Processo:775/09.1TBPFR.P1
Data do Acordão: 05/12/2011Relator: FERNANDO SAMÕESTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

Tendo os réus procedido à realização de obras no seu terreno e, com elas, alterado o curso normal das águas e causado danos no prédio vizinho, tornaram-se responsáveis pelos prejuízos daí decorrentes.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
FERNANDO SAMÕES
Descritores
DIREITO DE PROPRIEDADE ALTERAÇÃO DO CURSO NORMAL DAS ÁGUAS ENCAMINHAMENTO OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
No do documento
Data do Acordão
12/06/2011
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO.
Decisão
CONFIRMADA A DECISÃO.
Sumário
Tendo os réus procedido à realização de obras no seu terreno e, com elas, alterado o curso normal das águas e causado danos no prédio vizinho, tornaram-se responsáveis pelos prejuízos daí decorrentes.
Decisão integral
Processo n.º 775/09.1TBPFR.P1*Relator: Fernando Samões 
1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha
2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró

Acordam no Tribunal da Relação do Porto - 2.ª Secção:

I. Relatório

B… e mulher C… e D… e mulher E… instauraram, no Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, onde foi distribuída ao 2.º Juízo, em 14/5/2009, acção declarativa com processo sumário contra F… e mulher G…, todos melhor identificados nos autos, pedindo que os réus sejam condenados a:
1. Reconhecer que os primeiros autores são donos e legítimos possuidores do prédio descrito no artigo 1.º da petição inicial; 
2. Reconhecer que os segundos autores são donos e legítimos possuidores do prédio descrito no artigo 2.º da petição inicial; 
3. Reparar os bens dos primeiros autores descritos no artigo 18.º da petição inicial, bem como o muro do prédio dos segundos autores, restituindo-os ao seu estado anterior; 
4. Realizar no prédio descrito em 10.º as obras tecnicamente necessárias e adequadas a impedir o escoamento de águas pluviais para o prédio dos primeiros réus, e a derrocada do muro do prédio dos segundos réus e a garantir as respectivas condições de segurança;
5. Pagar aos primeiros autores uma indemnização de € 1.000,00 (mil euros) e aos segundos autores uma indemnização de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros). 
Para tanto, alegaram, em resumo, que:
São donos de prédios urbanos que confinam com o prédio de que os réus são proprietários.
Neste prédio, em meados de Fevereiro de 2007, os réus iniciaram uma obra de aterro, enchendo o terreno com terra, pedras e entulho, nivelando-o e alcatroando-o. 
Por via desse aterro, os prédios dos autores passaram a situar-se numa cota inferior à do prédio dos réus e, como consequência directa e necessária, as águas pluviais não mais se sumiram no seu terreno, como até então, e por força do declive do pavimento alcatroado, são conduzidas para a área de confrontação com aqueles seus prédios.
Daí que, em Março/Abril de 2007, as águas pluviais provenientes do prédio dos réus tivessem inundado o logradouro e um anexo do prédio dos primeiros autores, danificando tudo quanto se encontrava no interior do anexo e impregnando as suas paredes de humidade. 
Por outro lado, aquando da construção da sua casa de habitação, os segundos autores edificaram um muro que delimitava o seu prédio do dos réus, muro este que ruiu parcialmente em 2/1/2008, devido ao aterro e à força das terras exercida sobre o mesmo por acção dos réus.
Mercê dessa acção e da consequente derrocada do muro, os segundos autores sentiram profundo desgosto, o prédio deles ficou negativamente afectado, estética e funcionalmente, pois as pedras que compunham o muro ficaram espalhadas pelo logradouro, dificultando a sua utilização para fins recreativos, como o faziam até então. 

Os réus contestaram por impugnação e alegando que as águas pluviais sempre fluíram naturalmente do seu prédio para os prédios dos autores, por aquele se situar a um nível superior ao destes, e que, aquando da construção das suas habitações, os autores fizeram escavações nos prédios e não cuidaram de deixar o apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra, pelo que a derrocada do muro é imputável exclusivamente aos próprios autores. Concluíram pela improcedência da acção.

Os autores apresentaram nova petição para correcção do lapso de escrita na identificação do prédio dos réus no art.º 10.º da petição inicial, que entretanto detectaram, rectificação essa que foi admitida por despacho de fls. 86.

Por despacho de fls. 95, foram os autores convidados a completar a petição inicial, concretizando as obras referenciadas abstractamente no pedido formulado em quarto lugar, sob pena de, não o fazendo, tal pedido não poder ter atendimento. 
Os autores apenas concretizaram o próprio pedido e não os factos concretos.

No despacho saneador, foi esse pedido considerado inepto por falta de causa de pedir, tendo os réus sido absolvidos da instância quanto ao mesmo.
Procedeu-se à condensação, com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, de que reclamaram, sem êxito, os réus.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, finda a qual foi decidida a matéria de facto controvertida como consta do douto despacho de fls. 282 a 292, de que não houve reclamações.
Seguiu-se douta sentença que decidiu julgar a acção parcialmente procedente e condenar os réus a:
a) reconhecer que os autores B… e mulher C… são donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito na …, ., em …, Paços de Ferreira, composto por casa de rés-do-chão, andar e logradouro, inscrito na matriz com o artigo 614 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 01004/201100; 
b) reconhecer que os autores D… e mulher, E… são donos e legítimos possuidores do prédio urbano, sito na …, ., em …, Paços de Ferreira, composto por casa de cave, rés-do-chão e logradouro, inscrito na matriz com o artigo 1760 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 957/19991216; 
c) reparar o muro construído pelos autores D… e E… que delimitava o seu prédio do prédio dos réus e a repô-lo na situação em que se encontrava antes de ruir. 
d) pagar aos segundos autores D… e mulher E… uma indemnização no valor de €500 (quinhentos euros), absolvendo-os do demais peticionado.
Inconformados com o assim decidido, os réus interpuseram recurso de apelação para este Tribunal e apresentaram a sua alegação com as seguintes conclusões:
“1- A prova produzida em sede de audiência de julgamento, e nomeadamente o relatório pericial e os esclarecimentos dos Senhores peritos impunham uma resposta diferente à matéria dos quesitos 1, 2, 4, 8 e 9 da base instrutória. 
2- Da prova produzida em julgamento, conjugada com o resultado da prova pericial e respectivos esclarecimentos dos senhores peritos, a resposta ao quesito 1 tinha que ser diferente, provado apenas que os RR regularizaram e nivelaram o terreno do prédio referido em C) e alcatroaram-no parcialmente. 
3- Da conjugação das respostas dadas pelos Senhores peritos, nomeadamente f) e g) do relatório pericial com a resposta dada pelo tribunal ao quesito 7, só pode concluir-se que os prédios mencionados em A) e B) ficaram a uma cota inferior à do prédio dos RR em virtude das escavações efectuadas pelos AA, e não mercê das obras efectuadas no terreno do prédio dos RR. 
4- Estes concretos meios de prova impunham uma resposta diferente ao quesito 2, ou seja a resposta tinha que ser – não provado. 
5- Quanto ao quesito 4, o relatório pericial conclui que as águas escoam pela pendente de Poente para Nascente, e na direcção do prédio dos AA – resposta 4 do relatório pericial. 
6- Nenhuma prova foi produzida no sentido de que as águas são conduzidas, ou que foram realizadas obras, tais como regos, que fossem adequadas a conduzir as águas para os prédios dos AA, nem que pudesse levar ao esclarecimento feito ao quesito pelo Tribunal a quo. 
7- Assim, a resposta ao quesito 4 deverá ser alterada, passando a dar-se como provado apenas que as águas escoam pela pendente Poente / Nascente em direcção ao prédio dos AA. 
8- Quanto ao quesito 8, os senhores peritos não conseguem afirmar se houve enchimento, resposta 9 do relatório pericial, contudo verificaram que o muro construído pelos AA, é um muro de blocos de cimento que estava a fazer delimitação e suporte de terras. Tais muros não são tecnicamente adequados para servirem de muros de suporte de terras, consoante as respostas j) e k) do relatório pericial. 
9- Ora, se com estas, conjugarmos ainda as respostas 11 e f) igualmente dadas pelos senhores peritos no seu relatório pericial e com a resposta dada pelo tribunal a quo ao quesito 7, só podemos concluir que a resposta ao quesito 8 terá que ser não provado. 
10- E, consequentemente, a ruína do muro não foi provocada pela pressão da regularização e nivelamento efectuado pelos RR no seu terreno. 
11- Daí que ao quesito 9 terá que ser dado uma resposta negativa, ou seja não provado. 
12- Os quesitos supra referidos mostram-se, assim, incorrectamente julgados, devendo as respostas dadas aos mesmos pelo Tribunal a quo ser substituídas e alteradas nos termos expostos. 
13- Dispõe o artigo 1351 do C.C. que o dono do prédio superior não pode fazer obras capazes de agravar o escoamento natural das águas. 
14- Como ficou provado, quer pelos esclarecimentos dos Senhores peritos em sede de audiência de julgamento, assim como as testemunhas dos AA, o prédio dos RR sempre teve inclinação de poente para nascente e na direcção dos prédios dos AA. 	
15- Que após as obras essa inclinação ficou menos acentuada. 
16- Dispõe o artigo 342 do C.C. que “àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado”. 
17- Os AA não alegaram nem provaram que as obras efectuadas pelos RR agravaram o escoamento natural das águas, pois só podemos concluir pelo agravamento por comparação com a situação anterior. 	
18- Os AA não alegaram e nem provaram que as obras efectuadas pelos RR aumentaram a cota de nível do seu terreno, e em quanto. 19- Como os AA não alegaram e como tal não poderá ser dado como provado que as obras alteraram a pendente, pois não alegaram qual a pendente e se existia desnível e em que percentagem antes das obras efectuadas pelos RR. 
20- Como tal não havendo termo de comparação não podemos concluir que as obras efectuadas pelos RR agravaram o escoamento natural das águas, antes pelo contrário, da prova produzida resulta claro que as obras aligeiraram, desagravaram esse escoamento, retirando-as do muro dos AA. 
21- Dispõe o artigo 1348 do C.C. que o proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas e poços e fazer escavações desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos e deslocações de terra. 
22- Ora, conforme consta do relatório pericial os AA fizeram escavações numa altura máxima de 3,20m e mínima de 1,65m, até ao limite do seu terreno com o terreno dos RR, e construíram um muro que não é adequado a suportar terras. 
23- O muro construído pelos AA não é tecnicamente adequado a suportar terras, assim como os materiais utilizados não são os adequados para o efeito. 
24- Em conclusão, a ruína do muro deveu-se ao derrube por acção do impulso horizontal no tardoz do muro, resultante do somatório dos impulsos terroso que é permanente e hidráulico que é variável quando chove. 
25- Uma escavação numa altura máxima de 3,20m e mínima de 1,65m exige do proprietário do prédio em que é feita, a obrigação de não privar os prédios vizinhos do apoio necessário a evitar desmoronamentos ou deslocações de terra. 
26- Ora, no presente caso e por via das escavações efectuadas pelos AA, os mesmos tinham a obrigação de construir um muro adequado a suportar as terras que ficaram privadas do apoio natural, pois efectuaram as escavações até ao limite do prédio. 
27- Se os AA tivessem construído um muro de suporte dimensionado por um técnico, de acordo com as normas técnicas construtivas tecnicamente correctas, e com materiais adequados para o efeito o muro não ruiria. 
28- A ruína do muro deveu-se às escavações feitas pelos AA nos seus prédios, e ao facto de o muro não estar dimensionado para o fim a que se destinava, ou seja, suporte de terras. 
29- Violou a douta sentença recorrida o disposto nos artigos 342 do C.C. 1348 e 1351 do C. C. por erro de interpretação. 
NESTES TERMOS, 
Deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que absolva os RR dos pedidos formulados pelos AA.” 

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 707.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC.

Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes (cfr. art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, este na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, aqui aplicável, visto que a propositura da acção é posterior a 1/1/2008 – cfr. art.º 12.º do mesmo diploma) e não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam, as questões que importa dirimir consistem em saber:
a) Se deve ser alterada a matéria de facto no sentido pretendido pelos apelantes, ou seja, se deve ser dada uma resposta mais restritiva ao quesito 1.º e devem ser dados como não provados os quesitos 2.º, 4.º, 8.º e 9.º da base instrutória; 
b) E se a sentença deve ser revogada.

