Processo:1512/19.8T8MAI.P1
Data do Acordão: 17/11/2019Relator: JERÓNIMO FREITASTribunal:trp
Decisão: Meio processual:

I - As conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. II - A indicação com exactidão das passagens da gravação visa possibilitar ao tribunal de recurso localizar os extractos que são invocados sem necessidade de ouvir todo o testemunho que, em regra, incidirá sobre várias questões de facto, podendo ser mais ou menos longo. A mera indicação dos pontos de início e fim da gravação não tem qualquer utilidade, pois implica que o Tribunal de recurso tenha que proceder à audição de todo o testemunho até localizar os extractos que são invocados, quer para verificar a sua exatidão quer para aferir da necessidade e utilidade de ouvir um pouco antes ou depois, para contextualizar o conteúdo dessa parte. III - Sendo um facto notório, por definição, um facto conhecido, não basta qualquer conhecimento, “(..) é indispensável um conhecimento de tal modo extenso, isto é, elevado a tal grau de difusão que o facto apareça, por assim dizer, revestido de carácter de certeza”. IV - Afirmar que os “prédios antigos do Porto sofreram todos reabilitação, a maior parte, através da Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto, desde 2001, tendo sido renovadas as suas condições”, é uma generalização destituída de fundamento, nunca podendo ter-se como facto notório. V - O princípio da inamovibilidade do trabalhador, consagrado no art.º 129.º n.º1, al. f), do CT comporta importantes excepções, uma delas prevista na al. b), do n.º1, do art.º 194.º do CT, admitindo a possibilidade de transferência de local de trabalho do trabalhador por determinação do empregador, temporária ou definitivamente, sem que aquele possa opor-se-lhe eficazmente, quando exista ”motivo do interesse da empresa (que) o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador”. VI - Em caso de transferência do local de trabalho por iniciativa do empregador, este deve observar os procedimentos indicados no art.º 196.º do CT, entre eles constando o dever de fundamentar a decisão (n.º2). VII - Esse dever de fundamentação visa garantir, caso haja divergência que venha a ser submetida à apreciação judicial, que a montante o trabalhador e os tribunais possam aferir da conformidade da decisão do empregador com os limites imposto por lei, nomeadamente, deve permitir que dela se extraia a existência real e a razoabilidade do motivo do interesse do empregador que justifica a transferência, bem assim as razões que exigem que seja quele trabalhador e não outro (quando existirem outros trabalhadores) a ser transferido. VIII - A existência de prejuízo sério afere-se na consideração de elementos factuais concretos da organização da vida pessoal e familiar do trabalhador - o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade-, sendo necessário para que se verifique que a transferência afecte substancialmente a estabilidade daquela organização, indo para além dos simples transtorno ou incómodos.

Profissão: Data de nascimento: 1/1/1970
Tipo de evento:
Descricao acidente:

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Relator
JERÓNIMO FREITAS
Descritores
FACTOS CONCLUSIVOS MATÉRIA DE FACTO ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO LOCAL DE TRABALHO TRANSFERÊNCIA DO TRABALHADOR DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO FINAL PREJUÍZO SÉRIO
No do documento
Data do Acordão
11/18/2019
Votação
UNANIMIDADE
Texto integral
S
Meio processual
APELAÇÃO
Decisão
RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA SENTENÇA
Sumário
I - As conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. II - A indicação com exactidão das passagens da gravação visa possibilitar ao tribunal de recurso localizar os extractos que são invocados sem necessidade de ouvir todo o testemunho que, em regra, incidirá sobre várias questões de facto, podendo ser mais ou menos longo. A mera indicação dos pontos de início e fim da gravação não tem qualquer utilidade, pois implica que o Tribunal de recurso tenha que proceder à audição de todo o testemunho até localizar os extractos que são invocados, quer para verificar a sua exatidão quer para aferir da necessidade e utilidade de ouvir um pouco antes ou depois, para contextualizar o conteúdo dessa parte. III - Sendo um facto notório, por definição, um facto conhecido, não basta qualquer conhecimento, “(..) é indispensável um conhecimento de tal modo extenso, isto é, elevado a tal grau de difusão que o facto apareça, por assim dizer, revestido de carácter de certeza”. IV - Afirmar que os “prédios antigos do Porto sofreram todos reabilitação, a maior parte, através da Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto, desde 2001, tendo sido renovadas as suas condições”, é uma generalização destituída de fundamento, nunca podendo ter-se como facto notório. V - O princípio da inamovibilidade do trabalhador, consagrado no art.º 129.º n.º1, al. f), do CT comporta importantes excepções, uma delas prevista na al. b), do n.º1, do art.º 194.º do CT, admitindo a possibilidade de transferência de local de trabalho do trabalhador por determinação do empregador, temporária ou definitivamente, sem que aquele possa opor-se-lhe eficazmente, quando exista ”motivo do interesse da empresa (que) o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador”. VI - Em caso de transferência do local de trabalho por iniciativa do empregador, este deve observar os procedimentos indicados no art.º 196.º do CT, entre eles constando o dever de fundamentar a decisão (n.º2). VII - Esse dever de fundamentação visa garantir, caso haja divergência que venha a ser submetida à apreciação judicial, que a montante o trabalhador e os tribunais possam aferir da conformidade da decisão do empregador com os limites imposto por lei, nomeadamente, deve permitir que dela se extraia a existência real e a razoabilidade do motivo do interesse do empregador que justifica a transferência, bem assim as razões que exigem que seja quele trabalhador e não outro (quando existirem outros trabalhadores) a ser transferido. VIII - A existência de prejuízo sério afere-se na consideração de elementos factuais concretos da organização da vida pessoal e familiar do trabalhador - o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade-, sendo necessário para que se verifique que a transferência afecte substancialmente a estabilidade daquela organização, indo para além dos simples transtorno ou incómodos.
Decisão integral
APELAÇÃO n.º 1512/19.8T8MAI.P1SECÇÃO SOCIALACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I. RELATÓRIOI.1 B… Nunes instaurou o presente procedimento cautelar comum contra “C…, S.A. – Sociedade Aberta”, pedindo o mesmo seja julgado procedente e provado e, consequentemente, seja suspensa a decisão tomada pela ré relativamente à transferência do autor, mantendo-se o mesmo a exercer atividade no D… – Maia, nos termos e moldes em que o mesmo a tem vindo a desempenhar.
Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que é funcionário da requerida desde 14/12/2000, com antiguidade reportada a 13/07/1998, tendo a categoria profissional de C1…. O local de exercício da sua atividade é desde sempre o D… na Maia, concretamente a área da mecanização.
No dia 08/03/2019, a ré notificou o autor da necessidade de proceder à sua deslocação temporária, com duração previsível de três meses, para o E…, justificando tal necessidade com o absentismo de vários trabalhadores naquele E….
O autor é detentor de várias patologias clínicas, tendo disso dado conhecimento à ré. Face ao que alegou junto da ré, esta deu sem efeito a decisão de transferência para o E… e determinou a sua apresentação em consulta médica de medicina do trabalho. Nesta foi entendido estar em situação de aptidão condicional para o exercício da função de distribuição de correio, encontrando-se limitado de efetuar turnos noturnos, compreendidos entre as 24 e as 09 horas; movimento de carga superior a 5 Kg; posições ergonómicas de flexão forçada e ortostatismo prolongado; giros motorizados de duas rodas.
Não obstante, em 05/04/2019, o autor recebe nova orientação da ré, agora com vista à sua deslocação temporária para o E1…, pelo mesmo tempo, com a mesma justificação e com o mesmo horário anterior.
Refere que a manter-se tal decisão, a executar serviço relacionado com a distribuição de correio, no horário pretendido pela ré, ocorrerá um agravamento da sua saúde física e mental, pelo que considera que a sua transferência de local de trabalho é ilegítima.
Concluiu pugnando pela procedência da providência cautelar.
A requerida apresentou oposição, sustentando, no essencial, que a ordem de deslocação em serviço é lícita, pois que está em causa uma necessidade transitória de serviço, sendo certo que é à empresa que cabe determinar as necessidades de meios humanos e também por uma questão de custos associados, já que o requerente reside em Vila Nova de Gaia. Assim, optou por colmatar a sua necessidade tendo em conta o seu domicílio. Mais nota que o E1…, além de ser na área de residência do requerente, tem giros adequados ao seu condicionalismo, por exemplo, giros apeados e curtos.
Conclui que a sua atuação é lícita, não havendo fundamento de facto ou de direito para que a presente providência seja decretada.
I.2 Procedeu-se à audiência final, com produção da prova apresentada pelas partes.
Subsequentemente foi proferida sentença, fixando os factos e aplicando o direito, concluída com a decisão seguinte:
- «Por tudo o exposto, julga-se o presente procedimento cautelar comum parcialmente procedente e, em consequência, determina-se a suspensão da decisão tomada pela requerida relativamente à transferência ou deslocação do requerente, mantendo-se o mesmo a exercer a sua atividade no D… – Maia, nos termos e moldes em que o tem vindo a desempenhar.
Custas pela requerida, sem prejuízo do disposto no artigo 539.º/2 do Código de Processo Civil.
Notifique.
(..)».
I.3 Inconformada com esta sentença, a Requerida interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram concluídas nos termos seguintes:
I. A Recorrente não pode conformar-se com a douta decisão final, porquanto entende e no que respeita à produção de prova, que o Tribunal a quo fez errada apreciação da prova produzida, razão pela qual, no presente recurso, se impugna tal decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos do art. 640.º do CPC, como considera, também, que os factos em causa jamais permitiriam a solução de direito adoptada na decisão sub judice.
II. A questão central que se discute no recurso a Recorrente não demonstrou o nexo de causalidade entre o motivo de interesse da Empresa na alteração temporária do local de trabalho, e se tal alteração implica prejuízo sério, ou seja, uma modificação substancial do “plano de vida” pessoal e profissional do trabalhador que não lhe é exigível suportar.
III. Ao contrário do que entendeu o Tribunal de Primeira Instância. provou-se efectivamente, que a decisão de gestão, de entre o universo dos trabalhadores, foi correcta e que as tarefas concretas se adequam aos condicionalismos verificados pelo médico e com a sua ficha de aptidão.
IV. Pretende, assim, a Recorrente a reapreciação da prova, quanto aos pontos 26. a 29. e 33 dos factos provados, sendo certo que se impõe igualmente, porque têm interesse para a boa decisão da causa, incluir ainda um ponto à matéria dada como provada.
V. O Requerente está apto condicionalmente para o trabalho apresentando as limitações referidas no doc. n.º 1 junto com a Oposição e julgadas provadas no facto 18, limitações essas que não foram correctamente apreciadas pela M.ma Juiz a quo o que determinou a incorrecta avaliação dos factos provados e que agora se pretendem alterar.
VI. Quanto ao facto 27., resulta claramente da prova testemunhal que o horário a praticar pelo Requerente, das 7h00 às 12h00 e das 13h00 às 15h48, está de acordo com as limitações médicas pois que este não pode efectuar turnos nocturnos, o que não significa que não possa praticar um horário de entrada às 07h00, facto que foi corroborado pela Testemunha F…, que prestou depoimento no dia 17.05.2019, Início Gravação: 15:29:52 * Fim Gravação 16:08:30.
VII. Assim, além da prova produzida não fundamentar o facto 27., a interpretação correcta do documento e das limitações que o Requerente está sujeito não é, como entendeu o Tribunal a quo que o mesmo não pode entrar às 7h00, antes sim, que não pode praticar horários nocturnos, estes compreendidos entre as 24 horas e as 9 horas.
VIII. No que respeita ao facto 28., sendo verdade que o Recorrente irá efectuar tarefas de distribuição do correio, em giro apeado, puxando os sacos do correio num carrinho de mão, durante as horas do seu horário de trabalho, a isto deve acrescer que o peso a suportar será sempre de acordo com as suas limitações, ou seja, nunca serão cargas superiores a 5 Kg.
IX. A Testemunha G… que prestou depoimento no dia 17.05.2019, Início Gravação: 14:33:24 * Fim Gravação 15:27:53 e cujo depoimento se transcreveu foi peremptória ao afirmar que não há necessidade de iniciar o giro com muito peso, pelo contrário, podem ser feitos sucessivos reabastecimentos por forma a que o C1… não carregue acima do limite que lhe é possível e permitido suportar.
X. Já quanto às malas de correio, a testemunha refere que são leves e têm uma forma própria de tracção o que permite a subida de passeios e escadas, facto que também a testemunha F… corroborou.
XI. Deste modo, a distribuição do correio está dentro das limitações que o Requerente apresenta, pois que o carrinho de mão é reabastecido à sua medida e nunca levaria carga superior ao recomendado.
XII. Quanto ao ponto 29. o mesmo não resultou provado, na medida em que, mesmo aceitando-se que o centro da cidade do Porto tem edifícios em altura e a maioria antigos, já não podemos aceitar que a maior parte não tenha elevador, sendo certo que não foi feita prova alguma deste facto.
XIII. Pelo contrário, é facto notório que quase todos prédios antigos do centro do Porto foram alvo de reabilitação, tendo sido renovadas as suas condições, quem sabe, existe a possibilidade de serem dotados de elevadores, pelo que não podia o Tribunal a quo assumir sem mais a alegação do Requerente, que nenhuma prova fez a este respeito.
XIV. Mas ainda que assim não se entenda, veja-se que a testemunha G… afirmou que o peso não é uma questão, na medida em que o trabalhador pode optar pelo sucessivo reabastecimento, como supra se referiu, e bem assim, disse que a este respeito o carrinho sobe escadas sem ser por impulso.
XV. Acresce que apesar de não ser recomendado, o C1… pode deixar o carrinho fechado no interior do prédio. 
XVI. Por outro lado, foi expressamente referido por ambas as testemunhas que o correio EMS e as encomendas são entregues por outros giros que não o que o Autor iria realizar.
XVII. Dito de outro modo, o facto 29. não resultou provado sendo certo que também se provou o contrário, isto é, que o Requerente não teria de entregar encomendas bem assim como que teria de levar consigo o carrinho com todo o correio.
XVIII. Por tudo o quanto se disse, o facto 26. não poderá manter-se já que as tarefas que o Recorrente ira efectuar, nas circunstâncias em que as iria efectuar, não podem trazer “um agravamento da saúde mental e física do Autor”, como entendeu o Tribunal a quo.
XIX. No que respeita ao facto 33., impõe-se que ali se acrescente que as movimentações de outros E…’s para o D… não decorrem só de Vila Nova de Gaia e principalmente, que se tratam de trabalhadores bastante condicionados, conforme depoimentos das testemunhas supra transcritos.
