Entre penas acessórias não há lugar a cúmulo jurídico, impondo-se a soma material das mesmas.
Recurso Penal no Processo nº 626/10.4GAPFR. P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1 – Relatório No processo nº 626/10.4 GAPFR do 2º Juízo do Tribunal de Paços de Ferreira foi em 21 de Março de 2011 proferida sentença que entre outras coisas decidiu: «f) em cúmulo material das penas acessórias, proibe-se o arguido B… de conduzir, toda e qualquer espécie de veículos com motor, pelo período de 1 (um) ano e 1 (um) mês, devendo, para tal, fazer a entrega no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado desta decisão, da respectiva licença de condução na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, que a remeterá a esta, sob pena da mesma lhe ser apreendida e de cometer um crime de desobediência (artigo 69.º, 3 e 77.º, 4 do Código Penal).» Inconformado com esta decisão dela veio interpor recurso o arguido, extraindo-se das conclusões do respectivo recurso a seguinte ordem de argumentos: O recorrente vem condenado, no que nos interessa no cúmulo material de duas penas acessórias de inibição de conduzir qualquer veículo a motor pelo tempo de um ano e um mês em cúmulo material de duas penas uma de seis meses e outra de sete meses. Pena que considera excessiva, atendendo ao valor dos bens em causa, à culpa do agente, à perigosidade do mesmo, bem como à sua personalidade. Entendemos que a aplicação, em cúmulo, de 8 meses de inibição de conduzir veículos a motor é o suficiente para assegurar as necessidades de prevenção geral e especial. Somos de entender que, aplicar ao caso em concreto o cúmulo jurídico às penas acessórias, será a realidade mais adequada face ao já anteriormente explanado. A aplicação material cumulativa das penas acessórias, aplicadas pelo Tribunal “a quo” revela-se desadequada e ilegal. Desta forma, aplicando ao recorrente, em cúmulo jurídico oito meses de inibição de conduzir será feita realmente inteira justiça. Conclui pedindo que seja dado provimento ao recurso e que se altere a decisão recorrida nos termos expostos. Em primeira instância respondeu ao recurso o M. Público exprimindo opinião de concordância com o recorrente e defendendo posição no sentido de que: As regras de cúmulo jurídico de penas, estabelecidas no artigo 77.º e 78.º do Código Penal são aplicáveis ao concurso de penas acessórias, não devendo estas ser materialmente cumuladas. Porém defende que, em concreto, a pena única a aplicar não se deverá afastar do máximo legalmente previsto que coincide com o cúmulo material, ou seja, 13 meses de proibição. O recurso foi admitido por despacho de fls. 143. Nesta Relação o Sr. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso mesmo considerando a posição do M. Público em primeira instância, já que não haveria alteração na medida concreta da pena acessória a aplicar. Cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP não foi apresentada resposta ao parecer. 2. Fundamentação A- Circunstâncias com interesse para a decisão a proferir Passamos de seguida a transcrever a decisão recorrida quanto à matéria com relevância para este Acórdão: «2.1 Matéria de facto provada 1) No dia 18 de Julho de 2010, pelas 03,20 horas, quando os militares da Guarda Nacional Republicana de Paços de Ferreira, C… e D…, devidamente uniformizados, se encontravam em acção de fiscalização do trânsito na …, …, nesta comarca de Paços de Ferreira, avistaram o arguido a circular naquela via, ao volante do veículo com a matrícula ..-..-KA. 2) Após o arguido ter imobilizado o veículo por si conduzido, o militar da GNR C… dirigiu-se ao mesmo e, atento o odor a álcool que exalava, dando mostras de haver ingerido bebidas alcoólicas em excesso, e solicitou-lhe que se submetesse ao teste de pesquisa de álcool no ar expirado, tendo este recusado terminantemente submeter-se a tal teste, mesmo depois de ter sido advertido, por diversas vezes, que incorria na prática de um crime de desobediência, caso persistisse nessa recusa. 3) De igual modo, no dia 12 de Setembro de 2010, pelas 00 horas e 10 minutos, quando os militares da Guarda Nacional Republicana de Paços de Ferreira, C… e E…, devidamente uniformizados, se encontravam em acção de fiscalização do trânsito na …, nesta comarca de Paços de Ferreira, avistaram o arguido a circular naquela via, uma vez mais, ao volante do veículo com a matrícula ..-..-KA. 4) Após o arguido ter imobilizado o veículo por si conduzido, o militar da GNR C… dirigiu-se ao mesmo e, atento o odor a álcool que exalava, dando mostras de haver ingerido bebidas alcoólicas em excesso, e solicitou-lhe que se submetesse ao teste de pesquisa de álcool no ar expirado, tendo este recusado terminantemente submeter-se a tal teste, mesmo depois de ter sido advertido, por diversas vezes, que incorria na prática de um crime de desobediência, caso persistisse nessa recusa. 5) O arguido, ao recusar submeter-se aos testes de pesquisa de álcool no sangue, actuou ainda com o propósito deliberado de se eximir ao cumprimento da ordem que lhe foi dada e regularmente comunicada e que sabia ter sido proferida por autoridade com competência para o fazer, o que quis e conseguiu, não obstante saber que era sua obrigação submeter-se a tal teste. 6) O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 7) O arguido tem antecedentes criminais registados: a) por factos praticados a 28/05/2001 foi condenado, por sentença transitada em julgado a 09/04/2003, pela prática do crime de descaminho numa pena de 5 meses de prisão, substituída por 200 dias de multa à razão diária de 4,50€, já extinta (processo n.º 30/02.8FAVNG, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira). b) por factos praticados a 18/02/2006 foi condenado, por sentença transitada em julgado a 22/043/2006, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 100 dias de multa à razão diária de 3,50€ e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 6 meses, já extinta (processo n.º 79/06.1GNPRT, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira). c) por factos praticados a 10/06/2004 foi condenado, por sentença transitada em julgado a 14/11/2006, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 110 dias de multa à razão diária de 5€ e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 6 meses, já extinta (processo n.º 452/04.0GNPRT, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira). d) por factos praticados a 12/07/2009 foi condenado, por sentença transitada em julgado a 21/09/2009, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 100 dias de multa à razão diária de 5€ e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 5 meses, já extinta (processo n.º 578/09.3GAPFR, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira). 8) O arguido é solteiro, não tem filhos, vive a expensas dos seus pais, estando actualmente a residir em Lisboa, onde está a tirar um curso para ser segurança. 