II. Fundamentação

1. De facto

Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
1. Mostra-se registada a favor dos autores B… e mulher C… a aquisição, por compra, do prédio urbano, sito na …, ., em …, Paços de Ferreira, composto por casa de rés-do-chão, andar e logradouro, inscrito na matriz com o artigo 614 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 01004/201100 (0-2, ap. OS/201100) [alínea A) da matéria de facto assente].
2. Mostra-se registado a favor dos autores E… e D… a aquisição, por doação, do prédio urbano, sito na …, ., em …, Paços de Ferreira, composto por casa de cave, rés-do-chão e logradouro, inscrito na matriz com o artigo 1760 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 957/19991216 (G, ap. 17 de 2001110/19) [alínea B) da matéria de facto assente].
3. Mostra-se registada a favor dos réus a aquisição, por compra, do prédio urbano, sito em …, …, em .., Paços de Ferreira, composto por casa de rés-do-chão destinada a armazém, inscrito na matriz com o artigo 1653 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 88/19880301 (G, ap. 15 de 2000/02717) [alínea C) da matéria de facto assente].
4. O prédio referido em 1 confronta de poente com os prédios referidos em 2 e 3 [alínea D) da matéria de facto assente].
5. O prédio referido em 2 confronta de sul com o prédio referido em 3 [alínea E) da matéria de facto assente].
6. Em Fevereiro de 2007, os réus fizeram obras no prédio referido em 3 [alínea F) da matéria de facto assente].
7. Os réus encheram o terreno do prédio referido em 3) com terra, pedras e entulho, nivelaram-no e alcatroaram-no parcialmente (resposta ao quesito 1.º da base instrutória). 
8) Mercê do qual os prédios mencionados em 1 e 2 ficaram numa cota inferior à do prédio referido em 3 (resposta ao quesito 2.º da base instrutória). 
9. Sendo o nivelamento deste prédio executado com trajectória descendente em direcção àqueles outros prédios (resposta ao quesito 3.º da base instrutória). 
10. Em consequência directa e necessária destas obras efectuadas pelos réus, as águas pluviais provenientes do prédio mencionado em 3 são conduzidas para os prédios dos autores, concentrando-se na parte alcatroada nascente norte do prédio dos réus junto a uma guia aí existente (resposta ao quesito 4.º da base instrutória). 
11) Em Março/Abril de 2007, houve uma inundação do logradouro e de um anexo do prédio referido em 1, danificando as paredes interiores do anexo, a base e costas de um armário em mogno de 2 x 2,10 metros, a base e costas de um armário em castanho e eucalipto, a base e costas de um balcão de cozinha e uma bomba de água que aí se encontravam (resposta ao quesito 5.º da base instrutória). 
12. Aquando da construção da casa de habitação, os autores E… e D… edificaram um muro, com a extensão de 29,30 metros e a altura máxima de 3,20 metros e mínima de 1,65 metros em trajectória descendente no sentido poente/nascente, que delimitava o seu prédio do prédio dos réus (resposta ao quesito 7.º da base instrutória). 
13. A terra, pedra e entulho com que os réus encheram o terreno do seu prédio ficou suportada pelo muro construído pelos autores E… e D…, sobre ele passando a exercer pressão (resposta ao quesito 8.º da base instrutória). 
14. O que conduziu a que a 2 de Janeiro de 2008 este muro, na implantação mais a nascente, ruísse num comprimento de 14,70 metros e na altura máxima de 2 metros e mínima de 1,65 metros (resposta ao quesito 9.º da base instrutória). 
15) Ficando as pedras que o compunham espalhadas pelo logradouro do prédio referido em 2) dificultando a sua utilização para fins recreativos, tal como era feito até então (resposta ao quesito 10.º da base instrutória). 
16. Tudo isto provocando desgosto aos autores E… e D… (resposta ao quesito 11.º da base instrutória).  

2. De direito

Aplicando o direito aos factos tendo em vista a resolução das supramencionadas questões, importa começar, como é óbvio e lógico, pela apreciação da pretendida alteração da matéria de facto, pois só depois de esta estar assente é que é possível fazer a sua subsunção jurídica.

