colaboração; deixou de cumprir obrigação essencial a que estava contratualmente adstrito. Desrespeitando o contrato, nomeadamente a regra da exclusividade nele prevista, vendeu a fracção autónoma a terceiros, através de um outro mediador, assim inviabilizando a execução do contrato de mediação. E fê-lo numa ocasião em que a A. mediadora angariara uma pessoa que conduziu de simples interessada na compra da fracção a compradora por ter chegado a acordo com o R. relativamente às condições do negócio, designadamente quanto ao preço, por aceitação da sua proposta. Por encontro de vontade do R. e de F…, a concretização da compra e venda estava apenas dependente da obtenção de um empréstimo bancário com vista ao pagamento do preço, a que o R. não se opôs. Mas bastou que decorresse cerca de uma semana sobre aquela situação para que, sem mais, o R. dissesse, por mail, à A. para não o voltarem a contactar ou para aguardarem um contacto dele próprio. E decorridos cerca de mais 20 dias, vendeu a fracção a terceiros. É certo que a F… poderia vir a não obter o empréstimo necessário, não se concretizando o negócio, mas não é menos verdade que as diligências desenvolvidas pela A. conduziram a uma situação muito próxima da finalização contratual, cumprindo quase tudo o que lhe era contratualmente exigível. E mais não fez porque, sem que tivesse sido denunciado o contrato de mediação, o R. pediu que não o contactassem mais e que aguardassem o seu contacto, para logo a seguir vender a fracção a terceiros e frustrar as legítimas expectativas da A. (e também da compradora) no sentido de que a compra e venda que preparara se viesse a realizar. Sujeito a prévia concessão de um empréstimo, o R. sem sequer cuidou de aguardar por um período de tempo razoável em ordem a saber se o mútuo fora concedido e também não alegou nem provou, com lhe competia, que essa condição para a celebração da compra e venda com a F… lhe fazia perder o interesse na sua realização. É apodíctico que o referido projecto de venda, com a proposta do vendedor aceite pela compradora se deveu ao esforço de actividade da A., designadamente no decurso da negociação prévia, encaminhando os trâmites para conclusão do negócio com perfeição. Essa acção revela cumprimento da sua parte que apenas foi interrompida pelo próprio R. que tornou impossível o cumprimento da mediação. Em resumo, o R. não justificou o seu incumprimento de um contrato que estava em vigor; não provou que agiu sem culpa, pelo que até por força da presunção prevista no art.º 799º do Código Civil se deve concluir que o seu comportamento foi culposo na não concretização do negócio preparado pela A. Os próprios factos provados são reveladores do seu censurável oportunismo ao vender o bem a terceiros em melhores condições logo depois de sugerir à A. que aguardasse… esquivando-se tranquilamente, com subtil rusticidade, ao cumprimento das concretas obrigações contratuais da mediação e desrespeito pelos interesses da A. Neste conspecto, têm-se por verificados os requisitos da obrigação excepcional de remuneração previstos na al. a) do nº 2 do art.º 18º.[13] E é a este valor contratado que a A. tem direito, e não a qualquer indemnização a calcular nos termos gerais de Direito. Improcede, pois, a segunda questão do recurso.*3ª questão: O I.V.A. que recai sobre o valor da remuneração Entende o apelante que a A. age de má fé ao solicitar o pagamento de I.V.A. quer não liquidou ao Estado. Na sua perspectiva, a sentença condenou-a no pagamento de I.V.A. que não existia nem existe. O pagamento do I.V.A. é uma obrigação legal, no caso, emergente da prestação de um serviço pela A. a favor do R. Para além da legislação tributária específica, mais concretamente das normas de incidência previstas no Código do I.V.A., o próprio Decreto-lei nº 21/2004, de 20 de Agosto, através do disposto no art.º 19º, nº 2, al. c), impõe a obrigatoriedade do contrato de mediação prever as condições de remuneração do serviço, nomeadamente o montante ou percentagem e forma de pagamento, “com indicação da taxa de I.V.A. aplicável”. Cientes dessa obrigação legal, A. e R. subscreveram o contrato, fazendo ali constar, sob a cláusula 5ª, nº 2: “O segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração: “A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, acrescida de I.V.A. à taxa legal de 21%”. Ao contrário do alegado pelo R., não consta da petição inicial nem da resposta à contestação qualquer alegação da A. no sentido de que já liquidou o I.V.A. que agora está exigir, tão-pouco se desconhece que tenha facturado o serviço em causa, cuja remuneração, aliás, só agora está a peticionar, por via da acção. É evidente que, devido o I.V.A. e uma vez condenado o R., com trânsito em julgado, pelo valor da remuneração de que a A. é credora nos termos do art.º 18º, nº 2, al. a), deverá ser emitida e paga a respectiva factura, I.V.A. incluído, com obrigação legal da demandante liquidar esse imposto indirecto a favor do Estado. Improcede a terceira questão recursória e, assim, nada mais havendo a conhecer, deve ser julgada improcedente a apelação na sua totalidade, com a necessária confirmação da douta sentença recorrida.*SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil): 1- A falta de envio do projecto do contrato de mediação ao Instituto do Consumidor a que o mediador imobiliário está obrigado, deve ser invocada e provada pelo cliente enquanto causa de nulidade do contrato nos termos dos nºs 7 e 8 do art.º 19º do Decreto-lei nº 211/2004, de 20 de Agosto (regula o exercício da actividade de mediação imobiliária). 2- A falta de licença do mediador ou de inscrição do angariador, a que se referem os art.ºs 5º e 24º do Decreto-lei nº 211/2004, respectivamente, pese embora a sua contrariedade à lei, não gera nulidade do contrato de mediação e de angariação; antes se situa no domínio da relação administrativa do mediador e do angariador com o Estado, a corresponde responsabilidade contra-ordenacional. 3- O proprietário do imóvel (cliente) é responsável pelo pagamento da remuneração contratada, ao abrigo da norma excepcional do art.º 18º, nº 2, al. e), do Decreto-lei nº 211/2004, quando, estando acordado o regime de exclusividade, comprador e vendedor atingiram o acordo necessário à celebração do contrato de compra e venda por diligência do mediador, ficando apenas dependente da obtenção de crédito pelo comprador, sem oposição do vendedor, e este, nada justificando nem aguardando o decurso de um prazo razoável, sem mais, vende o bem a terceiro, frustrando as legítimas expectativas contratuais do mediador pela inviabilização da consumação da venda mediada.*V. Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo apelante.*Porto, 2 de Junho de 201 Filipe Manuel Nunes Caroço Teresa Santos Maria Amália Pereira dos Santos Rocha ________________ [1] V.d. