Processo:1585/06.3TBPRD.P1
Data do Acordão: 30/09/2012Relator: JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDATribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I - O Tribunal está sujeito ao pedido. Se foi formulado o pedido de condenação numa renda vitalícia, provados os respectivos pressupostos só pode ser proferido pedido de condenação em renda vitalícia, mesmo que o dano pudesse ser reparado de outro modo. II - A legalidade do pedido resulta do disposto no artº 567, nº 1 do Código Civil. III - Deve o segurado ser condenado no pagamento das prestações mensais de auxílio de terceira pessoa e da prestação medicamentosa devidas ao A., se e quando se esgotar o capital seguro, artº 662º do Código de Processo Civil.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

Importancias a pagar seguradora:

Relator
JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA
Descritores
ACIDENTE DE VIAÇÃO PEDIDO CONDENAÇÃO RENDA VITALÍCIA CONDENAÇÃO CONDICIONAL CONDENAÇÃO DO SEGURADO LIMITE DO CAPITAL SEGURO
No do documento
Data do Acordão
10/01/2012
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
REVOGADA EM PARTE
Sumário
I - O Tribunal está sujeito ao pedido. Se foi formulado o pedido de condenação numa renda vitalícia, provados os respectivos pressupostos só pode ser proferido pedido de condenação em renda vitalícia, mesmo que o dano pudesse ser reparado de outro modo. II - A legalidade do pedido resulta do disposto no artº 567, nº 1 do Código Civil. III - Deve o segurado ser condenado no pagamento das prestações mensais de auxílio de terceira pessoa e da prestação medicamentosa devidas ao A., se e quando se esgotar o capital seguro, artº 662º do Código de Processo Civil.
Decisão integral
Processo n.º 1585/06.3TBPRD.P1

Recorrentes – B… (em representação de C…) e Companhia de Seguros D…, SA

Recorridos – Companhia de Seguros D…, SA; B… (em representação de C…) e E…. 

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto:

1 - Relatório
1.1 – O processo na 1.ª instância
B…, em representação de seu irmão C…, instaurou a presente ação declarativa e, demandando a Companhia de Seguros D…, SA e E… pediu a condenação da primeira no pagamento ao seu representado da quantia de 600.000,00€ (seiscentos mil euros), acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a citação até efetivo pagamento, e a condenação do segundo a pagar, igualmente ao seu representado, a quantia de 29.666,64€ (vinte e nove mil, seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a citação até efetivo pagamento, bem como a pagar, a título de renda mensal vitalícia, a quantia de 650,00€, conforme alegado nos artigos 31, 32 e 33 da petição[1].

Em via subsidiária, o representado da autora manifesta a vontade de usar a faculdade prevista no artigo 569 do Código Civil, ex vi, 471, n.º 1 do CPC, para o caso de não proceder a totalidade (e nos seus termos) do pedido formulado contra a seguradora e, assim sendo, serem os réus condenados:
1) a 1.ª ré a pagar a quantia que lhe vier a ser arbitrada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais alegados de 20 a 30, 34 e 36 a 43 da petição, acrescida dos juros legais e a pagar ao representado da autora a renda mensal e vitalícia de 650,00€ pelos danos referidos em 31, 32 e 33 da petição, até que aquela indemnização e esta renda perfaçam a quantia de 600.00,00€;
2) o 2.º réu seja condenado a pagar a renda mensal e vitalícia de 650,00€ pelos danos sofridos em 31, 32 e 33 da petição, a partir da data em que a 1.ª ré esgote o pagamento pedido no número anterior, ou seja, o capital seguro de 600.000,00€.

A autora, fundamentando a pretensão formulada, começa por esclarecer que o seu representado, em consequência do acidente que descreve, está totalmente incapacitado e incapaz de reger a sua pessoa e bens, pelo que requer a sua nomeação como curadora dele, seu irmão.

Descreve, de seguida, o acidente de viação, ocorrido no concelho de Paredes, esclarecendo os intervenientes no mesmo, e a culpa, que considera exclusiva do condutor do veículo "..-..-GH", seguro na 1.ª ré. Enuncia os danos sofridos pelo seu irmão e liquida, quer os patrimoniais quer os não patrimoniais.

Juntou diversos documentos (fls. 14/56).

A ré seguradora contestou a fls. 59/61. Impugnou a pretensão de curadoria, invocando o desconhecimento da incapacidade do sinistrado e a falta de urgência desta ação.

Quanto ao acidente, descreve-o de modo a concluir que a culpa foi exclusivamente do representado da autora; acrescentou que desconhece a dimensão e relevo das lesões invocadas e, por fim, reconheceu a existência do seguro, limitado ao montante de 600.00,00€.

O réu E…, por sua vez, contestou a fls. 87/90. Impugna a versão do acidente, concretamente que o representado da autora seguisse no modo como é descrito na petição inicial, e entende que o embate se deu por exclusiva culpa deste. No mais, desconhece os danos sofridos e a sua real dimensão.

A autora replicou a fls. 116. Manteve tudo quanto disse na petição inicial, nomeadamente a pretensão de ser nomeada curadora, e acrescentou, com relevo ao afirmado pelas rés, que o seu irmão, na altura em que ocorreu o acidente em causa, usava capacete de proteção.

A fls. 123 o réu E… pronunciou-se contra a admissibilidade da réplica e, por despacho de fls. 136 foram notificados os hospitais e citado o ISSS.

O Hospital F… (fls. 144) pediu a sua intervenção e o pagamento da quantia de 10.033,84€ relativa à assistência prestada.

O Hospital G… (fls. 153) pediu também a sua intervenção e o pagamento da quantia de 1.410,55€, e juros, também pela assistência prestada.

Das intervenções anteriores as partes foram notificadas para se pronunciarem e foi pedido à autora para juntar documento comprovativo da incapacidade do lesado, por si representado (fls. 170).

A fls. 189 foi proferido despacho a convidar a autora para alegar os factos que justificam a sua legitimidade como curadora, o que foi feito a fls. 195/196. Depois, foi ordenada a junção aos autos de certidão da ação de interdição onde consta como tutora a aqui autora, e as partes foram dela notificadas.

A fls. 225 e seguintes foi elaborado o despacho saneador. Aí, considerou-se admissível a réplica.[2]

Na mesma ocasião foi expressamente dispensada a realização de audiência preliminar. Também se fixou a matéria assente (sem qualquer reclamação) e elaborou-se a base instrutória.

Os autos prosseguiram com a apresentação dos requerimentos probatórios e junção de diversos elementos documentais, nomeadamente os de natureza médica, além de prova pericial e testemunhal.

Depois de um primeiro adiamento teve lugar a audiência de discussão e julgamento (ocorrida em duas sessões) nos termos documentados nos autos.

Respondeu-se à matéria de facto constante da base instrutória, em decisão fundamentada.

Conclusos os autos, foi proferida decisão final que assim sentenciou:
"a) condenar a ré “Companhia de Seguros, D…, S.A.” a pagar à autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia de €240 mensais, a título de renda mensal vitalício, pelo salário que terá de pagar a uma terceira pessoa que o acompanhe até ao final da sua vida, devendo tal montante ser atualizado, em conformidade com a taxa de inflação.
b) condenar a ré “Companhia de Seguros, D…, S.A.” a pagar à autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia €60,00 mensais, a título de renda mensal vitalícia, devendo tal montante ser atualizado, em conformidade com a taxa de inflação.
c) condenar a ré “Companhia de Seguros, D…, S.A.” a pagar à autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia de €401,30, pela incapacidade total sofrida desde 12/12/2005 até 3/2/2006, quantia essa acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
d) condenar a ré “Companhia de Seguros, D…, S.A.” a pagar à autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia de €51.000,00, pela incapacidade parcial permanente sofrida, quantia essa acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
e) condenar a ré, “Companhia de Seguros, D…, S.A.” a pagar à autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia de €21.000,00, a título de danos não patrimoniais, quantia essa acrescida de juros à taxa legal, contados a partir da presente data até integral pagamento.
f) condenar a ré, “Companhia de Seguros, D…, S.A.” a pagar ao interveniente, “Hospital F…” , a quantia de €6.020,30, não se condenando no pagamento de juros uma vez que tal não foi peticionado.
g) condenar a ré, “Companhia de Seguros, D…, S.A.” a pagar ao interveniente, “Hospital G…”, a quantia de €846,33, acrescida dos respetivos juros, à taxa legal, contados desde a citação da ré até integral pagamento.
h) absolver a ré “Companhia de Seguros D…, S.A.” do restante pedido.
i) absolver o 2º réu E… do pedido.

1.2 – Dos recursos
Quer a autora, em representação do lesado, quer a ré Seguradora não estão conformadas com o decidido, e ambas apelam a esta Relação.

1.2.1 – Recurso da autora
A autora, pretendendo a alteração do decidido, quer no que respeita à matéria de facto quer no que se refere à aplicação do direito, formula as seguintes conclusões:
QUANTO AOS FACTOS
1 - O autor/recorrente entende que se encontram incorretamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto:
2 - A resposta ao facto 27 da BI com base no relatório pericial elaborado, de fls. 358, deve ser alterada de “Provado apenas que o autor apresenta assimetria do rosto com afundamento da hemi-face direita e desvio da comissura labial e do nariz para a direita e cicatriz cirúrgica com 4,5 cms de comprimento na face lateral direita do pescoço” para “Provado apenas que o autor apresenta: assimetria do rosto com afundamento da hemi-face direita e desvio da comissura labial e do nariz para a direita e cicatriz cirúrgica com 4,5 cms de comprimento na face lateral direita do pescoço; afetação grave e permanente das suas capacidades intelectuais e cognitivas, com incapacidade para gerir seus bens e vida pessoal ou qualquer atividade profissional, ou outro meio capaz de angariar meios próprios de subsistência; incapacidade para tomar decisões quanto à gestão da sua vida; Incapacidade para manter uma conversa com nexo ou principio, meio e fim; amnésia, com alteração das capacidades de concentração, cognitiva e de controlo do humor; Irritabilidade e incapacidade para receber reforço empático com total incapacidade para exercer qualquer profissão por incapacidade intelectual e volitiva (oligofrenia) e bradipsiquismo; comportamento instintivo perturbado sem capacidade de discernimento adequado o que não permite exercer qualquer tipo de responsabilização profissional.”
3 - A resposta ao facto 31 da BI com base os relatórios periciais de fls. 358 e ss e de fls. 365 e ss deve ser alterada de “ Não Provado” para “Provado” uma vez que a necessidade de adaptação não só, com a nova realidade criada pelo “handicap” mas também com a dependência de ajuda de terceira pessoa, facilitando a quem ajuda a prestação dos cuidados, sendo que face à descrição da casa do recorrente feita pelo Sr. Perito no relatório de fls. 365 e ss resulta claro que para o terceiro que tiver de deitar, dar banho, alimentar, vestir, etc. etc. o A./Recorrente a ajuda ficará muito mais fácil com a adaptação do domicílio do A./Recorrente e a disponibilidade de ajudas técnicas.
4 - A resposta ao facto 32 da BI com base os relatórios periciais de fls. 358 e ss e de fls. 365 e ss deve ser alterada de “Não Provado” para “Provado” reproduzindo-se aqui mutatis mutandis as razões já aduzidas relativamente ao quesito 31.
5 - A resposta ao facto 33 da BI com base o relatório pericial de fls. 365 e ss deve ser alterada de “Não Provado” para “Provado que o custo de tais obras e equipamentos ascende a €24.180,00”, e nessa medida condenada a recorrida a pagar ao recorrente pelas obras de adaptação e ajudas técnicas a quantia de €24.180,00, acrescida de juros à taxa legal anual desde a citação até efetivo pagamento.
QUANTO AO DIREITO
6 - Os factos assentes na sentença penal não podem ser objeto de discussão em posterior ação cível por parte daqueles, como é forçosamente o caso do aqui recorrente E…, ali arguido, em relação a quem já funcionou o princípio do contraditório, não tendo por isso o arguido, depois réu na ação cível, a possibilidade de elidir a presunção estabelecida pelo artigo 674-A do CPC.
7 - A fixação dos factos em processo-crime, no quadro de uma condenação definitiva, vale diretamente numa posterior ação cível na qual se discutam relações jurídicas dependentes dos factos que alicerçaram a afirmação da prática da infração penal, quando nessa ação cível sejam partes (autores e réus) os que tiveram intervenção como sujeitos processuais (arguidos ou assistentes) no processo penal, mas não só. É que,
8 - Muito embora a recorrida Seguradora não tenha sido parte na ação penal, mesmo assim não deve ser considerada terceiro neste autos cíveis para efeitos do disposto no artigo 674-A do CPC, não lhe sendo assim conferida a possibilidade de ilidir a presunção estabelecida nesta norma.
9 - Na verdade, dispondo o artigo 1º n.º 1 Dec. Lei 522/85 de 31 de dezembro (Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel) sob a epígrafe “da obrigação de segurar” que: “Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veículo terrestre a motor, seus reboques ou semirreboques, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se, nos termos do presente diploma, coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade”, pelo que a responsabilidade da seguradora é tão só por substituição, a mesma responsabilidade do civilmente responsável pela reparação ou seja, a seguradora responde em vez e na vez do segurado.
10 - E sendo a mesma a responsabilidade, no caso da existência de sentença penal condenatória essa responsabilidade já está inilidivelmente definida.
11 - É que se assim não fosse, numa situação como a dos presentes autos em que simultaneamente são demandados o responsável civil (arguido já condenado) e a seguradora, poderia o Tribunal vir a ser colocado na posição de ter de apreciar duas responsabilidades fundada numa só conduta de um mesmo agente, a do responsável civil/arguido já definitivamente estabelecida pela ação penal, e a da respetiva seguradora como garante do responsável civil/arguido que até poderia, em teoria, (ilidindo a presunção em todo ou em parte) provar a ausência de responsabilidade do responsável civil/arguido.
12 - Ou seja no que à responsabilidade/culpa diz respeito, na presente ação o Tribunal na hora de quantificar a medida da responsabilidade do condutor segurado ver-se-ia na contingência de ter de lançar mão de dois pesos e de duas medidas, um para o recorrido/arguido na base dos 100% e outra para a respetiva Seguradora com base - como foi aqui o caso - em 60%.
13 - E não se diga que estamos aqui a violar o princípio do contraditório da Seguradora. É que a seguradora não pode contraditar um dos pressupostos da responsabilidade - a culpa - quando esta judicial e definitivamente já se encontra estabelecida, sob pena de admitirmos uma revisão encapotada e ilícita da decisão penal.
14 - De facto, sendo o juízo de culpa um juízo de censura, um juízo de desvalor dirigido ao agente, pela atitude que este expressa na prática de um determinado facto (quando lhe foi dada a possibilidade e se ter decidido diferentemente, de se ter decidido de harmonia com o direito em vez de se ter decidido como decidido, pelo ilícito), é nessa medida um juízo individualizado (tendo implícita a imputabilidade), indissociável da pessoa concreta. Por isso o juízo de censurabilidade terá que ser uno e logo não passível de pluriabordagens. Digamos que à Seguradora estará aberto o princípio de contraditório em todos aqueles aspetos da responsabilidade civil que não sejam pessoais do segurado (danos, o alcance dos danos etc. etc.)
15 - Temos assim que a Seguradora, mormente no que diz respeito à culpa, já definida em ação penal, não é terceiro para efeitos do artigo 674-A do Código de Processo Civil e nessa medida não podendo ilidir a presunção desta norma, deve responder com base na culpa exclusiva do recorrido E… na ação crime e não com base em concorrência de culpas.
16 - Porém, sem prescindir, mesmo que por mera hipótese se viesse a entender que a Seguradora é terceiro para efeitos do artigo 674-A do Código de Processo Civil, sempre teríamos de concluir que não logrou ilidir a presunção estabelecida por esse artigo e que bem pelo contrário ficou demonstrada a culpa exclusiva do recorrido E… na verificação do acidente.
17 – Apontando a decisão recorrida três “faltas estradais” - circulação sem luzes, falta de capacete de proteção e circular com o ciclomotor com o motor desligado - ao recorrente para se decidir pela concorrência de culpas e penalizá-lo com 40% de responsabilidade no acidente, o certo é que nenhuma destas pretensas “infrações” teve interferência direta no acidente.
18 - Desde logo a falta de iluminação do veículo do recorrente não teve interferência no acidente porque, o local tem iluminação pública; não é o local, nos termos artigo 19.º Código da Estrada, um local onde a visibilidade seja reduzida ou insuficiente pois os condutores podem avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos, 50 m; e finalmente porque como se refere na decisão penal, "não resulta da matéria de facto dada por assente que a falta de luzes do ciclomotor conduzido pelo mesmo C… esteve, causalmente, na origem do acidente em questão”
19 - Por outro lado, também a falta de uso de capacete de proteção também em nada contribuiu para o acidente, pois não ficou provado e é impossível saber em que medida, a falta de capacete foi determinante para as lesões sofridas pelo recorrente. De resto sendo esta questão uma questão de nexo de causalidade, com ela se relaciona a questão de saber se a falta de capacete contribuiu de maneira invencível para as lesões sofridas pelo recorrente. Ora não é possível afirmar, com toda a segurança, que todas as lesões traumáticas crâneo-encefálicas sofridas pelo autor seriam evitadas pelo uso de capacete de proteção, devidamente colocado na cabeça.
20 - Se a culpa da verificação do acidente cabe a terceiro, isto é, a um estranho ao veículo de duas rodas (condutor de um automóvel que o abalroou) não haverá razões para excluir ou, sequer, reduzir o montante indemnizatório em atenção à falta do capacete, pois não faz sentido que o terceiro beneficie de uma norma que se destina à proteção da vítima.
21 - O uso de capacete imposto aos condutores e passageiros de motociclos e velocípedes visa a sua proteção física e não afastar dos causadores de acidentes a responsabilidade pelos danos sofridos por aqueles, quando não sejam portadores de tal utensílio de proteção.
22 - Finalmente a sentença, para imputar uma parcela de culpa ao autor, aponta-lhe facto de circular com o motor desligado. Também aqui não assiste qualquer razão. É que não existe qualquer norma no código da estrada que imponha a obrigatoriedade aos ciclomotores de circularem com o motor ligado sendo que nada impede que um ciclomotor circule desligado tal como um velocípede
23 - Em suma, não se provou qualquer nexo de causalidade entre a falta de iluminação do ciclomotor, a não utilização de capacete de proteção e a circulação com o motor desligado e a verificação do acidente.
24 - Pelo contrário, com maior ou menor preponderância, na génese e causa do acidente estiveram as 4 infrações estradais praticadas pelo recorrido E… que exclusivamente com o seu comportamento:
- Desrespeitou pelo sinal vertical de curva perigosa e contracurva e de proibição de ultrapassagem que lhe impunham um especial cuidado na condução no local. (alínea G dos factos assentes)
- Desrespeitou pela linha longitudinal contínua marcada no pavimento.
- Circulou fora da sua hemi-faixa de rodagem
- Circulou com excesso de velocidade.
25 - E se é certo que todas estas infrações contribuíram para a ocorrência do acidente uma - a circulação fora da sua hemi-faixa de rodagem - foi a causal e determinante. É que poderia o recorrido E… ter praticado todas pretensas contraordenações que lhe são apontadas, como também o recorrente poderia ter praticado todas as contraordenações que lhe são assinaladas, que nunca o acidente teria ocorrido se não fosse o simples facto (contraordenação) de o segurado conduzir fora da sua mão, pela faixa destinada ao autor.
26 - Foi esta contraordenação (circulação fora de mão) que fez com que ambos os veículos se encontrassem num ponto e foi sem dúvida a contraordenação causal do acidente.
27 - De resto o MMº Juiz que proferiu a sentença condenatória penal junta a fls. 254 lapidarmente chega a essa conclusão quando refere “Assim, tivesse o arguido conduzido com as cautelas que se lhe impunham, designadamente com velocidade mais moderada e ocupando exclusivamente a hemi-faixa de rodagem que lhe estava destinada, e seguramente não teria colhido o ciclomotor tripulado pelo C…, não obstante este conduzir com o motor e as luzes de tal ciclomotor desligados.”
28 - Assim partindo do pressuposto de que a responsabilidade do acidente em questão nos autos coube exclusivamente ao recorrido E… entende o recorrente que os montantes indemnizatórios arbitrados na sentença recorrida são manifestamente desajustados face aos danos sofridos.
29 - Diga-se desde logo, sem prescindir da culpa exclusiva do recorrido E…, que a sentença (no pressuposto da concorrência de culpas) até ao quantificar os danos futuros comete um erro de cálculo ou de escrita, é que fixa a indemnização no montante de €107.395,00 mas depois no calculo em vez de fazer 60% de €107.395,00, faz 60% de €85.000,00 chegando assim a um valor indemnizatório de €51.000,00, quando 60% de €107.395,00 são €64.437,00.
30 - De qualquer forma o cálculo dos montantes indemnizatórios deverá ser efetuado com base na culpa exclusiva do recorrido E… e de acordo com o a seguir exposto:
31 - As rendas mensais e vitalícias objeto das alíneas a) e b) da decisão devem ser calculadas com base na culpa exclusiva do recorrido E… e não com base na concorrência de culpas. Por outro lado,
32 - É indiscutível que a incapacidade física do autor se reflete em previsíveis lucros cessantes, mas em valor que não poderá averiguar-se com exatidão, pelo que o cálculo da indemnização há de fazer-se essencialmente com recurso à equidade (artigo 566, nºs 1 e 3, do CC).
33 - A decisão recorrida deveria ter tomado por base o rendimento anual do autor à data do acidente, o seu grau de incapacidade parcial permanente, a sua idade e aos demais vetores acima referidos e assim fixar o rendimento perdido, procedendo finalmente à sua redução, decorrente da entrega do capital de uma só vez, de tal forma que o valor encontrado correspondesse a um capital (produtor de rendimento) que tendencialmente se extinguisse no final do período provável de vida do recorrente.
34 - Tendo em conta a factualidade provada, designadamente a incapacidade parcial permanente do recorrente, valorizada em 76 pontos, mas que de facto é de 100 pontos, pois não tem condições para fazer o que quer que seja nem cuidar de si (até está interdito), a sua idade (em 12.12.05, tinha 37 anos, sendo por isso de presumir ainda cerca de 37 anos de vida ativa, tomando como referência a remuneração salarial mensal (média) auferida pelo lesado à data do acidente (isto é, €385,90), sem esquecer os aumentos anuais que provavelmente já recebeu desde aquela data e que continuará a receber ao longo da sua vida ativa, chegaríamos a uma perda de ganhos da ordem dos €300.000,00.
35 - Poder-se-ia dizer que a este valor haveria que reduzir alguma percentagem, para evitar uma situação de enriquecimento sem causa, já que o recorrente vai receber de uma só vez todo o capital. Todavia, no caso concreto, atendendo ao valor (muito baixo) da remuneração-base, bem como à atual conjuntura económico-financeira, marcada pela prática generalizada de taxas de juros remuneratórios, muito baixas, entendemos não dever efetuar qualquer abatimento.
36 - Deveria por isso a decisão recorrida ter fixado, no mínimo em €300.000,00 o montante indemnizatório pelo dano patrimonial decorrente da incapacidade (permanente parcial) de ganho (calculado à data da citação).
37 - Considerando o «choque físico e emocional», naturalmente provocado pela violência do embate (o autor foi projetado sobre o para-brisas do GH e depois sobre o solo); as graves moléstias e as dores físicas (avaliadas em 4, numa tabela de grau 7); o sofrimento moral inerente à hospitalização (esteve internado cerca de 2 meses), as várias intervenções cirúrgicas a que foi submetido, o longo período de recuperação, a elevada probabilidade de agravamento das sequelas (que se poderá traduzir num aumento da sua IPP) e a perda de alegria de viver pois inclusivamente perdeu a capacidade de inter-relacionamento social e de constituir família, afigura-se-nos que será equitativo fixar em €50.000,00, a indemnização pelo dano não patrimonial (reportado à data da sentença).
38 - A decisão recorrida absolveu o recorrido E… dos pedidos uma vez que a condenação não ultrapassa os €600.000,00. Porém em rigor ele deveria ter sido condenado.
39 - Conforme se alcança dos pedidos e da condenação, o recorrente pediu indemnização (e em parte a sentença condena) em rendas mensais a pagar pela Seguradora ao autor.
40 - Ora, desconhecendo é certo, quantos anos ou meses vai durar o autor, ele pelo menos, em teoria, pode durar o tempo suficiente por forma a que com os pagamentos mensais que forem sendo feitos ao longo da sua vida, os €600.000,00 se esgotem.
41 - Pelo que o recorrido E… deveria ter sido condenado a pagar ao autor a renda mensal e vitalícia a partir do momento que se esgotem os €600.000,00, ou seja na última parte do pedido da alínea b) do pedido principal.
42 - Revogando-se a decisão proferida e proferindo-se acórdão que acolha as conclusões precedentes condenando nessa medida os RR/Recorridos.

Quer a seguradora quer o réu responderam ao recurso da autora.

A ré seguradora, em síntese, disse o seguinte:
- Terceiro, para efeitos do disposto no artigo 674-A do CPC é aquele que não foi sujeito da relação processual penal; a seguradora, que não foi demandada no processo crime, é um terceiro. - A Mmª Juiz foi muito explícita na fundamentação das respostas sobre a dinâmica do acidente, sobre o que foi especialmente relevante o depoimento da testemunha H…, o dono do Café de onde o C… acabara de sair: por ele, C…, ainda teria bebido mais umas cervejas, disse esta testemunha. Como já era tarde e não lhe deu essa possibilidade, o C… montou a motorizada... para as ir beber noutro lado, mais abaixo! É neste contexto que ocorre o acidente sub judice... Neste contexto e neste país! Veja-se as contradições entre o que o suposto “patrão” do C… escreveu (fl. 292) e as explicações dadas em julgamento, sem o mínimo pudor!
- Quanto à matéria do quesito 27 (ou, de forma mais abrangente, quanto às sequelas sofridas pelo autor – diz-se na douta sentença), justifica a Mmª Juiz a quo a sua resposta baseada: a) no relatório pericial de fl. 359 a 364, em conjugação b) com a documentação clínica referenciada em tal relatório e c) as declarações da testemunha I…, irmã do autor, e d) do J…, cunhado daquele; a autora pretende a alteração da resposta ao dito quesito apenas com o relatório pericial, ignorando os demais elementos de prova e não pode limitar-se a dizer que, segundo este ou aquele elemento de prova, a resposta deveria ter sido outra. O dito exame contém duas partes distintas: numa delas refere-se às QUEIXAS do examinando; a seguir refere-se ao EXAME OBJETIVO. Ora, a autora pretende que se altere a resposta ao quesito 27 com base nas suas QUEIXAS. Queixas que não têm correspondência no EXAME OBJETIVO, onde se começa por referir que “O examinando apresenta-se consciente, orientado, colaborante, com bom estado geral, idade aparente de harmonia com a idade real (…) marcha normal, sem apoio nem claudicação”, referindo depois as sequelas que o examinando apresenta e fazendo o seu enquadramento no Código Na0301 da respetiva Tabela (Anexo II do DL 352/07, de 23/10), ou seja por “3 – Perturbações cognitivas – Síndrome frontal: Na0301 – Perturbação grave (com apragmatismo e alterações graves da inserção social e familiar – valorizáveis entre 61 a 85 pontos” - cf DR de 23.10.2007, fls 7782/7783). Contra a alegada “incoordenação motora” (por ex.), reponde o Relatório com “marcha normal, sem apoio nem claudicação”.
- Quesito 31: A Mmª. Juiz a quo fundamentou a sua resposta de “não provado” ao quesito. Também se nos afigura óbvia a sem razão da recorrente. O Sr. Perito do Relatório de fl. 367 não se pronunciou, nem tinha de pronunciar-se, sobre a capacidade física do autor C… para se mover ou locomover dentro do domicílio que lhe foi apontado. Essa capacidade, segundo o relatório pericial, não sofre limitações: a marcha é normal, sem apoio nem claudicação. Mas há ainda um segundo aspeto: é que a casa onde ele tem (tinha) o seu domicílio nem sequer era dele! Ora, é evidente que a autora (ou o autor) não pode pretender se façam obras numa casa onde apenas tem o seu domicílio, sem esclarecer de quem é essa casa e a que título aí tem o seu domicílio e, se é alheia, que as obras teriam o acordo do seu dono. Nada disto foi alegada e demonstrado, sendo óbvio que o tribunal nunca poderia impor obras numa qualquer casa em que o C… tivesse o seu domicílio.
- QUESITO 32: O ali reclamado pressuporia uma pessoa acamada. Não é o caso do autor.
- QUESITO 33: Não importa ao tribunal o custo de obras cuja necessidade de realização foi dada como não provada. E apenas com base num relatório, que parte do pressuposto errado de que a situação clínica do autor as tornava necessárias. A resposta está correta.
- As luzes dos veículos motorizados desempenham, um duplo objetivo: ver e ser visto. As leis da ótica dizem-nos que nós vemos os objetos em função da luz que eles refletem. Isso significa três coisas: que há uma luz que incide sobre determinado objeto; que esse objeto reflete a luz; que a luz refletida vem na nossa direção e é suficientemente forte para ser captada pela nossa visão. Não basta, pois, demonstrar-se que o local era iluminado. Importaria demonstrar que a luz pública incidia sobre o motociclo e seu tripulante precisamente do lado voltado para o condutor do GH e que era suficientemente forte para ser refletida e captada; que a luz era refletida na direção do condutor do GH em termos de ele os poder ver à distância. Nada disso se provou.
- O não uso de capacete constitui uma infração ao Código da Estrada. Essa infração faz presumir que resultaram do não uso do capacete aquelas lesões ou consequências que com o seu uso se pretendia evitar acontecessem.
- Com o motor do motociclo desligado, o C… não poderia realizar qualquer manobra que o uso do motor implicaria, por exemplo a fuga para a sua meia faixa de rodagem, ante o aparecimento de um veículo automóvel na sua direção.
- Considerando que o autor era um desempregado na data do acidente, ou, então, com 37 anos de idade, um simples “aprendiz” da arte da construção civil, o valor do s.m.n., o facto da antecipação do pagamento de um dano de longa duração, é ajustada a quantia de 85.000,00€ referida na douta sentença, só por lapso se tendo referido quantia superior. E também se afigura correta e ajustada ao caso concreto a arbitrada indemnização por danos não patrimoniais.

O réu E… respondeu ao recurso da autora e, em simultâneo, ao da ré seguradora e diz o seguinte:
1 - Não assiste aos apelantes qualquer razão para interposição do presente recurso, na parte em que ao réu diz respeito.
2 - De facto muito bem julgou a Meritíssima Juíza a quo, quanto à divisão da responsabilidade na produção do evento, ou seja que existiu uma concorrência de culpas de ambos os condutores, o 2º réu e o representado da autora, lesado, em conformidade com o disposto no artigo 570, do Código Civil.
3 - Foi dado como provado que o condutor do ciclomotor, lesado, conduzia o seu veículo, no momento do acidente, de forma temerária e irresponsável
4 - Efetivamente o condutor do ciclomotor “PRD” saiu do parque de estacionamento do “K…” sem luz, sem capacete e sem acionar o motor, aproveitando o declive natural da estrada, de forma enviesada/oblíqua, contribuindo para a ocorrência do embate.
5 - A ausência de qualquer sinal luminoso do ciclomotor, contribui adequadamente para a ocorrência do embate, retardando a sua visualização por parte do condutor do veículo “GH” e a sua reação perante a aproximação de um obstáculo.
6 - As lesões ocorridas na cabeça do lesado foram agravadas devido à falta de capacete, sendo assim, esse agravamento, de imputar ao próprio condutor, por conduzir sem capacete.
7 - Conforme jurisprudência corrente, o não uso de capacete constitui uma infração ao Código da Estrada. Essa infração faz presumir que resultaram do não uso do capacete, aquelas lesões ou consequências que com o seu uso se pretendia evitar que acontecessem. E,
8 - O sinistrado não alegou, nem provou que as lesões sofridas se teriam verificado mesmo que usasse capacete. Ademais,
9 - Com o motor do motociclo desligado, não poderia nunca realizar qualquer manobra que o uso do motor implicaria, por exemplo a fuga para a sua meia faixa de rodagem, ante o aparecimento de um veículo automóvel na sua direção.
10 - Valorou muito bem a Meritíssima Juíza toda a prova carreada para os autos, reunindo todos os elementos probatórios suficientes para dizer que o condutor do veículo “PRD”, atuou em desrespeito pelas normas estradais, devendo prever a possibilidade de vir a ocorrer o acidente, revelando com a sua atitude uma omissão dos deveres de diligência exigíveis a qualquer condutor.
11 - Há pois que considerar a contribuição da vítima para o resultado que consistiu nos ferimentos sofridos na cabeça e na cara, pelo condutor do ciclomotor.
12 - Face a toda a factualidade valorada pela Meritíssima Juíza, considerou o Tribunal a quo, que existiu uma concorrência de culpas de ambos os condutores, em conformidade com o disposto no artigo 570, do Código Civil.
13 - Atentos os factos provados, fixou o Tribunal, em 60% a repartição da responsabilidade para o condutor do veículo “GR” e 40% para o condutor do ciclomotor “PRD”.
14 - O proprietário do veículo de matrícula ..-..-GH, havia transferido os riscos de circulação para a ré Companhia de Seguros, por contrato de seguro válido, titulado pela apólice n.º ………, pelo que face ao preceituado nos artigos 427 do Código Comercial e 5 º, al. a), do DL. 522/85, de 31/12, será sobre a Seguradora que impenderá a obrigação de indemnizar o lesado.
15 - Quanto à quantificação dos danos, constitui um manifesto exagero a indemnização peticionada pelo autor.
16 - Face ao que ficou provado também quanto aos danos e à divisão das responsabilidades na produção do sinistro, os valores a pagar ao autor não ultrapassam, nem podem ultrapassar, o capital Seguro de €600.000,00, pelo que a condenação no pagamento impende sobre a Seguradora, devendo manter-se o segundo réu fora de qualquer condenação.

