Processo:105/08.0TBRSD.P1
Data do Acordão: 06/01/2013Relator: LUÍS LAMEIRASTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

Quando o lesado, à data do acidente de viação tinha aptidão para o exercício de actividade profissional remunerada, ainda que a não exercesse, deve ser indemnizado pelo dano futuro consistente na perda dessa aptidão.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
LUÍS LAMEIRAS
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS ACTIVIDADE PROFISSIONAL REMUNERADA LESADO QUE NÃO EXERCE ACTIVIDADE PROFISSIONAL REMUNERADA
No do documento
Data do Acordão
01/07/2013
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
ALTERADA A DECISÃO
Sumário
Quando o lesado, à data do acidente de viação tinha aptidão para o exercício de actividade profissional remunerada, ainda que a não exercesse, deve ser indemnizado pelo dano futuro consistente na perda dessa aptidão.
Decisão integral
Recurso de Apelação
Processo nº 105/08.0TBRSD.P1---1.ª apelação

. apelante
B…, SA (sucursal em Portugal), antes designada C…, Companhia de Seguros SA;

. apelada
D….

2.ª apelação

. apelante
D...;

. apelada
B..., SA (sucursal em Portugal), antes designada C..., Companhia de Seguros SA.---
SUMÁRIO:
I – Não exercendo o lesado, em acidente de viação, qualquer actividade remunerada, à data do infortúnio, deve ainda sim ser indemnizado pelo dano futuro consistente na perca da aptidão para o exercício dessa actividade, de que se viu despojado por força das lesões; a qual comporta um indiscutível alcance patrimonial;
II – A fixação de uma indemnização em renda ao lesado é devida desde que os danos apresentem um carisma sucessivo e constante, e ele assim o requeira; como é o caso de se evidenciar a carência, para toda a vida, do apoio de uma terceira pessoa, a quem se terá de pagar (artigo 567º, nº 1, do Código Civil);
III – Na fixação do volume da renda, e na falta de outros mais sólidos elementos, deve o tribunal sustentar-se em juízos de equidade, dentro daquilo que seja expectável, dentro de um critério de sensata probabilidade, que deva vir a ser gasto (artigos 564º, nº 2, início, e 566º, nº 3, do Código Civil)
IV – As portarias nºs 377/2008, de 26 de Maio, e 679/2009, de 25 de Junho, publicadas a pretexto de estabelecerem critérios orientadores para efeitos de indemnização, em certos casos, a lesados por acidente automóvel, mesmo não sendo estritamente aplicáveis, podem ser ponderadas como instrumentos de apoio na procura de uma concretização indemnizatória capaz de superar o dano; 
V – Se, em certa hipótese concreta, testados os índices facultados por tais instrumentos, o resultado a que se chegue for um que o senso de justiça e os padrões habitualmente seguidos nos tribunais não permitam enquadrar, deve esse resultado ser corrigido para moldes mais adequados e ajustados, dentro do que permita e induza o critério da equidade (artigo 566º, nº 3).


Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório

1. A instância da acção.
1.1. D… propôs, em 19 de Maio de 2008, acção declarativa, na forma ordinária, contra B…, SA (sucursal em Portugal), então chamada de C…, Companhia de Seguros SA, pedindo a condenação a entregar-lhe (1) a quantia de 125.250,00 €, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, (2) a renda mensal vitalícia de 750,00 € com início em Junho de 2008, acrescida de iguais importâncias em Julho e Dezembro de cada ano, tudo anualmente actualizado em Abril por aplicação do índice de variação de preços no consumidor, do continente, fixado pelo INE, para o ano imediatamente anterior, e juros desde o vencimento de cada prestação, e (3) o que ela venha no futuro a despender em tratamentos, medicamentos e transportes para tratamentos “indemnização … a liquidar em execução de sentença”.
Alegou que no dia 12 de Dezembro de 2007 o veículo automóvel de matrícula ..-BN-.., seguro na ré, foi deixado estacionado pelo seu condutor numa rua de acentuado declive descendente, e mal travado; o veículo soltou-se e deslocou-se, ganhando velocidade por força do seu peso e do declive da rua; progrediu em marcha desgovernada; e galgou o passeio onde ela (autora) estava. Ao tempo, ela seguia por aí, a pé, de costas para o veículo; foi por este embatida e projectada contra um muro de pedra que no local delimitava o passeio; e ficou entalada entre o veículo e o muro.
Ora, por causa de tudo isto, ficou gravemente ferida, com esmagamento do membro inferior esquerdo; foi transportada para o hospital; submetida a intervenção cirúrgica no serviço de urgência; esteve internada e em tratamentos; em 8 de Janeiro e em 19 de Fevereiro voltou ao bloco para limpeza cirúrgica; e só em 9 de Abril teve alta. O serviço de ortopedia aconselhou a continuação dos tratamentos e o acompanhamento. Devendo manter-se a assistência em consulta externa do hospital. A autora encontra-se desde o acidente em situação de total incapacidade para o trabalho; com necessidade de ajuda permanente de terceira pessoa, dia e noite; situação que se prevê a continuar. O membro inferior esquerdo está gravemente afectado por deformações e debilidade. Há impedimento de, no futuro, ser exercida qualquer actividade ou sequer as tarefas da lide doméstica. Ora, a autora era, antes do sucedido, uma mulher saudável, activa e alegre; tinha 58 anos; recebia 250,00 € por mês de uma sua filha pelo encargo de cuidar da neta, então com 10 anos, que consigo residia; era alegre e feliz por ter a neta consigo. Vive em casa arrendada gastando 250,00 € por mês; e mais 50,00 € que paga ao banco por uma dívida antiga. A neta passou a residir em casa de uma tia; com perda económica e afectiva da autora. Era de prever que a neta ficasse consigo mais oito anos; deixando de poder cuidar dela deixará de receber da sua filha 24.000,00 €. Desde a alta hospitalar, não pode estar só e necessita em permanência de ajuda de terceira pessoa, que tem vindo a contratar mediante o pagamento de 4,00 € por horas; encargo para que precisa, pelo menos, de dispor de 750,00 € por mês. A ré deve entregar-lhe, entre 9 de Abril de 2008 e Maio de 2008, a quantia de 1.250,00 €; e a partir de Junho de 2008 a renda mensal vitalícia de 750,00 € e igual importância em Julho e Dezembro de cada ano, a título de subsídio de férias e de Natal, tudo actualizado em Abril de cada ano, de acordo com o índice de variação de preços fixado pelo Instituto Nacional de Estatística. Além disso, a autora sentiu dores intensas e persistentes que perdurarão no futuro; está e continuará gravemente incapacitada; limitada nos movimentos e confinada a uma vida dentro de casa e imediações; sem companhia da neta; incapaz de prover ao sustento, à execução de tarefas da vida doméstica; carecendo de ajuda para os actos da sua vida diária; desgostosa por motivo da deformidade com que ficará na perna; angustiada e preocupada com o futuro; deprimida e triste. Os danos não patrimoniais, incluindo o estético, são avaliáveis em 100.000,00 €. Entretanto, acaba de ser novamente internada no hospital; e precisa de nova cirurgia; e é de prever que no futuro venha a realizar despesas com tratamentos, medicamentos e transportes para os tratamentos; quantia que só a “liquidação em execução de sentença” poderá concretizar.

1.2. A ré contestou; e concluiu que a acção deve “ser julgada improcedente ou parcialmente procedente, de acordo com a prova que vier a ser produzida em julgamento quanto ao acidente e quanto aos danos sofridos pela autora”.
Disse, ao que mais importa, não estar ciente da responsabilidade do segurado na eclosão do sinistro; ademais, que a indemnização deve cingir-se às lesões que se apurem em exame médico-legal; além de que, importará obedecer a critérios orientadores para a fixação de quantum doloris, eventuais incapacidades e cálculo de indemnizações; e haverá que fazer abatimentos a quantias reclamadas, sob pena de enriquecimento indevido. Por fim, que é pouco perceptível o meio de sobrevivência da autora, do que vivia para o seu sustento e da neta; sendo até provável que exercesse alguma actividade remunerada; e que a filha mantivesse (e mantenha) a ajuda monetária; aspectos que ela (autora) deve clarificar. 

1.3. A autora clarificou que não exercia actividade remunerada; e que eram os filhos que a ajudavam a fazer face aos seus encargos e gastos.

1.4. A instância declaratória desenvolveu-se; e com vicissitudes.

1.4.1. A autora, em 6 de Janeiro de 2009, ampliou o pedido em mais 50.000,00 € e juros, desde a notificação à ré. Relembrou que no dia 15 de Maio foi outra vez internada; que apresentava infecção grave na perna esquerda, e outras complicações. Corria risco de vida e receava-se a propagação da infecção. No dia 21 de Maio de 2008 foi submetida a intervenção cirúrgica consistente a amputação do membro inferior esquerdo. No pós-operatório teve infecção; e fez terapêutica. Em finais de Junho de 2008 iniciou fisiatria e reeducação funcional. Em 16 de Julho manifestou-se nova infecção no coto de amputação e necessidade de novos tratamentos; em 4 de Setembro efectuou-se limpeza cirúrgica. E a autora padeceu. Em 10 de Setembro foi transferida para outro hospital. E neste ficou internada, em tratamento de recuperação, até ao dia 7 de Outubro de 2008; data em que teve alta para o domicílio. Persistiram dificuldades de cicatrização do coto de amputação. Já no domicílio continua a ser diariamente assistida por enfermeiro, com dispêndio diário de 20,00 €. Gastando mensalmente, em transportes para as consultas, não menos de 100,00 €. E 250,00 € em medicação. Paga ainda 300,00 € por mês a cada uma das duas senhoras que, dia e noite, a ajudam e acompanham em casa e nas deslocações para tratamentos, bem como a substituem nas tarefas das lides domésticas e auxiliam nos actos da vida diária. A situação clínica exige ainda uma alimentação cuidada e um acréscimo de custo mensal de 100,00 €. Além de tudo, a autora padece de dores; manifesta acentuada angústia, preocupação e depressão. A dificuldade de cicatrização do coto de amputação faz prever a necessidade de nova raspagem. A autora vai ficar com uma IPP que se prevê na ordem dos 70%, com incapacidade total e absoluta para o trabalho e para a execução das tarefas de lide doméstica, com necessidade permanente de ajuda de terceiras pessoas. Neste contexto, justifica-se a valoração dos danos não patrimoniais em mais 50.000,00 € do que o reclamado na petição. 

1.4.2. A ré respondeu à ampliação. Referiu como única novidade de relevo a “alegada amputação do membro inferior esquerdo”; e que o novo valor de 50.000,00 € já se devia entender “de algum modo, implícito no valor inicialmente peticionado”. Ademais, que haverá de equacionar critérios orientadores; que os valores agora referidos, como gastos, se não coadunam com o que na petição a autora dissera ser o seu meio de subsistência. Por fim, ao que importa, que a ampliação deve “ser julgada improcedente ou parcialmente procedente, de acordo com a prova que vier a ser produzida em julgamento quanto ao acidente e quanto aos danos sofridos pela autora”. 

1.4.3. A autora, em 20 de Setembro de 2010, ampliou (outra vez) o pedido,[1] desta feita em mais 50.000,00 € “a título de danos patrimoniais futuros / lucros cessantes”, para além dos reclamados na petição, e em mais 100.000,00 € a título de danos não patrimoniais, para além dos ali reclamados e também na precedente ampliação. Alegou que a data da consolidação médico-legal das lesões que suporta é fixável no dia 11 de Agosto de 2010; que esteve 974 dias (entre 12 de Dezembro de 2007 e 11 de Agosto de 2008) em situação de incapacidade temporária geral e profissional total; que apresenta após a alta clínica por consolidação das lesões as sequelas definitivas da amputação, com dores fantasmas e alterações de sensibilidade, de cicatriz operatória na região do coto, não se conseguindo movimentar sem apoio, e de depressão pós-amputação. Deixou de fazer qualquer actividade; necessita de ajuda para as lides domésticas e higiene pessoal. As sequelas permanentes são determinantes de IPG fixável em 50 pontos, acrescendo mais 3 pontos a título de dano futuro; e são impeditivas de actividade profissional. A autora ficou dependente da ajuda de terceiros, de ajudas medicamentosas e de ajudas técnicas. O quantum doloris é, na escala de 1 a 7, de grau 6; e, na mesma escala, o dano estético de grau 5. Há prejuízo de afirmação pessoal. Em face de tudo, e à expectativa de vida activa até aos 70 anos, ao valor do salário mínimo fixado e previsível aumento, é justificado um dano patrimonial futuro / lucro cessante, para lá do antes reclamado, de mais 50.000,00 €. Por outro lado, é extremamente grave a situação consolidada da autora; a justificar a fixação completa da indemnização por danos morais em 250.000,00 €. Além do antes pedido deve, ainda, a ré ser condenada em mais 150.000,00 €, e juros a contar da data da notificação. 

1.4.4. A ré foi ouvida; e disse não se opor ao aditamento, como factos probandos, daqueles agora alegados como base da ampliação.[2] 

1.4.5. A autora, em 12 de Março de 2012, ampliou (uma outra vez) o pedido. Alegou que a autora ficou dependente de ajuda de terceira pessoa e de ajuda técnica; que a ajuda de terceira pessoa se há-de concretizar em acompanhamento ao longo do dia e durante a noite, carecendo de ser contratado quem preste essa ajuda, no mínimo, durante 2 horários de trabalho. Atendendo ao montante do salário mínimo nacional e demais encargos justifica-se a necessidade de uma renda vitalícia no dobro do que se pedira na petição. Deve, então, a ré entregar-lhe uma renda mensal vitalícia de 1.500,00 €. Além disso, ainda considerar-se ampliado o pedido, da quantia futura que se venha a liquidar, de modo a abranger ainda as “importâncias que possa vir a despender por motivo a ajudas técnicas de que carece”.

1.4.6. A ré foi ouvida; e opôs-se, alegando o infundado da ampliação.

1.5. Foi, por fim, em 7 de Maio de 2012, proferida a sentença final. 

E, no segmento dispositivo, terminando a:

«Julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente:
a) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de 60.756,33 € (…), acrescida de juros desde a presente data até efectivo e integral pagamento;
b) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de 90.000,00 € (…) a título de danos morais, acrescidos de juros desde a presente data até efectivo e integral pagamento;
d) Condenar a ré a pagar à autora as quantias que esta tenha no futuro que despender em tratamentos, medicamentos, transportes para tratamentos e ajudas técnicas, em consequência do acidente, a liquidar em execução de sentença. [3]
c) Aos montantes em causa devem ser reduzidos os montantes que a autora já recebeu a título arbitramento de reparação provisória.

Absolver a ré do demais pedido.» 

2. As instâncias dos (2) recursos interpostos.

2.1. A ré interpôs recurso de apelação.
Alegou; e formulou conclusões, cuja síntese pode ser assim feita:

a) A indemnização fixada pelo tribunal para compensar os danos morais sofridos, de 90.000,00 €, é excessiva e desadequada ao caso concreto;
b) Da jurisprudência que vem sendo produzida sobre a matéria, e sem pôr em causa a gravidade das sequelas sofridas pela recorrida e o seu dano moral, decorre que este dano (moral) não pode ser avaliado, segundo o critério da equidade, por um valor de indemnização superior a 40.000,00 €; 
c) Por isso, ao decidir como decidiu, violou a sentença o disposto nos artigos 496º, 562º, 563º e 567º, todos do Código Civil; pelo que deve ser revogada e substituída por uma outra que condene a apelante a pagar à apelada uma indemnização por danos morais, por equidade, de 40.000,00 €.

2.2. A autora não apresentou contra-alegação.

2.3. Porém, interpôs também a autora recurso de apelação.
E alegou; enunciando conclusões, cuja síntese é esta:

a) Os quantitativos indemnizatórios fixados são insuficientes para garantir à apelante uma eficaz compensação por todos os danos por ela sofridos;
b) Quanto a danos patrimoniais futuros / lucros cessantes o tribunal arbitrou 45.000,00 €;
c) Muito embora não trabalhasse, a apelante tinha 58 anos e ficou com uma incapacidade total para o desempenho de toda e qualquer tarefa profissional compatível com as suas habilitações e capacidades; 
d) A indemnização por perda total da capacidade de ganho futura destina-se a conferir um valor que permita suprir a correspondente perda de rendimento, desde a data em que a lesada ficou impossibilitada de trabalhar até ao fim da sua vida, no caso até perfazer 75 anos, portanto durante mais 17;
e) Descontando apenas a perda já contabilizada na sentença desde a data do sinistro até à data da alta (que ela fixou, tendo por base o salário mínimo nacional, em 15.746,33 €); 
f) A sentença, na falta de salário que fosse auferido pela apelante, teve em conta o valor do salário mínimo nacional para cômputo dos lucros cessantes decorrentes da perda de salários; mas já não usou semelhante critério para fixar a indemnização por danos futuros em virtude da perda da capacidade de ganho;
g) A equidade, que sustente a fixação das indemnizações de perda de rendimentos futuros decorrentes do trabalho, tem que ter por base uma justa medida das coisas, nomeadamente no confronto com as demais indemnizações fixadas no âmbito do mesmo processo;
h) Comparado com a indemnização que por lucros cessantes foi arbitrada durante dois anos e oito meses (mediando entre a data do acidente e a da consolidação médico-legal das lesões), no valor de 15.746,33 €, o montante de 45.000,00 € arbitrado a título de danos futuros pela perda dos mesmos rendimentos advenientes do trabalho, é relativamente diminuto;
i) Justo e adequado se reputa o arbitramento da quantia de 75.000,00 €, a título desses danos patrimoniais futuros, por perda de rendimentos do trabalho, valor que se mostra mais consentâneo e adequado a gerar um capital produtor de rendimento equivalente ao salário mínimo nacional que só se extinga no final da vida activa;
j) Das gravíssimas lesões de que a autora ficou a padecer, que culminaram na amputação de uma perna, com todas as sequelas e padecimentos, resulta à saciedade que ela ficou dia e noite, efectivamente, dependente da ajuda de terceira pessoa que a acompanhe permanentemente, situação essa que se manterá no futuro;
l) Ter alguém disponível vinte e quatro horas por dia implica a contratação desses serviços, com o pagamento dos correspondentes salários;
m) A completa dependência da apelante, de dia e de noite, da ajuda permanente de terceiros torna obviamente necessária a contratação de duas pessoas, a trabalhar por turnos, uma para o dia e outra para a noite; o que implica o efectivo pagamento de dois salários; situação a verificar-se para o resto da vida da apelante;
n) Aliás, o arbitramento em providência cautelar de renda mensal provisória de mil euros, que a apelada reconheceu e admitiu pagar, visava precisamente e em grande medida, acautelar essa necessidade;
o) Em face disso, devia ter sido dado por provado o quesito 57º da base instrutória, com redacção reformulada por causa da ampliação do pedido em que a apelante pediu o pagamento do valor mensal de 1.500,00 € correspondente a dois salários mínimos nacionais, acrescidos de demais encargos, para fazer face às despesas com a contratação das duas pessoas; aditando-se aos factos provados um novo e com a seguinte redacção:
“Para fazer face a tais encargos, e uma vez que a autora precisa de dispôr de ajuda permanente de terceira pessoa durante 24 horas por dia, terá de dispôr de, pelo menos, o montante correspondente a dois salários mínimos nacionais, acrescidos de 24,5% para os descontos patronais obrigatórios para a segurança social e de 1% sobre o montante daqueles salários para pagamento do prémio do seguro obrigatório de acidentes de trabalho”
p) A apelante teve alta no dia 9.4.2008; foi internada em 15.5.2008; e teve alta em 7.10.2008; excepção feita aos períodos de internamento, necessitou a apelante de ajuda permanente, dia e noite, de terceiros, que contratou, durante 122 dias;
q) O valor do SMN foi, para o ano de 2008, de 426,00 €; em consequência o seu dano patrimonial decorrente da necessidade de ajuda de terceiro, em 2008, é igual a 5.003,55 €; 
r) Para o ano de 2009, para contratar duas pessoas que a pudessem acompanhar durante 24 horas, sendo o SMN de 450,00 €, necessitou de 15.813,00 €;
s) E em 2010, com o SMN de 475,00 €, necessitou de 16.691,50 €; 
t) Em 2011, com o SMN de 485,00 €, de 17.042,90 €;
u) E em 2012, com igual SMN, até Junho, de 8.474,88 €;
v) Em suma, a título de dano patrimonial decorrente da necessidade de ajuda de terceiras pessoas, a sentença devia ter condenado a apelada a pagar à apelante 63.025,83 €; valor acrescido de juros desde a data da notificação à ré do pedido de ampliação; e bem assim de renda mensal vitalícia no montante do dobro do salário mínimo nacional que vigorar desde 1.7.2012, mais os encargos devidos, valores acrescidos de juros desde o vencimento;
x) Mas independentemente disso é óbvio que só a contratação das duas pessoas, dia e noite, supre eficazmente a necessidade da apelante; gerando o encargo do pagamento dos salários e acréscimos; e ao menos o tribunal teria de ter fixado o valor exacto desse dano segundo a equidade (artigo 566º, nº 2, do Código de Processo Civil);
z) E esse valor, pelo menos, o precedentemente referenciado; acrescido, a partir da decisão, da renda mensal vitalícia;
aa) A dependência da ajuda permanente de terceiras pessoas, dia e noite, para o resto da vida, gera ainda um dano não patrimonial;
bb) A apelante vê irremediavelmente afectada a sua qualidade de vida, o seu bem-estar, a liberdade de movimentos e a sua autonomia; o que a sentença valorou apenas em 90.000,00 €;
cc) A apelante padeceu dores, angústias e sofrimentos desde a data do acidente; ainda sofre; e continuará a sofrer;
dd) Culminou na amputação de uma das pernas; mas, além disso, houve cirurgias, internamentos, dores e padecimentos, riscos sérios de vida; dependência perpétua de medicamentos e próteses, dificuldades de locomoção, incapacidade, dores para o resto da vida, depressão; 
ee) É elevado o grau de culpabilidade do condutor do veículo seguro;
ff) Em suma, os danos não patrimoniais são avaliáveis em 250.000,00 €; mais juros a partir da decisão;
gg) A sentença recorrida violou os artigos 653º, nº 2, e 514º, do CPC, e os artigos 483º, nº 1, 496º, nºs 1 e 3, 562º e 564º, do CC; 
hh) Deve ser revogada e substituída por outra que:
● ao abrigo do artigo 712º, nº 1, alíneas a) e b), do CPC, dê resposta ao quesito 57º da base instrutória, como se indicou; 
● independentemente disso, fixe à apelante uma indemnização de 75.000,00 €, por danos patrimoniais futuros decorrentes da afectação total da sua capacidade de ganho;
● lhe fixe uma indemnização de 63.025,83 €, a título de danos patrimoniais decorrentes da necessidade de ajuda permanente de terceiras pessoas, até final de Junho de 2012, e juros, bem assim ao mesmo título e para futuro, uma renda mensal e vitalícia com início em Julho de 2012 correspondente ao valor de dois salários mínimos nacionais, acrescidos de encargos, e juros;
● lhe fixe uma indemnização de 250.000,00 €, por danos não patrimoniais.