2.2 Matéria de facto não provada 9) Nos factos referidos em 2) e 4) o arguido cambaleava. 3. Motivação dos factos provados e não provados A convicção do Tribunal fundou-se no conjunto da prova documental junta aos autos e na prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, analisada e conjugada criticamente à luz das regras da experiência comum, valorada segundo o critério da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º, do Código de Processo Penal. A convicção do Tribunal assentou, em primeiro lugar, nas declarações do arguido que admitiu que eram verdadeiros os factos constantes da douta acusação pública, confirmando que nos dias, horas e locais mencionados conduzia o veículo automóvel referido e recusou-se a submeter-se ao teste de pesquisa de álcool por militares da GNR que efectuavam acções de fiscalização rodoviárias, estando estes devidamente uniformizados. Inicialmente avançou o arguido como explicação para a sua conduta o facto de estar a ser perseguido pelos militares da GNR e que, por isso, não teria de se submeter a tais testes, certo que já na parte final do seu depoimento deu conta que tinha problemas de saúde e que não tinha fôlego para efectuar o teste através de ar expirado. O Tribunal não acreditou nas explicações avançadas pelo arguido. Desde logo note-se que mesmo que a autoridade policial movesse uma perseguição ao arguido, o que não ficou provado, o que é certo é que este estava a conduzir um veículo automóvel na via pública e encontra uma patrulha da GNR que efectuava uma acção de fiscalização rodoviária, podendo então validamente ser submetido a tal acção inspectiva. Em todo o caso, esta ideia da perseguição não logrou convencer o Tribunal, sendo logo afastada pela descrição oferecida pelo arguido, pois que contou que no primeiro episódio (no dia 18/07/2010, perto das 3 horas da manhã) vinha de um discoteca e passa pela patrulha da GNR que efectuava acções de fiscalização rodoviária, mas não é mandado parar, sendo o arguido que decide voltar atrás e é nessa altura que lhe pedem para ser submetido ao teste de pesquisa de álcool, o que recusa. Ora, se fosse verdade que a autoridade policial perseguia o arguido não iria desperdiçar a hipótese de o mandar parar logo aí, podendo igualmente equacionar-se que o arguido também não iria desperdiçar a oportunidade que teve de não ser mandado parar por quem o perseguia e de seguir viagem, ao invés de voltar atrás, sujeitando-se a poder “ser perseguido”. E nem sequer a razão que o arguido deu para propositadamente voltar atrás permite afastar a dúvida sobre a bondade do que contava. Terá feito para contar que existiam distúrbios na discoteca onde tinha estado, se bem que esta boa intenção do arguido conflitua com a imagem negativa que tem da autoridade policial, pois que (diz o arguido) lhe move uma perseguição sem razão, além de nada do que o arguido disse ou de qualquer outro facto que estivesse à disposição do Tribunal permitisse pensar que o arguido é uma pessoa tão preocupada com os outros e despreocupada consigo ao ponto de achar que é perseguido pelos militares da GNR, passar por quem o persegue, não ser incomodado, mas ainda assim voltar atrás para avisar quem o persegue de problemas que existem (e que não o afectam) numa discoteca de onde regressava. Cabe aqui dizer que o arguido realmente disse aos militares da GNR que existiam distúrbios na discoteca de onde regressava, pois que a testemunha C… assim o revelou (e do que já sabia), se bem que o que o Tribunal coloca em dúvida é a versão do arguido de que voltou atrás para propositadamente contar isto aos militares da GNR. A versão deste episódio relatada pelos militares da GNR ouvidos como testemunhas, concretamente por C… e D…, é ligeiramente diferente, contando estes que o arguido pára o veículo que conduzia antes de chegar ao local onde os militares da GNR se encontravam a efectuar a acção de fiscalização rodoviária e se dirige a eles a pé. Em todo o caso, tal como na versão do arguido, também nesta é possível concluir, sem sombra de dúvida, que não foi movida perseguição alguma ao arguido, pois que este nem sequer é mandado parar, pára porque quis e dirige-se aos militares da GNR. No mais, estas testemunhas confirmam os demais factos constantes da douta acusação pública, designadamente a testemunha C… que o arguido tinha hálito a álcool (nada se disse sobre se cambaleava), razão pela qual decidiu submetê-lo ao teste de pesquisa, recusando-se o arguido a fazê-lo, mesmo depois de ter sido advertido pela própria testemunha que estava a incorrer na prática de um crime de desobediência. Esta testemunha C… confirmou ainda os factos descritos na douta acusação pública quanto ao episódio que teve lugar a 12 de Setembro de 2010, dizendo que circulava num jipe da GNR quando um automóvel que não pára num sinal de stop, razão pela qual vai no seu encalço e o manda parar (de onde não decorre qualquer perseguição específica ao arguido). Mais uma vez pareceu à testemunha C… que o arguido poderia ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, dado o hálito a álcool que exalava (nada se disse sobre se cambaleava), tendo então decidido que o arguido se deveria submeter ao teste de pesquisa de álcool, recusando-se mais uma vez o arguido a fazê-lo, mesmo depois de ter sido advertido de que incorreria na prática de um crime de desobediência. Estes factos, são no essencial, confirmados pelo depoimento prestado por E…, militar da GNR que seguia no jipe com a testemunha C…, se bem que acrescentasse que tinha sido o seu colega (a testemunha C...) a falar directamente com o arguido. Na parte final do seu depoimento o arguido começou a alterar um pouco aquilo que havia dito anteriormente, começando então a dizer que tinha problemas de saúde e que não conseguia fazer o teste de pesquisa de álcool por ar expirado por não ter fôlego. Também esta última explicação não convenceu o Tribunal, não só por parecer que se fosse verdade seria esta a versão que o arguido logo teria contado, para além de nenhuma prova ter sido avançada que o demonstrasse, certo que estamos a falar de um adulto, com um porte físico considerável (o arguido é alto e tem uma constituição física forte), de tal forma que está a tirar um curso para ser segurança, tal como o próprio arguido contou, o que contrasta decisivamente com uma pessoa tão afectada dos pulmões que nem sequer tem fôlego para soprar para um pequeno aparelho. Não obstante, a testemunha C… referiu que o arguido nunca revelou ter qualquer problema físico ou qualquer outro que o impedisse de efectuar o teste de pesquisa, dizendo, pelo contrário, que o próprio arguido disse que se recusava a fazer o teste porque assim não existiriam provas de que tinha um teor de álcool no sangue superior ao permitido por lei. De facto, também aqui estas palavras da testemunha encerram conseguiram alguma adesão por parte do Tribunal, na medida em que