1.2.2 – Recurso da ré seguradora
A apelante recorre igualmente de facto e de direito e formula as seguintes conclusões:
1 - É do conhecimento geral que as luzes dos faróis dos automóveis de noite, de frente para o observador, não lhe permitem uma real perceção quer da velocidade quer da sua posição na faixa de rodagem;
2 - O testemunho, naturalmente falível, do H… não pode sobrepor-se às marcas de derrapagem do GH assinaladas no esboço da GNR, que apontam para uma velocidade não superior a 50 kms/h e que só no fim dessa derrapagem o GH invadiu a faixa de rodagem contrária;
3 - Nesse sentido devendo alterar-se as respostas aos quesitos 2 e 7 e 3 e 8 e reconhecer-se que o acidente se produziu por culpa exclusiva do C…, condutor do motociclo, ou em percentagem não inferior à do condutor do GH, nesse sentido se alterando as indemnizações em que vem condenada;
4 - À percentagem de culpa atribuída ao C… na produção do acidente (pelas razões expostas na douta sentença e aqui dadas como reproduzidas), deve acrescer percentagem não inferior a 15% no tocante à responsabilidade pela indemnização dos danos por si sofridos, por não fazer uso do capacete de proteção, que presumivelmente teria evitado as lesões crânio-encefálicas que sofreu ou a sua gravidade;
5 - Não é aceitável mandar indemnizar despesas futuras com uma terceira pessoa sob a forma de renda vitalícia ou despesas médico-medicamentosas de que o C… porventura carecer. Pelo que a condenação nas rendas vitalícias de 240,00 + 60,00€ deve ser alterada no sentido da condenação da ré nessas despesas mensais contra o respetivo comprovativo;
6 - Não se justifica a condenação da ré em juros desde a citação sobre a quantia de 51.000,00€ (pela IPP de que o C… ficou a padecer), por se tratar de danos de verificação futura mas indemnizados antecipadamente e de uma só vez, pelo que os juros serão devidos apenas a partir da decisão que fixar essa indemnização;
7 - Certo ainda, como se diz na douta sentença, que a essa quantia indemnizatória deverão ser abatidas as pensões que o autor, que se encontra reformado (fl. 360 supra), vier recebendo da Segurança Social;
8 - Deve reconhecer-se e ficar assente que as indemnizações pagas pela recorrente, quer ao sinistrado C…, quer aos estabelecimentos hospitalares e em tratamentos médico-medicamentosos, não poderão exceder, no seu conjunto, o capital seguro de 600.00,00€ [ut alínea J) da matéria assente]

Ao recurso da ré seguradora respondeu o réu (como já se disse) mas igualmente a autora, entendendo esta o seguinte:
- Por razões de economia processual, dá aqui por reproduzidas as alegações/conclusões formuladas no recurso por si interposto, de onde resulta que o recurso interposto pela recorrente Companhia de Seguros só poderá soçobrar. De facto,
- Carece de fundamento, com exceção do segmento do recurso que vai de encontro ao alegado pela recorrida: não se sabendo quantos anos ou meses vai durar o autor, ele pelo menos, em teoria, pode durar o tempo suficiente por forma a que, com os pagamentos mensais que forem sendo feitos ao longo da sua vida, os €600.000,00 se esgotem, razão pela qual o recorrido E… deveria ter sido condenado a pagar a renda mensal e vitalícia a partir do momento que se esgotem os €600.000,00, ou seja na última parte do pedido da alínea b) do pedido principal. Vejamos
- Com exceção da alteração de matéria de facto propugnada no recurso por si interposto, nenhuma alteração há a produzir. Na verdade, desde logo, afigura-se que a recorrente ao pretender impugnar a resposta à matéria de facto, não obedeceu ao preceituado no artigo 690–A, nº 2 do CPC aplicável, pelo que esta parte o recurso deve ser rejeitado, mas, mesmo que assim não se entenda, nenhuma alteração há a produzir, ou seja não houve qualquer erro sobre a apreciação daquela matéria de facto. Na verdade
- De nenhum dos depoimentos prestados em audiência de julgamento ou dos outros meios de prova produzidos nestes autos, se pode retirar resposta diferente da que foi dada aos quesitos (tão pouco do “documento” junto agora nas alegações pela recorrente, o qual, obviamente, se bem que perfeitamente inócuo, não deve ser admitido).
- Como defende a aqui recorrida, efetivamente a douta sentença recorrida andou mal quanto à divisão das responsabilidades, mas não no sentido preconizado pela recorrente Companhia de Seguros. De facto e desde logo, a Seguradora, mormente no que diz respeito à culpa, já definida em ação penal, não é terceiro para efeitos do artigo 674-A do CPC e nessa medida não podendo ilidir a presunção desta norma, deve responder com base na culpa exclusiva do recorrido E… na ação crime e não com base em concorrência de culpas.
- Sem prescindir, sempre teríamos de concluir que não logrou ilidir a presunção estabelecida pelo artigo 674-A do CPC e que bem pelo contrário ficou demonstrada a culpa exclusiva do recorrido E…. Apontando a decisão três “faltas estradais” - circulação sem luzes, falta de capacete de proteção e circular com o ciclomotor com o motor desligado - ao autor para se decidir pela concorrência de culpas e penaliza-lo com 40% de responsabilidade no acidente, o certo é que nenhuma destas pretensas “infrações” teve interferência direta no acidente.
- A falta de uso de capacete de proteção também em nada contribuiu para o acidente, pois não ficou provado e é impossível saber em que medida, a falta de capacete foi determinante para as lesões sofridas pelo autor. Se a culpa da verificação do acidente cabe a terceiro isto é, a um estranho ao veículo de duas rodas não haverá razões para excluir ou, sequer, reduzir o montante indemnizatório em atenção à falta do capacete, pois não faz sentido que o terceiro beneficie de uma norma que se destina à proteção da vítima.
- Ficaram provadas, com maior ou menor preponderância, que na génese e causa do acidente estiveram as 4 infrações estradais praticadas pelo recorrido E….
- No que tange à questão da terceira pessoa e nas despesas médico – medicamentosas (com exceção da questão do capital seguro de 600,000,00 como já se referiu), não assiste qualquer razão à Companhia de Seguros, sendo descabido pretender-se que tais despesas sejam pagas mediante o respetivo comprovativo, o que contrariaria o espírito da Lei que prevê, precisamente para esses casos, as rendas vitalícias,
 - Pretende, ainda, a Companhia de Seguros que sobre os montantes indemnizatórios fixados quer pela IPP quer pelos danos patrimoniais sejam contados, o primeiro a partir da sentença que os fixar e o segundo a contar da “presente data”. Como resulta do recurso interposto pela aqui recorrida, esta naquele seu recurso não se conforma com os valores que lhe foram fixados pelo dano patrimonial decorrente da incapacidade (permanente parcial) de ganho nem com o valor fixado pelos danos não patrimoniais. Não obstante, conformou-se que os juros sobre o valor indemnizatório a fixar pelos danos não patrimoniais sejam reportados à data da sentença. E a sentença também não merece qualquer reparo ao condenar que sobre o montante que vier a ser fixado pela incapacidade parcial permanente, os juros sejam contados desde a data citação, pois a sentença não procedeu a qualquer atualização do montante indemnizatório e como já vem sendo entendimento dominante na nossa jurisprudência, de harmonia com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002 de 9 de maio, se na sentença proferida no Tribunal de 1ª Instância não constar referência ao cálculo da indemnização por via de atualização à data da referida sentença, os juros de mora devidos pela entidade responsável são contados desde a data da citação dos réus.
- Finalmente, a conclusão 7.ª não pode obter qualquer acolhimento, já que da parte decisória da sentença nada resulta nesse sentido, e desse aspeto da sentença, a Companhia de Seguros não recorreu.

Ambos os recursos foram recebidos nos termos legais e os autos correram Vistos.

Nada obsta, como melhor veremos, ao conhecimento das apelações.

1.3 - Objeto dos recursos
1.3.1 – Recurso da autora
Definido pelas conclusões da apelante, o objeto do recurso da autora é o seguinte:
1.3.1.1 - Se devem ser alterados os factos (não provados ou apenas parcialmente provados) constantes dos pontos da Base Instrutória 27, 31, 32 e 33.
1.3.1.2 – Se a condenação penal do réu, segurado, se reflete na pretendida condenação da seguradora.
1.3.1.3 – Se há culpa exclusiva do réu segurado, por via da condenação penal ou em razão dos factos apurados nestes autos.
1.3.1.4 – Se, assim não sendo, deve ser outra a repartição de responsabilidade.
1.3.1.5 – Se deve ser alterado o montante da indemnização dos danos sofridos.
1.3.1.6 – Se o réu segurado deve ser condenado.

1.3.2 – Recurso da ré seguradora
Definido pelas conclusões da ré seguradora, o objeto do seu recurso – sem embargo das duas questões prévias que se enunciam) é o seguinte:
1.3.2.1 – Se deve ser admitida a junção do documento apresentado com as alegações (questão prévia).
1.3.2.2 - Se deve ser reapreciada a matéria de facto (questão prévia)
1.3.2.3 – Se deve ser alterada a matéria de facto constante dos pontos (quesitos) 2º e 7º e 3º e 8º.
1.3.2.4 – Se o representado da autora é o único culpado do acidente ou deve ser diversa a repartição da culpa.
1.3.2.5 – A condenação nas rendas vitalícias de 240,00 + 60,00€ deve ser alterada no sentido da condenação da ré nessas despesas mensais contra o respetivo comprovativo.
1.3.2.6 - Se os juros não são devidos nos termos fixados.
1.3.2.7 – Se deve declara-se expressamente que a ré seguradora só responde até 600.00,00€ e o reflexo dessa declaração na absolvição do réu segurado.

2 – Fundamentação
2.1 – Fundamentação de facto
Sem prejuízo da reapreciação da matéria de facto, suscitada em ambos os recursos (antecedida, quanto à seguradora da sua prévia admissibilidade), transcrevemos a que se deixou fixada na decisão da 1.ª instância:

1 - No dia 12 de dezembro de 2005, pelas 0h30, na Rua …, que liga … a …, em frente ao restaurante “K…”, freguesia de …, em Paredes, ocorreu a colisão entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula “..-..-GH”, tripulado pelo 2º Réu, e o ciclomotor de matrícula “2-PRD ..-..”, tripulado pelo Autor. (A)
2 - O "GH” seguia no sentido …/…. (B)
3 - No local a estrada configura uma curva para a direita atento o sentido …/…. (C)
4 - A faixa de rodagem está dividida em duas hemi-faixas por uma linha longitudinal contínua marcada a branco no pavimento. (D)
5 - O piso é em alcatrão e encontrava-se seco, sem óleo ou areia. (E)
6 - O local tem iluminação pública. (F)
7 - À data e imediatamente antes do local da colisão para quem segue no sentido …/…, existia um sinal vertical de curva perigosa e contracurva e de proibição de ultrapassagem. (G)
8 - O parque de estacionamento do restaurante “K…” fica situado à direita do seu sentido de marcha. (H)
9 - O Autor nasceu em 13/4/1968. (I)
10 - À data a responsabilidade pelos danos resultantes da circulação do “GH” encontrava-se transferida para a Ré Seguradora, até ao capital de 600.000,00€, conforme titulado pela apólice de seguro nº 609225243. (J)
11 - O “PRD” saiu do parque de estacionamento do “K…” de forma enviesada/oblíqua para a sua esquerda no sentido de … e quando se encontrava a circular a meio da via e se preparava para entrar na hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido … – …, surgiu o veículo “GH”. (1.º e 9.º)
12 - O 2º réu circulava sobre o eixo da via e, por via disso, ocupava parcialmente a hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido Cete – Mouriz. (2º e 7º)
13 - Circulava a velocidade não inferior a 60 Km/h. (3º e 8º)
14 - O embate ocorreu entre a frente esquerda do veículo “GH” e a roda da frente do “PRD”, a 3 metros do limite da faixa de rodagem direita, atento o sentido … – …. (4º e 5º)
15 - Após o embate, o Autor foi projetado sobre o para-brisas do “GH” e depois sobre o solo. (11)
16 - O “PRD” seguia sem luz e circulava sem ter acionado o motor, aproveitando o declive natural da estrada. (12º)
17 - O Autor circulava sem capacete de proteção. (13º)
18 - No local da colisão, a estrada tem 8,10 metros de largura. (14º)
19 - Em consequência da colisão, o Autor sofreu as seguintes lesões:
a) TCE grave (Glasgow 5);
b) Politraumatismos;
c) Edema cerebral difuso, contusões hemorrágicas bifrontais e hemorrogia subaracnoideia;
d) Fraturas na face;
e) Fratura com afundamento dos ossos da face do lado esquerdo; f) Hidrocefalia;
g) Múltiplas escoriações pelo corpo. (15º)
20 - Por causa das lesões referidas, o autor foi assistido pelo INEM no local do acidente. (16º)
21 - Foi transportado de imediato ao “Hospital F…” no Porto. (17º)
22 - Esteve internado no “Hospital F…” na UCI até ao dia 31/12/2005. (18º)
23 - Nessa data foi transferido para o serviço de Neurocirurgia do mesmo Hospital. (19º)
24 - O autor apresentava hidrocefalia com sinais de atividade. (20º)
25 - Por tal facto foi operado nesta unidade hospitalar em 6/1/2006 para colocação de Shunt ventríluco peritonial de média pressão à direita, com anestesia geral. (21º)
26 - Teve alta do Hospital F… em 19/1/2006. (22º)
27 - Nesse dia foi transferido para o “Hospital G…”, onde permaneceu até ao dia 3/2/2006. (23º)
28 - Em 3/2/2006 foi transferido para o “Hospital L…”. (24º)
29 - O autor realizou tratamentos de fisioterapia e recuperação. (25º)
30 - O autor apresenta assimetria do rosto com afundamento da hemiface direita e desvio da comissura labial e do nariz para a direita e cicatriz cirúrgica com 4,5 cms de comprimento na face lateral direita do pescoço. (27º)
31 - O autor teve uma incapacidade geral total desde 12/12/2005 até 3/2/2006 (54 dias) e apresenta uma incapacidade permanente geral fixável em 76 pontos, sendo as sequelas impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional. (28º)
32 - O autor trabalhava como trolha para M…. (29º)
33 - Auferia mensalmente quantia não concretamente apurada, mas não inferior ao ordenado mínimo nacional. (30º)
34 - O autor necessita e necessitará para o resto da vida de uma pessoa que o auxilie na execução das tarefas de limpeza da casa, cozinhar alimentos, gerir os seus haveres e tomar decisões. (34º e 35º)
35 - Para ter uma pessoa que o acompanhe terá de pagar a quantia de 400,00€/mês. (36º)
36 - O autor necessitará de acompanhamento médico e medicamentoso, tendo de suportar despesas não concretamente apuradas. (37º e 38º)
37 - O autor em 27/3/1993 esteve internado no Hospital F… do Porto após traumatismo crânio-encefálico, tendo ficado com sequelas de “contusão cerebral frontal esquerda”. (39º)
38 - Era pessoa alegre e bem disposta. (40º)
39 - Os tratamentos a que o autor teve de se submeter causaram-lhe dores, tristeza e medo. (41º)
40 - Dores que se mantêm e irão manter no futuro nos locais lesionados sempre que há mudança de tempo. (42º)
41 - O Autor perdeu a capacidade de inter-relacionamento social e de constituir família. (43º)
42 - Está deprimido e triste, sem gosto pela vida. (44º)
43 - O “Hospital F…, E.P.E.” prestou ao Autor os atos de assistência médica discriminados na fatura n.º 6015096 junta aos autos a fls. 146 a 149. (47º)
44 - O custo da assistência prestada pelo “Hospital F…, E.P.E.” ao Autor ascende a 10.033,84€. (48º)
45 - O “Hospital G…, EPE” prestou ao Autor os serviços e tratamentos discriminados no processo clínico do doente e na ficha de urgência, na nora de alta e no relatório médico juntos aos autos a fls. 157 a 160. (49º)
46 - O custo total da assistência prestada pelo “Hospital G…, EPE” ascende a 1.410,55€. (50º)
47 – C… foi declarado interdito por sentença proferida no Processo nº 1897/06.6TBPRD que correu termos no 2º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Paredes Tribunal, tendo a autora B… sido nomeada como tutora. (cf. doc. de fls. 210 a 216).

2.2 – Reapreciação da matéria de facto e aplicação do direito

2.2.1 – Questões prévias suscitadas pelo recurso da ré seguradora
Seguimos esta ordem de apreciação, porquanto se trata de verdadeiras questões prévias, perfeitamente autónomas em relação ao recurso apresentado pela autora.

2.2.1.1 – Junção de documento
Com o seu recurso, a ré seguradora juntou aos autos uma fotocópia de uma anotação que apresenta o "Quadro de distâncias de paragem para travões hidráulicos e de disco" (fls. 537).

A este documento refere-se a recorrente no ponto 2. da sua minuta de recurso, quando, imediatamente antes de pretender que "não pode dar-se como provada, em resposta à matéria dos quesitos 3º e 8º, que o GH circulava a velocidade não inferior a 60Km/h", vem dizer que (e citamos) "de acordo com as tabelas que se ocupam da matéria, uma derrapagem de 11,20ms de extensão indicia uma velocidade não superior a 50Km/h (vg cópia adiante junta, extraída do Cod. da Estrada de Júlio Serras)."

A autora, na resposta ao recurso da ré seguradora (fls. 553) veio dizer que de nenhum dos depoimentos prestados em audiência ou de outros meios de prova se pode retirar resposta diversa da que foi dada aos quesitos e, sublinhando, acrescenta que o mesmo também se não pode retirar do documento junto com as alegações, "o qual, obviamente, se bem que perfeitamente inócuo, não deve ser admitido".

Vejamos.

Os presentes autos são anteriores à entrada em vigor do DL. 303/2007 e, por isso, na redação que aqui deve aplicar-se, e como decorre do artigo 706, n.º 1 do CPC, as partes podem juntar documentos com as alegações nos casos a que se refere o artigo 524[3] ou – ou seja, e ainda – "no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância".

No caso presente, tendo em conta a matéria sobre que versa o documento e a temporalidade do mesmo, é manifesto e claro que não nos encontramos perante a possibilidade consentida pelo citado artigo 524.

Mas será que o documento podia ser junto em razão da decisão da 1.ª instância?

Também aqui nos parece manifesto que a resposta só pode ser negativa: a previsão da parte final do artigo 706 tem o seu campo de aplicação aos casos em que a necessidade do documento que se pretende juntar era imprevisível antes da decisão final. Ora, no caso em apreço, o que a seguradora recorrente pretenderá, com a aludida junção, é por em causa – ainda que muito duvidosamente – a decisão da matéria de facto, no que à velocidade imprimida ao veículo pelo condutor do veículo segurado respeita.

Ora, independentemente da validade do documento que se pretende juntar[4] para se alcançar esse desiderato (que a não tem, acrescente-se, porquanto traduz apenas referência abstratas) o certo é que, processualmente, não estamos em ocasião que permita a junção, já que o mesmo, podendo – ainda que duvidosamente – ter sido um elemento coadjuvante da prova, não pode agora minimamente contribuir para uma alteração dos factos relevantes ponderados na decisão.

Pelo exposto, não se admite a junção e, a final, ordenar-se-á o desentranhamento do documento de fls. 537 e a condenação da apresentante em multa (artigo 543, n.º do CPC). 

Prosseguindo.

2.2.1.2 – Requisitos da impugnação da matéria de facto
No seu recurso, a seguradora pretende, além do mais, a reapreciação da matéria de facto, porquanto entende – e citamos – que "o testemunho, naturalmente falível, do H…, não pode sobrepor-se às marcas de travagem do GH, assinaladas no esboço da GNR, que apontam para uma velocidade não superior a 50Kms/h e que só no fim dessa travagem o GH invadiu a faixa de rodagem contrária"; considera que "é do conhecimento geral que as luzes dos faróis de noite, de frente para o observador, não lhe permitem uma real perceção quer da velocidade quer da posição na faixa de rodagem". E termina, formulando a pretensão: "nesse sentido devendo alterar-se as respostas aos quesitos 2º e 7º e 3º e 8º, e reconhecer-se que o acidente se produziu por culpa exclusiva do C…, condutor do motociclo, ou em percentagem não inferior à do condutor do GH".

Entende a autora (recorrida, nesta parte) que o recurso, no que respeita à pretensão de ser reapreciada – e alterada – a matéria de facto, não obedece aos requisitos legais e não deve, por isso, ser conhecido.

Vejamos.

Nos termos do artigo 690-A do CPC, quem impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto tem que obrigatoriamente especificar (sob pena de rejeição), quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo de gravação, que impunham decisão diversa. Neste último caso, quando os meios probatórios hajam sido gravados, o recorrente (igualmente sob pena de rejeição) tem que indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na ata.

No caso presente, tem que se aceitar que a recorrente não tinha que indicar a referência da ata, respeitante ao depoimento em que funda a sua impugnação (pois a gravação foi digital e a ata não permite essa mesma referência), mas verificamos uma omissão do depoimento em causa; ou seja, a recorrente diz que o testemunho de determinada testemunha (H…) é naturalmente falível e não pode sobrepor-se ao esboço da GNR, mas não diz qual é aquele testemunho.

Não deixa, no entanto, nomeadamente nas conclusões das suas alegações, de citar os factos em crise e, por outro lado – ainda que precariamente – não podemos deixar de considerar implícita a afirmação (testemunho) que se questiona, pois percebe-se suficientemente que se refere à velocidade imprimida ao veículo.

Porque assim, apreciar-se-á, também nessa parte, o recurso da seguradora.

Prosseguindo.

2.2.2 - Recurso da autora
1.3.1.1 - Se devem ser alterados os factos (não provados ou apenas parcialmente provados) constantes dos pontos da Base Instrutória 27, 31, 32 e 33.

O primeiro ponto, entende a recorrente[5], deve ser alterado, passando de provado "apenas que o autor apresenta assimetria do rosto com afundamento da hemi-face direita e desvio da comissura labial e do nariz para a direita e cicatriz cirúrgica com 4,5 cms de comprimento na face, lateral direita do pescoço" para "provado apenas que o autor apresenta: assimetria do rosto com afundamento da hemi-face direita e desvio da comissura labial e do nariz para a direita e cicatriz cirúrgica com 4,5 cms de comprimento na face lateral direita do pescoço; afetação grave e permanente das sua capacidades intelectuais e cognitivas, com incapacidade para gerir seus bens e vida pessoal ou qualquer atividade profissional, ou outro meio capaz de angariar meios próprios de subsistência; incapacidade para tomar decisões quanto à gestão da sua vida; incapacidade para manter uma conversa com nexo ou princípio, meio e fim; amnésia com alteração das capacidades de concentração, cognitiva e de controlo do humor; irritabilidade e incapacidade para receber reforço empático com total incapacidade para exercer qualquer profissão por incapacidade intelectual e volitiva (oligofrenia) e bradipsiquismo; comportamento instintivo perturbado, sem capacidade de discernimento adequado, o que não permite exercer qualquer tipo de responsabilidade  profissional[6] ".

A resposta ao ponto 31, por sua vez, deve ser alterada de "Não Provado" para "Provado", com base nos relatórios periciais de fls. 358 e ss. e de fls. 365 e ss., uma vez que "a necessidade de adaptação não só, com a nova realidade criada pelo “handicap” mas também com a dependência de ajuda de terceira pessoa, facilitando a quem ajuda a prestação dos cuidados, sendo que face à descrição da casa do recorrente feita pelo Sr. Perito no relatório de fls. 365 e ss resulta claro que para o terceiro que tiver de deitar, dar banho, alimentar, vestir, etc. etc. o A./Recorrente a ajuda ficará muito mais fácil com a adaptação do domicílio do A./Recorrente e a disponibilidade de ajudas técnicas".

Quanto à resposta ao facto 32, a recorrente (ainda com base nos relatórios periciais de fls. 358 e ss. e de fls. 365 e ss.) entende que deve deixar de ser "Não provado" e passar a "Provado", pelas mesmas razões que apontou em relação ao ponto de facto anterior.

Por fim, a resposta ao facto 33 deve passar de "Não Provado" para "Provado que o custo de tais obras e equipamentos ascende a 24.180,00€", com base no relatório pericial de fls. 365 e ss.

Os quesitos aqui em causa tinham o seguinte teor:

27º - O Autor apresenta: a) Perda de funções cerebrais de modo irreversível e desaparecimento de faculdades mentais e desinteresse pelo ambiente; b) Ausência de níveis cerebrais superiores, como memória, raciocínio e outros; c) Disfonia; d) Incontinência por perturbações dos esfíncteres; e) Incoordenação motora, só podendo deslocar-se cm o auxílio de terceira pessoa; f) Afasia; g) Alexia; h) Agrafia; i) Tremores; j) Hemiparesia esquerda, mais défice motor global; k) Desfiguração da face; l) Perda da função sexual e da capacidade para procriar; m) Terá durante toda a vida de suportar um Shunt ventrículo peritoneal.
31º - Por causa das sequelas do acidente, o Autor terá de realizar obras de adaptação do seu domicílio, com é o caso da colocação de rampas e ascensores.
32º - E terá de adquirir uma cama articulada, uma mesa de cabeceira com bandeja, uma cadeira com elevador, um assento e sanita com elevador autónomo, uma barra rebatível para sanita, barras para parede, apoio de entrada e saída de banheira, um elevador de banheira e uma cadeira de rodas elétrica. 
33º - O custo de tais obras e equipamentos ascende a 25.000,00€.

Como resulta claro do recurso da autora, estão identificados os concretos pontos em relação aos quais as respostas devem ser alteradas e os meios probatórios são apenas, no seu entendimento, os que resultam da prova pericial. Não aponta a recorrente qualquer depoimento testemunhal que deva ponderar-se, seja no sentido de confirmar as respostas, seja no sentido de as alterar.

A seguradora, no entanto, na resposta ao recurso, faz ver que a matéria em questão foi considerada (parcialmente) provada e "não provada" com base nos documentos periciais, é certo, mas igualmente no depoimento testemunhal e explica a razão porque deve ser mantida a factualidade fixada na 1.ª instância[7].

Na fundamentação da matéria de facto, finalmente, a 1.ª instância, a este propósito, escreveu que "Os factos relativos às sequelas sofridas pelo autor e necessidade de acompanhamento de terceira pessoa basearam-se no relatório pericial elaborado pelo Instituto de Medicina Legal, junto a fls. 359 a 364, em conjugação com a documentação clínica junta aos presentes autos referenciada em tal relatório pericial em conjugação com as declarações das testemunhas I…, irmã do autor, e J… cunhado daquele (…) A resposta negativa dos factos 31º a 33º baseou-se no aludido relatório pericial elaborado pelo Instituto de Medicina Legal onde se refere expressamente que “o examinado apresenta marcha normal, sem apoio nem claudicação”. Não obstante o exame pericial de fls. 367 e ss. relativo ao custo da adaptação da residência do autor, entendemos que não se provou que aquele tenha dificuldades de locomoção que justifiquem a realização de obras em sua casa. Os factos não provados ficaram a dever-se à ausência de prova credível".

Decorre do antes referido que importará, na reapreciação da prova pretendida pela autora, analisar os documentos (perícias) para onde remete e, bem assim, os depoimentos testemunhais antes identificados.

A propósito da questão (o estado do sinistrado, consequente ao acidente), a testemunha I… (irmão do autor e da "autora" e pessoa que vem acompanhando e ajudando o primeiro) revelou, naturalmente, um conhecimento direto. Salienta-se, do seu depoimento gravado (ficheiro n.º 20101129162104), que o irmão esteve a ser tratado, pelo menos um mês no Hospital F… e aí foi operado "para meter um dreno"; veio depois para o Hospital G… e daí para a L… (min. 1.55). Sobre o seu estado referiu que "ele está um menino, nunca recuperou a consciência, não sabe como andar vestido, não sabe cuidar da higiene, sozinho não é capaz de nada… só deixou a fraldinha; vê mal, ouvir ouve pouco e o melhor ainda é o falar, mas não é perfeito: precisa de uma pessoa para tudo" (3.30). Disse ainda que o seu irmão não sabe ligar o fogão (o que antes -. Do acidente – fazia e depende das irmãs para tudo (3.50; 4.40). Antes era uma pessoa alegre – disse ainda, mas agora manifesta-se muito quieto, sem deitar uma lágrima (mesmo quando parece que está a sofrer ou tem dores (5.40). Tem bastante medicação e os calmantes até já foram aumentados porque ele fica(va) muito agressivo (6.00).

O marido da autora, cunhado do autor, J… (ficheiro n.º 20101129154556 – 101815 – 64887) sabia que ele esteve no hospital, nomeadamente no Porto onde esteve internado um mês, quase dois (min. 8.10) Veio para Penafiel, para o Hospital e depois para a L… (8.30). Considera que ele "está uma criança, à mercê das irmãs" (8.50); "chega à beira da irmã e pede-lhe dinheiro, é uma criança; se lhe prometerem um rebuçado vai; não toma banho se não lhe disserem para o fazer e não tem noção de precisar de ir ao médico" (9.15; 9.58). Acha que ele necessita de auxílio e de acompanhamento médico (11.20) e a medicação já teve de ser mudada, pois "até bateu na irmã, quando a medicação ficou fraca" (11.50).

Além destes depoimentos devemos considerar os documentos para os quais a recorrente remete, pretendendo a alteração dos factos apurados.

O relatório pericial de fls. 358 e ss. é o "Relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil", elaborado pelo Gabinete Médico-Legal de Penafiel. Começa pela "Informação", onde dá conta da "história do evento", de acordo com a descrição feita pelo examinado (autor) e pela sua irmã. Refere, de seguida os "Dados documentais[9] " e os seus antecedentes.

Em relação ao "Estado Atual" (2.ª parte do Relatório) separam-se as queixas do exame objetivo.

Quando às primeiras (referidas pelo examinado), o relatório dá conta de "postura, deslocamentos e transferências: sem alterações: manipulação e preensão: sem alterações; comunicação: incapacidade para manter uma conversa com nexo ou princípio, meio e fim. Está muito amnésico, com alteração das capacidades de concentração, cognitiva e de controlo de humor. Irrita-se facilmente com terceiros, particularmente se não conseguir receber reforço empático. Tem dias melhores e dias piores em que se torna irritadiço e em que a irmã tem de lhe dar mais apoio; Cognição e afetividade: afetação grave e permanente das suas capacidades intelectuais e cognitivas, com incapacidade para gerir seus bens ou vida pessoal ou qualquer atividade profissional, ou outro meio capaz de angariar meios próprios de subsistência. Não tem capacidade para tomar decisões quanto à gestão da sua vida; Controle de esfíncteres: sem alterações; Sexualidade e procriação: sem alterações; Fenómenos dolorosos: sem alterações; Outras queixas a nível funcional: Diminuição da acuidade auditiva".

