I - Sendo o bem danificado um veículo automóvel cabe ao lesado a opção entre mandar reparar o veículo ou optar por uma indemnização em dinheiro. II - O valor dos danos a ter em conta não é o valor venal do veículo, mas o valor que o veículo representa dentro do património do lesado, para se deslocar, passear a família e fruir das utilidades que correspondem a necessidades que a utilização do veículo satisfaz.
Apelação Processo nº2018/11.9TBVLG.P1 vindo do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo. 529-desp.acidviac-resp.risco-2018 DECISÃO INDIVIDUAL DE JUIZ RELATOR nos termos do disposto nos artigos 652º- 1 al. c) e 656º, todos do C.P.C., na redacção introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que entrou em vigor a 1 de Setembro de 2013, e que são de aplicação imediata, nos termos do artigo 5º da referida lei. 1. Despacho a que alude o artigo 652º do C.P.C.: Recurso recebido como de apelação, próprio, com efeito e regime de subida acertados. Nada obsta ao conhecimento do seu objecto. 2. Profiro decisão individual de JUIZ RELATOR porque, embora se trate de aplicar normas e regimes susceptíveis de tratamentos e soluções diversos, haverá sempre que decidir o caso (o tribunal não pode abster-se de julgar – artigo 8º - do Código Civil), e as questões apesar de tudo – são simples e delimitadas. Por outro lado, atenta a fase do processo, o que está em causa no recurso – facto e direito -, o tratamento das questões em apreço que do processo já consta explanado, as Partes nunca poderão sustentar que ficarão agora face a uma decisão surpresa, sendo de dispensar manifestamente, a notificação a que alude o artigo 3º - 3 do C.P.C.. Aos cidadãos em geral, a todos, e às Partes em particular, cabe o direito de obterem em prazo razoável uma decisão judicial que aprecie com força de caso julgado a pretensão trazida a juízo – artigos 2º - 1 do C.P.C e 20º da Constituição da República Portuguesa. 3. Inconformado com a decisão proferida nos autos, recorre o Autor B…, relativamente à sua acção e ao seu pedido, recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo. Inconformada com a decisão proferida nos autos a Autora C…, Lda. adere nos termos do artigo 683º, 2, a) do CPC ao recurso do Autor, subscrevendo as suas alegações e solicitando que a Recorrida seguradora seja condenada a pagar-lhe 50% do por si peticionado. A Ré Seguradora defende a inadmissibilidade da adesão por parte da Autora C…, Lda., ao recurso interposto pelo Autor, atento que o valor da causa daquela - € 1.280,00 – o não admite. Vejamos. À acção interposta pela Autora C…, Lda., com o valor de € 1.280,00, foi apensada a acção interposta pelo Autor B… com o valor de € 9.142,20. Tal operou-se pelo douto despacho de fls. 64 transitado em julgado. A apensação de acções nos termos do artigo 275º do CPC então vigente não opera a sua integração numa única, mantendo cada uma delas a sua individualidade própria, uma vez que a apensação é ditada por razões de ordem processual e acima de tudo para evitar contradições de julgamento – Alberto dos Reis, Comentário, 3º-220. As acções apensadas unificam-se do ponto de vista processual, mas conservam a sua independência quanto às questões adjectivas próprias – sentença do Juiz Presidente do Círculo de Aveiro de 7-12-1981, Col. Jur., 1983, 1º-337. As acções apensadas nos termos do referido artigo, mantêm a sua autonomia, sendo instruídas e julgadas em conjunto. Não haverá que adicionar os pedidos e transformar as duas acções numa só, eventualmente sob a forma de processo mais solene, isto é, permanece a utilidade económica do pedido de cada acção e não se altera o valor do processo principal – Ac. TRC de 27-2-2007 proferido no processo nº <a href="https://acordao.pt/decisoes/125051" target="_blank">819/05.6TBOHP.C1</a>, consultável no site da dgsi.net. Isto significa que a Autora C…, Lda. não pode aderir à apelação do Autor porque o valor da sua causa não admite recurso para a Relação – artigo 678º, 1 do CPC na redacção revogada e que corresponde ao actual 629º. 1. O instituto de adesão a recurso interposto não altera esta concepção de cindibilidade de causas, nada impossibilitando que a relação com um sujeito fique decidida de um modo, e a relação com outro sujeito de modo diverso – Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed., Almedina, pág. 92. Não se admite a adesão da Autora à apelação do Autor, porque o recurso deste não pode aproveitar àquela – artigo 634º, 2 a) do CPC. Notifique. 4 I - RELATÓRIO A Autora C…, Lda., com sede na Rua …, n.º .., Lousada, intentou em 19 de Maio de 2011 acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumaríssimo, destinada a efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, demandando a Ré D…, S.A., com sede na Rua …, n.º .., Lisboa. Por seu turno, o Autor B…, residente na Rua …, n.º …, .º dto, traseiras, Vila Nova de Gaia, intentou em 28 de Junho de 2011 acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário que pendia neste Juízo sob o n.º 2506/11.7TBVLG, igualmente destinada a efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, demandando, de igual modo, a Ré D…, S.A.. Em suma, ambos os Autores alegam para tanto e em síntese, que no dia 8 de Maio de 2010 ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos de que são proprietários e que identificam, os quais foram embatidos pelo veículo automóvel com a matrícula ..-IZ-.., que se despistou e que a responsabilidade civil emergente da circulação deste, nessa altura, se encontrava transferida para a Ré, através de contrato de seguro titulado pela apólice número ………/…. Ambos os Autores pretendem a condenação da Ré. Citada, a Ré contestou, impugnando a factualidade relativa à dinâmica do acidente, atribuindo a culpa na ocorrência do acidente ao condutor do veículo automóvel com a matrícula ..