2.1. Da alteração da matéria de facto

A Relação pode alterar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto dentro dos limites previstos no art.º 712.º, n.º 1 do CPC que contempla as seguintes situações:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; e
c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
No caso em análise, porque houve gravação dos depoimentos prestados em audiência, estamos perante a hipótese prevista na última parte da al. a) do n.º 1 do citado art.º 712.º, o qual deve ser conjugado com o art.º 685.º-B do mesmo diploma legal.
Prescreve este artigo o seguinte:
1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Por sua vez, este normativo preceitua que “quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, devem ser assinalados na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos”.
No caso em apreço, os recorrentes especificaram os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e indicaram os meios probatórios que entendem fundamentar tal erro, bem como assinalaram a localização dos depoimentos das testemunhas em que fundamentam a sua discordância.
Por isso, consideramos cumprido tal ónus, pelo que iremos conhecer do recurso, procedendo à reapreciação da prova quanto à matéria de facto contida nos quesitos cuja alteração pretendem.
Para este efeito, tal como noutros recursos que já decidimos, seguiremos uma tese mais ampla, recentemente formada, a qual, reconhecendo embora que a gravação dos depoimentos áudio ou vídeo não consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal «a quo», designadamente, o modo como as declarações são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória e que existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia, argumentos utilizados pela tese restritiva até há pouco dominante, entende, ainda assim, que na reapreciação da prova as Relações têm “a mesma amplitude de poderes que tem a 1.ª instância, devendo proceder à audição dos depoimentos ou fazer incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição”. E quando um Tribunal de 2.ª instância, ao reapreciar a prova ali produzida, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção (a que também está sujeito), “conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, fazendo «jus» ao reforço dos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição” (cfr. Abrantes Geraldes, em “Reforma dos Recursos em Processo Civil”, Revista Julgar, n.º 4, Janeiro-Abril/2008, págs. 69 a 76; idem, mesmo Autor em “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2008, págs. 279 a 286, Amâncio Ferreira, em “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 2008, pág. 228, e Acs. do STJ de 01/07/2008 - processo 08A191, de 25/11/2008 -processo 08A3334, de 12/03/2009 - processo 08B3684 e de 28/05/2009 - processo 4303/05.0TBTVD.S1, e desta Relação de 17/11/2009 – processo <a href="https://acordao.pt/decisoes/144906" target="_blank">140/08.8TBMDR.P1</a>, todos em www.dgsi.pt).
É sabido que a prova deve ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas no seu meio social, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, já que tudo isto contribui, afinal, para a formação de raciocínios e juízos que conduzem a determinadas convicções reflectidas na decisão de cada facto.
O Prof. Alberto dos Reis já ensinava que “prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei” (cfr. Código de Processo Civil anotado, vol. IV, pág. 570).
A essas regras de apreciação está sujeita a prova testemunhal, como expressamente dispõe o art.º 396.º do Código Civil.
Dada a sua reconhecida falibilidade, impõe-se uma especial avaliação crítica com vista a uma valoração conscienciosa e prudente do conteúdo dos depoimentos e da sua força probatória, devendo sempre ter-se em consideração a razão de ciência do depoente e as suas relações pessoais ou funcionais com as partes.
Há, ainda, que apreciar a prova no seu conjunto, conjugando todos os elementos produzidos no processo e atendíveis, independentemente da sua proveniência, em face do princípio da aquisição processual (cfr. art.º 515.º do CPC).
E, nessa apreciação global, o julgador poderá lançar mão de presunções naturais, de facto ou judiciais, isto é, no seu prudente arbítrio, poderá deduzir de certo facto conhecido um facto desconhecido (art.ºs 349.º e 351.º, ambos do C. Civil).
Como corolário da sujeição das provas à regra da livre apreciação do julgador, consagrada no art.º 655.º, n.º 1 do CPC, impõe-se-lhe indicar “os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348 e Ac. da RC de 3/10/2000, CJ, ano XXV, tomo IV, pág. 27).
Enunciados os princípios e as regras de direito probatório, é tempo de averiguar se as respostas impugnadas se mostram proferidas em conformidade com eles, sendo que a apreciação que importa agora efectuar deve obedecer às mesmas regras e princípios.
Para tanto, procedeu-se à audição integral da prova produzida em audiência.
Vejamos:
Quesito 1.º
Neste quesito, perguntava-se: “Os réus encheram o terreno do prédio referido em C) com terra, pedras e entulho, nivelaram-no e alcatroaram-no?” 
O mesmo obteve uma resposta restritiva nos termos que constam do n.º 7 dos factos provados, ou seja, foi dado como “provado apenas que os réus encheram o terreno do prédio referido em C) com terra, pedras e entulho, nivelaram-no e alcatroaram-no parcialmente”.
Quesito 2.º
Aqui, questionava-se: “Mercê do qual os prédios mencionados em A) e B) ficaram numa cota inferior à do prédio referido em C)?” 
Este quesito mereceu a resposta de “Provado”.
Quesito 4.º
Perguntava-se neste quesito: “Em consequência directa e necessária destas obras efectuadas pelos réus, as águas pluviais provenientes do prédio mencionado em C) são conduzidas para os prédios dos autores?”
E obteve a resposta de “Provado, esclarecendo-se que essas águas se concentram na parte alcatroada nascente norte do prédio dos réus junto a uma guia aí existente”.
Quesito 8.º
Perguntava-se aqui: “A terra, pedra e entulho com que os réus encheram o terreno do seu prédio ficou suportada pelo muro construído pelos autores E… e D…, sobre ele passando a exercer pressão?”
E obteve a resposta de “Provado”.
Quesito 9.º
Neste questionava-se: “O que conduziu a que a 2 de Janeiro de 2008 este muro, na implantação mais a nascente, ruísse num comprimento de 16,75 metros e na altura máxima de 3 metros e mínima de 2,59 metros?”
E foi-lhe dada resposta restritiva nos seguintes termos: “Provado apenas que o que conduziu a que a 2 de Janeiro de 2008 este muro, na implantação mais a nascente, ruiu num comprimento de 14,70 metros e na altura máxima de 2 metros e mínima de 1,65 metros.”
O Ex.mo Juiz, aquando da motivação da sua decisão sobre a matéria de facto, elaborou um apreciável e invulgar despacho de nove folhas, importando destacar aqui a fundamentação relativa à matéria questionada no recurso, que, pela sua relevância, passamos a transcrever:
“A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica dos depoimentos prestados na audiência de discussão e julgamento, do relatório e dos esclarecimentos dos peritos, dos documentos juntos aos autos e, finalmente da inspecção ao local realizada, todos conjugados com as regras da experiência comum.
Assim, que os réus encheram o seu prédio com terra, pedras e entulho e o nivelaram e alcatroaram-no parcialmente foi expressamente afirmado pelas testemunhas H… e I…, que foram os responsáveis por essa obra.
A testemunha I… foi o responsável pelo nivelamento do terreno dos réus, afirmando que o fez introduzindo no terreno um material designado por "saibro" e que consiste, segunda a testemunha explicou de forma credível e coerente, numa terra própria para "encher" o terreno.
Já H…, de forma credível e desinteressada, explicou que foi o responsável pelo alcatroamento do terreno, tendo para tal enchido o terreno com cerca de 10 centímetros de um material designado por "tout-venant", que consiste precisamente em pedras de variadas formas, e depois procedido ao alcatroamento do terreno.
Também no relatório pericial junto a fls. 151 e seguintes, os Senhores Peritos esclareceram que na zona onde o muro ruiu se verificava “a existência de algum espalhamento de material de pedreira, designado por "tout-venant", que serve em geral de base à constituição, de pavimentos”.
E, não obstante não conseguirem concretizar qual o enchimento de todo o prédio dos réus (resposta 1) do relatório pericial), concluíram depois que "Também no caso em apreço se entende que serviria de base à aplicação do revestimento em betuminoso efectuado no prédio referido em C" (resposta 13).
Por outro lado, dúvida não há de que os réus alcatroaram a maior parte do seu terreno, deixando em terra, por alcatroar, apenas uma parcela de terreno situada a nascente, com a forma de um quadrado, com cerca de 9 metros de aresta.
O alcatroamento parcial do prédio dos réus foi constatado pelo Tribunal na inspecção ao local e resultou, além da prova testemunhal já referida, da resposta 1) do relatório pericial de fls. 151 e das fotografias juntas a fls. 45, que retrata parte do prédio dos réus, concretamente uma parte que está alcatroada; a fls. 48 onde se identifica a zona em que muro ruiu e a zona onde o terreno dos réus deixa de estar alcatroado; a fls. 184 que consiste numa perspectiva em altitude, "de cima", e onde se identifica claramente o terreno dos réus e as zonas onde está alcatroado e onde não está e finalmente fls. 276 que retrata a zona do prédio dos réus que não está alcatroada, nela sendo também visível uma guia de que adiante se falará (resposta ao quesito 1).
No que concerne ao enchimento, não obstante tal não estar alegado, convenceu-se o Tribunal que (os) réus aumentaram a quota do seu prédio, concretamente na zona que confronta com o imóvel referido em B), em cerca de 1,50 metros (1 metro e cinquenta centímetros).
Tal foi a conclusão a que os Senhores Peritos chegaram em sede de audiência de discussão e julgamento, que se acompanha por se mostrar exacta, podendo ser comprovado pela comparação da fotografia junta como documento n.º 3 a fls. 240, com as fotografias de fls. 45 e 48.
De facto, a fls. 240 temos uma imagem ancestral do terreno dos réus e dos autores e na zona central dessa imagem vê-se a quase totalidade de uma coluna e um muro, por trás dessa coluna, vê-se o terreno dos réus, antes do enchimento. Já do lado esquerdo da imagem retratada a fls. 45, após as obras feitas no terreno dos réus vê-se a mesma coluna, mas já quase totalmente coberta. Da mesma forma a fls. 48, no lado direito da imagem aí retratada, voltamos a ver a mesma coluna mas só parcialmente, nomeadamente na parte que se manteve descoberta após o enchimento do terreno dos réus (resposta ao quesito 2).
Por outro lado, comprovou o Tribunal com a inspecção ao local que o nivelamento do prédio dos réus foi executado com trajectória descendente em direcção ao prédio dos autores, concretamente de poente para nascente.
O mesmo foi evidenciado pelos Senhores Peritos no relatório pericial, embora nessa parte o relatório enferme de lapso já que na resposta 2 se refere que o prédio tem inclinação de Norte para Sul, quando como os Senhores Peritos realçaram nos esclarecimentos prestados em audiência, que a inclinação é de Poente para Nascente.
Estes factos foram ainda corroborados pelos depoimentos de várias testemunhas, nomeadamente J… e K…, que demonstraram conhecer bem os terrenos em causa e depuseram de forma sincera, não se escusando a responder a qualquer questão ou a prestar qualquer esclarecimento.
Com o enchimento e nivelamento efectuado, o(s) prédio(s) dos autores ficaram numa quota inferior à do prédio dos réus.
Resultou da prova testemunhal, em particular do depoimento das testemunhas J…, K… e L… que já antes do enchimento efectuado, os prédios dos réus se apresentavam a uma quota superior à dos autores, no entanto, o referido prédio não estava todo nivelado, apurando-se que os prédios quando se encontravam nas respectivas extremas estavam ao mesmo nível, o que de resto é visível nas já referidas fotografias de fls. 240 (resposta ao quesito 3).
Convenceu-se ainda o Tribunal que em consequência das obras efectuadas pelos réus, as águas pluviais provenientes do prédio mencionado em C) são conduzidas para o prédio dos autores, esclarecendo-se que essas águas se concentram na parte alcatroada nascente/norte do prédio dos réus junto a uma guia aí existente.
Esta convicção do Tribunal assentou fundamentalmente da inspecção ao local e nas medições efectuadas aquando dessa inspecção. De facto, na inspecção ao local comprovou o Tribunal que o terreno dos réus se apresenta com uma forma rectangular, desenvolvendo trajectória descendente de poente para nascente, logo na direcção do terreno dos autores (ponto 1 da inspecção ao local). Mais se comprovou que há uma "guia" a delimitar a zona alcatroada da zona não alcatroada do terreno dos réus, cuja existência já havia sido avançada pela testemunha H…, e que consiste numa espécie de degrau com cerca de 10 centímetros de altura e construída em cimento conforme se constata da imagem de fls. 276.
Junto à referida guia, do lado nascente sul, comprovou o Tribunal que "existe claramente uma inclinação para a sua parte central, ou seja de Sul para Norte, não havendo sequer necessidade de a avaliar com o nível dado a sua evidência manifesta", já no lado nascente norte, lado que confronta com o terreno dos autores referido em B) e onde se situa o muro que ruiu, comprovou o Tribunal que "com a utilização de uma régua e um nível colocado no terreno dos réus, (...) o pavimentado está nivelado", ponto 6 do auto de inspecção ao local.
Ou seja, as águas pluviais provenientes do prédio dos réus escoam em sentido descendente e são conduzidas para o prédio dos autores, concentrando-se na parte nascente norte do prédio dos réus, devido ao desnível aí existente, junto à guia, exactamente na zona onde o muro ruiu.