Acrescenta depois o Relatório – ainda no domínio das queixas, e agora a "nível situacional" – o seguinte:
"- Atos da vida diária: consegue comer sozinho, vestir-se e tratar da sua higiene pessoal. No entanto há dias que não consegue efetuar estas tarefas (fica totalmente abúlico). Carece de apoio de terceira pessoa para arrumar a casa, limpeza da roupa, cozinhar os alimentos, gerir os seus haveres e tomar decisões. Atualmente é apoiado pelo Centro de Dia … ao meio dia e ao jantar é apoiado pela irmã.
- Vida afetiva, social e familiar: Incapacidade para manter uma conversa com nexo ou princípio meio e fim. Está muito amnésico, com alterações das capacidades de concentração, cógnita e do controlo do humor. Irrita-se facilmente com terceiros, particularmente se não conseguir receber reforço empático.
- Vida profissional ou de formação: total incapacidade para exercer qualquer profissão por incapacidade intelectual e volitiva (oligofrenia) e bradipsiquismo. Mantém comportamento instintivo perturbado sem capacidade de discernimento adequado o que não permite exercer qualquer tipo de responsabilidade profissional". 

Quanto ao "Exame Objetivo", o Relatório refere-nos o seguinte:
"(…) apresenta-se consciente, orientado, colaborante, com bom estado geral, idade aparente de harmonia com a idade real. O examinando é dextro e aparenta marcha normal, sem apoio nem claudicação.

Apresenta as seguintes sequelas:
- Crânio: sem alterações.
- Face: assimetria do rosto com afundamento da hemi-face direita e desvio da comissura labial e do nariz para a direita.
- Pescoço:: cicatriz cirúrgica com 4,5 cms de comprimento na face lateral direita do pescoço.
- Ráquis: sem alterações.
- Tórax, Abdómen, Períneo, Membros superiores e Membros inferiores: sem alterações."

O Relatório passa, em seguida à "Discussão"[10] e conclui o seguinte:
"- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 19.01.2006.
- Período de incapacidade temporária geral total fixável num período de 54 dias.
- Quantum doloris fixável em grau 4.
- Incapacidade permanente geral fixável em 76 pontos de acordo com a novas legislação de avaliação do dano em Direito Civil.
- As sequelas referidas são, em termos de rebate profissional, impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional.
- Dependência de ajuda de terceira pessoa, ajudas medicamentosas e ajudas técnicas".

O Relatório de fls. 365 e ss., por sua vez, é um relatório pericial, elaborado por engenheiro civil, e destinado a responder aos quesitos 31 a 33.

Neste relatório, o Sr. Perito começa por esclarecer que responde apenas à questão da determinação do custo da adaptação da residência e necessários equipamentos, "caso se revelem necessários": o perito é licenciado em engenharia civil, "não possuindo conhecimentos técnicos para apurar se o autor terá de realizar obras em consequência das sequelas decorrentes do acidente que o vitimou". Por isso, o Perito responde aos quesitos "considerando a necessidade de ser adaptado o domicílio do autor", ou seja, no pressuposto de essa necessidade efetivamente existir.

De seguida, o relatório descreve as obras de adaptação necessárias, a fazer no domicílio, os equipamentos que devem ser adquiridos e o valor total de umas e outro, concretamente 24.180,00€ (17.200,00€ para as obras de adaptação e 6.980,00€ para os equipamentos).

Apreciando.

Quanto ao quesito 27.

A pretensão da recorrente, se bem vemos, consiste em aditar à resposta dada a este quesito, um conjunto de sequelas derivadas do acidente. Trata-se, no entanto, das sequelas subjetivas, reveladas no relatório médico (onde suporta a sua impugnação da matéria de facto fixada) como queixas do C…, por este diretamente expressadas, ou através da sua irmã, que o acompanhou ao exame. O Relatório que suporta a impugnação da recorrente é muito claro – e, por isso o citámos detalhadamente – na separação que faz entre as queixas e o exame objetivo. Este exame objetivo, por sua vez, foi expressamente considerado na resposta restritiva dada pelo tribunal da 1.ª instância.

Entendemos que não devia ser de outro modo.

Com efeito, importa ter presente que muitas das queixas apresentadas no Relatório – repetimos, "queixas" – foram consideradas na matéria de facto apurada, em resposta a outros quesitos e onde não se deixou de considerar os depoimentos testemunhais da irmã do sinistrado C… e do seu cunhado. Sendo assim[11], não nos parece fazer sentido que a resposta ao quesito 27 fosse alargada, como pretende a recorrente.

Deve ser mantida, por isso, nos termos fixados pela 1.ª instância.

Quanto aos quesitos 31 a 33.
Nestes quesitos era perguntado se, "por causa das sequelas do acidente, o autor terá de realizar obras de adaptação do seu domicílio, com é o caso da colocação de rampas e ascensores; se terá de adquirir uma cama articulada, uma mesa de cabeceira com bandeja, uma cadeira com elevador, um assento e sanita com elevador autónomo, uma barra rebatível para sanita, barras para parede, apoio de entrada e saída de banheira, um elevador de banheira e uma cadeira de rodas elétrica" e, finalmente, se o custo dessas obras e equipamentos "ascende a 25.000,00€".

O tribunal deu como não provados estes quesitos, fundamentando-se na própria perícia médico-legal (a que já fizemos detalhada referência) e não esquecendo que a perícia técnica (de determinação das obras, equipamentos e respetivos custos) não definia a necessidade do autor, mas apenas a pressupunha.

Entendemos que o tribunal da 1.ª instância decidiu corretamente.

Quer os depoimentos testemunhais, quer o relatório médico-legal, revelam um sinistrado com diversas sequelas funcionais e comportamentais (sócio-afetivas) mas não evidenciam uma incapacidade funcional, nomeadamente locomotora, que possa justificar a necessidade de adaptações na habitação ou de aquisição de equipamentos específicos.

É certo que, nas suas conclusões, o relatório médico legal fala em "ajudas técnicas", mas não as discrimina ou esclarece minimamente, e o mesmo relatório, ainda na parte em que referencia as queixas subjetivas, não deixa de dizer que o autor não apresenta alterações de deslocamento ou de postura, de manipulação ou de preensão. Mesmo do ponto de vista subjetivo (queixas) a incapacidade revelada é comunicacional, situacional, afetiva e de cognição e não é funcional, de molde a demandar alterações da sua habitação ou a impor o uso de equipamentos específicos.  

No fundo, não se demonstrou a necessidade (das adaptações e dos equipamentos específicos) e, por isso, porque o relatório de fls. 366 e ss. havia sido feito no pressuposto dessa necessidade, o seu conteúdo perde todo o sentido útil: as respostas aos quesitos ficaram prejudicadas, o que significa, na prática, que estão não provadas e que esta instância não deve alterá-las. 

Por um questão de ordem lógica, relativa à fixação da matéria de facto, devemos apreciar, aqui e agora, o recurso da ré seguradora, no que respeita à impugnação da matéria de facto:

1.3.2.3 – Se deve ser alterada a matéria de facto constante dos pontos (quesitos) 2º e 7º e 3º e 8º.

Considera a recorrente (seguradora) que a matéria de facto deve ser alterada na parte em que, nos quesitos em causa se conclui por uma velocidade excessiva, concretamente, "não inferior a 60 quilómetros/hora".

Está em causa, em primeiro lugar, o depoimento prestado pela testemunha H… (ficheiro n.º 20101021115155 – 101815 – 64887). Trata-se da testemunha que presenciou o acidente – a única, em rigor - e que explicou com clareza a posição em que se encontrava e a dinâmica do sinistro (min. 2.30), que esclareceu como a vítima entrou na estrada e como se deu o embate (3.50 e 5.10).

Relativamente à velocidade, a testemunha (6.40) disse que o veículo seguro na recorrente "vinha a oitenta ou noventa".

O tribunal, coerentemente, deu como provado que circulava, esse veículo, a velocidade não inferior a sessenta quilómetros por hora, mas a ré entende que essa conclusão é incompatível com os rastos de travagem, ou melhor, com a distância (tamanho) dos rastos de travagem deixados na estrada.

Salvo o devido respeito, a ré (recorrente) esquece, no entanto, três coisas relevantes:
- Em primeiro lugar a expressa compatibilidade, vincada na 1.ª instância aquando da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, entre o depoimento da testemunha H… e o de quem (da testemunha que) elaborou o croquis[12].

- Em segundo lugar, a ineidoneidade (documentada ou não[13]) da afirmação de que determinado rasto de travagem é incompatível com um determinada velocidade (e nestes limites ´róximos de uma velocidade 50/60, já se vê), quando se olvidam todos os demais fatores que contribuem para esse rasto, em concreto[14].

- Por último, e como melhor se verá infra, a seguradora está onerada com a presunção decorrente do artigo 674-A do CPC, ou seja, tinha necessariamente que ilidir o facto provado no processo crime (a velocidade de pelo menos 60 quilómetros/hora). Ora, parece-nos manifesto que nenhum elemento válido aduz para alcançar esse objetivo.

Em conformidade com o que se deixa dito, e depois de ouvido o depoimento da testemunha H… e de relidos os factos expressamente considerados provados no processo crime onde se apreciou o mesmo acidente, mantemos integralmente a matéria de facto fixada, a inicialmente impugnada pela autora e também aquela que aqui a ré seguradora impugnava.   

Passemos às questões de natureza eminentemente jurídica, colocadas pelo recurso da autora:

1.3.1.2 – Se a condenação penal do réu, segurado, se reflete na pretendida condenação da seguradora. 1.3.1.3 – Se há culpa exclusiva do réu segurado, por via da condenação penal ou em razão dos factos apurados nestes autos.
Analisamos conjuntamente estas duas questões, atenta a sua manifesta interdependência.

O réu, pessoa singular, foi condenado em processo penal, em razão dos factos por si praticados (factos do acidente que aqui também se discute). Nesse processo, não obstante se ter constituído assistente, a autora não deduziu pedido cível. Também por isso, a seguradora, aqui ré, não foi demandada no processo penal, "não esteve" presente nesse processo.

Defende a recorrente que, em relação à seguradora, e mesmo não tendo esta sido demandada no processo penal, a condenação do segundo réu reflecte-se nela, porquanto ela o substitui, por mera transferência de responsabilidade e, naturalmente, por efeito do contrato de seguro. Assim, a ré seguradora nem sequer pode ilidir os factos que suportam a condenação desse réu (arguido). Por outro lado, continua a defender a recorrente, pelo menos quanto a este (segundo) réu a condenação penal implica a determinação da sua culpa exclusiva na produção do acidente (que também era crime).

Por fim – e como última questão – a recorrente considera que sempre, ou seja, independentemente da resposta que se dê às questões anteriores, a culpa exclusiva continua a ser do 2.º réu, em razão dos factos aqui apurados.

Apreciemos.

A questão que cumpre apreciar, em primeiro lugar, justamente a influência da decisão condenatória proferida no processo penal na ação cível não conexa, convoca o disposto no artigo 674-A do CPC.

Este preceito, contrariamente ao que parece pressupor-se, não define uma situação de caso julgado, no sentido dogmático em que este instituto é recebido no direito civil. O que ele define, isso sim é o "valor probatório legal extraprocessual" de uma condenação penal (a absolvição está prevista no artigo seguinte, o 674-B)[15].

No preceito em causa diz-se exatamente o seguinte: "A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como os que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração".

Com a eliminação do regime respeitante aos efeitos das decisões penais (condenatórias ou absolutórias), previsto nos artigos 153 e 154 do Código de Processo Penal (CPP) de 1929[16], regime esse que não passou para o CPP/87, resultaram patentes as dificuldades de relacionamento entre os processos penal e civil. 

O novo regime processual civil (aqui em causa)[17] veio preencher uma lacuna, lembrando que não é possível ignorar a decisão penal anterior e discutir no processo civil essa realidade de facto como se a decisão penal não existisse. Por outro lado, eliminou alguma limitação à possibilidade de defesa de terceiros, constrangida no CPP/29.

O artigo em apreço refere que a presunção (ilidível) respeita a terceiros; em relação a estes a oponibilidade da decisão penal condenatória abrange a existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime (incluindo assim, numa reprodução da linguagem penal, a identidade do agente, a existência do facto típico e ilícito, a comissão por ação ou omissão, o dolo ou a culpa negligente, a imputabilidade ou inimputabilidade, a preparação, a tentativa, a consumação, a autoria e ou a cumplicidade).

A primeira dúvida é esta: se o terceiro pode ilidir a presunção, o arguido (o não terceiro) que pode fazer?

A pergunta já pressupõe que o arguido não seja considerado terceiro. De facto, uma leitura que permitisse colocá-lo no leque dos terceiros tornaria a norma, se não aberrante, pelo menos inútil. É certo que não há norma no processo penal sobre o caso julgado, mas há que retirá-la precisamente do artigo 674-A do CPC, ainda que através de um argumento à contrário. Assim, se há expressamente uma presunção ilidível para os terceiros, impõe-se a conclusão lógica que a presunção não pode ser ilidida – ou seja, os factos estão provados – quando está em causa um não terceiro, simplificando, o próprio arguido[18].

Assim – respondendo-se à pergunta – o arguido não pode fazer nada para contrariar o valor probatório da decisão penal, pois não pode ilidir a presunção.

Mas importa repetir que estamos a falar de factos e de prova!

Ou seja, mesmo em relação ao próprio arguido, da condenação penal não resulta, necessariamente e em abstrato, a sua condenação como responsável único de um acidente (que também é crime).

O arguido não pode demonstrar que os factos assentes na decisão penal (que integram os pressupostos, o tipo, ou a forma de crime) não existem, não aconteceram. Mas pode demonstrar que outros, distintos daquilo que foi o objeto da decisão penal, ocorreram.

Pensamos que o caso presente esclarece bem esta questão: Na decisão penal, junta a fls. 256 e ss., deu-se como provado, no que ora importa, que o arguido (aqui segundo réu) conduzia "a uma velocidade nunca inferior a 60 quilómetros por hora", que "ocupava parcialmente a hemi-faixa esquerda", que no local "existia uma linha contínua". Em relação ao (aqui) autor, deu-se como provado que "não ligou as luzes do ciclomotor" e também que "não acionou o respetivo motor".

Nem os factos provados nem os factos não provados (no processo penal) se referem ao uso do capacete de proteção. Ora, o arguido (aqui segundo réu) pode provar que o autor seguia sem capacete de proteção (como veio a acontecer), tal como a seguradora o pode fazer diretamente, pois quanto aos outros factos, também os podia ilidir. 

Em suma, o artigo 674-A não define a eficácia do caso julgado mas o efeito probatório extraprocessual da sentença penal. Por esse efeito, o arguido, praticou necessariamente os factos típicos (tal como os relativos aos pressupostos de punição ou à forma de crime), está irremediavelmente confrontado com a sua existência; e o terceiro também está, se os não ilidir. Mas, num caso e no outro, referimo-nos apenas aos factos provados ou não provados no processo crime, ou seja, ao objeto penal[19].

Daí que, ao contrário do que defende a recorrente, não é por se ser condenado no crime que não pode haver repartição de culpa (de responsabilidade civil, note-se); dependerá sempre dos factos que podem trazer-se – e ser ilididos ou nem isso – do processo crime para o processo civil.

Entende a autora que, deste modo, poderá chegar-se a responsabilidades diferentes, nascidas de factos diferentes, perante um mesmo acidente. Poderá, efetivamente, mas o contrário é que seria completamente desconforme com o preceituado no artigo 674-A do CPC, seja no seu sentido positivo (para os terceiros), seja na interpretação - à contrário mas lógica e coerente – para os não terceiros.

Dito isto, apenas acrescentamos que a seguradora, responsável civil, é um terceiro, porquanto não foi parte no processo penal e aí, necessariamente, não se defendeu nem apresentou o seu contraditório. A definição de terceiro tem aqui natureza processual e, permita-se a expressão singela, não pode ser parte quem não é parte!

A jurisprudência do Supremo Tribunal tem sido, aliás, muito clara (STJ, 3.05.2000, BMJ 497, 298[20]).

Como parte final da questão que foi colocada, entende a recorrente que, de todo o modo, os factos apurados nestes autos implicam que a culpa do segundo réu seja exclusiva.

O tribunal considerou que o não era e com essa temática prende-se também o enunciado em 1.3.1.4 – Se, assim não sendo (ou seja, não sendo exclusiva), se deve ser outra (diversa da estabelecida na sentença) a repartição de responsabilidade.

Conjugando a reapreciação dos factos – que os não alterou – e o que se disse sobre os efeitos do disposto no artigo 674-A do CPC, a matéria de facto, quer para a apreciação da culpa/responsabilidade, quer para as demais questões, quer na perspetiva da (condenação) da seguradora, quer do segundo réu são exatamente os mesmos que foram fixados na 1.ª instância.  

Com base neles, a 1.ª instância não considerou o segundo réu o único responsável e repartiu as culpas (60/40).

Para essa conclusão, teceu as seguintes considerações:
"Da factualidade provada resulta que no dia 12.12.05, pelas 0H30 (…) ocorreu a colisão entre o veículo ligeiro de passageiros “..-..-GH”, tripulado pelo 2º réu, e o ciclomotor de matrícula “2-PRD..-..”, tripulado pelo autor, sendo que o 2º réu circulava a velocidade não inferior a 60 Km/h., sobre o eixo da via e, por via disso, ocupava parcialmente a hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido … – ….
No que à velocidade concerne, o CE prescreve no seu artigo 24º (…) Por sua vez, o artigo 25º, nº 1, al. c) e f) do C.E. refere que “a velocidade deve ser especialmente moderada nas localidades ou vias marginadas por edificações (…); f) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida”(…) Por outro lado, nos termos do artigo 27º, nº 1 do aludido diploma legal a velocidade máxima instantânea permitida, dentro das localidades, aos automóveis ligeiros, é de 50 Km/h (…)
Por outro lado, a faixa de rodagem está dividida em duas hemi-faixas por uma linha longitudinal contínua marcada a branco no pavimento e imediatamente antes do local da colisão para quem segue no sentido …/…, existia um sinal vertical de curva perigosa e contracurva e de proibição de ultrapassagem. Assim, dúvidas não existem que a velocidade máxima permitida naquele local é de 50 Km/h (…) A norma precetiva do artigo 13º, nº 1 CE prescreve que: “O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas e passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes”. 
Daqui se infere que o condutor do veículo “GH” praticou outra contraordenação nos termos das aludidas disposições legais.
Acontece, porém, que a violação de regras legais de trânsito quando concomitantes com um acidente de viação, não implicam automaticamente a existência de culpa desse condutor na produção do mesmo acidente; será para isso necessário demonstrar que aquela conduta contraordenacional foi causa do sinistro ou para este evento contribuiu adequadamente (…)
Assim, atenta a dinâmica do acidente, caso o condutor do veículo “GH” circulasse à velocidade moderada de 50 km/h e pela sua hemi-faixa de rodagem teria conseguido evitar o embate no ciclomotor tripulado por C…, não obstante este conduzir com o motor e as luzes de tal ciclomotor desligados, uma vez que quando o embate ocorre já o ciclomotor circulava pela hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha, a 1,05m do eixo da via. Daqui se infere que a velocidade a que circulava o veículo “GH” e a invasão de parte da hemi-faixa contrária é um facto causal em relação ao acidente, suscetível de fazer incorrer em responsabilidade civil o condutor do veículo “GH” (…)
Cumpre apreciar se do condutor do ciclomotor “PRD” também contribuiu para a ocorrência do sinistro. O condutor do “PRD” saiu do parque de estacionamento do “K…”, sem luz, sem acionar o motor, aproveitando o declive natural da estrada, sem capacete de proteção, e de forma enviesada/oblíqua virou para a sua esquerda, no sentido de …. Ora, a manobra praticada por aquele condutor consubstancia a prática de várias contraordenações consagradas nos arts. 35º, 44º, 59º, 61º do Código da Estrada e demonstra uma condução absolutamente temerária e irresponsável, sendo concausal do acidente.
Com efeito, aquele condutor ao entrar na estrada para virar à esquerda no sentido …, de forma enviesada/oblíqua (e não perpendicular) e sem acionar o motor, fez com que o lapso temporal da realização de tal manobra fosse muito mais demorado, o que permitiu a aproximação do veículo “GH” e impossibilitou uma qualquer reação por parte do condutor do ciclomotor de imprimir maior velocidade ao seu veículo de forma a conseguir concluir a manobra com maior rapidez, face à aproximação do veículo “GH”, que surge quando o ciclomotor se encontrava a circular a meio da via e se preparava para entrar na hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido … – ….
Não obstante, sempre será de realçar que quando ocorre o embate o condutor do veículo “PRD” estava a concluir a sua manobra uma vez que embate com a roda da frente na frente esquerda do veículo “GH”, e já se encontrava na sua hemi - faixa esquerda, atento o seu sentido de marcha, o que significa que o seu veículo já tinha retomado a sua posição de marcha no sentido … – …. Contudo, ainda estava perto do eixo da via, mais concretamente, a 1,05m do eixo da via (embate ocorre a 3 metros do limite da faixa de rodagem direita, atento o sentido … – …, sendo que no local da colisão, a estrada tem 8,10 metros de largura).
Por outro lado, o condutor do ciclomotor entrou na estrada sem luz própria, sendo tal luz necessária para si, de forma a que possa avistar o caminho à sua frente, e para terceiros, isto é, para que possa ser avistado por todos aqueles que circulam na estrada através da reflexão da sua própria luz. O facto de o local onde ocorreu o embate ter iluminação pública não obsta a que o ciclomotor pudesse circular à noite sem acionar as suas próprias luzes de forma a poder ser avistado por terceiros que circulem na estrada, nomeadamente pelo condutor do veículo “GH”. Ora, a ausência de qualquer sinal luminoso do ciclomotor contribuiu adequadamente para a ocorrência do embate, retardando a sua visualização por parte do condutor do veículo “GH” e a sua reação perante a aproximação de um obstáculo. Assim, entendemos que a forma como o condutor do ciclomotor “PRD” saiu do parque de estacionamento do “K…”, sem luz, sem acionar o motor, aproveitando o declive natural da estrada, de forma enviesada/oblíqua, contribuiu para a ocorrência do embate.
Impõe-se ao condutor medianamente diligente uma condução prudente, concentrada (art. 3º do Código da Estrada) de forma a conseguir concluir qualquer manobra com rapidez e segurança para si e para todos aqueles que circulam na estrada, sendo, consequentemente, exigível que o condutor do ciclomotor previsse que no espaço que teria que percorrer para concluir, com segurança, a manobra que estava a executar, pudessem circular outros veículos na estrada, o que de facto veio a ocorrer. Assim, temos elementos probatórios suficientes para dizer que o condutor do veículo “PRD” atuou em desrespeito pelas normas estradais, devendo prever a possibilidade de vir a ocorrer o acidente, revelando com a sua atitude uma omissão dos deveres de diligência exigíveis a qualquer condutor.
Cabe fazer uma referência à atitude do condutor do ciclomotor “PRD” ao conduzir tal veículo sem o capacete na cabeça, tendo uma contribuição decisiva para o resultado do acidente: como as lesões que sofreu na cabeça, nomeadamente edema cerebral difuso, contusões hemorrágicas bifrontais e hemorrogia subaracnoideia, fraturas na face, fratura com afundamento dos ossos da face do lado esquerdo, hidrocefalia, sendo importante o facto de ele não ser portador do capacete, agindo em contravenção ao disposto no art. 82, n.º 2 do Cód. da Estrada.
Nos termos da citada disposição legal é obrigatória a proteção da cabeça, devendo o condutor e os passageiros de motociclos e de ciclomotores, usar capacete de modelo oficialmente aprovado “devidamente ajustado e apertado” (…)
Assim, devemos socorrer-nos de regras de experiência – presunções judiciais – para concluir que, tendo as lesões ocorrido na cabeça, a falta de capacete agravou-as, sendo esse agravamento de imputar ao próprio condutor do ciclomotor que conduzia sem capacete (…)
A dúvida sobre se os ferimentos sofridos pela vítima na zona da cabeça e cara teriam ocorrido caso esta tivesse protegido a cabeça usando o capacete legal, não é suscetível de pôr em crise o nexo de causalidade adequada existente entre a conduta do condutor do veículo “GH” e do próprio condutor do ciclomotor e os ferimentos apresentados por este resultantes do acidente provocado pela conduta de ambos.
Nenhuma circunstância estranha, anormal, interrompeu o nexo causal entre a conduta daqueles condutores e o resultado, pelo que dúvidas não há de que os ferimentos da vítima se devem considerar como consequência necessária daquela (…)
É certo que a vitima conduzia o referido ciclomotor sem levar colocado na cabeça o capacete de proteção, em infração, portanto, ao disposto no art. 82, n.º 2 do C. da Estrada.
Todavia, como tem sido entendimento dominante na jurisprudência, o uso deste não tem a ver com as normas estradais que regulam a forma de circulação dos veículos de modo a evitar a eclosão dos acidentes. A norma do art. 82, n.º 2 do C. da Estrada visa, apenas, a proteção física dos condutores e passageiros de motociclos Neste sentido, Ac. do STJ de 6.10.82, BMJ n.º 320, p. 319; Ac. da RP de 27.11.95, BMJ n.º 451, p. 501. Cfr., também, o Ac. Do STJ de 15.12.98, CJ ACS do STJ, VI, III, 156, no qual, se entendeu que “Em acidente de viação a falta de capacete de proteção da vitima só releva, para efeitos do n.º 1 do art. 570º do CC, quando o acidente é imputável ao condutor do veículo de duas rodas (e já não quando o mesmo é da responsabilidade de terceiro)”
Termos em que face ao exposto, considera este Tribunal que existiu uma concorrência de culpas de ambos os condutores, em conformidade com o disposto no art. 570º do CC. (…) fixa-se em 60% a repartição da responsabilidade para o condutor do veículo “GR” e 40% para o condutor do ciclomotor “PRD”.

Apreciando:

A sentença enumera de modo detalhado e preciso as diversas contraordenações que, praticadas pelo segundo réu e igualmente, outras delas, pelo (aqui) autor, contribuíram causalmente para a produção do evento, ou melhor dito, para os danos deste resultantes.

Cumpre salientar, ainda assim, que a sentença, na parte final (do texto que se transcreve) parece duvidar da causalidade danosa da falta de capacete, citando jurisprudência da qual resulta que esse comportamento só é de valorar quando o acidente é da responsabilidade do condutor do veículo de duas rodas. As considerações que teceu antes dessa afirmação vão no sentido do claro agravamento do dano (do autor), desde logo atendendo à localização das lesões, e em razão de ele circular sem o capacete de proteção.

Ora, entendemos que esta última asserção é a acertada e não pode deixar de se considerar a circulação do motorista do ciclomotor como um agravamento causal do dano, com a consequente repartição de responsabilidade, nos termos previstos do artigo 570 do Código Civil (CC)[21].

E não se diga, como defende a recorrente, que a falta de capacete é irrelevante, pois basta pensar-se que a responsabilidade civil visa reparar um dano (e voltaríamos ao artigo 570 do CC: concorrência para a produção ou agravamento dos danos…), é sempre o dano que está em causa e o evento que o não produza será, neste contexto, irrelevante.

Também entende a recorrente que só o comportamento do segundo réu foi causal, na lógica simplificadora de que, se este não tem invadido a faixa contrária o acidente não ocorria. 

Não devemos esquecer que está sempre em causa a causalidade adequada, abrangendo os múltiplos comportamentos adequados a produzir o evento ou a agravar os seus efeitos. A sentença é, nesse aspeto, muito esclarecedora quando analisa o "contributo" do autor, nomeadamente no modo como se fez à estrada, sem poder controlar perfeitamente o seu veículo (porque ia de motor desligado); sem ser visível como o devia ser (porque não ligou a luz), sem seguir direito, isto é, não o fazendo pelo trajeto mais curto (porque entrou oblíquo na estrada).

Ponderando a ação típica e contraordenacional do segundo réu, mas não esquecendo a do autor (onde se inclui a falta de capacete), a repartição de culpas /responsabilidade não nos merece censura.

1.3.1.5 – Se deve ser alterado o montante da indemnização dos danos sofridos.
Entende a recorrente que a indemnização decidida na 1.ª instância é escassa, ou seja, não cobre os danos sofridos, mesmo que a repartição de culpas se mantenha.

Começa por referir a existência de um erro de cálculo (fixa-se a indemnização no montante de €107.395,00 mas depois no calculo em vez de fazer 60% de €107.395,00, faz 60% de €85.000,00) e depois acrescenta que "a incapacidade física do autor se reflete em previsíveis lucros cessantes, mas em valor que não poderá averiguar-se com exatidão, pelo que o cálculo da indemnização há de fazer-se essencialmente com recurso à equidade (artigo 566, nºs 1 e 3, do CC)", que a decisão recorrida "deveria ter tomado por base o rendimento anual do autor à data do acidente, o seu grau de incapacidade parcial permanente, a sua idade e aos demais vetores acima referidos e assim fixar o rendimento perdido, procedendo finalmente à sua redução, decorrente da entrega do capital de uma só vez" e que, "tendo em conta a factualidade provada, designadamente a incapacidade parcial permanente do recorrente, valorizada em 76 pontos, mas que de facto é de 100 pontos, pois não tem condições para fazer o que quer que seja nem cuidar de si (até está interdito), a sua idade (em 12.12.05, tinha 37 anos, sendo por isso de presumir ainda cerca de 37 anos de vida ativa, tomando como referência a remuneração salarial mensal (média) auferida pelo lesado à data do acidente (isto é, €385,90), sem esquecer os aumentos anuais que provavelmente já recebeu desde aquela data e que continuará a receber ao longo da sua vida ativa, chegaríamos a uma perda de ganhos da ordem dos €300.000,00", valor calculado à data da citação. Finalmente, quanto aos danos não patrimoniais, "considerando o «choque físico e emocional», naturalmente provocado pela violência do embate as graves moléstias e as dores físicas, o sofrimento moral inerente à hospitalização, as várias intervenções cirúrgicas, o longo período de recuperação, a elevada probabilidade de agravamento das sequelas e a perda de alegria de viver, pois inclusivamente perdeu a capacidade de inter-relacionamento social e de constituir família, afigura-se-nos que será equitativo fixar em €50.000,00, a indemnização", reportado à data da sentença.