-..-LF, pertencente ao Autor B…. Pugna pela improcedência das acções.*Os processos foram apensados. Por despacho de fls. 75, foi determinada a adequação formal dos presentes autos – que seguiam a forma de processo sumaríssimo - prosseguindo a tramitação própria de uma acção sumária.*Saneou-se o processo. Lavraram-se os factos assentes e teceu-se a base instrutória. A fls. 132 e ss. foi junta a participação do acidente de viação dos autos. Efectua-se julgamento na 1ª instância de Juiz singular, com gravação da prova. Prolata-se despacho sobre a matéria de facto, fundamentado. Na 1ª instância dão-se como provados os seguintes factos: A) – No dia 08 de Maio de 2010, pelas 21h40, na Auto-Estrada …, ao km 16,000, no sentido …/…, ocorreu um acidente, no qual foram intervenientes os seguintes veículos: a. Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Honda, modelo …, com a matrícula ..-IZ-.., conduzido por E…; b. Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Ford, modelo …, com a matrícula ..-..-BI, propriedade de C…, Lda., e conduzido por F…, seu sócio-gerente; c. Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Audi, com a matrícula ..-..-LF, propriedade de B… e por si conduzido. B) – Os veículos referidos em A) seguiam todos no sentido de trânsito …/…. C) – A faixa de rodagem, no local referido em A), é composta por duas hemi-faixas que permitem a circulação de duas filas de veículos no sentido …/…, separadas, por um separador central, das hemi-faixas destinadas ao trânsito que circula em sentido contrário. D) – No local referido em A) a via configura uma curva. E) – (O piso) é em betuminoso flexível e encontrava-se em bom estado de conservação. F) – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A) era de noite e chovia. G) – No acidente referido em A), houve um embate entre os veículos IZ e LF. H) – Em virtude desse embate o LF sofreu danos na parte lateral direita, na parte lateral esquerda e na frente, tendo ficado danificado o guarda-lamas esquerdo, o guarda-lamas direito, o pára-choques da frente, a cave das rodas e o capot. I) – Os danos referidos em H) foram examinados pelos serviços técnicos da Ré, que estimaram o custo da sua reparação em €9.142,20. J) – E atribuíram, ao veículo, o valor de €8.900,00, e aos salvados, o valor de €1.900,00. K) – Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …………./., a Ré assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Honda, modelo …, com a matrícula ..-IZ-... L) – Em consequência do embate com o IZ, o BI sofreu danos na óptica, no guarda-lamas direito, no farol de nevoeiro, no farolim de pisca, no pára-choques, em toda a chapa frontal e lateral direita, e no capot. M) – A pedido da Autora C…, Lda., a “G…, Lda.” procedeu à reparação dos danos ocorridos no BI e referidos em L). N) – A Autora C…, Lda. pagou os custos da reparação referida em M), no montante de €1.230,00. O) – Para a reparação do BI foram necessários três dias. P) – Durante esse período o BI ficou impossibilitado de circular. Q) – O BI é utilizado, diariamente, pela Autora C…, Lda., no âmbito da sua actividade, nas deslocações entre as instalações da Autora e as instalações dos vários clientes. R) – Antes do embate com o IZ, o LF encontrava-se em boas condições de funcionamento e de conservação. S) – A autora sabia de onde e para onde o condutor do BI ia. T) – As hemi-faixas de rodagem referidas em C), perfazem 7,00 metros de largura e são delimitadas, à direita, por uma berma com aproximadamente 5,90 metros de profundidade. U) – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), o piso encontrava-se húmido. V) – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), o IZ circulava ocupando a hemi-faixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha. W) – Com as luzes de cruzamento (médios) ligadas. X) – A uma velocidade não superior a 90 km/h.*Decide-se de mérito, aplicando o Direito a este conjunto de factos, e, atentos os pedidos das duas acções apensadas, a final, em julgar ambas improcedentes, absolvendo-se a Ré dos pedidos. As custas ficaram pelos Autores. À causa de que é Autora a “C…, Lda” foi atribuído o valor de € 1.280,00. À causa de que é Autor B… foi atribuído o valor de € 9.142,20.*Neste recurso está em causa apenas a acção intentada em 28 de Junho de 2011 sob o n.º 2506/11.7TBVLG, pelo Autor B…, apensa ao processo supra indicado. Inconformado, recorre este Autor B…, relativamente à sua acção e ao seu pedido, recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo. Inconformada a Autora C…, Lda. adere nos termos do artigo 683º, 2, a) do CPC ao recurso do Autor, mas a adesão foi indeferida supra. CONCLUSÕES DO RECURSO do Autor B…: O Autor B… entende que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 503º e 505º do CC; que tendo-se dado como provado que houve um embate entre o veículo do Apelante – o LF – e o veículo seguro na Ré – o IZ -, com danos para aquele, não tendo ficado provada a culpa de nenhum dos intervenientes nem que o acidente se tenha ficado a dever a causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, há que condenar a Ré pela responsabilidade pelo risco, a indemnizar o ora Apelante em € 4.571,10, precisamente metade dos danos provados – no valor de € 9.142,20. A Apelada contra-alega, defendendo a bondade da decisão e invocando, sem prescindir, a excessiva onerosidade da restauração in natura que a defesa do Apelante encarna.*Cumpre apreciar e decidir.