2.4. A ré não apresentou contra-alegação. 

3. Delimitação do objecto do recurso.

O objecto do recurso delimita-se, numa primeira linha, pelos segmentos contidos na parte dispositiva da sentença de carisma desfavorável ao recorrente (artigo 684º, nº 2, final do código de processo). E é nesse universo que este depois, ao enunciar as conclusões da sua alegação, pode circunscrever, com mais exactidão, os trechos de que pretende reavaliação, os assuntos decidendos (artigo 684º, nº 3, subsequente).

Na hipótese, configuram-se duas instâncias de recurso.

Uma interposta pela ré seguradora; e esta circunscrita apenas ao volume dos danos morais fixados à lesada pela sentença recorrida, na quantia de noventa mil euros, e que a recorrente entende não dever ser superior a quarenta mil.

Outra interposta pela lesada; nesta se detectando os seguintes recortes:
Em 1º; que o quesito 57º da base instrutória, a que o juiz “a quo” não respondeu, devia ter sido julgado provado, de maneira a salvaguardar o pedido de renda mensal e vitalícia equivalente a dois salários mínimos nacionais acrescidos dos encargos que a recorrente formulou em ampliação.
Em 2º; que a título de danos patrimoniais futuros emergentes de afectação total da capacidade de ganho, que o juiz “a quo” avaliou em quarenta e cinco mil euros, deve a reparação ser antes a de setenta e cinco mil.
Em 3º; que a título de danos patrimoniais emergentes da necessidade de ajuda permanente de terceiras pessoas, que o juiz “a quo” preteriu, entendendo se tratar antes de dano não patrimonial e com reflexo apenas no valor a fixar por este, deve ser fixada a indemnização de 63.025,83 €, para reparar o custo despendido até Junho de 2012, e uma renda mensal e vitalícia de valor equivalente a dois salários mínimos nacionais e encargos, a partir de Julho de 2012. 
Por fim, em 4º; ainda em assunto de danos morais, que a sentença fixou em noventa mil euros, dever a reparação ajustada ser a de duzentos e cinquenta mil.

Equacionemos, então, cada uma destas questões decidendas.

II – Fundamentos

1. O assunto do quesito 57º da base instrutória.

O quesito 57º da base instrutória integra-se no contexto argumentativo da lesada, a respeito da sua necessidade de não poder estar só e precisar em permanência do apoio de terceiro, que tem de contratar para o efeito, naturalmente com custos (artigos 68º a 70º da petição inicial); e tem esta redacção:«57ºPara fazer face a tais encargos, a autora necessita, pelo menos, de dispôr de 750,00 € (setecentos e cinquenta euros) mensais?»

A este respeito, veio a lesada entretanto a ampliar o valor inicialmente indicado para outro, de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) mensais; embora sem acrescento ou mudança alguma na redacção da base instrutória.
O juiz “a quo” optou por não responder àquele quesito “por entender que tal facto é conclusivo”.
E quer a lesada, agora em sede de recurso, que se acrescente um facto provado, precisamente com génese naquele quesito, assim redigido:

«Para fazer face a tais encargos, e uma vez que a autora precisa de dispôr de ajuda permanente de terceira pessoa durante 24 horas por dia, terá de dispôr de, pelo menos, o montante correspondente a dois salários mínimos nacionais, acrescidos de 24,5% para os descontos patronais obrigatórios para a segurança social e de 1% sobre o montante daqueles salários para pagamento do prémio do seguro obrigatório de acidentes de trabalho»

Vejamos. E, primeira nota a salientar, a de que, pese embora tudo, aqui se não reconhece recurso em matéria de facto; notando-se que a lesada, a respeito, omite por completo a enunciação de qualquer meio probatório concreto, circunstância em si mesma bastante para fazer preterir tal recurso (artigo 685º-B, nº 1, alínea b), do código de processo).
Ainda assim; se afigura verdade que talvez a redacção inicial do quesito ainda fosse aproveitável em termos fácticos e que, porventura, à face da ampliação conveniente tivesse sido o seu ajustamento ao novo valor acrescido; e tudo sem a grave inferência de rejeição de resposta por ocasião do julgamento.
Parece-nos que a ideia da lesada com o que sucessivamente alegou terá sido a de dizer que o custo do encargo pecuniário com o apoio de terceira pessoa ascendia, na versão ampliada, a mil e quinhentos euros; alegação que, só numa visão exageradamente formal, poderia ser assimilada à previsão contida no artigo 646º, nº 4, do Código de Processo Civil.
Seja como for; agora, atingido o momento recursório, afigura-se-nos que apenas se fôra caso de facto absolutamente indispensável à ajustada decisão do mérito da causa (artigo 712º, nº 4, do código de processo), alguma consequência adjectiva poderia ser equacionada; o que não é caso.

Sem embargo do precedente, a causa dispõe de outros factos que fazem pressentir a importância do apoio à lesada de terceiras pessoas; e, naturalmente, com alcance patrimonial (resp ques 46º, 47º, 56º, 82º, 117º e 118º).
Ora, aqui sim, ademais o que daí já emerge, a enunciação de facto que propõe a lesada, cinge-se a evidenciar que ela terá de contratar duas empregadas, aspecto que, embora realmente alegado por ocasião da ampliação (v fls. 390), certo é que não foi objecto de instrução, e nem de julgamento; e nem a lesada agora aponta que tivesse sido produzido algum instrumento probatório concludente que o fizesse evidenciar; mostrando ser o demais, na redacção proposta, apenas decorrências legais para quem, ao seu serviço, disponha de empregados, de trabalhadores subordinados ao seu serviço.

Em suma; não se vê ajustado o aditamento proposto.
A causa contém mais matéria que, pese tudo, permite inferir as ilações bastantes ao seu consciencioso e adequado julgamento de mérito; e, segundo cremos, isso mesmo até entende a própria lesada quando, em alegação e nas conclusões, não deixa de reclamar, para lá daquela proposta, as inferências modificativas da decisão recorrida nos seus primordiais segmentos em que fixa os valores indemnizatórios ajustados a reparar todos os danos produzidos pelo facto infortunístico que teve lugar e a atingiu.

Nenhum novo facto se adita, portanto, ao enunciado dos provados.

2. O enunciado dos factos provados.
O elenco da matéria de facto que vem dada por provada do tribunal recorrido é o que segue; com retoques pontuais na redacção; e, bem assim, com uma ordenação que tenta ser um pouco mais lógica e cronológica:

i. A autora nasceu no dia 20 de Abril de 1949; tinha, no dia 12 de Dezembro de 2007, a idade de 58 anos – alínea b) matéria assente.
ii. E… é uma das filhas da autora, tendo nascido no dia 20 de Janeiro de 1973 – alínea c) matéria assente. 
iii. Através da apólice nº ...... a I... transferiu a responsabilidade civil perante terceiros inerente à circulação do veículo de matrícula ..-BN-.. para a ré seguradora – alínea a) matéria assente.
iv. O Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro EPE é uma entidade pública empresarial que presta cuidados de saúde integrados no Serviço Nacional de Saúde, criada a partir da fusão do Centro Hospitalar de Vila Real / Peso da Régua EPE com o Hospital Distrital de Chaves e o Hospital Distrital de Lamego, tendo sucedido a estas unidades de saúde em todos os direitos e obrigações – alínea d) matéria assente. 
v. Em Resende existe local com uma rotunda na qual confluem:
a) do lado Poente, a Rua ...;
b) do lado Nascente, a Rua ...;
c) do lado Norte, a Rua ...
– confissão do quesito 17º da base instrutória (v fls. 377).
vi. Atento o sentido de marcha nascente – poente, a Rua ... e a rotunda ai existente desenvolvem-se em acentuado declive descendente – confissão do quesito 2º da base instrutória (v fls. 377). 
vii. A Rua ... serve o trânsito apenas no sentido de marcha poente – nascente, em direcção à rotunda referida – confissão do quesito 18º da base instrutória (v fls. 377). 
viii. No final da Rua ..., onde esta entronca na rotunda que fica mencionada, encontra-se um sinal vertical de proibição nº C1 – sentido proibido – confissão do quesito 19º da base instrutória (v fls. 377). 
ix. A Rua ... serve o trânsito apenas no sentido de marcha sul – norte – confissão do quesito 20º da base instrutória (v fls. 377).
x. E a Rua ... serve o trânsito em ambos os sentidos contrários de marcha – confissão do quesito 21º da base instrutória (v fls. 377).
xi. Do lado noroeste da rotunda encontra-se o stand de automóveis de F... – confissão do quesito 22º da base instrutória (v fls. 377). 
xii. G..., pelas 18h10, do dia 12 de Dezembro de 2007, estacionou o veículo de matrícula ..-BN-.. defronte do stand de automóveis, com a frente voltada para a Rua ... – confissão do quesito 1º da base instrutória (v fls. 377). 
xiii. Ao estacionar o veículo de matrícula ..-BN-.. no lugar referido, o condutor G... accionou o travão de mão – confissão do quesito 3º da base instrutória (v fls. 377). 
xiv. Porém, não o fez completamente – confissão do quesito 4º da base instrutória (v fls. 377). 
xv. A caixa de velocidades do veículo ficou em “ponto morto”, sem qualquer mudança engrenada – confissão do quesito 5º da base instrutória (v fls. 377). 
xvi. Após estacionar o veículo de matrícula ..-BN-.., o G... dirigiu-se para o interior do referido stand de automóveis – confissão do que-sito 6º da base instrutória (v fls. 377). 
xvii. Quando aí já se encontrava há alguns minutos o veículo de matrícula ..-BN-.. começou a movimentar-se, rodando, em direcção à Rua ... – confissão do quesito 7º da base instrutória (v fls. 377). 
xviii. Na qual entrou, desgovernado, em sentido descendente (nascente – poente) – confissão do quesito 8º da base instrutória (v fls. 377). 
xix. Ganhando velocidade, por força do próprio peso e do facto de se acentuar o declive à medida que progredia – confissão do quesito 9º da base instrutória (v fls. 377).
xx. Atravessando obliquamente a faixa de rodagem da Rua ..., da direita para a esquerda – confissão do quesito 10º da base instrutória (v fls. 377). 
xxi. Galgando com a frente esquerda o passeio existente do lado esquerdo, atento o sentido nascente – poente – confissão do quesito 11º da base instrutória (v fls. 377).  
xxii. E aí vindo a colher a autora D... – confissão do quesito 12º da base instrutória (v fls. 377). 
xxiii. A qual circulava pelo referido passeio no sentido nascente – poente (descendente), de costas para o veículo – confissão do quesito 13º da base instrutória (v fls. 377). 
xxiv. Vindo no seu movimento descontrolado a embater com a frente esquerda contra um muro de pedra que no local delimitava o passeio – confissão do quesito 14º da base instrutória (v fls. 377). 
xxv. Projectando a autora contra o mesmo – confissão do quesito 15º da base instrutória (v fls. 377). 
xxvi. Ficando esta entalada entre o veículo e o muro – confissão do quesito 16º da base instrutória (v fls. 377). 
xxvii. Ao aperceber-se, através da montra envidraçada do stand, que o veículo de matrícula ..-BN-.. se movimentava, o G... ainda correu em direcção ao mesmo, na tentativa de deter a sua marcha – confissão do quesito 23º da base instrutória (v fls. 377). 
xxviii. O que não logrou conseguir – confissão do quesito 24º da base instrutória (v fls. 377). 
xxix. O condutor do veículo ..-BN-.. declarou às autoridades que estacionou o veículo e “que o travão de mão estava puxado para cima” – alínea e) matéria assente.
xxx. Em resultado directo e necessário do embate, sofreu ferimentos a autora D... – resposta ao quesito 25º da base instrutória. 
xxxi. Tendo sido transportada de ambulância para o Centro de Saúde ... – resposta ao quesito 26º da base instrutória.  
xxxii. Face à gravidade dos ferimentos que apresentava, foi a autora de imediato transportada de ambulância para o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro EPE, na cidade de Vila Real – resposta ao quesito 27º da base instrutória. 
xxxiii. No percurso, ao chegar à cidade da Régua, foi a autora transferida para uma ambulância do INEM, sendo de imediato sujeita a transfusão de sangue – resposta ao quesito 28º da base instrutória. 
xxxiv. Já no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro EPE foi-lhe diagnosticado “esmagamento do membro inferior esquerdo” de que resultou “grave fractura exposta cominutiva dos ossos da perna esquerda, altamente conspurcada” – resposta ao quesito 29º da base instrutória. 
xxxv. Tendo sido “feito estudo pré-operatório e lavagem em abundância com soro” – resposta ao quesito 30º da base instrutória. 
xxxvi. No mesmo dia, e ainda no Serviço de Urgência, foi a autora submetida a intervenção cirúrgica, tendo sido feita:
a) nova lavagem em abundância com soro e betadine;
b) exérese de todo o tecido desvascularizado;
c) reparação vascular e tenorrafias de tendões da perna esquerda
d) tentativa de cobertura óssea com a massa muscular restante;
e) montagem de fixação externa (fixador tubular);
f) medicação com exoaparina, antibioterapia e analgesia apropriada
– resposta ao quesito 31º da base instrutória. 
xxxvii. Durante o internamento verificou-se necrose extensa de pele – resposta ao quesito 32º da base instrutória. 
xxxviii. Sendo feitos pensos com água oxigenada e soro em iguais quantidades – resposta ao quesito 33º da base instrutória. 
xxxix. No dia 8 de Janeiro de 2008, a autora voltou ao bloco operatório, tendo, então, sido feita limpeza cirúrgica – resposta ao quesito 34º da base instrutória. 
xl. Após, foi a autora observada pelo Serviço de Cirurgia Plástica, que emitiu parecer no sentido de não existirem condições para fazer qualquer retalho – resposta ao quesito 35º da base instrutória. xli. A autora manteve-se sujeita a tratamentos com pensos diários – resposta ao quesito 36º da base instrutória. 
xlii. No dia 19 de Fevereiro de 2008, a autora voltou novamente ao bloco operatório para aí ser efectuada nova limpeza cirúrgica – resposta ao quesito 37º da base instrutória. 
xliii. Continuando, após, pensos diários – resposta ao quesito 38º da base instrutória. 
xliv. Entretanto, a autora iniciou levantes e fisioterapia – resposta ao quesito 39º da base instrutória. 
xlv. Mantendo-se antibioterapia até à data da alta hospitalar verificada no dia 9 de Abril de 2008 – resposta ao quesito 40º da base instrutória. 
xlvi. Em nota de alta pelo Serviço de Ortopedia foi proposto que, no domicílio, a autora: 
a) efectuasse pensos de dois em dois dias com gaze gorda embebida em betadine na perna esquerda, excepto na zona central de necrose, na qual deve manter pensos de dois em dois dias com água oxigenada e soro em quantidades iguais, devendo tais pensos ser feitos por enfermeiro; 
b) podendo sentar-se diariamente com cadeira e iniciar marcha com andarilho; 
c) devendo ser tida especial atenção aos cravos do fixador, que devem ser protegidos, cada um, com compressas pequenas embebidas em álcool; 
d) devendo a sinistrada aumentar a ingestão de sumos, proceder a uma alimentação variada, comendo designadamente bife de fígado e peixe variado; 
e) continuando medicada com polivitamínicos e um venotrópico oral
– resposta ao quesito 42º da base instrutória. 
xlvii. A sinistrada D... deve continuar a ser assistida em consulta externa no referido Hospital, tendo a primeira consulta designada para 30 dias após a alta hospitalar – resposta ao quesito 43º da base instrutória. 
xlviii. Necessitando de ajuda permanente de terceira pessoa, que a acompanhe dia e noite – resposta ao quesito 46º da base instrutória. 
xlix. Situações essas que se manterão no futuro – resposta ao quesito 47º da base instrutória. 
l. O membro inferior esquerdo da autora apresenta-se:
a) deformado;
b) com debilidade óssea;
c) perda significativa da massa muscular;
d) perda de pele;
e) extensas manchas cicatriciais
 – resposta ao quesito 48º da base instrutória. 
li. Anteriormente ao acidente, a D... era uma mulher saudável, activa e alegre – resposta ao quesito 49º da base instrutória. 
lii. Ao tempo do acidente, a autora D... tinha como único rendimento a quantia mensal de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros) que a filha E... lhe pagava para cuidar de H... que consigo vivia em Resende – resposta ao quesito 50º da base instrutória. 
liii. Na altura do acidente a autora acompanhava com a sua neta, que fôra buscar à escola – resposta ao quesito 51º da base instrutória. 
liv. Eram os filhos que a ajudavam nas despesas da vida doméstica – resposta ao quesito 52º da base instrutória. 
lv. A autora na altura vivia com a neta em casa arrendada – resposta ao quesito 53º da base instrutória. 
lvi. A autora sentiu dores intensas e persistentes, que se mantêm e per-durarão no futuro – resposta ao quesito 58º da base instrutória. 
lvii. Encontra-se limitada nos seus movimentos – resposta ao quesito 59º da base instrutória. 
lviii. Desgostosa por motivo da deformidade com que ficará na perna – resposta ao quesito 60º da base instrutória. 
lix. Angustiada e preocupada com o seu futuro – resposta ao quesito 61º da base instrutória. 
lx. Deprimida e triste – resposta ao quesito 62º da base instrutória. 
lxi. No dia 15 de Maio de 2008, foi a autora de novo internada no Centro Hositalar de Trás-os-Montes e Alto Douro EPE, na cidade de Vila Real – resposta ao quesito 63º da base instrutória. 
lxii. Apresentando infecção grave no membro inferior esquerdo – resposta ao quesito 64º da base instrutória. 
lxiii. E anemia – resposta ao quesito 65º da base instrutória. 
lxiv. Dada a infecção verificada, a autora corria sério perigo de vida, tendo-se receado a propagação da infecção – resposta ao quesito 66º da base instrutória. 
lxv. No dia 21 de Maio de 2008 foi a autora submetida a intervenção cirúrgica consistente em amputação do membro inferior esquerdo pelo terço proximal do fémur – resposta ao quesito 67º da base instrutória. 
lxvi. No pós-operatório, a autora teve infecção por MRSA, com drenagem purulenta no bordo externo do corte – resposta ao quesito 68º da base instrutória. 
lxvii. Mantendo terapêutica instituída de analgesia e antibioterapia – resposta ao quesito 69º da base instrutória. 
lxviii. Em finais de Junho de 2008, iniciou a autora tratamentos de fisioterapia com reeducação funcional – resposta ao quesito 70º da base instrutória. 
lxix. O coto apresenta-se doloroso, em fase de cicatrização, com enfaixamento – resposta ao quesito 71º da base instrutória. 
lxx. Em 16 de Julho de 2008, manifestou-se nova infecção no coto de amputação, com a necessidade de novos tratamentos – resposta ao quesito 72º da base instrutória. 
lxxi. Efectuando-se limpeza cirúrgica em 4 de Setembro de 2008 – resposta ao quesito 73º da base instrutória. 
lxxii. Durante todo este período, a autora mostrou-se muito lentificada, com humor depressivo, perturbação do sono e queixas de anorexia e astenia, com um quadro de hipoproteinemia – resposta ao quesito 74º da base instrutória. 
lxxiii. No dia 10 de Setembro de 2008, foi a autora transferida para o Hospital de Lamego – resposta ao quesito 75º da base instrutória. 
lxxiv. Aí tendo ficado internada, em tratamento de recuperação, até ao dia 7 de Outubro de 2008, data em que teve alta para o domicílio – resposta ao quesito 76º da base instrutória. 
lxxv. Persistindo dificuldades de cicatrização do coto de amputação – resposta ao quesito 77º da base instrutória. 
lxxvi. A autora tem de custear a sua alimentação, exigindo a sua situação clínica uma alimentação cuidada – resposta ao quesito 83º da base instrutória. 
lxxvii. A data de consolidação médico-legal das lesões sofridas pela autora é fixável em 11 de Agosto de 2010 – resposta ao quesito 112º da base instrutória. 
lxxviii. Como consequência directa e necessária do acidente, desde o dia 12 de Dezembro de 2007 até à data de consolidação médico-legal das lesões esteve a autora em situação de incapacidade temporária geral e profissional total – resposta ao quesito 113º da base instrutória. 
lxxix. Como consequência directa e necessária do acidente, após a data de consolidação médico-legal das lesões a que se alude na resposta ao quesito 113º, ficou a autora com as seguintes sequelas:
a) amputação do terço médio do fémur esquerdo, com dores fantasmas na região do coto e alterações da sensibilidade no mesmo local; 
b) cicatriz operatória na região do coto com 16 centímetros de comprimento;
c) não consegue movimentar-se sem a ajuda de andarilho ou canadianas;
d) depressão pós amputação de membro
– resposta ao quesito 114º da base instrutória. 
lxxx. Em consequência do acidente a autora ficou com lesões que lhe originaram uma IPG fixável em 50; à qual acresce a título de danos futuros mais 3 pontos, sendo que tais sequelas, em termos de rebate profissional, são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional – resposta aos quesitos 44º, 45º, 85º, 115º e 116º da base instrutória. 
lxxxi. Desde a alta hospitalar a autora tem vindo a contratar pessoas, na medida em que necessita da ajuda permanente de terceiros, a quem paga, quer para as suas actividades domésticas, quer para a sua higiene pessoal – resposta aos quesitos 56º, 82º e 117º da base instrutória. 
lxxxii. Como consequência directa e necessária do acidente ficou a au-tora dependente de:
a) ajuda de terceiras pessoas;
b) ajuda medicamentosa;
c) ajuda técnica
– resposta ao quesito 118º da base instrutória.