A propósito da indemnização fixada, assim esclareceu o tribunal recorrido:
"Pede o autor uma indemnização pela sua incapacidade total permanente para o trabalho.
O representado da autora apresenta uma incapacidade permanente geral fixável em 76 pontos, sendo as sequelas impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, sendo que o autor trabalhava como trolha para M…, auferindo mensalmente quantia não concretamente apurada mas não inferior ao ordenado mínimo nacional.
Haverá que apurar se tal incapacidade deve ser atendida em sede de danos patrimoniais futuros ou de danos não patrimoniais. Conforme se refere no Acórdão do STJ, de 24/2/99, BMJ, 484º-359, “A doutrina que se conhece é no sentido de que a incapacidade permanente parcial é, de per si, um dano patrimonial cujo valor não se encontra apurado (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed., pág. 492)”. Propendemos para um critério que tem sido utilizado pelo STJ em variados acórdãos - cfr. Acórdão do S. T. J. de 18 de janeiro de 1979 (in B.M.J. n° 283, p. 275), com uma correção no que respeita à taxa de juro - em que se atende à descida evolutiva da taxa de juro - tendência que se vem a avolumar ao longo dos últimos anos e que propende para a estabilização na casa dos 4 % líquidos,
Uma vez que dos autos não resulta qualquer facto que faça prever uma diminuição da expectativa de vida atendível, assim como nada fará prever que a autora tivesse um limite de vida ativa inferior a 65 anos. De todo o modo, no que respeita ao cálculo da respetiva indemnização, não pode deixar de se atentar na circunstância de, à semelhança do que se passa na fixação do montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais, serem decisivos os critérios de equidade (496º, nº 3, do C.Civil). Na verdade, tratando-se de um dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, é manifesta a dificuldade de cálculo da respetiva indemnização, pelo que, é fundamental a ampla utilização de juízos de equidade, tendo-se em conta os pertinentes elementos de facto apurados. Note-se que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que ele teria então se não tivesse ocorrido o dano, e que, não podendo ser determinado o seu valor exato, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 566º, nºs 2 e 3, do C.Civil). (vide in dgsi- Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, sendo o seu Relator Roque Nogueira).
No caso dos autos, o representado da autora nasceu em 13/4/1968, tendo, consequentemente, 37 anos de idade quando ocorreu o acidente e tem atualmente 42 anos de idade, sendo previsível, considerando um quadro normal de vida e saúde, que exercesse a sua profissão de trolha, pelo menos, até aos 65 anos, sendo que auferia, pelo menos, o salário mínimo nacional.
Por outro lado, o representado da autora é portador de sequelas que lhe conferem uma incapacidade parcial permanente geral fixável em 76 pontos, a qual, o impede do exercício da sua atividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional. Uma vez que o representado da autora será indemnizado, conforme já tivemos oportunidade de referir, pela incapacidade geral total desde 12/12/2005 até 3/2/2006, entendemos que o cálculo da indemnização a atribuir deve reportar-se a 4/2/2006 em detrimento da data em que ocorreu o acidente.
Contudo, ao reportarmos o cálculo indemnizatório a tal momento temporal não podemos descurar um elemento ponderativo adicional, e que deve ser tido em conta, face ao acima mencionado princípio geral válido em matéria de obrigação de indemnização, por forma a conseguir a reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso.
Na verdade, o vencimento do representado da autora não se quedaria nos escassos €374,70 – seria, pelo menos, igual ao montante da remuneração mínima mensal, que em 2006 se situa em €385,90 (D.L. 238/2005 de 30/12) – pelo que o ponto de partida para o cálculo da perda de rendimento futuro, terá de ser necessariamente, à míngua de outro elemento, o valor do salário mínimo nacional vigente em 2006.
Deste modo, considerando aquela situação de incapacidade geral de que o representado da autora ficou afetado que o impossibilitou de voltar a exercer a sua profissão, a sua idade, o salário que auferia em 2006 no exercício da aludida atividade remunerada, bem como, as regras da probabilidade normal do devir das coisas, face a este quadro de facto e com base em juízos de equidade e atendendo ao disposto no art. 494º do C.Civil, no que se reporta ao grau de culpabilidade do representado da autora a que se aludiu anteriormente, julga-se adequado fixar a respetiva indemnização no montante de €107.395,00, reportado ao momento presente, tendo em conta o critério atualista definido no nº 2, do art. 566º, do C.Civil.
A esta quantia deverá ser sempre deduzido o valor de prestações que eventualmente lhe sejam pagas pela Segurança Social a partir da presente data até ao trânsito em julgado desta decisão.
Assim, do montante de €85.000,00 a ré deverá suportar, na respetiva proporção de 60%, o montante de €51.000,00, acrescido dos juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento".

A sentença, referindo-se depois aos danos não patrimoniais, escreve o seguinte:
"Preceitua o artigo 496º, nº 1, do C.Civil, que na fixação da indemnização devem atender-se ao danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. Tem-se entendido doutrinal e jurisprudencialmente, que a merecem, aqueles danos que “espelham uma dor, angustia, desgosto ou sofrimento”. Entende-se igualmente, que é pecuniariamente compensável o abalo moral sofrido pelo receio natural pela integridade física.
Da factualidade provada resulta que o representado da autora era pessoa alegre e bem disposta. Os tratamentos a que teve de se submeter causaram-lhe dores, tristeza e medo, dores que se mantêm e irão manter no futuro nos locais lesionados sempre que há mudança de tempo. O representado da autora perdeu a capacidade de inter-relacionamento social e de constituir família e está deprimido e triste, sem gosto pela vida (pontos 38 a 42).
O autor apresenta assimetria do rosto com afundamento da hemiface direita e desvio da comissura labial e do nariz para a direita e cicatriz cirúrgica com 4,5 cms de comprimento na face lateral direita do pescoço (ponto 30).
Ora, não restam dúvidas que este abalo moral sofrido pelo representado da autora se analisa num dano não patrimonial relevante - merecedor da tutela do direito - quer se opte pela formulação negativa, que inclui nesta categoria todos aqueles que não atingem os bens materiais do sujeito passivo ou que, de qualquer modo, não alterem a sua situação patrimonial - cfr. De Cupis, II Danno, Teoria Generale della Responsabilitá Civile, I, 2ª ed., Milano, 1966, págs. 44 e ss. -, quer pela formulação positiva, segundo a qual, o dano não patrimonial ou dano moral, tem por objeto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insuscetível em rigor, de avaliação pecuniária. A indemnização não visa então propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido - cfr. A. Varela, Das Obrigações em Geral, 4ª ed., pg. 560 e Rui Alarcão, Direito das Obrigações, Coimbra, 1983, pg. 270.
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante), segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização - art. 494º, “ex vi” do art. 496º, nº 3 do C.Civil -, aos padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda etc., sendo fundamental que tal compensação seja significativa, e não meramente simbólica ou miserabilista.
Aplicando as considerações expostas ao caso vertente e atendendo ao disposto no art. 494º do C.Civil, no que se reporta ao grau de culpabilidade do representado da autora a que se aludiu anteriormente, fixa-se a indemnização peticionada pelos danos morais sofridos pela autora no montante de €35.000,00.
Assim, tal quantia deverá ser suportada pela ré, na respetiva proporção de 60%, o que perfaz o montante de €21.000,00, reportando-nos, na fixação de tal montante, ao momento atual, pelo que a tal quantia acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento".

Apreciemos.

1. Danos patrimoniais 
Em primeiro lugar, devemos reconhecer que a quantia arbitrada na primeira instância como compensação dos danos patrimoniais futuros, em rigor, não se sabe se é a quantia de 107.395,00€ ou se, ao invés, é 85.000,00€, melhor dito, não decorre do próprio texto onde está o lapso e se o lapso (erro de cálculo) efetivamente ocorreu.

No entanto, a condenação constante do dispositivo da sentença equivale a 60% da quantia de 85.000,00€.

Considerando o recurso da autora (que defende que a quantia total deve ser no montante de 300.000,00€) o que importa é saber se a quantia fixada, efetivamente fixada, é a que corresponde à correta aplicação do direito aos factos apurados ou se outra deve ser fixada, como compensação do dano patrimonial futuro.

Comecemos por dizer (citando o conhecido acórdão do STJ de 4.12.2007, dgsi, onde se transcrevem as tabelas de cálculo do capital ponderando um juro de 3%) que "na determinação da indemnização compensatória por danos patrimoniais futuros, as fórmulas financeiras ou tabelas de cálculo habitualmente utilizadas para a determinação do capital necessário que, diluído ao longo do tempo de vida ativa e juntamente com o respetivo rendimento proporcione à vítima o rendimento perdido, não satisfazem o objetivo de indemnização reparadora, por levarem a resultados francamente insuficientes e que a realidade desmente, havendo por isso que recorrer, em último grau à equidade".

É que – como se sumaria no mesmo acórdão – "tais fórmulas ou tabelas não contemplam a tendência de melhoria do nível de vida, a ascensão da produtividade, o aumento progressivo dos salários (…) e não contemplam também os danos que se projetam para além da idade de reforma, designadamente aqueles em que o lesado ainda poderia continuar a trabalhar, se assim o desejasse".

No caso concreto, se aos dados de facto considerados na sentença, aplicarmos a fórmula de capitalização ponderada a um juro de 4% teríamos um valor de 90.146,40€ para uma idade ativa de 65 anos e de 97.209,23€ para uma idade ativa – hoje mais lógica – de 68 anos. Se o juro ponderado fosse de 3% (que nos parece mais real) teríamos 102.751,83€ para o primeiro caso (reforma aos 65) e 112.187,48€ para o segundo (reforma aos 68 anos).

Se, por outro lado, considerássemos que a taxa de inflação cobre o juro líquido, ou seja, que não há rendimento real, descontada a inflação, o valor alcançado seria a multiplicação pelos anos ativos em falta (sem dedução de capitalização), ou seja, o montante de 151.272,80€ (reforma aos 65 anos) ou 167.480,60€ (reforma aos 68 anos).

Se quiséssemos usar a fórmula da legislação própria dos acidentes de trabalho (considerando necessariamente uma IPATH com 78% de IPP) obteríamos uma pensão anual (e actualizável) de 3.544,11€ (que, se hipoteticamente remível correspondia a um capital de 56.700,00€, mas que, por não o ser, continuaria a ser paga (e a ser atualizada) não apenas durante a vida ativa do lesado, mas durante toda a sua vida.

Os resultados acabados de referir revelam como pode chegar-se a valores tão diferentes, quando, afinal, a utilização das fórmulas financeiras pretendia alcançar valores mais objetivos. Interessa, por isso, sem por completo as ignorar, tentar que a equidade as corrija, levando em conta (por respeito ao princípio da igualdade) o que vão decidindo os nossos tribunais e não esquecendo que projetamos o futuro com os dados do presente, arrimados num juízo de probabilidade.

Ora, descendo ao caso em apreço, o primeiro dado a ter em conta é que o salário mínimo nacional ponderado na decisão subiu, nos quatro anos seguintes, em cerca de 25% e que, habitualmente, um trolha não aufere apenas esse salário mínimo.

Por outro lado, a idade de reforma não deve ser ponderada em apenas 65 anos, mas parece mais razoável que o seja, e por ora, em 68; não se pode esquecer, por fim, que quem trabalha até ao fim da vida ativa recebe uma reforma e, por isso, a vida económica não acaba no fim da vida ativa. Numa outra perspetiva, não deve ignorar-se que o juro líquido de rentabilidade tende a nem sequer atingir os 3%.

Ponderando todos estes fatores e servindo-nos da equidade, consideramos equilibrado o montante de 120.000,00€ como compensação dos danos patrimoniais futuros.

Ponderando a distribuição de responsabilidade (que se manteve) a seguradora deve pagar, por isso, a quantia de 72.000,00€.

2. Quanto aos danos não patrimoniais 
A 1.ª instância atribuiu o montante de 35.000,00€ a título de danos não patrimoniais. Não deixou de ponderar o abalo sofrido pelo representado da autora, traduzido nas dores sofridas, nomeadamente pelos tratamentos a que teve de se submeter, nas dores que se mantêm e na desfiguração, tal como na perda de capacidade de relacionamento.

A recorrente entende que esse valor é exíguo e insiste que a quantia adequada deve ser de 50.000,00€

Ponderando toda a matéria de facto provada, também entendemos que o valor arbitrado deve ser aumentado.

Consideramos as dores e sofrimento tido na altura do acidente e todas as que se prolongaram em razão dos tratamentos e cirurgias a que foi submetida a vítima. Consideramos, em especial, que a vítima ficou num estado que tem reflexos psicológicos muito graves e que se traduzem também em danos morais: a incapacidade de relacionamento e a incapacidade de voltar a trabalhar acarreta a inerente diminuição do amor próprio. Por outro lado, os factos revelam que o representado da autora continuará a sofrer, desgosto e dores, ao longo de toda a sua vida.

Por isso temos por adequada a quantia de 45.000,00€ (ponderada ao tempo da decisão da 1.ª instância).

Cabe à seguradora, por isso, o pagamento de 27.000,00€.

Nos termos acabados de referir, a apelação da autora é parcialmente procedente. 

1.3.1.6 – Se o réu segurado deve ser condenado.
A última questão, suscitada também no recurso da seguradora, é a de saber se o segundo réu, pessoa singular, deve ser condenado.

A pretensão da autora foi formulada também quanto a ele, subsidiariamente e no pressuposto do esgotamento do capital seguro.

O capital seguro é de 600.000,00€ e a seguradora vai condenada em montantes que, somados aos juros devidos, serão agora de cerca de 150.000,00€.

A 1.ª instância absolveu o segundo réu[22].

Podia dizer-se, atendendo aos dados antes referidos, que nunca se esgotará o capital do seguro, durante a vida do autor e que a condenação do segundo réu seria apenas simbólica e, nesse sentido, um ato processual inútil.

Não é assim, no entanto: a seguradora está condenada no pagamento de uma renda mensal de 300,00€ (240 + 60) que aumenta todos os anos de acordo com a inflação. Essa renda anual de, na sua origem, 3.600,00€, vai assim aumentando a cada ano. Basta, por exemplo, que haja uma inflação de 5% para que a prestação anual inicial, ao fim de cinco anos, seja já de cerca de 4.600,00€ anuais.

Dito de outro modo, se o autor precisaria de viver ainda século e meio para esgotar o capital, na ponderação do valor inicial da renda, esse tempo seria muitíssimo inferior, perante uma inflação considerável. E não sabemos, naturalmente, nem quanto tempo o autor viverá nem o valor da inflação daqui a dez ou trinta anos.

Daí que se justifique e imponha a condenação do segundo réu.

Aliás, só há primeira vista isso será estranho, pois "o juiz pode proferir sentença de condenação condicional" (Jorge Augusto Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 10.ª edição, Almedina, 2011, pág. 356) e o artigo 662 do CPC consagra-o expressamente.  

Por isso e em conformidade revoga-se, nessa parte, o decidido (absolvição do segundo réu) que irá condenado no pagamento das prestações mensais (do auxílio de terceira pessoa e da prestação medicamentosa) devidas ao representado da autora, se e quando se esgotar o capital seguro.

2.2.3 - Do recurso da ré seguradora

O objeto do recurso da ré seguradora já se mostra, em grande parte, apreciado anteriormente, atenta a apreciação que foi feita das questões prévias e do recurso da autora.

Vejamos, agora, em concreto:

1.3.2.1 – Se deve ser admitida a junção do documento apresentado com as alegações (questão prévia).
Apreciada a questão como questão prévia, não foi admitida a junção do documento.

1.3.2.2 - Se deve ser reapreciada a matéria de facto (questão prévia).
Apreciada questão, supra, foi admitida a reapreciação da matéria de facto

1.3.2.3 – Se deve ser alterada a matéria de facto constante dos pontos (quesitos) 2º e 7º e 3º e 8º.
Foi já conhecida a questão, tendo-se mantida inalterada a matéria de facto.

1.3.2.4 – Se o representado da autora é o único culpado do acidente ou deve ser diversa a repartição da culpa.
No recurso da autora foi apreciada a culpa do condutor do veículo seguro na ora recorrente e, bem assim, a repartição da responsabilidade, tendo-se mantido o que fora decidido na 1.ª instância (60% para o segurado na ré e 40% para o aqui autor).

Para aí remetendo, nada vemos a acrescentar.

1.3.2.5 – A condenação nas rendas vitalícias de 240,00 + 60,00€ deve ser alterada no sentido da condenação da ré nessas despesas mensais contra o respetivo comprovativo.
A seguradora pretende a alteração do decidido, no sentido da condenação ser diferente daquela que peticionou a autora.

Ora, o tribunal está sujeito ao pedido: a autora pediu a condenação numa renda vitalícia e provou os seus pressupostos (que a recorrente, nesta sede, não infirma minimamente). O tribunal condenou a seguradora, atendendo ao pedido da autora.

O dano em causa podia ser reparado de outro modo, nomeadamente como propõe a recorrente? – Podia, mas não foi esse o pedido.

Dito de outro modo, sendo legal a pretensão deduzida e provados os seus pressupostos não cabe à ré a escolha de uma condenação alternativa à que foi feita.

E a legalidade do pedido resulta diretamente do disposto no artigo 567, n.º 1 do CC, já que, a requerimento do lesado, e atendendo à natureza continuada dos danos, o tribunal pode "dar à indemnização, no todo ou em parte, a forma de renda vitalícia ou temporária" 

Tanto basta, em nosso entender, para a improcedência do recurso, nesta parte.

1.3.2.6 - Se os juros não são devidos nos termos fixados.
Contrariamente ao defendido pela seguradora, entendemos que os juros são devidos nos precisos termos fixados pela 1.ª instância (concretamente, no que ora importa, desde a citação quanto aos danos patrimoniais futuros e desde a decisão, no que respeita aos danos não patrimoniais).

A autora aceitou a fixação da data de vencimento dos juros e não a impugnou.

A seguradora diz apenas que "não se justifica a condenação em juros desde a citação sobre a quantia de 51.000,00€ (pela IPP de que o C… ficou a padecer), por se tratar de danos de verificação futura mas indemnizados antecipadamente e de uma só vez, pelo que os juros serão devidos apenas a partir da decisão que fixar essa indemnização."

Não vemos como possa ter razão a seguradora e a sua argumentação não colhe. Basta pensar que o cálculo da quantia compensatória parte da retribuição do sinistrado em 2006 (por sinal também o ano da citação) e não dessa retribuição – que seria bem superior – na ocasião da prolação da sentença.

Diga-se, aliás, que o entendimento jurisprudencial é conforme ao decidido (Ac. De Uniformização 4/2002).

Improcede, por tudo, a pretensão da ré seguradora. 

1.3.2.7 – Se deve declara-se expressamente que a ré seguradora só responde até 600.00,00€ e o reflexo dessa declaração na absolvição do réu segurado.
Como a ré reconhece, a decisão não deixa de dar conta – e ponderar – o desconto das quantias que o representado da autora vier a receber ad segurança social.

Entende, no entanto que deve ficar expresso que a sua responsabilidade não ultrapassa os 600.000€.

Ainda que pensemos que a questão está agora mais clara, atenta a condenação do segundo réu, não deixará de se atender, afinal, à pretensão clarificadora da recorrente.

Por tudo, as apelações (da autora, em representação do seu irmão e da ré seguradora) são parcialmente procedentes.

E assim, tudo visto, profere-se a seguinte

3 – Decisão:
Por tudo quanto se foi deixando dito, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em:

1 – Ordenar o desentranhamento do documento junto pela recorrente Seguradora com as suas alegações, condenando-se a mesma na multa de 1 UC (artigo 543 do CPC), atenta a simplicidade.

Julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pela autora (em representação de C…) e pela ré Companhia de Seguros D…, SA e, em conformidade, revoga-se a absolvição do réu E…, altera-se o decidido na 1.ª instância e substitui-se o dispositivo da sentença pelo seguinte:

2 – Condena-se a ré “Companhia de Seguros, D…, SA” a pagar, até ao limite do capital seguro (600.000€):

a) À autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia de €240 mensais, a título de renda mensal vitalícia, pelo salário que terá de pagar a uma terceira pessoa que o acompanhe até ao final da sua vida, devendo tal montante ser atualizado, em conformidade com a taxa de inflação.

b) À autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia €60,00 mensais, a título de renda mensal vitalícia, devendo tal montante ser atualizado, em conformidade com a taxa de inflação.

c) À autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia de 401,30€, pela incapacidade total sofrida desde 12/12/2005 até 3/2/2006, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

d) À autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia de 72.000,00 (setenta e dois mil euros), pela incapacidade parcial permanente sofrida, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.

e) À autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia de 27.000,00€ (vinte e sete mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, contados a partir da data de decisão da primeira instância e até integral pagamento.

f) Ao interveniente, “Hospital F…, E.P.E.”, a quantia de 6.020,30€.

g) Ao interveniente, “Hospital G…, EPE”, a quantia de 846,33€, acrescida dos respetivos juros, à taxa legal, contados desde a citação da ré até integral pagamento.

3 – Absolve-se a ré “Companhia de Seguros D…, S.A.” do restante pedido.

4 – Condena-se o réu E… no pagamento à autora B…, em representação de seu irmão C…, da quantia de €240 mensais, a título de renda mensal vitalícia, pelo salário que terá de pagar a uma terceira pessoa que o acompanhe até ao final da sua vida, e da quantia €60,00 mensais, ambas no valor anualmente atualizado de acordo com a taxa de inflação, se e quando, pelo conjunto dos pagamentos feitos pela ré Seguradora, se venha a demonstrar esgotado o capital seguro (de 600.000,00€).

Custas da apelação da autora a seu cargo na proporção de 40%, a cargo a recorrida Seguradora na proporção de 50% e cargo do recorrido E… na proporção de 10%.

Custas da apelação da Seguradora a seu cargo na proporção de 90% e a cargo do recorrido E… na proporção de 10%.

Porto, 1.10.2012
José Eusébio dos Santos Soeiro de Almeida
Maria Adelaide de Jesus Domingos
Ana Paula Pereira Amorim
___________________
1] Citamos: "31 – Por outro lado, o representado da autora necessita e necessitará para o resto da sua vida da ajuda de terceira pessoa que permanentemente o acompanhe, lhe dê de comer, o lave, o limpe, o deite, o vista, o transporte, o leve ao médico, etc, etc…, pois não é capaz de executar sozinho os mais elementares atos e tarefas pessoais do dia a dia. 32 – Pelo que terá de pagar mensalmente a essa pessoa que de se cuide quantia não inferior a 400 euros mensais, já que tal trabalho terá de desenvolver-se 24 horas por dia, durante toda a vida do representado da autora. 33 – O representado da autora necessitará também de acompanhamento médico, medicamentoso, de fisioterapia e de usar fraldas, pelo que também mensalmente e durante toda a vida necessitará de 250,00 euros mensais para ocorrer a tais despesas." 
[2] "o Autor veio tomar posição sobre factos passíveis de constituir matéria de exceção, concretamente os alegados nos arts. 18º (“sem luz”), 30º, 31º e 33º da contestação da 1ª Ré, e que o Autor veio impugnar nos arts. 7º a 10º da réplica. Veio ainda tomar posição quanto aos documentos apresentados pela Ré (art. 11º da réplica). Desta forma, não se pode senão concluir que o articulado é admissível (…)" .
[3] "1 – Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquela data; 2 – Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer ocasião do processo".
[4] Trata-se da anotação a um código, onde se cita um estudo sobre a relação entre a velocidade dos veículos e a distância de travagem e no qual sequer se pondera a eficiência do próprio sistema de travagem, o tipo de pneumáticos utilizados ou a magnitude do impacto!  
[5] "Com base no relatório pericial elaborado, de fls. 358".
[6] Sublinhando-se a matéria que a recorrente quer ver acrescentada na resposta ao quesito.
[7] "… justifica a Mmª Juiz a quo a sua resposta baseada: a) no relatório pericial de fl. 359 a 364, em conjugação b) com a documentação clínica referenciada em tal relatório e c) as declarações da testemunha I…, irmã do autor, e d) do J…, cunhado daquele; (…) O dito exame contém duas partes distintas: numa delas refere-se às queixas do examinando; a seguir refere-se ao exame objetivo. Ora, a autora pretende que se altere a resposta ao quesito 27 com base nas suas queixas, que não têm correspondência no exame objetivo, onde se começa por referir que “O examinando apresenta-se consciente, orientado, colaborante, com bom estado geral, idade aparente de harmonia com a idade real (…) marcha normal, sem apoio nem claudicação”, referindo depois as sequelas que o examinando apresenta e fazendo o seu enquadramento na respetiva Tabela (Anexo II do DL 352/07, de 23/10), ou seja por “3 – Perturbações cognitivas – Síndrome frontal: Na0301 – Perturbação grave (com apragmatismo e alterações graves da inserção social e familiar – valorizáveis entre 61 a 85 pontos” - DR de 23.10.2007, fls. 7782/7783). Contra a alegada “incoordenação motora” (por ex.), reponde o Relatório com “marcha normal, sem apoio nem claudicação". - Quesito 31: A Mmª. Juiz a quo fundamentou a sua resposta de “não provado” ao quesito. Também se nos afigura óbvia a sem razão da recorrente. O Sr. Perito do Relatório de fl. 367 não se pronunciou, nem tinha de pronunciar-se, sobre a capacidade física do autor C… para se mover ou locomover dentro do domicílio que lhe foi apontado. Essa capacidade, segundo o relatório pericial, não sofre limitações: a marcha é normal, sem apoio nem claudicação. Mas há ainda um segundo aspeto: é que a casa onde ele tem (tinha) o seu domicílio nem sequer era dele! Ora, é evidente que o autor não pode pretender se façam obras numa casa onde apenas tem o seu domicílio, sem esclarecer de quem é essa casa e a que título aí tem o seu domicílio e, se é alheia, que as obras teriam o acordo do seu dono. Nada disto foi alegada e demonstrado, sendo óbvio que o tribunal nunca poderia impor obras numa qualquer casa em que o C… tivesse o seu domicílio. Quesito 32: O ali reclamado pressuporia uma pessoa acamada. Não é o caso do autor. Quesito 33: Não importa ao tribunal o custo de obras cuja necessidade de realização foi dada como não provada. E apenas com base num relatório, que parte do pressuposto errado de que a situação clínica do autor as tornava necessárias. A resposta está correta".
[8] Sublinhado nosso.
[9] "Da documentação clínica que nos foi facultada consta cópia dos registos do Hospital F… – Serviços de Urgência, Neurocirurgia, Unidade de Cuidados Intensivos e Cirurgia Plástica e Hospital G…, da qual se extri o seguinte: - Foi assistido no local pelo INEM que o levou para o Hospital G… em Penafiel. Deste Hospital foi transferido para o F… no Porto, tendo estado internado na UCIPU – unidade de cuidados intensivos – de 12.12.2005 a 31.12.2005 por politraumatismo com esfacelo grave da face, hemorragia aguda, TCE com edema cerebral difuso, hemorragia subaracnoideia, contusões hemorrágicas epidurais, fraturas múltiplas do crânio e face, nomeadamente fratura do malar direito, seio maxilar direito, parede lateral da órbita direita. Em 6.01.2006 foi operado por Neurocirurgia e colocou uma válvula de drenagem de LCR que estava a causar hidrocefalia- - VVP ou Válvula Ventrículo Peritonial. No Hospital F… foi tratado por Cirurgia Geral, Cirurgia Plástica, Neurocirurgia, Neurologia. Foi observado em consulta externa de Neurocirurgia em 13.02.2006. – Relatório Médico do Hospital G…: depois de transferido para o Hospital de Penafiel ficou internado a efetuar fisioterapia, de 20.1.2006 a 3.2.2006. Nessa data foi transferido para o L…, devido às suas carências afetivas e sociais".
[10] Admitindo o nexo de causalidade; fixando a consolidação das lesões em 19.01.2006 e o período de danos temporários (54 dias). Entende que o Quantum doloris é de grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente e quanto aos danos permanentes valorizáveis valoriza especialmente a "perturbação grave com apragmatismo e alterações graves de inserção social e familiar", sendo o examinado "totalmente dependente da ajuda de terceira pessoa" e atribui-lhe "uma IPG de 76%". Acrescenta que "as sequelas descritas são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da área da sua preparação técnico-profissional" e "Dependência de: ajuda de terceira pessoa, ajudas medicamentosas e ajudas técnica".  
[11] Como claramente resulta destes (outros) factos que transcrevemos: "19 - Em consequência da colisão, o Autor sofreu as seguintes lesões: a) TCE grave (Glasgow 5); b) Politraumatismos; c) Edema cerebral difuso, contusões hemorrágicas bifrontais e hemorrogia subaracnoideia; d) Fraturas na face; e) Fratura com afundamento dos ossos da face do lado esquerdo; f) Hidrocefalia; g) Múltiplas escoriações pelo corpo. (15º) 24 - O autor apresentava hidrocefalia com sinais de atividade. (20º) 31 - O autor teve uma incapacidade geral total desde 12/12/2005 até 3/2/2006 (54 dias) e apresenta uma incapacidade permanente geral fixável em 76 pontos, sendo as sequelas impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional. (28º) 34 - O autor necessita e necessitará para o resto da vida de uma pessoa que o auxilie na execução das tarefas de limpeza da casa, cozinhar alimentos, gerir os seus haveres e tomar decisões. (34º e 35º) 40 - Dores que se mantêm e irão manter no futuro nos locais lesionados sempre que há mudança de tempo. (42º) 41 - O Autor perdeu a capacidade de inter-relacionamento social e de constituir família. (43º) 42 - Está deprimido e triste, sem gosto pela vida. (44º)
[12] Citamos: "No que respeita à dinâmica do sinistro, o Tribunal relevou as declarações da testemunha presencial, H…, em conjugação com o croqui junto aos autos a fls. 426 a 428 e fotografias de fls. 16 a 34 e 92 a 94. Com efeito, tal testemunha, de forma objetiva, credível, desinteressada e absolutamente convincente descreveu o acidente (…). Não obstante a testemunha estar a colocar garrafas na mala da sua carrinha que estava de frente para o restaurante, achou piada à forma como o autor saiu do parque, o que fez com que ficasse a olhar para ele. Ora, a forma bizarra e pouco usual com que o autor abandona o parque é, em nossa opinião, suscetível de chamar a atenção, sendo perfeitamente credível que esta testemunha ficasse a olhar para a manobra que o autor ia executar, perspetivando até a hipótese de poder vir a assistir a um acidente, pois conforme nos referiu: “pensou, se vem um carro, limpa este gajo”. Assim, as declarações desta testemunha são absolutamente desinteressadas e sinceras, razão pela qual, o Tribunal relevou a sua descrição do acidente, não obstante o mesmo estar a cerca de 30 metros do local do embate, conforme nos referiu e não obstante ser noite, existindo luz pública que proporcionava uma razoável visibilidade, versão corroborada pelo agente da GNR, N…, que referiu que no local existe iluminação pública vendo-se razoavelmente a 50 metros. Referiu-nos que a motorizada entrou de forma enviesada na estrada, em direção a …, em local em que as hemi-faixas estavam separadas por um traço contínuo. O carro depois de descrever uma curva aparece a circular em cima do eixo da via, ocupando parte da faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário, à velocidade excessiva de 80 a 90 Km/h, e ainda ouve os pneus a derrapar e, logo de seguida, embate com a sua frente esquerda na frente da motorizada, na hemi-faixa esquerda, atento o seu sentido de marcha, a cerca de 1 metro do eixo da via, projetando o autor que acabou por cair no solo. Tal versão dos factos está em consonância com o croqui junto a fls. 426 a 428 e com as declarações do agente da GNR, N…, que elaborou o aludido croqui (…). A localização dos rastos de travagem existentes no local, nos termos assinalados no croqui, estão, igualmente, em consonância (….). No que se reporta à velocidade a que circulava o veículo, o Tribunal relevou, para além das declarações da testemunha já identificada, o comprimento dos rastos de travagem de 11,20m, as fotografias de ambos os veículos acidentados, juntas a fls. 31 a 34 e 92 a 94, que indiciam a violência do embate, não obstante a reduzida velocidade a que o autor obrigatoriamente circulava, atento o facto de o motor da motorizada não ter sido sequer acionado e a distância a que a própria motorizada foi projetada – 17, 90m (resposta aos factos 3º e 8º)"  
[13] Ou seja, independentemente da admissão da junção do documento apresentado com as alegações da recorrente.
[14] A natureza do solo e o seu atrito, a espécie de pneumáticos em causa, o efeito do embate, por exemplo…
[15] Seguimos José Lebre de Freitas/A. Montalvão Machado. Rui Pinto (Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 2001, págs. 691/692). Ops autores referem o que no texto se diz, salientando mermo que não está em causa a eficácia do caso julgado "ao contrário do que a defeituosa inserção dos artigos que regulam a matéria podia levar a supor". E dizem também, melhor esclarecendo que "não se trata diretamente da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, mas da eficácia probatória da própria sentença, independentemente das provas com base nas quais os factos tenham sido dados como assentes. A presunção estabelecida difere das presunções strito sensu, na medida em que a ilação imposta ao juiz cível resulta do juízo de apuramento dos factos por ato jurisdicional com trânsito em julgado".
[16] Aí se estabelecia, no citado artigo 153, que "a condenação definitiva  proferida  na  ação penal constituirá caso julgado, quanto à existência e qualificação do facto punível e quanto à determinação dos seus agentes, mesmo nas ações  não  penais em que se discutam direitos que dependam da existência da infração".
[17] Decorrente do DL. 329-A/95 e – a expressão "perante terceiros"- do DL. 180/96.
[18] Neste sentido, esclarece o Ac do STJ de 6.01.2000 (Sumários, 37 – 29) que em processo penal não pode, em rigor, falar-se de partes, como acontece no processo civil, mas "o limite ao efeito erga omnes do caso julgado penal condenatório (artigo 153.º do CPP/29), nesta área introduzido pelo artigo 674-A do CPC/905, respeita tão só a "terceiros" e consiste na possibilidade de estes, e só estes, nunca o condenado penal, poderem ilidir a presunção resultante desse julgado, e apenas quanto aos aspetos ali expressos, tudo como regime excecional".
[19] Como se refere no Ac. STJ de 14.12.2006 (dgsi) o artigo 674-A do CPC refere-se aos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como os que respeitam às formas do crime; "não obstante a condenação penal pressupor uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, a eficácia probatória da sentença penal em subsequentes ações cíveis encontra-se, no mais, necessariamente limitada aos factos efetivamente apurados na ação penal".
[20] "As personalidades jurídicas da segurada e da seguradora não se confundem, e como esta nenhuma intervenção teve na ação penal tem que considerar-se um terceiro".
[21] Como diz o preceito, "Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos…"
[22] Assim justifiocando "Uma vez que os montantes a que a ré “Companhia de Seguros D…, S.A. foi condenada a pagar à autora não ultrapassam o capital seguro de € 600.000,00 o segundo réu, E…, não será objeto de qualquer condenação".