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra, 4ª edição, p.s 54, 103 e 113 e seg.s. [2] A redundância resulta da própria lei e reforça o elevado grau de exigência. [3] Embora não o faça expressamente. [4] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem. [5] Galvão Telles, in Manual do Contratos em Geral, pág. 348. [6] Como acontece nos art.ºs 969.° e seg.s (doação), 1093.º (arrendamento), 1170.° (mandato), 1216.° (empreitada), 1235.° e 1236.° (renda perpétua), 1242.° (renda vitalícia), etc. [7] Vejam-se, a propósito deste direito, “direito de resolução” nos contratos negociados fora do estabelecimento comercial (art.ºs 6.° e 18.° do Decreto-lei nº 143/ /2001, de 26-4), o “direito à livre resolução” nos contratos financeiros comercializados à distância (art.ºs 19.° e seg.s do Decreto-lei n.º 95/2006, de 29-5), o “direito de revogação” nos contratos de crédito ao consumo (art.º 8.°, nºs 2 e 3 do Decreto-lei nº 359/91, de 21-9), o “direito à rescisão” nos contratos de viagem organizada (art.º 29.° do Decreto-lei nº 209/97, de 13-8), o “direito à renúncia” nos contratos de seguro de vida (art. 22.° do Decreto-lei nº n.º 176/95, de 26-7), o “direito de arrependimento” nos contratos de intermediação mobiliária (art.º 322.°, n.º 2 do CVM), ou o “direito à retractação” nos contratos de consumo em geral (art. 9.°, n.º 7 da LDC) - v.d. C. Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, 2005, pág.s 110 e seg.s. [8] Princípio da preclusão. [9] Proc. nº 0131169, in www.dgsi.pt, citando, aliás, outra jurisprudência, como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.3.1997, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. V, pág. 158 e outros arestos dos tribunais superiores. [10] Como já antes passara a ser no âmbito do Decreto-lei nº 77/99 (cf. art.º 19º, nº 1). [11] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.11.2007, proc. nº 07B3569, de 11.2.2010, proc. nº 2044/07.2TBFAR.E1.S1, acórdãos da Relação do Porto de 2.11.2009, proc. nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/144971" target="_blank">1913/08.7TJPRT.P1</a>, de 13.4.2010, proc. nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/144298" target="_blank">5408/06.5TBVFR.P1</a>; na doutrina, Menezes Cordeiro, in “Do Contrato de Mediação”, O Direito, ano 139º, III, pág.s 516 e seg.s, Lacerda Barata, in Contrato de Mediação, in Estudos do Instituto do Direito do Consumo, I, 203. [12] Acórdão da Relação do Porto de 20.9.2001, proc. nº 0131169, in www.dgsi.pt. [13] Em sentido semelhante, cf. acórdão desta Relação de 7.2.2008, proc. nº 0733556, in www.dgsi.pt.
Proc. nº 141/09.9TBMAI.P1 – 3ª Secção (apelação) Tribunal Judicial da Maia Relator: Filipe Caroço Adj. Desemb. Teresa Santos Adj. Desemb. Maria Amália Rocha Acordam no Tribunal da Relação do Porto I. B…, L.DA, pessoa colectiva n.º ………, com sede na … …, Maia, intentou acção declarativa sob a forma de processo sumário contra C…, divorciado, portador do bilhete de identidade n.º ……., contribuinte n.º ………, residente na …, n.º …, ….-… Maia, alegando, no essencial, que por “contrato de mediação” entre eles celebrado, a A. obrigou-se a promover a venda, diligenciando pela angariação de interessado na compra de uma fracção autónoma de um edifício pertencente ao R., mediante remuneração e em regime de exclusividade. Na vigência do contrato, a A. apresentou ao R. uma proposta de compra de um interessado, tendo o A. apresentado uma contra-proposta que foi aceite pela interessada compradora e comunicado ao R. que, surpreendentemente, desistiu do negócio, pelo que, nos termos do contrato e do art.º 18º, nº 2, do Decreto-lei nº 211/2004, de 20 de Agosto, deve pagar-lhe a remuneração prevista, no valor de € 5.500,00, acrescido de IVA, no total de € 6.100,00. Assim: €. 110.000,00 x 5% = € 5.500,00; €. 5.500,00 x 20% = € 1.100,00. Na vigência do contrato, o A. procedeu à alienação onerosa da fracção autónoma a favor de duas outras pessoas. Pede a condenação da R. no pagamento de € 6.600,00, acrescidos de juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento. Citado, o R. contestou a acção, designadamente por excepção e impugnação parcial, alegando essencialmente que, por força de uma adenda introduzida ao contrato de mediação inicial em 14.12.2007 deixou de existir exclusividade na mediação e o contrato passou a ter validade até 28.2.2008. Daí que o crédito reclamado pela A. só seria devido se tivesse por base uma actuação causal da A. relativamente ao negócio posterior e efectivamente concluído, constituindo, nesse caso, uma indemnização pelos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão que, de resto, nunca existiu. O R. nunca aceitou a proposta que lhe foi apresentada pela A., aliás, dependente de uma condição suspensiva resolutiva. Por outro lado, o incumprimento do dever de enviar cópia dos projectos a que se refere o art.º 19º, nº 7, do citado decreto-lei, gera a nulidade do contrato. Por outra via ainda, os contratos de mediação imobiliária têm que ser celebrados por empresas de mediação inscritas no D…, sendo expressamente vedado às empresas de mediação celebrar contratos de prestação de serviços com angariadores imobiliários aí não inscritos e o angariador (consultor B…) tem uma licença do E…, e não do D…, pelo que também por esta via o contrato inicial de mediação é nulo. A A. pretende obter um enriquecimento sem causa. Termina requerendo que se declarem as excepções procedentes, incluindo a nulidade, e que se considerem impugnados todos os factos vertidos na petição inicial, devendo a oposição ser julgada provada e procedente. A A. respondeu à matéria das excepções. Em síntese, alega que a adenda contratual apenas modificou o preço do imóvel, mantendo-se, no mais, o contrato inicial. O não envio dos projectos não gera nulidade alguma. O R. não alegou que a A. não enviou para o Instituto do Consumidor o projecto do contrato de mediação utilizado com o R. e junto como documento n.º 3, com a petição inicial. Impugnou, em larga, medida a matéria de facto nova alegada pelo demandado. Concluiu no sentido da improcedência das excepções invocadas. Foi proferido despacho saneador, com dispensa de audiência preliminar e da selecção da matéria de facto. Instruído o processo, teve lugar a audiência de discussão da causa que culminou com respostas fundamentadas em matéria de facto e a que se seguiu a prolação da sentença cujo segmento decisório é o seguinte: «Pelos fundamentos expostos, julgando improcedentes as excepções de nulidade invocadas pelo réu, julga-se a presente acção procedente, por provada e, em consequência, condena-se o réu, C…, a pagar à autora, B…, Lda., a quantia de €6.600,00 (seis mil e seiscentos euros) acrescida de juros de mora comerciais, à taxa legal, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento. Custas integralmente a cargo do réu.» Inconformado, o R. apelou da sentença formulando as seguintes CONCLUSÕES: «A Sentença Recorrida, não cuidou dos aspectos formais a que obedece o arregimentado pelo