XX. Por fim, e tendo em conta o depoimento das testemunhas parcialmente supra transcritos, estamos certos que V. Ex.as devem dar como provado que “Atentas as circunstâncias, a decisão de alterar o local de trabalho corresponde a necessidades da Empresa e, tendo em conta as recomendações médicas, as funções que estão atribuídas ao Requerente são adequadas ao seu estado de saúde”, facto que igualmente foi esclarecido pelas testemunhas.
XXI. Da prova testemunhal resulta claro que existe nexo de causalidade e que não há prejuízo para a saúde do trabalhador.
XXII. Consequentemente, ponderando os depoimentos das testemunhas e da análise do documento n.º 1 junto com a Oposição e que consiste na ficha de aptidão do Requerente, pela relevância destes factos para a boa decisão da causa, deve esse venerando Tribunal de recurso modificar a matéria de facto, por mani festo erro na apreciação da prova, alterando os factos provados da seguinte forma:
- No ponto 27., aceitando-se apenas que “O Autor encontra-se a tomar medicação”, deve eliminar-se o demais porque o horário que lhe foi atribuído é compatível as limitações do Requerente, já que o parecer diz que este não pode praticar horários nocturnos, estes compreendidos entre as 24 horas e as 9 horas.
- Quando ao facto 28., deve ser acrescentado que de acordo com as suas limitações, ou seja, nunca serão cargas superiores a 5 Kg.”
- Já o ponto 29. também não resultou provado não só porque o Requerente não teria de entregar encomendas bem como não teria de levar consigo o carrinho com todo o correio.
Porém, e ainda que assim fosse, o carrinho, embora não recomendado, pode ficar no interior do prédio e bem assim, o mesmo está apto para subir escadas sem esforço.
- Conclui-se assim que o facto 26. não poderá manter-se já que as tarefas que o Recorrente ira efectuar, nas circunstâncias em que as iria efectuar, não podem trazer “um agravamento da saúde mental e física do Autor”.
- No que respeita ao facto 33, impõe-se que ali se acrescente que as movimentações de outros E…’s para o D… não decorrem só de Vila Nova de Gaia e principalmente, que se tratam de trabalhadores bastante condicionados.
- Por fim, deve aditar-se um ponto novo e que é “Atentas as circunstâncias, a decisão de alterar o local de trabalho corresponde a necessidades da Empresa e, tendo em conta as recomendações médicas, as funções que estão atribuídas ao Requerente são adequadas ao seu estado de saúde”.
XXIII. No que à aplicação do Direito concerne errou também o Tribunal a quo porquanto é à empresa que cabe determinar as necessidades de meios humanos e também, por uma questão de custos associados, já que o Requerente reside em Vila Nova de Gaia, optou por colmatar a necessidade supra, tendo em conta o seu domicílio.
XXIV. Ponderadas as circunstâncias da necessidade de recursos humanos no E1… e o universo de trabalhadores que podiam ser deslocados para aquele E… para colmatar essas necessidades, a escolha do Requerente, que residia em Vila Nova de Gaia foi acertada e teve em conta os seus condicionalismos, sendo de salientar que tais decisões se inserem na área de estrita competência da gestão da Requerida.
XXV. A Recorrente incumbiu o Requerente para exercer tarefas correspondentes à sua categoria – C1…, sendo certo que as funções que lhe foram atribuídas são adequadas ao seu estado de saúde.
XXVI. A Recorrente cumpriu e deu forma ao disposto no n.º 3 do art. do 194.º do C.Trab. e Cláusula 38.ª do AE, já que demonstrada a necessidade de meios humanos, a melhor decisão de deslocar um trabalhador há-se ser aquela que prejudique o mínimo possível o trabalhador a ser deslocado.
XXVII. Os requisitos e condições de validade da ordem de transferência são, em primeiro lugar, a existência de um interesse legítimo do empregador, o que se verifica no caso em apreço, sendo certo que a decisão da Recorrida está assente em critérios de gestão racionais.
XXVIII. Por outro lado, impõe-se a inexistência de prejuízo sério para o trabalhador, entendendo-se que, no caso de transferência temporária, a análise do prejuízo sério deve levar em consideração a transitoriedade da alteração e, consequentemente, o menor impacto que esta provoca na vida pessoal do trabalhador.
XXIX. Ora, as concretas tarefas que o Requerente iria desempenhar estão de acordo com os seus condicionalismos de saúde tendo esta todo o cuidado e respeito pelo estado de saúde do trabalhador, e no estrito cumprimento das instruções médicas, pelo que não se compreende a conclusão a que chega o Tribunal a quo de que não é exigível ao Requerente suportar esta alteração temporária de local trabalho.
XXX. A M.ma Juiz a quo fez uma errada interpretação do n.º 3 do art. 194.º do C.Trab. e da Cláusula 38.º do AE/C….
Nestes termos, e nos mais de direito, sempre do douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso e ser revogada, nesta parte, a Sentença Recorrida e substituída por outra que julgue a total improcedência da Acção com a consequente total absolvição do pedido, como é de inteira JUSTIÇA!
I.4 O Recorrido apresentou contra alegações, mas sem que se mostrem finalizadas com conclusões.
No essencial, acompanha a decisão recorrida, pugnando pelo não acolhimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e pela improcedência do recurso.
I.5 O Ministério Público junto desta Relação teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso.
I.6 Verificando-se que não fora fixado o valor da causa, determinou-se a baixa do processo à primeira instância para esse efeito.
Em cumprimento do determinado, foi proferido despacho fixando o valor da causa em €5.000,01.
I.7. Cumpriram-se os vistos legais e foi determinado que o processo fosse submetido à conferência para julgamento.
I.8 Delimitação do objecto do recurso 
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, a questão colocada para apreciação pela recorrente consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Na apreciação da prova, quanto aos factos provados 26 a 29 e 33, e por não ter considerado provado o ponto 13 da oposição;
ii) Na aplicação do direito aos factos, ao ter decretado a providência, fazendo uma errada interpretação do n.º3, do  art.º 194º do CT e da Cláusula 38.º do AE/C….II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTOO Tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte: 
1) O autor foi admitido para prestar serviço, por conta a sob autoridade da ré em 14.12.2000, com antiguidade reportada 13.07.1998.
2) O Autor está ao serviço da Ré com a categoria profissional de C1….
3) O autor foi admitido como C1… no H…, sito na Rua …, em Vila Nova de Gaia, estando, desde 2010, colocado no D…, local de exercício da sua atividade.
4) Às relações de trabalho entre a ré e os trabalhadores ao seu serviço têm vindo a ser sucessivamente reguladas pelos seguintes instrumentos:
a) PRT publicada no BTE, 1ª serie, n.º 27/77, de 29 de julho de 1977;
b) AE/C… publicado no BTE, 1ª serie, n.º 24 de 29 de Junho de 1981, sucessivamente alterado, sendo a mais global e recente alteração datada de 22 de junho de 2018, publicada no BTE, n.º27.
5) O autor sempre que esteve ao serviço da ré nunca foi incumbido de efetuar qualquer distribuição de correspondência quer a pé, quer através de qualquer veiculo motorizado.
6) O autor esteve desde sempre a executar tarefas relacionadas com divisão interna de correio, por incumbência da ré.
7) O horário de trabalho do autor no D… é de 8 horas diárias, e o compreendido, entre as 13:00 horas e as 23:00 horas, nunca estando ao serviço da ré nem antes nem após essas horas.
8) No dia 18.03.2019, a ré notifica o autor da necessidade de proceder à sua deslocação temporária, com duração, previsível, de três de meses, para o E… (….), justificando tal necessidade com o absentismo de vários trabalhadores naquele E…. [alterado, nos termos da decisão que segue]
9) No E… aguardava ao autor a distribuição de correio, porta a porta, em veículo motorizado, num horário estipulado pela Ré das 7:00horas às 12:00horas e das 13:00horas às 15:48horas.
10) O autor tendo tomado conhecimento de tal situação deu a conhecer à ré a sua situação de doença, e fê-lo através de um requerimento entregue à sua Chefia em 26.03.2019 no qual dá conta das doenças de que padece, solicitando, atento a importância das mesmas, a sua manutenção no D….
11) O autor deu a conhecer à Ré que padecia de “lombalgias e crises de ciatalgia” e juntou relatório médico emitido em 20.03.2019, pelo Dr. I…, Médico Especialista em Ortopedia, que concluía que situações de carga, deslocações e transporte de pesos são totalmente contraindicadas ao autor.
12) O autor também informou a ré de que sofre de “depressão major”, definida como altamente incapacitante no relatório médico emitido em 25.03.2019, pelo Médico Psiquiatra, Dr. J….
13) O mencionado Dr. J… refere que a recuperação clínica do Autor “passa pela manutenção da homeostasia sendo que, face à sua situação clínica, o doente deverá manter os seus hábitos laborais regulares nomeadamente os horários laborais habituais.”.
14) Idêntico parecer é emitido pelo Dr. K…, em 25.03.2019, também ele Médico Psiquiatra, referindo que atenta a medicação efetuada pelo Autor, concretamente de antidepressivos e ansiolíticos, deverá o seu horário de trabalho estar limitado a certos horários.
15) A ré inicialmente, e em resposta ao autor, assentiu na pretensão deste, dando sem efeito a decisão de transferência temporária para o E… …., tendo ordenado ao autor a sua apresentação em consulta médica de medicina do trabalho.
16) O autor deslocou-se à mencionada consulta médica no dia 02.04.2019, tal como requerido pela ré.
17) Da mencionada consulta resultou a aptidão condicional do autor para o exercício da função de distribuição de correio.
18) De acordo com a mencionada ficha da aptidão para o trabalho o autor encontra-se limitado de efetuar:
i) Turnos noturnos, compreendidos esses como sendo os entre as 24 horas e as 9 horas;
ii) Movimentos de carga superior a 5 Kg;
iii) Posições ergonómicas de flexão forçada e ortostatismo prolongado;
iv) Giros motorizados de duas rodas.
19) Em 05.04.2019, o autor recebe nova orientação da ré, com vista, agora, à sua deslocação temporária para o E1… (….), com efeitos a 15.04.2019, pelo mesmo tempo, com a mesma justificação e com mesmo horário da anterior.
20) O autor faz novo apelo à ré, em 09.04.2019, com vista a evitar a transferência.
21) A ré não deu qualquer resposta e no dia 15.04.2019 o autor apresentou-se ao serviço tal como lhe fora ordenado.
22) Nesse mesmo dia redige e entrega à ré, agora na pessoa da Chefia do E1…, nova exposição, da qual não obteve resposta.
23) O autor porque teve conhecimento da existência da lista de tarefas, anexa à ficha de aptidão, pela sua Chefia direta da D…, mas não tendo tido conhecimento do teor da mesma, solicitou também que o conteúdo desta lhe fosse dado a conhecer.
24) A ré, através da sua Chefia da D…, responde ao autor que não lhe podia dar a conhecer o conteúdo da tal ficha de tarefas, anexa à ficha de aptidão, afirmando que a mesma não é sequer vinculativa para a ré.
25) Em 16.04.2019 o autor foi para baixa médica.
26) A manter-se a decisão de o autor ser deslocado, agora para o E1…, a executar serviço relacionado com a distribuição do correio, no horário pretendido pela ré poderá trazer um agravamento da saúde mental e física do autor. [eliminado, nos termos da decisão que segue]
27) O autor encontra-se a tomar medicação que não se coaduna com o horário de entrada ao serviço à hora pretendida pela ré e tal alteração nos horários de trabalho do autor e a manter-se poderá trazer prejuízos à sua recuperação. [eliminado, nos termos da decisão que segue]
28) O autor no E1… irá efetuar tarefas de distribuição do correio, em giro apeado, puxando os sacos do correio num carrinho de mão, durante as horas do seu horário de trabalho.
29) A generalidade dos edifícios dos giros do E1… (centro da cidade do Porto) são edifícios em altura, a maioria antigos e, por isso, sem elevador o que irá obrigar o autor a subir pelas escadas os vários andares, em caso de encomendas e objetos registados, tendo sempre de levar o carrinho com todo o correio consigo.
30) O autor, ao longo dos 20 e poucos anos de serviço na ré, nunca efetuou distribuição do correio.
31) Com toda esta situação o autor sente-se ansioso. 
32) Existem no universo dos trabalhadores da empresa colegas do Autor, também eles C1…, sem tais patologias clínicas.
33) A ré efetuou a transferência C1… e de outros E… de Vila Nova de Gaia para o D… da Maia.
34) Com a deslocação do autor, a ré é obrigada a colocando outro trabalhador no D… a efetuar as tarefas até agora adstritas ao autor.
35) O requerente reside em Vila Nova de Gaia.
36) Existe um elevado absentismo em vários locais da ré.
37) O E1… (que sita … em Vila Nova de Gaia) tem giros apeados.
38) O Requerente apresentou-se ao serviço no referido E1… a 15.04.2019. 
39) O giro que deveria ter acompanhado, mas que não chegou a acompanhar, era apeado.
Não se provaram os seguintes factos:
a) O autor foi aconselhado a ir para a baixa médica.
b) O carrinho de mão, vazio, mais pesado, utilizado pelos C1… na distribuição de correio ultrapassa os 6 Kg.
c) Com toda esta situação o autor passa noites em branco.
d) Os colegas de trabalho do autor referidos em 32) são mais capazes do que este com vista a responder à satisfação da ré.
e) O autor não tem qualquer tipo de limitação no exercido da atividade no D… - Maia.
f) Aquando da solicitação do exame da medicina do trabalho, a requerida solicitou também que fosse elaborada uma lista exata de tarefas que o requerente pode desempenhar num D…, de acordo com a sua categoria profissional de C1….
g) Os giros do E1… PORTO são curtos.
h) O giro referido em 39) era curto.
i) A movimentação de trabalhadores de E… para o D… não englobou nenhum trabalhador pertencente à zona de Vila Nova de Gaia.***Consta ainda da sentença, na parte da decisão sobre a matéria de facto, não se pronunciar o tribunal quanto ao ademais alegado pelas partes, por se tratar de matéria de direito e/ou conclusiva.
II.2 ALTERAÇÃO da MATÉRIA DE FACTO POR INICIATIVA DESTE TRIBUNAL DE RECURSO
Impõe-se, desde já, proceder a alterações à matéria de facto fixada, por iniciativa desta Relação no âmbito dos poderes oficiosos de que dispõe (art.º 662.º 1, CPC), em razão de se encontrarem factos provados conclusivos, conforme de seguida melhor se explicará. 