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.

Processo n.º 1585/06.3TBPRD.P1 Recorrentes – B… (em representação de C…) e Companhia de Seguros D…, SA Recorridos – Companhia de Seguros D…, SA; B… (em representação de C…) e E…. Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto: 1 - Relatório 1.1 – O processo na 1.ª instância B…, em representação de seu irmão C…, instaurou a presente ação declarativa e, demandando a Companhia de Seguros D…, SA e E… pediu a condenação da primeira no pagamento ao seu representado da quantia de 600.000,00€ (seiscentos mil euros), acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a citação até efetivo pagamento, e a condenação do segundo a pagar, igualmente ao seu representado, a quantia de 29.666,64€ (vinte e nove mil, seiscentos e sessenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), acrescida de juros à taxa legal de 4%, desde a citação até efetivo pagamento, bem como a pagar, a título de renda mensal vitalícia, a quantia de 650,00€, conforme alegado nos artigos 31, 32 e 33 da petição[1]. Em via subsidiária, o representado da autora manifesta a vontade de usar a faculdade prevista no artigo 569 do Código Civil, ex vi, 471, n.º 1 do CPC, para o caso de não proceder a totalidade (e nos seus termos) do pedido formulado contra a seguradora e, assim sendo, serem os réus condenados: 1) a 1.ª ré a pagar a quantia que lhe vier a ser arbitrada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais alegados de 20 a 30, 34 e 36 a 43 da petição, acrescida dos juros legais e a pagar ao representado da autora a renda mensal e vitalícia de 650,00€ pelos danos referidos em 31, 32 e 33 da petição, até que aquela indemnização e esta renda perfaçam a quantia de 600.00,00€; 2) o 2.º réu seja condenado a pagar a renda mensal e vitalícia de 650,00€ pelos danos sofridos em 31, 32 e 33 da petição, a partir da data em que a 1.ª ré esgote o pagamento pedido no número anterior, ou seja, o capital seguro de 600.000,00€. A autora, fundamentando a pretensão formulada, começa por esclarecer que o seu representado, em consequência do acidente que descreve, está totalmente incapacitado e incapaz de reger a sua pessoa e bens, pelo que requer a sua nomeação como curadora dele, seu irmão. Descreve, de seguida, o acidente de viação, ocorrido no concelho de Paredes, esclarecendo os intervenientes no mesmo, e a culpa, que considera exclusiva do condutor do veículo "..-..-GH", seguro na 1.ª ré. Enuncia os danos sofridos pelo seu irmão e liquida, quer os patrimoniais quer os não patrimoniais. Juntou diversos documentos (fls. 14/56). A ré seguradora contestou a fls. 59/61. Impugnou a pretensão de curadoria, invocando o desconhecimento da incapacidade do sinistrado e a falta de urgência desta ação. Quanto ao acidente, descreve-o de modo a concluir que a culpa foi exclusivamente do representado da autora; acrescentou que desconhece a dimensão e relevo das lesões invocadas e, por fim, reconheceu a existência do seguro, limitado ao montante de 600.00,00€. O réu E…, por sua vez, contestou a fls. 87/90. Impugna a versão do acidente, concretamente que o representado da autora seguisse no modo como é descrito na petição inicial, e entende que o embate se deu por exclusiva culpa deste. No mais, desconhece os danos sofridos e a sua real dimensão. A autora replicou a fls. 116. Manteve tudo quanto disse na petição inicial, nomeadamente a pretensão de ser nomeada curadora, e acrescentou, com relevo ao afirmado pelas rés, que o seu irmão, na altura em que ocorreu o acidente em causa, usava capacete de proteção. A fls. 123 o réu E… pronunciou-se contra a admissibilidade da réplica e, por despacho de fls. 136 foram notificados os hospitais e citado o ISSS. O Hospital F… (fls. 144) pediu a sua intervenção e o pagamento da quantia de 10.033,84€ relativa à assistência prestada. O Hospital G… (fls. 153) pediu também a sua intervenção e o pagamento da quantia de 1.410,55€, e juros, também pela assistência prestada. Das intervenções anteriores as partes foram notificadas para se pronunciarem e foi pedido à autora para juntar documento comprovativo da incapacidade do lesado, por si representado (fls. 170). A fls. 189 foi proferido despacho a convidar a autora para alegar os factos que justificam a sua legitimidade como curadora, o que foi feito a fls. 195/196. Depois, foi ordenada a junção aos autos de certidão da ação de interdição onde consta como tutora a aqui autora, e as partes foram dela notificadas. A fls. 225 e seguintes foi elaborado o despacho saneador. Aí, considerou-se admissível a réplica.[2] Na mesma ocasião foi expressamente dispensada a realização de audiência preliminar. Também se fixou a matéria assente (sem qualquer reclamação) e elaborou-se a base instrutória. Os autos prosseguiram com a apresentação dos requerimentos probatórios e junção de diversos elementos documentais, nomeadamente os de natureza médica, além de prova pericial e testemunhal. Depois de um primeiro adiamento teve lugar a audiência de discussão e julgamento (ocorrida em duas sessões) nos termos documentados nos autos. Respondeu-se à matéria de facto constante da base instrutória, em decisão fundamentada. Conclusos os autos, foi proferida decisão final que assim sentenciou: "a) condenar a ré “Companhia de Seguros, D…, S.A.” a pagar à autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia de €240 mensais, a título de renda mensal vitalício, pelo salário que terá de pagar a uma terceira pessoa que o acompanhe até ao final da sua vida, devendo tal montante ser atualizado, em conformidade com a taxa de inflação. b) condenar a ré “Companhia de Seguros, D…, S.A.” a pagar à autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia €60,00 mensais, a título de renda mensal vitalícia, devendo tal montante ser atualizado, em conformidade com a taxa de inflação. c) condenar a ré “Companhia de Seguros, D…, S.A.” a pagar à autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia de €401,30, pela incapacidade total sofrida desde 12/12/2005 até 3/2/2006, quantia essa acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. d) condenar a ré “Companhia de Seguros, D…, S.A.” a pagar à autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia de €51.000,00, pela incapacidade parcial permanente sofrida, quantia essa acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. e) condenar a ré, “Companhia de Seguros, D…, S.A.” a pagar à autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia de €21.000,00, a título de danos não patrimoniais, quantia essa acrescida de juros à taxa legal, contados a partir da presente data até integral pagamento. f) condenar a ré, “Companhia de Seguros, D…, S.A.” a pagar ao interveniente, “Hospital F…” , a quantia de €6.020,30, não se condenando no pagamento de juros uma vez que tal não foi peticionado. g) condenar a ré, “Companhia de Seguros, D…, S.A.” a pagar ao interveniente, “Hospital G…”, a quantia de €846,33, acrescida dos respetivos juros, à taxa legal, contados desde a citação da ré até integral pagamento. h) absolver a ré “Companhia de Seguros D…, S.A.” do restante pedido. i) absolver o 2º réu E… do pedido. 1.2 – Dos recursos Quer a autora, em representação do lesado, quer a ré Seguradora não estão conformadas com o decidido, e ambas apelam a esta Relação. 1.2.1 – Recurso da autora A autora, pretendendo a alteração do decidido, quer no que respeita à matéria de facto quer no que se refere à aplicação do direito, formula as seguintes conclusões: QUANTO AOS FACTOS 1 - O autor/recorrente entende que se encontram incorretamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto: 2 - A resposta ao facto 27 da BI com base no relatório pericial elaborado, de fls. 358, deve ser alterada de “Provado apenas que o autor apresenta assimetria do rosto com afundamento da hemi-face direita e desvio da comissura labial e do nariz para a direita e cicatriz cirúrgica com 4,5 cms de comprimento na face lateral direita do pescoço” para “Provado apenas que o autor apresenta: assimetria do rosto com afundamento da hemi-face direita e desvio da comissura labial e do nariz para a direita e cicatriz cirúrgica com 4,5 cms de comprimento na face lateral direita do pescoço; afetação grave e permanente das suas capacidades intelectuais e cognitivas, com incapacidade para gerir seus bens e vida pessoal ou qualquer atividade profissional, ou outro meio capaz de angariar meios próprios de subsistência; incapacidade para tomar decisões quanto à gestão da sua vida; Incapacidade para manter uma conversa com nexo ou principio, meio e fim; amnésia, com alteração das capacidades de concentração, cognitiva e de controlo do humor; Irritabilidade e incapacidade para receber reforço empático com total incapacidade para exercer qualquer profissão por incapacidade intelectual e volitiva (oligofrenia) e bradipsiquismo; comportamento instintivo perturbado sem capacidade de discernimento adequado o que não permite exercer qualquer tipo de responsabilização profissional.” 3 - A resposta ao facto 31 da BI com base os relatórios periciais de fls. 358 e ss e de fls. 365 e ss deve ser alterada de “ Não Provado” para “Provado” uma vez que a necessidade de adaptação não só, com a nova realidade criada pelo “handicap” mas também com a dependência de ajuda de terceira pessoa, facilitando a quem ajuda a prestação dos cuidados, sendo que face à descrição da casa do recorrente feita pelo Sr. Perito no relatório de fls. 365 e ss resulta claro que para o terceiro que tiver de deitar, dar banho, alimentar, vestir, etc. etc. o A./Recorrente a ajuda ficará muito mais fácil com a adaptação do domicílio do A./Recorrente e a disponibilidade de ajudas técnicas. 4 - A resposta ao facto 32 da BI com base os relatórios periciais de fls. 358 e ss e de fls. 365 e ss deve ser alterada de “Não Provado” para “Provado” reproduzindo-se aqui mutatis mutandis as razões já aduzidas relativamente ao quesito 31. 5 - A resposta ao facto 33 da BI com base o relatório pericial de fls. 365 e ss deve ser alterada de “Não Provado” para “Provado que o custo de tais obras e equipamentos ascende a €24.180,00”, e nessa medida condenada a recorrida a pagar ao recorrente pelas obras de adaptação e ajudas técnicas a quantia de €24.180,00, acrescida de juros à taxa legal anual desde a citação até efetivo pagamento. QUANTO AO DIREITO 6 - Os factos assentes na sentença penal não podem ser objeto de discussão em posterior ação cível por parte daqueles, como é forçosamente o caso do aqui recorrente E…, ali arguido, em relação a quem já funcionou o princípio do contraditório, não tendo por isso o arguido, depois réu na ação cível, a possibilidade de elidir a presunção estabelecida pelo artigo 674-A do CPC. 7 - A fixação dos factos em processo-crime, no quadro de uma condenação definitiva, vale diretamente numa posterior ação cível na qual se discutam relações jurídicas dependentes dos factos que alicerçaram a afirmação da prática da infração penal, quando nessa ação cível sejam partes (autores e réus) os que tiveram intervenção como sujeitos processuais (arguidos ou assistentes) no processo penal, mas não só. É que, 8 - Muito embora a recorrida Seguradora não tenha sido parte na ação penal, mesmo assim não deve ser considerada terceiro neste autos cíveis para efeitos do disposto no artigo 674-A do CPC, não lhe sendo assim conferida a possibilidade de ilidir a presunção estabelecida nesta norma. 9 - Na verdade, dispondo o artigo 1º n.º 1 Dec. Lei 522/85 de 31 de dezembro (Lei do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel) sob a epígrafe “da obrigação de segurar” que: “Toda a pessoa que possa ser civilmente responsável pela reparação de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causadas a terceiros por um veículo terrestre a motor, seus reboques ou semirreboques, deve, para que esses veículos possam circular, encontrar-se, nos termos do presente diploma, coberta por um seguro que garanta essa mesma responsabilidade”, pelo que a responsabilidade da seguradora é tão só por substituição, a mesma responsabilidade do civilmente responsável pela reparação ou seja, a seguradora responde em vez e na vez do segurado. 10 - E sendo a mesma a responsabilidade, no caso da existência de sentença penal condenatória essa responsabilidade já está inilidivelmente definida. 11 - É que se assim não fosse, numa situação como a dos presentes autos em que simultaneamente são demandados o responsável civil (arguido já condenado) e a seguradora, poderia o Tribunal vir a ser colocado na posição de ter de apreciar duas responsabilidades fundada numa só conduta de um mesmo agente, a do responsável civil/arguido já definitivamente estabelecida pela ação penal, e a da respetiva seguradora como garante do responsável civil/arguido que até poderia, em teoria, (ilidindo a presunção em todo ou em parte) provar a ausência de responsabilidade do responsável civil/arguido. 12 - Ou seja no que à responsabilidade/culpa diz respeito, na presente ação o Tribunal na hora de quantificar a medida da responsabilidade do condutor segurado ver-se-ia na contingência de ter de lançar mão de dois pesos e de duas medidas, um para o recorrido/arguido na base dos 100% e outra para a respetiva Seguradora com base - como foi aqui o caso - em 60%. 13 - E não se diga que estamos aqui a violar o princípio do contraditório da Seguradora. É que a seguradora não pode contraditar um dos pressupostos da responsabilidade - a culpa - quando esta judicial e definitivamente já se encontra estabelecida, sob pena de admitirmos uma revisão encapotada e ilícita da decisão penal. 14 - De facto, sendo o juízo de culpa um juízo de censura, um juízo de desvalor dirigido ao agente, pela atitude que este expressa na prática de um determinado facto (quando lhe foi dada a possibilidade e se ter decidido diferentemente, de se ter decidido de harmonia com o direito em vez de se ter decidido como decidido, pelo ilícito), é nessa medida um juízo individualizado (tendo implícita a imputabilidade), indissociável da pessoa concreta. Por isso o juízo de censurabilidade terá que ser uno e logo não passível de pluriabordagens. Digamos que à Seguradora estará aberto o princípio de contraditório em todos aqueles aspetos da responsabilidade civil que não sejam pessoais do segurado (danos, o alcance dos danos etc. etc.) 15 - Temos assim que a Seguradora, mormente no que diz respeito à culpa, já definida em ação penal, não é terceiro para efeitos do artigo 674-A do Código de Processo Civil e nessa medida não podendo ilidir a presunção desta norma, deve responder com base na culpa exclusiva do recorrido E… na ação crime e não com base em concorrência de culpas. 16 - Porém, sem prescindir, mesmo que por mera hipótese se viesse a entender que a Seguradora é terceiro para efeitos do artigo 674-A do Código de Processo Civil, sempre teríamos de concluir que não logrou ilidir a presunção estabelecida por esse artigo e que bem pelo contrário ficou demonstrada a culpa exclusiva do recorrido E… na verificação do acidente. 17 – Apontando a decisão recorrida três “faltas estradais” - circulação sem luzes, falta de capacete de proteção e circular com o ciclomotor com o motor desligado - ao recorrente para se decidir pela concorrência de culpas e penalizá-lo com 40% de responsabilidade no acidente, o certo é que nenhuma destas pretensas “infrações” teve interferência direta no acidente. 18 - Desde logo a falta de iluminação do veículo do recorrente não teve interferência no acidente porque, o local tem iluminação pública; não é o local, nos termos artigo 19.º Código da Estrada, um local onde a visibilidade seja reduzida ou insuficiente pois os condutores podem avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura numa extensão de, pelo menos, 50 m; e finalmente porque como se refere na decisão penal, "não resulta da matéria de facto dada por assente que a falta de luzes do ciclomotor conduzido pelo mesmo C… esteve, causalmente, na origem do acidente em questão” 19 - Por outro lado, também a falta de uso de capacete de proteção também em nada contribuiu para o acidente, pois não ficou provado e é impossível saber em que medida, a falta de capacete foi determinante para as lesões sofridas pelo recorrente. De resto sendo esta questão uma questão de nexo de causalidade, com ela se relaciona a questão de saber se a falta de capacete contribuiu de maneira invencível para as lesões sofridas pelo recorrente. Ora não é possível afirmar, com toda a segurança, que todas as lesões traumáticas crâneo-encefálicas sofridas pelo autor seriam evitadas pelo uso de capacete de proteção, devidamente colocado na cabeça. 20 - Se a culpa da verificação do acidente cabe a terceiro, isto é, a um estranho ao veículo de duas rodas (condutor de um automóvel que o abalroou) não haverá razões para excluir ou, sequer, reduzir o montante indemnizatório em atenção à falta do capacete, pois não faz sentido que o terceiro beneficie de uma norma que se destina à proteção da vítima. 21 - O uso de capacete imposto aos condutores e passageiros de motociclos e velocípedes visa a sua proteção física e não afastar dos causadores de acidentes a responsabilidade pelos danos sofridos por aqueles, quando não sejam portadores de tal utensílio de proteção. 22 - Finalmente a sentença, para imputar uma parcela de culpa ao autor, aponta-lhe facto de circular com o motor desligado. Também aqui não assiste qualquer razão. É que não existe qualquer norma no código da estrada que imponha a obrigatoriedade aos ciclomotores de circularem com o motor ligado sendo que nada impede que um ciclomotor circule desligado tal como um velocípede 23 - Em suma, não se provou qualquer nexo de causalidade entre a falta de iluminação do ciclomotor, a não utilização de capacete de proteção e a circulação com o motor desligado e a verificação do acidente. 24 - Pelo contrário, com maior ou menor preponderância, na génese e causa do acidente estiveram as 4 infrações estradais praticadas pelo recorrido E… que exclusivamente com o seu comportamento: - Desrespeitou pelo sinal vertical de curva perigosa e contracurva e de proibição de ultrapassagem que lhe impunham um especial cuidado na condução no local. (alínea G dos factos assentes) - Desrespeitou pela linha longitudinal contínua marcada no pavimento. - Circulou fora da sua hemi-faixa de rodagem - Circulou com excesso de velocidade. 25 - E se é certo que todas estas infrações contribuíram para a ocorrência do acidente uma - a circulação fora da sua hemi-faixa de rodagem - foi a causal e determinante. É que poderia o recorrido E… ter praticado todas pretensas contraordenações que lhe são apontadas, como também o recorrente poderia ter praticado todas as contraordenações que lhe são assinaladas, que nunca o acidente teria ocorrido se não fosse o simples facto (contraordenação) de o segurado conduzir fora da sua mão, pela faixa destinada ao autor. 26 - Foi esta contraordenação (circulação fora de mão) que fez com que ambos os veículos se encontrassem num ponto e foi sem dúvida a contraordenação causal do acidente. 27 - De resto o MMº Juiz que proferiu a sentença condenatória penal junta a fls. 254 lapidarmente chega a essa conclusão quando refere “Assim, tivesse o arguido conduzido com as cautelas que se lhe impunham, designadamente com velocidade mais moderada e ocupando exclusivamente a hemi-faixa de rodagem que lhe estava destinada, e seguramente não teria colhido o ciclomotor tripulado pelo C…, não obstante este conduzir com o motor e as luzes de tal ciclomotor desligados.” 28 - Assim partindo do pressuposto de que a responsabilidade do acidente em questão nos autos coube exclusivamente ao recorrido E… entende o recorrente que os montantes indemnizatórios arbitrados na sentença recorrida são manifestamente desajustados face aos danos sofridos. 29 - Diga-se desde logo, sem prescindir da culpa exclusiva do recorrido E…, que a sentença (no pressuposto da concorrência de culpas) até ao quantificar os danos futuros comete um erro de cálculo ou de escrita, é que fixa a indemnização no montante de €107.395,00 mas depois no calculo em vez de fazer 60% de €107.395,00, faz 60% de €85.000,00 chegando assim a um valor indemnizatório de €51.000,00, quando 60% de €107.395,00 são €64.437,00. 30 - De qualquer forma o cálculo dos montantes indemnizatórios deverá ser efetuado com base na culpa exclusiva do recorrido E… e de acordo com o a seguir exposto: 31 - As rendas mensais e vitalícias objeto das alíneas a) e b) da decisão devem ser calculadas com base na culpa exclusiva do recorrido E… e não com base na concorrência de culpas. Por outro lado, 32 - É indiscutível que a incapacidade física do autor se reflete em previsíveis lucros cessantes, mas em valor que não poderá averiguar-se com exatidão, pelo que o cálculo da indemnização há de fazer-se essencialmente com recurso à equidade (artigo 566, nºs 1 e 3, do CC). 33 - A decisão recorrida deveria ter tomado por base o rendimento anual do autor à data do acidente, o seu grau de incapacidade parcial permanente, a sua idade e aos demais vetores acima referidos e assim fixar o rendimento perdido, procedendo finalmente à sua redução, decorrente da entrega do capital de uma só vez, de tal forma que o valor encontrado correspondesse a um capital (produtor de rendimento) que tendencialmente se extinguisse no final do período provável de vida do recorrente. 34 - Tendo em conta a factualidade provada, designadamente a incapacidade parcial permanente do recorrente, valorizada em 76 pontos, mas que de facto é de 100 pontos, pois não tem condições para fazer o que quer que seja nem cuidar de si (até está interdito), a sua idade (em 12.12.05, tinha 37 anos, sendo por isso de presumir ainda cerca de 37 anos de vida ativa, tomando como referência a remuneração salarial mensal (média) auferida pelo lesado à data do acidente (isto é, €385,90), sem esquecer os aumentos anuais que provavelmente já recebeu desde aquela data e que continuará a receber ao longo da sua vida ativa, chegaríamos a uma perda de ganhos da ordem dos €300.000,00. 35 - Poder-se-ia dizer que a este valor haveria que reduzir alguma percentagem, para evitar uma situação de enriquecimento sem causa, já que o recorrente vai receber de uma só vez todo o capital. Todavia, no caso concreto, atendendo ao valor (muito baixo) da remuneração-base, bem como à atual conjuntura económico-financeira, marcada pela prática generalizada de taxas de juros remuneratórios, muito baixas, entendemos não dever efetuar qualquer abatimento. 36 - Deveria por isso a decisão recorrida ter fixado, no mínimo em €300.000,00 o montante indemnizatório pelo dano patrimonial decorrente da incapacidade (permanente parcial) de ganho (calculado à data da citação). 37 - Considerando o «choque físico e emocional», naturalmente provocado pela violência do embate (o autor foi projetado sobre o para-brisas do GH e depois sobre o solo); as graves moléstias e as dores físicas (avaliadas em 4, numa tabela de grau 7); o sofrimento moral inerente à hospitalização (esteve internado cerca de 2 meses), as várias intervenções cirúrgicas a que foi submetido, o longo período de recuperação, a elevada probabilidade de agravamento das sequelas (que se poderá traduzir num aumento da sua IPP) e a perda de alegria de viver pois inclusivamente perdeu a capacidade de inter-relacionamento social e de constituir família, afigura-se-nos que será equitativo fixar em €50.000,00, a indemnização pelo dano não patrimonial (reportado à data da sentença). 38 - A decisão recorrida absolveu o recorrido E… dos pedidos uma vez que a condenação não ultrapassa os €600.000,00. Porém em rigor ele deveria ter sido condenado. 39 - Conforme se alcança dos pedidos e da condenação, o recorrente pediu indemnização (e em parte a sentença condena) em rendas mensais a pagar pela Seguradora ao autor. 40 - Ora, desconhecendo é certo, quantos anos ou meses vai durar o autor, ele pelo menos, em teoria, pode durar o tempo suficiente por forma a que com os pagamentos mensais que forem sendo feitos ao longo da sua vida, os €600.000,00 se esgotem. 41 - Pelo que o recorrido E… deveria ter sido condenado a pagar ao autor a renda mensal e vitalícia a partir do momento que se esgotem os €600.000,00, ou seja na última parte do pedido da alínea b) do pedido principal. 42 - Revogando-se a decisão proferida e proferindo-se acórdão que acolha as conclusões precedentes condenando nessa medida os RR/Recorridos. Quer a seguradora quer o réu responderam ao recurso da autora. A ré seguradora, em síntese, disse o seguinte: - Terceiro, para efeitos do disposto no artigo 674-A do CPC é aquele que não foi sujeito da relação processual penal; a seguradora, que não foi demandada no processo crime, é um terceiro. - A Mmª Juiz foi muito explícita na fundamentação das respostas sobre a dinâmica do acidente, sobre o que foi especialmente relevante o depoimento da testemunha H…, o dono do Café de onde o C… acabara de sair: por ele, C…, ainda teria bebido mais umas cervejas, disse esta testemunha. Como já era tarde e não lhe deu essa possibilidade, o C… montou a motorizada... para as ir beber noutro lado, mais abaixo! É neste contexto que ocorre o acidente sub judice... Neste contexto e neste país! Veja-se as contradições entre o que o suposto “patrão” do C… escreveu (fl. 292) e as explicações dadas em julgamento, sem o mínimo pudor! - Quanto à matéria do quesito 27 (ou, de forma mais abrangente, quanto às sequelas sofridas pelo autor – diz-se na douta sentença), justifica a Mmª Juiz a quo a sua resposta baseada: a) no relatório pericial de fl. 359 a 364, em conjugação b) com a documentação clínica referenciada em tal relatório e c) as declarações da testemunha I…, irmã do autor, e d) do J…, cunhado daquele; a autora pretende a alteração da resposta ao dito quesito apenas com o relatório pericial, ignorando os demais elementos de prova e não pode limitar-se a dizer que, segundo este ou aquele elemento de prova, a resposta deveria ter sido outra. O dito exame contém duas partes distintas: numa delas refere-se às QUEIXAS do examinando; a seguir refere-se ao EXAME OBJETIVO. Ora, a autora pretende que se altere a resposta ao quesito 27 com base nas suas QUEIXAS. Queixas que não têm correspondência no EXAME OBJETIVO, onde se começa por referir que “O examinando apresenta-se consciente, orientado, colaborante, com bom estado geral, idade aparente de harmonia com a idade real (…) marcha normal, sem apoio nem claudicação”, referindo depois as sequelas que o examinando apresenta e fazendo o seu enquadramento no Código Na0301 da respetiva Tabela (Anexo II do DL 352/07, de 23/10), ou seja por “3 – Perturbações cognitivas – Síndrome frontal: Na0301 – Perturbação grave (com apragmatismo e alterações graves da inserção social e familiar – valorizáveis entre 61 a 85 pontos” - cf DR de 23.10.2007, fls 7782/7783). Contra a alegada “incoordenação motora” (por ex.), reponde o Relatório com “marcha normal, sem apoio nem claudicação”. - Quesito 31: A Mmª. Juiz a quo fundamentou a sua resposta de “não provado” ao quesito. Também se nos afigura óbvia a sem razão da recorrente. O Sr. Perito do Relatório de fl. 367 não se pronunciou, nem tinha de pronunciar-se, sobre a capacidade física do autor C… para se mover ou locomover dentro do domicílio que lhe foi apontado. Essa capacidade, segundo o relatório pericial, não sofre limitações: a marcha é normal, sem apoio nem claudicação. Mas há ainda um segundo aspeto: é que a casa onde ele tem (tinha) o seu domicílio nem sequer era dele! Ora, é evidente que a autora (ou o autor) não pode pretender se façam obras numa casa onde apenas tem o seu domicílio, sem esclarecer de quem é essa casa e a que título aí tem o seu domicílio e, se é alheia, que as obras teriam o acordo do seu dono. Nada disto foi alegada e demonstrado, sendo óbvio que o tribunal nunca poderia impor obras numa qualquer casa em que o C… tivesse o seu domicílio. - QUESITO 32: O ali reclamado pressuporia uma pessoa acamada. Não é o caso do autor. - QUESITO 33: Não importa ao tribunal o custo de obras cuja necessidade de realização foi dada como não provada. E apenas com base num relatório, que parte do pressuposto errado de que a situação clínica do autor as tornava necessárias. A resposta está correta. - As luzes dos veículos motorizados desempenham, um duplo objetivo: ver e ser visto. As leis da ótica dizem-nos que nós vemos os objetos em função da luz que eles refletem. Isso significa três coisas: que há uma luz que incide sobre determinado objeto; que esse objeto reflete a luz; que a luz refletida vem na nossa direção e é suficientemente forte para ser captada pela nossa visão. Não basta, pois, demonstrar-se que o local era iluminado. Importaria demonstrar que a luz pública incidia sobre o motociclo e seu tripulante precisamente do lado voltado para o condutor do GH e que era suficientemente forte para ser refletida e captada; que a luz era refletida na direção do condutor do GH em termos de ele os poder ver à distância. Nada disso se provou. - O não uso de capacete constitui uma infração ao Código da Estrada. Essa infração faz presumir que resultaram do não uso do capacete aquelas lesões ou consequências que com o seu uso se pretendia evitar acontecessem. - Com o motor do motociclo desligado, o C… não poderia realizar qualquer manobra que o uso do motor implicaria, por exemplo a fuga para a sua meia faixa de rodagem, ante o aparecimento de um veículo automóvel na sua direção. - Considerando que o autor era um desempregado na data do acidente, ou, então, com 37 anos de idade, um simples “aprendiz” da arte da construção civil, o valor do s.m.n., o facto da antecipação do pagamento de um dano de longa duração, é ajustada a quantia de 85.000,00€ referida na douta sentença, só por lapso se tendo referido quantia superior. E também se afigura correta e ajustada ao caso concreto a arbitrada indemnização por danos não patrimoniais. O réu E… respondeu ao recurso da autora e, em simultâneo, ao da ré seguradora e diz o seguinte: 1 - Não assiste aos apelantes qualquer razão para interposição do presente recurso, na parte em que ao réu diz respeito. 2 - De facto muito bem julgou a Meritíssima Juíza a quo, quanto à divisão da responsabilidade na produção do evento, ou seja que existiu uma concorrência de culpas de ambos os condutores, o 2º réu e o representado da autora, lesado, em conformidade com o disposto no artigo 570, do Código Civil. 3 - Foi dado como provado que o condutor do ciclomotor, lesado, conduzia o seu veículo, no momento do acidente, de forma temerária e irresponsável 4 - Efetivamente o condutor do ciclomotor “PRD” saiu do parque de estacionamento do “K…” sem luz, sem capacete e sem acionar o motor, aproveitando o declive natural da estrada, de forma enviesada/oblíqua, contribuindo para a ocorrência do embate. 5 - A ausência de qualquer sinal luminoso do ciclomotor, contribui adequadamente para a ocorrência do embate, retardando a sua visualização por parte do condutor do veículo “GH” e a sua reação perante a aproximação de um obstáculo. 6 - As lesões ocorridas na cabeça do lesado foram agravadas devido à falta de capacete, sendo assim, esse agravamento, de imputar ao próprio condutor, por conduzir sem capacete. 7 - Conforme jurisprudência corrente, o não uso de capacete constitui uma infração ao Código da Estrada. Essa infração faz presumir que resultaram do não uso do capacete, aquelas lesões ou consequências que com o seu uso se pretendia evitar que acontecessem. E, 8 - O sinistrado não alegou, nem provou que as lesões sofridas se teriam verificado mesmo que usasse capacete. Ademais, 9 - Com o motor do motociclo desligado, não poderia nunca realizar qualquer manobra que o uso do motor implicaria, por exemplo a fuga para a sua meia faixa de rodagem, ante o aparecimento de um veículo automóvel na sua direção. 10 - Valorou muito bem a Meritíssima Juíza toda a prova carreada para os autos, reunindo todos os elementos probatórios suficientes para dizer que o condutor do veículo “PRD”, atuou em desrespeito pelas normas estradais, devendo prever a possibilidade de vir a ocorrer o acidente, revelando com a sua atitude uma omissão dos deveres de diligência exigíveis a qualquer condutor. 11 - Há pois que considerar a contribuição da vítima para o resultado que consistiu nos ferimentos sofridos na cabeça e na cara, pelo condutor do ciclomotor. 12 - Face a toda a factualidade valorada pela Meritíssima Juíza, considerou o Tribunal a quo, que existiu uma concorrência de culpas de ambos os condutores, em conformidade com o disposto no artigo 570, do Código Civil. 13 - Atentos os factos provados, fixou o Tribunal, em 60% a repartição da responsabilidade para o condutor do veículo “GR” e 40% para o condutor do ciclomotor “PRD”. 14 - O proprietário do veículo de matrícula ..-..-GH, havia transferido os riscos de circulação para a ré Companhia de Seguros, por contrato de seguro válido, titulado pela apólice n.º ………, pelo que face ao preceituado nos artigos 427 do Código Comercial e 5 º, al. a), do DL. 522/85, de 31/12, será sobre a Seguradora que impenderá a obrigação de indemnizar o lesado. 