Decreto-lei nº 211/2004, embora a sua Decisão tenha colhido neste Diploma, a fundamentação legal, que viria a condenar o Recorrente. E, embora este diploma tenha por finalidade a salvaguarda do interesse financeiro e económico do mediador imobiliário, tal diploma acautela também o interesse do particular, pessoa esta não avisada e inexperiente. Embora tenha a Decisão que ora se Recorre fundamentado as “irregularidades” cometidas como susceptíveis de sancionamento com multa, facto é, que a disposição legal invocada processualmente prescreve a Nulidade contratual e, não a Multa. Fundamentou a Decisão que ora se Recorre a condenação do Recorrente no pagamento de uma indemnização correspondente ao facto de este ter declinado a proposta apresentada pela F…, contudo, esta não passou de mais uma mera intenção; primeiro porque não contratualizou o contrato promessa de compra e venda como obrigada, mas também porque sinal algum entregou, como mutua e reciprocamente estava obrigada pelas propostas de aceitação que reciprocamente subscreveram. Também não cuidou a Sentença que ora se Recorre, de ter em consideração que o Recorrente acabaria por vender a fracção prometida a uma terceira entidade pelo preço convencionado e, declarado o pagamento da comissão, tal como consta na própria escritura de compra e venda junta pela Recorrida, assim cumprindo o legalmente estatuído. Entendeu ainda a Sentença que ora se Recorre, que o facto de não ter sido dado cumprimento ao estatuído no referido D.Lei 211/2004, de não ter sido dado cumprimento ao envio dos projectos como legalmente obrigado, o exercício dessa actividade depende da licença a conceder pelo D…, estatuindo em fase última, que tal incumprimento é punido com contra-ordenação. Esquece-se contudo a Sentença que ora se Recorre, que a entidade que contratou não era, como comprovado documentalmente, pessoa habilitada pelo D… para contratualizar em nome desta ou de terceiras entidades o contrato. Não cuidou igualmente a Sentença que ora se Recorre, de se pronunciar sobre a questão relacionada com o facto do angariador não ser pessoa habilitada ou credenciada pelo D… para poder contratualizar. Tal facto, conduz às diversas sanções alegadas e, à mais grave, a Nulidade de todo o processado. Aliás, a regulamentação de tal matéria tem por pressuposto o acautelar os direitos das partes tanto nos preliminares, como na conclusão do negócio, daí que quando se contrate, as partes devem agir de boa-fé. Não se trata de “queimar etapas” como alegado pelo Mandatário da Recorrida e, constante das gravações E, muito menos, referir-se a contratos tipo como “seja lá o que isso é”. E, não existe qualquer boa-fé, quando se peticionam valores de IVA como liquidados, quando existe prova documental junta aos Autos, pelos competentes Serviços, a afirmar precisamente o contrário; isto é QUE NADA RECEBERAM. E ou quando se não esclarece o Recorrente sobre o produto que contrata e, ou quando se alega deter determinadas qualificações (que presumivelmente habilitam à prática de determinada actividade) quando na realidade as não se detém. A Sentença que ora se Recorre, tão estritamente formal, condenou o Recorrente ao pagamento de uma divida de I.V.A. que não existia nem existe, pelo que nesse sentido também é Nulo. Ainda, em momento algum, provado ficou, que o negócio concretizado, com uma terceira entidade que não a interessada F…, adveio da actuação da entidade (quem nem era mediador nem funcionário da B…, Lda). Prevê e estipula o Decreto-lei nº 211/2004, para efeitos de compensação, que “A prestação do mediador terá de ser causal, em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro. O que também não sucedeu. Não tendo existido perfeição na conclusão do negócio, não tendo existido actuação do mediador na venda realizada, a remuneração não será nunca devida nos termos contratuais e legais.» (sic) Termina no sentido de que se revogue a sentença e se julgue a acção totalmente improcedente, atentas as nulidades invocadas. A A. apresentou contra-alegações com conclusões que também se transcrevem: «A. A douta sentença proferida nos presentes autos não merece qualquer reparo, devendo ser mantida a sábia decisão aí expressa. Sem prescindir, B. As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos (art. 676.°, n.º l do C.P.C.). C. Sendo certo que, poderão os mesmos versar sobre matéria de direito e/ou matéria de facto. D. Assim, lidas e relidas as alegações apresentadas não existe a indicação duma norma jurídica violada ou um concreto facto erradamente julgado, tornando impossível tecer qualquer comentário sobre a bondade do recurso oferecido Mais, E. O recorrente alega que o valor de IVA peticionário nunca foi liquidado pela apelada e, consequentemente, pugna pela não condenação do réu nesse valor. F. O que constitui um facto novo nos presentes autos. G. Ora, não cabe aos tribunais de recurso conhecer de questões novas, devendo apenas estes cingir-se à decisão do tribunal a quo.» (sic) Termina pedindo que se julgue o recurso improcedente, mantendo-se a sentença recorrida.*Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.*II. O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 660º, nº 2, 684º e 685º-Aº do Código de Processo Civil, na redacção que foi introduzida pelo Decreto-lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável). O Tribunal deve apreciar todas as questões decorrentes da lide, mas, embora o possa fazer, não tem que discutir todos os argumentos ou raciocínios das partes, ou seja, apenas deve considerar o que for necessário e suficiente para resolver cada questão[1]. São as seguintes as questões a decidir: Questão prévia suscitada pela recorrida: recurso em matéria de facto; 1- Nulidade do contrato por falta de envio dos projectos referentes ao bem a alienar, pela A., ao Instituto do Consumidor; e por falta de habilitação de quem a representa para mediar, e para angariar, a conceder pelo D… 2- A não concretização do contrato de compra e venda e a imputação da causa ao cliente; e3- Caso seja devida a remuneração à A., se é devido I.V.A. *III. É a seguinte a matéria de facto considerada provada e constante da sentença recorrida: a) A autora é uma pessoa colectiva que tem como objecto social a mediação imobiliária. b) O réu foi proprietário da fracção autónoma sita na …, n.º …, ..° frente, habitação H, na freguesia de …, concelho da Maia, inscrito na matriz sob o artigo 1110.