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º <a href="https://acordao.pt/decisoes/119753" target="_blank">306/12.6TTCVL.C1</a>.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º  <a href="https://acordao.pt/decisoes/140156" target="_blank">488/11.4TTVFR.P1</a>.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol;  todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Entendimento igualmente sustentado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, Conselheiro António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que o tribunal de recurso não pode considerar provadas alegações conclusivas que se reconduzam ao thema decidendum.
Importa ainda relembrar, que nos termos do disposto no n.º1 do art.º 5.º do CPC, [Às] partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles que se baseiam as excepções invocadas”.
Percorrendo o elenco da matéria assente encontram-se dois factos conclusivos, que concomitantemente se reconduzem à questão controvertida em discussão, nomeadamente, os seguintes:
26) A manter-se a decisão de o autor ser deslocado, agora para o E1…, a executar serviço relacionado com a distribuição do correio, no horário pretendido pela ré poderá trazer um agravamento da saúde mental e física do autor.
27) O autor encontra-se a tomar medicação que não se coaduna com o horário de entrada ao serviço à hora pretendida pela ré e tal alteração nos horários de trabalho do autor e a manter-se poderá trazer prejuízos à sua recuperação.
Estas conclusões devem resultar dos factos concretos alegados que tenham resultado provados e, se for esse o caso, apenas podem ser extraídas na sentença, como juízo formulado em face do elenco factual aprovado.
Por conseguinte, eliminam-se os factos em causa – 26 e 27 - do elenco da matéria provada.
Por outro lado, no facto 8 refere-se, usando os termos da alegação do requerente, que “No dia 18.03.2019, a ré notifica o autor da necessidade de proceder à sua deslocação temporária, com duração, previsível, de três de meses, para o E…, justificando tal necessidade com o absentismo de vários trabalhadores naquele D…. “, mas sem que se tenha tido o cuidado de transcrever o essencial do conteúdo daquela comunicação nos factos provados, nomeadamente, na parte relativa ao motivo invocado, o que se mostrava pertinente. De resto, precisamente por essa razão, o tribunal a quo na fundamentação acaba por fazer uso de um extracto da mesma.
Assim, altera-se a redacção daquele facto, acrescentando-se-lhe um extracto do texto da documentação (a negrito) – cfr. doc. junto pelo requerente e não impugnado -, passando a ter a redacção seguinte:
Facto 8- “No dia 18.03.2019, a ré notifica o autor da necessidade de proceder à sua deslocação temporária, com duração, previsível, de três de meses, para o E…, justificando tal necessidade com o absentismo de vários trabalhadores naquele E…, constando da comunicação, para além do mais, o seguinte: 
- Considerando que a Empresa identificou, no E…, uma necessidade temporária de serviço, relacionada com absentismo de trabalhadores deste E…, o que obriga à deslocação em serviço de um trabalhador, uma vez que o E… não dispões de recuros em número suficiente para preencher a referida necessidade”.II.2 IMPUGNAÇÃO da DECISÃO SOBRE a MATÉRIA DE FACTOO recorrente insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo reapreciação da mesma e a sua alteração quanto aos factos provados 26 a 29 e 33, bem assim por não ter sido considerado provado o alegado no artigo 13 da sua oposição.
Como os pontos 26 e 27 da matéria de facto foram eliminados por nossa iniciativa, a impugnação a considerar restringe-se aos factos provados 28, 29 e 33, e à matéria não provada do artigo 13 da oposição.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, isto é, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr.  Ac. STJ de 01-10-2015, [Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
Por último, é também entendimento pacífico que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art.º 640º, nº 1, al b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspetiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas. Nesse sentido, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs  299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt], no mais recente acórdão de 20-02-2019, daquela mesma instância [proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt], consignou-se no respectivo sumário o seguinte:
- I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso.
II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.
A este propósito, Abrantes Geraldes, após observar que a possibilidade de alteração da matéria de facto deixou de ter carácter excepcional, acabando “por ser assumida como uma função normal do Tribunal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra”, logo prossegue advertindo que “Nesta operação foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente“ [Op. cit., p. 123/124].
Atentos estes princípios, como primeiro passo, impõe-se verificar se algo obsta à apreciação da impugnação.
II.2.1 Das conclusões, na parte relativa à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, retira-se o seguinte:
- facto 28,  na conclusão VIII  a recorrente diz que deve “acrescer ao que consta provado que o peso a suportar será sempre de acordo com as suas limitações, ou seja, nunca serão cargas superiores  5 kg”.
- facto 29, consta da conclusão XII a afirmação de que o mesmo não resultou provado.
- facto 33, n a conclusão XIX a recorrente diz impor-se “ que ali se acrescente que as movimentações de outros E…’s para o D… não decorrem só de Vila Nova de Gaia e principalmente, que se tratam de trabalhadores bastante condicionados”.
Estas afirmações são repetidas na conclusão XXII, ai se acrescentando que deve «aditar-se um ponto novo e que é “Atentas as circunstâncias, a decisão de alterar o local de trabalho corresponde a necessidades da Empresa e, tendo em conta as recomendações médicas, as funções que estão atribuídas ao Requerente são adequadas ao seu estado de saúde”».
Em face dessas posições expressas nas conclusões, considera-se que a recorrente cumpriu com suficiência as indicações que se entende serem de exigência mínima nas conclusões.
Passemos à verificação do cumprimento dos demais ónus.
Quanto ao facto 28, a recorrente pretende a alteração nos termos acima referidos sustentando-se no depoimento da testemunha G…, fazendo a transcrição de dois extractos em que se sustenta, mas limitando-se a indicar – tal como depois levou às conclusões – “que prestou depoimento no dia 17.05.2019, Início Gravação: 14:33:24 * Fim Gravação 15:27:53”.
Invoca, ainda o depoimento da testemunha F…, transcrevendo um extracto, mas aqui sem qualquer outra indicação, seguramente por entender que lhe bastava a que já fizera na impugnação do facto 27, onde igualmente se limitou a referir “que prestou depoimento no dia 17.05.2019, Início Gravação: 15:29:52 * Fim Gravação 16:08:30”.
Verifica-se, pois, que a recorrente não cumpriu o estabelecido na al. a), do n.º2, do art.º 640.º, do CPC, de onde resulta o dever de “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso”. É certo que procedeu às transcrições dos extractos que entende relevantes, mas isso não substitui aquele dever, como logo se retira da mesma norma, quando imediatamente a seguir prossegue dizendo “sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Percebe-se a razão daquela exigência. A indicação com exactidão das passagens da gravação visa possibilitar ao tribunal de recurso localizar os extractos que são invocados sem necessidade de ouvir todo o testemunho que, em regra, incidirá sobre várias questões de facto, podendo ser mais ou menos longo. A mera indicação dos pontos de início e fim da gravação não tem qualquer utilidade, pois implica que o Tribunal de recurso tenha que proceder à audição de todo o testemunho até localizar os extractos que são invocados, quer para verificar a sua exatidão quer para aferir da necessidade e utilidade de ouvir um pouco antes ou depois, para contextualizar o conteúdo dessa parte.
De resto, a indicação genérica sempre seria absolutamente inútil, pois para proceder à audição de um qualquer testemunho bastaria ao Tribunal de recurso ir directo ao registo do depoimento da testemunha que, por norma, deve estar identificado.
As considerações que se deixaram valem para a impugnação dirigida ao faco 33. A recorrente invoca de novo os testemunhos de G… e F…, faz a transcrição de um extracto de cada um dos depoimentos, mas não indica as passagens da gravação em que os mesmos podem ser ouvidos.
Por conseguinte, não tendo sido cumprido este ónus de impugnação, em conformidade com o disposto na a), do n.º2, do art.º 640.º CPC, rejeita-se a apreciação da impugnação quanto aos pontos 28.º e 33.º.
Prosseguimos com esta indagação na parte dirigida à do facto 29. Sustenta a recorrente que “é facto notório que os prédios antigos do Porto sofreram todos reabilitação, a maior parte, através da Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto, desde 2001, tendo sido renovadas as suas condições, quem sabe, existe a possibilidade de serem dotados de elevadores, pelo que não podia o Tribunal a quo assumir sem mais a alegação do Requerente, que nenhuma prova fez a este respeito. Mas ainda que assim não se entenda, veja-se que a testemunha G… afirmou que o peso não é uma questão”.
Usando como argumento um alegado “facto notório” contrário ao que se encontra provado, caberá proceder à apreciação com base nesse fundamento.
Mas já não cumpre ir para além disso, dado que também temos apenas a transcrição do extracto do testemunho, servindo aqui mais uma vez as considerações que antecedem.
Finalmente, quanto ao ponto que pretende ver aditado, resultante do alegado no artigo 13 da sua oposição, sustenta a recorrente que «tendo em conta o depoimento das testemunhas parcialmente supra transcritos, estamos certos que V. Ex.as devem dar como provado que “Atentas as circunstâncias, a decisão de alterar o local de trabalho corresponde a necessidades da Empresa e, tendo em conta as recomendações médicas, as funções que estão atribuídas ao Requerente são adequadas ao seu estado de saúde”», depois prosseguindo, dizendo “Facto que igualmente foi corroborado pelas testemunhas”, de seguida transcrevendo mais dois extractos dos depoimentos de G… e F….
Desde logo, remeter sem mais para o conteúdo global de todos os extractos de testemunhos que foram utilizados para impugnar os demais pontos da matéria de facto, não é mais do que uma impugnação em bloco e, logo, que não cumpre o ónus de impugnação. Mas ainda que assim não se entenda, nenhum dos extractos, incluindo os dois acrescentados nesta parte da alegação, foram localizados na gravação, o que vale por dizer que sempre é de rejeitar a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto também nesta parte.
Em suma, rejeita-se a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, excepto quanto ao facto 29, mas nesse caso apenas suportada pela alegada existência de “facto notório”; contrário ao que foi considerado provado.
II.2.2 No facto 29, considera-se provado o seguinte: “A generalidade dos edifícios dos giros do E1… são edifícios em altura, a maioria antigos e, por isso, sem elevador o que irá obrigar o autor a subir pelas escadas os vários andares, em caso de encomendas e objetos registados, tendo sempre de levar o carrinho com todo o correio consigo”.
Refere o tribunal na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, que as “testemunhas inquiridas, quer as arroladas pelo requerente, quer as arroladas pela requerida que, diga-se, salvo pequenos pormenores (como, por exemplo, o peso do carrinho de mão) se mostraram bastante coincidentes, designadamente (..) quando às tarefas que iria ter de executar na distribuição do correio».
Defende a recorrente que “é facto notório que os prédios antigos do Porto sofreram todos reabilitação, a maior parte, através da Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto, desde 2001, tendo sido renovadas as suas condições, quem sabe, existe a possibilidade de serem dotados de elevadores”, por isso não podia o tribunal ter considerado provado o facto 29.
Diz-nos o n.º1 do art.º 412.º do CPC, que “Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo entender-se como tais os factos que são do conhecimento geral”.
Segundo o ensinamento do Professor Alberto dos Reis, que se mantém inteiramente válido, sendo um facto notório, por definição, um facto conhecido, não basta qualquer conhecimento, “(..) é indispensável um conhecimento de tal modo extenso, isto é, elevado a tal grau de difusão que o facto apareça, por assim dizer, revestido de carácter de certeza”, não podendo qualificar-se de “(..) notório um facto unicamente conhecido pelo juiz ou por um círculo restrito ou particular de pessoas”. Prosseguindo, o autor classifica os factos notórios em duas grandes categorias: a) acontecimentos de que todos se aperceberam directamente (uma guerra, um ciclone, um eclipse total, um terramoto, etc.); b) factos que adquirem o carácter de notórios por via indirecta, isto é, mediante raciocínios, formados sobre factos observados pela generalidade dos cidadãos”, para depois concluir, que se quanto aos primeiros não pode haver dúvidas, já quanto aos segundos, “o juiz só deve considerá-los notórios se adquirir a convicção de que o facto originário foi percebido pela generalidade dos portugueses e de que o raciocínio necessário para chegar ao facto derivado estava ao alcance do homem de cultura média” [Código de Processo Civil anotado, vol. III , 4.ª ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 259 a 262].
Nenhuma dúvida pode haver de que a alegação da recorrente jamais poderá ser um facto notório quer directo quer por via indirecta. Com o devido respeito, ao vir afirmar que os “prédios antigos do Porto sofreram todos reabilitação, a maior parte, através da Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto, desde 2001, tendo sido renovadas as suas condições”, a recorrente faz uma generalização manifestamente destituída de fundamento. Se porventura “todos” os prédios antigos do Porto tivessem sido renovados, admite-se que o facto até fosse susceptível de ser notório, pois seria algo tão inédito e com tal relevância para a cidade e, mesmo, no contexto nacional, que certamente teria sido objecto de ampla divulgação e referência, desde logo nos órgãos de comunicação social. Porém, não é esse o caso. Basta circular pela cidade para se ter essa noção.
Por conseguinte, improcede a impugnação quanto a este ponto.II.3 MOTIVAÇÃO de DIREITOA questão em apreciação consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento ao julgar procedente a providência cautelar, violando o disposto do n.º 3 do art.º 194.º do C. Trab. e da Cláusula 38.º do AE/C….
Argumenta a recorrente, no essencial, o seguinte:
- É à empresa que cabe determinar as necessidades de meios humanos e também, por uma questão de custos associados, já que o Requerente reside em Vila Nova de Gaia, optou por colmatar a necessidade supra, tendo em conta o seu domicílio.
- Ponderadas as circunstâncias da necessidade de recursos humanos no E1… e o universo de trabalhadores que podiam ser deslocados para aquele E… para colmatar essas necessidades, a escolha do Requerente, que residia em Vila Nova de Gaia foi acertada e teve em conta os seus condicionalismos, sendo de salientar que tais decisões se inserem na área de estrita competência da gestão da Requerida.
- A Recorrente incumbiu o Requerente para exercer tarefas correspondentes à sua categoria – C1…, sendo certo que as funções que lhe foram atribuídas são adequadas ao seu estado de saúde.
- A Recorrente cumpriu e deu forma ao disposto no n.º 3 do art. do 194.º do C.Trab. e Cláusula 38.ª do AE, já que demonstrada a necessidade de meios humanos, a melhor decisão de deslocar um trabalhador há-se ser aquela que prejudique o mínimo possível o trabalhador a ser deslocado.
- Há um interesse legítimo do empregador e a decisão da Recorrente está assente em critérios de gestão racionais.
- No caso de transferência temporária, a análise do prejuízo sério deve levar em consideração a transitoriedade da alteração e, consequentemente, o menor impacto que esta provoca na vida pessoal do trabalhador.