15 - Quanto à quantificação dos danos, constitui um manifesto exagero a indemnização peticionada pelo autor. 16 - Face ao que ficou provado também quanto aos danos e à divisão das responsabilidades na produção do sinistro, os valores a pagar ao autor não ultrapassam, nem podem ultrapassar, o capital Seguro de €600.000,00, pelo que a condenação no pagamento impende sobre a Seguradora, devendo manter-se o segundo réu fora de qualquer condenação. 1.2.2 – Recurso da ré seguradora A apelante recorre igualmente de facto e de direito e formula as seguintes conclusões: 1 - É do conhecimento geral que as luzes dos faróis dos automóveis de noite, de frente para o observador, não lhe permitem uma real perceção quer da velocidade quer da sua posição na faixa de rodagem; 2 - O testemunho, naturalmente falível, do H… não pode sobrepor-se às marcas de derrapagem do GH assinaladas no esboço da GNR, que apontam para uma velocidade não superior a 50 kms/h e que só no fim dessa derrapagem o GH invadiu a faixa de rodagem contrária; 3 - Nesse sentido devendo alterar-se as respostas aos quesitos 2 e 7 e 3 e 8 e reconhecer-se que o acidente se produziu por culpa exclusiva do C…, condutor do motociclo, ou em percentagem não inferior à do condutor do GH, nesse sentido se alterando as indemnizações em que vem condenada; 4 - À percentagem de culpa atribuída ao C… na produção do acidente (pelas razões expostas na douta sentença e aqui dadas como reproduzidas), deve acrescer percentagem não inferior a 15% no tocante à responsabilidade pela indemnização dos danos por si sofridos, por não fazer uso do capacete de proteção, que presumivelmente teria evitado as lesões crânio-encefálicas que sofreu ou a sua gravidade; 5 - Não é aceitável mandar indemnizar despesas futuras com uma terceira pessoa sob a forma de renda vitalícia ou despesas médico-medicamentosas de que o C… porventura carecer. Pelo que a condenação nas rendas vitalícias de 240,00 + 60,00€ deve ser alterada no sentido da condenação da ré nessas despesas mensais contra o respetivo comprovativo; 6 - Não se justifica a condenação da ré em juros desde a citação sobre a quantia de 51.000,00€ (pela IPP de que o C… ficou a padecer), por se tratar de danos de verificação futura mas indemnizados antecipadamente e de uma só vez, pelo que os juros serão devidos apenas a partir da decisão que fixar essa indemnização; 7 - Certo ainda, como se diz na douta sentença, que a essa quantia indemnizatória deverão ser abatidas as pensões que o autor, que se encontra reformado (fl. 360 supra), vier recebendo da Segurança Social; 8 - Deve reconhecer-se e ficar assente que as indemnizações pagas pela recorrente, quer ao sinistrado C…, quer aos estabelecimentos hospitalares e em tratamentos médico-medicamentosos, não poderão exceder, no seu conjunto, o capital seguro de 600.00,00€ [ut alínea J) da matéria assente] Ao recurso da ré seguradora respondeu o réu (como já se disse) mas igualmente a autora, entendendo esta o seguinte: - Por razões de economia processual, dá aqui por reproduzidas as alegações/conclusões formuladas no recurso por si interposto, de onde resulta que o recurso interposto pela recorrente Companhia de Seguros só poderá soçobrar. De facto, - Carece de fundamento, com exceção do segmento do recurso que vai de encontro ao alegado pela recorrida: não se sabendo quantos anos ou meses vai durar o autor, ele pelo menos, em teoria, pode durar o tempo suficiente por forma a que, com os pagamentos mensais que forem sendo feitos ao longo da sua vida, os €600.000,00 se esgotem, razão pela qual o recorrido E… deveria ter sido condenado a pagar a renda mensal e vitalícia a partir do momento que se esgotem os €600.000,00, ou seja na última parte do pedido da alínea b) do pedido principal. Vejamos - Com exceção da alteração de matéria de facto propugnada no recurso por si interposto, nenhuma alteração há a produzir. Na verdade, desde logo, afigura-se que a recorrente ao pretender impugnar a resposta à matéria de facto, não obedeceu ao preceituado no artigo 690–A, nº 2 do CPC aplicável, pelo que esta parte o recurso deve ser rejeitado, mas, mesmo que assim não se entenda, nenhuma alteração há a produzir, ou seja não houve qualquer erro sobre a apreciação daquela matéria de facto. Na verdade - De nenhum dos depoimentos prestados em audiência de julgamento ou dos outros meios de prova produzidos nestes autos, se pode retirar resposta diferente da que foi dada aos quesitos (tão pouco do “documento” junto agora nas alegações pela recorrente, o qual, obviamente, se bem que perfeitamente inócuo, não deve ser admitido). - Como defende a aqui recorrida, efetivamente a douta sentença recorrida andou mal quanto à divisão das responsabilidades, mas não no sentido preconizado pela recorrente Companhia de Seguros. De facto e desde logo, a Seguradora, mormente no que diz respeito à culpa, já definida em ação penal, não é terceiro para efeitos do artigo 674-A do CPC e nessa medida não podendo ilidir a presunção desta norma, deve responder com base na culpa exclusiva do recorrido E… na ação crime e não com base em concorrência de culpas. - Sem prescindir, sempre teríamos de concluir que não logrou ilidir a presunção estabelecida pelo artigo 674-A do CPC e que bem pelo contrário ficou demonstrada a culpa exclusiva do recorrido E…. Apontando a decisão três “faltas estradais” - circulação sem luzes, falta de capacete de proteção e circular com o ciclomotor com o motor desligado - ao autor para se decidir pela concorrência de culpas e penaliza-lo com 40% de responsabilidade no acidente, o certo é que nenhuma destas pretensas “infrações” teve interferência direta no acidente. - A falta de uso de capacete de proteção também em nada contribuiu para o acidente, pois não ficou provado e é impossível saber em que medida, a falta de capacete foi determinante para as lesões sofridas pelo autor. Se a culpa da verificação do acidente cabe a terceiro isto é, a um estranho ao veículo de duas rodas não haverá razões para excluir ou, sequer, reduzir o montante indemnizatório em atenção à falta do capacete, pois não faz sentido que o terceiro beneficie de uma norma que se destina à proteção da vítima. - Ficaram provadas, com maior ou menor preponderância, que na génese e causa do acidente estiveram as 4 infrações estradais praticadas pelo recorrido E…. - No que tange à questão da terceira pessoa e nas despesas médico – medicamentosas (com exceção da questão do capital seguro de 600,000,00 como já se referiu), não assiste qualquer razão à Companhia de Seguros, sendo descabido pretender-se que tais despesas sejam pagas mediante o respetivo comprovativo, o que contrariaria o espírito da Lei que prevê, precisamente para esses casos, as rendas vitalícias, - Pretende, ainda, a Companhia de Seguros que sobre os montantes indemnizatórios fixados quer pela IPP quer pelos danos patrimoniais sejam contados, o primeiro a partir da sentença que os fixar e o segundo a contar da “presente data”. Como resulta do recurso interposto pela aqui recorrida, esta naquele seu recurso não se conforma com os valores que lhe foram fixados pelo dano patrimonial decorrente da incapacidade (permanente parcial) de ganho nem com o valor fixado pelos danos não patrimoniais. Não obstante, conformou-se que os juros sobre o valor indemnizatório a fixar pelos danos não patrimoniais sejam reportados à data da sentença. E a sentença também não merece qualquer reparo ao condenar que sobre o montante que vier a ser fixado pela incapacidade parcial permanente, os juros sejam contados desde a data citação, pois a sentença não procedeu a qualquer atualização do montante indemnizatório e como já vem sendo entendimento dominante na nossa jurisprudência, de harmonia com o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 4/2002 de 9 de maio, se na sentença proferida no Tribunal de 1ª Instância não constar referência ao cálculo da indemnização por via de atualização à data da referida sentença, os juros de mora devidos pela entidade responsável são contados desde a data da citação dos réus. - Finalmente, a conclusão 7.ª não pode obter qualquer acolhimento, já que da parte decisória da sentença nada resulta nesse sentido, e desse aspeto da sentença, a Companhia de Seguros não recorreu. Ambos os recursos foram recebidos nos termos legais e os autos correram Vistos. Nada obsta, como melhor veremos, ao conhecimento das apelações. 1.3 - Objeto dos recursos 1.3.1 – Recurso da autora Definido pelas conclusões da apelante, o objeto do recurso da autora é o seguinte: 1.3.1.1 - Se devem ser alterados os factos (não provados ou apenas parcialmente provados) constantes dos pontos da Base Instrutória 27, 31, 32 e 33. 1.3.1.2 – Se a condenação penal do réu, segurado, se reflete na pretendida condenação da seguradora. 1.3.1.3 – Se há culpa exclusiva do réu segurado, por via da condenação penal ou em razão dos factos apurados nestes autos. 1.3.1.4 – Se, assim não sendo, deve ser outra a repartição de responsabilidade. 1.3.1.5 – Se deve ser alterado o montante da indemnização dos danos sofridos. 1.3.1.6 – Se o réu segurado deve ser condenado. 1.3.2 – Recurso da ré seguradora Definido pelas conclusões da ré seguradora, o objeto do seu recurso – sem embargo das duas questões prévias que se enunciam) é o seguinte: 1.3.2.1 – Se deve ser admitida a junção do documento apresentado com as alegações (questão prévia). 1.3.2.2 - Se deve ser reapreciada a matéria de facto (questão prévia) 1.3.2.3 – Se deve ser alterada a matéria de facto constante dos pontos (quesitos) 2º e 7º e 3º e 8º. 1.3.2.4 – Se o representado da autora é o único culpado do acidente ou deve ser diversa a repartição da culpa. 1.3.2.5 – A condenação nas rendas vitalícias de 240,00 + 60,00€ deve ser alterada no sentido da condenação da ré nessas despesas mensais contra o respetivo comprovativo. 1.3.2.6 - Se os juros não são devidos nos termos fixados. 1.3.2.7 – Se deve declara-se expressamente que a ré seguradora só responde até 600.00,00€ e o reflexo dessa declaração na absolvição do réu segurado. 2 – Fundamentação 2.1 – Fundamentação de facto Sem prejuízo da reapreciação da matéria de facto, suscitada em ambos os recursos (antecedida, quanto à seguradora da sua prévia admissibilidade), transcrevemos a que se deixou fixada na decisão da 1.ª instância: 1 - No dia 12 de dezembro de 2005, pelas 0h30, na Rua …, que liga … a …, em frente ao restaurante “K…”, freguesia de …, em Paredes, ocorreu a colisão entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula “..-..-GH”, tripulado pelo 2º Réu, e o ciclomotor de matrícula “2-PRD ..-..”, tripulado pelo Autor. (A) 2 - O "GH” seguia no sentido …/…. (B) 3 - No local a estrada configura uma curva para a direita atento o sentido …/…. (C) 4 - A faixa de rodagem está dividida em duas hemi-faixas por uma linha longitudinal contínua marcada a branco no pavimento. (D) 5 - O piso é em alcatrão e encontrava-se seco, sem óleo ou areia. (E) 6 - O local tem iluminação pública. (F) 7 - À data e imediatamente antes do local da colisão para quem segue no sentido …/…, existia um sinal vertical de curva perigosa e contracurva e de proibição de ultrapassagem. (G) 8 - O parque de estacionamento do restaurante “K…” fica situado à direita do seu sentido de marcha. (H) 9 - O Autor nasceu em 13/4/1968. (I) 10 - À data a responsabilidade pelos danos resultantes da circulação do “GH” encontrava-se transferida para a Ré Seguradora, até ao capital de 600.000,00€, conforme titulado pela apólice de seguro nº 609225243. (J) 11 - O “PRD” saiu do parque de estacionamento do “K…” de forma enviesada/oblíqua para a sua esquerda no sentido de … e quando se encontrava a circular a meio da via e se preparava para entrar na hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido … – …, surgiu o veículo “GH”. (1.º e 9.º) 12 - O 2º réu circulava sobre o eixo da via e, por via disso, ocupava parcialmente a hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido Cete – Mouriz. (2º e 7º) 13 - Circulava a velocidade não inferior a 60 Km/h. (3º e 8º) 14 - O embate ocorreu entre a frente esquerda do veículo “GH” e a roda da frente do “PRD”, a 3 metros do limite da faixa de rodagem direita, atento o sentido … – …. (4º e 5º) 15 - Após o embate, o Autor foi projetado sobre o para-brisas do “GH” e depois sobre o solo. (11) 16 - O “PRD” seguia sem luz e circulava sem ter acionado o motor, aproveitando o declive natural da estrada. (12º) 17 - O Autor circulava sem capacete de proteção. (13º) 18 - No local da colisão, a estrada tem 8,10 metros de largura. (14º) 19 - Em consequência da colisão, o Autor sofreu as seguintes lesões: a) TCE grave (Glasgow 5); b) Politraumatismos; c) Edema cerebral difuso, contusões hemorrágicas bifrontais e hemorrogia subaracnoideia; d) Fraturas na face; e) Fratura com afundamento dos ossos da face do lado esquerdo; f) Hidrocefalia; g) Múltiplas escoriações pelo corpo. (15º) 20 - Por causa das lesões referidas, o autor foi assistido pelo INEM no local do acidente. (16º) 21 - Foi transportado de imediato ao “Hospital F…” no Porto. (17º) 22 - Esteve internado no “Hospital F…” na UCI até ao dia 31/12/2005. (18º) 23 - Nessa data foi transferido para o serviço de Neurocirurgia do mesmo Hospital. (19º) 24 - O autor apresentava hidrocefalia com sinais de atividade. (20º) 25 - Por tal facto foi operado nesta unidade hospitalar em 6/1/2006 para colocação de Shunt ventríluco peritonial de média pressão à direita, com anestesia geral. (21º) 26 - Teve alta do Hospital F… em 19/1/2006. (22º) 27 - Nesse dia foi transferido para o “Hospital G…”, onde permaneceu até ao dia 3/2/2006. (23º) 28 - Em 3/2/2006 foi transferido para o “Hospital L…”. (24º) 29 - O autor realizou tratamentos de fisioterapia e recuperação. (25º) 30 - O autor apresenta assimetria do rosto com afundamento da hemiface direita e desvio da comissura labial e do nariz para a direita e cicatriz cirúrgica com 4,5 cms de comprimento na face lateral direita do pescoço. (27º) 31 - O autor teve uma incapacidade geral total desde 12/12/2005 até 3/2/2006 (54 dias) e apresenta uma incapacidade permanente geral fixável em 76 pontos, sendo as sequelas impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional. (28º) 32 - O autor trabalhava como trolha para M…. (29º) 33 - Auferia mensalmente quantia não concretamente apurada, mas não inferior ao ordenado mínimo nacional. (30º) 34 - O autor necessita e necessitará para o resto da vida de uma pessoa que o auxilie na execução das tarefas de limpeza da casa, cozinhar alimentos, gerir os seus haveres e tomar decisões. (34º e 35º) 35 - Para ter uma pessoa que o acompanhe terá de pagar a quantia de 400,00€/mês. (36º) 36 - O autor necessitará de acompanhamento médico e medicamentoso, tendo de suportar despesas não concretamente apuradas. (37º e 38º) 37 - O autor em 27/3/1993 esteve internado no Hospital F… do Porto após traumatismo crânio-encefálico, tendo ficado com sequelas de “contusão cerebral frontal esquerda”. (39º) 38 - Era pessoa alegre e bem disposta. (40º) 39 - Os tratamentos a que o autor teve de se submeter causaram-lhe dores, tristeza e medo. (41º) 40 - Dores que se mantêm e irão manter no futuro nos locais lesionados sempre que há mudança de tempo. (42º) 41 - O Autor perdeu a capacidade de inter-relacionamento social e de constituir família. (43º) 42 - Está deprimido e triste, sem gosto pela vida. (44º) 43 - O “Hospital F…, E.P.E.” prestou ao Autor os atos de assistência médica discriminados na fatura n.º 6015096 junta aos autos a fls. 146 a 149. (47º) 44 - O custo da assistência prestada pelo “Hospital F…, E.P.E.” ao Autor ascende a 10.033,84€. (48º) 45 - O “Hospital G…, EPE” prestou ao Autor os serviços e tratamentos discriminados no processo clínico do doente e na ficha de urgência, na nora de alta e no relatório médico juntos aos autos a fls. 157 a 160. (49º) 46 - O custo total da assistência prestada pelo “Hospital G…, EPE” ascende a 1.410,55€. (50º) 47 – C… foi declarado interdito por sentença proferida no Processo nº 1897/06.6TBPRD que correu termos no 2º Juízo Cível deste Tribunal Judicial de Paredes Tribunal, tendo a autora B… sido nomeada como tutora. (cf. doc. de fls. 210 a 216). 2.2 – Reapreciação da matéria de facto e aplicação do direito 2.2.1 – Questões prévias suscitadas pelo recurso da ré seguradora Seguimos esta ordem de apreciação, porquanto se trata de verdadeiras questões prévias, perfeitamente autónomas em relação ao recurso apresentado pela autora. 2.2.1.1 – Junção de documento Com o seu recurso, a ré seguradora juntou aos autos uma fotocópia de uma anotação que apresenta o "Quadro de distâncias de paragem para travões hidráulicos e de disco" (fls. 537). A este documento refere-se a recorrente no ponto 2. da sua minuta de recurso, quando, imediatamente antes de pretender que "não pode dar-se como provada, em resposta à matéria dos quesitos 3º e 8º, que o GH circulava a velocidade não inferior a 60Km/h", vem dizer que (e citamos) "de acordo com as tabelas que se ocupam da matéria, uma derrapagem de 11,20ms de extensão indicia uma velocidade não superior a 50Km/h (vg cópia adiante junta, extraída do Cod. da Estrada de Júlio Serras)." A autora, na resposta ao recurso da ré seguradora (fls. 553) veio dizer que de nenhum dos depoimentos prestados em audiência ou de outros meios de prova se pode retirar resposta diversa da que foi dada aos quesitos e, sublinhando, acrescenta que o mesmo também se não pode retirar do documento junto com as alegações, "o qual, obviamente, se bem que perfeitamente inócuo, não deve ser admitido". Vejamos. Os presentes autos são anteriores à entrada em vigor do DL. 303/2007 e, por isso, na redação que aqui deve aplicar-se, e como decorre do artigo 706, n.º 1 do CPC, as partes podem juntar documentos com as alegações nos casos a que se refere o artigo 524[3] ou – ou seja, e ainda – "no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância". No caso presente, tendo em conta a matéria sobre que versa o documento e a temporalidade do mesmo, é manifesto e claro que não nos encontramos perante a possibilidade consentida pelo citado artigo 524. Mas será que o documento podia ser junto em razão da decisão da 1.ª instância? Também aqui nos parece manifesto que a resposta só pode ser negativa: a previsão da parte final do artigo 706 tem o seu campo de aplicação aos casos em que a necessidade do documento que se pretende juntar era imprevisível antes da decisão final. Ora, no caso em apreço, o que a seguradora recorrente pretenderá, com a aludida junção, é por em causa – ainda que muito duvidosamente – a decisão da matéria de facto, no que à velocidade imprimida ao veículo pelo condutor do veículo segurado respeita. Ora, independentemente da validade do documento que se pretende juntar[4] para se alcançar esse desiderato (que a não tem, acrescente-se, porquanto traduz apenas referência abstratas) o certo é que, processualmente, não estamos em ocasião que permita a junção, já que o mesmo, podendo – ainda que duvidosamente – ter sido um elemento coadjuvante da prova, não pode agora minimamente contribuir para uma alteração dos factos relevantes ponderados na decisão. Pelo exposto, não se admite a junção e, a final, ordenar-se-á o desentranhamento do documento de fls. 537 e a condenação da apresentante em multa (artigo 543, n.º do CPC). Prosseguindo. 2.2.1.2 – Requisitos da impugnação da matéria de facto No seu recurso, a seguradora pretende, além do mais, a reapreciação da matéria de facto, porquanto entende – e citamos – que "o testemunho, naturalmente falível, do H…, não pode sobrepor-se às marcas de travagem do GH, assinaladas no esboço da GNR, que apontam para uma velocidade não superior a 50Kms/h e que só no fim dessa travagem o GH invadiu a faixa de rodagem contrária"; considera que "é do conhecimento geral que as luzes dos faróis de noite, de frente para o observador, não lhe permitem uma real perceção quer da velocidade quer da posição na faixa de rodagem". E termina, formulando a pretensão: "nesse sentido devendo alterar-se as respostas aos quesitos 2º e 7º e 3º e 8º, e reconhecer-se que o acidente se produziu por culpa exclusiva do C…, condutor do motociclo, ou em percentagem não inferior à do condutor do GH". Entende a autora (recorrida, nesta parte) que o recurso, no que respeita à pretensão de ser reapreciada – e alterada – a matéria de facto, não obedece aos requisitos legais e não deve, por isso, ser conhecido. Vejamos. Nos termos do artigo 690-A do CPC, quem impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto tem que obrigatoriamente especificar (sob pena de rejeição), quais os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo de gravação, que impunham decisão diversa. Neste último caso, quando os meios probatórios hajam sido gravados, o recorrente (igualmente sob pena de rejeição) tem que indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na ata. No caso presente, tem que se aceitar que a recorrente não tinha que indicar a referência da ata, respeitante ao depoimento em que funda a sua impugnação (pois a gravação foi digital e a ata não permite essa mesma referência), mas verificamos uma omissão do depoimento em causa; ou seja, a recorrente diz que o testemunho de determinada testemunha (H…) é naturalmente falível e não pode sobrepor-se ao esboço da GNR, mas não diz qual é aquele testemunho. Não deixa, no entanto, nomeadamente nas conclusões das suas alegações, de citar os factos em crise e, por outro lado – ainda que precariamente – não podemos deixar de considerar implícita a afirmação (testemunho) que se questiona, pois percebe-se suficientemente que se refere à velocidade imprimida ao veículo. Porque assim, apreciar-se-á, também nessa parte, o recurso da seguradora. Prosseguindo. 2.2.2 - Recurso da autora 1.3.1.1 - Se devem ser alterados os factos (não provados ou apenas parcialmente provados) constantes dos pontos da Base Instrutória 27, 31, 32 e 33. O primeiro ponto, entende a recorrente[5], deve ser alterado, passando de provado "apenas que o autor apresenta assimetria do rosto com afundamento da hemi-face direita e desvio da comissura labial e do nariz para a direita e cicatriz cirúrgica com 4,5 cms de comprimento na face, lateral direita do pescoço" para "provado apenas que o autor apresenta: assimetria do rosto com afundamento da hemi-face direita e desvio da comissura labial e do nariz para a direita e cicatriz cirúrgica com 4,5 cms de comprimento na face lateral direita do pescoço; afetação grave e permanente das sua capacidades intelectuais e cognitivas, com incapacidade para gerir seus bens e vida pessoal ou qualquer atividade profissional, ou outro meio capaz de angariar meios próprios de subsistência; incapacidade para tomar decisões quanto à gestão da sua vida; incapacidade para manter uma conversa com nexo ou princípio, meio e fim; amnésia com alteração das capacidades de concentração, cognitiva e de controlo do humor; irritabilidade e incapacidade para receber reforço empático com total incapacidade para exercer qualquer profissão por incapacidade intelectual e volitiva (oligofrenia) e bradipsiquismo; comportamento instintivo perturbado, sem capacidade de discernimento adequado, o que não permite exercer qualquer tipo de responsabilidade profissional[6] ". A resposta ao ponto 31, por sua vez, deve ser alterada de "Não Provado" para "Provado", com base nos relatórios periciais de fls. 358 e ss. e de fls. 365 e ss., uma vez que "a necessidade de adaptação não só, com a nova realidade criada pelo “handicap” mas também com a dependência de ajuda de terceira pessoa, facilitando a quem ajuda a prestação dos cuidados, sendo que face à descrição da casa do recorrente feita pelo Sr. Perito no relatório de fls. 365 e ss resulta claro que para o terceiro que tiver de deitar, dar banho, alimentar, vestir, etc. etc. o A./Recorrente a ajuda ficará muito mais fácil com a adaptação do domicílio do A./Recorrente e a disponibilidade de ajudas técnicas". Quanto à resposta ao facto 32, a recorrente (ainda com base nos relatórios periciais de fls. 358 e ss. e de fls. 365 e ss.) entende que deve deixar de ser "Não provado" e passar a "Provado", pelas mesmas razões que apontou em relação ao ponto de facto anterior. Por fim, a resposta ao facto 33 deve passar de "Não Provado" para "Provado que o custo de tais obras e equipamentos ascende a 24.180,00€", com base no relatório pericial de fls. 365 e ss. Os quesitos aqui em causa tinham o seguinte teor: 27º - O Autor apresenta: a) Perda de funções cerebrais de modo irreversível e desaparecimento de faculdades mentais e desinteresse pelo ambiente; b) Ausência de níveis cerebrais superiores, como memória, raciocínio e outros; c) Disfonia; d) Incontinência por perturbações dos esfíncteres; e) Incoordenação motora, só podendo deslocar-se cm o auxílio de terceira pessoa; f) Afasia; g) Alexia; h) Agrafia; i) Tremores; j) Hemiparesia esquerda, mais défice motor global; k) Desfiguração da face; l) Perda da função sexual e da capacidade para procriar; m) Terá durante toda a vida de suportar um Shunt ventrículo peritoneal. 31º - Por causa das sequelas do acidente, o Autor terá de realizar obras de adaptação do seu domicílio, com é o caso da colocação de rampas e ascensores. 32º - E terá de adquirir uma cama articulada, uma mesa de cabeceira com bandeja, uma cadeira com elevador, um assento e sanita com elevador autónomo, uma barra rebatível para sanita, barras para parede, apoio de entrada e saída de banheira, um elevador de banheira e uma cadeira de rodas elétrica. 33º - O custo de tais obras e equipamentos ascende a 25.000,00€. Como resulta claro do recurso da autora, estão identificados os concretos pontos em relação aos quais as respostas devem ser alteradas e os meios probatórios são apenas, no seu entendimento, os que resultam da prova pericial. Não aponta a recorrente qualquer depoimento testemunhal que deva ponderar-se, seja no sentido de confirmar as respostas, seja no sentido de as alterar. A seguradora, no entanto, na resposta ao recurso, faz ver que a matéria em questão foi considerada (parcialmente) provada e "não provada" com base nos documentos periciais, é certo, mas igualmente no depoimento testemunhal e explica a razão porque deve ser mantida a factualidade fixada na 1.ª instância[7]. Na fundamentação da matéria de facto, finalmente, a 1.ª instância, a este propósito, escreveu que "Os factos relativos às sequelas sofridas pelo autor e necessidade de acompanhamento de terceira pessoa basearam-se no relatório pericial elaborado pelo Instituto de Medicina Legal, junto a fls. 359 a 364, em conjugação com a documentação clínica junta aos presentes autos referenciada em tal relatório pericial em conjugação com as declarações das testemunhas I…, irmã do autor, e J… cunhado daquele (…) A resposta negativa dos factos 31º a 33º baseou-se no aludido relatório pericial elaborado pelo Instituto de Medicina Legal onde se refere expressamente que “o examinado apresenta marcha normal, sem apoio nem claudicação”. Não obstante o exame pericial de fls. 367 e ss. relativo ao custo da adaptação da residência do autor, entendemos que não se provou que aquele tenha dificuldades de locomoção que justifiquem a realização de obras em sua casa. Os factos não provados ficaram a dever-se à ausência de prova credível". Decorre do antes referido que importará, na reapreciação da prova pretendida pela autora, analisar os documentos (perícias) para onde remete e, bem assim, os depoimentos testemunhais antes identificados. A propósito da questão (o estado do sinistrado, consequente ao acidente), a testemunha I… (irmão do autor e da "autora" e pessoa que vem acompanhando e ajudando o primeiro) revelou, naturalmente, um conhecimento direto. Salienta-se, do seu depoimento gravado (ficheiro n.º 20101129162104), que o irmão esteve a ser tratado, pelo menos um mês no Hospital F… e aí foi operado "para meter um dreno"; veio depois para o Hospital G… e daí para a L… (min. 1.55). Sobre o seu estado referiu que "ele está um menino, nunca recuperou a consciência, não sabe como andar vestido, não sabe cuidar da higiene, sozinho não é capaz de nada… só deixou a fraldinha; vê mal, ouvir ouve pouco e o melhor ainda é o falar, mas não é perfeito: precisa de uma pessoa para tudo" (3.30). Disse ainda que o seu irmão não sabe ligar o fogão (o que antes -. Do acidente – fazia e depende das irmãs para tudo (3.50; 4.40). Antes era uma pessoa alegre – disse ainda, mas agora manifesta-se muito quieto, sem deitar uma lágrima (mesmo quando parece que está a sofrer ou tem dores (5.40). Tem bastante medicação e os calmantes até já foram aumentados porque ele fica(va) muito agressivo (6.00). O marido da autora, cunhado do autor, J… (ficheiro n.º 20101129154556 – 101815 – 64887) sabia que ele esteve no hospital, nomeadamente no Porto onde esteve internado um mês, quase dois (min. 8.10) Veio para Penafiel, para o Hospital e depois para a L… (8.30). Considera que ele "está uma criança, à mercê das irmãs" (8.50); "chega à beira da irmã e pede-lhe dinheiro, é uma criança; se lhe prometerem um rebuçado vai; não toma banho se não lhe disserem para o fazer e não tem noção de precisar de ir ao médico" (9.15; 9.58). Acha que ele necessita de auxílio e de acompanhamento médico (11.20) e a medicação já teve de ser mudada, pois "até bateu na irmã, quando a medicação ficou fraca" (11.50). Além destes depoimentos devemos considerar os documentos para os quais a recorrente remete, pretendendo a alteração dos factos apurados. O relatório pericial de fls. 358 e ss. é o "Relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil", elaborado pelo Gabinete Médico-Legal de Penafiel. Começa pela "Informação", onde dá conta da "história do evento", de acordo com a descrição feita pelo examinado (autor) e pela sua irmã. Refere, de seguida os "Dados documentais[9] " e os seus antecedentes. Em relação ao "Estado Atual" (2.ª parte do Relatório) separam-se as queixas do exame objetivo. Quando às primeiras (referidas pelo examinado), o relatório dá conta de "postura, deslocamentos e transferências: sem alterações: manipulação e preensão: sem alterações; comunicação: incapacidade para manter uma conversa com nexo ou princípio, meio e fim. Está muito amnésico, com alteração das capacidades de concentração, cognitiva e de controlo de humor. Irrita-se facilmente com terceiros, particularmente se não conseguir receber reforço empático. Tem dias melhores e dias piores em que se torna irritadiço e em que a irmã tem de lhe dar mais apoio; Cognição e afetividade: afetação grave e permanente das suas capacidades intelectuais e cognitivas, com incapacidade para gerir seus bens ou vida pessoal ou qualquer atividade profissional, ou outro meio capaz de angariar meios próprios de subsistência. Não tem capacidade para tomar decisões quanto à gestão da sua vida; Controle de esfíncteres: sem alterações; Sexualidade e procriação: sem alterações; Fenómenos dolorosos: sem alterações; Outras queixas a nível funcional: Diminuição da acuidade auditiva". Acrescenta depois o Relatório – ainda no domínio das queixas, e agora a "nível situacional" – o seguinte: "- Atos da vida diária: consegue comer sozinho, vestir-se e tratar da sua higiene pessoal. No entanto há dias que não consegue efetuar estas tarefas (fica totalmente abúlico). Carece de apoio de terceira pessoa para arrumar a casa, limpeza da roupa, cozinhar os alimentos, gerir os seus haveres e tomar decisões. Atualmente é apoiado pelo Centro de Dia … ao meio dia e ao jantar é apoiado pela irmã. - Vida afetiva, social e familiar: Incapacidade para manter uma conversa com nexo ou princípio meio e fim. Está muito amnésico, com alterações das capacidades de concentração, cógnita e do controlo do humor. Irrita-se facilmente com terceiros, particularmente se não conseguir receber reforço empático. - Vida profissional ou de formação: total incapacidade para exercer qualquer profissão por incapacidade intelectual e volitiva (oligofrenia) e bradipsiquismo. Mantém comportamento instintivo perturbado sem capacidade de discernimento adequado o que não permite exercer qualquer tipo de responsabilidade profissional". Quanto ao "Exame Objetivo", o Relatório refere-nos o seguinte: "(…) apresenta-se consciente, orientado, colaborante, com bom estado geral, idade aparente de harmonia com a idade real. O examinando é dextro e aparenta marcha normal, sem apoio nem claudicação. Apresenta as seguintes sequelas: - Crânio: sem alterações. - Face: assimetria do rosto com afundamento da hemi-face direita e desvio da comissura labial e do nariz para a direita. - Pescoço:: cicatriz cirúrgica com 4,5 cms de comprimento na face lateral direita do pescoço. - Ráquis: sem alterações. - Tórax, Abdómen, Períneo, Membros superiores e Membros inferiores: sem alterações." O Relatório passa, em seguida à "Discussão"[10] e conclui o seguinte: "- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 19.01.2006. - Período de incapacidade temporária geral total fixável num período de 54 dias. - Quantum doloris fixável em grau 4. - Incapacidade permanente geral fixável em 76 pontos de acordo com a novas legislação de avaliação do dano em Direito Civil. - As sequelas referidas são, em termos de rebate profissional, impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional. - Dependência de ajuda de terceira pessoa, ajudas medicamentosas e ajudas técnicas". O Relatório de fls. 365 e ss., por sua vez, é um relatório pericial, elaborado por engenheiro civil, e destinado a responder aos quesitos 31 a 33. Neste relatório, o Sr. Perito começa por esclarecer que responde apenas à questão da determinação do custo da adaptação da residência e necessários equipamentos, "caso se revelem necessários": o perito é licenciado em engenharia civil, "não possuindo conhecimentos técnicos para apurar se o autor terá de realizar obras em consequência das sequelas decorrentes do acidente que o vitimou". Por isso, o Perito responde aos quesitos "considerando a necessidade de ser adaptado o domicílio do autor", ou seja, no pressuposto de essa necessidade efetivamente existir. De seguida, o relatório descreve as obras de adaptação necessárias, a fazer no domicílio, os equipamentos que devem ser adquiridos e o valor total de umas e outro, concretamente 24.180,00€ (17.200,00€ para as obras de adaptação e 6.980,00€ para os equipamentos). Apreciando. Quanto ao quesito 27. A pretensão da recorrente, se bem vemos, consiste em aditar à resposta dada a este quesito, um conjunto de sequelas derivadas do acidente. Trata-se, no entanto, das sequelas subjetivas, reveladas no relatório médico (onde suporta a sua impugnação da matéria de facto fixada) como queixas do C…, por este diretamente expressadas, ou através da sua irmã, que o acompanhou ao exame. O Relatório que suporta a impugnação da recorrente é muito claro – e, por isso o citámos detalhadamente – na separação que faz entre as queixas e o exame objetivo. Este exame objetivo, por sua vez, foi expressamente considerado na resposta restritiva dada pelo tribunal da 1.