3. O mérito (jurídico) do recurso.

3.1. Enquadramento preliminar. 
3.1.1. O quadro de controvérsia, na hipótese, radica na constituição de obrigação de indemnizar que tem por fonte a responsabilidade civil emergente de acidente de viação. Não se discute a responsabilidade. Apenas a configuração da obrigação nascida, na esfera da ré seguradora; o respectivo volume que a onera.

É – cremo-lo bem – uma das mais difíceis e angustiantes matérias.
O acontecimento infortunístico é habitualmente gerador de efeitos que são capazes de condicionar toda uma vida. E às vezes um segundo é bastante para reconverter todo um futuro de esperanças e expectativas que, ali, se perdem.
A ordem jurídica tenta dar mecanismos reparadores. Mas a verdade é que, com o infortúnio, nada mais será como dantes; e muitos dos instrumentos que se facultam são mero lenitivo de uma situação perturbadora que se consolida.
A jurisprudência faz eco destas dificuldades. A indemnização em dinheiro, de uma forma ou de outra, nem sempre atinge o desejável objectivo de suprimir as consequências prejudiciais e danosas. E por isso se percebem as dúvidas e divergências; algumas vezes as flutuações, indesejáveis mas inevitáveis.

O enquadramento jurídico-normativo mais geral, no segmento particular que nos importa, diz-nos que o dano que se provoque deve ser reparado (artigos 483º, nº 1, e 562º, do Código Civil); constituindo o restante quadro legal apenas o desenvolvimento e a concretização desse princípio.
Na medida em que alguma actuação tenha a virtualidade de afectar negativamente a esfera jurídica de outrem está constituído o dano; por este se entendendo todo o constrangimento, todo o acanhamento feito sentir naquela esfera. E que, salvo caso de escassa importância, tem de ser passível de supressão. 

A estas notas, que são correntes e inequívocas, cremos ser de acrescentar uma outra; não menos importante na nossa óptica. Ninguém melhor do que o lesado conhece os constrangimentos que suporta; tem a exacta noção da configuração das percas geradas na sua própria esfera de interesse. E é portanto essencialmente com base na sua exposição que o mecanismo reparador há-de operar; de maneira a reintegrá-lo maximamente num destino livre de dano. 

3.1.2. Isto dito; e assumido o facto e o dano, na hipótese, fôra esta a circunscrição que a lesada fizera, de maneira a maximizar a superação das suas perdas.

Na petição, e apenas ao que às instâncias de recurso interessa, ela configurou as suas perdas patrimoniais em três segmentos.
Em 1º; uma perda emergente de 1.250,00 €, resultado de despesas já feitas com o encargo do apoio de terceiras pessoas.
Em 2º; uma perda futura de 24.000,00 €, que deixará de receber (250,00 € / mês) por tomar conta de uma neta.
Em 3º; outra perda futura, esta em forma de renda mensal e vitalícia de 750,00 €, para o contrato de terceira(s) pessoa(s) que a possa(m) assistir.
Ainda na petição, configurou uma perda não patrimonial que fez reflectir em valor igual a 100.000,00 €.

A lesada depois, e por três vezes sucessivamente, ampliou os pedidos.

Uma 1ª vez; na sequência da amputação da sua perna esquerda, a respeito (apenas) do dano não patrimonial, que majorou em 50.000,00 €.

Uma 2ª vez; na sequência do exame de perícia médico-legal a que foi submetida (v fls. 328 a 333), com desdobramento, por um lado, em perda emergente e futura concernente à total incapacidade para trabalhar, que avaliou em 50.000,00 €, por outro lado, na perda moral que majorou em mais 100.000,00 €.

Uma 3ª vez; ainda consequência do exame de perícia, reflectida na perda futura, em renda mensal e vitalícia, que aumentou para 1.500,00 €. 

Ou seja; e em suma, configurou a lesada assim o seu dano, a suprimir:
1.º; 1.250,00 €, de perda patrimonial emergente;
2.º; 250.000,00 €, de dano moral;
3.º; em assunto de dano patrimonial futuro, por um lado, 74.000,00 € respeitantes, 24 mil a perca da compensação da neta e 50 mil a perca de aptidão para o trabalho, por outro lado, em forma de renda mensal e vitalícia, 1.500,00 €.

Neste universo, a sentença final do tribunal recorrido decidiu assim.

A perícia encontrara, no período entre 12 Dez 2007 (data do acidente) e 11 Ago 2010 (data da consolidação das lesões), num total de 974 dias, um tempo de incapacidades, temporária geral total e temporária profissional total. 
A sentença considerou o salário mínimo nacional actualizado, de 485,00 €, que dividiu pelos 30 dias do mês, multiplicando o resultado por 974 dias; e encontrando o valor final de 15.746,33 €; quantia que considerou indemnizar a incapacidade para o trabalho até à consolidação das lesões (11 Ago 2010).

Ora, este segmento não vem posto em crise pela lesada. E isso faz pressentir que, então, na óptica patrimonial, o dano se acha reparado na sua repercussão temporal que corre até àquela consolidação, em 11 Ago 2010.

Subsistindo, para avaliar, apenas o que remanesça a partir desta data. 

Retornando à sentença. Esta, precisamente, para lá dos 974 dias reparados, fixa, com base em juízos de equidade, como perda patrimonial futura, a indemnização de 45.000,00 €.

Pressente-se que este valor entronca no pedido de 50.000,00 € que, na ampliação, a autora formulara; quer dizer, fora da perda dos 24.000,00 €, invocados na petição, por já não poder tomar conta da neta.
Revela-o, segundo pensamos, o artigo 12º do pedido de ampliação:[4]«12ºEm face do exposto, atendendo à idade da autora de 58 anos ao tempo do sinistro, à sua total (100%) incapacidade para o trabalho, à sua esperança de vida activa até aos 70 anos de idade, ao valor do salário mínimo nacional fixado para o ano de 2010 em 475,00 € (…) mensais x 14 meses, ao aumento previsível e anunciado do mesmo e à reduzida rentabilidade das aplicações a prazo, justifica-se a condenação da ré … a pagar à autora …, a título de danos patrimoniais futuros / lucros cessantes, para além dos já reclamados no artigo 67º da pet inic, mais 50.000,00 € (…).»

Mostra-se, então, que a sentença não autonomiza, nem o dano emergente de 1.250,00 €, nem o dano patrimonial, ele mesmo futuro, de perca do pro-vento a respeito da neta e auferido da filha, de 24.000,00 €.
E que também a lesada, no recurso, o não repara.

A sentença centraliza-se, no geral, na perda de rendimentos do trabalho e, ao recorrer, a lesada enfatiza-se no salário mínimo como critério de base para fixar os valores reparadores; fora do constrangimento da falta dos concretos 250,00 € mensais que, no início, invocara.

Mas prosseguindo. 
A sentença não acolhe a indemnização em renda, mensal e vitalícia; interpreta o constrangimento apenas como redução de capacidade funcional da lesada e, portanto, sem autonomia patrimonial, meramente com reflexo moral.
E fixa a reparação moral em 90.000,00 €.

Apresentado o quadro; equacionemos agora de “per se” cada uma das questões decidendas, no seu alcance jurídico-normativo .

3.2. O dano patrimonial futuro da afectação de ganho. 

É questão decidenda da instância recursória interposta pela lesada.
Rememorando. O assunto é principalmente circunscrito por ocasião da ampliação de pedido; aí configurado com o volume de 50.000,00 €, reportado à idade da lesada em Dez 2007 (data do acidente) e sustentado no valor fixado do salário mínimo; autonomizado expressamente da perda de ganho de 250,00 € por mês, obtidos da filha, por cuidar da neta.
A sentença fixou 45.000,00 €, a este título, por reporte a Ago 2010.
A lesada, no recurso, sustentada outra vez no salário mínimo, pede que se lhe fixem 75.000,00 € por perda de rendimentos de trabalho.

Afigura-se-nos difícil, numa óptica jurídico-substantiva, que tendo a lesada configurado o seu dano com o volume de cinquenta mil euros, consiga agora reconvertê-lo no seu conteúdo com o retrato de setenta e cinco mil. É que quando assim circunscreveu já estava na posse de toda a informação que permitiu facultar o exame de perícia médico-legal; estando a lesão consolidada. E era o volume de cinquenta mil o superador do dano, neste particular.

É indiscutível a reparação do dano futuro, desde que seja previsível (artigo 564º, nº 2, início, do Código Civil). Na medida em que a justa avaliação das probabilidades permita intuir, razoavelmente, que o constrangimento se possa vir a revelar no tempo que há-de vir, deve ser fixada a quantia que permita superar essa compressão (futura). 
É verdade que, na hipótese, a lesada não exercia profissão remunerada; tinha por único rendimento os 250,00 € entregues pela filha por causa de cuidar da neta; e que eram os filhos a ajudá-la na sua subsistência (resp ques 50º e 52º). Mas releva que ela, no momento do infortúnio, tinha 58 anos; e era uma mulher saudável e activa (alín b) e resp ques 49º). Significa isto que no futuro a lesada podia até nem vir a auferir rendimento algum de qualquer actividade profissional; mas não significa que ela, ainda assim, não comportasse a aptidão ao exercício dessa actividade; aptidão de que se viu, pelo infortúnio, despojada; aspecto que não pode deixar de ter um alcance patrimonial, a carecer de reparação.

Esclarecem as conclusões do exame da perícia (v fls. 332):

«As sequelas descritas são, em termos de rebate profissional, são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.»

(v resp ques 44º, 45º, 85º, 115º e 116º).

O critério essencial na busca da concretização reparadora, e na falta consistente de outro, é o do juízo de equidade (artigos 4º, alínea a), e 566º, nº 3, do Código Civil); entendido este como aquele formado e assente sobre directrizes jurídicas dimanadas a partir de princípios latentes na ordem jurídica.[5] 
O carisma de alguma indefinição do que possa florescer num tempo que ainda não chegou tem impulsionado a procura de bases mais objectivas para densificar, em cada caso, o juízo de justeza e de adequação às circunstâncias.
E a jurisprudência tem construído algumas formulações que, sem embargo de certa falibilidade, que a todas atravessa, tem permitido, ao menos, que as decisões dos casos não pequem por uma muito sensível flutuação.
Mais recentemente a propósito do seguro de responsabilidade civil automóvel e em matéria de proposta razoável aos lesados vítimas de dano corporal, foi publicada a portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, entretanto alterada pela portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, a conceder critérios e valores orientadores para a concretização dos concernentes padecimentos; sem embargo da sua expressa rejeição de imperatividade (artigo 1º, nº 2); e ademais da discutibilidade, que é real, sobre se os tribunais devem, ou não, aceitar tais instrumentos normativos para coadjuvar no arbitramento da indemnização em processo judicial.
Seja como for, constituem ao menos um sinal normativo; e preceitos como, por exemplo, aqueles que mandam atender à retribuição mínima mensal garantida do lesado, à data do acidente, na falta de melhor valor (artigos 6º, nº 3, e 7º, nº 1, alínea c)); ou que mandam atender à presunção de fim de idade activa do lesado aos 70 anos (artigo 7º, nº 1, alínea b)); para não falar, ainda, das fórmulas de cálculo que, em anexo, contêm; podem servir, ao menos, para testar e confrontar os valores a que se chegue com aqueles a que, porventura por outros caminhos alternativos, se permita aceder; tudo na busca da justeza do caso.

Retornando à hipótese; e num teste à operacionalidade no concreto de tais instrumentos, dir-se-ia que, tendo a lesada 58 anos e tendo a expectativa de aptidão profissional até aos 70, restariam 12 anos de prestações; ainda, que a sua incapacidade para o exercício da profissão é total; por outro lado, o salário mínimo a ter em conta, o de 403,00 €, por ser aquele em vigor em Dez 2007 (v Dec-Lei nº 2/2007, de 3 de Janeiro); por fim, a ter em conta, o factor matemático que viabiliza a entrega imediata daquelas 12 prestações, e que na tabela do anexo III à port.ª 679/2009 é o de 10,282843.
Ora, tudo visto, ficaria assim:

100% x 403,00 € x 14 (meses) = 5.642,00 €
5.642,00 € x 10,282843 = 58.015,80 €

Isto é, obter-se-ia um valor indemnizatório igual a 58.015,80 €.[6]
Agora, importa considerar que, pese tudo, na hipótese da lesada, ela realmente não auferia efectiva actividade profissional; resumindo-se o seu dano neste particular à quebra ou perca da efectiva aptidão para a exercer; aspecto que como dissemos não pode deixar de reflectir, na mesma uma compressão patrimonial real, embora porventura mais atenuada. A isto acresce que no segmento temporal entre a data do infortúnio e a da consolidação das lesões, no total dos 974 dias antes mencionados, se acha já arbitrada, ao mesmo propósito, uma indemnização que se entendeu fixar em mais de quinze mil euros, com que a segura-dora se conformou e, segundo se intui, a lesada aceita, nessa configuração.

Em suma; os 60.756,33 € que a sentença arbitra, a título patrimonial futuro (15.746,33 € [até 11 Ago 2010] + 45.000,00 € [daí em diante]), superam até os 50.000,00 € que a lesada, no momento da ampliação, configurara e equacionara, desde logo, a partir de Dez 2007 (quando a autora tinha 58 anos de idade). E tudo, como dissemos, lateralmente ao outro dano futuro (autonomizado) de 24.000,00 €, este equacionado na petição, não avaliado (com autonomia) na sentença e a que, já também o dissemos, a lesada se não refere em sede de recurso.

Cremos, ademais de tudo, que a indemnização por perda de capacidade de ganho da lesada, entre Agosto de 2010, data da consolidação das suas (muito graves) lesões, e o momento de cessação provável da expectiva de actividade, que se fixa nos 70 anos, concretizada na quantia de 45.000,00 €, que a sentença recorrida estabeleceu, é equilibrada e equitativamente ajustada.

E, como tal, se mantém; não se acolhendo, neste extracto, as razões do recurso da lesada.

3.3. O dano patrimonial, emergente e futuro, do apoio de terceiros. 

Na petição, em Maio de 2008, a lesada liquidara, a respeito da contratação de pessoa para a acompanhar, entre 9 de Abril e aquela data (em que, outra vez, fôra então internada), a importância de 1.250,00 €, que gastara; e, no mais, a partir de Junho, pedira uma renda vitalícia de 750,00 €, por mês, actualizável.
Em ampliação, de Março de 2012, fundada na necessidade de um apoio durante as vinte e quatro horas do dia, veio majorar o valor da renda vitalícia para o dobro da importância inicial, de 1.500,00 € por cada mês.
A sentença desconsiderou este trecho de constrangimento como dano patrimonial autónomo; equacionou-o primordialmente na óptica de uma redução de capacidade funcional; e reverteu-o a uma avaliação como dano apenas moral.
No recurso, com base no salário mínimo sucessivamente vigente, a lesada enquadrou e concretizou o dano num valor total de 63.025,83 € até Junho de 2012; e reordenou a renda mensal e vitalícia pretendida para o dobro do salário mínimo que vigorar a partir de Julho de 2012.

Vejamos então. Não há como suspeitar de que aí se vislumbra um dano, uma perda suportada, que só o facto infortunístico permitiu gerar, e de carisma material, com reflexo importante na esfera jurídica patrimonial da lesada. Claro está, sem prejuízo de um paralelo dano moral, também ele inequívoco.
Esse dano (material) não pode deixar de ser considerado (artigo 564º, nº 1, início, e nº 2, início, do Código Civil). O seu cômputo, aqui também, se não puder ser exactamente averiguado, há-de ser fixado, em princípio, por via equitativa (artigo 566º, nº 3, do código). Ademais ainda; se configurar um dano de natureza continuada, pode o lesado requerer a indemnização no todo ou em parte na forma de renda, caso em que o tribunal, se reconhecer justeza ao pedido, o acolherá e providenciará (artigo 567º, nº 1, do código).[7]

Retornando à hipótese; a primeira nota impressiva é a de que as formulações da lesada, neste particular, foram sendo reconfiguradas ao longo da instância. Senão vejamos. O dano emergente inicial, até Mai 2008 (mil duzentos e cinquenta euros), é agora, no recurso, consumido e transformado num valor, referente àquele período, a que se chega pelo critério do salário mínimo. A renda que, de início, se concretizou em 750 e, depois, se aumentou para o dobro, é agora, no recurso também, mutada em valor concreto, até Junho de 2012, e a partir de Julho para o dobro do salário mínimo.

Pois bem; o primeiro passo no escrutínio da justeza do assim formulado, como trajecto na busca de uma adequada superação deste prejuízo, é verificar o que resultou, neste assunto, da matéria de facto provada.
E que é isto; a lesada esteve em casa, retida por causa das gravíssimas lesões que sofreu, entre 9 de Abril e 15 de Maio de 2008 (resp ques 40º e 63º); teve alta para o domicílio em 7 de Outubro de 2008 (resp ques 76º); necessita de ajuda permanente de terceira pessoa, que a acompanhe dia e noite; e desde a alta que tem vindo a contratar pessoas, a quem paga, quer para as suas actividades domésticas, quer para a sua higiene pessoal (resp ques 46º, 47º, 56º, 82º, 117º e 118º). Compreende-se, aliás, que assim seja; mostrando-se perfeitamente natural, e de encontro às regras da experiência, à luz do padecimento físico suportado, conducente por fim à amputação do membro inferior esquerdo em Mai 2008 (resp ques 67º), ainda de todo o desenvolvimento subsequente, aliás inapagável de forma perpétua, que seja o apoio de terceira(s) pessoa(s) essencial para a subsistência da lesada, com mínimo de qualidade de vida – que perdeu, é bom sempre lembrá-lo, por uma via infortunística que lhe foi ilicitamente arremetida.
Quer dizer, e sublinhamos, a superação do dano impõe-se manifestamente; restando só apurar o seu volume e a sua concretização.