- As concretas tarefas que o Requerente iria desempenhar estão de acordo com os seus condicionalismos de saúde tendo esta todo o cuidado e respeito pelo estado de saúde do trabalhador, e no estrito cumprimento das instruções médicas, pelo que não se compreende a conclusão a que chega o Tribunal a quo de que não é exigível ao Requerente suportar esta alteração temporária de local trabalho.
II.3.1 Prosseguindo, afigura-se-nos adequado começar por deixar umas breves notas sobre os procedimentos cautelares.
Conforme dispõe o n.º 1 do art.º 32.º do CPT, “Aos procedimentos cautelares aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil para o procedimento cautelar comum”, com as especialidades de seguida enunciadas na mesma disposição.
A função jurisdicional da providência cautelar é antecipar e preparar uma providência ulterior, que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa.
Por isso estatui o art.º 364.º n.º1, do CPC que “Excepto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente da acção declarativa ou executiva”.
O que justifica o procedimento cautelar é o chamado periculum in mora. Como elucida o Professor José Alberto dos Reis, “Há casos em que a formação lenta e demorada da decisão definitiva expõe o presumido titular do direito a riscos sérios de dano jurídico; para afastar estes riscos, para eliminar o dano, admite-se a emanação duma providência provisória ou interina, destinada a durar somente enquanto não se elabora e profere o julgamento definitivo” [Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 3.ª Edição – Reimpressão, Coimbra Editora, 1982, pp. 623/624].
Dai usar dizer-se que o procedimento cautelar tem por fim obviar ao perigo na demora da declaração e execução do direito, afastando o receio de dano jurídico.
O n.º1 do art.º 362.º do CPC, com a epígrafe “Âmbito das providências cautelares não especificadas”, determina que “[S]empre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência, conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”.
Resulta dessa norma que o decretamento de uma providência cautelar depende sempre da verificação de dois requisitos cumulativos: i) a verificação da aparência de um direito; ii) a demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente.
A apreciação do primeiro requisito assenta num juízo de mera probabilidade ou verosimilhança. Já quanto ao segundo, a lei é mais exigente, “(..) pede-se-lhe mais alguma coisa: um juízo senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade mais forte e convincente” [Prof. J. Alberto dos Reis, op.cit., pp.621].
O decretamento da providência apenas alcança uma composição provisória do conflito de interesses, assente no fumus iuris e no periculum in mora que tenham sido sumariamente demonstrados. A solução definitiva há-de resultar da causa de que é dependente o procedimento, isto é, que tem por fundamento o direito que se pretende acautelar através da providência.
O direito que se pretende acautelar deve ser um direito do requerente, ao qual corresponda o correspectivo dever da parte contrária.
II.3.2 O Tribunal a quo começou por enunciar estes mesmos princípios, para depois entrar na apreciação do caso concreto, nessa parte constando da fundamentação da decisão recorrida o seguinte:
- […]
No caso em apreço, desde logo, e entrando na análise do primeiro dos supra referidos requisitos, diremos que o direito do requerente em não ser transferido do seu local de trabalho, situado na zona da Maia (circunstância que não é questionada pela requerida), se confronta com o regime legal que regula tal elemento típico do contrato de trabalho (o local de trabalho) e a possibilidade da sua alteração por decisão unilateral da requerida.
Com efeito, e como é sabido, na economia do contrato de trabalho, o lugar da execução da prestação laboral constitui um aspeto de suma importância, tanto para o empregador como para o trabalhador.
Na realidade, ao contratar um determinado trabalhador, a entidade empregadora visa obter a disponibilidade da respetiva mão-de-obra num certo local, em ordem a combinar essa mão-de-obra com a dos demais trabalhadores e com os restantes fatores produtivos, só assim se podendo atingir os objetivos prosseguidos pelo empregador.
Por outro lado, o trabalhador, ao celebrar o contrato de trabalho, obriga-se a laborar sob a autoridade e direção do empregador em certo tempo e em certo lugar [neste sentido, João Leal Amado, Contrato de Trabalho, à luz do novo Código do Trabalho, 2009, pág. 241-242].
Podemos, pois, dizer que o local de trabalho constitui um elemento nuclear do contrato de trabalho.
O local de trabalho é determinado pelas partes (artigo 193.º/1 do Código do Trabalho), sendo que quando não haja uma determinação expressa do mesmo, ele retirasse implicitamente das declarações negociais ou por integração do contrato de trabalho, tendo em conta a prestação laboral a executar.
É de notar, ainda, que a determinação do local de trabalho vincula o trabalhador e simultaneamente faz surgir na sua esfera jurídica o direito a manter esse lugar ao longo da execução do contrato: é o princípio da inamovibilidade que o Código do Trabalho estabelece como uma das garantias do trabalhador no artigo 129.º/1, al. f). Consagrando embora a referida garantia de inamovibilidade, o certo é que o nosso ordenamento jurídico nunca foi insensível às exigências empresariais no sentido da mobilidade dos trabalhadores – como nota Maria do Rosário Palma Ramalho [Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, pág. 480], «apesar da importância da estabilidade do local de trabalho, em especial para o trabalhador, o carácter duradouro e a componente organizacional do contrato de trabalho determinam a necessidade de se preverem alterações ao local inicialmente acordado entre as partes para desenvolvimento da atividade laboral …».
Assim, no nosso sistema jurídico, a transferência do trabalhador é prevista em dois tipos de situações: i) a  edificação do local de trabalho de um trabalhador determinado, i.é., uma mudança individual, que pode ocorrer a título transitório ou a título definitivo e pode ter origem no acordo das partes, em determinação unilateral do empregador ou em pedido do trabalhador (artigo 194.º/1, al. b) e 2 do Código do Trabalho); ii) a mudança do estabelecimento, que acarreta a modificação do local de trabalho de todos os trabalhadores que aí desenvolvam a sua atividade, ou seja, uma mudança coletiva, que pode ser transitória ou definitiva (artigo 194.º/1, al. a) e 2 do Código do Trabalho).
Nos termos do disposto no artigo 129.º/1, al. f) do Código do Trabalho, e como vimos, é proibido ao empregador transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, ou ainda quanto haja acordo.
Preceitua, por seu turno, a cláusula 38ª/2 do AE aplicável que «a Empresa pode, por necessidade transitória de serviço, devidamente fundamentada, deslocar temporariamente qualquer trabalhador para que este exerça as suas funções fora do local habitual de trabalho, nos termos da presente secção», acrescentando o n.º5 que «a existência de prejuízos sérios diretamente decorrentes da deslocação, que fundamentadamente sejam alegados pelo trabalhador, deverão ser ponderados pela Empresa na decisão de deslocação temporária de serviço».
Na situação dos autos, e atendendo ao teor de ambas as cartas remetidas pela requerida ao requerente, estamos perante uma transferência individual e temporária, que cai no âmbito de previsão do número 1, alínea b) do artigo 194.º do Código do Trabalho e cláusula 38.ª/2 do AE. Assim, face ao disposto no artigo 193.º/1 do Código do Trabalho - «o trabalhador deve, em princípio, exercer a atividade no local contratualmente definido, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte» - tal transferência, para ser considerada como lícita, tem de ser justificada por «motivo do interesse da empresa que a exija» e não pode implicar «prejuízo sério para o trabalhador». Também o AE exige a «necessidade transitória de serviço, devidamente fundamentada». Quanto ao interesse da empresa, sustenta Júlio Gomes [Direito do Trabalho – Relações Individuais de Trabalho, Vol. I, 2007, pág. 641 e seguintes], ainda que no âmbito do anterior Código do Trabalho (2003): «o conceito de “interesse da empresa” (…) há de tratar-se, pois, de uma decisão que possa explicar-se em termos de uma racionalidade de gestão - o que aliás, está de acordo com a necessidade de fundamentação prevista no artigo 317.º (hoje artigo 196.º) para qualquer transferência - e não de uma decisão tomada de ânimo leve e sem a necessária reflexão (repara-se que a letra do n.º 1 do artigo 315.º (hoje artigo 194.º/1, al. b)) refere mesmo que o interesse da empresa deve “exigir” a transferência)».
Assim, em situações de transferência de trabalhadores, terá de ser feita uma adequada e concreta ponderação dos interesses em confronto, de maneira a encontrar a solução mais eficiente e eficaz para as necessidades empresariais que reclamem a transferência, mas igualmente equilibrada por referência à posição dos trabalhadores, de maneira a que a sua deslocação, em face das circunstâncias concretas e conhecidas pela entidade patronal, não se revele prejudicial para aquele, para além dos limites do que é razoável e exigível.
Daí que logo a fundamentação referida no número 2 do artigo 196.º tenha de especificar e concretizar, com um mínimo de detalhe e objetividade, os motivos (reais e verdadeiros) que impõem ao empregador a aludida transferência (ainda que temporária) [cfr. AC TRP de 09/12/2007, www.dgsi.pt].
Como nota Diogo Vaz Marecos [Código do Trabalho Anotado, 2ª edição, pág. 478], «o disposto no artigo 196.º visa essencialmente não só possibilitar que o trabalhador disponha de um período de tempo mínimo para organizar a sua vida, como permitir a apreciação judicial dos motivos ou fundamentos invocados para a transferência do local de trabalho. Na hipótese de um tribunal vir a sindicar a fundamentação aduzida, este encontra-se circunscrito aos motivos constantes do texto que determina a transferência, não sendo considerados os motivos que o empregador venha a apresentar em sede judicial que extrapolem a comunicação realizada».
No caso em apreço, a fundamentação que a requerida fez constar da segunda carta que endereçou ao requerente a comunicar-lhe a transferência foi a seguinte: “considerando que a Empresa identificou no E1… uma necessidade temporária de serviço relacionada com absentismo de trabalhadores deste E1… o que obriga à deslocação em serviço de um trabalhador, uma vez que o E… não dispõe de trabalhadores em número suficiente para preencher a referida necessidade e face aos seus condicionalismos …».
Ora, e desde logo, parece-nos que esta fundamentação não é propriamente a mais prolixa, não obstante se haver provado tal absentismo em sede de audiência de julgamento. Com efeito, temos para nós que a requerida mais alguma coisa deveria ter fundamentado, designadamente o número de trabalhadores de que necessita para que o serviço flua normalmente e o número de trabalhadores que se mostram ausentes, por forma a que o trabalhador afetado por tal decisão pudesse ponderar e aquilatar do motivo invocado. 
Acresce que temos para nós que já não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre o interesse da requerida e a ordem de transferência do requerente, designadamente tendo em conta as funções que o mesmo iria desempenhar, a circunstância de nunca as ter desempenhado antes (como referiu uma testemunha “o E1… estava a precisar de pessoas que já tivessem experiência na função, para ter a produtividade que se pretende …”) e de apresentar condicionalismos para esse mesmo desempenho. Não podemos esquecer, face ao teor da primeira parte da alínea a) do n.º1 do artigo 194.º - o motivo de interesse da empresa tem que exigir a transferência do trabalhador, daquele particular trabalhador – que tal nexo de causalidade teria de ficar demonstrado para que pudéssemos concluir pelo preenchimento daquele pressuposto.
Ou seja, temos para nós, com salvaguarda de melhor entendimento, que no caso de que nos ocupamos a decisão que determinou a transferência não surge explicitada em termos de racionalidade.
De todo o modo, e mesmo que consideremos que, in casu, se mostra preenchido o primeiro requisito enunciado no artigo 194.º/1, al. b) do Código do Trabalho – a existência de um interesse legítimo da empresa – para aferir da licitude da ordem de transferência, sempre teremos de averiguar se o segundo requisito – a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador – também ele se mostra preenchido.
Se em relação ao primeiro dos mencionados requisitos é pacífico que a sua prova cabe ao empregador, pois trata-se se um facto constitutivo do direito do empregador ordenar unilateralmente a transferência (artigo 342.º/1 do Código Civil), já quanto ao prejuízo sério, a doutrina e a jurisprudência dividem-se.
Todavia, temos para nós que também aqui cabe à entidade empregadora a alegação e prova dos facos demonstrativos da inexistência de prejuízo sério para o trabalhador, sufragando-se a opinião de Catarina Carvalho [A mobilidade geográfica dos trabalhadores no Código do Trabalho, publicado a páginas 43 a 80 do VII Congresso Nacional de Direito do Trabalho - Memórias - Coordenação do Professor Doutor António Moreira», Almedina, Novembro de 2004] quando afirma: «a admissibilidade de a entidade patronal proceder a uma transferência individual de local de trabalho está dependente da verificação de um interesse da empresa e da inexistência de “prejuízo sério” para o trabalhador envolvido. Trata-se, portanto, de um direito do empregador cuja constituição depende também do preenchimento do seu pressuposto negativo – a ausência de prejuízo sério. Assim, por força das regras gerais de repartição do ónus da prova (artigo 342.º do Código Civil), cabe ao empregador provar que a transferência não causa prejuízo sério ao trabalhador afetado, assim como a existência de um interesse da empresa».
No caso presente, contudo, e porque estamos perante um procedimento cautelar, verifica-se existir de algum modo uma sobreposição do ónus da prova, mais precisamente sobre aquele que incide sobre o requerente de convencer o tribunal do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito com o que incide sobre a requerida de convencer que a transferência não causa lesão séria ao trabalhador.
Como se refere no AC TRL de 18.10.2006 [www.dgsi.pt], «os conceitos de lesão grave e dificilmente reparável e de lesão séria, ambos conceitos indeterminados, aplicados a um caso de transferência de local de trabalho, não podem ser muito diferentes, decorrendo do mesmo tipo de factos e circunstâncias. Ambos hão de referir-se a consequências que hão de representar, no caso concreto, mais do que um mero transtorno, implicando uma alteração significativa na vida do trabalhador de tal forma que não lhe seja exigível que a suporte. Perante tal sobreposição entendemos que, por se tratar de providência cautelar, o ónus que incide sobre o requerente de convencer o tribunal da existência de risco de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito prevalece sobre o ónus que incide sobre o requerido de convencer da inexistência de lesão séria do direito do trabalhador, sob pena de a providência poder ser decretada sem a verificação de todos os pressupostos, o que seria contra lege».
Ora, tendo presente que é alvo de amplo consenso na doutrina e na jurisprudência a ideia de seriedade do prejuízo, que este não tenha pequena importância, mas que introduza uma modificação substancial no “plano de vida” pessoal e profissional do trabalhador, temos para nós que aquele ónus, no caso dos autos, foi alcançado pelo requerente.