também em audiência de julgamento o arguido revelou ter algum comportamento calculista, inicialmente avançando como razão para não se submeter ao teste de pesquisa uma perseguição movida pela GNR e posteriormente, porventura por ter percebido que a versão da perseguição não estava a fazer grande sentido, um problema de saúde. Ao contrário desta sua atitude, o depoimento da testemunha C… foi assertivo, espontâneo e descomprometido, dele não resultando qualquer sinal de má vontade contra o arguido e intenção diferente de contar aquilo de que sabia. O testemunho prestado por F…, pai do arguido, foi pouco valorado, tendo esta testemunha se limitado a aludir à perseguição que a GNR move ao seu filho, falando como se tivesse presenciado qualquer perseguição, mas sem que o tivesse feito (nem sequer estava presente nos dois factos referidos na acusação pública) ou conseguisse concretizar um desses episódios, não passando aquilo que disse de um misto de especulação e sentimento, revelado quando diz que acreditava mais no seu filho do que nos militares da GNR. Note-se que esta testemunha não aludiu a quaisquer problemas de saúde do seu filho que o impedissem de fazer o teste de pesquisa de álcool, apenas referiu que o seu filho já fez um tratamento ao peso e que deixou de ingerir bebidas alcoólicas. As declarações do arguido foram valoradas no que tange à matéria relativa à sua condição económica e social que vão, no essencial, de encontro à informação policial de fls. 91. Foram considerados os demais documentos juntos aos autos, entre os quais merece que se destaque o certificado de registo criminal de fls. 80 e seguintes. Tendo o arguido persistido na recusa e tendo sido advertido das respectivas consequências por um militar da GNR no exercício das suas funções, dúvidas não há que o arguido estava ciente do carácter proibido e penalmente punido da sua conduta e, não obstante, levou por diante, por duas vezes, esses seus intentos. E tanto estava que o arguido sabia perfeitamente com quem estava a falar, assim como sabia que a autoridade policial tinha legitimidade para o submeter ao teste de pesquisa de álcool, como sabe qualquer pessoa que tem carta de condução, mais ainda o arguido por ter antecedentes criminais pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez. (…) 4.2 Da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor Incorre ainda o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69.º, 1, c), do CP. Esta norma estabelece que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para a detecção de condução de veículo sob o efeito do álcool, estupefacientes substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo. No caso presente, a conduta do arguido consubstancia a prática, por duas vezes, desse crime, p. e p. pelas disposições combinadas dos artigos 152.º, 1, a) e 3, do CE e 348.º, 1, a) do CP. (…) 5.2 Da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor Relativamente à pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, há que ter em conta as circunstâncias que influíram na determinação da pena principal e ponderar a verificação de um particular juízo de censura que justifique a aplicação desta sanção acessória. Uma vez que os objectivos de política criminal ligados à aplicação da pena principal e da pena acessória são distintos, visando-se com esta um efeito dissuasor, por forma a influenciar o condutor a uma emenda cívica, no sentido da conformação positiva do seu comportamento rodoviário, não tem que existir uma correspondência exacta entre ambas as penas (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 667/94, de 14 de Dezembro, BMJ, suplemento ao n.º 446º/102). No caso concreto, tendo em atenção as considerações acima tecidas, entre elas o dolo directo com que agiu, a ilicitude grave, o desvalor de resultado e os antecedentes criminais, já tendo inclusive sido aplicada, por três vezes, esta sanção acessória ao arguido, vai este condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 6 (seis) meses para o primeiro crime e por um período de 7 (sete) meses pelo segundo crime, justificando-se a diferença pelo antecedente que o primeiro facto implica em relação ao segundo, abrangendo esta proibição a condução de veículos motorizados de qualquer categoria, nos termos do artigo 69.º, 2, do CP. (…) 5.4 Do cúmulo material de penas acessórias A pena acessória de proibição de conduzir assenta no pressuposto formal de uma condenação do agente numa pena principal nos termos elencados nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 69.º, do CP, e no pressuposto material de, consideradas as circunstâncias do facto e a personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável, censurabilidade esta que, dentro do limite da culpa, desempenha um efeito de prevenção geral de intimidação e um efeito de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano, cumprindo, assim, as penas acessórias uma função preventiva adjuvante da pena principal. Com interesse para a situação dos autos, há que consignar que a lei penal não prevê cúmulos jurídicos para as penas acessórias, pelo que o arguido, autor de dois crimes de desobediência que envolvem a aplicação desta sanção acessória de proibição de conduzir, terá de ser sancionado com duas penas acessórias distintas (uma por cada um dos ilícitos penais por si cometidos), a serem somadas ou cumuladas materialmente (acórdãos da Relação do Porto de 11/10/2006 (processo n.º 0612894) e de 05/05/2010 (processo n.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/144210" target="_blank">183/09.4GBOAZ.P1</a>), consultados em www.dgsi.pt). Na verdade, tal como se apreende da leitura do artigo 77.º, do CP, a lei não prevê cúmulos jurídicos para as penas acessórias, pelo que se impõe a soma material das penas a aplicar ao arguido, que as deve cumprir sucessivamente. Solução diversa poria a nu uma incoerência que resultaria da circunstância de se permitir o cúmulo jurídico de penas acessórias e se proibir legalmente o cúmulo jurídico de sanções acessórias de inibição de conduzir decorrentes da prática de duas ou mais contra-ordenações. Desta forma, cumulando materialmente as penas acessórias parcelares acima determinadas, aplica-se ao arguido a sanção acessória de proibir veículos com motor, de qualquer categoria, pelo período de 1 (um) ano e 1 (um) mês, devendo, para tal, fazer a entrega no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado desta decisão, da respectiva licença de condução na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, que a remeterá a esta, sob pena da mesma lhe ser apreendida e de cometer um crime de desobediência (artigo 69.º, 3 e 77.º, 4 do Código Penal). 6. Decisão Pelo exposto, a) condena-se o arguido B… pela prática, como autor material, de um primeiro crime de desobediência, p. e p . pelas disposições combinadas dos artigos 152.º, 1, a) e 3, do Código da Estrada e 348.