*II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo. “Questões” são as concretas controvérsias centrais a dirimir. III - OBJECTO DO RECURSO Ao presente processo, e ao presente recurso são aplicáveis as disposições do C.P.C. introduzidas pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, que entraram em vigor em 1-1-2008, pois que, como se disse, a acção foi intentada em 2011, aplicação essa mantida no artigo 7º da Lei nº 41/2013. Os factos a ter em conta são os dados como provados na sentença recorrida, porque não impugnados, já transcritos, para que se remete. Está apenas em causa a acção intentada em 28 de Junho de 2011 que pendia neste Juízo sob o n.º 2506/11.7TBVLG, pelo Autor B…. Cumpre aferir da obrigação de indemnizar por parte da seguradora Apelada. IV- mérito do recurso Prestemos atenção ao seguinte conjunto de factos relevantes: A) – No dia 08 de Maio de 2010, pelas 21h40, na Auto-Estrada …, ao km 16,000, no sentido …/…, ocorreu um acidente, no qual foram intervenientes os seguintes veículos: a. Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Honda, modelo …, com a matrícula ..-IZ-.., conduzido por E…; b. Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Ford, modelo …, com a matrícula ..-..-BI, propriedade de C…, Lda., e conduzido por F…, seu sócio-gerente; c. Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Audi, com a matrícula ..-..-LF, propriedade de B… e por si conduzido. B) – Os veículos referidos em A) seguiam todos no sentido de trânsito …/…. C) – A faixa de rodagem, no local referido em A), é composta por duas hemi-faixas que permitem a circulação de duas filas de veículos no sentido …/…, separadas, por um separador central, das hemi-faixas destinadas ao trânsito que circula em sentido contrário. D) – No local referido em A) a via configura uma curva. E) – (O piso) é em betuminoso flexível e encontrava-se em bom estado de conservação. F) – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A) era de noite e chovia. G) – No acidente referido em A), houve um embate entre os veículos IZ e LF. H) – Em virtude desse embate o LF sofreu danos na parte lateral direita, na parte lateral esquerda e na frente, tendo ficado danificado o guarda-lamas esquerdo, o guarda-lamas direito, o pára-choques da frente, a cave das rodas e o capot. I) – Os danos referidos em H) foram examinados pelos serviços técnicos da Ré, que estimaram o custo da sua reparação em €9.142,20. J) – E atribuíram, ao veículo, o valor de €8.900,00, e aos salvados, o valor de €1.900,00. K) – Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …………./., a Ré assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Honda, modelo …, com a matrícula ..-IZ-... L) – Em consequência do embate com o IZ, o BI sofreu danos na óptica, no guarda-lamas direito, no farol de nevoeiro, no farolim de pisca, no pára-choques, em toda a chapa frontal e lateral direita, e no capot. R) – Antes do embate com o IZ, o LF encontrava-se em boas condições de funcionamento e de conservação. U) – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), o piso encontrava-se húmido. V) – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), o IZ circulava ocupando a hemifaixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha. W) – Com as luzes de cruzamento (médios) ligadas. X) – A uma velocidade não superior a 90 km/h. Provado ficou que no acidente dos autos houve um embate entre os veículos IZ, seguro na Ré Seguradora, e LF, pertença do Autor B…, ora Apelante. Como bem se analisou na sentença recorrida, atenta a factualidade provada, não é possível atribuir a responsabilidade pela produção do acidente a culpa, efectiva ou ainda que presumida, de qualquer dos condutores dos veículos agora em causa - IZ e LF. Afastada ficou a qualificação dos factos como integrando uma situação de responsabilidade civil por factos ilícitos a título subjectivo. O Autor não restringiu a condenação da Ré a indemnizá-lo à responsabilidade extracontratual subjectiva. Atenta a causa de pedir complexa que é o acidente de viação, cabe saber se estamos perante uma situação de responsabilidade civil por factos ilícitos com base no risco, ou também dita objectiva. Como sabemos esta só existe nos casos especificados na lei – artigo 483º, 2 do C.Civil. Efectivamente, nos termos do artigo 503º, 1 do C. Civil aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse (…) responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação. A responsabilidade objectiva funda-se na criação do risco. Deve ela caber àquele que cria o risco e este é criado por quem tem a efectiva direcção do veículo e o utiliza no seu interesse. Não há dúvida de que relativamente ao IZ e ao LF os respectivos donos tinham a efectiva direcção dos veículos e os utilizavam no seu interesse. Por riscos próprios do veículo entende-se tudo o que diz respeito ao funcionamento da máquina e ainda os relacionados com o próprio condutor. O dano indemnizável nesta modalidade de fonte de obrigação de indemnizar será aquele que estiver em conexão causal com o risco. (Por todos Dário Martins de Almeida, in Manual de Acidentes de Viação, 2ª edição, 1980, Almedina, pág. 308 e ss.) Está provado que o IZ seguia na sua mão de trânsito, com os médios ligados, a menos de 90 kms/h. Seguia em obediência às regras estradais. Esta situação diz necessariamente respeito ao tempo anterior à produção e verificação do acidente. Relativamente ao LF não há nenhum elemento de facto que nos leve a caracterizar a condução que vinha fazendo. Efectivamente pelos factos provados não se sabe em que concretas circunstâncias é que a colisão entre o IZ e o LF se deu. Não se sabe o como, o porquê, quem embateu em quem e com que partes. De acordo com G) e H) sabe-se que houve um embate entre os veículos IZ e LF. E que em virtude desse embate o LF sofreu danos na parte lateral direita, na parte lateral esquerda e na frente, tendo ficado danificado o guarda-lamas esquerdo, o guarda-lamas direito, o pára-choques da frente, a cave das rodas e o capot. Estes danos estão em conexão causal com o risco de circulação dos dois