ª instância. Entendemos que não devia ser de outro modo. Com efeito, importa ter presente que muitas das queixas apresentadas no Relatório – repetimos, "queixas" – foram consideradas na matéria de facto apurada, em resposta a outros quesitos e onde não se deixou de considerar os depoimentos testemunhais da irmã do sinistrado C… e do seu cunhado. Sendo assim[11], não nos parece fazer sentido que a resposta ao quesito 27 fosse alargada, como pretende a recorrente. Deve ser mantida, por isso, nos termos fixados pela 1.ª instância. Quanto aos quesitos 31 a 33. Nestes quesitos era perguntado se, "por causa das sequelas do acidente, o autor terá de realizar obras de adaptação do seu domicílio, com é o caso da colocação de rampas e ascensores; se terá de adquirir uma cama articulada, uma mesa de cabeceira com bandeja, uma cadeira com elevador, um assento e sanita com elevador autónomo, uma barra rebatível para sanita, barras para parede, apoio de entrada e saída de banheira, um elevador de banheira e uma cadeira de rodas elétrica" e, finalmente, se o custo dessas obras e equipamentos "ascende a 25.000,00€". O tribunal deu como não provados estes quesitos, fundamentando-se na própria perícia médico-legal (a que já fizemos detalhada referência) e não esquecendo que a perícia técnica (de determinação das obras, equipamentos e respetivos custos) não definia a necessidade do autor, mas apenas a pressupunha. Entendemos que o tribunal da 1.ª instância decidiu corretamente. Quer os depoimentos testemunhais, quer o relatório médico-legal, revelam um sinistrado com diversas sequelas funcionais e comportamentais (sócio-afetivas) mas não evidenciam uma incapacidade funcional, nomeadamente locomotora, que possa justificar a necessidade de adaptações na habitação ou de aquisição de equipamentos específicos. É certo que, nas suas conclusões, o relatório médico legal fala em "ajudas técnicas", mas não as discrimina ou esclarece minimamente, e o mesmo relatório, ainda na parte em que referencia as queixas subjetivas, não deixa de dizer que o autor não apresenta alterações de deslocamento ou de postura, de manipulação ou de preensão. Mesmo do ponto de vista subjetivo (queixas) a incapacidade revelada é comunicacional, situacional, afetiva e de cognição e não é funcional, de molde a demandar alterações da sua habitação ou a impor o uso de equipamentos específicos. No fundo, não se demonstrou a necessidade (das adaptações e dos equipamentos específicos) e, por isso, porque o relatório de fls. 366 e ss. havia sido feito no pressuposto dessa necessidade, o seu conteúdo perde todo o sentido útil: as respostas aos quesitos ficaram prejudicadas, o que significa, na prática, que estão não provadas e que esta instância não deve alterá-las. Por um questão de ordem lógica, relativa à fixação da matéria de facto, devemos apreciar, aqui e agora, o recurso da ré seguradora, no que respeita à impugnação da matéria de facto: 1.3.2.3 – Se deve ser alterada a matéria de facto constante dos pontos (quesitos) 2º e 7º e 3º e 8º. Considera a recorrente (seguradora) que a matéria de facto deve ser alterada na parte em que, nos quesitos em causa se conclui por uma velocidade excessiva, concretamente, "não inferior a 60 quilómetros/hora". Está em causa, em primeiro lugar, o depoimento prestado pela testemunha H… (ficheiro n.º 20101021115155 – 101815 – 64887). Trata-se da testemunha que presenciou o acidente – a única, em rigor - e que explicou com clareza a posição em que se encontrava e a dinâmica do sinistro (min. 2.30), que esclareceu como a vítima entrou na estrada e como se deu o embate (3.50 e 5.10). Relativamente à velocidade, a testemunha (6.40) disse que o veículo seguro na recorrente "vinha a oitenta ou noventa". O tribunal, coerentemente, deu como provado que circulava, esse veículo, a velocidade não inferior a sessenta quilómetros por hora, mas a ré entende que essa conclusão é incompatível com os rastos de travagem, ou melhor, com a distância (tamanho) dos rastos de travagem deixados na estrada. Salvo o devido respeito, a ré (recorrente) esquece, no entanto, três coisas relevantes: - Em primeiro lugar a expressa compatibilidade, vincada na 1.ª instância aquando da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, entre o depoimento da testemunha H… e o de quem (da testemunha que) elaborou o croquis[12]. - Em segundo lugar, a ineidoneidade (documentada ou não[13]) da afirmação de que determinado rasto de travagem é incompatível com um determinada velocidade (e nestes limites ´róximos de uma velocidade 50/60, já se vê), quando se olvidam todos os demais fatores que contribuem para esse rasto, em concreto[14]. - Por último, e como melhor se verá infra, a seguradora está onerada com a presunção decorrente do artigo 674-A do CPC, ou seja, tinha necessariamente que ilidir o facto provado no processo crime (a velocidade de pelo menos 60 quilómetros/hora). Ora, parece-nos manifesto que nenhum elemento válido aduz para alcançar esse objetivo. Em conformidade com o que se deixa dito, e depois de ouvido o depoimento da testemunha H… e de relidos os factos expressamente considerados provados no processo crime onde se apreciou o mesmo acidente, mantemos integralmente a matéria de facto fixada, a inicialmente impugnada pela autora e também aquela que aqui a ré seguradora impugnava. Passemos às questões de natureza eminentemente jurídica, colocadas pelo recurso da autora: 1.3.1.2 – Se a condenação penal do réu, segurado, se reflete na pretendida condenação da seguradora. 1.3.1.3 – Se há culpa exclusiva do réu segurado, por via da condenação penal ou em razão dos factos apurados nestes autos. Analisamos conjuntamente estas duas questões, atenta a sua manifesta interdependência. O réu, pessoa singular, foi condenado em processo penal, em razão dos factos por si praticados (factos do acidente que aqui também se discute). Nesse processo, não obstante se ter constituído assistente, a autora não deduziu pedido cível. Também por isso, a seguradora, aqui ré, não foi demandada no processo penal, "não esteve" presente nesse processo. Defende a recorrente que, em relação à seguradora, e mesmo não tendo esta sido demandada no processo penal, a condenação do segundo réu reflecte-se nela, porquanto ela o substitui, por mera transferência de responsabilidade e, naturalmente, por efeito do contrato de seguro. Assim, a ré seguradora nem sequer pode ilidir os factos que suportam a condenação desse réu (arguido). Por outro lado, continua a defender a recorrente, pelo menos quanto a este (segundo) réu a condenação penal implica a determinação da sua culpa exclusiva na produção do acidente (que também era crime). Por fim – e como última questão – a recorrente considera que sempre, ou seja, independentemente da resposta que se dê às questões anteriores, a culpa exclusiva continua a ser do 2.º réu, em razão dos factos aqui apurados. Apreciemos. A questão que cumpre apreciar, em primeiro lugar, justamente a influência da decisão condenatória proferida no processo penal na ação cível não conexa, convoca o disposto no artigo 674-A do CPC. Este preceito, contrariamente ao que parece pressupor-se, não define uma situação de caso julgado, no sentido dogmático em que este instituto é recebido no direito civil. O que ele define, isso sim é o "valor probatório legal extraprocessual" de uma condenação penal (a absolvição está prevista no artigo seguinte, o 674-B)[15]. No preceito em causa diz-se exatamente o seguinte: "A condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como os que respeitam às formas do crime, em quaisquer ações cíveis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infração". Com a eliminação do regime respeitante aos efeitos das decisões penais (condenatórias ou absolutórias), previsto nos artigos 153 e 154 do Código de Processo Penal (CPP) de 1929[16], regime esse que não passou para o CPP/87, resultaram patentes as dificuldades de relacionamento entre os processos penal e civil. O novo regime processual civil (aqui em causa)[17] veio preencher uma lacuna, lembrando que não é possível ignorar a decisão penal anterior e discutir no processo civil essa realidade de facto como se a decisão penal não existisse. Por outro lado, eliminou alguma limitação à possibilidade de defesa de terceiros, constrangida no CPP/29. O artigo em apreço refere que a presunção (ilidível) respeita a terceiros; em relação a estes a oponibilidade da decisão penal condenatória abrange a existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime (incluindo assim, numa reprodução da linguagem penal, a identidade do agente, a existência do facto típico e ilícito, a comissão por ação ou omissão, o dolo ou a culpa negligente, a imputabilidade ou inimputabilidade, a preparação, a tentativa, a consumação, a autoria e ou a cumplicidade). A primeira dúvida é esta: se o terceiro pode ilidir a presunção, o arguido (o não terceiro) que pode fazer? A pergunta já pressupõe que o arguido não seja considerado terceiro. De facto, uma leitura que permitisse colocá-lo no leque dos terceiros tornaria a norma, se não aberrante, pelo menos inútil. É certo que não há norma no processo penal sobre o caso julgado, mas há que retirá-la precisamente do artigo 674-A do CPC, ainda que através de um argumento à contrário. Assim, se há expressamente uma presunção ilidível para os terceiros, impõe-se a conclusão lógica que a presunção não pode ser ilidida – ou seja, os factos estão provados – quando está em causa um não terceiro, simplificando, o próprio arguido[18]. Assim – respondendo-se à pergunta – o arguido não pode fazer nada para contrariar o valor probatório da decisão penal, pois não pode ilidir a presunção. Mas importa repetir que estamos a falar de factos e de prova! Ou seja, mesmo em relação ao próprio arguido, da condenação penal não resulta, necessariamente e em abstrato, a sua condenação como responsável único de um acidente (que também é crime). O arguido não pode demonstrar que os factos assentes na decisão penal (que integram os pressupostos, o tipo, ou a forma de crime) não existem, não aconteceram. Mas pode demonstrar que outros, distintos daquilo que foi o objeto da decisão penal, ocorreram. Pensamos que o caso presente esclarece bem esta questão: Na decisão penal, junta a fls. 256 e ss., deu-se como provado, no que ora importa, que o arguido (aqui segundo réu) conduzia "a uma velocidade nunca inferior a 60 quilómetros por hora", que "ocupava parcialmente a hemi-faixa esquerda", que no local "existia uma linha contínua". Em relação ao (aqui) autor, deu-se como provado que "não ligou as luzes do ciclomotor" e também que "não acionou o respetivo motor". Nem os factos provados nem os factos não provados (no processo penal) se referem ao uso do capacete de proteção. Ora, o arguido (aqui segundo réu) pode provar que o autor seguia sem capacete de proteção (como veio a acontecer), tal como a seguradora o pode fazer diretamente, pois quanto aos outros factos, também os podia ilidir. Em suma, o artigo 674-A não define a eficácia do caso julgado mas o efeito probatório extraprocessual da sentença penal. Por esse efeito, o arguido, praticou necessariamente os factos típicos (tal como os relativos aos pressupostos de punição ou à forma de crime), está irremediavelmente confrontado com a sua existência; e o terceiro também está, se os não ilidir. Mas, num caso e no outro, referimo-nos apenas aos factos provados ou não provados no processo crime, ou seja, ao objeto penal[19]. Daí que, ao contrário do que defende a recorrente, não é por se ser condenado no crime que não pode haver repartição de culpa (de responsabilidade civil, note-se); dependerá sempre dos factos que podem trazer-se – e ser ilididos ou nem isso – do processo crime para o processo civil. Entende a autora que, deste modo, poderá chegar-se a responsabilidades diferentes, nascidas de factos diferentes, perante um mesmo acidente. Poderá, efetivamente, mas o contrário é que seria completamente desconforme com o preceituado no artigo 674-A do CPC, seja no seu sentido positivo (para os terceiros), seja na interpretação - à contrário mas lógica e coerente – para os não terceiros. Dito isto, apenas acrescentamos que a seguradora, responsável civil, é um terceiro, porquanto não foi parte no processo penal e aí, necessariamente, não se defendeu nem apresentou o seu contraditório. A definição de terceiro tem aqui natureza processual e, permita-se a expressão singela, não pode ser parte quem não é parte! A jurisprudência do Supremo Tribunal tem sido, aliás, muito clara (STJ, 3.05.2000, BMJ 497, 298[20]). Como parte final da questão que foi colocada, entende a recorrente que, de todo o modo, os factos apurados nestes autos implicam que a culpa do segundo réu seja exclusiva. O tribunal considerou que o não era e com essa temática prende-se também o enunciado em 1.3.1.4 – Se, assim não sendo (ou seja, não sendo exclusiva), se deve ser outra (diversa da estabelecida na sentença) a repartição de responsabilidade. Conjugando a reapreciação dos factos – que os não alterou – e o que se disse sobre os efeitos do disposto no artigo 674-A do CPC, a matéria de facto, quer para a apreciação da culpa/responsabilidade, quer para as demais questões, quer na perspetiva da (condenação) da seguradora, quer do segundo réu são exatamente os mesmos que foram fixados na 1.ª instância. Com base neles, a 1.ª instância não considerou o segundo réu o único responsável e repartiu as culpas (60/40). Para essa conclusão, teceu as seguintes considerações: "Da factualidade provada resulta que no dia 12.12.05, pelas 0H30 (…) ocorreu a colisão entre o veículo ligeiro de passageiros “..-..-GH”, tripulado pelo 2º réu, e o ciclomotor de matrícula “2-PRD..-..”, tripulado pelo autor, sendo que o 2º réu circulava a velocidade não inferior a 60 Km/h., sobre o eixo da via e, por via disso, ocupava parcialmente a hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o sentido … – …. No que à velocidade concerne, o CE prescreve no seu artigo 24º (…) Por sua vez, o artigo 25º, nº 1, al. c) e f) do C.E. refere que “a velocidade deve ser especialmente moderada nas localidades ou vias marginadas por edificações (…); f) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida”(…) Por outro lado, nos termos do artigo 27º, nº 1 do aludido diploma legal a velocidade máxima instantânea permitida, dentro das localidades, aos automóveis ligeiros, é de 50 Km/h (…) Por outro lado, a faixa de rodagem está dividida em duas hemi-faixas por uma linha longitudinal contínua marcada a branco no pavimento e imediatamente antes do local da colisão para quem segue no sentido …/…, existia um sinal vertical de curva perigosa e contracurva e de proibição de ultrapassagem. Assim, dúvidas não existem que a velocidade máxima permitida naquele local é de 50 Km/h (…) A norma precetiva do artigo 13º, nº 1 CE prescreve que: “O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas e passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes”. Daqui se infere que o condutor do veículo “GH” praticou outra contraordenação nos termos das aludidas disposições legais. Acontece, porém, que a violação de regras legais de trânsito quando concomitantes com um acidente de viação, não implicam automaticamente a existência de culpa desse condutor na produção do mesmo acidente; será para isso necessário demonstrar que aquela conduta contraordenacional foi causa do sinistro ou para este evento contribuiu adequadamente (…) Assim, atenta a dinâmica do acidente, caso o condutor do veículo “GH” circulasse à velocidade moderada de 50 km/h e pela sua hemi-faixa de rodagem teria conseguido evitar o embate no ciclomotor tripulado por C…, não obstante este conduzir com o motor e as luzes de tal ciclomotor desligados, uma vez que quando o embate ocorre já o ciclomotor circulava pela hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha, a 1,05m do eixo da via. Daqui se infere que a velocidade a que circulava o veículo “GH” e a invasão de parte da hemi-faixa contrária é um facto causal em relação ao acidente, suscetível de fazer incorrer em responsabilidade civil o condutor do veículo “GH” (…) Cumpre apreciar se do condutor do ciclomotor “PRD” também contribuiu para a ocorrência do sinistro. O condutor do “PRD” saiu do parque de estacionamento do “K…”, sem luz, sem acionar o motor, aproveitando o declive natural da estrada, sem capacete de proteção, e de forma enviesada/oblíqua virou para a sua esquerda, no sentido de …. Ora, a manobra praticada por aquele condutor consubstancia a prática de várias contraordenações consagradas nos arts. 35º, 44º, 59º, 61º do Código da Estrada e demonstra uma condução absolutamente temerária e irresponsável, sendo concausal do acidente. Com efeito, aquele condutor ao entrar na estrada para virar à esquerda no sentido …, de forma enviesada/oblíqua (e não perpendicular) e sem acionar o motor, fez com que o lapso temporal da realização de tal manobra fosse muito mais demorado, o que permitiu a aproximação do veículo “GH” e impossibilitou uma qualquer reação por parte do condutor do ciclomotor de imprimir maior velocidade ao seu veículo de forma a conseguir concluir a manobra com maior rapidez, face à aproximação do veículo “GH”, que surge quando o ciclomotor se encontrava a circular a meio da via e se preparava para entrar na hemi-faixa de rodagem direita, atento o sentido … – …. Não obstante, sempre será de realçar que quando ocorre o embate o condutor do veículo “PRD” estava a concluir a sua manobra uma vez que embate com a roda da frente na frente esquerda do veículo “GH”, e já se encontrava na sua hemi - faixa esquerda, atento o seu sentido de marcha, o que significa que o seu veículo já tinha retomado a sua posição de marcha no sentido … – …. Contudo, ainda estava perto do eixo da via, mais concretamente, a 1,05m do eixo da via (embate ocorre a 3 metros do limite da faixa de rodagem direita, atento o sentido … – …, sendo que no local da colisão, a estrada tem 8,10 metros de largura). Por outro lado, o condutor do ciclomotor entrou na estrada sem luz própria, sendo tal luz necessária para si, de forma a que possa avistar o caminho à sua frente, e para terceiros, isto é, para que possa ser avistado por todos aqueles que circulam na estrada através da reflexão da sua própria luz. O facto de o local onde ocorreu o embate ter iluminação pública não obsta a que o ciclomotor pudesse circular à noite sem acionar as suas próprias luzes de forma a poder ser avistado por terceiros que circulem na estrada, nomeadamente pelo condutor do veículo “GH”. Ora, a ausência de qualquer sinal luminoso do ciclomotor contribuiu adequadamente para a ocorrência do embate, retardando a sua visualização por parte do condutor do veículo “GH” e a sua reação perante a aproximação de um obstáculo. Assim, entendemos que a forma como o condutor do ciclomotor “PRD” saiu do parque de estacionamento do “K…”, sem luz, sem acionar o motor, aproveitando o declive natural da estrada, de forma enviesada/oblíqua, contribuiu para a ocorrência do embate. Impõe-se ao condutor medianamente diligente uma condução prudente, concentrada (art. 3º do Código da Estrada) de forma a conseguir concluir qualquer manobra com rapidez e segurança para si e para todos aqueles que circulam na estrada, sendo, consequentemente, exigível que o condutor do ciclomotor previsse que no espaço que teria que percorrer para concluir, com segurança, a manobra que estava a executar, pudessem circular outros veículos na estrada, o que de facto veio a ocorrer. Assim, temos elementos probatórios suficientes para dizer que o condutor do veículo “PRD” atuou em desrespeito pelas normas estradais, devendo prever a possibilidade de vir a ocorrer o acidente, revelando com a sua atitude uma omissão dos deveres de diligência exigíveis a qualquer condutor. Cabe fazer uma referência à atitude do condutor do ciclomotor “PRD” ao conduzir tal veículo sem o capacete na cabeça, tendo uma contribuição decisiva para o resultado do acidente: como as lesões que sofreu na cabeça, nomeadamente edema cerebral difuso, contusões hemorrágicas bifrontais e hemorrogia subaracnoideia, fraturas na face, fratura com afundamento dos ossos da face do lado esquerdo, hidrocefalia, sendo importante o facto de ele não ser portador do capacete, agindo em contravenção ao disposto no art. 82, n.º 2 do Cód. da Estrada. Nos termos da citada disposição legal é obrigatória a proteção da cabeça, devendo o condutor e os passageiros de motociclos e de ciclomotores, usar capacete de modelo oficialmente aprovado “devidamente ajustado e apertado” (…) Assim, devemos socorrer-nos de regras de experiência – presunções judiciais – para concluir que, tendo as lesões ocorrido na cabeça, a falta de capacete agravou-as, sendo esse agravamento de imputar ao próprio condutor do ciclomotor que conduzia sem capacete (…) A dúvida sobre se os ferimentos sofridos pela vítima na zona da cabeça e cara teriam ocorrido caso esta tivesse protegido a cabeça usando o capacete legal, não é suscetível de pôr em crise o nexo de causalidade adequada existente entre a conduta do condutor do veículo “GH” e do próprio condutor do ciclomotor e os ferimentos apresentados por este resultantes do acidente provocado pela conduta de ambos. Nenhuma circunstância estranha, anormal, interrompeu o nexo causal entre a conduta daqueles condutores e o resultado, pelo que dúvidas não há de que os ferimentos da vítima se devem considerar como consequência necessária daquela (…) É certo que a vitima conduzia o referido ciclomotor sem levar colocado na cabeça o capacete de proteção, em infração, portanto, ao disposto no art. 82, n.º 2 do C. da Estrada. Todavia, como tem sido entendimento dominante na jurisprudência, o uso deste não tem a ver com as normas estradais que regulam a forma de circulação dos veículos de modo a evitar a eclosão dos acidentes. A norma do art. 82, n.º 2 do C. da Estrada visa, apenas, a proteção física dos condutores e passageiros de motociclos Neste sentido, Ac. do STJ de 6.10.82, BMJ n.º 320, p. 319; Ac. da RP de 27.11.95, BMJ n.º 451, p. 501. Cfr., também, o Ac. Do STJ de 15.12.98, CJ ACS do STJ, VI, III, 156, no qual, se entendeu que “Em acidente de viação a falta de capacete de proteção da vitima só releva, para efeitos do n.º 1 do art. 570º do CC, quando o acidente é imputável ao condutor do veículo de duas rodas (e já não quando o mesmo é da responsabilidade de terceiro)” Termos em que face ao exposto, considera este Tribunal que existiu uma concorrência de culpas de ambos os condutores, em conformidade com o disposto no art. 570º do CC. (…) fixa-se em 60% a repartição da responsabilidade para o condutor do veículo “GR” e 40% para o condutor do ciclomotor “PRD”. Apreciando: A sentença enumera de modo detalhado e preciso as diversas contraordenações que, praticadas pelo segundo réu e igualmente, outras delas, pelo (aqui) autor, contribuíram causalmente para a produção do evento, ou melhor dito, para os danos deste resultantes. Cumpre salientar, ainda assim, que a sentença, na parte final (do texto que se transcreve) parece duvidar da causalidade danosa da falta de capacete, citando jurisprudência da qual resulta que esse comportamento só é de valorar quando o acidente é da responsabilidade do condutor do veículo de duas rodas. As considerações que teceu antes dessa afirmação vão no sentido do claro agravamento do dano (do autor), desde logo atendendo à localização das lesões, e em razão de ele circular sem o capacete de proteção. Ora, entendemos que esta última asserção é a acertada e não pode deixar de se considerar a circulação do motorista do ciclomotor como um agravamento causal do dano, com a consequente repartição de responsabilidade, nos termos previstos do artigo 570 do Código Civil (CC)[21]. E não se diga, como defende a recorrente, que a falta de capacete é irrelevante, pois basta pensar-se que a responsabilidade civil visa reparar um dano (e voltaríamos ao artigo 570 do CC: concorrência para a produção ou agravamento dos danos…), é sempre o dano que está em causa e o evento que o não produza será, neste contexto, irrelevante. Também entende a recorrente que só o comportamento do segundo réu foi causal, na lógica simplificadora de que, se este não tem invadido a faixa contrária o acidente não ocorria. Não devemos esquecer que está sempre em causa a causalidade adequada, abrangendo os múltiplos comportamentos adequados a produzir o evento ou a agravar os seus efeitos. A sentença é, nesse aspeto, muito esclarecedora quando analisa o "contributo" do autor, nomeadamente no modo como se fez à estrada, sem poder controlar perfeitamente o seu veículo (porque ia de motor desligado); sem ser visível como o devia ser (porque não ligou a luz), sem seguir direito, isto é, não o fazendo pelo trajeto mais curto (porque entrou oblíquo na estrada). Ponderando a ação típica e contraordenacional do segundo réu, mas não esquecendo a do autor (onde se inclui a falta de capacete), a repartição de culpas /responsabilidade não nos merece censura. 1.3.1.5 – Se deve ser alterado o montante da indemnização dos danos sofridos. Entende a recorrente que a indemnização decidida na 1.ª instância é escassa, ou seja, não cobre os danos sofridos, mesmo que a repartição de culpas se mantenha. Começa por referir a existência de um erro de cálculo (fixa-se a indemnização no montante de €107.395,00 mas depois no calculo em vez de fazer 60% de €107.395,00, faz 60% de €85.000,00) e depois acrescenta que "a incapacidade física do autor se reflete em previsíveis lucros cessantes, mas em valor que não poderá averiguar-se com exatidão, pelo que o cálculo da indemnização há de fazer-se essencialmente com recurso à equidade (artigo 566, nºs 1 e 3, do CC)", que a decisão recorrida "deveria ter tomado por base o rendimento anual do autor à data do acidente, o seu grau de incapacidade parcial permanente, a sua idade e aos demais vetores acima referidos e assim fixar o rendimento perdido, procedendo finalmente à sua redução, decorrente da entrega do capital de uma só vez" e que, "tendo em conta a factualidade provada, designadamente a incapacidade parcial permanente do recorrente, valorizada em 76 pontos, mas que de facto é de 100 pontos, pois não tem condições para fazer o que quer que seja nem cuidar de si (até está interdito), a sua idade (em 12.12.05, tinha 37 anos, sendo por isso de presumir ainda cerca de 37 anos de vida ativa, tomando como referência a remuneração salarial mensal (média) auferida pelo lesado à data do acidente (isto é, €385,90), sem esquecer os aumentos anuais que provavelmente já recebeu desde aquela data e que continuará a receber ao longo da sua vida ativa, chegaríamos a uma perda de ganhos da ordem dos €300.000,00", valor calculado à data da citação. Finalmente, quanto aos danos não patrimoniais, "considerando o «choque físico e emocional», naturalmente provocado pela violência do embate as graves moléstias e as dores físicas, o sofrimento moral inerente à hospitalização, as várias intervenções cirúrgicas, o longo período de recuperação, a elevada probabilidade de agravamento das sequelas e a perda de alegria de viver, pois inclusivamente perdeu a capacidade de inter-relacionamento social e de constituir família, afigura-se-nos que será equitativo fixar em €50.000,00, a indemnização", reportado à data da sentença. A propósito da indemnização fixada, assim esclareceu o tribunal recorrido: "Pede o autor uma indemnização pela sua incapacidade total permanente para o trabalho. O representado da autora apresenta uma incapacidade permanente geral fixável em 76 pontos, sendo as sequelas impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, sendo que o autor trabalhava como trolha para M…, auferindo mensalmente quantia não concretamente apurada mas não inferior ao ordenado mínimo nacional. Haverá que apurar se tal incapacidade deve ser atendida em sede de danos patrimoniais futuros ou de danos não patrimoniais. Conforme se refere no Acórdão do STJ, de 24/2/99, BMJ, 484º-359, “A doutrina que se conhece é no sentido de que a incapacidade permanente parcial é, de per si, um dano patrimonial cujo valor não se encontra apurado (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª ed., pág. 492)”. Propendemos para um critério que tem sido utilizado pelo STJ em variados acórdãos - cfr. Acórdão do S. T. J. de 18 de janeiro de 1979 (in B.M.J. n° 283, p. 275), com uma correção no que respeita à taxa de juro - em que se atende à descida evolutiva da taxa de juro - tendência que se vem a avolumar ao longo dos últimos anos e que propende para a estabilização na casa dos 4 % líquidos, Uma vez que dos autos não resulta qualquer facto que faça prever uma diminuição da expectativa de vida atendível, assim como nada fará prever que a autora tivesse um limite de vida ativa inferior a 65 anos. De todo o modo, no que respeita ao cálculo da respetiva indemnização, não pode deixar de se atentar na circunstância de, à semelhança do que se passa na fixação do montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais, serem decisivos os critérios de equidade (496º, nº 3, do C.Civil). Na verdade, tratando-se de um dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, é manifesta a dificuldade de cálculo da respetiva indemnização, pelo que, é fundamental a ampla utilização de juízos de equidade, tendo-se em conta os pertinentes elementos de facto apurados. Note-se que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que ele teria então se não tivesse ocorrido o dano, e que, não podendo ser determinado o seu valor exato, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (art. 566º, nºs 2 e 3, do C.Civil). (vide in dgsi- Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, sendo o seu Relator Roque Nogueira). No caso dos autos, o representado da autora nasceu em 13/4/1968, tendo, consequentemente, 37 anos de idade quando ocorreu o acidente e tem atualmente 42 anos de idade, sendo previsível, considerando um quadro normal de vida e saúde, que exercesse a sua profissão de trolha, pelo menos, até aos 65 anos, sendo que auferia, pelo menos, o salário mínimo nacional. Por outro lado, o representado da autora é portador de sequelas que lhe conferem uma incapacidade parcial permanente geral fixável em 76 pontos, a qual, o impede do exercício da sua atividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional. Uma vez que o representado da autora será indemnizado, conforme já tivemos oportunidade de referir, pela incapacidade geral total desde 12/12/2005 até 3/2/2006, entendemos que o cálculo da indemnização a atribuir deve reportar-se a 4/2/2006 em detrimento da data em que ocorreu o acidente. Contudo, ao reportarmos o cálculo indemnizatório a tal momento temporal não podemos descurar um elemento ponderativo adicional, e que deve ser tido em conta, face ao acima mencionado princípio geral válido em matéria de obrigação de indemnização, por forma a conseguir a reconstituição da situação que existiria se não tivesse ocorrido o facto danoso. Na verdade, o vencimento do representado da autora não se quedaria nos escassos €374,70 – seria, pelo menos, igual ao montante da remuneração mínima mensal, que em 2006 se situa em €385,90 (D.L. 238/2005 de 30/12) – pelo que o ponto de partida para o cálculo da perda de rendimento futuro, terá de ser necessariamente, à míngua de outro elemento, o valor do salário mínimo nacional vigente em 2006. Deste modo, considerando aquela situação de incapacidade geral de que o representado da autora ficou afetado que o impossibilitou de voltar a exercer a sua profissão, a sua idade, o salário que auferia em 2006 no exercício da aludida atividade remunerada, bem como, as regras da probabilidade normal do devir das coisas, face a este quadro de facto e com base em juízos de equidade e atendendo ao disposto no art. 494º do C.Civil, no que se reporta ao grau de culpabilidade do representado da autora a que se aludiu anteriormente, julga-se adequado fixar a respetiva indemnização no montante de €107.395,00, reportado ao momento presente, tendo em conta o critério atualista definido no nº 2, do art. 566º, do C.Civil. A esta quantia deverá ser sempre deduzido o valor de prestações que eventualmente lhe sejam pagas pela Segurança Social a partir da presente data até ao trânsito em julgado desta decisão. Assim, do montante de €85.000,00 a ré deverá suportar, na respetiva proporção de 60%, o montante de €51.000,00, acrescido dos juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento". A sentença, referindo-se depois aos danos não patrimoniais, escreve o seguinte: "Preceitua o artigo 496º, nº 1, do C.Civil, que na fixação da indemnização devem atender-se ao danos não patrimoniais que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito. Tem-se entendido doutrinal e jurisprudencialmente, que a merecem, aqueles danos que “espelham uma dor, angustia, desgosto ou sofrimento”. Entende-se igualmente, que é pecuniariamente compensável o abalo moral sofrido pelo receio natural pela integridade física. Da factualidade provada resulta que o representado da autora era pessoa alegre e bem disposta. Os tratamentos a que teve de se submeter causaram-lhe dores, tristeza e medo, dores que se mantêm e irão manter no futuro nos locais lesionados sempre que há mudança de tempo. O representado da autora perdeu a capacidade de inter-relacionamento social e de constituir família e está deprimido e triste, sem gosto pela vida (pontos 38 a 42). O autor apresenta assimetria do rosto com afundamento da hemiface direita e desvio da comissura labial e do nariz para a direita e cicatriz cirúrgica com 4,5 cms de comprimento na face lateral direita do pescoço (ponto 30). Ora, não restam dúvidas que este abalo moral sofrido pelo representado da autora se analisa num dano não patrimonial relevante - merecedor da tutela do direito - quer se opte pela formulação negativa, que inclui nesta categoria todos aqueles que não atingem os bens materiais do sujeito passivo ou que, de qualquer modo, não alterem a sua situação patrimonial - cfr. De Cupis, II Danno, Teoria Generale della Responsabilitá Civile, I, 2ª ed., Milano, 1966, págs. 44 e ss. -, quer pela formulação positiva, segundo a qual, o dano não patrimonial ou dano moral, tem por objeto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insuscetível em rigor, de avaliação pecuniária. A indemnização não visa então propriamente ressarcir, tornar indemne o lesado, mas oferecer-lhe uma compensação que contrabalance o mal sofrido - cfr. A. Varela, Das Obrigações em Geral, 4ª ed., pg. 560 e Rui Alarcão, Direito das Obrigações, Coimbra, 1983, pg. 270. O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado, em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante), segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e do titular da indemnização - art. 494º, “ex vi” do art. 496º, nº 3 do C.Civil -, aos padrões de indemnização geralmente adotados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda etc., sendo fundamental que tal compensação seja significativa, e não meramente simbólica ou miserabilista. Aplicando as considerações expostas ao caso vertente e atendendo ao disposto no art. 494º do C.Civil, no que se reporta ao grau de culpabilidade do representado da autora a que se aludiu anteriormente, fixa-se a indemnização peticionada pelos danos morais sofridos pela autora no montante de €35.000,00. Assim, tal quantia deverá ser suportada pela ré, na respetiva proporção de 60%, o que perfaz o montante de €21.000,00, reportando-nos, na fixação de tal montante, ao momento atual, pelo que a tal quantia acrescem juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento". Apreciemos. 