° da freguesia de …, descrita na Conservatória do Registo Predial da Maia sob o art. 00841/0408200. c) Autora e réu celebraram, em 7 de Agosto de 2007, o “contrato de mediação imobiliária, junto a fls. 24/25, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido. d) A autora apresentou ao réu uma proposta de alienação da fracção mencionada em b). e) A autora, em Dezembro de 2007, abordou o réu no sentido de este proceder à alteração do preço de venda do seu imóvel para € 110.000,00 no âmbito de uma campanha de saldos da autora, o que este aceitou, tendo outorgado a “adenda a contrato de mediação imobiliária” cuja cópia se encontra junta a fls. 26/27 e cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido. f) A campanha mencionada em e) duraria entre 28 de Dezembro de 2007 e 28 de Fevereiro de 2008. g) A autora publicou imagens fotográficas da fracção na sua revista e realizou visitas àquela fracção. h) Finda a campanha mencionada em f) sem que a venda se tivesse realizado a autora solicitou autorização ao réu para manter o preço da venda do imóvel em €.110.000,00. i) O que o autor autorizou. j) A autora apresentou ao réu uma proposta de F… de compra por € 105.000,00. k) O réu declinou a proposta mencionada em j) apresentando uma contraproposta de € 110.000,00 com o adiantamento por parte deste do pagamento de seis meses de condomínio. 1) F… remeteu à autora o mail junto a fls. 35 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido no qual consta que “aceito a sua proposta apenas pendente de aprovação do crédito bancário”. m) A autora remeteu ao réu o mail junto a fls. 36 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido no qual consta que “os clientes que efectuaram a proposta de compra para o seu apartamento concordam e aceitam as condições de venda que propôs. Perante esta situação é urgente termos uma reunião para definir todo este processo”. n) O réu remeteu à autora o mail cuja cópia se encontra junta a fls. 40 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido no qual consta que “Peço a vossa exas que não me voltem a contactar, ou então aguardem por um contacto de minha parte”. o) No dia 11 de Abril de 2008, no Cartório Notarial de …, foi outorgada entre o réu e G… e H… a escritura de compra e venda cuja certidão se encontra junta a fls. 78 a 83 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. P) O réu vendeu a fracção descrita em b) a terceiros angariados por um terceiro mediador.*IV. A. Questão prévia suscitada pela recorrida: recurso em matéria de facto. Nas suas alegações de recurso (e não já nas respectivas conclusões) o recorrente transcreve uma parte do (que diz ser o) único depoimento testemunhal prestado em audiência de julgamento. E assim agindo, fica a ideia --- como ficou para a recorrida --- e a aparência, de que está a recorrer em matéria de facto, pois que se o não faz, também não tem justificação a transcrição de depoimentos. Das decisões de que seja admissível recurso (art.ºs 678º, 680º e 684º do Código de Processo Civil), as partes podem recorrer em matéria de facto e em matéria de direito. A lei do processo é especialmente exigente quando se impugne a decisão em matéria de facto. Sob pena de rejeição, o recorrente deve, obrigatoriamente[2], especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; e b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (art.ºs 685º-B nº 1 e 712º, nº 1). O recorrente não deu a mínima satisfação a qualquer uma destas exigências. Pese embora a posição da recorrida no sentido de que não estão reunidos os pressupostos indispensáveis ao recurso em matéria de facto, como que sugerindo a sua rejeição[3], a verdade é que o recorrente nem sequer mostra intenção de recorrer naquela matéria; não põe em causa qualquer dos factos dados como provados nem pretende que, de entre o alegado, se dêem como provados outros factos. Daí que não estejamos perante um caso de rejeição do recurso em matéria de facto, mas de inexistência de recurso com esse fundamento. O apelante não pretende mais do que atacar o que entende ter sido uma incorrecta aplicação do Direito na 1ª instância. É este o objecto da apelação, concretizado nas questões a decidir, acima transcritas e das quais passamos a conhecer.*B. A questão jurídica - Considerações gerais A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à actividade comercial de mediação imobiliária (al. a)). Em 7 de Agosto de 2007, o R. celebrou um contrato com a A. que logo ali denominaram de “contrato de mediação imobiliária”, nos termos do qual esta se obrigou a diligenciar no sentido de conseguir interessado para a compra de uma fracção autónoma de um imóvel, pelo preço de € 117.000,00, no regime de exclusividade e pelo período de 6 meses, mediante a remuneração de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio fosse efectivamente concretizado, acrescido de I.V.A. à taxa de 21% (cf. cláusulas 1ª, 2ª, 4ª, 5ª e 8ª). No âmbito desse contrato ficou ainda clausulado que o contrato se renova automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes através de carta registada com aviso de recepção ou outro meio equivalente, com a antecedência mínima de 10 dias em relação ao seu termo (cláusula 6ª). É este o clausulado mais relevante para a decisão das questões objecto da apelação. Não estando o tribunal sujeito à qualificação jurídica dada pelas partes ao contrato celebrado, ainda que estejam de acordo nessa matéria (art.º 664º), o conteúdo negocial em causa não deixa a menor dúvida de que foi, efectivamente, celebrado entre elas um contrato de mediação imobiliária cujo regime jurídico, atenta a sua data, estava e continua a estar previsto no Decreto-lei nº 211/2004, de 20 de Agosto[4], tal como as partes muito bem consideraram; regime que, por força do respectivo art.º 57º, nº 1, substituiu o que fora regulamentado no Decreto-lei nº 77/99, de 16 de Março que, por sua vez, havia revogado o Decreto-lei nº 285/92, de 19 de Dezembro (cf. respectivo art.º 40º). Resulta do art.º 2º que a actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que vise a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posição em contratos cujo objecto seja um bem imóvel. Essa actividade consubstancia-se no desenvolvimento de: a) Acções de prospecção e recolha de informações que visem encontrar o bem imóvel pretendido pelo cliente; b) Acções de promoção dos bens imóveis sobre os quais o cliente pretenda realizar negócio jurídico, designadamente através da sua divulgação, publicitação ou da realização de leilões. As empresas podem ainda prestar serviços de obtenção de documentação e de informação necessários à concretização dos negócios objecto do contrato de mediação imobiliária, que não estejam legalmente atribuídos, em exclusivo, a outras profissões. Também este último serviço foi contratado entre as partes (cláusula 6ª). Decorre, assim, daquele normativo, por um lado, que a mediação, em sentido técnico ou estrito, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a conseguir interessado para determinado incidente sobre bens imóveis e a aproximar esse interessado da outra parte e, por outro, que a função do mediador (que é apenas um intermediário e desenvolve uma actividade meramente material e preparatória --- a prevista nas alíneas do nº 2 e no nº 3 do art. 2º) consiste em aproximar duas ou mais partes que desejam realizar um negócio, actuando em nome próprio (e não em representação daquelas), facilitando-lhes a conclusão do negócio pretendido. O contrato de mediação é actualmente, como era já no âmbito do regime aprovado pelo Decreto-lei nº 285/92, de 19 de Dezembro e, depois, pelo Decreto-lei nº 77/99, de 16 de Março, um contrato de prestação de serviços nominado e tipificado na lei, onde se previu também o regime da respectiva remuneração da empresa mediadora e que, para o caso concreto em análise, o último estipulava já uma solução semelhante, interessando-nos, em bom rigor, a actual solução, consagrada no art.