Como dissemos, dispõe-se a lesada, no recurso, a efectuar cálculos na base do salário mínimo nacional, que eleva ao dobro por considerar a necessidade de duas pessoas a contratar. Percebe-se porque o faz; já que a prova de valores que alegou não foi concludente (resp ques 56º ou 82º); e, quanto aos gastos futuros, se bem que previsíveis, não é exactamente certo o respectivo cômputo. Note-se o seguinte. A lesada enuncia o conjunto de verbas pecuniárias que necessitou de dispor a título de pagamento da ajuda de terceiras pessoas, e relativamente a cada um dos anos, entre 2008 e 2012; todavia, ainda em Mar 2012, requereu a ampliação do pedido nesta matéria (onde podia ter invocado factos concernentes aos concretos gastos); e nem os factos provados reflectem qualquer cômputo exacto relativamente a tais despesas. Certo apenas que as despesas não podem deixar de ter existido; que a lesada vem pagando a outrem o apoio de que precisa.

O critério do valor do salário mínimo pode ser equacionado como referência; ao menos, em amparo minimamente objectivo e sustentado para a densificação da primordial orientação da equidade, como base de avaliação. 
E assim será importante conhecer os valores da respectiva evolução e que são estes – 426,00 € para 2008;[8] 450,00 € para 2009;[9] 475,00 € para 2010;[10] 485,00 € desde 1 de Janeiro de 2011.[11]

Convém ainda lembrar o que segue. A lesada, em Mai 2008 (quando já estivera cerca de um mês em casa) entendera acertada a renda de 750,00 €. Em procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, que interpôs  em Jan 2009,[12] formalizara, a título de despesas com ajuda de terceiras pessoas, o pedido mensal de 600,00 €; vindo, em Março seguinte, a transaccionar na instância cautelar por mil euros; sendo certo que a renda inicialmente reclamada, abrangia várias outras despesas, para lá da que agora particularmente nos interessa, e era a de 1.875,00 €. A ampliação, na acção, para 1.500,00 €, impulsionada pelos resultados da perícia, acontece em Mar 2012. E no recurso, agora, apela-se ao (dobro do) salário mínimo.

Não se nos afigura razoável, ou expectável, inferir-se que a lesada, cujo sofrimento e perda de qualidade de vida não merece discutir-se (não devemos cansar de o dizer), haja de ter vitaliciamente ao seu serviço dois empregados para a apoiar e assistir, com todas as inferências típicas do regime de contrato de trabalho subordinado; como agora, no recurso, ela conclusivamente reclama.
Os factos provados não permitem intui-lo com uma certeza segura.

Ainda assim; já se afigura razoável que uma quantia mensal seja fixada para o efeito do pagamento a alguém (uma ou mais pessoas) que realmente apoie e assista a lesada, por via das necessidades que lhe gerou o infortúnio. Essa despesa já existiu; e, segundo se intui dos factos, continuará a existir de modo perpétuo; já que perpétuas são também as sequelas e as necessidades consequentes. Essa renda, fixamo-la um pouco acima dos valores de salário mínimo, atrás referenciados, numa aproximação àquela que, no arbitramento de reparação cautelar, a lesada circunscrevera como necessária para superar a necessidade; e por se entender ser essa a que mais fielmente é passível de reflectir o gasto que, provavelmente, haja de ser suportado; portanto, o dano. Ademais, fixar-se-á uma actualização anual progressiva proporcional, exactamente ao progresso que tenha a evolução dos salários, aferida esta pela evolução que venha a ocorrer no país do salário mínimo nacional.[13] Mas apenas isso; quer dizer, sem outros acréscimos, que se não afiguram sensatos e nem expectáveis; designadamente de subsídios ou ainda de descontos patronais ou prémios de seguro.
É sumariamente o que se afigura melhor aderir às disposições legais que são aplicáveis (citados artigos 564º, nº 2, início, e 566º, nº 3, do código civil).

Em suma, e concretizando.

No ano de 2008, a renda mensal justa seria a de 575,00 €; nesse ano esteve a lesada 37 dias em casa, entre 9 Abr e 15 Mai; sendo-lhe devido, então, o proporcional valor de 710,00 € (575 : 30 x 37); e teve alta para o domicílio em 7 Out; sendo-lhe devidos 3 meses de renda (Out, Nov, Dez) no valor de 1.725,00 €.

No ano de 2009, fixa-se como renda mensal justa a de 600,00 €; portanto, sendo devido à lesada o valor de 7.200,00 € (600 x 12).

No ano de 2010, fixa-se como renda mensal justa a de 625,00 €; portanto, sendo devido à lesada o valor de 7.500,00 € (625 x 12).

No ano de 2011, fixa-se como renda mensal justa a de 635,00 €; portanto, sendo devido à lesada o valor de 7.620,00 € (635 x 12).

E no ano de 2012, mantém-se a renda igual a 635,00 €; portanto e semelhantemente se fixando, para este ano, igual indemnização de 7.620,00 €.

Significa, até Dezembro de 2012, um valor indemnizatório, para o dano de apoio permanente por terceira pessoa, igual a 32.375,00 €; quantia que porém se arredonda para a importância única e global de 33.000,00 €, de maneira a salvaguardar a inerente actualização à data do proferimento deste acórdão (artigo 566º, nº 2, final, do Código Civil).

Com início no ano de 2013, fixa-se uma renda mensal e vitalícia, a este título, com o valor, para esse ano, de 635,00 €; e nos subsequentes a actualizar na mesma proporção percentual em que o seja o salário mínimo nacional. 
Por razões de operacionalidade, e de maneira a dissipar dúvidas, se estabelece, ainda, que a arbitrada renda deverá ser entregue, ou transferida, para a lesada até a cada dia 8, do mês a que diga respeito; e sob pena de contagem de juros de mora, a partir desse respectivo dia. 

Neste extracto, é parcialmente procedente a apelação da lesada. 

3.4. O dano não patrimonial da lesada. 

O assunto é, agora, circunscrito na apelação da lesada e na apelação da seguradora. Invocara a primeira, na petição, os seus padecimentos retratando-os no valor de cem mil euros; mais tarde, em sequência de amputação do membro inferior esquerdo, majorou-os em mais cinquenta mil euros; por fim, incentivada pelo exame de perícia, mais os majorou noutros cem mil euros; tudo a completar os duzentos e cinquenta mil euros.
A sentença veio a fixar os danos morais em noventa mil euros.
Em recurso, pugna a lesada pelos duzentos e cinquenta mil; e, na sua própria apelação, a seguradora responsável em não mais de quarenta mil.

Vejamos então. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496º, nº 1, do Código Civil); o montante da indemnização fixa-se mediante juízos de equidade tendo em atenção, designadamente, o grau de culpabilidade do lesante, a situação económica relativa do responsável e do próprio lesado e, bem assim, todas as demais circunstâncias concretas do caso (artigos 496º, nº 3, início, e 494º, do Código Civil).

É, outra vez, campo fluido e de difícil particularização.
Em especial em hipóteses do tipo daquela que nos preocupa. Em boa verdade, é inequívoco e muito intenso o carisma de dor e de padecimento da lesada. Já o acentuámos e voltamos a acentuar. Quem era mulher saudável, activa e alegre (resp ques 49º) e, apenas num instante, sem que para isso nada tenha contribuído, se vê numa situação de esmagamento, com subsequente e aprofundado sofrimento (resp ques 25º a 40º, 42º, 43º, 48º e 58º a 62º), que vem a culminar com a amputação de um membro inferior, com o acréscimo de padecimentos (resp ques 63º a 77º); tudo durante um período de cerca de dois anos e meio (resp ques 112º); a mais disso ainda, se vê em estado definitivo de dependência (resp ques 46º, 47º, 56º, 82º, 117º e 118º) e com sequelas muito importantes e irreversíveis, para o resto da vida (resp ques 44º, 45º, 85º e 113º a 116º); não pode deixar de ser visto como alguém merecedor de uma reparação, a título moral, que reflicta um valor pecuniário, ele também, importante e de certa consistência.
Além de tudo, é uma reparação que nem repara; um mero lenitivo.

O exame de perícia tido lugar também contém indícios.
Um quantum doloris que se fixou em grau 6 numa escala de 7 graus de gravidade crescente (v fls. 331); uma incapacidade permanente geral que se fixou em 50%, com acréscimo de mais 3% em função do seu muito provável agravamento (v fls. 331 a 332); enfim, um dano estético fixado em 5 na escala crescente de 7 (v fls. 332).

Por fim, não podendo ofuscar-se; o elevado juízo de censura de que é merecedor o lesante, gerador do acidente que vitimou a lesada, em circunstâncias difíceis de compreender (ques 3º a 6º); a condição sócio-económica da lesada (resp ques 50º e 52º); todas as perdas e constrangimentos colaterais de que sobressai ser ela quem cuidava da neta (resp ques 51º e 53º); em suma, todas as angústias aliadas à compressão de interesses e expectativas que se perderam.

Assemelhadamente ao que precedentemente se disse, as portarias 377/2008 e 679/2009 tentam mostrar índices objectiváveis para fixar indemnizações; e, se bem que temporalmente fora da sua aplicação, podem ser instrumentos que ajudem nesta difícil tarefa de concretizar o valor de um constrangimento moral. Elas, ao menos, explicitam que importa indemnizar o dano pela ofensa à integridade física e psíquica (artigo 3º, alínea b)), o dano estético (artigo 4º, alinea b)) e o quantum doloris (artigo 4º, alínea c)). E depois concedem coeficientes de avaliação que, naturalmente, e para lá do seu estrito sentido orientador e de referência, ainda podem ser corrigidos, por apelo ao senso de justiça, na fixação da valia dos danos. Dito isto; testemos a sua aplicação ao caso. No anexo I da portaria 679/2009, o grau 5 do dano estético é reparado até 5.745,60 € e o quantum doloris de grau 6 até 3.283,20 €; de seu turno, o dano biológico, pela tabela IV (53 pontos para 58 anos de idade), permite encontrar um valor reparatório entre pouco mais de quarenta e oito mil euros, de mínimo, e cerca de cinquenta e oito mil, de máximo. O que, tudo somado, na hipótese, permitia um total, pelo máximo dos valores, de cerca de sessenta e quatro mil euros. É ainda pouco, diz-nos a sensibilidade jurídica, atentos os padrões correntes na jurisprudência, e se atentarmos, muito em especial, que se trata de alguém que, nas circunstâncias de facto já precedentemente narradas, se vê amputada do membro locomotor esquerdo, quando antes era saudável; e inelutávelmente marcada para toda a vida.
Mas se àquele valor acrescentarmos um factor correctivo, acertando-o para os setenta mil euros; e a esse ainda majorarmos (1) as várias angústias e padecimentos, próprios de internamentos e tratamentos do tipo daqueles que tiveram lugar com a lesada, com os quais, com toda a certeza, muito sofreu, e que se podem avaliar em dez mil euros; (2) também toda a aflição de se ser confrontada com a necessidade da amputação, que presunção judicial facilmente inferivel permite evidenciar, e que se avalia em cinco mil euros; (3) a opressão e o constrangimento de se passar a estar perpetuamente dependente de ajuda de terceiras pessoas, para lá da ajuda medicamentosa e técnica, também permanente, avaliável em outros cinco mil euros; (4) ainda a amargura e o tormento de saber que, por todo o sempre, se está privada de um membro locomotor, reflectindo-se numa mágoa de incerteza quanto ao futuro, avaliável em seis mil euros; (5) por fim, ainda as demais circunstâncias do caso, sobressaindo nelas o elevadíssimo juízo de censura do lesante na eclosão de um facto que, embora muito facilmente evitável, com mínimo de diligência de actuação, tendo acontecido, comportou dramáticas consequência, bem assim a situação económica da lesada que se indicia, aspectos estes permitindo majoração de mais quatro mil euros; então já se atinge um valor na casa dos cem mil euros, este sim, que se tem por justo e adequando para o ressarcimento, estritamente de cariz moral, da lesada; e tendo em conta a repartição parcelar que fica enunciada.

Em suma, e neste segmento; procede parcilamente a apelação da lesada; mas improcede totalmente a da seguradora (esta que, aliás, propugna valor inferior até ao que resultaria estritamente dos critérios da portaria).

3.5. Decisão final.

Resta, então, concluir fixando os valores em controvérsia.
E assim:

1.º; em matéria de afectação de ganho, que a lesada pretendia se fixasse em 75.000,00 €, manter o valor arbitrado na sentença de 45.000,00 €, os quais acrescem ao valor não discutido, de 15.746,33 €, ali também arbitrado; no total de 60.746,33 € (nesta parte se mantendo, na íntegra, o dispositivo da sentença e em particular quanto ao momento de contagem de juros); 
2.º; em matéria de ajuda permanente de terceiras pessoas, que a lesada pretendia se fixasse em 63.025,83 €, até Junho de 2012, e numa renda mensal e vitalícia, com início em Julho de 2012, e valor de dois salários mínimos nacionais acrescido de encargos, e que a sentença não equacionou como dano material, fixar um valor indemnizatório igual a 33.000,00 €, relativo ao tempo decorrido até Dezembro de 2012; e, com início em Janeiro de 2013, fixar à lesada uma renda mensal e vitalícia igual a 635,00 €, a actualizar na mesma proporção percentual em que o seja anualmente a retribuição mínima mensal garantida (procedendo parcialmente, nesta parte, o recurso da lesada);
3.º; em matéria de danos não patrimoniais, que a sentença fixou em 90.000,00 €, mas a lesada pretendia se fixasse em 250.000,00 € e a seguradora em 40.000,00 €, fixá-los no valor de 100.000,00 € (procedendo parcialmente o recurso da lesada e improcedendo totalmente o da seguradora).

Por fim, ao valor liquidado da indemnização por ajuda de terceiros (trinta e três mil euros) e ao arbitrado por danos não patrimoniais (cem mil euros) acrescem os juros de mora, à taxa legal (que é a de 4%, fixada na portaria nº 291/2003, de 8 de Abril), a contar da data da prolação deste acórdão (acórdão uniformizador de jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio, publicado no Diário da República, I série-A, de 27 de Junho de 2002, páginas 5057 a 5070).

4. Questão tributária.

4.1. A distribuição do encargo de custas é, no geral, condicionada pela proporção do decaimento na acção (artigo 446º, nºs 1 e 2, do código de processo). Acresce a isso que vimos entendendo, para a hipótese de ao responsável haver sido concedido o benefício do apoio judiciário sob a modalidade de dispensa das custas, que não haverá motivo legal para, então, ser condenado no respectivo pagamento (artigos 10º, nº 1, 13º, nº 1 e nº 3, 16º, nº 1, alínea a), da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, 6º e 8º da Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto).[14] 
A decisão tributária reflectirá, na hipótese, estas condicionantes.

4.2. Assim, e quanto à instância de recurso desencadeada pela ré seguradora, porque nela decaiu, na íntegra, será essa recorrente a suportar também integralmente o encargo das inerentes custas.

4.3. A respeito da instância de recurso suscitada pela lesada, em que o decaimento foi parcial, afigura-se ajustado, no confronto do propugnado e do, a final, decidido, atribuir uma proporção de sucumbência, à recorrente de 60%, e à recorrida de 40%. Sem prejuízo de àquela, a quem foi concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa das custas (v fls. 244 a 245), se não fixar o vínculo condenatório.

5. Síntese conclusiva.
É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de essencial quanto ao mérito do presente recurso:

I – Não exercendo o lesado, em acidente de viação, qualquer actividade remunerada, à data do infortúnio, deve ainda sim ser indemnizado pelo dano futuro consistente na perca da aptidão para o exercício dessa actividade, de que se viu despojado por força das lesões; a qual comporta um indiscutível alcance patrimonial; 
II – A fixação de uma indemnização em renda ao lesado é devida desde que os danos apresentem um carisma sucessivo e constante, e ele assim o requeira; como é o caso de se evidenciar a carência, para toda a vida, do apoio de uma terceira pessoa, a quem se terá de pagar (artigo 567º, nº 1, do Código Civil);
III – Na fixação do volume da renda, e na falta de outros mais sólidos elementos, deve o tribunal sustentar-se em juízos de equidade, dentro daquilo que seja expectável, dentro de um critério de sensata probabilidade, que deva vir a ser gasto (artigos 564º, nº 2, início, e 566º, nº 3, do Código Civil);
IV – As portarias nºs 377/2008, de 26 de Maio, e 679/2009, de 25 de Junho, publicadas a pretexto de estabelecerem critérios orientadores para efeitos de indemnização, em certos casos, a lesados por acidente automóvel, mesmo não sendo estritamente aplicáveis, podem ser ponderadas como instrumentos de apoio na procura de uma concretização indemnizatória capaz de superar o dano;
V – Se, em certa hipótese concreta, testados os índices facultados por tais instrumentos, o resultado a que se chegue for um que o senso de justiça e os padrões habitualmente seguidos nos tribunais não permitam enquadrar, deve esse resultado ser corrigido para moldes mais adequados e ajustados, dentro do que permita e induza o critério da equidade (artigo 566º, nº 3). 

III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar:

1.º; a apelação interposta pela seguradora completamente improcedente.
2.º; a apelação interposta pela lesada parcialmente procedente, e nessa conformidade:
i. manter a sentença, na parte em que condenou a seguradora a pagar à lesada a quantia de 60.756,33 €, a título de afectação da capacidade de ganho, e juros desde a data da sua prolação;
ii. corrigir a sentença, no segmento do dano patrimonial consistente no custo pelo apoio permanente de terceiros, e, a esse título, condenar a seguradora a entregar à lesada:
- . o montante indemnizatório de 33.000,00 €, referente ao tempo decorrido até Dezembro de 2012, e juros sobre esse valor, à taxa legal (de 4% ao ano na actualidade), a contar do dia do proferimento deste acórdão;
- . uma renda mensal e vitalícia, com início no mês de Janeiro de 2013, igual a 635,00 €, a fazer-lhe chegar até ao dia 8 de cada mês a que diga respeito, sob pena de contagem de juros moratórios desde esse dia, e que se actualizará anualmente na mesma proporção percentual em que o seja a retribuição mínima mensal garantida;
iii. alterar a sentença, no segmento condenatório de danos morais, e fixar estes danos em 100.000,00 €, quantia que a seguradora é condenada a entregar à lesada, acrescida de juros sobre esse valor, à taxa acima referida e a contar do dia de proferimento deste acórdão;
iv. em todo o remanescente, manter a sentença.---As custas da apelação que a seguradora suscitou serão, na íntegra, suportadas por esta apelante.

As custas da apelação que a lesada suscitou são encargo desta apelante, na proporção de 60% (mas que as não pagará, por delas esta dispensada a coberto do apoio judiciário na modalidade que lhe foi concedida), e são encargo da seguradora apelada, na proporção de 40%.

Porto, 7 de Janeiro de 2013
Luís Filipe Brites Lameiras
Carlos Manuel Marques Querido
José Fonte Ramos
_____________
[1] O requerimento de ampliação da autora consta apenas no processo em suporte informático. 
[2] A resposta da ré ao requerimento de ampliação também apenas consta no processo em suporte informático. 
[3] Porquanto não existe hoje, na ordem jurídica, condenação em execução de sentença, deve este trecho condenatório, no seu segmento final, ser naturalmente entendido como uma condenação no que se vier a liquidar (artigos 661º, nº 2, início, e 378º, nº 2, do Código de Processo Civil).  
[4] Como antes dissemos, disponível apenas no processo em suporte informático.
[5] Sobre este assunto, veja-se António Menezes Cordeiro, “A decisão segundo a equidade” na revista “O Direito”, ano 122º – II, páginas 261 a 280.
[6] Curioso é notar que, operando a fórmula matemática que contém um conhecido acórdão do Supremo de 4 de Dezembro de 2007, proferido no proc.º nº 07A3836, disponível no sítio www.dgsi.pt, se não chegaria, na hipótese, a valores sensivelmente muito diferentes. 
[7] A respeito da condenação em renda (mensal e vitalícia), veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 1 de Outubro de 2012, proc.º nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/141328" target="_blank">1585/06.3TBPRD.P1</a>, em www.dgsi.pt. 
[8] Decreto-Lei nº 327/2007, de 31 de Dezembro.
[9] Decreto-Lei nº 246/2008, de 18 de Dezembro.
[10] Decreto-Lei nº 5/2010, d 15 de Janeiro.
[11] Decreto-Lei nº 143/2010, de 31 de Dezembro.
[12] E cujos autos se acham apensos aos da acção.
[13] Que aliás, hoje, melhor se designa por retribuição mínima mensal garantida (RMMG).
[14] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 2003, proc.º 03B1371, relatado pelo Conselheiro Salvador da Costa, em www.dgsi.pt. Ademais, afigura-se-nos que o novo regime do artigo 29º, nº 1, alínea d), do Regulamento das Custas Processuais, na redacção dada pela Lei nº 7/2012, de 1 de Fevereiro, permite corroborar este sentido interpretativo.