º, 1, a), do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa à razão diária de 7€ (sete euros), num total de 490€ (quatrocentos e noventa). b) condena-se o arguido B… na pena acessória de proibição de conduzir toda e qualquer espécie de veículos com motor, prevista no artigo 69.º, 1, c), e 2, do Código Penal, pelo período de 6 (seis) meses. c) condena-se o arguido B… pela prática, como autor material, de um segundo crime de desobediência, p. e p . pelas disposições combinadas dos artigos 152.º, 1, a) e 3, do Código da Estrada e 348.º, 1, a), do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à razão diária de 7€ (sete euros), num total de 630€ (seiscentos e trinta euros). d) condena-se o arguido B… na pena acessória de proibição de conduzir toda e qualquer espécie de veículos com motor, prevista no artigo 69.º, 1, c), e 2, do Código Penal, pelo período de 7 (sete) meses. e) em cúmulo das penas parcelares de multa, atento o disposto no artigo 77.º, 1 e 2, do Código Penal, condena-se o arguido B… na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à razão diária de 7€ (sete euros), perfazendo a pena unitária de 980€ (novecentos e oitenta euros). f) em cúmulo material das penas acessórias, proibe-se o arguido B… de conduzir, toda e qualquer espécie de veículos com motor, pelo período de 1 (um) ano e 1 (um) mês, devendo, para tal, fazer a entrega no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado desta decisão, da respectiva licença de condução na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, que a remeterá a esta, sob pena da mesma lhe ser apreendida e de cometer um crime de desobediência (artigo 69.º, 3 e 77.º, 4 do Código Penal).» B – Fundamentação de direito É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extraiu das respectivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como são os vícios previstos no art. 410 nº2 do CPP. No caso concreto em apreciação a única questão a apreciar é a de saber se relativamente às penas acessória deve ou não proceder-se à operação de realização de cúmulo jurídico ou se este tipo de penas são materialmente cumuláveis e caso seja de efectuar o cúmulo jurídico alterar a decisão recorrida em conformidade. Assim, o recurso circunscreve-se a matéria de direito. Cumpre decidir! Dispõe o art. 69 nº1 do C.Penal na parte que releva para a presente situação, que: «É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: al. c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob o efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.» Sobre este ponto diz-nos Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 165: «Uma tal pena deveria ter como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante; e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável.» Ora, no caso concreto tem de salientar-se que o recorrente condenado anteriormente por três crimes de condução sob o efeito do álcool, veio a recusar a submissão das provas para detecção de álcool no sangue por duas vezes consecutivas, o que não pode deixar de considerar-se especialmente reprovável. Não se questiona que à determinação da concreta pena acessória são aplicáveis os critérios que presidem à determinação da pena principal e que não se poderá deixar de ter em conta a culpa do agente, que não poderá ser ultrapassada, como impõe o art. 40 nº2 do C.Penal. Ma isso significa que à pena acessória se aplicam as regras do concurso previstas no art. 77 do C.Penal? Entendemos que não e não nos convence a argumentação do Acórdão do STJ de 21/06/2006, relatado por Soreto de Barros, publicado in CJ. TII, pág. 223, no sentido que não se pode argumentar com o modelo de cúmulo material de coima e sanção acessória aplicado às contra-ordenações rodoviárias por serem diferentes ou fundamentos da punição do crime e do ilícito de mera ordenação social. Evidentemente que estamos perante diferentes fundamentos de punição já que o direito penal se limita à tutela de bens jurídicos e deve ser chamado a intervir como ultima ratio da politica social. As contra-ordenações traduzem condutas que pela sua neutralidade ético-social devem ser contrariadas apenas com sanções exclusivamente pecuniárias de carácter ordenativo. Sobre este ponto poderão ver-se desenvolvimentos in Jornadas de Direito Criminal: O Movimento da Descriminalização e Ilícito de Mera Ordenação Social, por Figueiredo Dias, pág. 317. A lei distingue claramente as duas situações da condução sob o efeito do álcool: a daqueles que apresentam uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l e inferior a 1,20 g/l, e a daqueles que apresentam uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l, que classifica respectivamente como contra-ordenação e como crime. – vd. artigos 81 do C.da Estrada e 292 do C.Penal. Temos então que quando a taxa de álcool no sangue atinge valores iguais ou superiores a 1,20 g/l o exercício da condução torna-se especialmente censurável para o agente, que com tal conduta, põe em causa a vida, integridade física e património de terceiros utentes da via pública e, por isso, se mostra necessário sancionar como crime e impor uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, que irá exercer uma função de prevenção geral de intimidação, sem exceder a medida da culpa. Perante tal distinção e tendo sempre em conta que a contra-ordenação é um ilícito que não tem uma carga de censura ética, como podemos aceitar que nos termos previstos no art. 134 nº3 do C. da Estrada se estabeleça que: «As sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente.»; e assim não seja quando estamos perante uma censura criminal de uma conduta substancialmente mais grave e cujas necessidades de prevenção geral e intimidação são superiores? Em nossa opinião, o sistema aponta no sentido de que às penas acessórias não se aplicam as regras do concurso de penas, não havendo por isso lugar a cúmulo jurídico das mesmas, já que o art. 77 do C.Penal apenas se refere às penas acessórias no seu número quatro e no sentido de que estas são sempre aplicadas ao agente. Por todo o exposto, e de acordo com os argumentos aduzidos, concluímos no sentido de que não há que efectuar cúmulo jurídico entre penas acessórias impondo-se a soma material das mesmas, nada havendo, pois, a censurar à sentença recorrida. No sentido por nós defendido veja-se, por todos, o Ac desta Relação de 5/05/2010, relatado por Moreira Ramos. 3. Decisão: Tudo visto e ponderado, acordam os juízes neste Tribunal da Relação do Porto em, negar provimento ao recurso interposto por B…, confirmando integralmente a sentença recorrida. Custas do decaimento pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs. Porto, 7/12/2011 Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro João Carlos da silva Abrunhosa de Carvalho