º 18º do Decreto-lei nº 211/2004, nos seguintes termos: «1- A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação. 2- Exceptuam-se do disposto no número anterior: a) Os casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado, em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, tendo esta direito a remuneração; b) … …». Integrando, como se disse, a categoria dos contratos de prestação de serviços (cf. art.º 4º, nº 1), a mediação é um contrato de resultado e não de mera actividade, compreendendo-se que, por regra, sem a obtenção do objectivo contratado não seja devida remuneração. No caso, a mediadora deveria angariar e aproximar do proprietário vendedor um interessado que reunisse as condições exigidas por ele, necessárias à celebração do contrato de compra e venda da fracção autónoma, designadamente quanto ao preço indicado e condições de pagamento, e só com a conclusão e perfeição do negócio visado seria devida a remuneração dos serviços da A., assim, desde que houvesse também uma relação de causalidade entre a actividade dela e a conclusão do contrato procurado. De facto, na concretização da obrigação do mediador, este pratica, por conta própria, vários actos materiais, que podem ser de publicitação do que se pretende vender (por exemplo, publicação de anúncios em jornais e revistas, colocação de placas nos prédios em venda, estabelecimento de contactos com clientes em carteira, etc.), como, aliás, aconteceu (cf. al. g) dos factos provados), visando a obtenção ou concretização do negócio em relação a determinado imóvel. Porém, só no momento da concretização do negócio com o interessado, definido este na al. a) do n.º 4 do artigo 2.º, como “o terceiro angariado pela empresa de mediação, desde que esse terceiro venha a concretizar o negócio visado pelo contrato de mediação”, é que o mediador cumpre o fim precípuo da mediação, razão pela qual apenas nesse momento lhe assiste o direito à remuneração, conforme prescreve o 18.º, n.º 1, quando estipula que “a remuneração só é devida com a conclusão do negócio visado pelo exercício da mediação”. Dita a referida regra de que o direito à remuneração nasce apenas da conclusão perfeita do negócio objecto da mediação. Esta regra apenas é excepcionada nos casos mencionados no n.º 2 do mesmo artigo 18.º que se reporta ao regime de exclusividade e celebração de contrato promessa. No caso, as partes celebraram o contrato em regime de exclusividade, pelo que só a A. tinha direito de promover a compra e venda do prédio objecto durante o período de vigência por elas estipulado (art.º 19º, nº 4): seis meses a contar da celebração do contrato, ou seja, desde 7 de Agosto de 2007, sem prejuízo da sua renovação automática caso não fosse denunciado por qualquer das partes (cláusula 8ª). Por força da já transcrita al. a) do nº 2 do art.º 18º, o regime de exclusividade na mediação confere ao mediador, excepcionalmente, no que respeita à remuneração dos seus serviços, o direito à retribuição respectiva nos casos em que o negócio visado não seja celebrado por causa imputável ao proprietário do bem, cliente da empresa mediadora, ou seja, aos próprios vendedores. Por nos situarmos no âmbito da responsabilidade contratual, é ao devedor que cabe o ónus de demonstrar que a falta de cumprimento da obrigação não procede de culpa sua (art.º 799º, nº 1, do Código Civil); ou seja, sempre seria do R. o dever de provar que a inviabilização do cumprimento do contrato de mediação não resultou de facto seu, sob pena de se presumir que agiu com culpa. Contudo, por razões de coerência e lógica jurídicas, impõe-se, necessariamente, como sendo anterior à do cumprimento do contrato, a questão da sua vigência; se o contrato, por motivo juridicamente relevante, deixar de vigorar não há, em princípio, que o cumprir, de parte a parte e, por isso, não é possível falar em incumprimento. As partes, mesmo depois de se vincularem, conservam, as duas em conjunto, liberdade negocial, visto poderem, por novo acordo, revogar ou modificar a convenção preliminar. Uma das formas de extinção dos contratos é a sua revogação por vontade das partes. Elas que, no uso da liberdade contratual, decidiram contratar, têm também a liberdade de, em conjunto, poderem modificar ou revogar e extinguir a convenção. E se o contrato tem força de lei entre as partes, deixa de a ter também por vontade delas. Pela revogação do contrato ocorre uma destruição voluntária da relação contratual pelos próprios autores do contrato, assente no acordo dos contraentes posterior à celebração do contrato, com sinal oposto do primitivo[5]. Situando-se a meio termo entre a resolução e a denúncia, tem efeito ex nunc. É discutível se pode haver uma revogação unilateral na mediação imobiliária, por parte do cliente da mediadora. Por regra, na falta de acordo das partes nesse sentido ou de disposição legal que preveja a revogação por acto unilateral[6] ou o chamado direito de desistência[7], a revogação ou a denúncia do contrato só ocorre por vontade conjunta das partes. Aqui chegados, é tempo de entrar nas concretas questões suscitadas na apelação. A exposição introdutória efectuada tem a forte utilidade de constituir um elementar pressuposto de análise dessas questões. Adiante voltaremos a este assunto. 1ª questão: nulidade do contrato por falta de envio dos projectos referentes ao bem a alienar, pela A., ao Instituto do Consumidor; e por falta de habilitação para mediar e para angariar, a conceder pelo D…. Pretende, o apelante, em primeiro lugar, que se comine com nulidade contratual a falta de envio do projecto do contrato referente ao bem a alienar, pela A. ao Instituto do Consumidor. Dispõe o art.º 19º, nº 7, que “tratando-se de contratos com uso de cláusulas contratuais gerais, a empresa de mediação deve enviar a cópia dos respectivos projectos ao Instituto do Consumidor”. E o nº 8 do mesmo preceito legal, num afloramento do princípio de protecção da parte contratual mais fraca e subscritora de contrato de adesão, estipula que o incumprimento daquela obrigação gera a nulidade do contrato, não podendo ela, contudo, ser invocada pela empresa de mediação. Ainda que se entenda, como se impõe pela simples análise do contrato de fl.s 24 e 25 dos autos que o R. usou de uma margem de negociação muito limitada na celebração do contrato de mediação, quase se confinando à subscrição de documento previamente elaborado pela A. (art.