Esta conclusão não esbarra na circunstância de se ter feito uma outra medição no prédio dos réus, cerca de oito metros para poente desde o muro que ruiu, verificando-se que existe um desnível de três graus de norte para sul, dado que como o espaço alcatroado se desenvolve em sentido descendente, de poente para nascente, as águas continuam "a descer" até à estrema nascente alcatroada do terreno dos réus, junto à guia que se vê a fls. 276 e aí se acumulam na parte nascente/norte, pois que aqui não há qualquer desnível, enquanto que na zona nascente/sul, junto a um portão de ferro (que algumas testemunhas aludiram e que se situa no sentido contrário ao muro que ruiu) "existe claramente uma inclinação para a sua parte central, ou seja de Sul para Norte, não havendo sequer necessidade de a avaliar com o nível dado a sua evidência manifesta", conforme se fez constar do auto de inspecção (resposta ao quesito 4).
…
O Tribunal fundou a sua convicção no depoimento de L…, já referido, para dar como provado que, aquando da construção da casa de habitação, os autores E… e D… edificaram um muro que delimitava o seu prédio do prédio dos réus.
Esta testemunha, num depoimento que o Tribunal considerou esclarecedor, credível e coerente, afirmou que foi o responsável pela construção da casa de habitação (dos) autores E… e D… e, de forma sincera, afirmou que edificou um muro, que, como salientou, era apenas um muro de delimitação de terrenos e que, como tal, se destinava somente a demarcar o terreno dos autores do dos réus e não tinha a pretensão de ser um muro de sustentação de terras.
Recorde-se que esta construção edificada pelos autores foi anterior àquela que os réus fizeram no seu prédio, com o enchimento e alcatroamento.
No que concerne à extensão do referido muro, o Tribunal funda-se no teor do relatório pericial, concretamente nos esclarecimentos prestados por escrito a fls. 183.
A testemunha supra referida esclareceu ainda que edificou o muro ao lado de um outro já existente no mesmo local, se bem que o muro que edificou fosse mais comprido, delimitando todo o terreno dos autores, e que se identifica nas fotografias de fls. 43 e 44, 48, 239 e 240, servindo o muro pré-existente como reforço daquele que se edificou (resposta ao quesito 7). 
O Tribunal ficou ainda seguro que a terra, pedra e entulho com que os réus encheram o terreno do seu prédio ficou suportada pelo muro construído pelos autores E… e D…, sobre ele passando a exercer pressão, o que conduziu a que o muro, na implantação mais a nascente, ruísse num comprimento de 14,70 metros e na altura máxima de 2 metros e mínima de 1,65 metros.
Esta convicção assentou, fundamentalmente, na exposição dos Senhores Peritos, quer no relatório pericial quer esclarecimentos prestados em audiência de discussão e julgamento e que, de forma convincente concluíram no relatório pericial de forma unânime, e reafirmaram em audiência de discussão e julgamento, que "a ruína do muro se deve ao derrube por acção do impulso horizontal no tardoz do muro, resultante do somatório dos impulsos terroso que é permanente e hidráulico que é variável e ocorre quando chove" (resposta h) do relatório pericial.
Tal conclusão mostra-se coerente com as regras da normalidade e experiência comum.
É que, sendo o muro em causa um muro de divisão de terrenos, designado por muro de blocos, que unanimemente não serve para sustentar terras, então, se esse muro passa a ter de sustentar terras, é normal que com a força das terras que ele passa a ter de suportar e com a força das águas que se infiltram, que ceda.
Esta conclusão sai ainda reforçada quando se atenta na zona do muro que foi derrubada. É que a zona do muro que cedeu foi aquela em que existia só o muro edificado aquando da construção do imóvel referido em B), não existindo nessa parte o outro muro, designado por muro de reforço, a que se aludiu supra e, por outro lado, como se salientou, é também nesta zona que se concentram as águas pluviais provenientes do prédio dos réus (zona alcatroada nascente/norte do prédio dos réus, junto à guia que se vê a fls. 276).
Em sede de audiência de discussão e julgamento as testemunhas H… e I… avançaram com a teoria de que não poderia o enchimento efectuado no terreno dos réus ocasionar o derrube do muro, argumentando, por um lado, que antes do enchimento e de forma a o suportar havia sido efectuado um muro de pedras, e por outro lado que com a pavimentação, concretamente com os cilindros que efectuaram a pavimentação, caso houvesse algum problema de sustentação de terras, ele seria imediatamente percepcionado. 
Esta tese, com o devido respeito, não mereceu acolhimento por parte do Tribunal. Isto porque, por um lado, na vistoria ao local não obstante se verificar no espaço do muro derrubado, mais ou menos nessa zona central, a existência de várias pedras que se encontravam alinhadas umas em cima das outras, já na zona mais a poente do muro derrubado não se vêem pedras semelhantes, não conseguindo o Tribunal apurar se existe efectivamente essa concentração de pedras, como que formando um muro, ou sequer se o mesmo seria apto a sustentar terras.
Diga-se, aliás, que a existir tal muro de pedras nunca o muro dos autores teria cedido, é que, como se salienta no relatório dos Senhores Peritos, "no caso de estar construído um muro dimensionado por técnico habilitado para o efeito, onde seria prevista a solução técnica para absorver o somatório dos impulsos terroso e hidráulico, então o muro estaria estável e não seria derrubado" (resposta 12).
Por outro lado, o facto de o muro não ter cedido imediatamente aquando do aterro do prédio dos réus e numa altura em que lá circularam veículos pesados designados por cilindros, serve para comprovar que o peso acrescido das terras não foi o único factor que fez ceder o muro.
De facto, tal como salientam os Senhores Peritos, o muro cedeu também por força do impulso hidráulico, não sendo despiciendo salientar, como referiu de forma espontânea e credível a testemunha J…, que o muro cedeu "no Inverno seguinte" ao aterro do prédio dos réus.
Para prova da data concreta em que o muro ruiu tomou-se em consideração o documento de fls. 40 que consiste numa reclamação efectuada pelo autor D… à Câmara Municipal …, expondo que o muro havia caído no dia 2/1/2008 (respostas aos quesitos 8) e 9).
Comprovou, finalmente, o Tribunal na inspecção ao local que as pedras que compunham o muro ficaram espalhadas pelo logradouro do prédio referido em B), o que de resto se mostra documentado ainda nas fotografias de fls. 48 e 155 a 158 (resposta ao quesito 10).
…”.
Em bom rigor, os apelantes não se insurgem contra esta motivação, tendo-se socorrido até dos depoimentos das testemunhas ali referenciadas, I… e H…, bem como dos esclarecimentos prestados em sede de audiência pelos peritos M… e N…, para, com base em excertos truncados dos seus depoimentos, justificar a alteração da matéria de facto no sentido por si propugnado.
Tal alteração passaria por uma resposta mais restritiva ao quesito 1.º, por forma a excluir o enchimento com terra, pedras e entulho, e por respostas negativas aos restantes quesitos, ainda que com o esclarecimento ao quesito 4.º de que as águas escoam pela pendente poente/nascente em direcção ao prédio dos autores (!).
Só que os meios de prova indicados pelos recorrentes não permitem proceder a essa alteração.
O próprio I… referiu que procedeu ao enchimento do terreno dos réus com pedras e saibro, com vista ao seu nivelamento, tendo aumentado a sua cota entre 50 e 70 centímetros. E o H… disse que colocou no mesmo terreno pedras de formas variadas, também para enchimento e preparação para colocação do alcatrão, tendo, com isso aumentado a cota em 16 a 20 centímetros. Ambos afirmaram que actuaram na qualidade de responsáveis pelas respectivas obras e que, com elas, procederam à alteração da inclinação do terreno.
A matéria do quesito 2.º foi alegada no art.º 13.º da petição inicial e foi dada como inteiramente provada. Do seu confronto com a resposta dada ao quesito 1.º resulta que o desnível dos prédios ficou a dever-se ao aludido enchimento do terreno dos réus, ficando os prédios dos autores a uma cota inferior ao daquele. Daí que não tenha cabimento a afirmação de que não foi alegada a causa do desnivelamento ou alteração da cota, nem que esta tenha ficado a dever-se a escavações nos prédios dos autores. O dito enchimento foi comprovado pelas referidas testemunhas que a ele procederam, foi mencionado no relatório pericial de fls. 151 e seguintes, foi por eles esclarecido em audiência de julgamento, está retratado nas fotografias juntas aos autos a fls. 45, 48, 184 e 276, foi corroborado pelas testemunhas J… e K…, bem como foi constatado pelo Tribunal a quo na inspecção que efectuou ao local, constando o resultado dessa diligência a fls. 279 e 280.
A resposta a este quesito não contraria, de forma alguma, a resposta dada ao quesito 7.º, supra transcrita no n.º 12 da fundamentação de facto, nem esta permite concluir que a diferença de cota se ficou a dever às escavações efectuadas pelos autores, uma vez que ali apenas consta como provada a edificação do muro, aquando da construção da casa destes, respectivas dimensões e localização.
Relativamente ao quesito 4.º e ao escoamento das águas, além de resultarem das obras e do desnivelamento dos prédios, nos termos em que se deixaram ditos, foram relevantes os esclarecimentos prestados pelos peritos em audiência, ao afirmarem que a inclinação é de poente para nascente, e não de norte para sul como haviam mencionado no relatório, e, sobretudo, a inspecção judicial efectuada.
Quanto aos quesitos 8.º e 9.º, referentes à queda do muro e respectiva causa, cremos não haver dúvidas de que ocorreram nos termos em que foram dados como provados. Com efeito, o muro só ruiu devido à força exercida sobre ele pela terra, pedra e entulho utilizados para o enchimento do terreno dos réus, bem como ao impulso hidráulico, tal como foi afirmado pelos peritos, quer no relatório que elaboraram quer nos esclarecimentos que prestaram em audiência, e resulta das regras da normalidade e da experiencia comum. É que, tendo o aludido muro sido construído em blocos, para servir de divisória, não sendo concebido nem se destinando a suportar terras ou outros materiais pesados, é normal que ele ceda quando é sobrecarregado com esse tipo de materiais e, sobretudo, quando ocorrem infiltrações de águas. Foi isso mesmo que se verificou com as obras levadas a cabo pelos réus. O facto de o muro não ter sido concebido para suportar pesos, nomeadamente terras e entulhos, não quebra o nexo causal, nem iliba o autor das obras da inerente responsabilidade pela queda, tanto mais que o mesmo fora construído para finalidade diferente da que, na sequência das obras, lhe foi imposta por pessoa estranha ao mesmo. A construção de um muro em pedra solta, de contraforte, referenciado pela testemunha I…, só por si, não abala aquela convicção. Para além de não estar minimamente demonstrada a construção desse muro, a falta da sua constatação, no local da queda, aquando da vistoria e da inspecção judicial efectuadas, e a existência de algumas pedras no terreno dos autores só revelam que, a ter sido construído tal muro, o mesmo não resistiu às obras e sucumbiu arrastando o muro de blocos dos demandantes. O facto de o muro não ter caído logo, aquando da pavimentação e da circulação dos cilindros, referenciado pela testemunha H…, só por si, também nada releva, significando apenas que outros factores contribuíram para a queda de tal muro, designadamente as infiltrações de águas, como afirmaram os peritos, tanto mais que ocorreu em pleno Inverno, por sinal, o primeiro após a realização das obras.
Da reapreciação efectuada por este Tribunal, considerada a prova em causa no seu conjunto, não há razões para nos afastarmos do entendimento tido na 1.ª instância, pois que não se vislumbra qualquer desconformidade notória entre a dita prova e a respectiva decisão, em violação dos princípios supra referenciados.
Não têm a virtualidade de abalar aquela convicção os depoimentos das testemunhas nem os esclarecimentos prestados pelos peritos, referenciados pelos apelantes na sua alegação, os quais foram apreciados em termos que se consideram adequados, tendo sido validamente valorizados e considerados na parte em que o podiam ser. 
Da análise crítica dos depoimentos das referidas testemunhas e dos esclarecimentos dos ditos peritos não pode ficar-se com a convicção indicada pelos recorrentes.
E é esta análise crítica e integrada dos depoimentos com os outros meios de prova que os juízes devem fazer, pois a sua actividade, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos, muito menos truncados. Para se considerarem provados determinados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão.
Na valoração dos depoimentos, o juiz há-de, desde logo, atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, a linguagem gestual, e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente.
Esta percepção só é perfeitamente conseguida com o imediatismo das provas.
A fundamentação constante do despacho de fls. 284 a 292 mostra-se criteriosa, apresenta-se muito bem elaborada e tem suporte na gravação da prova e nos demais elementos constantes dos autos, como nele está exaustivamente mencionado. Dela resulta que foi feita uma correcta análise do valor probatório de todos os elementos, designadamente dos depoimentos prestados, do relatório pericial efectuado e dos documentos juntos, complementados com a inspecção judicial efectuada ao local.
Por isso, e porque não foi apresentado qualquer documento novo superveniente susceptível de destruir a prova em que aquela decisão assentou, não pode este Tribunal alterar tais respostas, pelo que se mantêm.
Improcedem, por conseguinte, as correspondentes conclusões.