veículos, inexistindo também factos que nos levem a determinar que tais danos estão em conexão com o risco de circulação de um deles. Efectivamente ambos os veículos são automóveis, ligeiros de passageiros, seguindo no mesmo sentido de marcha, na mesma auto-estrada. Rege assim o disposto no artigo 506º, 1 do C. Civil segundo o qual se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; (…) e 2 – em caso de dúvida considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada u dos condutores. Não está excluída a responsabilidade pelo risco – artigo 505º do C. Civil, pois designadamente não se prova que o embate entre o IZ e o LF se ficou a dever ao lesado (condutor do LF) ou a terceiro. Na sentença recorrida, em sede de aplicação do direito, fala-se de despiste do IZ, mas o certo é que os factos dados como provados não permitem concluir pela verificação desse acontecimento. Temos um embate entre dois veículos – factos G) e H) – com danos num deles – o LF. É todavia verdade que, noutro momento certamente do acidente dos autos, há um embate do BI no IZ – facto L), em nada relacionado –atentos os factos provados - com o embate de G) e H). Não é possível assacar a culpa da produção do acidente, efectiva ou mesmo que presumida, ao condutor de um dos veículos – IZ e LF. Trata-se de dois ligeiros de passageiros, com volume e peso sensivelmente idênticos, o que, atento o quadro traçado, e sem outros elementos, nos faz cair na regra do nº 2. Presume-se igual a contribuição de cada um dos veículos para a produção dos danos. Os danos provocados no LF demandavam uma reparação no montante de € 9.142,20- facto I). Segundo J) – ao veículo LF foi atribuído o valor de € 8.900,00, e aos salvados, o valor de € 1.900,00. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor - artigo 566º, 1 do C. Civil. A regra na reparação é a reconstituição natural. A reparação é sempre onerosa, só sendo de afastar nos casos previstos. O montante do dano indemnizável pela Ré por via da celebração do contrato de seguro cujo objecto era a circulação do IZ, provocado no LF é de € 4.571,10, precisamente metade dos danos provados – no valor de € 9.142,20. (artigo 506º,2 do C. Civil) O montante do dano foi alegado e provado pelo lesado. Cabe à Ré alegar e provar que a reparação do dano com vista à reconstituição natural lhe acarreta um encargo injustificável, desajustado. A opção entre mandar reparar o LF ou optar por receber uma indemnização em dinheiro cabe ao Autor. Sendo o bem danificado um veículo automóvel, este – salvo se se tratar de um vendedor de automóveis ou de um veículo comercial – não tem para o seu dono apenas um valor comercial, ou de troca. O Autor pretende ser indemnizado relativamente ao valor dos danos e não em relação ao valor de mercado do veículo LF antes do embate. A equiparação do valor do dano e da correspondente indemnização, ao valor de mercado do veículo, pressupõe que para o lesado seja indiferente ter o veículo ou o seu valor. Este pressuposto não se verifica. O valor a ter em conta não é o valor da venda, o valor venal do veículo, mas o valor que o veículo representa dentro do património do lesado, para se deslocar, passear com a família, normalmente um conjunto de utilidades que correspondem a necessidades que a utilização do veículo satisfaz. Este conceito de valor integra a marca, o modelo, e demais aptidões que satisfazem as necessidades do lesado. O valor venal do veículo é diferente deste, normalmente apenas tendo em consideração a marca, o modelo, o ano da matrícula e tabelas de desvalorização. Porém os donos dos veículos não trocam de carro todos os anos, o que torna este valor venal muito inferior ao valor real do veículo como bem integrado no património do lesado. Portanto, a reparação, com vista à reconstituição natural, considerando a teoria da diferença, tem sempre em vista a reconstituição da situação anterior, seja através do valor da reparação do veículo sinistrado, seja através de valor da substituição do veículo sinistrado por outro que satisfaça as mesmas necessidades do sinistrado, no caso de perda total. Este valor é de considerar em relação ao valor do dano, representado pelo custo da reparação, e não por referência ao valor venal do veículo, sem qualquer redução, designadamente do valor dos salvados. Neste sentido os Ac. do TRC de 17 de Junho de 2008, Col. Jur., 2008, 3º-33 e Ac. TRE de 18-9-2008, Col. Jur., 2008, 4º-249. Para a Ré Seguradora, não é excessivamente oneroso suportar metade do valor da reparação em contraposição a metade do valor venal do veículo, montantes aliás muito próximos. O artigo 41º do DL 291/2007, de 21 de Agosto insere-se num capítulo que se dirige a fixar regras e procedimentos para as empresas seguradoras com vista a garantir a assunção da sua responsabilidade e o pagamento de indemnizações devidas em caso de acidente, de forma pronta e diligente, numa fase pré-judicial da resolução de conflitos. Igualmente se tem entendido que não se trata de norma interpretativa. Não será mais que um elemento a considerar para o julgador na fase litigiosa do conflito. Assim, é de proceder a apelação. V-DECISÃO: Pelo que fica exposto, decide-se neste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação relativamente à acção n.º 2506/11.7TBVLG, em que é Autor B…, apensa ao processo supra indicado, revogando-se a mesma em que se condena a Ré D…, SA a pagar ao referido Autor o montante de € 4.571,10, acrescido de juros vencidos desde a citação e vincendos até integral e efectivo pagamento, à taxa supletiva legal que vigorar para as operações meramente civis. No mais peticionado por este Autor vai a Ré absolvida. Custas na 1ª instância: pelo Autor e Ré em partes iguais. Custas na 2ª Instância: pela Ré. Valor da causa: € 9.142,20. Porto, 17-02-2014. Rui Moura