Recurso Penal no Processo nº 626/10.4GAPFR. P1 Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto 1 – Relatório No processo nº 626/10.4 GAPFR do 2º Juízo do Tribunal de Paços de Ferreira foi em 21 de Março de 2011 proferida sentença que entre outras coisas decidiu: «f) em cúmulo material das penas acessórias, proibe-se o arguido B… de conduzir, toda e qualquer espécie de veículos com motor, pelo período de 1 (um) ano e 1 (um) mês, devendo, para tal, fazer a entrega no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado desta decisão, da respectiva licença de condução na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, que a remeterá a esta, sob pena da mesma lhe ser apreendida e de cometer um crime de desobediência (artigo 69.º, 3 e 77.º, 4 do Código Penal).» Inconformado com esta decisão dela veio interpor recurso o arguido, extraindo-se das conclusões do respectivo recurso a seguinte ordem de argumentos: O recorrente vem condenado, no que nos interessa no cúmulo material de duas penas acessórias de inibição de conduzir qualquer veículo a motor pelo tempo de um ano e um mês em cúmulo material de duas penas uma de seis meses e outra de sete meses. Pena que considera excessiva, atendendo ao valor dos bens em causa, à culpa do agente, à perigosidade do mesmo, bem como à sua personalidade. Entendemos que a aplicação, em cúmulo, de 8 meses de inibição de conduzir veículos a motor é o suficiente para assegurar as necessidades de prevenção geral e especial. Somos de entender que, aplicar ao caso em concreto o cúmulo jurídico às penas acessórias, será a realidade mais adequada face ao já anteriormente explanado. A aplicação material cumulativa das penas acessórias, aplicadas pelo Tribunal “a quo” revela-se desadequada e ilegal. Desta forma, aplicando ao recorrente, em cúmulo jurídico oito meses de inibição de conduzir será feita realmente inteira justiça. Conclui pedindo que seja dado provimento ao recurso e que se altere a decisão recorrida nos termos expostos. Em primeira instância respondeu ao recurso o M. Público exprimindo opinião de concordância com o recorrente e defendendo posição no sentido de que: As regras de cúmulo jurídico de penas, estabelecidas no artigo 77.º e 78.º do Código Penal são aplicáveis ao concurso de penas acessórias, não devendo estas ser materialmente cumuladas. Porém defende que, em concreto, a pena única a aplicar não se deverá afastar do máximo legalmente previsto que coincide com o cúmulo material, ou seja, 13 meses de proibição. O recurso foi admitido por despacho de fls. 143. Nesta Relação o Sr. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso mesmo considerando a posição do M. Público em primeira instância, já que não haveria alteração na medida concreta da pena acessória a aplicar. Cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP não foi apresentada resposta ao parecer. 2. Fundamentação A- Circunstâncias com interesse para a decisão a proferir Passamos de seguida a transcrever a decisão recorrida quanto à matéria com relevância para este Acórdão: «2.1 Matéria de facto provada 1) No dia 18 de Julho de 2010, pelas 03,20 horas, quando os militares da Guarda Nacional Republicana de Paços de Ferreira, C… e D…, devidamente uniformizados, se encontravam em acção de fiscalização do trânsito na …, …, nesta comarca de Paços de Ferreira, avistaram o arguido a circular naquela via, ao volante do veículo com a matrícula ..-..-KA. 2) Após o arguido ter imobilizado o veículo por si conduzido, o militar da GNR C… dirigiu-se ao mesmo e, atento o odor a álcool que exalava, dando mostras de haver ingerido bebidas alcoólicas em excesso, e solicitou-lhe que se submetesse ao teste de pesquisa de álcool no ar expirado, tendo este recusado terminantemente submeter-se a tal teste, mesmo depois de ter sido advertido, por diversas vezes, que incorria na prática de um crime de desobediência, caso persistisse nessa recusa. 3) De igual modo, no dia 12 de Setembro de 2010, pelas 00 horas e 10 minutos, quando os militares da Guarda Nacional Republicana de Paços de Ferreira, C… e E…, devidamente uniformizados, se encontravam em acção de fiscalização do trânsito na …, nesta comarca de Paços de Ferreira, avistaram o arguido a circular naquela via, uma vez mais, ao volante do veículo com a matrícula ..-..-KA. 4) Após o arguido ter imobilizado o veículo por si conduzido, o militar da GNR C… dirigiu-se ao mesmo e, atento o odor a álcool que exalava, dando mostras de haver ingerido bebidas alcoólicas em excesso, e solicitou-lhe que se submetesse ao teste de pesquisa de álcool no ar expirado, tendo este recusado terminantemente submeter-se a tal teste, mesmo depois de ter sido advertido, por diversas vezes, que incorria na prática de um crime de desobediência, caso persistisse nessa recusa. 5) O arguido, ao recusar submeter-se aos testes de pesquisa de álcool no sangue, actuou ainda com o propósito deliberado de se eximir ao cumprimento da ordem que lhe foi dada e regularmente comunicada e que sabia ter sido proferida por autoridade com competência para o fazer, o que quis e conseguiu, não obstante saber que era sua obrigação submeter-se a tal teste. 6) O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 7) O arguido tem antecedentes criminais registados: a) por factos praticados a 28/05/2001 foi condenado, por sentença transitada em julgado a 09/04/2003, pela prática do crime de descaminho numa pena de 5 meses de prisão, substituída por 200 dias de multa à razão diária de 4,50€, já extinta (processo n.º 30/02.8FAVNG, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira). b) por factos praticados a 18/02/2006 foi condenado, por sentença transitada em julgado a 22/043/2006, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 100 dias de multa à razão diária de 3,50€ e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 6 meses, já extinta (processo n.º 79/06.1GNPRT, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira). c) por factos praticados a 10/06/2004 foi condenado, por sentença transitada em julgado a 14/11/2006, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 110 dias de multa à razão diária de 5€ e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 6 meses, já extinta (processo n.º 452/04.0GNPRT, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira). d) por factos praticados a 12/07/2009 foi condenado, por sentença transitada em julgado a 21/09/2009, pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez numa pena de 100 dias de multa à razão diária de 5€ e na sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados por 5 meses, já extinta (processo n.º 578/09.3GAPFR, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira). 8) O arguido é solteiro, não tem filhos, vive a expensas dos seus pais, estando actualmente a residir em Lisboa, onde está a tirar um curso para ser segurança. 2.2 Matéria de facto não provada 9) Nos factos referidos em 2) e 4) o arguido cambaleava. 