Recurso de Apelação Processo nº 105/08.0TBRSD.P1---1.ª apelação . apelante B…, SA (sucursal em Portugal), antes designada C…, Companhia de Seguros SA; . apelada D…. 2.ª apelação . apelante D...; . apelada B..., SA (sucursal em Portugal), antes designada C..., Companhia de Seguros SA.--- SUMÁRIO: I – Não exercendo o lesado, em acidente de viação, qualquer actividade remunerada, à data do infortúnio, deve ainda sim ser indemnizado pelo dano futuro consistente na perca da aptidão para o exercício dessa actividade, de que se viu despojado por força das lesões; a qual comporta um indiscutível alcance patrimonial; II – A fixação de uma indemnização em renda ao lesado é devida desde que os danos apresentem um carisma sucessivo e constante, e ele assim o requeira; como é o caso de se evidenciar a carência, para toda a vida, do apoio de uma terceira pessoa, a quem se terá de pagar (artigo 567º, nº 1, do Código Civil); III – Na fixação do volume da renda, e na falta de outros mais sólidos elementos, deve o tribunal sustentar-se em juízos de equidade, dentro daquilo que seja expectável, dentro de um critério de sensata probabilidade, que deva vir a ser gasto (artigos 564º, nº 2, início, e 566º, nº 3, do Código Civil) IV – As portarias nºs 377/2008, de 26 de Maio, e 679/2009, de 25 de Junho, publicadas a pretexto de estabelecerem critérios orientadores para efeitos de indemnização, em certos casos, a lesados por acidente automóvel, mesmo não sendo estritamente aplicáveis, podem ser ponderadas como instrumentos de apoio na procura de uma concretização indemnizatória capaz de superar o dano; V – Se, em certa hipótese concreta, testados os índices facultados por tais instrumentos, o resultado a que se chegue for um que o senso de justiça e os padrões habitualmente seguidos nos tribunais não permitam enquadrar, deve esse resultado ser corrigido para moldes mais adequados e ajustados, dentro do que permita e induza o critério da equidade (artigo 566º, nº 3). Acordam no Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório 1. A instância da acção. 1.1. D… propôs, em 19 de Maio de 2008, acção declarativa, na forma ordinária, contra B…, SA (sucursal em Portugal), então chamada de C…, Companhia de Seguros SA, pedindo a condenação a entregar-lhe (1) a quantia de 125.250,00 €, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, (2) a renda mensal vitalícia de 750,00 € com início em Junho de 2008, acrescida de iguais importâncias em Julho e Dezembro de cada ano, tudo anualmente actualizado em Abril por aplicação do índice de variação de preços no consumidor, do continente, fixado pelo INE, para o ano imediatamente anterior, e juros desde o vencimento de cada prestação, e (3) o que ela venha no futuro a despender em tratamentos, medicamentos e transportes para tratamentos “indemnização … a liquidar em execução de sentença”. Alegou que no dia 12 de Dezembro de 2007 o veículo automóvel de matrícula ..-BN-.., seguro na ré, foi deixado estacionado pelo seu condutor numa rua de acentuado declive descendente, e mal travado; o veículo soltou-se e deslocou-se, ganhando velocidade por força do seu peso e do declive da rua; progrediu em marcha desgovernada; e galgou o passeio onde ela (autora) estava. Ao tempo, ela seguia por aí, a pé, de costas para o veículo; foi por este embatida e projectada contra um muro de pedra que no local delimitava o passeio; e ficou entalada entre o veículo e o muro. Ora, por causa de tudo isto, ficou gravemente ferida, com esmagamento do membro inferior esquerdo; foi transportada para o hospital; submetida a intervenção cirúrgica no serviço de urgência; esteve internada e em tratamentos; em 8 de Janeiro e em 19 de Fevereiro voltou ao bloco para limpeza cirúrgica; e só em 9 de Abril teve alta. O serviço de ortopedia aconselhou a continuação dos tratamentos e o acompanhamento. Devendo manter-se a assistência em consulta externa do hospital. A autora encontra-se desde o acidente em situação de total incapacidade para o trabalho; com necessidade de ajuda permanente de terceira pessoa, dia e noite; situação que se prevê a continuar. O membro inferior esquerdo está gravemente afectado por deformações e debilidade. Há impedimento de, no futuro, ser exercida qualquer actividade ou sequer as tarefas da lide doméstica. Ora, a autora era, antes do sucedido, uma mulher saudável, activa e alegre; tinha 58 anos; recebia 250,00 € por mês de uma sua filha pelo encargo de cuidar da neta, então com 10 anos, que consigo residia; era alegre e feliz por ter a neta consigo. Vive em casa arrendada gastando 250,00 € por mês; e mais 50,00 € que paga ao banco por uma dívida antiga. A neta passou a residir em casa de uma tia; com perda económica e afectiva da autora. Era de prever que a neta ficasse consigo mais oito anos; deixando de poder cuidar dela deixará de receber da sua filha 24.000,00 €. Desde a alta hospitalar, não pode estar só e necessita em permanência de ajuda de terceira pessoa, que tem vindo a contratar mediante o pagamento de 4,00 € por horas; encargo para que precisa, pelo menos, de dispor de 750,00 € por mês. A ré deve entregar-lhe, entre 9 de Abril de 2008 e Maio de 2008, a quantia de 1.250,00 €; e a partir de Junho de 2008 a renda mensal vitalícia de 750,00 € e igual importância em Julho e Dezembro de cada ano, a título de subsídio de férias e de Natal, tudo actualizado em Abril de cada ano, de acordo com o índice de variação de preços fixado pelo Instituto Nacional de Estatística. Além disso, a autora sentiu dores intensas e persistentes que perdurarão no futuro; está e continuará gravemente incapacitada; limitada nos movimentos e confinada a uma vida dentro de casa e imediações; sem companhia da neta; incapaz de prover ao sustento, à execução de tarefas da vida doméstica; carecendo de ajuda para os actos da sua vida diária; desgostosa por motivo da deformidade com que ficará na perna; angustiada e preocupada com o futuro; deprimida e triste. Os danos não patrimoniais, incluindo o estético, são avaliáveis em 100.000,00 €. Entretanto, acaba de ser novamente internada no hospital; e precisa de nova cirurgia; e é de prever que no futuro venha a realizar despesas com tratamentos, medicamentos e transportes para os tratamentos; quantia que só a “liquidação em execução de sentença” poderá concretizar. 1.2. A ré contestou; e concluiu que a acção deve “ser julgada improcedente ou parcialmente procedente, de acordo com a prova que vier a ser produzida em julgamento quanto ao acidente e quanto aos danos sofridos pela autora”. Disse, ao que mais importa, não estar ciente da responsabilidade do segurado na eclosão do sinistro; ademais, que a indemnização deve cingir-se às lesões que se apurem em exame médico-legal; além de que, importará obedecer a critérios orientadores para a fixação de quantum doloris, eventuais incapacidades e cálculo de indemnizações; e haverá que fazer abatimentos a quantias reclamadas, sob pena de enriquecimento indevido. Por fim, que é pouco perceptível o meio de sobrevivência da autora, do que vivia para o seu sustento e da neta; sendo até provável que exercesse alguma actividade remunerada; e que a filha mantivesse (e mantenha) a ajuda monetária; aspectos que ela (autora) deve clarificar. 1.3. A autora clarificou que não exercia actividade remunerada; e que eram os filhos que a ajudavam a fazer face aos seus encargos e gastos. 1.4. A instância declaratória desenvolveu-se; e com vicissitudes. 1.4.1. A autora, em 6 de Janeiro de 2009, ampliou o pedido em mais 50.000,00 € e juros, desde a notificação à ré. Relembrou que no dia 15 de Maio foi outra vez internada; que apresentava infecção grave na perna esquerda, e outras complicações. Corria risco de vida e receava-se a propagação da infecção. No dia 21 de Maio de 2008 foi submetida a intervenção cirúrgica consistente a amputação do membro inferior esquerdo. No pós-operatório teve infecção; e fez terapêutica. Em finais de Junho de 2008 iniciou fisiatria e reeducação funcional. Em 16 de Julho manifestou-se nova infecção no coto de amputação e necessidade de novos tratamentos; em 4 de Setembro efectuou-se limpeza cirúrgica. E a autora padeceu. Em 10 de Setembro foi transferida para outro hospital. E neste ficou internada, em tratamento de recuperação, até ao dia 7 de Outubro de 2008; data em que teve alta para o domicílio. Persistiram dificuldades de cicatrização do coto de amputação. Já no domicílio continua a ser diariamente assistida por enfermeiro, com dispêndio diário de 20,00 €. Gastando mensalmente, em transportes para as consultas, não menos de 100,00 €. E 250,00 € em medicação. Paga ainda 300,00 € por mês a cada uma das duas senhoras que, dia e noite, a ajudam e acompanham em casa e nas deslocações para tratamentos, bem como a substituem nas tarefas das lides domésticas e auxiliam nos actos da vida diária. A situação clínica exige ainda uma alimentação cuidada e um acréscimo de custo mensal de 100,00 €. Além de tudo, a autora padece de dores; manifesta acentuada angústia, preocupação e depressão. A dificuldade de cicatrização do coto de amputação faz prever a necessidade de nova raspagem. A autora vai ficar com uma IPP que se prevê na ordem dos 70%, com incapacidade total e absoluta para o trabalho e para a execução das tarefas de lide doméstica, com necessidade permanente de ajuda de terceiras pessoas. Neste contexto, justifica-se a valoração dos danos não patrimoniais em mais 50.000,00 € do que o reclamado na petição. 1.4.2. A ré respondeu à ampliação. Referiu como única novidade de relevo a “alegada amputação do membro inferior esquerdo”; e que o novo valor de 50.000,00 € já se devia entender “de algum modo, implícito no valor inicialmente peticionado”. Ademais, que haverá de equacionar critérios orientadores; que os valores agora referidos, como gastos, se não coadunam com o que na petição a autora dissera ser o seu meio de subsistência. Por fim, ao que importa, que a ampliação deve “ser julgada improcedente ou parcialmente procedente, de acordo com a prova que vier a ser produzida em julgamento quanto ao acidente e quanto aos danos sofridos pela autora”. 1.4.3. A autora, em 20 de Setembro de 2010, ampliou (outra vez) o pedido,[1] desta feita em mais 50.000,00 € “a título de danos patrimoniais futuros / lucros cessantes”, para além dos reclamados na petição, e em mais 100.000,00 € a título de danos não patrimoniais, para além dos ali reclamados e também na precedente ampliação. Alegou que a data da consolidação médico-legal das lesões que suporta é fixável no dia 11 de Agosto de 2010; que esteve 974 dias (entre 12 de Dezembro de 2007 e 11 de Agosto de 2008) em situação de incapacidade temporária geral e profissional total; que apresenta após a alta clínica por consolidação das lesões as sequelas definitivas da amputação, com dores fantasmas e alterações de sensibilidade, de cicatriz operatória na região do coto, não se conseguindo movimentar sem apoio, e de depressão pós-amputação. Deixou de fazer qualquer actividade; necessita de ajuda para as lides domésticas e higiene pessoal. As sequelas permanentes são determinantes de IPG fixável em 50 pontos, acrescendo mais 3 pontos a título de dano futuro; e são impeditivas de actividade profissional. A autora ficou dependente da ajuda de terceiros, de ajudas medicamentosas e de ajudas técnicas. O quantum doloris é, na escala de 1 a 7, de grau 6; e, na mesma escala, o dano estético de grau 5. Há prejuízo de afirmação pessoal. Em face de tudo, e à expectativa de vida activa até aos 70 anos, ao valor do salário mínimo fixado e previsível aumento, é justificado um dano patrimonial futuro / lucro cessante, para lá do antes reclamado, de mais 50.000,00 €. Por outro lado, é extremamente grave a situação consolidada da autora; a justificar a fixação completa da indemnização por danos morais em 250.000,00 €. Além do antes pedido deve, ainda, a ré ser condenada em mais 150.000,00 €, e juros a contar da data da notificação. 1.4.4. A ré foi ouvida; e disse não se opor ao aditamento, como factos probandos, daqueles agora alegados como base da ampliação.[2] 1.4.5. A autora, em 12 de Março de 2012, ampliou (uma outra vez) o pedido. Alegou que a autora ficou dependente de ajuda de terceira pessoa e de ajuda técnica; que a ajuda de terceira pessoa se há-de concretizar em acompanhamento ao longo do dia e durante a noite, carecendo de ser contratado quem preste essa ajuda, no mínimo, durante 2 horários de trabalho. Atendendo ao montante do salário mínimo nacional e demais encargos justifica-se a necessidade de uma renda vitalícia no dobro do que se pedira na petição. Deve, então, a ré entregar-lhe uma renda mensal vitalícia de 1.500,00 €. Além disso, ainda considerar-se ampliado o pedido, da quantia futura que se venha a liquidar, de modo a abranger ainda as “importâncias que possa vir a despender por motivo a ajudas técnicas de que carece”. 1.4.6. A ré foi ouvida; e opôs-se, alegando o infundado da ampliação. 1.5. Foi, por fim, em 7 de Maio de 2012, proferida a sentença final. E, no segmento dispositivo, terminando a: «Julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente: a) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de 60.756,33 € (…), acrescida de juros desde a presente data até efectivo e integral pagamento; b) Condenar a ré a pagar à autora a quantia de 90.000,00 € (…) a título de danos morais, acrescidos de juros desde a presente data até efectivo e integral pagamento; d) Condenar a ré a pagar à autora as quantias que esta tenha no futuro que despender em tratamentos, medicamentos, transportes para tratamentos e ajudas técnicas, em consequência do acidente, a liquidar em execução de sentença. [3] c) Aos montantes em causa devem ser reduzidos os montantes que a autora já recebeu a título arbitramento de reparação provisória. Absolver a ré do demais pedido.» 2. As instâncias dos (2) recursos interpostos. 2.1. A ré interpôs recurso de apelação. Alegou; e formulou conclusões, cuja síntese pode ser assim feita: a) A indemnização fixada pelo tribunal para compensar os danos morais sofridos, de 90.000,00 €, é excessiva e desadequada ao caso concreto; b) Da jurisprudência que vem sendo produzida sobre a matéria, e sem pôr em causa a gravidade das sequelas sofridas pela recorrida e o seu dano moral, decorre que este dano (moral) não pode ser avaliado, segundo o critério da equidade, por um valor de indemnização superior a 40.000,00 €; c) Por isso, ao decidir como decidiu, violou a sentença o disposto nos artigos 496º, 562º, 563º e 567º, todos do Código Civil; pelo que deve ser revogada e substituída por uma outra que condene a apelante a pagar à apelada uma indemnização por danos morais, por equidade, de 40.000,00 €. 2.2. A autora não apresentou contra-alegação. 2.3. Porém, interpôs também a autora recurso de apelação. E alegou; enunciando conclusões, cuja síntese é esta: a) Os quantitativos indemnizatórios fixados são insuficientes para garantir à apelante uma eficaz compensação por todos os danos por ela sofridos; b) Quanto a danos patrimoniais futuros / lucros cessantes o tribunal arbitrou 45.000,00 €; c) Muito embora não trabalhasse, a apelante tinha 58 anos e ficou com uma incapacidade total para o desempenho de toda e qualquer tarefa profissional compatível com as suas habilitações e capacidades; d) A indemnização por perda total da capacidade de ganho futura destina-se a conferir um valor que permita suprir a correspondente perda de rendimento, desde a data em que a lesada ficou impossibilitada de trabalhar até ao fim da sua vida, no caso até perfazer 75 anos, portanto durante mais 17; e) Descontando apenas a perda já contabilizada na sentença desde a data do sinistro até à data da alta (que ela fixou, tendo por base o salário mínimo nacional, em 15.746,33 €); f) A sentença, na falta de salário que fosse auferido pela apelante, teve em conta o valor do salário mínimo nacional para cômputo dos lucros cessantes decorrentes da perda de salários; mas já não usou semelhante critério para fixar a indemnização por danos futuros em virtude da perda da capacidade de ganho; g) A equidade, que sustente a fixação das indemnizações de perda de rendimentos futuros decorrentes do trabalho, tem que ter por base uma justa medida das coisas, nomeadamente no confronto com as demais indemnizações fixadas no âmbito do mesmo processo; h) Comparado com a indemnização que por lucros cessantes foi arbitrada durante dois anos e oito meses (mediando entre a data do acidente e a da consolidação médico-legal das lesões), no valor de 15.746,33 €, o montante de 45.000,00 € arbitrado a título de danos futuros pela perda dos mesmos rendimentos advenientes do trabalho, é relativamente diminuto; i) Justo e adequado se reputa o arbitramento da quantia de 75.000,00 €, a título desses danos patrimoniais futuros, por perda de rendimentos do trabalho, valor que se mostra mais consentâneo e adequado a gerar um capital produtor de rendimento equivalente ao salário mínimo nacional que só se extinga no final da vida activa; j) Das gravíssimas lesões de que a autora ficou a padecer, que culminaram na amputação de uma perna, com todas as sequelas e padecimentos, resulta à saciedade que ela ficou dia e noite, efectivamente, dependente da ajuda de terceira pessoa que a acompanhe permanentemente, situação essa que se manterá no futuro; l) Ter alguém disponível vinte e quatro horas por dia implica a contratação desses serviços, com o pagamento dos correspondentes salários; m) A completa dependência da apelante, de dia e de noite, da ajuda permanente de terceiros torna obviamente necessária a contratação de duas pessoas, a trabalhar por turnos, uma para o dia e outra para a noite; o que implica o efectivo pagamento de dois salários; situação a verificar-se para o resto da vida da apelante; n) Aliás, o arbitramento em providência cautelar de renda mensal provisória de mil euros, que a apelada reconheceu e admitiu pagar, visava precisamente e em grande medida, acautelar essa necessidade; o) Em face disso, devia ter sido dado por provado o quesito 57º da base instrutória, com redacção reformulada por causa da ampliação do pedido em que a apelante pediu o pagamento do valor mensal de 1.500,00 € correspondente a dois salários mínimos nacionais, acrescidos de demais encargos, para fazer face às despesas com a contratação das duas pessoas; aditando-se aos factos provados um novo e com a seguinte redacção: “Para fazer face a tais encargos, e uma vez que a autora precisa de dispôr de ajuda permanente de terceira pessoa durante 24 horas por dia, terá de dispôr de, pelo menos, o montante correspondente a dois salários mínimos nacionais, acrescidos de 24,5% para os descontos patronais obrigatórios para a segurança social e de 1% sobre o montante daqueles salários para pagamento do prémio do seguro obrigatório de acidentes de trabalho” p) A apelante teve alta no dia 9.4.2008; foi internada em 15.5.2008; e teve alta em 7.10.2008; excepção feita aos períodos de internamento, necessitou a apelante de ajuda permanente, dia e noite, de terceiros, que contratou, durante 122 dias; q) O valor do SMN foi, para o ano de 2008, de 426,00 €; em consequência o seu dano patrimonial decorrente da necessidade de ajuda de terceiro, em 2008, é igual a 5.003,55 €; r) Para o ano de 2009, para contratar duas pessoas que a pudessem acompanhar durante 24 horas, sendo o SMN de 450,00 €, necessitou de 15.813,00 €; s) E em 2010, com o SMN de 475,00 €, necessitou de 16.691,50 €; t) Em 2011, com o SMN de 485,00 €, de 17.042,90 €; u) E em 2012, com igual SMN, até Junho, de 8.474,88 €; v) Em suma, a título de dano patrimonial decorrente da necessidade de ajuda de terceiras pessoas, a sentença devia ter condenado a apelada a pagar à apelante 63.025,83 €; valor acrescido de juros desde a data da notificação à ré do pedido de ampliação; e bem assim de renda mensal vitalícia no montante do dobro do salário mínimo nacional que vigorar desde 1.7.2012, mais os encargos devidos, valores acrescidos de juros desde o vencimento; x) Mas independentemente disso é óbvio que só a contratação das duas pessoas, dia e noite, supre eficazmente a necessidade da apelante; gerando o encargo do pagamento dos salários e acréscimos; e ao menos o tribunal teria de ter fixado o valor exacto desse dano segundo a equidade (artigo 566º, nº 2, do Código de Processo Civil); z) E esse valor, pelo menos, o precedentemente referenciado; acrescido, a partir da decisão, da renda mensal vitalícia; aa) A dependência da ajuda permanente de terceiras pessoas, dia e noite, para o resto da vida, gera ainda um dano não patrimonial; bb) A apelante vê irremediavelmente afectada a sua qualidade de vida, o seu bem-estar, a liberdade de movimentos e a sua autonomia; o que a sentença valorou apenas em 90.000,00 €; cc) A apelante padeceu dores, angústias e sofrimentos desde a data do acidente; ainda sofre; e continuará a sofrer; dd) Culminou na amputação de uma das pernas; mas, além disso, houve cirurgias, internamentos, dores e padecimentos, riscos sérios de vida; dependência perpétua de medicamentos e próteses, dificuldades de locomoção, incapacidade, dores para o resto da vida, depressão; ee) É elevado o grau de culpabilidade do condutor do veículo seguro; ff) Em suma, os danos não patrimoniais são avaliáveis em 250.000,00 €; mais juros a partir da decisão; gg) A sentença recorrida violou os artigos 653º, nº 2, e 514º, do CPC, e os artigos 483º, nº 1, 496º, nºs 1 e 3, 562º e 564º, do CC; hh) Deve ser revogada e substituída por outra que: ● ao abrigo do artigo 712º, nº 1, alíneas a) e b), do CPC, dê resposta ao quesito 57º da base instrutória, como se indicou; ● independentemente disso, fixe à apelante uma indemnização de 75.000,00 €, por danos patrimoniais futuros decorrentes da afectação total da sua capacidade de ganho; ● lhe fixe uma indemnização de 63.025,83 €, a título de danos patrimoniais decorrentes da necessidade de ajuda permanente de terceiras pessoas, até final de Junho de 2012, e juros, bem assim ao mesmo título e para futuro, uma renda mensal e vitalícia com início em Julho de 2012 correspondente ao valor de dois salários mínimos nacionais, acrescidos de encargos, e juros; ● lhe fixe uma indemnização de 250.000,00 €, por danos não patrimoniais. 