2.2. Da improcedência

A improcedência da acção tinha como pressuposto a alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelos apelantes, muito embora só questionem no recurso a condenação constante das alíneas c) e d) da parte decisória da sentença impugnada. 
Pelo menos, assim parece resultar do teor das suas conclusões, na medida em que apenas questionam a reparação e a indemnização, invocando como causa do desmoronamento do muro as escavações efectuadas pelos recorridos no seu terreno e a violação do disposto nos art.ºs 342.º e 1348.º, ambos do Código Civil.
Não tendo conseguido, aquele seu desiderato, é evidente que não se mostram violadas estas disposições legais.
Note-se que dos factos provados, e só estes interessam aqui e agora, não resulta que o muro tivesse caído na sequência de quaisquer escavações feitas pelos autores e que o citado art.º 1348.º permite ao proprietário fazer no seu prédio escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra (cfr. seu n.º 1).
Ora, no caso dos autos, para além de não se mostrarem feitas quaisquer escavações, a relação material controvertida não foi configurada com base nelas, nem podia ser, já que os autores, ora recorridos, pretendem ser reparados dos danos causados no seu próprio prédio, não se tratando, por conseguinte, da indemnização concedida aos proprietários dos prédios vizinhos pelo n.º 2 daquele normativo.
Daí que não faça qualquer sentido a invocação daquele artigo, nem da inobservância das regras do ónus da prova referentes ao direito nele consagrado. 
A outra norma que os recorrentes entendem ter sido violada é o art.º 1351.º do Código Civil.
Este artigo dispõe:
“1. Os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e entulhos que elas arrastam na sua corrente.
2. Nem o dono do prédio inferior pode fazer obras que estorvem o escoamento, nem o dono do prédio superior obras capazes de o agravar, sem prejuízo da possibilidade de constituição da servidão legal de escoamento, nos caos em que é admitida”.
Neste normativo consagra-se o princípio de que as águas devem seguir o seu curso natural, sem que os seus utentes ou os donos dos prédios imponham a outros a alteração artificial desse fluxo normal. Assim, nem o proprietário do prédio superior deve aliter aquam mittere quam natura solete, nem o proprietário do prédio inferior pode opere facto inhibere aquam, quae natura fluat, per suum agrum decurrere, abrangendo todas as águas correntes qualquer que seja a sua origem (cfr. Pires Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., págs. 191 e 192). Deste modo, não é permitida qualquer modificação na escorrência das águas, quer pelo dono do prédio inferior que estorve o defluxo natural, impedindo a torrente natural ou da chuva, quer pelo dono do prédio superior que a agrave (cfr. ac. do STJ, de 9/11/95, no processo 087242, cujo sumário é acessível em www.dgsi.pt). As águas que o prédio inferior está obrigado a receber são apenas as que decorrem naturalmente, e sem obra do homem, dos prédios superiores. Não se trata de uma servidão constituída pela natureza das coisas, mas de restrições aos poderes inerentes à propriedade de imóveis, impostas por lei.
Não obstante a obrigação de receber as águas que naturalmente derivem para o prédio inferior, o seu proprietário pode opor-se a obras que desviem o curso normal das águas ou o tornem mais gravoso para o seu prédio, contra actos que alterem ou agravem o escoamento das águas. Assim, não é permitida qualquer modificação que provoque agravamento da restrição ao direito de propriedade resultante da obrigação de receber as águas que decorrem naturalmente do prédio superior, nomeadamente quando dessas alterações advém a poluição das águas que se projectam sobre o prédio inferior, deixando de ter o direito de lançar tais águas sobre este prédio (cfr. ac. do STJ, de 9/11/95, na CJ –STJ- ano III, tomo III, pág. 104) ou provocando maior caudal. 
Como escreveu Guilherme Moreira, em As Águas, II, n.º 50, “as águas que os prédios inferiores têm de receber são: as águas pluviais que caiam directamente no prédio superior ou que para este decorram de outros prédios superiores a ele; as águas provenientes da liquefação das neves e gelos; as que se infiltrem no terreno, e as nascentes que brotam naturalmente num prédio”. 
A par da obrigação de receber as águas que decorrem naturalmente, há também a obrigação de receber a terra e os entulhos que essas águas arrastam na corrente, mas visa-se “apenas a terra e entulhos que correm naturalmente, e não quaisquer outras substâncias que se juntem às águas por obra do homem e que as tornem nocivas, pois ao recebimento da aqua nocens não está obrigado o prédio inferior” (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 192).
O aludido art.º 1351.º não pressupõe, necessariamente, a contiguidade dos prédios, já que apenas exige que um deles seja superior em relação ao outro, para que possa verificar-se o decurso natural.
Portanto, como resulta do mesmo artigo, e como escrevem os sobreditos Mestres (na obra citada, pág. 193), “o proprietário prejudicado pode opor-se às obras feitas noutro prédio, que desviem o curso das águas ou o tornem mais gravoso, mesmo que os dois prédios se encontrem separados por uma via pública ou por um terreno particular”, acrescentando mais adiante, ainda no mesmo local, que “Do artigo 1351.º depreende-se que o proprietário do prédio inferior terá direito a ser indemnizado dos danos que lhe advenham do escoamento das águas em termos diferentes dos prescritos, tal como o proprietário do prédio superior tem direito a ver reparado o dano que lhe cause o estorvo causado ao exercício normal do seu direito. Mas do preceito resulta ainda a possibilidade de obter, independentemente de quaisquer danos que já se tenham verificado, a destruição das obras (restitutio operis) tendentes a alterar o curso normal das águas ou a estorvar ilicitamente o seu escoamento, como prevenção de danos futuros”.
Embora haja quem defenda tratar-se de responsabilidade extracontratual por factos lícitos (cfr. Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Juris, 5.ª ed., págs. 213 e 217), vem sendo maioritariamente entendido que, por um lado, a violação dos comandos insertos em tal normativo faz incorrer o infractor em responsabilidade extracontratual por factos ilícitos e, por outro lado, que nesse normativo se consagra mais uma das muitas limitações ou restrições ao exercício do direito de propriedade, expressamente previstas no art.º 1305.º, ao definir o conteúdo de tal direito (cfr., entre outros, acórdãos do STJ de 9/3/2004, na CJ – STJ -, ano XII, tomo I, pág. 107 e de 3/10/91, no BMJ n.º 410, pág. 776, da RC de 16/11/99, na CJ, Ano XXIV, Tomo 5, pág. 29 e de 15/11/2005, proferido no processo n.º 2547/05, disponível em www.dgsi.pt e da RE de 15/3/90, na CJ, Ano XV, T.2, pág. 227).
Resulta da matéria de facto apurada que o prédio dos autores D… e E… e o dos réus são confinantes entre si e que o prédio dos primeiros se situa num plano ou cota de nível inferior ao dos últimos. Os réus procederam ao enchimento do terreno do seu prédio, com terra, pedras e entulho, de forma a ficar a uma cota superior ao prédio daqueles autores e alcatroaram-no em parte. A terra, pedra e entulho com que os réus encheram o terreno do seu prédio ficou a ser suportada pelo muro construído pelos autores D… e E…. Em consequência dessas obras, as águas pluviais provenientes do prédio dos réus concentram-se na parte alcatroada, junto a uma guia ali existente, e passaram a ser conduzidas para o prédio dos autores, tendo provocado o desmoronamento de parte daquele muro, numa extensão de 14,70 metros de comprimento.
Perante esta matéria fáctica provada, é por demais evidente que a conduta dos réus cai na previsão do citado art.º 1351.º.
Eles aterraram o seu terreno, aumentaram a cota de nível e encaminharam as águas pluviais provenientes do seu prédio, concentrando-as num local e conduzindo-as para o prédio dos autores, com o que causaram o desmoronamento de parte do muro destes demandantes, ora recorridos.
Alteraram deste modo o curso natural das águas e causaram danos, o que lhes estava vedado pelo n.º 2 do citado art.º 1351.º.
Um bom pai de família, enquanto proprietário normalmente diligente e respeitador, não procederia ao enchimento do seu terreno nos termos em que foi feito, nem alteraria o curso normal das águas, concentrando-as e conduzindo-as para o prédio vizinho.
É, pois, clara a violação culposa daquela norma e, por essa via, do direito de propriedade dos autores.
Assim, para além de ilícita, é também culposa a actuação dos réus.
Ao agirem daquele modo, os réus constituíram-se na obrigação de indemnizar os proprietários vizinhos que se viram lesados com o desmoronamento do muro.
Daí que se imponha a reparação ou reconstrução do muro e a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelos autores, tal como foi decidido na sentença recorrida, e que os réus nem sequer questionaram.
Não têm, pois, cabimento as referências feitas relativamente à falta de alegação e de prova de factos atinentes ao desnivelamento dos prédios e ao agravamento do escoamento, nem à violação dos citados art.ºs 342.º e 1351.º.
A sentença recorrida não merece qualquer censura.
Quer tudo isto dizer que improcedem as restantes conclusões da apelação.

Sumariando nos termos do n.º 7 do art.º 713.º do CPC:
1. Deve ser mantida a matéria de facto dada como provada por ter sido apurada segundo as regras e os princípios do direito probatório;
2. Tendo os réus procedido à realização de obras no seu terreno e, com elas, alterado o curso normal das águas e causado danos no prédio vizinho, tornaram-se responsáveis pelos prejuízos daí decorrentes.

De tudo o que se deixou dito resulta que a apelação improcede e que a sentença impugnada deve ser mantida.