Apelação Processo nº2018/11.9TBVLG.P1 vindo do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Valongo. 529-desp.acidviac-resp.risco-2018 DECISÃO INDIVIDUAL DE JUIZ RELATOR nos termos do disposto nos artigos 652º- 1 al. c) e 656º, todos do C.P.C., na redacção introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que entrou em vigor a 1 de Setembro de 2013, e que são de aplicação imediata, nos termos do artigo 5º da referida lei. 1. Despacho a que alude o artigo 652º do C.P.C.: Recurso recebido como de apelação, próprio, com efeito e regime de subida acertados. Nada obsta ao conhecimento do seu objecto. 2. Profiro decisão individual de JUIZ RELATOR porque, embora se trate de aplicar normas e regimes susceptíveis de tratamentos e soluções diversos, haverá sempre que decidir o caso (o tribunal não pode abster-se de julgar – artigo 8º - do Código Civil), e as questões apesar de tudo – são simples e delimitadas. Por outro lado, atenta a fase do processo, o que está em causa no recurso – facto e direito -, o tratamento das questões em apreço que do processo já consta explanado, as Partes nunca poderão sustentar que ficarão agora face a uma decisão surpresa, sendo de dispensar manifestamente, a notificação a que alude o artigo 3º - 3 do C.P.C.. Aos cidadãos em geral, a todos, e às Partes em particular, cabe o direito de obterem em prazo razoável uma decisão judicial que aprecie com força de caso julgado a pretensão trazida a juízo – artigos 2º - 1 do C.P.C e 20º da Constituição da República Portuguesa. 3. Inconformado com a decisão proferida nos autos, recorre o Autor B…, relativamente à sua acção e ao seu pedido, recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo. Inconformada com a decisão proferida nos autos a Autora C…, Lda. adere nos termos do artigo 683º, 2, a) do CPC ao recurso do Autor, subscrevendo as suas alegações e solicitando que a Recorrida seguradora seja condenada a pagar-lhe 50% do por si peticionado. A Ré Seguradora defende a inadmissibilidade da adesão por parte da Autora C…, Lda., ao recurso interposto pelo Autor, atento que o valor da causa daquela - € 1.280,00 – o não admite. Vejamos. À acção interposta pela Autora C…, Lda., com o valor de € 1.280,00, foi apensada a acção interposta pelo Autor B… com o valor de € 9.142,20. Tal operou-se pelo douto despacho de fls. 64 transitado em julgado. A apensação de acções nos termos do artigo 275º do CPC então vigente não opera a sua integração numa única, mantendo cada uma delas a sua individualidade própria, uma vez que a apensação é ditada por razões de ordem processual e acima de tudo para evitar contradições de julgamento – Alberto dos Reis, Comentário, 3º-220. As acções apensadas unificam-se do ponto de vista processual, mas conservam a sua independência quanto às questões adjectivas próprias – sentença do Juiz Presidente do Círculo de Aveiro de 7-12-1981, Col. Jur., 1983, 1º-337. As acções apensadas nos termos do referido artigo, mantêm a sua autonomia, sendo instruídas e julgadas em conjunto. Não haverá que adicionar os pedidos e transformar as duas acções numa só, eventualmente sob a forma de processo mais solene, isto é, permanece a utilidade económica do pedido de cada acção e não se altera o valor do processo principal – Ac. TRC de 27-2-2007 proferido no processo nº 819/05.6TBOHP.C1, consultável no site da dgsi.net. Isto significa que a Autora C…, Lda. não pode aderir à apelação do Autor porque o valor da sua causa não admite recurso para a Relação – artigo 678º, 1 do CPC na redacção revogada e que corresponde ao actual 629º. 1. O instituto de adesão a recurso interposto não altera esta concepção de cindibilidade de causas, nada impossibilitando que a relação com um sujeito fique decidida de um modo, e a relação com outro sujeito de modo diverso – Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed., Almedina, pág. 92. Não se admite a adesão da Autora à apelação do Autor, porque o recurso deste não pode aproveitar àquela – artigo 634º, 2 a) do CPC. Notifique. 4 I - RELATÓRIO A Autora C…, Lda., com sede na Rua …, n.º .., Lousada, intentou em 19 de Maio de 2011 acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumaríssimo, destinada a efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, demandando a Ré D…, S.A., com sede na Rua …, n.º .., Lisboa. Por seu turno, o Autor B…, residente na Rua …, n.º …, .º dto, traseiras, Vila Nova de Gaia, intentou em 28 de Junho de 2011 acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário que pendia neste Juízo sob o n.º 2506/11.7TBVLG, igualmente destinada a efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, demandando, de igual modo, a Ré D…, S.A.. Em suma, ambos os Autores alegam para tanto e em síntese, que no dia 8 de Maio de 2010 ocorreu um acidente de viação em que foram intervenientes os veículos de que são proprietários e que identificam, os quais foram embatidos pelo veículo automóvel com a matrícula ..-IZ-.., que se despistou e que a responsabilidade civil emergente da circulação deste, nessa altura, se encontrava transferida para a Ré, através de contrato de seguro titulado pela apólice número ………/…. Ambos os Autores pretendem a condenação da Ré. Citada, a Ré contestou, impugnando a factualidade relativa à dinâmica do acidente, atribuindo a culpa na ocorrência do acidente ao condutor do veículo automóvel com a matrícula ..-..-LF, pertencente ao Autor B…. Pugna pela improcedência das acções.*Os processos foram apensados. Por despacho de fls. 75, foi determinada a adequação formal dos presentes autos – que seguiam a forma de processo sumaríssimo - prosseguindo a tramitação própria de uma acção sumária.