º 1º do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro – RJCCG), não pode o tribunal presumir que a A. não procedeu ao envio daquela documentação, facto essencial para a apreciação da nulidade e que não consta do elenco da matéria de facto assente no processo. É certo que o R. invocou aquela forma de invalidade logo na contestação. E fez bem, porquanto a nulidade configura matéria de excepção relativamente ao direito invocado pela A., sendo a contestação o meio e o momento próprios para o efeito (art.ºs 489º e 493º do Código de Processo Civil). Mas invocar a nulidade passa, sobretudo, pela alegação do facto com base no qual aquele efeito deve ser determinado. Ora, em parte alguma da contestação o R. alega que a A. não enviou o projecto do contrato ao Instituto do Consumidor. Limita-se a concluir que a demandante a isso está obrigada, que o incumprimento dessa obrigação gera a nulidade do contrato, a declarar pretender esse efeito, devendo a A. juntar comprovativos do envio e registo dos projectos do contrato e adenda depositados no Instituto do Consumidor. Ou seja, o R. como que considera que se trata de um facto cujo ónus de alegação e prova pertence à A. Mas não é assim. O facto que fundamenta a nulidade, a título de excepção, é impeditivo do direito da A.; é defesa do R. por via de excepção, peremptória (art.ºs 493º, nº 2 e 496º do Código de Processo Civil), sendo deste, na qualidade de interessado, o ónus da respectiva alegação na contestação[8] e prova, como ditam o princípio do dispositivo, as regras processuais e o direito substantivo (art.ºs 264º, nº 1, in fine, 486º e 489º do Código de Processo Civil e art.ºs 341º e 342º, nº 2, do Código Civil). Não tendo o R. alegado o facto e sendo dele o ónus de alegação e prova, desconhecendo-se se a A. procedeu ao envio, ou não, dos projectos do contrato de mediação e da adenda contratual posterior ao referido instituto, não é possível declarar a pretendida nulidade, por ausência de fundamento fáctico. Invoca ainda o recorrente que há nulidade do contrato por falta de habilitação de quem representa a A., para mediar, a conceder pelo D…. Segundo o art.º 5º, nº 1, «o exercício da actividade de mediação imobiliária depende de licença a conceder pelo D…». O nº 2 acrescenta que «o D… emitirá cartões de identificação aos administradores, gerentes ou directores das empresas licenciadas, que os deverão exibir em todos os actos em que intervenham». Defende o recorrente, nas alegações, que “pretendendo a Recorrida ser ressarcida financeiramente no âmbito da actividade de mediação imobiliária, deveria este ter justificado e comprovado a qualidade em que contratava e ou a qualidade de quem o representava nessa contratação e, que tal entidade tinha capacidade e, se encontrava habilitada para exercer o referido mandato. O representante da referida sociedade, assim mandatado, deveria ter comprovado a sua capacidade profissional, demonstrando que na data em que contratou tinha essa capacidade e, estava habilitado para tal” (sic). Volvendo à contestação, a questão é suscitada no respectivo artigo 42º, onde, de modo pouco claro, se aponta apenas, como facto, que “o angariador (consultor B…) tem uma licença do E… mas não do D… pelo que também e sem prescindir o contrato inicial é nulo”. Apenas se diz ali também, sem mais concretização, que “os contratos de mediação imobiliária têm que ser celebrados por empresas de mediação inscritas no D…, sendo expressamente vedado às empresas de mediação de celebrar contratos de prestação de serviços com angariadores imobiliários aí não inscritos”. (sic) De parte alguma dos factos provados resulta que a A. agiu através de qualquer angariador e, pelas razões atrás apontadas --- que também aqui relevam ---, não é da A. o ónus da prova de factos que aproveitam ao R. Estaria a cargo do demandado alegar e provar a falta de licença (art.º 5º) do mediador ou de inscrição do angariador (art.º 24º) no D…, ou de quaisquer factos que pudessem relevar na validade do contrato que celebrou, enquanto impedientes do direito da A., sendo do interesse desta, por seu turno, alegar e demonstrar os factos necessários ao exercício do seus direito, designadamente o contrato de mediação que celebrou com o R. e a causa do direito à remuneração. Contudo, aqueles deveres são legais e situam-se fora do âmbito dos contratos que as mediadoras ou os angariadores celebram e são logicamente anteriores por respeitarem a uma relação administrativa, com o Estado, relacionada com a verificação de requisitos prévios ao exercício daquelas actividades. A lei não comina com nulidade dos contratos a inobservância daqueles requisitos; antes estabelece sanções (coimas) para a violação das referidas normas, pela via contra-ordenacional (cf. art.º 44º, nº 1, al.s a) e c)). Neste sentido, se pronunciou já o acórdão desta Relação de 20.9.2001[9], no âmbito de aplicação do Decreto-lei nº 285/92, de 19 de Dezembro, no seguintes termos: “A sanção aplicável ao mediador que exerça a actividade sem licença, não interfere com a validade do acto celebrado nem com a marcha do processo, apenas existe no plano do mediador de facto-Estado”. Improcede, assim, a questão da nulidade do contrato.*2ª questão: a não concretização do contrato de compra e venda e a imputação da causa ao cliente Para tratar da presente questão, há que retomar agora a parte final das considerações gerais já tecidas, designadamente o art.º 18º citado, correndo algum risco de repetir algumas considerações já efectuadas. Vinha sendo defendido e é hoje pacífico no âmbito de aplicação do Decreto-lei nº 21/2004[10], o entendimento de que a remuneração só é devida ao mediador com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação (art.º 18º, nº 1), desde que contribua para o efeito uma acção causal e relevante do mediador, ainda que não seja a única. Concretizando a sua obrigação de mediador, este pratica, por conta própria, vários actos materiais, que podem ser de publicitação do que se pretende vender (por exemplo, publicação de anúncios em jornais e revistas, colocação de placas nos prédios em venda, estabelecimento de contactos com clientes em carteira, etc.), visando a obtenção ou concretização do negócio em relação a determinado imóvel. Porém, só no momento da concretização do negócio com o interessado, definido este na alínea a) do n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 211/2004, como “o terceiro angariado pela empresa de mediação, desde que esse terceiro venha a concretizar o negócio visado pelo contrato de mediação”, é que o mediador cumpre o fim precípuo da mediação, razão pela qual apenas nesse momento lhe assiste o direito à remuneração, conforme prescreve o art.º 18º, n.º 1, quando estipula que “a remuneração só é devida com a conclusão do negócio visado pelo exercício da mediação”.[11] Esta é a regra da remuneração do mediador que, no entanto, comporta as duas excepções previstas no nº 2, al.s a) e b) do art.