3. Motivação dos factos provados e não provados A convicção do Tribunal fundou-se no conjunto da prova documental junta aos autos e na prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, analisada e conjugada criticamente à luz das regras da experiência comum, valorada segundo o critério da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127.º, do Código de Processo Penal. A convicção do Tribunal assentou, em primeiro lugar, nas declarações do arguido que admitiu que eram verdadeiros os factos constantes da douta acusação pública, confirmando que nos dias, horas e locais mencionados conduzia o veículo automóvel referido e recusou-se a submeter-se ao teste de pesquisa de álcool por militares da GNR que efectuavam acções de fiscalização rodoviárias, estando estes devidamente uniformizados. Inicialmente avançou o arguido como explicação para a sua conduta o facto de estar a ser perseguido pelos militares da GNR e que, por isso, não teria de se submeter a tais testes, certo que já na parte final do seu depoimento deu conta que tinha problemas de saúde e que não tinha fôlego para efectuar o teste através de ar expirado. O Tribunal não acreditou nas explicações avançadas pelo arguido. Desde logo note-se que mesmo que a autoridade policial movesse uma perseguição ao arguido, o que não ficou provado, o que é certo é que este estava a conduzir um veículo automóvel na via pública e encontra uma patrulha da GNR que efectuava uma acção de fiscalização rodoviária, podendo então validamente ser submetido a tal acção inspectiva. Em todo o caso, esta ideia da perseguição não logrou convencer o Tribunal, sendo logo afastada pela descrição oferecida pelo arguido, pois que contou que no primeiro episódio (no dia 18/07/2010, perto das 3 horas da manhã) vinha de um discoteca e passa pela patrulha da GNR que efectuava acções de fiscalização rodoviária, mas não é mandado parar, sendo o arguido que decide voltar atrás e é nessa altura que lhe pedem para ser submetido ao teste de pesquisa de álcool, o que recusa. Ora, se fosse verdade que a autoridade policial perseguia o arguido não iria desperdiçar a hipótese de o mandar parar logo aí, podendo igualmente equacionar-se que o arguido também não iria desperdiçar a oportunidade que teve de não ser mandado parar por quem o perseguia e de seguir viagem, ao invés de voltar atrás, sujeitando-se a poder “ser perseguido”. E nem sequer a razão que o arguido deu para propositadamente voltar atrás permite afastar a dúvida sobre a bondade do que contava. Terá feito para contar que existiam distúrbios na discoteca onde tinha estado, se bem que esta boa intenção do arguido conflitua com a imagem negativa que tem da autoridade policial, pois que (diz o arguido) lhe move uma perseguição sem razão, além de nada do que o arguido disse ou de qualquer outro facto que estivesse à disposição do Tribunal permitisse pensar que o arguido é uma pessoa tão preocupada com os outros e despreocupada consigo ao ponto de achar que é perseguido pelos militares da GNR, passar por quem o persegue, não ser incomodado, mas ainda assim voltar atrás para avisar quem o persegue de problemas que existem (e que não o afectam) numa discoteca de onde regressava. Cabe aqui dizer que o arguido realmente disse aos militares da GNR que existiam distúrbios na discoteca de onde regressava, pois que a testemunha C… assim o revelou (e do que já sabia), se bem que o que o Tribunal coloca em dúvida é a versão do arguido de que voltou atrás para propositadamente contar isto aos militares da GNR. A versão deste episódio relatada pelos militares da GNR ouvidos como testemunhas, concretamente por C… e D…, é ligeiramente diferente, contando estes que o arguido pára o veículo que conduzia antes de chegar ao local onde os militares da GNR se encontravam a efectuar a acção de fiscalização rodoviária e se dirige a eles a pé. Em todo o caso, tal como na versão do arguido, também nesta é possível concluir, sem sombra de dúvida, que não foi movida perseguição alguma ao arguido, pois que este nem sequer é mandado parar, pára porque quis e dirige-se aos militares da GNR. No mais, estas testemunhas confirmam os demais factos constantes da douta acusação pública, designadamente a testemunha C… que o arguido tinha hálito a álcool (nada se disse sobre se cambaleava), razão pela qual decidiu submetê-lo ao teste de pesquisa, recusando-se o arguido a fazê-lo, mesmo depois de ter sido advertido pela própria testemunha que estava a incorrer na prática de um crime de desobediência. Esta testemunha C… confirmou ainda os factos descritos na douta acusação pública quanto ao episódio que teve lugar a 12 de Setembro de 2010, dizendo que circulava num jipe da GNR quando um automóvel que não pára num sinal de stop, razão pela qual vai no seu encalço e o manda parar (de onde não decorre qualquer perseguição específica ao arguido). Mais uma vez pareceu à testemunha C… que o arguido poderia ter ingerido bebidas alcoólicas em excesso, dado o hálito a álcool que exalava (nada se disse sobre se cambaleava), tendo então decidido que o arguido se deveria submeter ao teste de pesquisa de álcool, recusando-se mais uma vez o arguido a fazê-lo, mesmo depois de ter sido advertido de que incorreria na prática de um crime de desobediência. Estes factos, são no essencial, confirmados pelo depoimento prestado por E…, militar da GNR que seguia no jipe com a testemunha C…, se bem que acrescentasse que tinha sido o seu colega (a testemunha C...) a falar directamente com o arguido. Na parte final do seu depoimento o arguido começou a alterar um pouco aquilo que havia dito anteriormente, começando então a dizer que tinha problemas de saúde e que não conseguia fazer o teste de pesquisa de álcool por ar expirado por não ter fôlego. Também esta última explicação não convenceu o Tribunal, não só por parecer que se fosse verdade seria esta a versão que o arguido logo teria contado, para além de nenhuma prova ter sido avançada que o demonstrasse, certo que estamos a falar de um adulto, com um porte físico considerável (o arguido é alto e tem uma constituição física forte), de tal forma que está a tirar um curso para ser segurança, tal como o próprio arguido contou, o que contrasta decisivamente com uma pessoa tão afectada dos pulmões que nem sequer tem fôlego para soprar para um pequeno aparelho. Não obstante, a testemunha C… referiu que o arguido nunca revelou ter qualquer problema físico ou qualquer outro que o impedisse de efectuar o teste de pesquisa, dizendo, pelo contrário, que o próprio arguido disse que se recusava a fazer o teste porque assim não existiriam provas de que tinha um teor de álcool no sangue superior ao permitido por lei. De facto, também aqui estas palavras da testemunha encerram conseguiram alguma adesão por parte do Tribunal, na medida em que também em audiência de julgamento o arguido revelou ter algum comportamento calculista, inicialmente avançando como razão para não se submeter ao teste de pesquisa uma perseguição movida pela GNR e posteriormente, porventura por