*Saneou-se o processo. Lavraram-se os factos assentes e teceu-se a base instrutória. A fls. 132 e ss. foi junta a participação do acidente de viação dos autos. Efectua-se julgamento na 1ª instância de Juiz singular, com gravação da prova. Prolata-se despacho sobre a matéria de facto, fundamentado. Na 1ª instância dão-se como provados os seguintes factos: A) – No dia 08 de Maio de 2010, pelas 21h40, na Auto-Estrada …, ao km 16,000, no sentido …/…, ocorreu um acidente, no qual foram intervenientes os seguintes veículos: a. Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Honda, modelo …, com a matrícula ..-IZ-.., conduzido por E…; b. Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Ford, modelo …, com a matrícula ..-..-BI, propriedade de C…, Lda., e conduzido por F…, seu sócio-gerente; c. Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Audi, com a matrícula ..-..-LF, propriedade de B… e por si conduzido. B) – Os veículos referidos em A) seguiam todos no sentido de trânsito …/…. C) – A faixa de rodagem, no local referido em A), é composta por duas hemi-faixas que permitem a circulação de duas filas de veículos no sentido …/…, separadas, por um separador central, das hemi-faixas destinadas ao trânsito que circula em sentido contrário. D) – No local referido em A) a via configura uma curva. E) – (O piso) é em betuminoso flexível e encontrava-se em bom estado de conservação. F) – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A) era de noite e chovia. G) – No acidente referido em A), houve um embate entre os veículos IZ e LF. H) – Em virtude desse embate o LF sofreu danos na parte lateral direita, na parte lateral esquerda e na frente, tendo ficado danificado o guarda-lamas esquerdo, o guarda-lamas direito, o pára-choques da frente, a cave das rodas e o capot. I) – Os danos referidos em H) foram examinados pelos serviços técnicos da Ré, que estimaram o custo da sua reparação em €9.142,20. J) – E atribuíram, ao veículo, o valor de €8.900,00, e aos salvados, o valor de €1.900,00. K) – Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …………./., a Ré assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Honda, modelo …, com a matrícula ..-IZ-... L) – Em consequência do embate com o IZ, o BI sofreu danos na óptica, no guarda-lamas direito, no farol de nevoeiro, no farolim de pisca, no pára-choques, em toda a chapa frontal e lateral direita, e no capot. M) – A pedido da Autora C…, Lda., a “G…, Lda.” procedeu à reparação dos danos ocorridos no BI e referidos em L). N) – A Autora C…, Lda. pagou os custos da reparação referida em M), no montante de €1.230,00. O) – Para a reparação do BI foram necessários três dias. P) – Durante esse período o BI ficou impossibilitado de circular. Q) – O BI é utilizado, diariamente, pela Autora C…, Lda., no âmbito da sua actividade, nas deslocações entre as instalações da Autora e as instalações dos vários clientes. R) – Antes do embate com o IZ, o LF encontrava-se em boas condições de funcionamento e de conservação. S) – A autora sabia de onde e para onde o condutor do BI ia. T) – As hemi-faixas de rodagem referidas em C), perfazem 7,00 metros de largura e são delimitadas, à direita, por uma berma com aproximadamente 5,90 metros de profundidade. U) – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), o piso encontrava-se húmido. V) – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), o IZ circulava ocupando a hemi-faixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha. W) – Com as luzes de cruzamento (médios) ligadas. X) – A uma velocidade não superior a 90 km/h.*Decide-se de mérito, aplicando o Direito a este conjunto de factos, e, atentos os pedidos das duas acções apensadas, a final, em julgar ambas improcedentes, absolvendo-se a Ré dos pedidos. As custas ficaram pelos Autores. À causa de que é Autora a “C…, Lda” foi atribuído o valor de € 1.280,00. À causa de que é Autor B… foi atribuído o valor de € 9.142,20.*Neste recurso está em causa apenas a acção intentada em 28 de Junho de 2011 sob o n.º 2506/11.7TBVLG, pelo Autor B…, apensa ao processo supra indicado. Inconformado, recorre este Autor B…, relativamente à sua acção e ao seu pedido, recurso admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo. Inconformada a Autora C…, Lda. adere nos termos do artigo 683º, 2, a) do CPC ao recurso do Autor, mas a adesão foi indeferida supra. CONCLUSÕES DO RECURSO do Autor B…: O Autor B… entende que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 503º e 505º do CC; que tendo-se dado como provado que houve um embate entre o veículo do Apelante – o LF – e o veículo seguro na Ré – o IZ -, com danos para aquele, não tendo ficado provada a culpa de nenhum dos intervenientes nem que o acidente se tenha ficado a dever a causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo, há que condenar a Ré pela responsabilidade pelo risco, a indemnizar o ora Apelante em € 4.571,10, precisamente metade dos danos provados – no valor de € 9.142,20. A Apelada contra-alega, defendendo a bondade da decisão e invocando, sem prescindir, a excessiva onerosidade da restauração in natura que a defesa do Apelante encarna.*Cumpre apreciar e decidir.*II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo. “Questões” são as concretas controvérsias centrais a dirimir. III - OBJECTO DO RECURSO Ao presente processo, e ao presente recurso são aplicáveis as disposições do C.P.C. introduzidas pelo DL 303/2007, de 24 de Agosto, que entraram em vigor em 1-1-2008, pois que, como se disse, a acção foi intentada em 2011, aplicação essa mantida no artigo 7º da Lei nº 41/2013. Os factos a ter em conta são os dados como provados na sentença recorrida, porque não impugnados, já transcritos, para que se remete. Está apenas em causa a acção intentada em 28 de Junho de 2011 que pendia neste Juízo sob o n.