Na verdade, resultou da matéria indiciariamente apurada que o requerente padece de lombalgias e crises de ciatalgia, sendo-lhe contraindicadas situações de carga, deslocações e transporte de pesos; que sofre de uma “depressão major” altamente incapacitante; que face à sua situação clínica deverá manter os seus hábitos laborais regulares, nomeadamente os horários laborais habituais.
Ademais, e tendo o autor sido observado em consulta de medicina do trabalho, resultou dessa observação que o trabalhador se encontra apto para o trabalho, mas com os seguintes condicionalismos: não pode fazer turnos noturnos, compreendidos esses como sendo os entre as 24 horas e as 09 horas; não pode fazer movimentos de carga superior a 5 Kg; não pode manter posições ergonómicas de flexão forçada, nem estar de pé durante um longo período se tempo; não pode fazer giros motorizados de duas rodas.
Ora, logo a primeira limitação fixada pela medicina do trabalho não está a ser respeitada pela requerida, uma vez que o turno que atribuiu ao requerente inicia-se às 07h00m, logo, duas horas antes do estabelecido, tendo ficado provado que este horário pode trazer um agravamento da saúde física e mental do autor, uma vez que o mesmo encontra-se a tomar medicação que não se coaduna com tal horário de entrada. Depois, e ainda, ficou provado que o autor, durante o seu horário de trabalho, vai ter de puxar os sacos do correio num carrinho de mão e quando tiver de subir a andares que se situem em prédios sem elevador (a maioria), terá se levar o carrinho consigo, carregando-o.
Ora, dentro do circunstancialismo indiciariamente apurado, afigura-se-nos que não estamos aqui perante um mero transtorno ou prejuízo de pequena importância, mas antes perante uma modificação substancial do “plano de vida” do requerente que poderá mesmo colocar em risco a sua saúde. Note-se que, nos termos do disposto no artigo 127.º/1, al. c) do Código do Trabalho «o empregador deve, nomeadamente, proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral».
Estamos, pois, perante um prejuízo que se traduz numa perturbação intensa dos interesses do requerente e, logo, perante um prejuízo que não lhe é exigível suportar.
Assim, e porque não preenchidos os dois requisitos fixados na al. b) do n.º1 do artigo 194.º do Código do Trabalho, podemos afirmar que, em nome da boa fé no cumprimento do contrato de trabalho por parte da requerida (artigo 126.º/1) e das garantias que o Código do Trabalho e o AE conferem ao trabalhador, quer no que respeita à não sujeição a transferência ilícitas, como ao cumprimento de ordens ilegítimas, encontra-se suficientemente demonstrado nos autos o direito do requerente a não ser transferido ou deslocado para o E1….
Quanto ao receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável, aparenta-se-nos que o mesmo também se verifica no caso em apreço [António Santos Geraldes, in Suspensão de Despedimento e outros Procedimentos Cautelares no Processo do Trabalho, pág. 112, indica mesmo como exemplo de providências cautelares não especificadas em sede laboral a «transferência ilegítima do local de trabalho, com efeitos negativos no estado de saúde do trabalhador ou geradora de graves dificuldades na prestação de assistência a familiares incapazes ou doentes»].
Com efeito, se é certo que tal receio deve ser fundamentado, ou seja, apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e a atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo, na situação em análise, e face aos factos apurados, torna-se manifesto que nos deparamos aqui com uma situação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providência não for decretada.
Na verdade, e pese embora estejamos perante uma transferência temporária que, nos termos do disposto no artigo 194.º/3 do Código do Trabalho e cláusula 38.ª do AE, não pode ultrapassar os seis meses, o certo é que se exigíssemos ao requerente que propusesse ação com vista à declaração de ilicitude da ordem de transferência em causa, quando o trânsito em julgado de tal ação ocorresse certamente já se mostraria ultrapassada a situação.
Ademais, importa notar que face ao disposto no n.º 5 do artigo 194.º, e precisamente porque estamos aqui perante uma transferência temporária ou transitória, ao requerente está mesmo vedada a possibilidade de resolver o contrato de trabalho com a invocação de justa causa. Perguntamo-nos, assim, que outra alternativa restaria ao requerente para reagir quanto à ordem de transferência ou deslocação que não o presente procedimento?
Deste modo, e por tudo quanto se expôs, considera o tribunal que se mostram verificados os requisitos para a procedência do presente procedimento cautelar no que à ilicitude da ordem de transferência ou deslocação diz respeito.
[…]».
II.3.2 Em suma, com argumentação segura, apoiada na doutrina e na jurisprudência dos tribunais superiores, o Tribunal a quo concluiu que a recorrente não demonstrou qualquer um dos pressupostos que lhe possibilitavam impor ao trabalhador a transferência temporária de local de trabalho, nomeadamente:
i) não fundamentou, como devia, com suficiência a ordem de transferência de modo a evidenciar o alegado  motivo do interesse da empresa, que justifica a imposição ao trabalhador da transferência temporária;
ii) não demonstrou o nexo de causalidade, isto é, que  o motivo o seu interesse implicasse ou tornasse necessária a transferência deste trabalhador em concreto;
iii) nem demonstrou a inexistência de prejuízo sério para o trabalhador, antes tendo ficado demonstrado por este que a transferência implicaria para si  uma “modificação substancial do “plano de vida” do requerente que poderá mesmo colocar em risco a sua saúde,  (..). .. prejuízo que se traduz numa perturbação intensa dos interesses do requerente e, logo, perante um prejuízo que não lhe é exigível suportar”.
Concordamos, no essencial, com a aprofundada e criteriosa fundamentação da decisão recorrida.
Em contraponto, embora não o deixe claro nas suas alegações, a recorrente acaba por utilizar argumentos que, como de seguida evidenciaremos, desde logo, só teriam validade caso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto procedesse.
Mas vejamos ponto por ponto.
É certo, que no âmbito dos poderes de direcção do empregador cabe-lhe estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, mas não pode esquecer-se que a lei logo esclarece que esse poder deve ser exercido “dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem” (art.º 97.º CT/09).
Um desses limites consiste no princípio da inamovibilidade do trabalhador, consagrado no art.º 129.º n.º1, al. f), do CT – correspondente à al. f), do art.º 122.º do pretérito CT/03 - embora comportando importantes excepções, como também logo decorre da norma, ao estabelecer a proibição do empregador “Transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, ou ainda quando haja acordo”. 
Uma dessas excepções é a prevista na al. b), do n.º1, do art.º 194.º do CT, admitindo a possibilidade de transferência de local de trabalho do trabalhador por determinação do empregador, temporária ou definitivamente, sem que aquele possa opor-se-lhe eficazmente, quando exista” motivo do interesse da empresa (que) o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador”.
Em caso de transferência do local de trabalho por iniciativa do empregador, este deve observar os procedimentos indicados no art.º 196.º do CT, entre eles constando, no que aqui interessa, o dever de fundamentar a decisão (n.º2).
Esse dever de fundamentação visa garantir, caso haja divergência e esta venha a ser submetida à apreciação judicial, que a montante o trabalhador e os tribunais possam aferir da conformidade da decisão do empregador com os limites imposto por lei, nomeadamente, devendo permitir que dela se extraia a existência real e a razoabilidade do motivo do interesse do empregador que justifica a transferência, bem assim as razões que exigem que seja aquele trabalhador e não outro (quando existirem outros trabalhadores) a ser transferido.
Ora, como bem se refere na fundamentação da decisão recorrida, a comunicação que foi dirigida ao trabalhador não cumpre nem um nem outro desses desideratos, sendo vaga, imprecisa e, sobretudo, conclusiva, ao limitar-se a dizer que “Considerando que a Empresa identificou, no E…, uma necessidade temporária de serviço, relacionada com absentismo de trabalhadores deste CDP, o que obriga à deslocação em serviço de um trabalhador, uma vez que o CDP não dispõe de recursos em número suficiente para preencher a referida necessidade”.
Não resulta desta comunicação a indicação de razões concretas para se poder concluir por uma real situação de absentismo e muito menos qual a razão que justifica, ou melhor dito, nos termos da lei, que exigiu a transferência deste trabalhador e não de qualquer outro.
A recorrente vem dizer no recurso que “Ponderadas as circunstâncias da necessidade de recursos humanos no E1… e o universo de trabalhadores que podiam ser deslocados para aquele E… para colmatar essas necessidades, a escolha do Requerente, que residia em Vila Nova de Gaia foi acertada e teve em conta os seus condicionalismos”, o que mais não é do que persistir na invocação de argumentos conclusivos. Com efeito, a comunicação não indicava as circunstâncias concretas que se traduziam em absentismo e na necessidade de colocação de um trabalhador, nem qual era o universo de trabalhadores susceptíveis de serem deslocados para esse efeito, nem sequer que uma das razões da decisão de transferência ter incidido sobre o autor se prendia com o facto de residir em Vila Nova de Gaia.
Mas ainda que não falhasse esse pressuposto, sempre restaria um outro, ou seja, a exigência de que a transferência não cause prejuízo sério para o trabalhador.
O Tribunal a quo, pese embora tenha manifestado a sua adesão à posição defendida pela Professora Catarina Carvalho a propósito de saber a quem cabe o ónus de prova do prejuízo sério, conclui que no caso a questão nem releva, para além do mais, em razão do requerente ter demonstrado a existência desse prejuízo.
Como bem assinalado, não é pacífico o entendimento sobre a questão de repartição do ónus de prova a propósito do “prejuízo sério”, enquanto limitação ao poder do empregador transferir o trabalhador. Em suma, para quem entende que a existência de prejuízo sério é um facto impeditivo do direito do empregador alterar o local de trabalho do trabalhador no interesse da empresa – uma transferência que cause prejuízo sério não é permitida e, como tal, pode ser desobedecida - o ónus de alegação e prova dessa factualidade recai sobre o trabalhador, em conformidade com a regra do art.º 342.º 2 do CC [nesse sentido, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 452]. Divergindo, quem coloque a questão assumindo que, em primeira linha, está em causa o exercício de um direito do empregador “cuja constituição depende também do preenchimento do seu pressuposto negativo – a ausência de prejuízo sério”, o ónus de prova recairá sobre este, nos termos do art.º 342.º n.º1, do CC [Catarina Carvalho, na obra e local citados na sentença].
No caso, porém, concordamos com o Tribunal a quo, essa divergência não assume relevância por se ter entendido que o requerente fez a prova de existência de prejuízo sério. Assim sendo, também não se coloca a necessidade de enfrentarmos essa questão para lhe procurar dar resposta.
Procurando pôr em causa esse juízo sobre a existência de prejuízo sério, vem a Recorrente dizer que incumbiu o Requerente de exercer tarefas correspondentes à sua categoria – C1… – e que as mesmas “são adequadas ao seu estado de saúde”, bem assim que a análise do prejuízo sério deve levar em consideração a transitoriedade da alteração e, consequentemente, o menor impacto que esta provoca na vida pessoal do trabalhador.
Conclui, defendendo que as concretas tarefas que o Requerente iria desempenhar estão de acordo com os seus condicionalismos de saúde e enquadram-se “no estrito cumprimento das instruções médicas”.
Pois bem, como se disse inicialmente, esta alegação assenta no pressuposto da matéria de facto ser alterada e, mais do que isso, também de que a pretendida alteração fosse suficiente para afastar o juízo sobre a existência de prejuízo sério.
Mas para além disso, com o devido respeito, a recorrente parece esquecer que entre as limitações do requerente para o trabalho, motivadas por razões de saúde e indicadas pelos seus serviços de medicina no trabalho após consulta, encontra-se desde logo a de apenas efectuar “Turnos noturnos, compreendidos esses como sendo os entre as 24 horas e as 9 horas” (facto 18). Vejamos as razões desta afirmação.
Como decorre do facto 19, depois da consulta nos serviços de medicina no trabalho a que o requente foi sujeito por indicação da recorrente, o que vale por dizer, após esta ter conhecimento do relatório com indicação das limitações a que aquele estava sujeito, “ Em 05.04.2019, o autor recebe nova orientação da ré, com vista, agora, à sua deslocação temporária para o E1…, com efeitos a 15.04.2019, pelo mesmo tempo, com a mesma justificação e com mesmo horário da anterior”.
O horário anterior é o que lhe foi indicado na primeira ordem de transferência, em concreto, das 07h00 às 12h00 e das 13h00 às 15h48 (facto 9).
Ora, nenhum destes factos foi impugnado pela recorrente.
Por conseguinte, mal se percebe como pode a Recorrente vir afirmar que as tarefas que o Requerente iria desempenhar estão de acordo com os seus condicionalismos de saúde e enquadram-se “no estrito cumprimento das instruções médicas”, bem sabendo que esses factos estão provados, não foram impugnados e são suficientes para deitar por terra esse argumento.
Por outro lado, deve também ter-se presente que o autor sofre de “depressão major”, definida como altamente incapacitante no relatório médico emitido em 25.03.2019, pelo Médico Psiquiatra, Dr. J… (facto 12), referindo ainda que a recuperação clínica do Autor “passa pela manutenção da homeostasia sendo que, face à sua situação clínica, o doente deverá manter os seus hábitos laborais regulares nomeadamente os horários laborais habituais.” (facto 13).
Opinião médica que é partilhada por outro Médico Psiquiatra, “referindo que atenta a medicação efetuada pelo Autor, concretamente de antidepressivos e ansiolíticos, deverá o seu horário de trabalho estar limitado a certos horários”.
Acresce que a prestação de trabalho pelo autor estava também condicionada a não envolver “ Movimentos de carga superior a 5 Kg” (facto 18).
Ora, está também provado que no E1… o trabalhador irá efetuar tarefas de distribuição do correio, em giro apeado, puxando os sacos do correio num carrinho de mão, durante as horas do seu horário de +trabalho (facto 28), envolvendo, também, em caso de encomendas e objetos registados, subir escadas em vários andares nos edifícios que não disponham de elevadores, dado que na área do giro há edifícios antigos, em altura e sem elevadores, tendo sempre de levar o carrinho com todo o correio consigo (facto 29).
Não se sabe qual o peso médio do carrinho de mão quando carregado. Não obstante, de acordo com as regras da experiência, pode assumir-se como seguro que certamente o conjunto supera ou pelo menos atinge os 5kg. Mas mesmo que se duvide, sempre será um peso significativo, cujo deslocamento se traduz numa situação de carga, bem agravada quando for o caso de subir escadas transportando o carrinho, actividade contraproducente para quem sofre de “lombalgias e crises de ciatalgia”, como é caso do requerente, razão que levou o Médico Especialista em Ortopedia, referido no facto 11, a emitir relatório médico pronunciando-se no sentido de “que situações de carga, deslocações e transporte de pesos são totalmente contraindicadas ao autor”.