2.4. A ré não apresentou contra-alegação. 3. Delimitação do objecto do recurso. O objecto do recurso delimita-se, numa primeira linha, pelos segmentos contidos na parte dispositiva da sentença de carisma desfavorável ao recorrente (artigo 684º, nº 2, final do código de processo). E é nesse universo que este depois, ao enunciar as conclusões da sua alegação, pode circunscrever, com mais exactidão, os trechos de que pretende reavaliação, os assuntos decidendos (artigo 684º, nº 3, subsequente). Na hipótese, configuram-se duas instâncias de recurso. Uma interposta pela ré seguradora; e esta circunscrita apenas ao volume dos danos morais fixados à lesada pela sentença recorrida, na quantia de noventa mil euros, e que a recorrente entende não dever ser superior a quarenta mil. Outra interposta pela lesada; nesta se detectando os seguintes recortes: Em 1º; que o quesito 57º da base instrutória, a que o juiz “a quo” não respondeu, devia ter sido julgado provado, de maneira a salvaguardar o pedido de renda mensal e vitalícia equivalente a dois salários mínimos nacionais acrescidos dos encargos que a recorrente formulou em ampliação. Em 2º; que a título de danos patrimoniais futuros emergentes de afectação total da capacidade de ganho, que o juiz “a quo” avaliou em quarenta e cinco mil euros, deve a reparação ser antes a de setenta e cinco mil. Em 3º; que a título de danos patrimoniais emergentes da necessidade de ajuda permanente de terceiras pessoas, que o juiz “a quo” preteriu, entendendo se tratar antes de dano não patrimonial e com reflexo apenas no valor a fixar por este, deve ser fixada a indemnização de 63.025,83 €, para reparar o custo despendido até Junho de 2012, e uma renda mensal e vitalícia de valor equivalente a dois salários mínimos nacionais e encargos, a partir de Julho de 2012. Por fim, em 4º; ainda em assunto de danos morais, que a sentença fixou em noventa mil euros, dever a reparação ajustada ser a de duzentos e cinquenta mil. Equacionemos, então, cada uma destas questões decidendas. II – Fundamentos 1. O assunto do quesito 57º da base instrutória. O quesito 57º da base instrutória integra-se no contexto argumentativo da lesada, a respeito da sua necessidade de não poder estar só e precisar em permanência do apoio de terceiro, que tem de contratar para o efeito, naturalmente com custos (artigos 68º a 70º da petição inicial); e tem esta redacção:«57ºPara fazer face a tais encargos, a autora necessita, pelo menos, de dispôr de 750,00 € (setecentos e cinquenta euros) mensais?» A este respeito, veio a lesada entretanto a ampliar o valor inicialmente indicado para outro, de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) mensais; embora sem acrescento ou mudança alguma na redacção da base instrutória. O juiz “a quo” optou por não responder àquele quesito “por entender que tal facto é conclusivo”. E quer a lesada, agora em sede de recurso, que se acrescente um facto provado, precisamente com génese naquele quesito, assim redigido: «Para fazer face a tais encargos, e uma vez que a autora precisa de dispôr de ajuda permanente de terceira pessoa durante 24 horas por dia, terá de dispôr de, pelo menos, o montante correspondente a dois salários mínimos nacionais, acrescidos de 24,5% para os descontos patronais obrigatórios para a segurança social e de 1% sobre o montante daqueles salários para pagamento do prémio do seguro obrigatório de acidentes de trabalho» Vejamos. E, primeira nota a salientar, a de que, pese embora tudo, aqui se não reconhece recurso em matéria de facto; notando-se que a lesada, a respeito, omite por completo a enunciação de qualquer meio probatório concreto, circunstância em si mesma bastante para fazer preterir tal recurso (artigo 685º-B, nº 1, alínea b), do código de processo). Ainda assim; se afigura verdade que talvez a redacção inicial do quesito ainda fosse aproveitável em termos fácticos e que, porventura, à face da ampliação conveniente tivesse sido o seu ajustamento ao novo valor acrescido; e tudo sem a grave inferência de rejeição de resposta por ocasião do julgamento. Parece-nos que a ideia da lesada com o que sucessivamente alegou terá sido a de dizer que o custo do encargo pecuniário com o apoio de terceira pessoa ascendia, na versão ampliada, a mil e quinhentos euros; alegação que, só numa visão exageradamente formal, poderia ser assimilada à previsão contida no artigo 646º, nº 4, do Código de Processo Civil. Seja como for; agora, atingido o momento recursório, afigura-se-nos que apenas se fôra caso de facto absolutamente indispensável à ajustada decisão do mérito da causa (artigo 712º, nº 4, do código de processo), alguma consequência adjectiva poderia ser equacionada; o que não é caso. Sem embargo do precedente, a causa dispõe de outros factos que fazem pressentir a importância do apoio à lesada de terceiras pessoas; e, naturalmente, com alcance patrimonial (resp ques 46º, 47º, 56º, 82º, 117º e 118º). Ora, aqui sim, ademais o que daí já emerge, a enunciação de facto que propõe a lesada, cinge-se a evidenciar que ela terá de contratar duas empregadas, aspecto que, embora realmente alegado por ocasião da ampliação (v fls. 390), certo é que não foi objecto de instrução, e nem de julgamento; e nem a lesada agora aponta que tivesse sido produzido algum instrumento probatório concludente que o fizesse evidenciar; mostrando ser o demais, na redacção proposta, apenas decorrências legais para quem, ao seu serviço, disponha de empregados, de trabalhadores subordinados ao seu serviço. Em suma; não se vê ajustado o aditamento proposto. A causa contém mais matéria que, pese tudo, permite inferir as ilações bastantes ao seu consciencioso e adequado julgamento de mérito; e, segundo cremos, isso mesmo até entende a própria lesada quando, em alegação e nas conclusões, não deixa de reclamar, para lá daquela proposta, as inferências modificativas da decisão recorrida nos seus primordiais segmentos em que fixa os valores indemnizatórios ajustados a reparar todos os danos produzidos pelo facto infortunístico que teve lugar e a atingiu. Nenhum novo facto se adita, portanto, ao enunciado dos provados. 2. O enunciado dos factos provados. O elenco da matéria de facto que vem dada por provada do tribunal recorrido é o que segue; com retoques pontuais na redacção; e, bem assim, com uma ordenação que tenta ser um pouco mais lógica e cronológica: i. A autora nasceu no dia 20 de Abril de 1949; tinha, no dia 12 de Dezembro de 2007, a idade de 58 anos – alínea b) matéria assente. ii. E… é uma das filhas da autora, tendo nascido no dia 20 de Janeiro de 1973 – alínea c) matéria assente. iii. Através da apólice nº ...... a I... transferiu a responsabilidade civil perante terceiros inerente à circulação do veículo de matrícula ..-BN-.. para a ré seguradora – alínea a) matéria assente. iv. O Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro EPE é uma entidade pública empresarial que presta cuidados de saúde integrados no Serviço Nacional de Saúde, criada a partir da fusão do Centro Hospitalar de Vila Real / Peso da Régua EPE com o Hospital Distrital de Chaves e o Hospital Distrital de Lamego, tendo sucedido a estas unidades de saúde em todos os direitos e obrigações – alínea d) matéria assente. v. Em Resende existe local com uma rotunda na qual confluem: a) do lado Poente, a Rua ...; b) do lado Nascente, a Rua ...; c) do lado Norte, a Rua ... – confissão do quesito 17º da base instrutória (v fls. 377). vi. Atento o sentido de marcha nascente – poente, a Rua ... e a rotunda ai existente desenvolvem-se em acentuado declive descendente – confissão do quesito 2º da base instrutória (v fls. 377). vii. A Rua ... serve o trânsito apenas no sentido de marcha poente – nascente, em direcção à rotunda referida – confissão do quesito 18º da base instrutória (v fls. 377). viii. No final da Rua ..., onde esta entronca na rotunda que fica mencionada, encontra-se um sinal vertical de proibição nº C1 – sentido proibido – confissão do quesito 19º da base instrutória (v fls. 377). ix. A Rua ... serve o trânsito apenas no sentido de marcha sul – norte – confissão do quesito 20º da base instrutória (v fls. 377). x. E a Rua ... serve o trânsito em ambos os sentidos contrários de marcha – confissão do quesito 21º da base instrutória (v fls. 377). xi. Do lado noroeste da rotunda encontra-se o stand de automóveis de F... – confissão do quesito 22º da base instrutória (v fls. 377). xii. G..., pelas 18h10, do dia 12 de Dezembro de 2007, estacionou o veículo de matrícula ..-BN-.. defronte do stand de automóveis, com a frente voltada para a Rua ... – confissão do quesito 1º da base instrutória (v fls. 377). xiii. Ao estacionar o veículo de matrícula ..-BN-.. no lugar referido, o condutor G... accionou o travão de mão – confissão do quesito 3º da base instrutória (v fls. 377). xiv. Porém, não o fez completamente – confissão do quesito 4º da base instrutória (v fls. 377). xv. A caixa de velocidades do veículo ficou em “ponto morto”, sem qualquer mudança engrenada – confissão do quesito 5º da base instrutória (v fls. 377). xvi. Após estacionar o veículo de matrícula ..-BN-.., o G... dirigiu-se para o interior do referido stand de automóveis – confissão do que-sito 6º da base instrutória (v fls. 377). xvii. Quando aí já se encontrava há alguns minutos o veículo de matrícula ..-BN-.. começou a movimentar-se, rodando, em direcção à Rua ... – confissão do quesito 7º da base instrutória (v fls. 377). xviii. Na qual entrou, desgovernado, em sentido descendente (nascente – poente) – confissão do quesito 8º da base instrutória (v fls. 377). xix. Ganhando velocidade, por força do próprio peso e do facto de se acentuar o declive à medida que progredia – confissão do quesito 9º da base instrutória (v fls. 377). xx. Atravessando obliquamente a faixa de rodagem da Rua ..., da direita para a esquerda – confissão do quesito 10º da base instrutória (v fls. 377). xxi. Galgando com a frente esquerda o passeio existente do lado esquerdo, atento o sentido nascente – poente – confissão do quesito 11º da base instrutória (v fls. 377). xxii. E aí vindo a colher a autora D... – confissão do quesito 12º da base instrutória (v fls. 377). xxiii. A qual circulava pelo referido passeio no sentido nascente – poente (descendente), de costas para o veículo – confissão do quesito 13º da base instrutória (v fls. 377). xxiv. Vindo no seu movimento descontrolado a embater com a frente esquerda contra um muro de pedra que no local delimitava o passeio – confissão do quesito 14º da base instrutória (v fls. 377). xxv. Projectando a autora contra o mesmo – confissão do quesito 15º da base instrutória (v fls. 377). xxvi. Ficando esta entalada entre o veículo e o muro – confissão do quesito 16º da base instrutória (v fls. 377). xxvii. Ao aperceber-se, através da montra envidraçada do stand, que o veículo de matrícula ..-BN-.. se movimentava, o G... ainda correu em direcção ao mesmo, na tentativa de deter a sua marcha – confissão do quesito 23º da base instrutória (v fls. 377). xxviii. O que não logrou conseguir – confissão do quesito 24º da base instrutória (v fls. 377). xxix. O condutor do veículo ..-BN-.. declarou às autoridades que estacionou o veículo e “que o travão de mão estava puxado para cima” – alínea e) matéria assente. xxx. Em resultado directo e necessário do embate, sofreu ferimentos a autora D... – resposta ao quesito 25º da base instrutória. xxxi. Tendo sido transportada de ambulância para o Centro de Saúde ... – resposta ao quesito 26º da base instrutória. xxxii. Face à gravidade dos ferimentos que apresentava, foi a autora de imediato transportada de ambulância para o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro EPE, na cidade de Vila Real – resposta ao quesito 27º da base instrutória. xxxiii. No percurso, ao chegar à cidade da Régua, foi a autora transferida para uma ambulância do INEM, sendo de imediato sujeita a transfusão de sangue – resposta ao quesito 28º da base instrutória. xxxiv. Já no Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro EPE foi-lhe diagnosticado “esmagamento do membro inferior esquerdo” de que resultou “grave fractura exposta cominutiva dos ossos da perna esquerda, altamente conspurcada” – resposta ao quesito 29º da base instrutória. xxxv. Tendo sido “feito estudo pré-operatório e lavagem em abundância com soro” – resposta ao quesito 30º da base instrutória. xxxvi. No mesmo dia, e ainda no Serviço de Urgência, foi a autora submetida a intervenção cirúrgica, tendo sido feita: a) nova lavagem em abundância com soro e betadine; b) exérese de todo o tecido desvascularizado; c) reparação vascular e tenorrafias de tendões da perna esquerda d) tentativa de cobertura óssea com a massa muscular restante; e) montagem de fixação externa (fixador tubular); f) medicação com exoaparina, antibioterapia e analgesia apropriada – resposta ao quesito 31º da base instrutória. xxxvii. Durante o internamento verificou-se necrose extensa de pele – resposta ao quesito 32º da base instrutória. xxxviii. Sendo feitos pensos com água oxigenada e soro em iguais quantidades – resposta ao quesito 33º da base instrutória. xxxix. No dia 8 de Janeiro de 2008, a autora voltou ao bloco operatório, tendo, então, sido feita limpeza cirúrgica – resposta ao quesito 34º da base instrutória. xl. Após, foi a autora observada pelo Serviço de Cirurgia Plástica, que emitiu parecer no sentido de não existirem condições para fazer qualquer retalho – resposta ao quesito 35º da base instrutória. xli. A autora manteve-se sujeita a tratamentos com pensos diários – resposta ao quesito 36º da base instrutória. xlii. No dia 19 de Fevereiro de 2008, a autora voltou novamente ao bloco operatório para aí ser efectuada nova limpeza cirúrgica – resposta ao quesito 37º da base instrutória. xliii. Continuando, após, pensos diários – resposta ao quesito 38º da base instrutória. xliv. Entretanto, a autora iniciou levantes e fisioterapia – resposta ao quesito 39º da base instrutória. xlv. Mantendo-se antibioterapia até à data da alta hospitalar verificada no dia 9 de Abril de 2008 – resposta ao quesito 40º da base instrutória. xlvi. Em nota de alta pelo Serviço de Ortopedia foi proposto que, no domicílio, a autora: a) efectuasse pensos de dois em dois dias com gaze gorda embebida em betadine na perna esquerda, excepto na zona central de necrose, na qual deve manter pensos de dois em dois dias com água oxigenada e soro em quantidades iguais, devendo tais pensos ser feitos por enfermeiro; b) podendo sentar-se diariamente com cadeira e iniciar marcha com andarilho; c) devendo ser tida especial atenção aos cravos do fixador, que devem ser protegidos, cada um, com compressas pequenas embebidas em álcool; d) devendo a sinistrada aumentar a ingestão de sumos, proceder a uma alimentação variada, comendo designadamente bife de fígado e peixe variado; e) continuando medicada com polivitamínicos e um venotrópico oral – resposta ao quesito 42º da base instrutória. xlvii. A sinistrada D... deve continuar a ser assistida em consulta externa no referido Hospital, tendo a primeira consulta designada para 30 dias após a alta hospitalar – resposta ao quesito 43º da base instrutória. xlviii. Necessitando de ajuda permanente de terceira pessoa, que a acompanhe dia e noite – resposta ao quesito 46º da base instrutória. xlix. Situações essas que se manterão no futuro – resposta ao quesito 47º da base instrutória. l. O membro inferior esquerdo da autora apresenta-se: a) deformado; b) com debilidade óssea; c) perda significativa da massa muscular; d) perda de pele; e) extensas manchas cicatriciais – resposta ao quesito 48º da base instrutória. li. Anteriormente ao acidente, a D... era uma mulher saudável, activa e alegre – resposta ao quesito 49º da base instrutória. lii. Ao tempo do acidente, a autora D... tinha como único rendimento a quantia mensal de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros) que a filha E... lhe pagava para cuidar de H... que consigo vivia em Resende – resposta ao quesito 50º da base instrutória. liii. Na altura do acidente a autora acompanhava com a sua neta, que fôra buscar à escola – resposta ao quesito 51º da base instrutória. liv. Eram os filhos que a ajudavam nas despesas da vida doméstica – resposta ao quesito 52º da base instrutória. lv. A autora na altura vivia com a neta em casa arrendada – resposta ao quesito 53º da base instrutória. lvi. A autora sentiu dores intensas e persistentes, que se mantêm e per-durarão no futuro – resposta ao quesito 58º da base instrutória. lvii. Encontra-se limitada nos seus movimentos – resposta ao quesito 59º da base instrutória. lviii. Desgostosa por motivo da deformidade com que ficará na perna – resposta ao quesito 60º da base instrutória. lix. Angustiada e preocupada com o seu futuro – resposta ao quesito 61º da base instrutória. lx. Deprimida e triste – resposta ao quesito 62º da base instrutória. lxi. No dia 15 de Maio de 2008, foi a autora de novo internada no Centro Hositalar de Trás-os-Montes e Alto Douro EPE, na cidade de Vila Real – resposta ao quesito 63º da base instrutória. lxii. Apresentando infecção grave no membro inferior esquerdo – resposta ao quesito 64º da base instrutória. lxiii. E anemia – resposta ao quesito 65º da base instrutória. lxiv. Dada a infecção verificada, a autora corria sério perigo de vida, tendo-se receado a propagação da infecção – resposta ao quesito 66º da base instrutória. lxv. No dia 21 de Maio de 2008 foi a autora submetida a intervenção cirúrgica consistente em amputação do membro inferior esquerdo pelo terço proximal do fémur – resposta ao quesito 67º da base instrutória. lxvi. No pós-operatório, a autora teve infecção por MRSA, com drenagem purulenta no bordo externo do corte – resposta ao quesito 68º da base instrutória. lxvii. Mantendo terapêutica instituída de analgesia e antibioterapia – resposta ao quesito 69º da base instrutória. lxviii. Em finais de Junho de 2008, iniciou a autora tratamentos de fisioterapia com reeducação funcional – resposta ao quesito 70º da base instrutória. lxix. O coto apresenta-se doloroso, em fase de cicatrização, com enfaixamento – resposta ao quesito 71º da base instrutória. lxx. Em 16 de Julho de 2008, manifestou-se nova infecção no coto de amputação, com a necessidade de novos tratamentos – resposta ao quesito 72º da base instrutória. lxxi. Efectuando-se limpeza cirúrgica em 4 de Setembro de 2008 – resposta ao quesito 73º da base instrutória. lxxii. Durante todo este período, a autora mostrou-se muito lentificada, com humor depressivo, perturbação do sono e queixas de anorexia e astenia, com um quadro de hipoproteinemia – resposta ao quesito 74º da base instrutória. lxxiii. No dia 10 de Setembro de 2008, foi a autora transferida para o Hospital de Lamego – resposta ao quesito 75º da base instrutória. lxxiv. Aí tendo ficado internada, em tratamento de recuperação, até ao dia 7 de Outubro de 2008, data em que teve alta para o domicílio – resposta ao quesito 76º da base instrutória. lxxv. Persistindo dificuldades de cicatrização do coto de amputação – resposta ao quesito 77º da base instrutória. lxxvi. A autora tem de custear a sua alimentação, exigindo a sua situação clínica uma alimentação cuidada – resposta ao quesito 83º da base instrutória. lxxvii. A data de consolidação médico-legal das lesões sofridas pela autora é fixável em 11 de Agosto de 2010 – resposta ao quesito 112º da base instrutória. lxxviii. Como consequência directa e necessária do acidente, desde o dia 12 de Dezembro de 2007 até à data de consolidação médico-legal das lesões esteve a autora em situação de incapacidade temporária geral e profissional total – resposta ao quesito 113º da base instrutória. lxxix. Como consequência directa e necessária do acidente, após a data de consolidação médico-legal das lesões a que se alude na resposta ao quesito 113º, ficou a autora com as seguintes sequelas: a) amputação do terço médio do fémur esquerdo, com dores fantasmas na região do coto e alterações da sensibilidade no mesmo local; b) cicatriz operatória na região do coto com 16 centímetros de comprimento; c) não consegue movimentar-se sem a ajuda de andarilho ou canadianas; d) depressão pós amputação de membro – resposta ao quesito 114º da base instrutória. lxxx. Em consequência do acidente a autora ficou com lesões que lhe originaram uma IPG fixável em 50; à qual acresce a título de danos futuros mais 3 pontos, sendo que tais sequelas, em termos de rebate profissional, são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional – resposta aos quesitos 44º, 45º, 85º, 115º e 116º da base instrutória. lxxxi. Desde a alta hospitalar a autora tem vindo a contratar pessoas, na medida em que necessita da ajuda permanente de terceiros, a quem paga, quer para as suas actividades domésticas, quer para a sua higiene pessoal – resposta aos quesitos 56º, 82º e 117º da base instrutória. lxxxii. Como consequência directa e necessária do acidente ficou a au-tora dependente de: a) ajuda de terceiras pessoas; b) ajuda medicamentosa; c) ajuda técnica – resposta ao quesito 118º da base instrutória. 