º 2506/11.7TBVLG, pelo Autor B…. Cumpre aferir da obrigação de indemnizar por parte da seguradora Apelada. IV- mérito do recurso Prestemos atenção ao seguinte conjunto de factos relevantes: A) – No dia 08 de Maio de 2010, pelas 21h40, na Auto-Estrada …, ao km 16,000, no sentido …/…, ocorreu um acidente, no qual foram intervenientes os seguintes veículos: a. Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Honda, modelo …, com a matrícula ..-IZ-.., conduzido por E…; b. Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Ford, modelo …, com a matrícula ..-..-BI, propriedade de C…, Lda., e conduzido por F…, seu sócio-gerente; c. Veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Audi, com a matrícula ..-..-LF, propriedade de B… e por si conduzido. B) – Os veículos referidos em A) seguiam todos no sentido de trânsito …/…. C) – A faixa de rodagem, no local referido em A), é composta por duas hemi-faixas que permitem a circulação de duas filas de veículos no sentido …/…, separadas, por um separador central, das hemi-faixas destinadas ao trânsito que circula em sentido contrário. D) – No local referido em A) a via configura uma curva. E) – (O piso) é em betuminoso flexível e encontrava-se em bom estado de conservação. F) – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A) era de noite e chovia. G) – No acidente referido em A), houve um embate entre os veículos IZ e LF. H) – Em virtude desse embate o LF sofreu danos na parte lateral direita, na parte lateral esquerda e na frente, tendo ficado danificado o guarda-lamas esquerdo, o guarda-lamas direito, o pára-choques da frente, a cave das rodas e o capot. I) – Os danos referidos em H) foram examinados pelos serviços técnicos da Ré, que estimaram o custo da sua reparação em €9.142,20. J) – E atribuíram, ao veículo, o valor de €8.900,00, e aos salvados, o valor de €1.900,00. K) – Por contrato de seguro titulado pela apólice n.º …………./., a Ré assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação rodoviária do veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca Honda, modelo …, com a matrícula ..-IZ-... L) – Em consequência do embate com o IZ, o BI sofreu danos na óptica, no guarda-lamas direito, no farol de nevoeiro, no farolim de pisca, no pára-choques, em toda a chapa frontal e lateral direita, e no capot. R) – Antes do embate com o IZ, o LF encontrava-se em boas condições de funcionamento e de conservação. U) – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), o piso encontrava-se húmido. V) – Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em A), o IZ circulava ocupando a hemifaixa de rodagem da direita, atento o seu sentido de marcha. W) – Com as luzes de cruzamento (médios) ligadas. X) – A uma velocidade não superior a 90 km/h. Provado ficou que no acidente dos autos houve um embate entre os veículos IZ, seguro na Ré Seguradora, e LF, pertença do Autor B…, ora Apelante. Como bem se analisou na sentença recorrida, atenta a factualidade provada, não é possível atribuir a responsabilidade pela produção do acidente a culpa, efectiva ou ainda que presumida, de qualquer dos condutores dos veículos agora em causa - IZ e LF. Afastada ficou a qualificação dos factos como integrando uma situação de responsabilidade civil por factos ilícitos a título subjectivo. O Autor não restringiu a condenação da Ré a indemnizá-lo à responsabilidade extracontratual subjectiva. Atenta a causa de pedir complexa que é o acidente de viação, cabe saber se estamos perante uma situação de responsabilidade civil por factos ilícitos com base no risco, ou também dita objectiva. Como sabemos esta só existe nos casos especificados na lei – artigo 483º, 2 do C.Civil. Efectivamente, nos termos do artigo 503º, 1 do C. Civil aquele que tiver a direcção efectiva de qualquer veículo de circulação terrestre e o utilizar no seu próprio interesse (…) responde pelos danos provenientes dos riscos próprios do veículo, mesmo que este não se encontre em circulação. A responsabilidade objectiva funda-se na criação do risco. Deve ela caber àquele que cria o risco e este é criado por quem tem a efectiva direcção do veículo e o utiliza no seu interesse. Não há dúvida de que relativamente ao IZ e ao LF os respectivos donos tinham a efectiva direcção dos veículos e os utilizavam no seu interesse. Por riscos próprios do veículo entende-se tudo o que diz respeito ao funcionamento da máquina e ainda os relacionados com o próprio condutor. O dano indemnizável nesta modalidade de fonte de obrigação de indemnizar será aquele que estiver em conexão causal com o risco. (Por todos Dário Martins de Almeida, in Manual de Acidentes de Viação, 2ª edição, 1980, Almedina, pág. 308 e ss.) Está provado que o IZ seguia na sua mão de trânsito, com os médios ligados, a menos de 90 kms/h. Seguia em obediência às regras estradais. Esta situação diz necessariamente respeito ao tempo anterior à produção e verificação do acidente. Relativamente ao LF não há nenhum elemento de facto que nos leve a caracterizar a condução que vinha fazendo. Efectivamente pelos factos provados não se sabe em que concretas circunstâncias é que a colisão entre o IZ e o LF se deu. Não se sabe o como, o porquê, quem embateu em quem e com que partes. De acordo com G) e H) sabe-se que houve um embate entre os veículos IZ e LF. E que em virtude desse embate o LF sofreu danos na parte lateral direita, na parte lateral esquerda e na frente, tendo ficado danificado o guarda-lamas esquerdo, o guarda-lamas direito, o pára-choques da frente, a cave das rodas e o capot. Estes danos estão em conexão causal com o risco de circulação dos dois veículos, inexistindo também factos que nos levem a determinar que tais danos estão em conexão com o risco de circulação de um deles. Efectivamente ambos os veículos são automóveis, ligeiros de passageiros, seguindo no mesmo sentido de marcha, na mesma auto-estrada. Rege