º 18º; uma delas (al. a)) prevendo a remuneração do mediador para o caso em que as partes tenham fixado o regime de exclusividade e o negócio visado não se concretiza por “causa imputável ao cliente da empresa mediadora. E aqui entroncamos no caso sub judice. Não se suscitando dúvida alguma sobre a validade formal e substancial do contrato de mediação celebrado entre A. e R., bem como sobre a sua vigência (por renovação automática do prazo contratual, na falta de denúncia, conforme cláusulas 8ª do contrato e cláusula, a que não obstou a adenda escrita junta a fl.s 26 e 27) na data em que o último vendeu a fracção a terceira pessoa não angariada pela A., relevam aqui ainda, essencialmente, os seguintes factos provados: Entre A. e R. foi estabelecido pelo contrato o regime da exclusividade (cláusula 4ª); A autora apresentou ao réu uma proposta de compra da fracção efectuada por F… pelo preço de € 105.000,00. O R. declinou essa proposta, apresentando uma contraproposta de € 110.000,00 com o adiantamento por parte deste do pagamento de seis meses de condomínio. F… remeteu à autora o mail junto a fls. 35, do qual consta: “aceito a sua proposta apenas pendente de aprovação do crédito bancário”. A A. remeteu ao R. o mail junto a fls. 36, no qual consta que “os clientes que efectuaram a proposta de compra para o seu apartamento concordam e aceitam as condições de venda que propôs. Perante esta situação é urgente termos uma reunião para definir todo este processo”. Ao que o R. respondeu, também por mail: “Peço a vossa exas que não me voltem a contactar, ou então aguardem por um contacto de minha parte”. E sem que se conheça qualquer outro contrato, ficou ainda provado que no dia 11 de Abril de 2008 o R. vendeu a G… e a H… a fracção autónoma objecto da mediação; porém, através de outro mediador, assim, sem a intervenção da A. Importa ter presente que incumbe à A. mediadora, impetrante da remuneração a que se acha com direito, a prova dos respectivos elementos constitutivos, o que, in casu, passa pela existência da referida excepção prevista na al. a) do nº 1 do art.º 18º (art.º 342º, nº 1, do Código Civil). E demonstrado que esteja o contrato e o respectivo incumprimento do R., por nos situarmos no âmbito da responsabilidade contratual, cabe a este a prova de que agiu sem culpa, sob pena de se tornar responsável perante o mediador, pela satisfação do direito à remuneração legalmente previsto (art.ºs 798º e 799º do Código Civil e citado art.º 18º, nº 1, al. a)). Contratada em regime de exclusividade, só a A. tinha o direito de promover o negócio objecto do contrato de mediação durante o respectivo período de vigência (art.º 19º, nº 4). Isto significa que, situando-se fora do regime livre, o R. cliente não dispunha de liberdade de contratar, simultaneamente, com outra entidade imobiliária, nem para promover, ele próprio, a venda. E também não podia revogar unilateralmente o contrato de medição, como efectivamente não revogou. À semelhança do que ocorre quanto à regra da remuneração prevista no nº 1 do art.º 18º, em que aquela é devida mesmo que a acção do mediador não constitua a única causa da conclusão e perfeição do negócio visado[12], mas uma sua causa adequada, também no que respeita às referida excepção (nº 2, al. a)), deve considerar-se que basta o contributo causal preponderante e injustificado do cliente proprietário do bem no sentido da não concretização do negócio para que haja lugar à remuneração. Como se refere naquele aresto, citando um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, “nos contratos de mediação, o direito à remuneração nasce da conclusão dos negócios objecto da mediação, mas a conclusão, para o mediador --- isto resulta da essência do contrato --- surge quando tais negócios se consideram aproximados entre o comitente e terceiros e consegue a adesão destes haja ou não execução posterior. Deve, porém haver um nexo de causalidade entre a actividade do mediador e a conclusão do negócio.” Na execução dos contratos, as partes estão também obrigadas a deveres acessórios de conduta (protecção, informação e lealdade) que surgem no âmbito das relações específicas, pelos quais tanto o devedor como o credor devem obedecer a princípios de correcção e colaboração recíprocas, por forma a permitir a plena satisfação do interesse do credor sem sacrifícios excessivos para qualquer das partes --- princípio da boa fé (art.º 762º do Código Civil). Ora, o R. cliente não violou apenas o dever de colaboração; deixou de cumprir obrigação essencial a que estava contratualmente adstrito. Desrespeitando o contrato, nomeadamente a regra da exclusividade nele prevista, vendeu a fracção autónoma a terceiros, através de um outro mediador, assim inviabilizando a execução do contrato de mediação. E fê-lo numa ocasião em que a A. mediadora angariara uma pessoa que conduziu de simples interessada na compra da fracção a compradora por ter chegado a acordo com o R. relativamente às condições do negócio, designadamente quanto ao preço, por aceitação da sua proposta. Por encontro de vontade do R. e de F…, a concretização da compra e venda estava apenas dependente da obtenção de um empréstimo bancário com vista ao pagamento do preço, a que o R. não se opôs. Mas bastou que decorresse cerca de uma semana sobre aquela situação para que, sem mais, o R. dissesse, por mail, à A. para não o voltarem a contactar ou para aguardarem um contacto dele próprio. E decorridos cerca de mais 20 dias, vendeu a fracção a terceiros. É certo que a F… poderia vir a não obter o empréstimo necessário, não se concretizando o negócio, mas não é menos verdade que as diligências desenvolvidas pela A. conduziram a uma situação muito próxima da finalização contratual, cumprindo quase tudo o que lhe era contratualmente exigível. E mais não fez porque, sem que tivesse sido denunciado o contrato de mediação, o R. pediu que não o contactassem mais e que aguardassem o seu contacto, para logo a seguir vender a fracção a terceiros e frustrar as legítimas expectativas da A. (e também da compradora) no sentido de que a compra e venda que preparara se viesse a realizar. Sujeito a prévia concessão de um empréstimo, o R. sem sequer cuidou de aguardar por um período de tempo razoável em ordem a saber se o mútuo fora concedido e também não alegou nem provou, com lhe competia, que essa condição para a celebração da compra e venda com a F… lhe fazia perder o interesse na sua realização. É apodíctico que o referido projecto de venda, com a proposta do vendedor aceite pela compradora se deveu ao esforço de actividade da A., designadamente no decurso da negociação prévia, encaminhando os trâmites para conclusão do negócio com perfeição. Essa acção revela cumprimento da sua parte que apenas foi interrompida pelo próprio R. que tornou impossível o cumprimento da mediação. Em resumo, o R. não justificou o seu incumprimento de um contrato que estava em vigor; não provou que agiu sem culpa, pelo que até por força da presunção prevista no art.