III. Decisão

Pelo exposto decide-se julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.*Custas pelos apelantes.*Porto, 6 de Dezembro de 2011
Fernando Augusto Samões
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
Maria das Dores Eiró de Araújo

Processo n.º 775/09.1TBPFR.P1*Relator: Fernando Samões 1.º Adjunto: Dr. Vieira e Cunha 2.º Adjunto: Dr.ª Maria Eiró Acordam no Tribunal da Relação do Porto - 2.ª Secção: I. Relatório B… e mulher C… e D… e mulher E… instauraram, no Tribunal Judicial da Comarca de Paços de Ferreira, onde foi distribuída ao 2.º Juízo, em 14/5/2009, acção declarativa com processo sumário contra F… e mulher G…, todos melhor identificados nos autos, pedindo que os réus sejam condenados a: 1. Reconhecer que os primeiros autores são donos e legítimos possuidores do prédio descrito no artigo 1.º da petição inicial; 2. Reconhecer que os segundos autores são donos e legítimos possuidores do prédio descrito no artigo 2.º da petição inicial; 3. Reparar os bens dos primeiros autores descritos no artigo 18.º da petição inicial, bem como o muro do prédio dos segundos autores, restituindo-os ao seu estado anterior; 4. Realizar no prédio descrito em 10.º as obras tecnicamente necessárias e adequadas a impedir o escoamento de águas pluviais para o prédio dos primeiros réus, e a derrocada do muro do prédio dos segundos réus e a garantir as respectivas condições de segurança; 5. Pagar aos primeiros autores uma indemnização de € 1.000,00 (mil euros) e aos segundos autores uma indemnização de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros). Para tanto, alegaram, em resumo, que: São donos de prédios urbanos que confinam com o prédio de que os réus são proprietários. Neste prédio, em meados de Fevereiro de 2007, os réus iniciaram uma obra de aterro, enchendo o terreno com terra, pedras e entulho, nivelando-o e alcatroando-o. Por via desse aterro, os prédios dos autores passaram a situar-se numa cota inferior à do prédio dos réus e, como consequência directa e necessária, as águas pluviais não mais se sumiram no seu terreno, como até então, e por força do declive do pavimento alcatroado, são conduzidas para a área de confrontação com aqueles seus prédios. Daí que, em Março/Abril de 2007, as águas pluviais provenientes do prédio dos réus tivessem inundado o logradouro e um anexo do prédio dos primeiros autores, danificando tudo quanto se encontrava no interior do anexo e impregnando as suas paredes de humidade. Por outro lado, aquando da construção da sua casa de habitação, os segundos autores edificaram um muro que delimitava o seu prédio do dos réus, muro este que ruiu parcialmente em 2/1/2008, devido ao aterro e à força das terras exercida sobre o mesmo por acção dos réus. Mercê dessa acção e da consequente derrocada do muro, os segundos autores sentiram profundo desgosto, o prédio deles ficou negativamente afectado, estética e funcionalmente, pois as pedras que compunham o muro ficaram espalhadas pelo logradouro, dificultando a sua utilização para fins recreativos, como o faziam até então. Os réus contestaram por impugnação e alegando que as águas pluviais sempre fluíram naturalmente do seu prédio para os prédios dos autores, por aquele se situar a um nível superior ao destes, e que, aquando da construção das suas habitações, os autores fizeram escavações nos prédios e não cuidaram de deixar o apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra, pelo que a derrocada do muro é imputável exclusivamente aos próprios autores. Concluíram pela improcedência da acção. Os autores apresentaram nova petição para correcção do lapso de escrita na identificação do prédio dos réus no art.º 10.º da petição inicial, que entretanto detectaram, rectificação essa que foi admitida por despacho de fls. 86. Por despacho de fls. 95, foram os autores convidados a completar a petição inicial, concretizando as obras referenciadas abstractamente no pedido formulado em quarto lugar, sob pena de, não o fazendo, tal pedido não poder ter atendimento. Os autores apenas concretizaram o próprio pedido e não os factos concretos. No despacho saneador, foi esse pedido considerado inepto por falta de causa de pedir, tendo os réus sido absolvidos da instância quanto ao mesmo. Procedeu-se à condensação, com selecção dos factos assentes e organização da base instrutória, de que reclamaram, sem êxito, os réus. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com gravação da prova, finda a qual foi decidida a matéria de facto controvertida como consta do douto despacho de fls. 282 a 292, de que não houve reclamações. Seguiu-se douta sentença que decidiu julgar a acção parcialmente procedente e condenar os réus a: a) reconhecer que os autores B… e mulher C… são donos e legítimos possuidores do prédio urbano sito na …, ., em …, Paços de Ferreira, composto por casa de rés-do-chão, andar e logradouro, inscrito na matriz com o artigo 614 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 01004/201100; b) reconhecer que os autores D… e mulher, E… são donos e legítimos possuidores do prédio urbano, sito na …, ., em …, Paços de Ferreira, composto por casa de cave, rés-do-chão e logradouro, inscrito na matriz com o artigo 1760 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 957/19991216; c) reparar o muro construído pelos autores D… e E… que delimitava o seu prédio do prédio dos réus e a repô-lo na situação em que se encontrava antes de ruir. d) pagar aos segundos autores D… e mulher E… uma indemnização no valor de €500 (quinhentos euros), absolvendo-os do demais peticionado. Inconformados com o assim decidido, os réus interpuseram recurso de apelação para este Tribunal e apresentaram a sua alegação com as seguintes conclusões: “1- A prova produzida em sede de audiência de julgamento, e nomeadamente o relatório pericial e os esclarecimentos dos Senhores peritos impunham uma resposta diferente à matéria dos quesitos 1, 2, 4, 8 e 9 da base instrutória. 2- Da prova produzida em julgamento, conjugada com o resultado da prova pericial e respectivos esclarecimentos dos senhores peritos, a resposta ao quesito 1 tinha que ser diferente, provado apenas que os RR regularizaram e nivelaram o terreno do prédio referido em C) e alcatroaram-no parcialmente. 3- Da conjugação das respostas dadas pelos Senhores peritos, nomeadamente f) e g) do relatório pericial com a resposta dada pelo tribunal ao quesito 7, só pode concluir-se que os prédios mencionados em A) e B) ficaram a uma cota inferior à do prédio dos RR em virtude das escavações efectuadas pelos AA, e não mercê das obras efectuadas no terreno do prédio dos RR. 4- Estes concretos meios de prova impunham uma resposta diferente ao quesito 2, ou seja a resposta tinha que ser – não provado. 5- Quanto ao quesito 4, o relatório pericial conclui que as águas escoam pela pendente de Poente para Nascente, e na direcção do prédio dos AA – resposta 4 do relatório pericial. 6- Nenhuma prova foi produzida no sentido de que as águas são conduzidas, ou que foram realizadas obras, tais como regos, que fossem adequadas a conduzir as águas para os prédios dos AA, nem que pudesse levar ao esclarecimento feito ao quesito pelo Tribunal a quo. 7- Assim, a resposta ao quesito 4 deverá ser alterada, passando a dar-se como provado apenas que as águas escoam pela pendente Poente / Nascente em direcção ao prédio dos AA. 8- Quanto ao quesito 8, os senhores peritos não conseguem afirmar se houve enchimento, resposta 9 do relatório pericial, contudo verificaram que o muro construído pelos AA, é um muro de blocos de cimento que estava a fazer delimitação e suporte de terras. Tais muros não são tecnicamente adequados para servirem de muros de suporte de terras, consoante as respostas j) e k) do relatório pericial. 9- Ora, se com estas, conjugarmos ainda as respostas 11 e f) igualmente dadas pelos senhores peritos no seu relatório pericial e com a resposta dada pelo tribunal a quo ao quesito 7, só podemos concluir que a resposta ao quesito 8 terá que ser não provado. 10- E, consequentemente, a ruína do muro não foi provocada pela pressão da regularização e nivelamento efectuado pelos RR no seu terreno. 11- Daí que ao quesito 9 terá que ser dado uma resposta negativa, ou seja não provado. 12- Os quesitos supra referidos mostram-se, assim, incorrectamente julgados, devendo as respostas dadas aos mesmos pelo Tribunal a quo ser substituídas e alteradas nos termos expostos. 13- Dispõe o artigo 1351 do C.C. que o dono do prédio superior não pode fazer obras capazes de agravar o escoamento natural das águas. 14- Como ficou provado, quer pelos esclarecimentos dos Senhores peritos em sede de audiência de julgamento, assim como as testemunhas dos AA, o prédio dos RR sempre teve inclinação de poente para nascente e na direcção dos prédios dos AA. 15- Que após as obras essa inclinação ficou menos acentuada. 16- Dispõe o artigo 342 do C.C. que “àquele que invocar um direito cabe fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado”. 17- Os AA não alegaram nem provaram que as obras efectuadas pelos RR agravaram o escoamento natural das águas, pois só podemos concluir pelo agravamento por comparação com a situação anterior. 18- Os AA não alegaram e nem provaram que as obras efectuadas pelos RR aumentaram a cota de nível do seu terreno, e em quanto. 19- Como os AA não alegaram e como tal não poderá ser dado como provado que as obras alteraram a pendente, pois não alegaram qual a pendente e se existia desnível e em que percentagem antes das obras efectuadas pelos RR. 20- Como tal não havendo termo de comparação não podemos concluir que as obras efectuadas pelos RR agravaram o escoamento natural das águas, antes pelo contrário, da prova produzida resulta claro que as obras aligeiraram, desagravaram esse escoamento, retirando-as do muro dos AA. 21- Dispõe o artigo 1348 do C.C. que o proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas e poços e fazer escavações desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos e deslocações de terra. 22- Ora, conforme consta do relatório pericial os AA fizeram escavações numa altura máxima de 3,20m e mínima de 1,65m, até ao limite do seu terreno com o terreno dos RR, e construíram um muro que não é adequado a suportar terras. 23- O muro construído pelos AA não é tecnicamente adequado a suportar terras, assim como os materiais utilizados não são os adequados para o efeito. 24- Em conclusão, a ruína do muro deveu-se ao derrube por acção do impulso horizontal no tardoz do muro, resultante do somatório dos impulsos terroso que é permanente e hidráulico que é variável quando chove. 25- Uma escavação numa altura máxima de 3,20m e mínima de 1,65m exige do proprietário do prédio em que é feita, a obrigação de não privar os prédios vizinhos do apoio necessário a evitar desmoronamentos ou deslocações de terra. 26- Ora, no presente caso e por via das escavações efectuadas pelos AA, os mesmos tinham a obrigação de construir um muro adequado a suportar as terras que ficaram privadas do apoio natural, pois efectuaram as escavações até ao limite do prédio. 27- Se os AA tivessem construído um muro de suporte dimensionado por um técnico, de acordo com as normas técnicas construtivas tecnicamente correctas, e com materiais adequados para o efeito o muro não ruiria. 28- A ruína do muro deveu-se às escavações feitas pelos AA nos seus prédios, e ao facto de o muro não estar dimensionado para o fim a que se destinava, ou seja, suporte de terras. 29- Violou a douta sentença recorrida o disposto nos artigos 342 do C.C. 1348 e 1351 do C. C. por erro de interpretação. NESTES TERMOS, Deve a douta sentença ser revogada e substituída por outra que absolva os RR dos pedidos formulados pelos AA.” Não foram apresentadas contra-alegações. Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 707.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC. Tudo visto, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso. Sabido que o seu objecto e âmbito estão delimitados pelas conclusões dos recorrentes (cfr. art.ºs 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, este na redacção introduzida pelo DL n.º 303/2007, de 24/8, aqui aplicável, visto que a propositura da acção é posterior a 1/1/2008 – cfr. art.º 12.º do mesmo diploma) e não podendo este Tribunal de 2.ª instância conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excepcionais que aqui não relevam, as questões que importa dirimir consistem em saber: a) Se deve ser alterada a matéria de facto no sentido pretendido pelos apelantes, ou seja, se deve ser dada uma resposta mais restritiva ao quesito 1.º e devem ser dados como não provados os quesitos 2.º, 4.º, 8.º e 9.º da base instrutória; b) E se a sentença deve ser revogada. II. Fundamentação 1. De facto Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos: 1. Mostra-se registada a favor dos autores B… e mulher C… a aquisição, por compra, do prédio urbano, sito na …, ., em …, Paços de Ferreira, composto por casa de rés-do-chão, andar e logradouro, inscrito na matriz com o artigo 614 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 01004/201100 (0-2, ap. OS/201100) [alínea A) da matéria de facto assente]. 2. Mostra-se registado a favor dos autores E… e D… a aquisição, por doação, do prédio urbano, sito na …, ., em …, Paços de Ferreira, composto por casa de cave, rés-do-chão e logradouro, inscrito na matriz com o artigo 1760 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 957/19991216 (G, ap. 17 de 2001110/19) [alínea B) da matéria de facto assente]. 3. Mostra-se registada a favor dos réus a aquisição, por compra, do prédio urbano, sito em …, …, em .., Paços de Ferreira, composto por casa de rés-do-chão destinada a armazém, inscrito na matriz com o artigo 1653 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 88/19880301 (G, ap. 15 de 2000/02717) [alínea C) da matéria de facto assente]. 4. O prédio referido em 1 confronta de poente com os prédios referidos em 2 e 3 [alínea D) da matéria de facto assente]. 5. O prédio referido em 2 confronta de sul com o prédio referido em 3 [alínea E) da matéria de facto assente]. 6. Em Fevereiro de 2007, os réus fizeram obras no prédio referido em 3 [alínea F) da matéria de facto assente]. 7. Os réus encheram o terreno do prédio referido em 3) com terra, pedras e entulho, nivelaram-no e alcatroaram-no parcialmente (resposta ao quesito 1.º da base instrutória). 8) Mercê do qual os prédios mencionados em 1 e 2 ficaram numa cota inferior à do prédio referido em 3 (resposta ao quesito 2.º da base instrutória). 9. Sendo o nivelamento deste prédio executado com trajectória descendente em direcção àqueles outros prédios (resposta ao quesito 3.º da base instrutória). 10. Em consequência directa e necessária destas obras efectuadas pelos réus, as águas pluviais provenientes do prédio mencionado em 3 são conduzidas para os prédios dos autores, concentrando-se na parte alcatroada nascente norte do prédio dos réus junto a uma guia aí existente (resposta ao quesito 4.º da base instrutória). 11) Em Março/Abril de 2007, houve uma inundação do logradouro e de um anexo do prédio referido em 1, danificando as paredes interiores do anexo, a base e costas de um armário em mogno de 2 x 2,10 metros, a base e costas de um armário em castanho e eucalipto, a base e costas de um balcão de cozinha e uma bomba de água que aí se encontravam (resposta ao quesito 5.º da base instrutória). 12. Aquando da construção da casa de habitação, os autores E… e D… edificaram um muro, com a extensão de 29,30 metros e a altura máxima de 3,20 metros e mínima de 1,65 metros em trajectória descendente no sentido poente/nascente, que delimitava o seu prédio do prédio dos réus (resposta ao quesito 7.º da base instrutória). 13. A terra, pedra e entulho com que os réus encheram o terreno do seu prédio ficou suportada pelo muro construído pelos autores E… e D…, sobre ele passando a exercer pressão (resposta ao quesito 8.º da base instrutória). 14. O que conduziu a que a 2 de Janeiro de 2008 este muro, na implantação mais a nascente, ruísse num comprimento de 14,70 metros e na altura máxima de 2 metros e mínima de 1,65 metros (resposta ao quesito 9.º da base instrutória). 15) Ficando as pedras que o compunham espalhadas pelo logradouro do prédio referido em 2) dificultando a sua utilização para fins recreativos, tal como era feito até então (resposta ao quesito 10.º da base instrutória). 16. Tudo isto provocando desgosto aos autores E… e D… (resposta ao quesito 11.º da base instrutória). 2. De direito Aplicando o direito aos factos tendo em vista a resolução das supramencionadas questões, importa começar, como é óbvio e lógico, pela apreciação da pretendida alteração da matéria de facto, pois só depois de esta estar assente é que é possível fazer a sua subsunção jurídica. 2.1. Da alteração da matéria de facto A Relação pode alterar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto dentro dos limites previstos no art.º 712.º, n.º 1 do CPC que contempla as seguintes situações: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida; b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; e c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou. No caso em análise, porque houve gravação dos depoimentos prestados em audiência, estamos perante a hipótese prevista na última parte da al. a) do n.º 1 do citado art.º 712.º, o qual deve ser conjugado com o art.º 685.º-B do mesmo diploma legal. Prescreve este artigo o seguinte: 1. Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição. Por sua vez, este normativo preceitua que “quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, devem ser assinalados na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento, de forma a ser possível uma identificação precisa e separada dos mesmos”. No caso em apreço, os recorrentes especificaram os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados e indicaram os meios probatórios que entendem fundamentar tal erro, bem como assinalaram a localização dos depoimentos das testemunhas em que fundamentam a sua discordância. Por isso, consideramos cumprido tal ónus, pelo que iremos conhecer do recurso, procedendo à reapreciação da prova quanto à matéria de facto contida nos quesitos cuja alteração pretendem. Para este efeito, tal como noutros recursos que já decidimos, seguiremos uma tese mais ampla, recentemente formada, a qual, reconhecendo embora que a gravação dos depoimentos áudio ou vídeo não consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal «a quo», designadamente, o modo como as declarações são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória e que existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia, argumentos utilizados pela tese restritiva até há pouco dominante, entende, ainda assim, que na reapreciação da prova as Relações têm “a mesma amplitude de poderes que tem a 1.