3. O mérito (jurídico) do recurso. 3.1. Enquadramento preliminar. 3.1.1. O quadro de controvérsia, na hipótese, radica na constituição de obrigação de indemnizar que tem por fonte a responsabilidade civil emergente de acidente de viação. Não se discute a responsabilidade. Apenas a configuração da obrigação nascida, na esfera da ré seguradora; o respectivo volume que a onera. É – cremo-lo bem – uma das mais difíceis e angustiantes matérias. O acontecimento infortunístico é habitualmente gerador de efeitos que são capazes de condicionar toda uma vida. E às vezes um segundo é bastante para reconverter todo um futuro de esperanças e expectativas que, ali, se perdem. A ordem jurídica tenta dar mecanismos reparadores. Mas a verdade é que, com o infortúnio, nada mais será como dantes; e muitos dos instrumentos que se facultam são mero lenitivo de uma situação perturbadora que se consolida. A jurisprudência faz eco destas dificuldades. A indemnização em dinheiro, de uma forma ou de outra, nem sempre atinge o desejável objectivo de suprimir as consequências prejudiciais e danosas. E por isso se percebem as dúvidas e divergências; algumas vezes as flutuações, indesejáveis mas inevitáveis. O enquadramento jurídico-normativo mais geral, no segmento particular que nos importa, diz-nos que o dano que se provoque deve ser reparado (artigos 483º, nº 1, e 562º, do Código Civil); constituindo o restante quadro legal apenas o desenvolvimento e a concretização desse princípio. Na medida em que alguma actuação tenha a virtualidade de afectar negativamente a esfera jurídica de outrem está constituído o dano; por este se entendendo todo o constrangimento, todo o acanhamento feito sentir naquela esfera. E que, salvo caso de escassa importância, tem de ser passível de supressão. A estas notas, que são correntes e inequívocas, cremos ser de acrescentar uma outra; não menos importante na nossa óptica. Ninguém melhor do que o lesado conhece os constrangimentos que suporta; tem a exacta noção da configuração das percas geradas na sua própria esfera de interesse. E é portanto essencialmente com base na sua exposição que o mecanismo reparador há-de operar; de maneira a reintegrá-lo maximamente num destino livre de dano. 3.1.2. Isto dito; e assumido o facto e o dano, na hipótese, fôra esta a circunscrição que a lesada fizera, de maneira a maximizar a superação das suas perdas. Na petição, e apenas ao que às instâncias de recurso interessa, ela configurou as suas perdas patrimoniais em três segmentos. Em 1º; uma perda emergente de 1.250,00 €, resultado de despesas já feitas com o encargo do apoio de terceiras pessoas. Em 2º; uma perda futura de 24.000,00 €, que deixará de receber (250,00 € / mês) por tomar conta de uma neta. Em 3º; outra perda futura, esta em forma de renda mensal e vitalícia de 750,00 €, para o contrato de terceira(s) pessoa(s) que a possa(m) assistir. Ainda na petição, configurou uma perda não patrimonial que fez reflectir em valor igual a 100.000,00 €. A lesada depois, e por três vezes sucessivamente, ampliou os pedidos. Uma 1ª vez; na sequência da amputação da sua perna esquerda, a respeito (apenas) do dano não patrimonial, que majorou em 50.000,00 €. Uma 2ª vez; na sequência do exame de perícia médico-legal a que foi submetida (v fls. 328 a 333), com desdobramento, por um lado, em perda emergente e futura concernente à total incapacidade para trabalhar, que avaliou em 50.000,00 €, por outro lado, na perda moral que majorou em mais 100.000,00 €. Uma 3ª vez; ainda consequência do exame de perícia, reflectida na perda futura, em renda mensal e vitalícia, que aumentou para 1.500,00 €. Ou seja; e em suma, configurou a lesada assim o seu dano, a suprimir: 1.º; 1.250,00 €, de perda patrimonial emergente; 2.º; 250.000,00 €, de dano moral; 3.º; em assunto de dano patrimonial futuro, por um lado, 74.000,00 € respeitantes, 24 mil a perca da compensação da neta e 50 mil a perca de aptidão para o trabalho, por outro lado, em forma de renda mensal e vitalícia, 1.500,00 €. Neste universo, a sentença final do tribunal recorrido decidiu assim. A perícia encontrara, no período entre 12 Dez 2007 (data do acidente) e 11 Ago 2010 (data da consolidação das lesões), num total de 974 dias, um tempo de incapacidades, temporária geral total e temporária profissional total. A sentença considerou o salário mínimo nacional actualizado, de 485,00 €, que dividiu pelos 30 dias do mês, multiplicando o resultado por 974 dias; e encontrando o valor final de 15.746,33 €; quantia que considerou indemnizar a incapacidade para o trabalho até à consolidação das lesões (11 Ago 2010). Ora, este segmento não vem posto em crise pela lesada. E isso faz pressentir que, então, na óptica patrimonial, o dano se acha reparado na sua repercussão temporal que corre até àquela consolidação, em 11 Ago 2010. Subsistindo, para avaliar, apenas o que remanesça a partir desta data. Retornando à sentença. Esta, precisamente, para lá dos 974 dias reparados, fixa, com base em juízos de equidade, como perda patrimonial futura, a indemnização de 45.000,00 €. Pressente-se que este valor entronca no pedido de 50.000,00 € que, na ampliação, a autora formulara; quer dizer, fora da perda dos 24.000,00 €, invocados na petição, por já não poder tomar conta da neta. Revela-o, segundo pensamos, o artigo 12º do pedido de ampliação:[4]«12ºEm face do exposto, atendendo à idade da autora de 58 anos ao tempo do sinistro, à sua total (100%) incapacidade para o trabalho, à sua esperança de vida activa até aos 70 anos de idade, ao valor do salário mínimo nacional fixado para o ano de 2010 em 475,00 € (…) mensais x 14 meses, ao aumento previsível e anunciado do mesmo e à reduzida rentabilidade das aplicações a prazo, justifica-se a condenação da ré … a pagar à autora …, a título de danos patrimoniais futuros / lucros cessantes, para além dos já reclamados no artigo 67º da pet inic, mais 50.000,00 € (…).» Mostra-se, então, que a sentença não autonomiza, nem o dano emergente de 1.250,00 €, nem o dano patrimonial, ele mesmo futuro, de perca do pro-vento a respeito da neta e auferido da filha, de 24.000,00 €. E que também a lesada, no recurso, o não repara. A sentença centraliza-se, no geral, na perda de rendimentos do trabalho e, ao recorrer, a lesada enfatiza-se no salário mínimo como critério de base para fixar os valores reparadores; fora do constrangimento da falta dos concretos 250,00 € mensais que, no início, invocara. Mas prosseguindo. A sentença não acolhe a indemnização em renda, mensal e vitalícia; interpreta o constrangimento apenas como redução de capacidade funcional da lesada e, portanto, sem autonomia patrimonial, meramente com reflexo moral. E fixa a reparação moral em 90.000,00 €. Apresentado o quadro; equacionemos agora de “per se” cada uma das questões decidendas, no seu alcance jurídico-normativo . 3.2. O dano patrimonial futuro da afectação de ganho. É questão decidenda da instância recursória interposta pela lesada. Rememorando. O assunto é principalmente circunscrito por ocasião da ampliação de pedido; aí configurado com o volume de 50.000,00 €, reportado à idade da lesada em Dez 2007 (data do acidente) e sustentado no valor fixado do salário mínimo; autonomizado expressamente da perda de ganho de 250,00 € por mês, obtidos da filha, por cuidar da neta. A sentença fixou 45.000,00 €, a este título, por reporte a Ago 2010. A lesada, no recurso, sustentada outra vez no salário mínimo, pede que se lhe fixem 75.000,00 € por perda de rendimentos de trabalho. Afigura-se-nos difícil, numa óptica jurídico-substantiva, que tendo a lesada configurado o seu dano com o volume de cinquenta mil euros, consiga agora reconvertê-lo no seu conteúdo com o retrato de setenta e cinco mil. É que quando assim circunscreveu já estava na posse de toda a informação que permitiu facultar o exame de perícia médico-legal; estando a lesão consolidada. E era o volume de cinquenta mil o superador do dano, neste particular. É indiscutível a reparação do dano futuro, desde que seja previsível (artigo 564º, nº 2, início, do Código Civil). Na medida em que a justa avaliação das probabilidades permita intuir, razoavelmente, que o constrangimento se possa vir a revelar no tempo que há-de vir, deve ser fixada a quantia que permita superar essa compressão (futura). É verdade que, na hipótese, a lesada não exercia profissão remunerada; tinha por único rendimento os 250,00 € entregues pela filha por causa de cuidar da neta; e que eram os filhos a ajudá-la na sua subsistência (resp ques 50º e 52º). Mas releva que ela, no momento do infortúnio, tinha 58 anos; e era uma mulher saudável e activa (alín b) e resp ques 49º). Significa isto que no futuro a lesada podia até nem vir a auferir rendimento algum de qualquer actividade profissional; mas não significa que ela, ainda assim, não comportasse a aptidão ao exercício dessa actividade; aptidão de que se viu, pelo infortúnio, despojada; aspecto que não pode deixar de ter um alcance patrimonial, a carecer de reparação. Esclarecem as conclusões do exame da perícia (v fls. 332): «As sequelas descritas são, em termos de rebate profissional, são impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.» (v resp ques 44º, 45º, 85º, 115º e 116º). O critério essencial na busca da concretização reparadora, e na falta consistente de outro, é o do juízo de equidade (artigos 4º, alínea a), e 566º, nº 3, do Código Civil); entendido este como aquele formado e assente sobre directrizes jurídicas dimanadas a partir de princípios latentes na ordem jurídica.[5] O carisma de alguma indefinição do que possa florescer num tempo que ainda não chegou tem impulsionado a procura de bases mais objectivas para densificar, em cada caso, o juízo de justeza e de adequação às circunstâncias. E a jurisprudência tem construído algumas formulações que, sem embargo de certa falibilidade, que a todas atravessa, tem permitido, ao menos, que as decisões dos casos não pequem por uma muito sensível flutuação. Mais recentemente a propósito do seguro de responsabilidade civil automóvel e em matéria de proposta razoável aos lesados vítimas de dano corporal, foi publicada a portaria nº 377/2008, de 26 de Maio, entretanto alterada pela portaria nº 679/2009, de 25 de Junho, a conceder critérios e valores orientadores para a concretização dos concernentes padecimentos; sem embargo da sua expressa rejeição de imperatividade (artigo 1º, nº 2); e ademais da discutibilidade, que é real, sobre se os tribunais devem, ou não, aceitar tais instrumentos normativos para coadjuvar no arbitramento da indemnização em processo judicial. Seja como for, constituem ao menos um sinal normativo; e preceitos como, por exemplo, aqueles que mandam atender à retribuição mínima mensal garantida do lesado, à data do acidente, na falta de melhor valor (artigos 6º, nº 3, e 7º, nº 1, alínea c)); ou que mandam atender à presunção de fim de idade activa do lesado aos 70 anos (artigo 7º, nº 1, alínea b)); para não falar, ainda, das fórmulas de cálculo que, em anexo, contêm; podem servir, ao menos, para testar e confrontar os valores a que se chegue com aqueles a que, porventura por outros caminhos alternativos, se permita aceder; tudo na busca da justeza do caso. Retornando à hipótese; e num teste à operacionalidade no concreto de tais instrumentos, dir-se-ia que, tendo a lesada 58 anos e tendo a expectativa de aptidão profissional até aos 70, restariam 12 anos de prestações; ainda, que a sua incapacidade para o exercício da profissão é total; por outro lado, o salário mínimo a ter em conta, o de 403,00 €, por ser aquele em vigor em Dez 2007 (v Dec-Lei nº 2/2007, de 3 de Janeiro); por fim, a ter em conta, o factor matemático que viabiliza a entrega imediata daquelas 12 prestações, e que na tabela do anexo III à port.ª 679/2009 é o de 10,282843. Ora, tudo visto, ficaria assim: 100% x 403,00 € x 14 (meses) = 5.642,00 € 5.642,00 € x 10,282843 = 58.015,80 € Isto é, obter-se-ia um valor indemnizatório igual a 58.015,80 €.[6] Agora, importa considerar que, pese tudo, na hipótese da lesada, ela realmente não auferia efectiva actividade profissional; resumindo-se o seu dano neste particular à quebra ou perca da efectiva aptidão para a exercer; aspecto que como dissemos não pode deixar de reflectir, na mesma uma compressão patrimonial real, embora porventura mais atenuada. A isto acresce que no segmento temporal entre a data do infortúnio e a da consolidação das lesões, no total dos 974 dias antes mencionados, se acha já arbitrada, ao mesmo propósito, uma indemnização que se entendeu fixar em mais de quinze mil euros, com que a segura-dora se conformou e, segundo se intui, a lesada aceita, nessa configuração. Em suma; os 60.756,33 € que a sentença arbitra, a título patrimonial futuro (15.746,33 € [até 11 Ago 2010] + 45.000,00 € [daí em diante]), superam até os 50.000,00 € que a lesada, no momento da ampliação, configurara e equacionara, desde logo, a partir de Dez 2007 (quando a autora tinha 58 anos de idade). E tudo, como dissemos, lateralmente ao outro dano futuro (autonomizado) de 24.000,00 €, este equacionado na petição, não avaliado (com autonomia) na sentença e a que, já também o dissemos, a lesada se não refere em sede de recurso. Cremos, ademais de tudo, que a indemnização por perda de capacidade de ganho da lesada, entre Agosto de 2010, data da consolidação das suas (muito graves) lesões, e o momento de cessação provável da expectiva de actividade, que se fixa nos 70 anos, concretizada na quantia de 45.000,00 €, que a sentença recorrida estabeleceu, é equilibrada e equitativamente ajustada. E, como tal, se mantém; não se acolhendo, neste extracto, as razões do recurso da lesada. 3.3. O dano patrimonial, emergente e futuro, do apoio de terceiros. Na petição, em Maio de 2008, a lesada liquidara, a respeito da contratação de pessoa para a acompanhar, entre 9 de Abril e aquela data (em que, outra vez, fôra então internada), a importância de 1.250,00 €, que gastara; e, no mais, a partir de Junho, pedira uma renda vitalícia de 750,00 €, por mês, actualizável. Em ampliação, de Março de 2012, fundada na necessidade de um apoio durante as vinte e quatro horas do dia, veio majorar o valor da renda vitalícia para o dobro da importância inicial, de 1.500,00 € por cada mês. A sentença desconsiderou este trecho de constrangimento como dano patrimonial autónomo; equacionou-o primordialmente na óptica de uma redução de capacidade funcional; e reverteu-o a uma avaliação como dano apenas moral. No recurso, com base no salário mínimo sucessivamente vigente, a lesada enquadrou e concretizou o dano num valor total de 63.025,83 € até Junho de 2012; e reordenou a renda mensal e vitalícia pretendida para o dobro do salário mínimo que vigorar a partir de Julho de 2012. Vejamos então. Não há como suspeitar de que aí se vislumbra um dano, uma perda suportada, que só o facto infortunístico permitiu gerar, e de carisma material, com reflexo importante na esfera jurídica patrimonial da lesada. Claro está, sem prejuízo de um paralelo dano moral, também ele inequívoco. Esse dano (material) não pode deixar de ser considerado (artigo 564º, nº 1, início, e nº 2, início, do Código Civil). O seu cômputo, aqui também, se não puder ser exactamente averiguado, há-de ser fixado, em princípio, por via equitativa (artigo 566º, nº 3, do código). Ademais ainda; se configurar um dano de natureza continuada, pode o lesado requerer a indemnização no todo ou em parte na forma de renda, caso em que o tribunal, se reconhecer justeza ao pedido, o acolherá e providenciará (artigo 567º, nº 1, do código).[7] Retornando à hipótese; a primeira nota impressiva é a de que as formulações da lesada, neste particular, foram sendo reconfiguradas ao longo da instância. Senão vejamos. O dano emergente inicial, até Mai 2008 (mil duzentos e cinquenta euros), é agora, no recurso, consumido e transformado num valor, referente àquele período, a que se chega pelo critério do salário mínimo. A renda que, de início, se concretizou em 750 e, depois, se aumentou para o dobro, é agora, no recurso também, mutada em valor concreto, até Junho de 2012, e a partir de Julho para o dobro do salário mínimo. Pois bem; o primeiro passo no escrutínio da justeza do assim formulado, como trajecto na busca de uma adequada superação deste prejuízo, é verificar o que resultou, neste assunto, da matéria de facto provada. E que é isto; a lesada esteve em casa, retida por causa das gravíssimas lesões que sofreu, entre 9 de Abril e 15 de Maio de 2008 (resp ques 40º e 63º); teve alta para o domicílio em 7 de Outubro de 2008 (resp ques 76º); necessita de ajuda permanente de terceira pessoa, que a acompanhe dia e noite; e desde a alta que tem vindo a contratar pessoas, a quem paga, quer para as suas actividades domésticas, quer para a sua higiene pessoal (resp ques 46º, 47º, 56º, 82º, 117º e 118º). Compreende-se, aliás, que assim seja; mostrando-se perfeitamente natural, e de encontro às regras da experiência, à luz do padecimento físico suportado, conducente por fim à amputação do membro inferior esquerdo em Mai 2008 (resp ques 67º), ainda de todo o desenvolvimento subsequente, aliás inapagável de forma perpétua, que seja o apoio de terceira(s) pessoa(s) essencial para a subsistência da lesada, com mínimo de qualidade de vida – que perdeu, é bom sempre lembrá-lo, por uma via infortunística que lhe foi ilicitamente arremetida. Quer dizer, e sublinhamos, a superação do dano impõe-se manifestamente; restando só apurar o seu volume e a sua concretização. Como dissemos, dispõe-se a lesada, no recurso, a efectuar cálculos na base do salário mínimo nacional, que eleva ao dobro por considerar a necessidade de duas pessoas a contratar. Percebe-se porque o faz; já que a prova de valores que alegou não foi concludente (resp ques 56º ou 82º); e, quanto aos gastos futuros, se bem que previsíveis, não é exactamente certo o respectivo cômputo. Note-se o seguinte. A lesada enuncia o conjunto de verbas pecuniárias que necessitou de dispor a título de pagamento da ajuda de terceiras pessoas, e relativamente a cada um dos anos, entre 2008 e 2012; todavia, ainda em Mar 2012, requereu a ampliação do pedido nesta matéria (onde podia ter invocado factos concernentes aos concretos gastos); e nem os factos provados reflectem qualquer cômputo exacto relativamente a tais despesas. Certo apenas que as despesas não podem deixar de ter existido; que a lesada vem pagando a outrem o apoio de que precisa. O critério do valor do salário mínimo pode ser equacionado como referência; ao menos, em amparo minimamente objectivo e sustentado para a densificação da primordial orientação da equidade, como base de avaliação. E assim será importante conhecer os valores da respectiva evolução e que são estes – 426,00 € para 2008;[8] 450,00 € para 2009;[9] 475,00 € para 2010;[10] 485,00 € desde 1 de Janeiro de 2011.