Por conseguinte, neste quadro, pese embora se tenham eliminado os factos 26 e 27 por conclusivos, o acerto da decisão recorrida não suscita dúvida. Na verdade, o que ali se seu por provado não é mais do que se extai com segurança dos factos provados, mais precisamente, como referido na sentença, que o horário para o autor cumprir pode trazer um agravamento da saúde física e mental do autor, uma vez que o mesmo encontra-se a tomar medicação que não se coadugna com tal horário de entrada. Acresce para esse mesmo agravamento, que vai ter de puxar os sacos do correio num carrinho de mão e quando tiver de subir a andares que se situem em prédios sem elevador, terá se levar o carrinho consigo, carregando-o, actividade a desenvolver ao longo duma jornada de trabalho e dia após dia.
Refere-se na decisão existir amplo “na doutrina e na jurisprudência a ideia de seriedade do prejuízo, que este não tenha pequena importância, mas que introduza uma modificação substancial no “plano de vida” pessoal e profissional do trabalhador”.
Na verdade assim acontece.
Ainda no domínio da LCT, mas mantendo tal posição actualidade, Bernardo da Gama Lobo Xavier, escrevia que “Embora o conceito de prejuízo sério não esteja determinado na lei, tendo de ser fixado caso a caso pelos tribunais, parece certo que se deve tratar não de um qualquer prejuízo, mas de um dano relevante que não tenha pequena importância, enfim, que determine uma alteração substancial do plano de vida do trabalhador” [Iniciação ao Direito do Trabalho, Verbo, 2.ª Edição, Lisboa, 1999, p. 198].
Mais recentemente, Monteiro Fernandes [Op. cit, pp. 449/450], na mesma linha de pensamento a propósito da determinação do sentido e alcance do requisito “prejuízo sério“, escreve o seguinte:
- «Trata-se de um juízo antecipado de probabilidade ou de adequação causal, que, no entanto, implica a consideração de elementos de facto actuais – como as condições de habitação do trabalhador, os recursos existentes em matéria de transportes, o número, idade e situação escolar dos filhos, a situação profissional do cônjuge e de outros elementos do agregado familiar, a medida das compensações financeiras que o empregador oferece.
(..)
De resto, o carácter virtual do «prejuízo sério» implica uma ponderação de condições concretas que podem, como se viu, pertencer ao foro privado do trabalhador. Os fundamentos do direito à conservação do local de trabalho relacionam-se muito estreitamente, com a tutela de interesses pessoais (e não tanto profissionais) do trabalhador. A consideração de uma transferência como «causa adequada» de prejuízos importantes – e, portanto, a determinação da possibilidade de recusa da alteração unilateral do lugar de trabalho – só pode resultar de uma análise das condições concretas da organização de vida do trabalhador, que são justamente o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade.
Por outro lado, é necessário que o prejuízo expectável seja sério, assuma um peso significativo em face do interesse do trabalhador, e não se possa reduzir à pequena dimensão de um «incómodo» ou de um «transtorno» suportáveis”.
Como de seguida veremos, numa breve resenha sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça - publicada em www.dgsi.pt - a propósito do que se deve entender por “prejuízo sério”, o entendimento deste tribunal superior tem sido consonante com a doutrina. Assim:
- “Esse prejuízo sério deve consubstanciar um dano relevante, que não se reconduza a simples transtornos ou incómodos: torna-se mister que a alteração ordenada afecte, substancialmente e de forma gravosa, a vida pessoal e familiar do trabalhador visado. [Acórdão do STJ de 25-11-2010, Proc.º 411/07.0TTSNT.L1.S1, Conselheiro SOUSA GRANDÃO]
- “O prejuízo sério a que se refere a lei deve ser apreciado segundo as circunstâncias concretas de cada caso, devendo a transferência assumir um peso significativo na vida do trabalhador, abalando, de forma grave, a estabilidade da sua vida, violando, assim, a garantia da inamovibilidade que o legislador tutela.(..)A medida dos prejuízos causados ao trabalhador com a transferência tem que ser encontrada a partir dos factos que por ele sejam alegados e que possibilitem determinar aquilo que é essencial na sua vida e, consequentemente, apurar em que medida esta foi afectada.(..) A noção de prejuízo sério assume particular relevo e terá, necessariamente, de entender-se, por definição contextual aberta, como sendo um juízo antecipado de probabilidade ou de adequação causal, que implica, contudo, a consideração de elementos de facto actuais [Acórdão do STJ de 03-03-2010, proc.º 933/07.3TTCBR.C1.S1, Conselheiro BRAVO SERRA].
- “O prejuízo sério há-de consistir num dano substancialmente gravoso, susceptível de afectar, num juízo antecipado de adequação causal, a vida pessoal, familiar, social e económica do trabalhador visado. [13-04-2011. Proc.º <a href="https://acordao.pt/decisoes/144680" target="_blank">125/08.4TTMAI.P1</a>.S1, Conselheiro FERNANDES DA SILVA].
Em jeito de síntese, pode dizer-se ser entendimento unânime que a existência de prejuízo sério afere-se na consideração de elementos factuais concretos da organização da vida pessoal e familiar do trabalhador - o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade-, sendo necessário para que se verifique que a transferência afecte substancialmente a estabilidade daquela organização, indo para além dos simples transtorno ou incómodos.
Partilhando-se também deste entendimento, concordamos com o Tribunal a quo, crendo ser de concluir que face ao “circunstancialismo indiciariamente apurado, afigura-se-nos que não estamos aqui perante um mero transtorno ou prejuízo de pequena importância, mas antes perante uma modificação substancial do “plano de vida” do requerente que poderá mesmo colocar em risco a sua saúde”, como tal consubstanciando “um prejuízo que se traduz numa perturbação intensa dos interesses do requerente e, logo, perante um prejuízo que não lhe é exigível suportar”, obstando à prevalência do direito da Ré a alterar o seu local de trabalho.III. DECISÃOEm face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Custas do recurso pela recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC).

Porto, 18 de Novembro de 2019
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira

APELAÇÃO n.º 1512/19.8T8MAI.P1SECÇÃO SOCIALACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO I. RELATÓRIOI.1 B… Nunes instaurou o presente procedimento cautelar comum contra “C…, S.A. – Sociedade Aberta”, pedindo o mesmo seja julgado procedente e provado e, consequentemente, seja suspensa a decisão tomada pela ré relativamente à transferência do autor, mantendo-se o mesmo a exercer atividade no D… – Maia, nos termos e moldes em que o mesmo a tem vindo a desempenhar. Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese, que é funcionário da requerida desde 14/12/2000, com antiguidade reportada a 13/07/1998, tendo a categoria profissional de C1…. O local de exercício da sua atividade é desde sempre o D… na Maia, concretamente a área da mecanização. No dia 08/03/2019, a ré notificou o autor da necessidade de proceder à sua deslocação temporária, com duração previsível de três meses, para o E…, justificando tal necessidade com o absentismo de vários trabalhadores naquele E…. O autor é detentor de várias patologias clínicas, tendo disso dado conhecimento à ré. Face ao que alegou junto da ré, esta deu sem efeito a decisão de transferência para o E… e determinou a sua apresentação em consulta médica de medicina do trabalho. Nesta foi entendido estar em situação de aptidão condicional para o exercício da função de distribuição de correio, encontrando-se limitado de efetuar turnos noturnos, compreendidos entre as 24 e as 09 horas; movimento de carga superior a 5 Kg; posições ergonómicas de flexão forçada e ortostatismo prolongado; giros motorizados de duas rodas. Não obstante, em 05/04/2019, o autor recebe nova orientação da ré, agora com vista à sua deslocação temporária para o E1…, pelo mesmo tempo, com a mesma justificação e com o mesmo horário anterior. Refere que a manter-se tal decisão, a executar serviço relacionado com a distribuição de correio, no horário pretendido pela ré, ocorrerá um agravamento da sua saúde física e mental, pelo que considera que a sua transferência de local de trabalho é ilegítima. Concluiu pugnando pela procedência da providência cautelar. A requerida apresentou oposição, sustentando, no essencial, que a ordem de deslocação em serviço é lícita, pois que está em causa uma necessidade transitória de serviço, sendo certo que é à empresa que cabe determinar as necessidades de meios humanos e também por uma questão de custos associados, já que o requerente reside em Vila Nova de Gaia. Assim, optou por colmatar a sua necessidade tendo em conta o seu domicílio. Mais nota que o E1…, além de ser na área de residência do requerente, tem giros adequados ao seu condicionalismo, por exemplo, giros apeados e curtos. Conclui que a sua atuação é lícita, não havendo fundamento de facto ou de direito para que a presente providência seja decretada. I.2 Procedeu-se à audiência final, com produção da prova apresentada pelas partes. Subsequentemente foi proferida sentença, fixando os factos e aplicando o direito, concluída com a decisão seguinte: - «Por tudo o exposto, julga-se o presente procedimento cautelar comum parcialmente procedente e, em consequência, determina-se a suspensão da decisão tomada pela requerida relativamente à transferência ou deslocação do requerente, mantendo-se o mesmo a exercer a sua atividade no D… – Maia, nos termos e moldes em que o tem vindo a desempenhar. Custas pela requerida, sem prejuízo do disposto no artigo 539.º/2 do Código de Processo Civil. Notifique. (..)». I.3 Inconformada com esta sentença, a Requerida interpôs recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram concluídas nos termos seguintes: I. A Recorrente não pode conformar-se com a douta decisão final, porquanto entende e no que respeita à produção de prova, que o Tribunal a quo fez errada apreciação da prova produzida, razão pela qual, no presente recurso, se impugna tal decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos do art. 640.º do CPC, como considera, também, que os factos em causa jamais permitiriam a solução de direito adoptada na decisão sub judice. II. A questão central que se discute no recurso a Recorrente não demonstrou o nexo de causalidade entre o motivo de interesse da Empresa na alteração temporária do local de trabalho, e se tal alteração implica prejuízo sério, ou seja, uma modificação substancial do “plano de vida” pessoal e profissional do trabalhador que não lhe é exigível suportar. III. Ao contrário do que entendeu o Tribunal de Primeira Instância. provou-se efectivamente, que a decisão de gestão, de entre o universo dos trabalhadores, foi correcta e que as tarefas concretas se adequam aos condicionalismos verificados pelo médico e com a sua ficha de aptidão. IV. Pretende, assim, a Recorrente a reapreciação da prova, quanto aos pontos 26. a 29. e 33 dos factos provados, sendo certo que se impõe igualmente, porque têm interesse para a boa decisão da causa, incluir ainda um ponto à matéria dada como provada. V. O Requerente está apto condicionalmente para o trabalho apresentando as limitações referidas no doc. n.º 1 junto com a Oposição e julgadas provadas no facto 18, limitações essas que não foram correctamente apreciadas pela M.ma Juiz a quo o que determinou a incorrecta avaliação dos factos provados e que agora se pretendem alterar. VI. Quanto ao facto 27., resulta claramente da prova testemunhal que o horário a praticar pelo Requerente, das 7h00 às 12h00 e das 13h00 às 15h48, está de acordo com as limitações médicas pois que este não pode efectuar turnos nocturnos, o que não significa que não possa praticar um horário de entrada às 07h00, facto que foi corroborado pela Testemunha F…, que prestou depoimento no dia 17.05.2019, Início Gravação: 15:29:52 * Fim Gravação 16:08:30. VII. Assim, além da prova produzida não fundamentar o facto 27., a interpretação correcta do documento e das limitações que o Requerente está sujeito não é, como entendeu o Tribunal a quo que o mesmo não pode entrar às 7h00, antes sim, que não pode praticar horários nocturnos, estes compreendidos entre as 24 horas e as 9 horas. VIII. No que respeita ao facto 28., sendo verdade que o Recorrente irá efectuar tarefas de distribuição do correio, em giro apeado, puxando os sacos do correio num carrinho de mão, durante as horas do seu horário de trabalho, a isto deve acrescer que o peso a suportar será sempre de acordo com as suas limitações, ou seja, nunca serão cargas superiores a 5 Kg. IX. A Testemunha G… que prestou depoimento no dia 17.05.2019, Início Gravação: 14:33:24 * Fim Gravação 15:27:53 e cujo depoimento se transcreveu foi peremptória ao afirmar que não há necessidade de iniciar o giro com muito peso, pelo contrário, podem ser feitos sucessivos reabastecimentos por forma a que o C1… não carregue acima do limite que lhe é possível e permitido suportar. X. Já quanto às malas de correio, a testemunha refere que são leves e têm uma forma própria de tracção o que permite a subida de passeios e escadas, facto que também a testemunha F… corroborou. XI. Deste modo, a distribuição do correio está dentro das limitações que o Requerente apresenta, pois que o carrinho de mão é reabastecido à sua medida e nunca levaria carga superior ao recomendado. XII. Quanto ao ponto 29. o mesmo não resultou provado, na medida em que, mesmo aceitando-se que o centro da cidade do Porto tem edifícios em altura e a maioria antigos, já não podemos aceitar que a maior parte não tenha elevador, sendo certo que não foi feita prova alguma deste facto. XIII. Pelo contrário, é facto notório que quase todos prédios antigos do centro do Porto foram alvo de reabilitação, tendo sido renovadas as suas condições, quem sabe, existe a possibilidade de serem dotados de elevadores, pelo que não podia o Tribunal a quo assumir sem mais a alegação do Requerente, que nenhuma prova fez a este respeito. XIV. Mas ainda que assim não se entenda, veja-se que a testemunha G… afirmou que o peso não é uma questão, na medida em que o trabalhador pode optar pelo sucessivo reabastecimento, como supra se referiu, e bem assim, disse que a este respeito o carrinho sobe escadas sem ser por impulso. XV. Acresce que apesar de não ser recomendado, o C1… pode deixar o carrinho fechado no interior do prédio. XVI. Por outro lado, foi expressamente referido por ambas as testemunhas que o correio EMS e as encomendas são entregues por outros giros que não o que o Autor iria realizar. XVII. Dito de outro modo, o facto 29. não resultou provado sendo certo que também se provou o contrário, isto é, que o Requerente não teria de entregar encomendas bem assim como que teria de levar consigo o carrinho com todo o correio. XVIII. Por tudo o quanto se disse, o facto 26. não poderá manter-se já que as tarefas que o Recorrente ira efectuar, nas circunstâncias em que as iria efectuar, não podem trazer “um agravamento da saúde mental e física do Autor”, como entendeu o Tribunal a quo. XIX. No que respeita ao facto 33., impõe-se que ali se acrescente que as movimentações de outros E…’s para o D… não decorrem só de Vila Nova de Gaia e principalmente, que se tratam de trabalhadores bastante condicionados, conforme depoimentos das testemunhas supra transcritos. XX. Por fim, e tendo em conta o depoimento das testemunhas parcialmente supra transcritos, estamos certos que V. Ex.as devem dar como provado que “Atentas as circunstâncias, a decisão de alterar o local de trabalho corresponde a necessidades da Empresa e, tendo em conta as recomendações médicas, as funções que estão atribuídas ao Requerente são adequadas ao seu estado de saúde”, facto que igualmente foi esclarecido pelas testemunhas. XXI. Da prova testemunhal resulta claro que existe nexo de causalidade e que não há prejuízo para a saúde do trabalhador. XXII. Consequentemente, ponderando os depoimentos das testemunhas e da análise do documento n.