ter percebido que a versão da perseguição não estava a fazer grande sentido, um problema de saúde. Ao contrário desta sua atitude, o depoimento da testemunha C… foi assertivo, espontâneo e descomprometido, dele não resultando qualquer sinal de má vontade contra o arguido e intenção diferente de contar aquilo de que sabia. O testemunho prestado por F…, pai do arguido, foi pouco valorado, tendo esta testemunha se limitado a aludir à perseguição que a GNR move ao seu filho, falando como se tivesse presenciado qualquer perseguição, mas sem que o tivesse feito (nem sequer estava presente nos dois factos referidos na acusação pública) ou conseguisse concretizar um desses episódios, não passando aquilo que disse de um misto de especulação e sentimento, revelado quando diz que acreditava mais no seu filho do que nos militares da GNR. Note-se que esta testemunha não aludiu a quaisquer problemas de saúde do seu filho que o impedissem de fazer o teste de pesquisa de álcool, apenas referiu que o seu filho já fez um tratamento ao peso e que deixou de ingerir bebidas alcoólicas. As declarações do arguido foram valoradas no que tange à matéria relativa à sua condição económica e social que vão, no essencial, de encontro à informação policial de fls. 91. Foram considerados os demais documentos juntos aos autos, entre os quais merece que se destaque o certificado de registo criminal de fls. 80 e seguintes. Tendo o arguido persistido na recusa e tendo sido advertido das respectivas consequências por um militar da GNR no exercício das suas funções, dúvidas não há que o arguido estava ciente do carácter proibido e penalmente punido da sua conduta e, não obstante, levou por diante, por duas vezes, esses seus intentos. E tanto estava que o arguido sabia perfeitamente com quem estava a falar, assim como sabia que a autoridade policial tinha legitimidade para o submeter ao teste de pesquisa de álcool, como sabe qualquer pessoa que tem carta de condução, mais ainda o arguido por ter antecedentes criminais pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez. (…) 4.2 Da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor Incorre ainda o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor prevista no artigo 69.º, 1, c), do CP. Esta norma estabelece que é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para a detecção de condução de veículo sob o efeito do álcool, estupefacientes substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo. No caso presente, a conduta do arguido consubstancia a prática, por duas vezes, desse crime, p. e p. pelas disposições combinadas dos artigos 152.º, 1, a) e 3, do CE e 348.º, 1, a) do CP. (…) 5.2 Da sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor Relativamente à pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, há que ter em conta as circunstâncias que influíram na determinação da pena principal e ponderar a verificação de um particular juízo de censura que justifique a aplicação desta sanção acessória. Uma vez que os objectivos de política criminal ligados à aplicação da pena principal e da pena acessória são distintos, visando-se com esta um efeito dissuasor, por forma a influenciar o condutor a uma emenda cívica, no sentido da conformação positiva do seu comportamento rodoviário, não tem que existir uma correspondência exacta entre ambas as penas (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 667/94, de 14 de Dezembro, BMJ, suplemento ao n.º 446º/102). No caso concreto, tendo em atenção as considerações acima tecidas, entre elas o dolo directo com que agiu, a ilicitude grave, o desvalor de resultado e os antecedentes criminais, já tendo inclusive sido aplicada, por três vezes, esta sanção acessória ao arguido, vai este condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 6 (seis) meses para o primeiro crime e por um período de 7 (sete) meses pelo segundo crime, justificando-se a diferença pelo antecedente que o primeiro facto implica em relação ao segundo, abrangendo esta proibição a condução de veículos motorizados de qualquer categoria, nos termos do artigo 69.º, 2, do CP. (…) 5.4 Do cúmulo material de penas acessórias A pena acessória de proibição de conduzir assenta no pressuposto formal de uma condenação do agente numa pena principal nos termos elencados nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 69.º, do CP, e no pressuposto material de, consideradas as circunstâncias do facto e a personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável, censurabilidade esta que, dentro do limite da culpa, desempenha um efeito de prevenção geral de intimidação e um efeito de prevenção especial para emenda cívica do condutor imprudente ou leviano, cumprindo, assim, as penas acessórias uma função preventiva adjuvante da pena principal. Com interesse para a situação dos autos, há que consignar que a lei penal não prevê cúmulos jurídicos para as penas acessórias, pelo que o arguido, autor de dois crimes de desobediência que envolvem a aplicação desta sanção acessória de proibição de conduzir, terá de ser sancionado com duas penas acessórias distintas (uma por cada um dos ilícitos penais por si cometidos), a serem somadas ou cumuladas materialmente (acórdãos da Relação do Porto de 11/10/2006 (processo n.º 0612894) e de 05/05/2010 (processo n.º 183/09.4GBOAZ.P1), consultados em www.dgsi.pt). Na verdade, tal como se apreende da leitura do artigo 77.º, do CP, a lei não prevê cúmulos jurídicos para as penas acessórias, pelo que se impõe a soma material das penas a aplicar ao arguido, que as deve cumprir sucessivamente. Solução diversa poria a nu uma incoerência que resultaria da circunstância de se permitir o cúmulo jurídico de penas acessórias e se proibir legalmente o cúmulo jurídico de sanções acessórias de inibição de conduzir decorrentes da prática de duas ou mais contra-ordenações. Desta forma, cumulando materialmente as penas acessórias parcelares acima determinadas, aplica-se ao arguido a sanção acessória de proibir veículos com motor, de qualquer categoria, pelo período de 1 (um) ano e 1 (um) mês, devendo, para tal, fazer a entrega no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado desta decisão, da respectiva licença de condução na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, que a remeterá a esta, sob pena da mesma lhe ser apreendida e de cometer um crime de desobediência (artigo 69.º, 3 e 77.º, 4 do Código Penal). 6. Decisão Pelo exposto, a) condena-se o arguido B… pela prática, como autor material, de um primeiro crime de desobediência, p. e p . pelas disposições combinadas dos artigos 152.º, 1, a) e 3, do Código da Estrada e 348.º, 1, a), do Código Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa à razão diária de 7€ (sete euros), num total de 490€ (quatrocentos e noventa). b) condena-se o arguido B… na pena acessória de proibição de conduzir toda e qualquer espécie de veículos com motor, prevista no artigo 69.