[11] Convém ainda lembrar o que segue. A lesada, em Mai 2008 (quando já estivera cerca de um mês em casa) entendera acertada a renda de 750,00 €. Em procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória, que interpôs em Jan 2009,[12] formalizara, a título de despesas com ajuda de terceiras pessoas, o pedido mensal de 600,00 €; vindo, em Março seguinte, a transaccionar na instância cautelar por mil euros; sendo certo que a renda inicialmente reclamada, abrangia várias outras despesas, para lá da que agora particularmente nos interessa, e era a de 1.875,00 €. A ampliação, na acção, para 1.500,00 €, impulsionada pelos resultados da perícia, acontece em Mar 2012. E no recurso, agora, apela-se ao (dobro do) salário mínimo. Não se nos afigura razoável, ou expectável, inferir-se que a lesada, cujo sofrimento e perda de qualidade de vida não merece discutir-se (não devemos cansar de o dizer), haja de ter vitaliciamente ao seu serviço dois empregados para a apoiar e assistir, com todas as inferências típicas do regime de contrato de trabalho subordinado; como agora, no recurso, ela conclusivamente reclama. Os factos provados não permitem intui-lo com uma certeza segura. Ainda assim; já se afigura razoável que uma quantia mensal seja fixada para o efeito do pagamento a alguém (uma ou mais pessoas) que realmente apoie e assista a lesada, por via das necessidades que lhe gerou o infortúnio. Essa despesa já existiu; e, segundo se intui dos factos, continuará a existir de modo perpétuo; já que perpétuas são também as sequelas e as necessidades consequentes. Essa renda, fixamo-la um pouco acima dos valores de salário mínimo, atrás referenciados, numa aproximação àquela que, no arbitramento de reparação cautelar, a lesada circunscrevera como necessária para superar a necessidade; e por se entender ser essa a que mais fielmente é passível de reflectir o gasto que, provavelmente, haja de ser suportado; portanto, o dano. Ademais, fixar-se-á uma actualização anual progressiva proporcional, exactamente ao progresso que tenha a evolução dos salários, aferida esta pela evolução que venha a ocorrer no país do salário mínimo nacional.[13] Mas apenas isso; quer dizer, sem outros acréscimos, que se não afiguram sensatos e nem expectáveis; designadamente de subsídios ou ainda de descontos patronais ou prémios de seguro. É sumariamente o que se afigura melhor aderir às disposições legais que são aplicáveis (citados artigos 564º, nº 2, início, e 566º, nº 3, do código civil). Em suma, e concretizando. No ano de 2008, a renda mensal justa seria a de 575,00 €; nesse ano esteve a lesada 37 dias em casa, entre 9 Abr e 15 Mai; sendo-lhe devido, então, o proporcional valor de 710,00 € (575 : 30 x 37); e teve alta para o domicílio em 7 Out; sendo-lhe devidos 3 meses de renda (Out, Nov, Dez) no valor de 1.725,00 €. No ano de 2009, fixa-se como renda mensal justa a de 600,00 €; portanto, sendo devido à lesada o valor de 7.200,00 € (600 x 12). No ano de 2010, fixa-se como renda mensal justa a de 625,00 €; portanto, sendo devido à lesada o valor de 7.500,00 € (625 x 12). No ano de 2011, fixa-se como renda mensal justa a de 635,00 €; portanto, sendo devido à lesada o valor de 7.620,00 € (635 x 12). E no ano de 2012, mantém-se a renda igual a 635,00 €; portanto e semelhantemente se fixando, para este ano, igual indemnização de 7.620,00 €. Significa, até Dezembro de 2012, um valor indemnizatório, para o dano de apoio permanente por terceira pessoa, igual a 32.375,00 €; quantia que porém se arredonda para a importância única e global de 33.000,00 €, de maneira a salvaguardar a inerente actualização à data do proferimento deste acórdão (artigo 566º, nº 2, final, do Código Civil). Com início no ano de 2013, fixa-se uma renda mensal e vitalícia, a este título, com o valor, para esse ano, de 635,00 €; e nos subsequentes a actualizar na mesma proporção percentual em que o seja o salário mínimo nacional. Por razões de operacionalidade, e de maneira a dissipar dúvidas, se estabelece, ainda, que a arbitrada renda deverá ser entregue, ou transferida, para a lesada até a cada dia 8, do mês a que diga respeito; e sob pena de contagem de juros de mora, a partir desse respectivo dia. Neste extracto, é parcialmente procedente a apelação da lesada. 3.4. O dano não patrimonial da lesada. O assunto é, agora, circunscrito na apelação da lesada e na apelação da seguradora. Invocara a primeira, na petição, os seus padecimentos retratando-os no valor de cem mil euros; mais tarde, em sequência de amputação do membro inferior esquerdo, majorou-os em mais cinquenta mil euros; por fim, incentivada pelo exame de perícia, mais os majorou noutros cem mil euros; tudo a completar os duzentos e cinquenta mil euros. A sentença veio a fixar os danos morais em noventa mil euros. Em recurso, pugna a lesada pelos duzentos e cinquenta mil; e, na sua própria apelação, a seguradora responsável em não mais de quarenta mil. Vejamos então. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artigo 496º, nº 1, do Código Civil); o montante da indemnização fixa-se mediante juízos de equidade tendo em atenção, designadamente, o grau de culpabilidade do lesante, a situação económica relativa do responsável e do próprio lesado e, bem assim, todas as demais circunstâncias concretas do caso (artigos 496º, nº 3, início, e 494º, do Código Civil). É, outra vez, campo fluido e de difícil particularização. Em especial em hipóteses do tipo daquela que nos preocupa. Em boa verdade, é inequívoco e muito intenso o carisma de dor e de padecimento da lesada. Já o acentuámos e voltamos a acentuar. Quem era mulher saudável, activa e alegre (resp ques 49º) e, apenas num instante, sem que para isso nada tenha contribuído, se vê numa situação de esmagamento, com subsequente e aprofundado sofrimento (resp ques 25º a 40º, 42º, 43º, 48º e 58º a 62º), que vem a culminar com a amputação de um membro inferior, com o acréscimo de padecimentos (resp ques 63º a 77º); tudo durante um período de cerca de dois anos e meio (resp ques 112º); a mais disso ainda, se vê em estado definitivo de dependência (resp ques 46º, 47º, 56º, 82º, 117º e 118º) e com sequelas muito importantes e irreversíveis, para o resto da vida (resp ques 44º, 45º, 85º e 113º a 116º); não pode deixar de ser visto como alguém merecedor de uma reparação, a título moral, que reflicta um valor pecuniário, ele também, importante e de certa consistência. Além de tudo, é uma reparação que nem repara; um mero lenitivo. O exame de perícia tido lugar também contém indícios. Um quantum doloris que se fixou em grau 6 numa escala de 7 graus de gravidade crescente (v fls. 331); uma incapacidade permanente geral que se fixou em 50%, com acréscimo de mais 3% em função do seu muito provável agravamento (v fls. 331 a 332); enfim, um dano estético fixado em 5 na escala crescente de 7 (v fls. 332). Por fim, não podendo ofuscar-se; o elevado juízo de censura de que é merecedor o lesante, gerador do acidente que vitimou a lesada, em circunstâncias difíceis de compreender (ques 3º a 6º); a condição sócio-económica da lesada (resp ques 50º e 52º); todas as perdas e constrangimentos colaterais de que sobressai ser ela quem cuidava da neta (resp ques 51º e 53º); em suma, todas as angústias aliadas à compressão de interesses e expectativas que se perderam. Assemelhadamente ao que precedentemente se disse, as portarias 377/2008 e 679/2009 tentam mostrar índices objectiváveis para fixar indemnizações; e, se bem que temporalmente fora da sua aplicação, podem ser instrumentos que ajudem nesta difícil tarefa de concretizar o valor de um constrangimento moral. Elas, ao menos, explicitam que importa indemnizar o dano pela ofensa à integridade física e psíquica (artigo 3º, alínea b)), o dano estético (artigo 4º, alinea b)) e o quantum doloris (artigo 4º, alínea c)). E depois concedem coeficientes de avaliação que, naturalmente, e para lá do seu estrito sentido orientador e de referência, ainda podem ser corrigidos, por apelo ao senso de justiça, na fixação da valia dos danos. Dito isto; testemos a sua aplicação ao caso. No anexo I da portaria 679/2009, o grau 5 do dano estético é reparado até 5.745,60 € e o quantum doloris de grau 6 até 3.283,20 €; de seu turno, o dano biológico, pela tabela IV (53 pontos para 58 anos de idade), permite encontrar um valor reparatório entre pouco mais de quarenta e oito mil euros, de mínimo, e cerca de cinquenta e oito mil, de máximo. O que, tudo somado, na hipótese, permitia um total, pelo máximo dos valores, de cerca de sessenta e quatro mil euros. É ainda pouco, diz-nos a sensibilidade jurídica, atentos os padrões correntes na jurisprudência, e se atentarmos, muito em especial, que se trata de alguém que, nas circunstâncias de facto já precedentemente narradas, se vê amputada do membro locomotor esquerdo, quando antes era saudável; e inelutávelmente marcada para toda a vida. Mas se àquele valor acrescentarmos um factor correctivo, acertando-o para os setenta mil euros; e a esse ainda majorarmos (1) as várias angústias e padecimentos, próprios de internamentos e tratamentos do tipo daqueles que tiveram lugar com a lesada, com os quais, com toda a certeza, muito sofreu, e que se podem avaliar em dez mil euros; (2) também toda a aflição de se ser confrontada com a necessidade da amputação, que presunção judicial facilmente inferivel permite evidenciar, e que se avalia em cinco mil euros; (3) a opressão e o constrangimento de se passar a estar perpetuamente dependente de ajuda de terceiras pessoas, para lá da ajuda medicamentosa e técnica, também permanente, avaliável em outros cinco mil euros; (4) ainda a amargura e o tormento de saber que, por todo o sempre, se está privada de um membro locomotor, reflectindo-se numa mágoa de incerteza quanto ao futuro, avaliável em seis mil euros; (5) por fim, ainda as demais circunstâncias do caso, sobressaindo nelas o elevadíssimo juízo de censura do lesante na eclosão de um facto que, embora muito facilmente evitável, com mínimo de diligência de actuação, tendo acontecido, comportou dramáticas consequência, bem assim a situação económica da lesada que se indicia, aspectos estes permitindo majoração de mais quatro mil euros; então já se atinge um valor na casa dos cem mil euros, este sim, que se tem por justo e adequando para o ressarcimento, estritamente de cariz moral, da lesada; e tendo em conta a repartição parcelar que fica enunciada. Em suma, e neste segmento; procede parcilamente a apelação da lesada; mas improcede totalmente a da seguradora (esta que, aliás, propugna valor inferior até ao que resultaria estritamente dos critérios da portaria). 3.5. Decisão final. Resta, então, concluir fixando os valores em controvérsia. E assim: 1.º; em matéria de afectação de ganho, que a lesada pretendia se fixasse em 75.000,00 €, manter o valor arbitrado na sentença de 45.000,00 €, os quais acrescem ao valor não discutido, de 15.746,33 €, ali também arbitrado; no total de 60.746,33 € (nesta parte se mantendo, na íntegra, o dispositivo da sentença e em particular quanto ao momento de contagem de juros); 2.º; em matéria de ajuda permanente de terceiras pessoas, que a lesada pretendia se fixasse em 63.025,83 €, até Junho de 2012, e numa renda mensal e vitalícia, com início em Julho de 2012, e valor de dois salários mínimos nacionais acrescido de encargos, e que a sentença não equacionou como dano material, fixar um valor indemnizatório igual a 33.000,00 €, relativo ao tempo decorrido até Dezembro de 2012; e, com início em Janeiro de 2013, fixar à lesada uma renda mensal e vitalícia igual a 635,00 €, a actualizar na mesma proporção percentual em que o seja anualmente a retribuição mínima mensal garantida (procedendo parcialmente, nesta parte, o recurso da lesada); 3.º; em matéria de danos não patrimoniais, que a sentença fixou em 90.000,00 €, mas a lesada pretendia se fixasse em 250.000,00 € e a seguradora em 40.000,00 €, fixá-los no valor de 100.000,00 € (procedendo parcialmente o recurso da lesada e improcedendo totalmente o da seguradora). Por fim, ao valor liquidado da indemnização por ajuda de terceiros (trinta e três mil euros) e ao arbitrado por danos não patrimoniais (cem mil euros) acrescem os juros de mora, à taxa legal (que é a de 4%, fixada na portaria nº 291/2003, de 8 de Abril), a contar da data da prolação deste acórdão (acórdão uniformizador de jurisprudência nº 4/2002, de 9 de Maio, publicado no Diário da República, I série-A, de 27 de Junho de 2002, páginas 5057 a 5070). 4. Questão tributária. 4.1. A distribuição do encargo de custas é, no geral, condicionada pela proporção do decaimento na acção (artigo 446º, nºs 1 e 2, do código de processo). Acresce a isso que vimos entendendo, para a hipótese de ao responsável haver sido concedido o benefício do apoio judiciário sob a modalidade de dispensa das custas, que não haverá motivo legal para, então, ser condenado no respectivo pagamento (artigos 10º, nº 1, 13º, nº 1 e nº 3, 16º, nº 1, alínea a), da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, 6º e 8º da Lei nº 47/2007, de 28 de Agosto).[14] A decisão tributária reflectirá, na hipótese, estas condicionantes. 4.2. Assim, e quanto à instância de recurso desencadeada pela ré seguradora, porque nela decaiu, na íntegra, será essa recorrente a suportar também integralmente o encargo das inerentes custas. 4.3. A respeito da instância de recurso suscitada pela lesada, em que o decaimento foi parcial, afigura-se ajustado, no confronto do propugnado e do, a final, decidido, atribuir uma proporção de sucumbência, à recorrente de 60%, e à recorrida de 40%. Sem prejuízo de àquela, a quem foi concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa das custas (v fls. 244 a 245), se não fixar o vínculo condenatório. 5. Síntese conclusiva. É a seguinte a síntese conclusiva que pode ser feita, a propósito do que fica de essencial quanto ao mérito do presente recurso: I – Não exercendo o lesado, em acidente de viação, qualquer actividade remunerada, à data do infortúnio, deve ainda sim ser indemnizado pelo dano futuro consistente na perca da aptidão para o exercício dessa actividade, de que se viu despojado por força das lesões; a qual comporta um indiscutível alcance patrimonial; II – A fixação de uma indemnização em renda ao lesado é devida desde que os danos apresentem um carisma sucessivo e constante, e ele assim o requeira; como é o caso de se evidenciar a carência, para toda a vida, do apoio de uma terceira pessoa, a quem se terá de pagar (artigo 567º, nº 1, do Código Civil); III – Na fixação do volume da renda, e na falta de outros mais sólidos elementos, deve o tribunal sustentar-se em juízos de equidade, dentro daquilo que seja expectável, dentro de um critério de sensata probabilidade, que deva vir a ser gasto (artigos 564º, nº 2, início, e 566º, nº 3, do Código Civil); IV – As portarias nºs 377/2008, de 26 de Maio, e 679/2009, de 25 de Junho, publicadas a pretexto de estabelecerem critérios orientadores para efeitos de indemnização, em certos casos, a lesados por acidente automóvel, mesmo não sendo estritamente aplicáveis, podem ser ponderadas como instrumentos de apoio na procura de uma concretização indemnizatória capaz de superar o dano; V – Se, em certa hipótese concreta, testados os índices facultados por tais instrumentos, o resultado a que se chegue for um que o senso de justiça e os padrões habitualmente seguidos nos tribunais não permitam enquadrar, deve esse resultado ser corrigido para moldes mais adequados e ajustados, dentro do que permita e induza o critério da equidade (artigo 566º, nº 3). III – Decisão Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar: 1.º; a apelação interposta pela seguradora completamente improcedente. 2.º; a apelação interposta pela lesada parcialmente procedente, e nessa conformidade: i. manter a sentença, na parte em que condenou a seguradora a pagar à lesada a quantia de 60.756,33 €, a título de afectação da capacidade de ganho, e juros desde a data da sua prolação; ii. corrigir a sentença, no segmento do dano patrimonial consistente no custo pelo apoio permanente de terceiros, e, a esse título, condenar a seguradora a entregar à lesada: - . o montante indemnizatório de 33.000,00 €, referente ao tempo decorrido até Dezembro de 2012, e juros sobre esse valor, à taxa legal (de 4% ao ano na actualidade), a contar do dia do proferimento deste acórdão; - . uma renda mensal e vitalícia, com início no mês de Janeiro de 2013, igual a 635,00 €, a fazer-lhe chegar até ao dia 8 de cada mês a que diga respeito, sob pena de contagem de juros moratórios desde esse dia, e que se actualizará anualmente na mesma proporção percentual em que o seja a retribuição mínima mensal garantida; iii. alterar a sentença, no segmento condenatório de danos morais, e fixar estes danos em 100.000,00 €, quantia que a seguradora é condenada a entregar à lesada, acrescida de juros sobre esse valor, à taxa acima referida e a contar do dia de proferimento deste acórdão; iv. em todo o remanescente, manter a sentença.---As custas da apelação que a seguradora suscitou serão, na íntegra, suportadas por esta apelante. As custas da apelação que a lesada suscitou são encargo desta apelante, na proporção de 60% (mas que as não pagará, por delas esta dispensada a coberto do apoio judiciário na modalidade que lhe foi concedida), e são encargo da seguradora apelada, na proporção de 40%. Porto, 7 de Janeiro de 2013 Luís Filipe Brites Lameiras Carlos Manuel Marques Querido José Fonte Ramos _____________ [1] O requerimento de ampliação da autora consta apenas no processo em suporte informático. [2] A resposta da ré ao requerimento de ampliação também apenas consta no processo em suporte informático. [3] Porquanto não existe hoje, na ordem jurídica, condenação em execução de sentença, deve este trecho condenatório, no seu segmento final, ser naturalmente entendido como uma condenação no que se vier a liquidar (artigos 661º, nº 2, início, e 378º, nº 2, do Código de Processo Civil). [4] Como antes dissemos, disponível apenas no processo em suporte informático. [5] Sobre este assunto, veja-se António Menezes Cordeiro, “A decisão segundo a equidade” na revista “O Direito”, ano 122º – II, páginas 261 a 280. [6] Curioso é notar que, operando a fórmula matemática que contém um conhecido acórdão do Supremo de 4 de Dezembro de 2007, proferido no proc.º nº 07A3836, disponível no sítio www.dgsi.pt, se não chegaria, na hipótese, a valores sensivelmente muito diferentes. [7] A respeito da condenação em renda (mensal e vitalícia), veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 1 de Outubro de 2012, proc.º nº 1585/06.3TBPRD.P1, em www.dgsi.pt. [8] Decreto-Lei nº 327/2007, de 31 de Dezembro. [9] Decreto-Lei nº 246/2008, de 18 de Dezembro. [10] Decreto-Lei nº 5/2010, d 15 de Janeiro. [11] Decreto-Lei nº 143/2010, de 31 de Dezembro. [12] E cujos autos se acham apensos aos da acção. [13] Que aliás, hoje, melhor se designa por retribuição mínima mensal garantida (RMMG). [14] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Outubro de 2003, proc.º 03B1371, relatado pelo Conselheiro Salvador da Costa, em www.dgsi.pt. Ademais, afigura-se-nos que o novo regime do artigo 29º, nº 1, alínea d), do Regulamento das Custas Processuais, na redacção dada pela Lei nº 7/2012, de 1 de Fevereiro, permite corroborar este sentido interpretativo.

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