º 1 junto com a Oposição e que consiste na ficha de aptidão do Requerente, pela relevância destes factos para a boa decisão da causa, deve esse venerando Tribunal de recurso modificar a matéria de facto, por mani festo erro na apreciação da prova, alterando os factos provados da seguinte forma: - No ponto 27., aceitando-se apenas que “O Autor encontra-se a tomar medicação”, deve eliminar-se o demais porque o horário que lhe foi atribuído é compatível as limitações do Requerente, já que o parecer diz que este não pode praticar horários nocturnos, estes compreendidos entre as 24 horas e as 9 horas. - Quando ao facto 28., deve ser acrescentado que de acordo com as suas limitações, ou seja, nunca serão cargas superiores a 5 Kg.” - Já o ponto 29. também não resultou provado não só porque o Requerente não teria de entregar encomendas bem como não teria de levar consigo o carrinho com todo o correio. Porém, e ainda que assim fosse, o carrinho, embora não recomendado, pode ficar no interior do prédio e bem assim, o mesmo está apto para subir escadas sem esforço. - Conclui-se assim que o facto 26. não poderá manter-se já que as tarefas que o Recorrente ira efectuar, nas circunstâncias em que as iria efectuar, não podem trazer “um agravamento da saúde mental e física do Autor”. - No que respeita ao facto 33, impõe-se que ali se acrescente que as movimentações de outros E…’s para o D… não decorrem só de Vila Nova de Gaia e principalmente, que se tratam de trabalhadores bastante condicionados. - Por fim, deve aditar-se um ponto novo e que é “Atentas as circunstâncias, a decisão de alterar o local de trabalho corresponde a necessidades da Empresa e, tendo em conta as recomendações médicas, as funções que estão atribuídas ao Requerente são adequadas ao seu estado de saúde”. XXIII. No que à aplicação do Direito concerne errou também o Tribunal a quo porquanto é à empresa que cabe determinar as necessidades de meios humanos e também, por uma questão de custos associados, já que o Requerente reside em Vila Nova de Gaia, optou por colmatar a necessidade supra, tendo em conta o seu domicílio. XXIV. Ponderadas as circunstâncias da necessidade de recursos humanos no E1… e o universo de trabalhadores que podiam ser deslocados para aquele E… para colmatar essas necessidades, a escolha do Requerente, que residia em Vila Nova de Gaia foi acertada e teve em conta os seus condicionalismos, sendo de salientar que tais decisões se inserem na área de estrita competência da gestão da Requerida. XXV. A Recorrente incumbiu o Requerente para exercer tarefas correspondentes à sua categoria – C1…, sendo certo que as funções que lhe foram atribuídas são adequadas ao seu estado de saúde. XXVI. A Recorrente cumpriu e deu forma ao disposto no n.º 3 do art. do 194.º do C.Trab. e Cláusula 38.ª do AE, já que demonstrada a necessidade de meios humanos, a melhor decisão de deslocar um trabalhador há-se ser aquela que prejudique o mínimo possível o trabalhador a ser deslocado. XXVII. Os requisitos e condições de validade da ordem de transferência são, em primeiro lugar, a existência de um interesse legítimo do empregador, o que se verifica no caso em apreço, sendo certo que a decisão da Recorrida está assente em critérios de gestão racionais. XXVIII. Por outro lado, impõe-se a inexistência de prejuízo sério para o trabalhador, entendendo-se que, no caso de transferência temporária, a análise do prejuízo sério deve levar em consideração a transitoriedade da alteração e, consequentemente, o menor impacto que esta provoca na vida pessoal do trabalhador. XXIX. Ora, as concretas tarefas que o Requerente iria desempenhar estão de acordo com os seus condicionalismos de saúde tendo esta todo o cuidado e respeito pelo estado de saúde do trabalhador, e no estrito cumprimento das instruções médicas, pelo que não se compreende a conclusão a que chega o Tribunal a quo de que não é exigível ao Requerente suportar esta alteração temporária de local trabalho. XXX. A M.ma Juiz a quo fez uma errada interpretação do n.º 3 do art. 194.º do C.Trab. e da Cláusula 38.º do AE/C…. Nestes termos, e nos mais de direito, sempre do douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso e ser revogada, nesta parte, a Sentença Recorrida e substituída por outra que julgue a total improcedência da Acção com a consequente total absolvição do pedido, como é de inteira JUSTIÇA! I.4 O Recorrido apresentou contra alegações, mas sem que se mostrem finalizadas com conclusões. No essencial, acompanha a decisão recorrida, pugnando pelo não acolhimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e pela improcedência do recurso. I.5 O Ministério Público junto desta Relação teve visto nos autos, nos termos do art.º 87.º3, do CPT, tendo-se pronunciado no sentido da improcedência do recurso. I.6 Verificando-se que não fora fixado o valor da causa, determinou-se a baixa do processo à primeira instância para esse efeito. Em cumprimento do determinado, foi proferido despacho fixando o valor da causa em €5.000,01. I.7. Cumpriram-se os vistos legais e foi determinado que o processo fosse submetido à conferência para julgamento. I.8 Delimitação do objecto do recurso Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso, a questão colocada para apreciação pela recorrente consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte: i) Na apreciação da prova, quanto aos factos provados 26 a 29 e 33, e por não ter considerado provado o ponto 13 da oposição; ii) Na aplicação do direito aos factos, ao ter decretado a providência, fazendo uma errada interpretação do n.º3, do art.º 194º do CT e da Cláusula 38.º do AE/C….II. FUNDAMENTAÇÃO II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTOO Tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte: 1) O autor foi admitido para prestar serviço, por conta a sob autoridade da ré em 14.12.2000, com antiguidade reportada 13.07.1998. 2) O Autor está ao serviço da Ré com a categoria profissional de C1…. 3) O autor foi admitido como C1… no H…, sito na Rua …, em Vila Nova de Gaia, estando, desde 2010, colocado no D…, local de exercício da sua atividade. 4) Às relações de trabalho entre a ré e os trabalhadores ao seu serviço têm vindo a ser sucessivamente reguladas pelos seguintes instrumentos: a) PRT publicada no BTE, 1ª serie, n.º 27/77, de 29 de julho de 1977; b) AE/C… publicado no BTE, 1ª serie, n.º 24 de 29 de Junho de 1981, sucessivamente alterado, sendo a mais global e recente alteração datada de 22 de junho de 2018, publicada no BTE, n.º27. 5) O autor sempre que esteve ao serviço da ré nunca foi incumbido de efetuar qualquer distribuição de correspondência quer a pé, quer através de qualquer veiculo motorizado. 6) O autor esteve desde sempre a executar tarefas relacionadas com divisão interna de correio, por incumbência da ré. 7) O horário de trabalho do autor no D… é de 8 horas diárias, e o compreendido, entre as 13:00 horas e as 23:00 horas, nunca estando ao serviço da ré nem antes nem após essas horas. 8) No dia 18.03.2019, a ré notifica o autor da necessidade de proceder à sua deslocação temporária, com duração, previsível, de três de meses, para o E… (….), justificando tal necessidade com o absentismo de vários trabalhadores naquele E…. [alterado, nos termos da decisão que segue] 9) No E… aguardava ao autor a distribuição de correio, porta a porta, em veículo motorizado, num horário estipulado pela Ré das 7:00horas às 12:00horas e das 13:00horas às 15:48horas. 10) O autor tendo tomado conhecimento de tal situação deu a conhecer à ré a sua situação de doença, e fê-lo através de um requerimento entregue à sua Chefia em 26.03.2019 no qual dá conta das doenças de que padece, solicitando, atento a importância das mesmas, a sua manutenção no D…. 11) O autor deu a conhecer à Ré que padecia de “lombalgias e crises de ciatalgia” e juntou relatório médico emitido em 20.03.2019, pelo Dr. I…, Médico Especialista em Ortopedia, que concluía que situações de carga, deslocações e transporte de pesos são totalmente contraindicadas ao autor. 12) O autor também informou a ré de que sofre de “depressão major”, definida como altamente incapacitante no relatório médico emitido em 25.03.2019, pelo Médico Psiquiatra, Dr. J…. 13) O mencionado Dr. J… refere que a recuperação clínica do Autor “passa pela manutenção da homeostasia sendo que, face à sua situação clínica, o doente deverá manter os seus hábitos laborais regulares nomeadamente os horários laborais habituais.”. 14) Idêntico parecer é emitido pelo Dr. K…, em 25.03.2019, também ele Médico Psiquiatra, referindo que atenta a medicação efetuada pelo Autor, concretamente de antidepressivos e ansiolíticos, deverá o seu horário de trabalho estar limitado a certos horários. 15) A ré inicialmente, e em resposta ao autor, assentiu na pretensão deste, dando sem efeito a decisão de transferência temporária para o E… …., tendo ordenado ao autor a sua apresentação em consulta médica de medicina do trabalho. 16) O autor deslocou-se à mencionada consulta médica no dia 02.04.2019, tal como requerido pela ré. 17) Da mencionada consulta resultou a aptidão condicional do autor para o exercício da função de distribuição de correio. 18) De acordo com a mencionada ficha da aptidão para o trabalho o autor encontra-se limitado de efetuar: i) Turnos noturnos, compreendidos esses como sendo os entre as 24 horas e as 9 horas; ii) Movimentos de carga superior a 5 Kg; iii) Posições ergonómicas de flexão forçada e ortostatismo prolongado; iv) Giros motorizados de duas rodas. 19) Em 05.04.2019, o autor recebe nova orientação da ré, com vista, agora, à sua deslocação temporária para o E1… (….), com efeitos a 15.04.2019, pelo mesmo tempo, com a mesma justificação e com mesmo horário da anterior. 20) O autor faz novo apelo à ré, em 09.04.2019, com vista a evitar a transferência. 21) A ré não deu qualquer resposta e no dia 15.04.2019 o autor apresentou-se ao serviço tal como lhe fora ordenado. 22) Nesse mesmo dia redige e entrega à ré, agora na pessoa da Chefia do E1…, nova exposição, da qual não obteve resposta. 23) O autor porque teve conhecimento da existência da lista de tarefas, anexa à ficha de aptidão, pela sua Chefia direta da D…, mas não tendo tido conhecimento do teor da mesma, solicitou também que o conteúdo desta lhe fosse dado a conhecer. 24) A ré, através da sua Chefia da D…, responde ao autor que não lhe podia dar a conhecer o conteúdo da tal ficha de tarefas, anexa à ficha de aptidão, afirmando que a mesma não é sequer vinculativa para a ré. 25) Em 16.04.2019 o autor foi para baixa médica. 26) A manter-se a decisão de o autor ser deslocado, agora para o E1…, a executar serviço relacionado com a distribuição do correio, no horário pretendido pela ré poderá trazer um agravamento da saúde mental e física do autor. [eliminado, nos termos da decisão que segue] 27) O autor encontra-se a tomar medicação que não se coaduna com o horário de entrada ao serviço à hora pretendida pela ré e tal alteração nos horários de trabalho do autor e a manter-se poderá trazer prejuízos à sua recuperação. [eliminado, nos termos da decisão que segue] 28) O autor no E1… irá efetuar tarefas de distribuição do correio, em giro apeado, puxando os sacos do correio num carrinho de mão, durante as horas do seu horário de trabalho. 29) A generalidade dos edifícios dos giros do E1… (centro da cidade do Porto) são edifícios em altura, a maioria antigos e, por isso, sem elevador o que irá obrigar o autor a subir pelas escadas os vários andares, em caso de encomendas e objetos registados, tendo sempre de levar o carrinho com todo o correio consigo. 30) O autor, ao longo dos 20 e poucos anos de serviço na ré, nunca efetuou distribuição do correio. 31) Com toda esta situação o autor sente-se ansioso. 32) Existem no universo dos trabalhadores da empresa colegas do Autor, também eles C1…, sem tais patologias clínicas. 33) A ré efetuou a transferência C1… e de outros E… de Vila Nova de Gaia para o D… da Maia. 34) Com a deslocação do autor, a ré é obrigada a colocando outro trabalhador no D… a efetuar as tarefas até agora adstritas ao autor. 35) O requerente reside em Vila Nova de Gaia. 36) Existe um elevado absentismo em vários locais da ré. 37) O E1… (que sita … em Vila Nova de Gaia) tem giros apeados. 38) O Requerente apresentou-se ao serviço no referido E1… a 15.04.2019. 39) O giro que deveria ter acompanhado, mas que não chegou a acompanhar, era apeado. Não se provaram os seguintes factos: a) O autor foi aconselhado a ir para a baixa médica. b) O carrinho de mão, vazio, mais pesado, utilizado pelos C1… na distribuição de correio ultrapassa os 6 Kg. c) Com toda esta situação o autor passa noites em branco. d) Os colegas de trabalho do autor referidos em 32) são mais capazes do que este com vista a responder à satisfação da ré. e) O autor não tem qualquer tipo de limitação no exercido da atividade no D… - Maia. f) Aquando da solicitação do exame da medicina do trabalho, a requerida solicitou também que fosse elaborada uma lista exata de tarefas que o requerente pode desempenhar num D…, de acordo com a sua categoria profissional de C1…. g) Os giros do E1… PORTO são curtos. h) O giro referido em 39) era curto. i) A movimentação de trabalhadores de E… para o D… não englobou nenhum trabalhador pertencente à zona de Vila Nova de Gaia.***Consta ainda da sentença, na parte da decisão sobre a matéria de facto, não se pronunciar o tribunal quanto ao ademais alegado pelas partes, por se tratar de matéria de direito e/ou conclusiva. II.2 ALTERAÇÃO da MATÉRIA DE FACTO POR INICIATIVA DESTE TRIBUNAL DE RECURSO Impõe-se, desde já, proceder a alterações à matéria de facto fixada, por iniciativa desta Relação no âmbito dos poderes oficiosos de que dispõe (art.º 662.º 1, CPC), em razão de se encontrarem factos provados conclusivos, conforme de seguida melhor se explicará. Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj]. Entendimento igualmente sustentado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt]. Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, Conselheiro António Leones Dantas, www.dgsi.pt.]. Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que o tribunal de recurso não pode considerar provadas alegações conclusivas que se reconduzam ao thema decidendum. Importa ainda relembrar, que nos termos do disposto no n.º1 do art.º 5.