ª instância, devendo proceder à audição dos depoimentos ou fazer incidir as regras da experiência, como efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição”. E quando um Tribunal de 2.ª instância, ao reapreciar a prova ali produzida, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção (a que também está sujeito), “conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão, fazendo «jus» ao reforço dos poderes que lhe foram atribuídos enquanto tribunal de instância que garante um segundo grau de jurisdição” (cfr. Abrantes Geraldes, em “Reforma dos Recursos em Processo Civil”, Revista Julgar, n.º 4, Janeiro-Abril/2008, págs. 69 a 76; idem, mesmo Autor em “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2008, págs. 279 a 286, Amâncio Ferreira, em “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 2008, pág. 228, e Acs. do STJ de 01/07/2008 - processo 08A191, de 25/11/2008 -processo 08A3334, de 12/03/2009 - processo 08B3684 e de 28/05/2009 - processo 4303/05.0TBTVD.S1, e desta Relação de 17/11/2009 – processo 140/08.8TBMDR.P1, todos em www.dgsi.pt). É sabido que a prova deve ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas no seu meio social, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, já que tudo isto contribui, afinal, para a formação de raciocínios e juízos que conduzem a determinadas convicções reflectidas na decisão de cada facto. O Prof. Alberto dos Reis já ensinava que “prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência e a sua prudência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei” (cfr. Código de Processo Civil anotado, vol. IV, pág. 570). A essas regras de apreciação está sujeita a prova testemunhal, como expressamente dispõe o art.º 396.º do Código Civil. Dada a sua reconhecida falibilidade, impõe-se uma especial avaliação crítica com vista a uma valoração conscienciosa e prudente do conteúdo dos depoimentos e da sua força probatória, devendo sempre ter-se em consideração a razão de ciência do depoente e as suas relações pessoais ou funcionais com as partes. Há, ainda, que apreciar a prova no seu conjunto, conjugando todos os elementos produzidos no processo e atendíveis, independentemente da sua proveniência, em face do princípio da aquisição processual (cfr. art.º 515.º do CPC). E, nessa apreciação global, o julgador poderá lançar mão de presunções naturais, de facto ou judiciais, isto é, no seu prudente arbítrio, poderá deduzir de certo facto conhecido um facto desconhecido (art.ºs 349.º e 351.º, ambos do C. Civil). Como corolário da sujeição das provas à regra da livre apreciação do julgador, consagrada no art.º 655.º, n.º 1 do CPC, impõe-se-lhe indicar “os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, pág. 348 e Ac. da RC de 3/10/2000, CJ, ano XXV, tomo IV, pág. 27). Enunciados os princípios e as regras de direito probatório, é tempo de averiguar se as respostas impugnadas se mostram proferidas em conformidade com eles, sendo que a apreciação que importa agora efectuar deve obedecer às mesmas regras e princípios. Para tanto, procedeu-se à audição integral da prova produzida em audiência. Vejamos: Quesito 1.º Neste quesito, perguntava-se: “Os réus encheram o terreno do prédio referido em C) com terra, pedras e entulho, nivelaram-no e alcatroaram-no?” O mesmo obteve uma resposta restritiva nos termos que constam do n.º 7 dos factos provados, ou seja, foi dado como “provado apenas que os réus encheram o terreno do prédio referido em C) com terra, pedras e entulho, nivelaram-no e alcatroaram-no parcialmente”. Quesito 2.º Aqui, questionava-se: “Mercê do qual os prédios mencionados em A) e B) ficaram numa cota inferior à do prédio referido em C)?” Este quesito mereceu a resposta de “Provado”. Quesito 4.º Perguntava-se neste quesito: “Em consequência directa e necessária destas obras efectuadas pelos réus, as águas pluviais provenientes do prédio mencionado em C) são conduzidas para os prédios dos autores?” E obteve a resposta de “Provado, esclarecendo-se que essas águas se concentram na parte alcatroada nascente norte do prédio dos réus junto a uma guia aí existente”. Quesito 8.º Perguntava-se aqui: “A terra, pedra e entulho com que os réus encheram o terreno do seu prédio ficou suportada pelo muro construído pelos autores E… e D…, sobre ele passando a exercer pressão?” E obteve a resposta de “Provado”. Quesito 9.º Neste questionava-se: “O que conduziu a que a 2 de Janeiro de 2008 este muro, na implantação mais a nascente, ruísse num comprimento de 16,75 metros e na altura máxima de 3 metros e mínima de 2,59 metros?” E foi-lhe dada resposta restritiva nos seguintes termos: “Provado apenas que o que conduziu a que a 2 de Janeiro de 2008 este muro, na implantação mais a nascente, ruiu num comprimento de 14,70 metros e na altura máxima de 2 metros e mínima de 1,65 metros.” O Ex.mo Juiz, aquando da motivação da sua decisão sobre a matéria de facto, elaborou um apreciável e invulgar despacho de nove folhas, importando destacar aqui a fundamentação relativa à matéria questionada no recurso, que, pela sua relevância, passamos a transcrever: “A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica dos depoimentos prestados na audiência de discussão e julgamento, do relatório e dos esclarecimentos dos peritos, dos documentos juntos aos autos e, finalmente da inspecção ao local realizada, todos conjugados com as regras da experiência comum. Assim, que os réus encheram o seu prédio com terra, pedras e entulho e o nivelaram e alcatroaram-no parcialmente foi expressamente afirmado pelas testemunhas H… e I…, que foram os responsáveis por essa obra. A testemunha I… foi o responsável pelo nivelamento do terreno dos réus, afirmando que o fez introduzindo no terreno um material designado por "saibro" e que consiste, segunda a testemunha explicou de forma credível e coerente, numa terra própria para "encher" o terreno. Já H…, de forma credível e desinteressada, explicou que foi o responsável pelo alcatroamento do terreno, tendo para tal enchido o terreno com cerca de 10 centímetros de um material designado por "tout-venant", que consiste precisamente em pedras de variadas formas, e depois procedido ao alcatroamento do terreno. Também no relatório pericial junto a fls. 151 e seguintes, os Senhores Peritos esclareceram que na zona onde o muro ruiu se verificava “a existência de algum espalhamento de material de pedreira, designado por "tout-venant", que serve em geral de base à constituição, de pavimentos”. E, não obstante não conseguirem concretizar qual o enchimento de todo o prédio dos réus (resposta 1) do relatório pericial), concluíram depois que "Também no caso em apreço se entende que serviria de base à aplicação do revestimento em betuminoso efectuado no prédio referido em C" (resposta 13). Por outro lado, dúvida não há de que os réus alcatroaram a maior parte do seu terreno, deixando em terra, por alcatroar, apenas uma parcela de terreno situada a nascente, com a forma de um quadrado, com cerca de 9 metros de aresta. O alcatroamento parcial do prédio dos réus foi constatado pelo Tribunal na inspecção ao local e resultou, além da prova testemunhal já referida, da resposta 1) do relatório pericial de fls. 151 e das fotografias juntas a fls. 45, que retrata parte do prédio dos réus, concretamente uma parte que está alcatroada; a fls. 48 onde se identifica a zona em que muro ruiu e a zona onde o terreno dos réus deixa de estar alcatroado; a fls. 184 que consiste numa perspectiva em altitude, "de cima", e onde se identifica claramente o terreno dos réus e as zonas onde está alcatroado e onde não está e finalmente fls. 276 que retrata a zona do prédio dos réus que não está alcatroada, nela sendo também visível uma guia de que adiante se falará (resposta ao quesito 1). No que concerne ao enchimento, não obstante tal não estar alegado, convenceu-se o Tribunal que (os) réus aumentaram a quota do seu prédio, concretamente na zona que confronta com o imóvel referido em B), em cerca de 1,50 metros (1 metro e cinquenta centímetros). Tal foi a conclusão a que os Senhores Peritos chegaram em sede de audiência de discussão e julgamento, que se acompanha por se mostrar exacta, podendo ser comprovado pela comparação da fotografia junta como documento n.º 3 a fls. 240, com as fotografias de fls. 45 e 48. De facto, a fls. 240 temos uma imagem ancestral do terreno dos réus e dos autores e na zona central dessa imagem vê-se a quase totalidade de uma coluna e um muro, por trás dessa coluna, vê-se o terreno dos réus, antes do enchimento. Já do lado esquerdo da imagem retratada a fls. 45, após as obras feitas no terreno dos réus vê-se a mesma coluna, mas já quase totalmente coberta. Da mesma forma a fls. 48, no lado direito da imagem aí retratada, voltamos a ver a mesma coluna mas só parcialmente, nomeadamente na parte que se manteve descoberta após o enchimento do terreno dos réus (resposta ao quesito 2). Por outro lado, comprovou o Tribunal com a inspecção ao local que o nivelamento do prédio dos réus foi executado com trajectória descendente em direcção ao prédio dos autores, concretamente de poente para nascente. O mesmo foi evidenciado pelos Senhores Peritos no relatório pericial, embora nessa parte o relatório enferme de lapso já que na resposta 2 se refere que o prédio tem inclinação de Norte para Sul, quando como os Senhores Peritos realçaram nos esclarecimentos prestados em audiência, que a inclinação é de Poente para Nascente. Estes factos foram ainda corroborados pelos depoimentos de várias testemunhas, nomeadamente J… e K…, que demonstraram conhecer bem os terrenos em causa e depuseram de forma sincera, não se escusando a responder a qualquer questão ou a prestar qualquer esclarecimento. Com o enchimento e nivelamento efectuado, o(s) prédio(s) dos autores ficaram numa quota inferior à do prédio dos réus. Resultou da prova testemunhal, em particular do depoimento das testemunhas J…, K… e L… que já antes do enchimento efectuado, os prédios dos réus se apresentavam a uma quota superior à dos autores, no entanto, o referido prédio não estava todo nivelado, apurando-se que os prédios quando se encontravam nas respectivas extremas estavam ao mesmo nível, o que de resto é visível nas já referidas fotografias de fls. 240 (resposta ao quesito 3). Convenceu-se ainda o Tribunal que em consequência das obras efectuadas pelos réus, as águas pluviais provenientes do prédio mencionado em C) são conduzidas para o prédio dos autores, esclarecendo-se que essas águas se concentram na parte alcatroada nascente/norte do prédio dos réus junto a uma guia aí existente. Esta convicção do Tribunal assentou fundamentalmente da inspecção ao local e nas medições efectuadas aquando dessa inspecção. De facto, na inspecção ao local comprovou o Tribunal que o terreno dos réus se apresenta com uma forma rectangular, desenvolvendo trajectória descendente de poente para nascente, logo na direcção do terreno dos autores (ponto 1 da inspecção ao local). Mais se comprovou que há uma "guia" a delimitar a zona alcatroada da zona não alcatroada do terreno dos réus, cuja existência já havia sido avançada pela testemunha H…, e que consiste numa espécie de degrau com cerca de 10 centímetros de altura e construída em cimento conforme se constata da imagem de fls. 276. Junto à referida guia, do lado nascente sul, comprovou o Tribunal que "existe claramente uma inclinação para a sua parte central, ou seja de Sul para Norte, não havendo sequer necessidade de a avaliar com o nível dado a sua evidência manifesta", já no lado nascente norte, lado que confronta com o terreno dos autores referido em B) e onde se situa o muro que ruiu, comprovou o Tribunal que "com a utilização de uma régua e um nível colocado no terreno dos réus, (...) o pavimentado está nivelado", ponto 6 do auto de inspecção ao local. Ou seja, as águas pluviais provenientes do prédio dos réus escoam em sentido descendente e são conduzidas para o prédio dos autores, concentrando-se na parte nascente norte do prédio dos réus, devido ao desnível aí existente, junto à guia, exactamente na zona onde o muro ruiu. Esta conclusão não esbarra na circunstância de se ter feito uma outra medição no prédio dos réus, cerca de oito metros para poente desde o muro que ruiu, verificando-se que existe um desnível de três graus de norte para sul, dado que como o espaço alcatroado se desenvolve em sentido descendente, de poente para nascente, as águas continuam "a descer" até à estrema nascente alcatroada do terreno dos réus, junto à guia que se vê a fls. 276 e aí se acumulam na parte nascente/norte, pois que aqui não há qualquer desnível, enquanto que na zona nascente/sul, junto a um portão de ferro (que algumas testemunhas aludiram e que se situa no sentido contrário ao muro que ruiu) "existe claramente uma inclinação para a sua parte central, ou seja de Sul para Norte, não havendo sequer necessidade de a avaliar com o nível dado a sua evidência manifesta", conforme se fez constar do auto de inspecção (resposta ao quesito 4). … O Tribunal fundou a sua convicção no depoimento de L…, já referido, para dar como provado que, aquando da construção da casa de habitação, os autores E… e D… edificaram um muro que delimitava o seu prédio do prédio dos réus. Esta testemunha, num depoimento que o Tribunal considerou esclarecedor, credível e coerente, afirmou que foi o responsável pela construção da casa de habitação (dos) autores E… e D… e, de forma sincera, afirmou que edificou um muro, que, como salientou, era apenas um muro de delimitação de terrenos e que, como tal, se destinava somente a demarcar o terreno dos autores do dos réus e não tinha a pretensão de ser um muro de sustentação de terras. Recorde-se que esta construção edificada pelos autores foi anterior àquela que os réus fizeram no seu prédio, com o enchimento e alcatroamento. No que concerne à extensão do referido muro, o Tribunal funda-se no teor do relatório pericial, concretamente nos esclarecimentos prestados por escrito a fls. 183. A testemunha supra referida esclareceu ainda que edificou o muro ao lado de um outro já existente no mesmo local, se bem que o muro que edificou fosse mais comprido, delimitando todo o terreno dos autores, e que se identifica nas fotografias de fls. 43 e 44, 48, 239 e 240, servindo o muro pré-existente como reforço daquele que se edificou (resposta ao quesito 7). O Tribunal ficou ainda seguro que a terra, pedra e entulho com que os réus encheram o terreno do seu prédio ficou suportada pelo muro construído pelos autores E… e D…, sobre ele passando a exercer pressão, o que conduziu a que o muro, na implantação mais a nascente, ruísse num comprimento de 14,70 metros e na altura máxima de 2 metros e mínima de 1,65 metros. Esta convicção assentou, fundamentalmente, na exposição dos Senhores Peritos, quer no relatório pericial quer esclarecimentos prestados em audiência de discussão e julgamento e que, de forma convincente concluíram no relatório pericial de forma unânime, e reafirmaram em audiência de discussão e julgamento, que "a ruína do muro se deve ao derrube por acção do impulso horizontal no tardoz do muro, resultante do somatório dos impulsos terroso que é permanente e hidráulico que é variável e ocorre quando chove" (resposta h) do relatório pericial. Tal conclusão mostra-se coerente com as regras da normalidade e experiência comum. É que, sendo o muro em causa um muro de divisão de terrenos, designado por muro de blocos, que unanimemente não serve para sustentar terras, então, se esse muro passa a ter de sustentar terras, é normal que com a força das terras que ele passa a ter de suportar e com a força das águas que se infiltram, que ceda. Esta conclusão sai ainda reforçada quando se atenta na zona do muro que foi derrubada. É que a zona do muro que cedeu foi aquela em que existia só o muro edificado aquando da construção do imóvel referido em B), não existindo nessa parte o outro muro, designado por muro de reforço, a que se aludiu supra e, por outro lado, como se salientou, é também nesta zona que se concentram as águas pluviais provenientes do prédio dos réus (zona alcatroada nascente/norte do prédio dos réus, junto à guia que se vê a fls. 276). Em sede de audiência de discussão e julgamento as testemunhas H… e I… avançaram com a teoria de que não poderia o enchimento efectuado no terreno dos réus ocasionar o derrube do muro, argumentando, por um lado, que antes do enchimento e de forma a o suportar havia sido efectuado um muro de pedras, e por outro lado que com a pavimentação, concretamente com os cilindros que efectuaram a pavimentação, caso houvesse algum problema de sustentação de terras, ele seria imediatamente percepcionado. Esta tese, com o devido respeito, não mereceu acolhimento por parte do Tribunal. Isto porque, por um lado, na vistoria ao local não obstante se verificar no espaço do muro derrubado, mais ou menos nessa zona central, a existência de várias pedras que se encontravam alinhadas umas em cima das outras, já na zona mais a poente do muro derrubado não se vêem pedras semelhantes, não conseguindo o Tribunal apurar se existe efectivamente essa concentração de pedras, como que formando um muro, ou sequer se o mesmo seria apto a sustentar terras. Diga-se, aliás, que a existir tal muro de pedras nunca o muro dos autores teria cedido, é que, como se salienta no relatório dos Senhores Peritos, "no caso de estar construído um muro dimensionado por técnico habilitado para o efeito, onde seria prevista a solução técnica para absorver o somatório dos impulsos terroso e hidráulico, então o muro estaria estável e não seria derrubado" (resposta 12). Por outro lado, o facto de o muro não ter cedido imediatamente aquando do aterro do prédio dos réus e numa altura em que lá circularam veículos pesados designados por cilindros, serve para comprovar que o peso acrescido das terras não foi o único factor que fez ceder o muro. De facto, tal como salientam os Senhores Peritos, o muro cedeu também por força do impulso hidráulico, não sendo despiciendo salientar, como referiu de forma espontânea e credível a testemunha J…, que o muro cedeu "no Inverno seguinte" ao aterro do prédio dos réus. Para prova da data concreta em que o muro ruiu tomou-se em consideração o documento de fls. 40 que consiste numa reclamação efectuada pelo autor D… à Câmara Municipal …, expondo que o muro havia caído no dia 2/1/2008 (respostas aos quesitos 8) e 9). Comprovou, finalmente, o Tribunal na inspecção ao local que as pedras que compunham o muro ficaram espalhadas pelo logradouro do prédio referido em B), o que de resto se mostra documentado ainda nas fotografias de fls. 48 e 155 a 158 (resposta ao quesito 10). …”. Em bom rigor, os apelantes não se insurgem contra esta motivação, tendo-se socorrido até dos depoimentos das testemunhas ali referenciadas, I… e H…, bem como dos esclarecimentos prestados em sede de audiência pelos peritos M… e N…, para, com base em excertos truncados dos seus depoimentos, justificar a alteração da matéria de facto no sentido por si propugnado. Tal alteração passaria por uma resposta mais restritiva ao quesito 1.