1. Danos patrimoniais Em primeiro lugar, devemos reconhecer que a quantia arbitrada na primeira instância como compensação dos danos patrimoniais futuros, em rigor, não se sabe se é a quantia de 107.395,00€ ou se, ao invés, é 85.000,00€, melhor dito, não decorre do próprio texto onde está o lapso e se o lapso (erro de cálculo) efetivamente ocorreu. No entanto, a condenação constante do dispositivo da sentença equivale a 60% da quantia de 85.000,00€. Considerando o recurso da autora (que defende que a quantia total deve ser no montante de 300.000,00€) o que importa é saber se a quantia fixada, efetivamente fixada, é a que corresponde à correta aplicação do direito aos factos apurados ou se outra deve ser fixada, como compensação do dano patrimonial futuro. Comecemos por dizer (citando o conhecido acórdão do STJ de 4.12.2007, dgsi, onde se transcrevem as tabelas de cálculo do capital ponderando um juro de 3%) que "na determinação da indemnização compensatória por danos patrimoniais futuros, as fórmulas financeiras ou tabelas de cálculo habitualmente utilizadas para a determinação do capital necessário que, diluído ao longo do tempo de vida ativa e juntamente com o respetivo rendimento proporcione à vítima o rendimento perdido, não satisfazem o objetivo de indemnização reparadora, por levarem a resultados francamente insuficientes e que a realidade desmente, havendo por isso que recorrer, em último grau à equidade". É que – como se sumaria no mesmo acórdão – "tais fórmulas ou tabelas não contemplam a tendência de melhoria do nível de vida, a ascensão da produtividade, o aumento progressivo dos salários (…) e não contemplam também os danos que se projetam para além da idade de reforma, designadamente aqueles em que o lesado ainda poderia continuar a trabalhar, se assim o desejasse". No caso concreto, se aos dados de facto considerados na sentença, aplicarmos a fórmula de capitalização ponderada a um juro de 4% teríamos um valor de 90.146,40€ para uma idade ativa de 65 anos e de 97.209,23€ para uma idade ativa – hoje mais lógica – de 68 anos. Se o juro ponderado fosse de 3% (que nos parece mais real) teríamos 102.751,83€ para o primeiro caso (reforma aos 65) e 112.187,48€ para o segundo (reforma aos 68 anos). Se, por outro lado, considerássemos que a taxa de inflação cobre o juro líquido, ou seja, que não há rendimento real, descontada a inflação, o valor alcançado seria a multiplicação pelos anos ativos em falta (sem dedução de capitalização), ou seja, o montante de 151.272,80€ (reforma aos 65 anos) ou 167.480,60€ (reforma aos 68 anos). Se quiséssemos usar a fórmula da legislação própria dos acidentes de trabalho (considerando necessariamente uma IPATH com 78% de IPP) obteríamos uma pensão anual (e actualizável) de 3.544,11€ (que, se hipoteticamente remível correspondia a um capital de 56.700,00€, mas que, por não o ser, continuaria a ser paga (e a ser atualizada) não apenas durante a vida ativa do lesado, mas durante toda a sua vida. Os resultados acabados de referir revelam como pode chegar-se a valores tão diferentes, quando, afinal, a utilização das fórmulas financeiras pretendia alcançar valores mais objetivos. Interessa, por isso, sem por completo as ignorar, tentar que a equidade as corrija, levando em conta (por respeito ao princípio da igualdade) o que vão decidindo os nossos tribunais e não esquecendo que projetamos o futuro com os dados do presente, arrimados num juízo de probabilidade. Ora, descendo ao caso em apreço, o primeiro dado a ter em conta é que o salário mínimo nacional ponderado na decisão subiu, nos quatro anos seguintes, em cerca de 25% e que, habitualmente, um trolha não aufere apenas esse salário mínimo. Por outro lado, a idade de reforma não deve ser ponderada em apenas 65 anos, mas parece mais razoável que o seja, e por ora, em 68; não se pode esquecer, por fim, que quem trabalha até ao fim da vida ativa recebe uma reforma e, por isso, a vida económica não acaba no fim da vida ativa. Numa outra perspetiva, não deve ignorar-se que o juro líquido de rentabilidade tende a nem sequer atingir os 3%. Ponderando todos estes fatores e servindo-nos da equidade, consideramos equilibrado o montante de 120.000,00€ como compensação dos danos patrimoniais futuros. Ponderando a distribuição de responsabilidade (que se manteve) a seguradora deve pagar, por isso, a quantia de 72.000,00€. 2. Quanto aos danos não patrimoniais A 1.ª instância atribuiu o montante de 35.000,00€ a título de danos não patrimoniais. Não deixou de ponderar o abalo sofrido pelo representado da autora, traduzido nas dores sofridas, nomeadamente pelos tratamentos a que teve de se submeter, nas dores que se mantêm e na desfiguração, tal como na perda de capacidade de relacionamento. A recorrente entende que esse valor é exíguo e insiste que a quantia adequada deve ser de 50.000,00€ Ponderando toda a matéria de facto provada, também entendemos que o valor arbitrado deve ser aumentado. Consideramos as dores e sofrimento tido na altura do acidente e todas as que se prolongaram em razão dos tratamentos e cirurgias a que foi submetida a vítima. Consideramos, em especial, que a vítima ficou num estado que tem reflexos psicológicos muito graves e que se traduzem também em danos morais: a incapacidade de relacionamento e a incapacidade de voltar a trabalhar acarreta a inerente diminuição do amor próprio. Por outro lado, os factos revelam que o representado da autora continuará a sofrer, desgosto e dores, ao longo de toda a sua vida. Por isso temos por adequada a quantia de 45.000,00€ (ponderada ao tempo da decisão da 1.ª instância). Cabe à seguradora, por isso, o pagamento de 27.000,00€. Nos termos acabados de referir, a apelação da autora é parcialmente procedente. 1.3.1.6 – Se o réu segurado deve ser condenado. A última questão, suscitada também no recurso da seguradora, é a de saber se o segundo réu, pessoa singular, deve ser condenado. A pretensão da autora foi formulada também quanto a ele, subsidiariamente e no pressuposto do esgotamento do capital seguro. O capital seguro é de 600.000,00€ e a seguradora vai condenada em montantes que, somados aos juros devidos, serão agora de cerca de 150.000,00€. A 1.ª instância absolveu o segundo réu[22]. Podia dizer-se, atendendo aos dados antes referidos, que nunca se esgotará o capital do seguro, durante a vida do autor e que a condenação do segundo réu seria apenas simbólica e, nesse sentido, um ato processual inútil. Não é assim, no entanto: a seguradora está condenada no pagamento de uma renda mensal de 300,00€ (240 + 60) que aumenta todos os anos de acordo com a inflação. Essa renda anual de, na sua origem, 3.600,00€, vai assim aumentando a cada ano. Basta, por exemplo, que haja uma inflação de 5% para que a prestação anual inicial, ao fim de cinco anos, seja já de cerca de 4.600,00€ anuais. Dito de outro modo, se o autor precisaria de viver ainda século e meio para esgotar o capital, na ponderação do valor inicial da renda, esse tempo seria muitíssimo inferior, perante uma inflação considerável. E não sabemos, naturalmente, nem quanto tempo o autor viverá nem o valor da inflação daqui a dez ou trinta anos. Daí que se justifique e imponha a condenação do segundo réu. Aliás, só há primeira vista isso será estranho, pois "o juiz pode proferir sentença de condenação condicional" (Jorge Augusto Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 10.ª edição, Almedina, 2011, pág. 356) e o artigo 662 do CPC consagra-o expressamente. Por isso e em conformidade revoga-se, nessa parte, o decidido (absolvição do segundo réu) que irá condenado no pagamento das prestações mensais (do auxílio de terceira pessoa e da prestação medicamentosa) devidas ao representado da autora, se e quando se esgotar o capital seguro. 2.2.3 - Do recurso da ré seguradora O objeto do recurso da ré seguradora já se mostra, em grande parte, apreciado anteriormente, atenta a apreciação que foi feita das questões prévias e do recurso da autora. Vejamos, agora, em concreto: 1.3.2.1 – Se deve ser admitida a junção do documento apresentado com as alegações (questão prévia). Apreciada a questão como questão prévia, não foi admitida a junção do documento. 1.3.2.2 - Se deve ser reapreciada a matéria de facto (questão prévia). Apreciada questão, supra, foi admitida a reapreciação da matéria de facto 1.3.2.3 – Se deve ser alterada a matéria de facto constante dos pontos (quesitos) 2º e 7º e 3º e 8º. Foi já conhecida a questão, tendo-se mantida inalterada a matéria de facto. 1.3.2.4 – Se o representado da autora é o único culpado do acidente ou deve ser diversa a repartição da culpa. No recurso da autora foi apreciada a culpa do condutor do veículo seguro na ora recorrente e, bem assim, a repartição da responsabilidade, tendo-se mantido o que fora decidido na 1.ª instância (60% para o segurado na ré e 40% para o aqui autor). Para aí remetendo, nada vemos a acrescentar. 1.3.2.5 – A condenação nas rendas vitalícias de 240,00 + 60,00€ deve ser alterada no sentido da condenação da ré nessas despesas mensais contra o respetivo comprovativo. A seguradora pretende a alteração do decidido, no sentido da condenação ser diferente daquela que peticionou a autora. Ora, o tribunal está sujeito ao pedido: a autora pediu a condenação numa renda vitalícia e provou os seus pressupostos (que a recorrente, nesta sede, não infirma minimamente). O tribunal condenou a seguradora, atendendo ao pedido da autora. O dano em causa podia ser reparado de outro modo, nomeadamente como propõe a recorrente? – Podia, mas não foi esse o pedido. Dito de outro modo, sendo legal a pretensão deduzida e provados os seus pressupostos não cabe à ré a escolha de uma condenação alternativa à que foi feita. E a legalidade do pedido resulta diretamente do disposto no artigo 567, n.º 1 do CC, já que, a requerimento do lesado, e atendendo à natureza continuada dos danos, o tribunal pode "dar à indemnização, no todo ou em parte, a forma de renda vitalícia ou temporária" Tanto basta, em nosso entender, para a improcedência do recurso, nesta parte. 1.3.2.6 - Se os juros não são devidos nos termos fixados. Contrariamente ao defendido pela seguradora, entendemos que os juros são devidos nos precisos termos fixados pela 1.ª instância (concretamente, no que ora importa, desde a citação quanto aos danos patrimoniais futuros e desde a decisão, no que respeita aos danos não patrimoniais). A autora aceitou a fixação da data de vencimento dos juros e não a impugnou. A seguradora diz apenas que "não se justifica a condenação em juros desde a citação sobre a quantia de 51.000,00€ (pela IPP de que o C… ficou a padecer), por se tratar de danos de verificação futura mas indemnizados antecipadamente e de uma só vez, pelo que os juros serão devidos apenas a partir da decisão que fixar essa indemnização." Não vemos como possa ter razão a seguradora e a sua argumentação não colhe. Basta pensar que o cálculo da quantia compensatória parte da retribuição do sinistrado em 2006 (por sinal também o ano da citação) e não dessa retribuição – que seria bem superior – na ocasião da prolação da sentença. Diga-se, aliás, que o entendimento jurisprudencial é conforme ao decidido (Ac. De Uniformização 4/2002). Improcede, por tudo, a pretensão da ré seguradora. 1.3.2.7 – Se deve declara-se expressamente que a ré seguradora só responde até 600.00,00€ e o reflexo dessa declaração na absolvição do réu segurado. Como a ré reconhece, a decisão não deixa de dar conta – e ponderar – o desconto das quantias que o representado da autora vier a receber ad segurança social. Entende, no entanto que deve ficar expresso que a sua responsabilidade não ultrapassa os 600.000€. Ainda que pensemos que a questão está agora mais clara, atenta a condenação do segundo réu, não deixará de se atender, afinal, à pretensão clarificadora da recorrente. Por tudo, as apelações (da autora, em representação do seu irmão e da ré seguradora) são parcialmente procedentes. E assim, tudo visto, profere-se a seguinte 3 – Decisão: Por tudo quanto se foi deixando dito, acorda-se na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em: 1 – Ordenar o desentranhamento do documento junto pela recorrente Seguradora com as suas alegações, condenando-se a mesma na multa de 1 UC (artigo 543 do CPC), atenta a simplicidade. Julgar parcialmente procedentes os recursos interpostos pela autora (em representação de C…) e pela ré Companhia de Seguros D…, SA e, em conformidade, revoga-se a absolvição do réu E…, altera-se o decidido na 1.ª instância e substitui-se o dispositivo da sentença pelo seguinte: 2 – Condena-se a ré “Companhia de Seguros, D…, SA” a pagar, até ao limite do capital seguro (600.000€): a) À autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia de €240 mensais, a título de renda mensal vitalícia, pelo salário que terá de pagar a uma terceira pessoa que o acompanhe até ao final da sua vida, devendo tal montante ser atualizado, em conformidade com a taxa de inflação. b) À autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia €60,00 mensais, a título de renda mensal vitalícia, devendo tal montante ser atualizado, em conformidade com a taxa de inflação. c) À autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia de 401,30€, pela incapacidade total sofrida desde 12/12/2005 até 3/2/2006, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. d) À autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia de 72.000,00 (setenta e dois mil euros), pela incapacidade parcial permanente sofrida, acrescida de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento. e) À autora, B…, em representação de seu irmão C…, a quantia de 27.000,00€ (vinte e sete mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, contados a partir da data de decisão da primeira instância e até integral pagamento. f) Ao interveniente, “Hospital F…, E.P.E.”, a quantia de 6.020,30€. g) Ao interveniente, “Hospital G…, EPE”, a quantia de 846,33€, acrescida dos respetivos juros, à taxa legal, contados desde a citação da ré até integral pagamento. 3 – Absolve-se a ré “Companhia de Seguros D…, S.A.” do restante pedido. 4 – Condena-se o réu E… no pagamento à autora B…, em representação de seu irmão C…, da quantia de €240 mensais, a título de renda mensal vitalícia, pelo salário que terá de pagar a uma terceira pessoa que o acompanhe até ao final da sua vida, e da quantia €60,00 mensais, ambas no valor anualmente atualizado de acordo com a taxa de inflação, se e quando, pelo conjunto dos pagamentos feitos pela ré Seguradora, se venha a demonstrar esgotado o capital seguro (de 600.000,00€). Custas da apelação da autora a seu cargo na proporção de 40%, a cargo a recorrida Seguradora na proporção de 50% e cargo do recorrido E… na proporção de 10%. Custas da apelação da Seguradora a seu cargo na proporção de 90% e a cargo do recorrido E… na proporção de 10%. Porto, 1.10.2012 José Eusébio dos Santos Soeiro de Almeida Maria Adelaide de Jesus Domingos Ana Paula Pereira Amorim ___________________ 1] Citamos: "31 – Por outro lado, o representado da autora necessita e necessitará para o resto da sua vida da ajuda de terceira pessoa que permanentemente o acompanhe, lhe dê de comer, o lave, o limpe, o deite, o vista, o transporte, o leve ao médico, etc, etc…, pois não é capaz de executar sozinho os mais elementares atos e tarefas pessoais do dia a dia. 32 – Pelo que terá de pagar mensalmente a essa pessoa que de se cuide quantia não inferior a 400 euros mensais, já que tal trabalho terá de desenvolver-se 24 horas por dia, durante toda a vida do representado da autora. 33 – O representado da autora necessitará também de acompanhamento médico, medicamentoso, de fisioterapia e de usar fraldas, pelo que também mensalmente e durante toda a vida necessitará de 250,00 euros mensais para ocorrer a tais despesas." [2] "o Autor veio tomar posição sobre factos passíveis de constituir matéria de exceção, concretamente os alegados nos arts. 18º (“sem luz”), 30º, 31º e 33º da contestação da 1ª Ré, e que o Autor veio impugnar nos arts. 7º a 10º da réplica. Veio ainda tomar posição quanto aos documentos apresentados pela Ré (art. 11º da réplica). Desta forma, não se pode senão concluir que o articulado é admissível (…)" . [3] "1 – Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquela data; 2 – Os documentos destinados a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior, podem ser oferecidos em qualquer ocasião do processo". [4] Trata-se da anotação a um código, onde se cita um estudo sobre a relação entre a velocidade dos veículos e a distância de travagem e no qual sequer se pondera a eficiência do próprio sistema de travagem, o tipo de pneumáticos utilizados ou a magnitude do impacto! [5] "Com base no relatório pericial elaborado, de fls. 358". [6] Sublinhando-se a matéria que a recorrente quer ver acrescentada na resposta ao quesito. [7] "… justifica a Mmª Juiz a quo a sua resposta baseada: a) no relatório pericial de fl. 359 a 364, em conjugação b) com a documentação clínica referenciada em tal relatório e c) as declarações da testemunha I…, irmã do autor, e d) do J…, cunhado daquele; (…) O dito exame contém duas partes distintas: numa delas refere-se às queixas do examinando; a seguir refere-se ao exame objetivo. Ora, a autora pretende que se altere a resposta ao quesito 27 com base nas suas queixas, que não têm correspondência no exame objetivo, onde se começa por referir que “O examinando apresenta-se consciente, orientado, colaborante, com bom estado geral, idade aparente de harmonia com a idade real (…) marcha normal, sem apoio nem claudicação”, referindo depois as sequelas que o examinando apresenta e fazendo o seu enquadramento na respetiva Tabela (Anexo II do DL 352/07, de 23/10), ou seja por “3 – Perturbações cognitivas – Síndrome frontal: Na0301 – Perturbação grave (com apragmatismo e alterações graves da inserção social e familiar – valorizáveis entre 61 a 85 pontos” - DR de 23.10.2007, fls. 7782/7783). Contra a alegada “incoordenação motora” (por ex.), reponde o Relatório com “marcha normal, sem apoio nem claudicação". - Quesito 31: A Mmª. Juiz a quo fundamentou a sua resposta de “não provado” ao quesito. Também se nos afigura óbvia a sem razão da recorrente. O Sr. Perito do Relatório de fl. 367 não se pronunciou, nem tinha de pronunciar-se, sobre a capacidade física do autor C… para se mover ou locomover dentro do domicílio que lhe foi apontado. Essa capacidade, segundo o relatório pericial, não sofre limitações: a marcha é normal, sem apoio nem claudicação. Mas há ainda um segundo aspeto: é que a casa onde ele tem (tinha) o seu domicílio nem sequer era dele! Ora, é evidente que o autor não pode pretender se façam obras numa casa onde apenas tem o seu domicílio, sem esclarecer de quem é essa casa e a que título aí tem o seu domicílio e, se é alheia, que as obras teriam o acordo do seu dono. Nada disto foi alegada e demonstrado, sendo óbvio que o tribunal nunca poderia impor obras numa qualquer casa em que o C… tivesse o seu domicílio. Quesito 32: O ali reclamado pressuporia uma pessoa acamada. Não é o caso do autor. Quesito 33: Não importa ao tribunal o custo de obras cuja necessidade de realização foi dada como não provada. E apenas com base num relatório, que parte do pressuposto errado de que a situação clínica do autor as tornava necessárias. A resposta está correta". [8] Sublinhado nosso. [9] "Da documentação clínica que nos foi facultada consta cópia dos registos do Hospital F… – Serviços de Urgência, Neurocirurgia, Unidade de Cuidados Intensivos e Cirurgia Plástica e Hospital G…, da qual se extri o seguinte: - Foi assistido no local pelo INEM que o levou para o Hospital G… em Penafiel. Deste Hospital foi transferido para o F… no Porto, tendo estado internado na UCIPU – unidade de cuidados intensivos – de 12.12.2005 a 31.12.2005 por politraumatismo com esfacelo grave da face, hemorragia aguda, TCE com edema cerebral difuso, hemorragia subaracnoideia, contusões hemorrágicas epidurais, fraturas múltiplas do crânio e face, nomeadamente fratura do malar direito, seio maxilar direito, parede lateral da órbita direita. Em 6.01.2006 foi operado por Neurocirurgia e colocou uma válvula de drenagem de LCR que estava a causar hidrocefalia- - VVP ou Válvula Ventrículo Peritonial. No Hospital F… foi tratado por Cirurgia Geral, Cirurgia Plástica, Neurocirurgia, Neurologia. Foi observado em consulta externa de Neurocirurgia em 13.02.2006. – Relatório Médico do Hospital G…: depois de transferido para o Hospital de Penafiel ficou internado a efetuar fisioterapia, de 20.1.2006 a 3.2.2006. Nessa data foi transferido para o L…, devido às suas carências afetivas e sociais". [10] Admitindo o nexo de causalidade; fixando a consolidação das lesões em 19.01.2006 e o período de danos temporários (54 dias). Entende que o Quantum doloris é de grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente e quanto aos danos permanentes valorizáveis valoriza especialmente a "perturbação grave com apragmatismo e alterações graves de inserção social e familiar", sendo o examinado "totalmente dependente da ajuda de terceira pessoa" e atribui-lhe "uma IPG de 76%". Acrescenta que "as sequelas descritas são impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da área da sua preparação técnico-profissional" e "Dependência de: ajuda de terceira pessoa, ajudas medicamentosas e ajudas técnica". [11] Como claramente resulta destes (outros) factos que transcrevemos: "19 - Em consequência da colisão, o Autor sofreu as seguintes lesões: a) TCE grave (Glasgow 5); b) Politraumatismos; c) Edema cerebral difuso, contusões hemorrágicas bifrontais e hemorrogia subaracnoideia; d) Fraturas na face; e) Fratura com afundamento dos ossos da face do lado esquerdo; f) Hidrocefalia; g) Múltiplas escoriações pelo corpo. (15º) 24 - O autor apresentava hidrocefalia com sinais de atividade. (20º) 31 - O autor teve uma incapacidade geral total desde 12/12/2005 até 3/2/2006 (54 dias) e apresenta uma incapacidade permanente geral fixável em 76 pontos, sendo as sequelas impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional. (28º) 34 - O autor necessita e necessitará para o resto da vida de uma pessoa que o auxilie na execução das tarefas de limpeza da casa, cozinhar alimentos, gerir os seus haveres e tomar decisões. (34º e 35º) 40 - Dores que se mantêm e irão manter no futuro nos locais lesionados sempre que há mudança de tempo. (42º) 41 - O Autor perdeu a capacidade de inter-relacionamento social e de constituir família. (43º) 42 - Está deprimido e triste, sem gosto pela vida. (44º) [12] Citamos: "No que respeita à dinâmica do sinistro, o Tribunal relevou as declarações da testemunha presencial, H…, em conjugação com o croqui junto aos autos a fls. 426 a 428 e fotografias de fls. 16 a 34 e 92 a 94. Com efeito, tal testemunha, de forma objetiva, credível, desinteressada e absolutamente convincente descreveu o acidente (…). Não obstante a testemunha estar a colocar garrafas na mala da sua carrinha que estava de frente para o restaurante, achou piada à forma como o autor saiu do parque, o que fez com que ficasse a olhar para ele. Ora, a forma bizarra e pouco usual com que o autor abandona o parque é, em nossa opinião, suscetível de chamar a atenção, sendo perfeitamente credível que esta testemunha ficasse a olhar para a manobra que o autor ia executar, perspetivando até a hipótese de poder vir a assistir a um acidente, pois conforme nos referiu: “pensou, se vem um carro, limpa este gajo”. Assim, as declarações desta testemunha são absolutamente desinteressadas e sinceras, razão pela qual, o Tribunal relevou a sua descrição do acidente, não obstante o mesmo estar a cerca de 30 metros do local do embate, conforme nos referiu e não obstante ser noite, existindo luz pública que proporcionava uma razoável visibilidade, versão corroborada pelo agente da GNR, N…, que referiu que no local existe iluminação pública vendo-se razoavelmente a 50 metros. Referiu-nos que a motorizada entrou de forma enviesada na estrada, em direção a …, em local em que as hemi-faixas estavam separadas por um traço contínuo. O carro depois de descrever uma curva aparece a circular em cima do eixo da via, ocupando parte da faixa de rodagem destinada ao trânsito em sentido contrário, à velocidade excessiva de 80 a 90 Km/h, e ainda ouve os pneus a derrapar e, logo de seguida, embate com a sua frente esquerda na frente da motorizada, na hemi-faixa esquerda, atento o seu sentido de marcha, a cerca de 1 metro do eixo da via, projetando o autor que acabou por cair no solo. Tal versão dos factos está em consonância com o croqui junto a fls. 426 a 428 e com as declarações do agente da GNR, N…, que elaborou o aludido croqui (…). A localização dos rastos de travagem existentes no local, nos termos assinalados no croqui, estão, igualmente, em consonância (….). No que se reporta à velocidade a que circulava o veículo, o Tribunal relevou, para além das declarações da testemunha já identificada, o comprimento dos rastos de travagem de 11,20m, as fotografias de ambos os veículos acidentados, juntas a fls. 31 a 34 e 92 a 94, que indiciam a violência do embate, não obstante a reduzida velocidade a que o autor obrigatoriamente circulava, atento o facto de o motor da motorizada não ter sido sequer acionado e a distância a que a própria motorizada foi projetada – 17, 90m (resposta aos factos 3º e 8º)" [13] Ou seja, independentemente da admissão da junção do documento apresentado com as alegações da recorrente. [14] A natureza do solo e o seu atrito, a espécie de pneumáticos em causa, o efeito do embate, por exemplo… [15] Seguimos José Lebre de Freitas/A. Montalvão Machado. Rui Pinto (Código de Processo Civil Anotado, Volume II, Coimbra Editora, 2001, págs. 691/692). Ops autores referem o que no texto se diz, salientando mermo que não está em causa a eficácia do caso julgado "ao contrário do que a defeituosa inserção dos artigos que regulam a matéria podia levar a supor". E dizem também, melhor esclarecendo que "não se trata diretamente da eficácia extraprocessual da prova produzida no processo penal, mas da eficácia probatória da própria sentença, independentemente das provas com base nas quais os factos tenham sido dados como assentes. A presunção estabelecida difere das presunções strito sensu, na medida em que a ilação imposta ao juiz cível resulta do juízo de apuramento dos factos por ato jurisdicional com trânsito em julgado". [16] Aí se estabelecia, no citado artigo 153, que "a condenação definitiva proferida na ação penal constituirá caso julgado, quanto à existência e qualificação do facto punível e quanto à determinação dos seus agentes, mesmo nas ações não penais em que se discutam direitos que dependam da existência da infração". [17] Decorrente do DL. 329-A/95 e – a expressão "perante terceiros"- do DL. 180/96. [18] Neste sentido, esclarece o Ac do STJ de 6.01.2000 (Sumários, 37 – 29) que em processo penal não pode, em rigor, falar-se de partes, como acontece no processo civil, mas "o limite ao efeito erga omnes do caso julgado penal condenatório (artigo 153.º do CPP/29), nesta área introduzido pelo artigo 674-A do CPC/905, respeita tão só a "terceiros" e consiste na possibilidade de estes, e só estes, nunca o condenado penal, poderem ilidir a presunção resultante desse julgado, e apenas quanto aos aspetos ali expressos, tudo como regime excecional". [19] Como se refere no Ac. STJ de 14.12.2006 (dgsi) o artigo 674-A do CPC refere-se aos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como os que respeitam às formas do crime; "não obstante a condenação penal pressupor uma exaustiva e oficiosa indagação de toda a matéria de facto relevante, a eficácia probatória da sentença penal em subsequentes ações cíveis encontra-se, no mais, necessariamente limitada aos factos efetivamente apurados na ação penal". [20] "As personalidades jurídicas da segurada e da seguradora não se confundem, e como esta nenhuma intervenção teve na ação penal tem que considerar-se um terceiro". [21] Como diz o preceito, "Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos…" [22] Assim justifiocando "Uma vez que os montantes a que a ré “Companhia de Seguros D…, S.A. foi condenada a pagar à autora não ultrapassam o capital seguro de € 600.000,00 o segundo réu, E…, não será objeto de qualquer condenação". Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico - convertido pelo Lince.