º, 1, c), e 2, do Código Penal, pelo período de 6 (seis) meses. c) condena-se o arguido B… pela prática, como autor material, de um segundo crime de desobediência, p. e p . pelas disposições combinadas dos artigos 152.º, 1, a) e 3, do Código da Estrada e 348.º, 1, a), do Código Penal, na pena de 90 (noventa) dias de multa à razão diária de 7€ (sete euros), num total de 630€ (seiscentos e trinta euros). d) condena-se o arguido B… na pena acessória de proibição de conduzir toda e qualquer espécie de veículos com motor, prevista no artigo 69.º, 1, c), e 2, do Código Penal, pelo período de 7 (sete) meses. e) em cúmulo das penas parcelares de multa, atento o disposto no artigo 77.º, 1 e 2, do Código Penal, condena-se o arguido B… na pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa, à razão diária de 7€ (sete euros), perfazendo a pena unitária de 980€ (novecentos e oitenta euros). f) em cúmulo material das penas acessórias, proibe-se o arguido B… de conduzir, toda e qualquer espécie de veículos com motor, pelo período de 1 (um) ano e 1 (um) mês, devendo, para tal, fazer a entrega no prazo de 10 dias, após o trânsito em julgado desta decisão, da respectiva licença de condução na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, que a remeterá a esta, sob pena da mesma lhe ser apreendida e de cometer um crime de desobediência (artigo 69.º, 3 e 77.º, 4 do Código Penal).» B – Fundamentação de direito É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extraiu das respectivas motivações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como são os vícios previstos no art. 410 nº2 do CPP. No caso concreto em apreciação a única questão a apreciar é a de saber se relativamente às penas acessória deve ou não proceder-se à operação de realização de cúmulo jurídico ou se este tipo de penas são materialmente cumuláveis e caso seja de efectuar o cúmulo jurídico alterar a decisão recorrida em conformidade. Assim, o recurso circunscreve-se a matéria de direito. Cumpre decidir! Dispõe o art. 69 nº1 do C.Penal na parte que releva para a presente situação, que: «É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: al. c) Por crime de desobediência cometido mediante recusa de submissão às provas legalmente estabelecidas para detecção de condução de veículo sob o efeito de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo.» Sobre este ponto diz-nos Figueiredo Dias, in As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 165: «Uma tal pena deveria ter como pressuposto formal a condenação do agente numa pena principal por crime cometido no exercício da condução, ou com utilização de veículo, ou cuja execução tivesse sido por este facilitada de forma relevante; e por pressuposto material a circunstância de, consideradas as circunstâncias do facto e da personalidade do agente, o exercício da condução se revelar especialmente censurável.» Ora, no caso concreto tem de salientar-se que o recorrente condenado anteriormente por três crimes de condução sob o efeito do álcool, veio a recusar a submissão das provas para detecção de álcool no sangue por duas vezes consecutivas, o que não pode deixar de considerar-se especialmente reprovável. Não se questiona que à determinação da concreta pena acessória são aplicáveis os critérios que presidem à determinação da pena principal e que não se poderá deixar de ter em conta a culpa do agente, que não poderá ser ultrapassada, como impõe o art. 40 nº2 do C.Penal. Ma isso significa que à pena acessória se aplicam as regras do concurso previstas no art. 77 do C.Penal? Entendemos que não e não nos convence a argumentação do Acórdão do STJ de 21/06/2006, relatado por Soreto de Barros, publicado in CJ. TII, pág. 223, no sentido que não se pode argumentar com o modelo de cúmulo material de coima e sanção acessória aplicado às contra-ordenações rodoviárias por serem diferentes ou fundamentos da punição do crime e do ilícito de mera ordenação social. Evidentemente que estamos perante diferentes fundamentos de punição já que o direito penal se limita à tutela de bens jurídicos e deve ser chamado a intervir como ultima ratio da politica social. As contra-ordenações traduzem condutas que pela sua neutralidade ético-social devem ser contrariadas apenas com sanções exclusivamente pecuniárias de carácter ordenativo. Sobre este ponto poderão ver-se desenvolvimentos in Jornadas de Direito Criminal: O Movimento da Descriminalização e Ilícito de Mera Ordenação Social, por Figueiredo Dias, pág. 317. A lei distingue claramente as duas situações da condução sob o efeito do álcool: a daqueles que apresentam uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l e inferior a 1,20 g/l, e a daqueles que apresentam uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20 g/l, que classifica respectivamente como contra-ordenação e como crime. – vd. artigos 81 do C.da Estrada e 292 do C.Penal. Temos então que quando a taxa de álcool no sangue atinge valores iguais ou superiores a 1,20 g/l o exercício da condução torna-se especialmente censurável para o agente, que com tal conduta, põe em causa a vida, integridade física e património de terceiros utentes da via pública e, por isso, se mostra necessário sancionar como crime e impor uma pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, que irá exercer uma função de prevenção geral de intimidação, sem exceder a medida da culpa. Perante tal distinção e tendo sempre em conta que a contra-ordenação é um ilícito que não tem uma carga de censura ética, como podemos aceitar que nos termos previstos no art. 134 nº3 do C. da Estrada se estabeleça que: «As sanções aplicadas às contra-ordenações em concurso são sempre cumuladas materialmente.»; e assim não seja quando estamos perante uma censura criminal de uma conduta substancialmente mais grave e cujas necessidades de prevenção geral e intimidação são superiores? Em nossa opinião, o sistema aponta no sentido de que às penas acessórias não se aplicam as regras do concurso de penas, não havendo por isso lugar a cúmulo jurídico das mesmas, já que o art. 77 do C.Penal apenas se refere às penas acessórias no seu número quatro e no sentido de que estas são sempre aplicadas ao agente. Por todo o exposto, e de acordo com os argumentos aduzidos, concluímos no sentido de que não há que efectuar cúmulo jurídico entre penas acessórias impondo-se a soma material das mesmas, nada havendo, pois, a censurar à sentença recorrida. No sentido por nós defendido veja-se, por todos, o Ac desta Relação de 5/05/2010, relatado por Moreira Ramos. 3. Decisão: Tudo visto e ponderado, acordam os juízes neste Tribunal da Relação do Porto em, negar provimento ao recurso interposto por B…, confirmando integralmente a sentença recorrida. Custas do decaimento pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 Ucs. Porto, 7/12/2011 Paula Cristina Passos Barradas Guerreiro João Carlos da silva Abrunhosa de Carvalho