assim o disposto no artigo 506º, 1 do C. Civil segundo o qual se da colisão entre dois veículos resultarem danos em relação aos dois ou em relação a um deles, e nenhum dos condutores tiver culpa no acidente, a responsabilidade é repartida na proporção em que o risco de cada um dos veículos houver contribuído para os danos; (…) e 2 – em caso de dúvida considera-se igual a medida da contribuição de cada um dos veículos para os danos, bem como a contribuição da culpa de cada u dos condutores. Não está excluída a responsabilidade pelo risco – artigo 505º do C. Civil, pois designadamente não se prova que o embate entre o IZ e o LF se ficou a dever ao lesado (condutor do LF) ou a terceiro. Na sentença recorrida, em sede de aplicação do direito, fala-se de despiste do IZ, mas o certo é que os factos dados como provados não permitem concluir pela verificação desse acontecimento. Temos um embate entre dois veículos – factos G) e H) – com danos num deles – o LF. É todavia verdade que, noutro momento certamente do acidente dos autos, há um embate do BI no IZ – facto L), em nada relacionado –atentos os factos provados - com o embate de G) e H). Não é possível assacar a culpa da produção do acidente, efectiva ou mesmo que presumida, ao condutor de um dos veículos – IZ e LF. Trata-se de dois ligeiros de passageiros, com volume e peso sensivelmente idênticos, o que, atento o quadro traçado, e sem outros elementos, nos faz cair na regra do nº 2. Presume-se igual a contribuição de cada um dos veículos para a produção dos danos. Os danos provocados no LF demandavam uma reparação no montante de € 9.142,20- facto I). Segundo J) – ao veículo LF foi atribuído o valor de € 8.900,00, e aos salvados, o valor de € 1.900,00. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor - artigo 566º, 1 do C. Civil. A regra na reparação é a reconstituição natural. A reparação é sempre onerosa, só sendo de afastar nos casos previstos. O montante do dano indemnizável pela Ré por via da celebração do contrato de seguro cujo objecto era a circulação do IZ, provocado no LF é de € 4.571,10, precisamente metade dos danos provados – no valor de € 9.142,20. (artigo 506º,2 do C. Civil) O montante do dano foi alegado e provado pelo lesado. Cabe à Ré alegar e provar que a reparação do dano com vista à reconstituição natural lhe acarreta um encargo injustificável, desajustado. A opção entre mandar reparar o LF ou optar por receber uma indemnização em dinheiro cabe ao Autor. Sendo o bem danificado um veículo automóvel, este – salvo se se tratar de um vendedor de automóveis ou de um veículo comercial – não tem para o seu dono apenas um valor comercial, ou de troca. O Autor pretende ser indemnizado relativamente ao valor dos danos e não em relação ao valor de mercado do veículo LF antes do embate. A equiparação do valor do dano e da correspondente indemnização, ao valor de mercado do veículo, pressupõe que para o lesado seja indiferente ter o veículo ou o seu valor. Este pressuposto não se verifica. O valor a ter em conta não é o valor da venda, o valor venal do veículo, mas o valor que o veículo representa dentro do património do lesado, para se deslocar, passear com a família, normalmente um conjunto de utilidades que correspondem a necessidades que a utilização do veículo satisfaz. Este conceito de valor integra a marca, o modelo, e demais aptidões que satisfazem as necessidades do lesado. O valor venal do veículo é diferente deste, normalmente apenas tendo em consideração a marca, o modelo, o ano da matrícula e tabelas de desvalorização. Porém os donos dos veículos não trocam de carro todos os anos, o que torna este valor venal muito inferior ao valor real do veículo como bem integrado no património do lesado. Portanto, a reparação, com vista à reconstituição natural, considerando a teoria da diferença, tem sempre em vista a reconstituição da situação anterior, seja através do valor da reparação do veículo sinistrado, seja através de valor da substituição do veículo sinistrado por outro que satisfaça as mesmas necessidades do sinistrado, no caso de perda total. Este valor é de considerar em relação ao valor do dano, representado pelo custo da reparação, e não por referência ao valor venal do veículo, sem qualquer redução, designadamente do valor dos salvados. Neste sentido os Ac. do TRC de 17 de Junho de 2008, Col. Jur., 2008, 3º-33 e Ac. TRE de 18-9-2008, Col. Jur., 2008, 4º-249. Para a Ré Seguradora, não é excessivamente oneroso suportar metade do valor da reparação em contraposição a metade do valor venal do veículo, montantes aliás muito próximos. O artigo 41º do DL 291/2007, de 21 de Agosto insere-se num capítulo que se dirige a fixar regras e procedimentos para as empresas seguradoras com vista a garantir a assunção da sua responsabilidade e o pagamento de indemnizações devidas em caso de acidente, de forma pronta e diligente, numa fase pré-judicial da resolução de conflitos. Igualmente se tem entendido que não se trata de norma interpretativa. Não será mais que um elemento a considerar para o julgador na fase litigiosa do conflito. Assim, é de proceder a apelação. V-DECISÃO: Pelo que fica exposto, decide-se neste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação relativamente à acção n.º 2506/11.7TBVLG, em que é Autor B…, apensa ao processo supra indicado, revogando-se a mesma em que se condena a Ré D…, SA a pagar ao referido Autor o montante de € 4.571,10, acrescido de juros vencidos desde a citação e vincendos até integral e efectivo pagamento, à taxa supletiva legal que vigorar para as operações meramente civis. No mais peticionado por este Autor vai a Ré absolvida. Custas na 1ª instância: pelo Autor e Ré em partes iguais. Custas na 2ª Instância: pela Ré. Valor da causa: € 9.142,20. Porto, 17-02-2014. Rui Moura