º, por forma a excluir o enchimento com terra, pedras e entulho, e por respostas negativas aos restantes quesitos, ainda que com o esclarecimento ao quesito 4.º de que as águas escoam pela pendente poente/nascente em direcção ao prédio dos autores (!). Só que os meios de prova indicados pelos recorrentes não permitem proceder a essa alteração. O próprio I… referiu que procedeu ao enchimento do terreno dos réus com pedras e saibro, com vista ao seu nivelamento, tendo aumentado a sua cota entre 50 e 70 centímetros. E o H… disse que colocou no mesmo terreno pedras de formas variadas, também para enchimento e preparação para colocação do alcatrão, tendo, com isso aumentado a cota em 16 a 20 centímetros. Ambos afirmaram que actuaram na qualidade de responsáveis pelas respectivas obras e que, com elas, procederam à alteração da inclinação do terreno. A matéria do quesito 2.º foi alegada no art.º 13.º da petição inicial e foi dada como inteiramente provada. Do seu confronto com a resposta dada ao quesito 1.º resulta que o desnível dos prédios ficou a dever-se ao aludido enchimento do terreno dos réus, ficando os prédios dos autores a uma cota inferior ao daquele. Daí que não tenha cabimento a afirmação de que não foi alegada a causa do desnivelamento ou alteração da cota, nem que esta tenha ficado a dever-se a escavações nos prédios dos autores. O dito enchimento foi comprovado pelas referidas testemunhas que a ele procederam, foi mencionado no relatório pericial de fls. 151 e seguintes, foi por eles esclarecido em audiência de julgamento, está retratado nas fotografias juntas aos autos a fls. 45, 48, 184 e 276, foi corroborado pelas testemunhas J… e K…, bem como foi constatado pelo Tribunal a quo na inspecção que efectuou ao local, constando o resultado dessa diligência a fls. 279 e 280. A resposta a este quesito não contraria, de forma alguma, a resposta dada ao quesito 7.º, supra transcrita no n.º 12 da fundamentação de facto, nem esta permite concluir que a diferença de cota se ficou a dever às escavações efectuadas pelos autores, uma vez que ali apenas consta como provada a edificação do muro, aquando da construção da casa destes, respectivas dimensões e localização. Relativamente ao quesito 4.º e ao escoamento das águas, além de resultarem das obras e do desnivelamento dos prédios, nos termos em que se deixaram ditos, foram relevantes os esclarecimentos prestados pelos peritos em audiência, ao afirmarem que a inclinação é de poente para nascente, e não de norte para sul como haviam mencionado no relatório, e, sobretudo, a inspecção judicial efectuada. Quanto aos quesitos 8.º e 9.º, referentes à queda do muro e respectiva causa, cremos não haver dúvidas de que ocorreram nos termos em que foram dados como provados. Com efeito, o muro só ruiu devido à força exercida sobre ele pela terra, pedra e entulho utilizados para o enchimento do terreno dos réus, bem como ao impulso hidráulico, tal como foi afirmado pelos peritos, quer no relatório que elaboraram quer nos esclarecimentos que prestaram em audiência, e resulta das regras da normalidade e da experiencia comum. É que, tendo o aludido muro sido construído em blocos, para servir de divisória, não sendo concebido nem se destinando a suportar terras ou outros materiais pesados, é normal que ele ceda quando é sobrecarregado com esse tipo de materiais e, sobretudo, quando ocorrem infiltrações de águas. Foi isso mesmo que se verificou com as obras levadas a cabo pelos réus. O facto de o muro não ter sido concebido para suportar pesos, nomeadamente terras e entulhos, não quebra o nexo causal, nem iliba o autor das obras da inerente responsabilidade pela queda, tanto mais que o mesmo fora construído para finalidade diferente da que, na sequência das obras, lhe foi imposta por pessoa estranha ao mesmo. A construção de um muro em pedra solta, de contraforte, referenciado pela testemunha I…, só por si, não abala aquela convicção. Para além de não estar minimamente demonstrada a construção desse muro, a falta da sua constatação, no local da queda, aquando da vistoria e da inspecção judicial efectuadas, e a existência de algumas pedras no terreno dos autores só revelam que, a ter sido construído tal muro, o mesmo não resistiu às obras e sucumbiu arrastando o muro de blocos dos demandantes. O facto de o muro não ter caído logo, aquando da pavimentação e da circulação dos cilindros, referenciado pela testemunha H…, só por si, também nada releva, significando apenas que outros factores contribuíram para a queda de tal muro, designadamente as infiltrações de águas, como afirmaram os peritos, tanto mais que ocorreu em pleno Inverno, por sinal, o primeiro após a realização das obras. Da reapreciação efectuada por este Tribunal, considerada a prova em causa no seu conjunto, não há razões para nos afastarmos do entendimento tido na 1.ª instância, pois que não se vislumbra qualquer desconformidade notória entre a dita prova e a respectiva decisão, em violação dos princípios supra referenciados. Não têm a virtualidade de abalar aquela convicção os depoimentos das testemunhas nem os esclarecimentos prestados pelos peritos, referenciados pelos apelantes na sua alegação, os quais foram apreciados em termos que se consideram adequados, tendo sido validamente valorizados e considerados na parte em que o podiam ser. Da análise crítica dos depoimentos das referidas testemunhas e dos esclarecimentos dos ditos peritos não pode ficar-se com a convicção indicada pelos recorrentes. E é esta análise crítica e integrada dos depoimentos com os outros meios de prova que os juízes devem fazer, pois a sua actividade, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos, muito menos truncados. Para se considerarem provados determinados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou essa versão. Na valoração dos depoimentos, o juiz há-de, desde logo, atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, a linguagem gestual, e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente. Esta percepção só é perfeitamente conseguida com o imediatismo das provas. A fundamentação constante do despacho de fls. 284 a 292 mostra-se criteriosa, apresenta-se muito bem elaborada e tem suporte na gravação da prova e nos demais elementos constantes dos autos, como nele está exaustivamente mencionado. Dela resulta que foi feita uma correcta análise do valor probatório de todos os elementos, designadamente dos depoimentos prestados, do relatório pericial efectuado e dos documentos juntos, complementados com a inspecção judicial efectuada ao local. Por isso, e porque não foi apresentado qualquer documento novo superveniente susceptível de destruir a prova em que aquela decisão assentou, não pode este Tribunal alterar tais respostas, pelo que se mantêm. Improcedem, por conseguinte, as correspondentes conclusões. 2.2. Da improcedência A improcedência da acção tinha como pressuposto a alteração da matéria de facto no sentido propugnado pelos apelantes, muito embora só questionem no recurso a condenação constante das alíneas c) e d) da parte decisória da sentença impugnada. Pelo menos, assim parece resultar do teor das suas conclusões, na medida em que apenas questionam a reparação e a indemnização, invocando como causa do desmoronamento do muro as escavações efectuadas pelos recorridos no seu terreno e a violação do disposto nos art.ºs 342.º e 1348.º, ambos do Código Civil. Não tendo conseguido, aquele seu desiderato, é evidente que não se mostram violadas estas disposições legais. Note-se que dos factos provados, e só estes interessam aqui e agora, não resulta que o muro tivesse caído na sequência de quaisquer escavações feitas pelos autores e que o citado art.º 1348.º permite ao proprietário fazer no seu prédio escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra (cfr. seu n.º 1). Ora, no caso dos autos, para além de não se mostrarem feitas quaisquer escavações, a relação material controvertida não foi configurada com base nelas, nem podia ser, já que os autores, ora recorridos, pretendem ser reparados dos danos causados no seu próprio prédio, não se tratando, por conseguinte, da indemnização concedida aos proprietários dos prédios vizinhos pelo n.º 2 daquele normativo. Daí que não faça qualquer sentido a invocação daquele artigo, nem da inobservância das regras do ónus da prova referentes ao direito nele consagrado. A outra norma que os recorrentes entendem ter sido violada é o art.º 1351.º do Código Civil. Este artigo dispõe: “1. Os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que, naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores, assim como a terra e entulhos que elas arrastam na sua corrente. 2. Nem o dono do prédio inferior pode fazer obras que estorvem o escoamento, nem o dono do prédio superior obras capazes de o agravar, sem prejuízo da possibilidade de constituição da servidão legal de escoamento, nos caos em que é admitida”. Neste normativo consagra-se o princípio de que as águas devem seguir o seu curso natural, sem que os seus utentes ou os donos dos prédios imponham a outros a alteração artificial desse fluxo normal. Assim, nem o proprietário do prédio superior deve aliter aquam mittere quam natura solete, nem o proprietário do prédio inferior pode opere facto inhibere aquam, quae natura fluat, per suum agrum decurrere, abrangendo todas as águas correntes qualquer que seja a sua origem (cfr. Pires Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2ª ed., págs. 191 e 192). Deste modo, não é permitida qualquer modificação na escorrência das águas, quer pelo dono do prédio inferior que estorve o defluxo natural, impedindo a torrente natural ou da chuva, quer pelo dono do prédio superior que a agrave (cfr. ac. do STJ, de 9/11/95, no processo 087242, cujo sumário é acessível em www.dgsi.pt). As águas que o prédio inferior está obrigado a receber são apenas as que decorrem naturalmente, e sem obra do homem, dos prédios superiores. Não se trata de uma servidão constituída pela natureza das coisas, mas de restrições aos poderes inerentes à propriedade de imóveis, impostas por lei. Não obstante a obrigação de receber as águas que naturalmente derivem para o prédio inferior, o seu proprietário pode opor-se a obras que desviem o curso normal das águas ou o tornem mais gravoso para o seu prédio, contra actos que alterem ou agravem o escoamento das águas. Assim, não é permitida qualquer modificação que provoque agravamento da restrição ao direito de propriedade resultante da obrigação de receber as águas que decorrem naturalmente do prédio superior, nomeadamente quando dessas alterações advém a poluição das águas que se projectam sobre o prédio inferior, deixando de ter o direito de lançar tais águas sobre este prédio (cfr. ac. do STJ, de 9/11/95, na CJ –STJ- ano III, tomo III, pág. 104) ou provocando maior caudal. Como escreveu Guilherme Moreira, em As Águas, II, n.º 50, “as águas que os prédios inferiores têm de receber são: as águas pluviais que caiam directamente no prédio superior ou que para este decorram de outros prédios superiores a ele; as águas provenientes da liquefação das neves e gelos; as que se infiltrem no terreno, e as nascentes que brotam naturalmente num prédio”. A par da obrigação de receber as águas que decorrem naturalmente, há também a obrigação de receber a terra e os entulhos que essas águas arrastam na corrente, mas visa-se “apenas a terra e entulhos que correm naturalmente, e não quaisquer outras substâncias que se juntem às águas por obra do homem e que as tornem nocivas, pois ao recebimento da aqua nocens não está obrigado o prédio inferior” (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 192). O aludido art.º 1351.º não pressupõe, necessariamente, a contiguidade dos prédios, já que apenas exige que um deles seja superior em relação ao outro, para que possa verificar-se o decurso natural. Portanto, como resulta do mesmo artigo, e como escrevem os sobreditos Mestres (na obra citada, pág. 193), “o proprietário prejudicado pode opor-se às obras feitas noutro prédio, que desviem o curso das águas ou o tornem mais gravoso, mesmo que os dois prédios se encontrem separados por uma via pública ou por um terreno particular”, acrescentando mais adiante, ainda no mesmo local, que “Do artigo 1351.º depreende-se que o proprietário do prédio inferior terá direito a ser indemnizado dos danos que lhe advenham do escoamento das águas em termos diferentes dos prescritos, tal como o proprietário do prédio superior tem direito a ver reparado o dano que lhe cause o estorvo causado ao exercício normal do seu direito. Mas do preceito resulta ainda a possibilidade de obter, independentemente de quaisquer danos que já se tenham verificado, a destruição das obras (restitutio operis) tendentes a alterar o curso normal das águas ou a estorvar ilicitamente o seu escoamento, como prevenção de danos futuros”. Embora haja quem defenda tratar-se de responsabilidade extracontratual por factos lícitos (cfr. Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Quid Juris, 5.ª ed., págs. 213 e 217), vem sendo maioritariamente entendido que, por um lado, a violação dos comandos insertos em tal normativo faz incorrer o infractor em responsabilidade extracontratual por factos ilícitos e, por outro lado, que nesse normativo se consagra mais uma das muitas limitações ou restrições ao exercício do direito de propriedade, expressamente previstas no art.º 1305.º, ao definir o conteúdo de tal direito (cfr., entre outros, acórdãos do STJ de 9/3/2004, na CJ – STJ -, ano XII, tomo I, pág. 107 e de 3/10/91, no BMJ n.º 410, pág. 776, da RC de 16/11/99, na CJ, Ano XXIV, Tomo 5, pág. 29 e de 15/11/2005, proferido no processo n.º 2547/05, disponível em www.dgsi.pt e da RE de 15/3/90, na CJ, Ano XV, T.2, pág. 227). Resulta da matéria de facto apurada que o prédio dos autores D… e E… e o dos réus são confinantes entre si e que o prédio dos primeiros se situa num plano ou cota de nível inferior ao dos últimos. Os réus procederam ao enchimento do terreno do seu prédio, com terra, pedras e entulho, de forma a ficar a uma cota superior ao prédio daqueles autores e alcatroaram-no em parte. A terra, pedra e entulho com que os réus encheram o terreno do seu prédio ficou a ser suportada pelo muro construído pelos autores D… e E…. Em consequência dessas obras, as águas pluviais provenientes do prédio dos réus concentram-se na parte alcatroada, junto a uma guia ali existente, e passaram a ser conduzidas para o prédio dos autores, tendo provocado o desmoronamento de parte daquele muro, numa extensão de 14,70 metros de comprimento. Perante esta matéria fáctica provada, é por demais evidente que a conduta dos réus cai na previsão do citado art.º 1351.º. Eles aterraram o seu terreno, aumentaram a cota de nível e encaminharam as águas pluviais provenientes do seu prédio, concentrando-as num local e conduzindo-as para o prédio dos autores, com o que causaram o desmoronamento de parte do muro destes demandantes, ora recorridos. Alteraram deste modo o curso natural das águas e causaram danos, o que lhes estava vedado pelo n.º 2 do citado art.º 1351.º. Um bom pai de família, enquanto proprietário normalmente diligente e respeitador, não procederia ao enchimento do seu terreno nos termos em que foi feito, nem alteraria o curso normal das águas, concentrando-as e conduzindo-as para o prédio vizinho. É, pois, clara a violação culposa daquela norma e, por essa via, do direito de propriedade dos autores. Assim, para além de ilícita, é também culposa a actuação dos réus. Ao agirem daquele modo, os réus constituíram-se na obrigação de indemnizar os proprietários vizinhos que se viram lesados com o desmoronamento do muro. Daí que se imponha a reparação ou reconstrução do muro e a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelos autores, tal como foi decidido na sentença recorrida, e que os réus nem sequer questionaram. Não têm, pois, cabimento as referências feitas relativamente à falta de alegação e de prova de factos atinentes ao desnivelamento dos prédios e ao agravamento do escoamento, nem à violação dos citados art.ºs 342.º e 1351.º. A sentença recorrida não merece qualquer censura. Quer tudo isto dizer que improcedem as restantes conclusões da apelação. Sumariando nos termos do n.º 7 do art.º 713.º do CPC: 1. Deve ser mantida a matéria de facto dada como provada por ter sido apurada segundo as regras e os princípios do direito probatório; 2. Tendo os réus procedido à realização de obras no seu terreno e, com elas, alterado o curso normal das águas e causado danos no prédio vizinho, tornaram-se responsáveis pelos prejuízos daí decorrentes. De tudo o que se deixou dito resulta que a apelação improcede e que a sentença impugnada deve ser mantida. III. Decisão Pelo exposto decide-se julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.*Custas pelos apelantes.*Porto, 6 de Dezembro de 2011 Fernando Augusto Samões José Manuel Cabrita Vieira e Cunha Maria das Dores Eiró de Araújo