º 799º do Código Civil se deve concluir que o seu comportamento foi culposo na não concretização do negócio preparado pela A. Os próprios factos provados são reveladores do seu censurável oportunismo ao vender o bem a terceiros em melhores condições logo depois de sugerir à A. que aguardasse… esquivando-se tranquilamente, com subtil rusticidade, ao cumprimento das concretas obrigações contratuais da mediação e desrespeito pelos interesses da A. Neste conspecto, têm-se por verificados os requisitos da obrigação excepcional de remuneração previstos na al. a) do nº 2 do art.º 18º.[13] E é a este valor contratado que a A. tem direito, e não a qualquer indemnização a calcular nos termos gerais de Direito. Improcede, pois, a segunda questão do recurso.*3ª questão: O I.V.A. que recai sobre o valor da remuneração Entende o apelante que a A. age de má fé ao solicitar o pagamento de I.V.A. quer não liquidou ao Estado. Na sua perspectiva, a sentença condenou-a no pagamento de I.V.A. que não existia nem existe. O pagamento do I.V.A. é uma obrigação legal, no caso, emergente da prestação de um serviço pela A. a favor do R. Para além da legislação tributária específica, mais concretamente das normas de incidência previstas no Código do I.V.A., o próprio Decreto-lei nº 21/2004, de 20 de Agosto, através do disposto no art.º 19º, nº 2, al. c), impõe a obrigatoriedade do contrato de mediação prever as condições de remuneração do serviço, nomeadamente o montante ou percentagem e forma de pagamento, “com indicação da taxa de I.V.A. aplicável”. Cientes dessa obrigação legal, A. e R. subscreveram o contrato, fazendo ali constar, sob a cláusula 5ª, nº 2: “O segundo Contratante obriga-se a pagar à Mediadora a título de remuneração: “A quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efectivamente concretizado, acrescida de I.V.A. à taxa legal de 21%”. Ao contrário do alegado pelo R., não consta da petição inicial nem da resposta à contestação qualquer alegação da A. no sentido de que já liquidou o I.V.A. que agora está exigir, tão-pouco se desconhece que tenha facturado o serviço em causa, cuja remuneração, aliás, só agora está a peticionar, por via da acção. É evidente que, devido o I.V.A. e uma vez condenado o R., com trânsito em julgado, pelo valor da remuneração de que a A. é credora nos termos do art.º 18º, nº 2, al. a), deverá ser emitida e paga a respectiva factura, I.V.A. incluído, com obrigação legal da demandante liquidar esse imposto indirecto a favor do Estado. Improcede a terceira questão recursória e, assim, nada mais havendo a conhecer, deve ser julgada improcedente a apelação na sua totalidade, com a necessária confirmação da douta sentença recorrida.*SUMÁRIO (art.º 713º, nº 7, do Código de Processo Civil): 1- A falta de envio do projecto do contrato de mediação ao Instituto do Consumidor a que o mediador imobiliário está obrigado, deve ser invocada e provada pelo cliente enquanto causa de nulidade do contrato nos termos dos nºs 7 e 8 do art.º 19º do Decreto-lei nº 211/2004, de 20 de Agosto (regula o exercício da actividade de mediação imobiliária). 2- A falta de licença do mediador ou de inscrição do angariador, a que se referem os art.ºs 5º e 24º do Decreto-lei nº 211/2004, respectivamente, pese embora a sua contrariedade à lei, não gera nulidade do contrato de mediação e de angariação; antes se situa no domínio da relação administrativa do mediador e do angariador com o Estado, a corresponde responsabilidade contra-ordenacional. 3- O proprietário do imóvel (cliente) é responsável pelo pagamento da remuneração contratada, ao abrigo da norma excepcional do art.º 18º, nº 2, al. e), do Decreto-lei nº 211/2004, quando, estando acordado o regime de exclusividade, comprador e vendedor atingiram o acordo necessário à celebração do contrato de compra e venda por diligência do mediador, ficando apenas dependente da obtenção de crédito pelo comprador, sem oposição do vendedor, e este, nada justificando nem aguardando o decurso de um prazo razoável, sem mais, vende o bem a terceiro, frustrando as legítimas expectativas contratuais do mediador pela inviabilização da consumação da venda mediada.*V. Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pelo apelante.*Porto, 2 de Junho de 201 Filipe Manuel Nunes Caroço Teresa Santos Maria Amália Pereira dos Santos Rocha ________________ [1] V.d. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra, 4ª edição, p.s 54, 103 e 113 e seg.s. [2] A redundância resulta da própria lei e reforça o elevado grau de exigência. [3] Embora não o faça expressamente. [4] Diploma a que pertencem todas as disposições legais que se citarem sem menção de origem. [5] Galvão Telles, in Manual do Contratos em Geral, pág. 348. [6] Como acontece nos art.ºs 969.° e seg.s (doação), 1093.º (arrendamento), 1170.° (mandato), 1216.° (empreitada), 1235.° e 1236.° (renda perpétua), 1242.° (renda vitalícia), etc. [7] Vejam-se, a propósito deste direito, “direito de resolução” nos contratos negociados fora do estabelecimento comercial (art.ºs 6.° e 18.° do Decreto-lei nº 143/ /2001, de 26-4), o “direito à livre resolução” nos contratos financeiros comercializados à distância (art.ºs 19.° e seg.s do Decreto-lei n.º 95/2006, de 29-5), o “direito de revogação” nos contratos de crédito ao consumo (art.º 8.°, nºs 2 e 3 do Decreto-lei nº 359/91, de 21-9), o “direito à rescisão” nos contratos de viagem organizada (art.º 29.° do Decreto-lei nº 209/97, de 13-8), o “direito à renúncia” nos contratos de seguro de vida (art. 22.° do Decreto-lei nº n.º 176/95, de 26-7), o “direito de arrependimento” nos contratos de intermediação mobiliária (art.º 322.°, n.º 2 do CVM), ou o “direito à retractação” nos contratos de consumo em geral (art. 9.°, n.º 7 da LDC) - v.d. C. Ferreira de Almeida, Direito do Consumo, 2005, pág.s 110 e seg.s. [8] Princípio da preclusão. [9] Proc. nº 0131169, in www.dgsi.pt, citando, aliás, outra jurisprudência, como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.3.1997, Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. V, pág. 158 e outros arestos dos tribunais superiores. [10] Como já antes passara a ser no âmbito do Decreto-lei nº 77/99 (cf. art.º 19º, nº 1). [11] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15.11.2007, proc. nº 07B3569, de 11.2.2010, proc. nº 2044/07.2TBFAR.E1.S1, acórdãos da Relação do Porto de 2.11.2009, proc. nº 1913/08.7TJPRT.P1, de 13.4.2010, proc. nº 5408/06.5TBVFR.P1; na doutrina, Menezes Cordeiro, in “Do Contrato de Mediação”, O Direito, ano 139º, III, pág.s 516 e seg.s, Lacerda Barata, in Contrato de Mediação, in Estudos do Instituto do Direito do Consumo, I, 203. [12] Acórdão da Relação do Porto de 20.9.2001, proc. nº 0131169, in www.dgsi.pt. [13] Em sentido semelhante, cf. acórdão desta Relação de 7.2.2008, proc. nº 0733556, in www.dgsi.pt.