º do CPC, [Às] partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles que se baseiam as excepções invocadas”. Percorrendo o elenco da matéria assente encontram-se dois factos conclusivos, que concomitantemente se reconduzem à questão controvertida em discussão, nomeadamente, os seguintes: 26) A manter-se a decisão de o autor ser deslocado, agora para o E1…, a executar serviço relacionado com a distribuição do correio, no horário pretendido pela ré poderá trazer um agravamento da saúde mental e física do autor. 27) O autor encontra-se a tomar medicação que não se coaduna com o horário de entrada ao serviço à hora pretendida pela ré e tal alteração nos horários de trabalho do autor e a manter-se poderá trazer prejuízos à sua recuperação. Estas conclusões devem resultar dos factos concretos alegados que tenham resultado provados e, se for esse o caso, apenas podem ser extraídas na sentença, como juízo formulado em face do elenco factual aprovado. Por conseguinte, eliminam-se os factos em causa – 26 e 27 - do elenco da matéria provada. Por outro lado, no facto 8 refere-se, usando os termos da alegação do requerente, que “No dia 18.03.2019, a ré notifica o autor da necessidade de proceder à sua deslocação temporária, com duração, previsível, de três de meses, para o E…, justificando tal necessidade com o absentismo de vários trabalhadores naquele D…. “, mas sem que se tenha tido o cuidado de transcrever o essencial do conteúdo daquela comunicação nos factos provados, nomeadamente, na parte relativa ao motivo invocado, o que se mostrava pertinente. De resto, precisamente por essa razão, o tribunal a quo na fundamentação acaba por fazer uso de um extracto da mesma. Assim, altera-se a redacção daquele facto, acrescentando-se-lhe um extracto do texto da documentação (a negrito) – cfr. doc. junto pelo requerente e não impugnado -, passando a ter a redacção seguinte: Facto 8- “No dia 18.03.2019, a ré notifica o autor da necessidade de proceder à sua deslocação temporária, com duração, previsível, de três de meses, para o E…, justificando tal necessidade com o absentismo de vários trabalhadores naquele E…, constando da comunicação, para além do mais, o seguinte: - Considerando que a Empresa identificou, no E…, uma necessidade temporária de serviço, relacionada com absentismo de trabalhadores deste E…, o que obriga à deslocação em serviço de um trabalhador, uma vez que o E… não dispões de recuros em número suficiente para preencher a referida necessidade”.II.2 IMPUGNAÇÃO da DECISÃO SOBRE a MATÉRIA DE FACTOO recorrente insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, pretendendo reapreciação da mesma e a sua alteração quanto aos factos provados 26 a 29 e 33, bem assim por não ter sido considerado provado o alegado no artigo 13 da sua oposição. Como os pontos 26 e 27 da matéria de facto foram eliminados por nossa iniciativa, a impugnação a considerar restringe-se aos factos provados 28, 29 e 33, e à matéria não provada do artigo 13 da oposição. Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222]. Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, isto é, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes: - Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; - Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; - A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. - Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes. A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)]. Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, [Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt]. Por último, é também entendimento pacífico que o recorrente não cumpre o ónus de especificação imposto no art.º 640º, nº 1, al b), do CPC, quando procede a uma mera indicação genérica da prova que, na sua perspetiva, justifica uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal de 1.ª Instância, em relação a um conjunto de factos, sem especificar quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, imporiam decisão diversa, fazendo a apreciação crítica das mesmas. Nesse sentido, acompanhando o entendimento afirmado nos acórdãos do STJ de 20-12-2017 e 5-09-2018 [respectivamente, nos processos n.ºs 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em www.dgsi.pt], no mais recente acórdão de 20-02-2019, daquela mesma instância [proc.º 1338/15.8T8PNF.P1.S2, Conselheiro Chambel Mourisco, disponível em www.dgsi.pt], consignou-se no respectivo sumário o seguinte: - I. O artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos. A este propósito, Abrantes Geraldes, após observar que a possibilidade de alteração da matéria de facto deixou de ter carácter excepcional, acabando “por ser assumida como uma função normal do Tribunal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra”, logo prossegue advertindo que “Nesta operação foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente“ [Op. cit., p. 123/124]. Atentos estes princípios, como primeiro passo, impõe-se verificar se algo obsta à apreciação da impugnação. II.2.1 Das conclusões, na parte relativa à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, retira-se o seguinte: - facto 28, na conclusão VIII a recorrente diz que deve “acrescer ao que consta provado que o peso a suportar será sempre de acordo com as suas limitações, ou seja, nunca serão cargas superiores 5 kg”. - facto 29, consta da conclusão XII a afirmação de que o mesmo não resultou provado. - facto 33, n a conclusão XIX a recorrente diz impor-se “ que ali se acrescente que as movimentações de outros E…’s para o D… não decorrem só de Vila Nova de Gaia e principalmente, que se tratam de trabalhadores bastante condicionados”. Estas afirmações são repetidas na conclusão XXII, ai se acrescentando que deve «aditar-se um ponto novo e que é “Atentas as circunstâncias, a decisão de alterar o local de trabalho corresponde a necessidades da Empresa e, tendo em conta as recomendações médicas, as funções que estão atribuídas ao Requerente são adequadas ao seu estado de saúde”». Em face dessas posições expressas nas conclusões, considera-se que a recorrente cumpriu com suficiência as indicações que se entende serem de exigência mínima nas conclusões. Passemos à verificação do cumprimento dos demais ónus. Quanto ao facto 28, a recorrente pretende a alteração nos termos acima referidos sustentando-se no depoimento da testemunha G…, fazendo a transcrição de dois extractos em que se sustenta, mas limitando-se a indicar – tal como depois levou às conclusões – “que prestou depoimento no dia 17.05.2019, Início Gravação: 14:33:24 * Fim Gravação 15:27:53”. Invoca, ainda o depoimento da testemunha F…, transcrevendo um extracto, mas aqui sem qualquer outra indicação, seguramente por entender que lhe bastava a que já fizera na impugnação do facto 27, onde igualmente se limitou a referir “que prestou depoimento no dia 17.05.2019, Início Gravação: 15:29:52 * Fim Gravação 16:08:30”. Verifica-se, pois, que a recorrente não cumpriu o estabelecido na al. a), do n.º2, do art.º 640.º, do CPC, de onde resulta o dever de “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso”. É certo que procedeu às transcrições dos extractos que entende relevantes, mas isso não substitui aquele dever, como logo se retira da mesma norma, quando imediatamente a seguir prossegue dizendo “sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. Percebe-se a razão daquela exigência. A indicação com exactidão das passagens da gravação visa possibilitar ao tribunal de recurso localizar os extractos que são invocados sem necessidade de ouvir todo o testemunho que, em regra, incidirá sobre várias questões de facto, podendo ser mais ou menos longo. A mera indicação dos pontos de início e fim da gravação não tem qualquer utilidade, pois implica que o Tribunal de recurso tenha que proceder à audição de todo o testemunho até localizar os extractos que são invocados, quer para verificar a sua exatidão quer para aferir da necessidade e utilidade de ouvir um pouco antes ou depois, para contextualizar o conteúdo dessa parte. De resto, a indicação genérica sempre seria absolutamente inútil, pois para proceder à audição de um qualquer testemunho bastaria ao Tribunal de recurso ir directo ao registo do depoimento da testemunha que, por norma, deve estar identificado. As considerações que se deixaram valem para a impugnação dirigida ao faco 33. A recorrente invoca de novo os testemunhos de G… e F…, faz a transcrição de um extracto de cada um dos depoimentos, mas não indica as passagens da gravação em que os mesmos podem ser ouvidos. Por conseguinte, não tendo sido cumprido este ónus de impugnação, em conformidade com o disposto na a), do n.º2, do art.º 640.º CPC, rejeita-se a apreciação da impugnação quanto aos pontos 28.º e 33.º. Prosseguimos com esta indagação na parte dirigida à do facto 29. Sustenta a recorrente que “é facto notório que os prédios antigos do Porto sofreram todos reabilitação, a maior parte, através da Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto, desde 2001, tendo sido renovadas as suas condições, quem sabe, existe a possibilidade de serem dotados de elevadores, pelo que não podia o Tribunal a quo assumir sem mais a alegação do Requerente, que nenhuma prova fez a este respeito. Mas ainda que assim não se entenda, veja-se que a testemunha G… afirmou que o peso não é uma questão”. Usando como argumento um alegado “facto notório” contrário ao que se encontra provado, caberá proceder à apreciação com base nesse fundamento. Mas já não cumpre ir para além disso, dado que também temos apenas a transcrição do extracto do testemunho, servindo aqui mais uma vez as considerações que antecedem. Finalmente, quanto ao ponto que pretende ver aditado, resultante do alegado no artigo 13 da sua oposição, sustenta a recorrente que «tendo em conta o depoimento das testemunhas parcialmente supra transcritos, estamos certos que V. Ex.as devem dar como provado que “Atentas as circunstâncias, a decisão de alterar o local de trabalho corresponde a necessidades da Empresa e, tendo em conta as recomendações médicas, as funções que estão atribuídas ao Requerente são adequadas ao seu estado de saúde”», depois prosseguindo, dizendo “Facto que igualmente foi corroborado pelas testemunhas”, de seguida transcrevendo mais dois extractos dos depoimentos de G… e F…. Desde logo, remeter sem mais para o conteúdo global de todos os extractos de testemunhos que foram utilizados para impugnar os demais pontos da matéria de facto, não é mais do que uma impugnação em bloco e, logo, que não cumpre o ónus de impugnação. Mas ainda que assim não se entenda, nenhum dos extractos, incluindo os dois acrescentados nesta parte da alegação, foram localizados na gravação, o que vale por dizer que sempre é de rejeitar a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto também nesta parte. Em suma, rejeita-se a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, excepto quanto ao facto 29, mas nesse caso apenas suportada pela alegada existência de “facto notório”; contrário ao que foi considerado provado. II.2.2 No facto 29, considera-se provado o seguinte: “A generalidade dos edifícios dos giros do E1… são edifícios em altura, a maioria antigos e, por isso, sem elevador o que irá obrigar o autor a subir pelas escadas os vários andares, em caso de encomendas e objetos registados, tendo sempre de levar o carrinho com todo o correio consigo”. Refere o tribunal na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, que as “testemunhas inquiridas, quer as arroladas pelo requerente, quer as arroladas pela requerida que, diga-se, salvo pequenos pormenores (como, por exemplo, o peso do carrinho de mão) se mostraram bastante coincidentes, designadamente (..) quando às tarefas que iria ter de executar na distribuição do correio». Defende a recorrente que “é facto notório que os prédios antigos do Porto sofreram todos reabilitação, a maior parte, através da Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto, desde 2001, tendo sido renovadas as suas condições, quem sabe, existe a possibilidade de serem dotados de elevadores”, por isso não podia o tribunal ter considerado provado o facto 29. Diz-nos o n.º1 do art.º 412.º do CPC, que “Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo entender-se como tais os factos que são do conhecimento geral”. Segundo o ensinamento do Professor Alberto dos Reis, que se mantém inteiramente válido, sendo um facto notório, por definição, um facto conhecido, não basta qualquer conhecimento, “(..) é indispensável um conhecimento de tal modo extenso, isto é, elevado a tal grau de difusão que o facto apareça, por assim dizer, revestido de carácter de certeza”, não podendo qualificar-se de “(..) notório um facto unicamente conhecido pelo juiz ou por um círculo restrito ou particular de pessoas”. Prosseguindo, o autor classifica os factos notórios em duas grandes categorias: a) acontecimentos de que todos se aperceberam directamente (uma guerra, um ciclone, um eclipse total, um terramoto, etc.); b) factos que adquirem o carácter de notórios por via indirecta, isto é, mediante raciocínios, formados sobre factos observados pela generalidade dos cidadãos”, para depois concluir, que se quanto aos primeiros não pode haver dúvidas, já quanto aos segundos, “o juiz só deve considerá-los notórios se adquirir a convicção de que o facto originário foi percebido pela generalidade dos portugueses e de que o raciocínio necessário para chegar ao facto derivado estava ao alcance do homem de cultura média” [Código de Processo Civil anotado, vol. III , 4.ª ed., Coimbra Editora, 1985, pp. 259 a 262]. Nenhuma dúvida pode haver de que a alegação da recorrente jamais poderá ser um facto notório quer directo quer por via indirecta. Com o devido respeito, ao vir afirmar que os “prédios antigos do Porto sofreram todos reabilitação, a maior parte, através da Sociedade de Reabilitação Urbana do Porto, desde 2001, tendo sido renovadas as suas condições”, a recorrente faz uma generalização manifestamente destituída de fundamento. Se porventura “todos” os prédios antigos do Porto tivessem sido renovados, admite-se que o facto até fosse susceptível de ser notório, pois seria algo tão inédito e com tal relevância para a cidade e, mesmo, no contexto nacional, que certamente teria sido objecto de ampla divulgação e referência, desde logo nos órgãos de comunicação social. Porém, não é esse o caso. Basta circular pela cidade para se ter essa noção. Por conseguinte, improcede a impugnação quanto a este ponto.II.3 MOTIVAÇÃO de DIREITOA questão em apreciação consiste em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento ao julgar procedente a providência cautelar, violando o disposto do n.º 3 do art.º 194.º do C. Trab. e da Cláusula 38.º do AE/C…. Argumenta a recorrente, no essencial, o seguinte: - É à empresa que cabe determinar as necessidades de meios humanos e também, por uma questão de custos associados, já que o Requerente reside em Vila Nova de Gaia, optou por colmatar a necessidade supra, tendo em conta o seu domicílio. - Ponderadas as circunstâncias da necessidade de recursos humanos no E1… e o universo de trabalhadores que podiam ser deslocados para aquele E… para colmatar essas necessidades, a escolha do Requerente, que residia em Vila Nova de Gaia foi acertada e teve em conta os seus condicionalismos, sendo de salientar que tais decisões se inserem na área de estrita competência da gestão da Requerida. - A Recorrente incumbiu o Requerente para exercer tarefas correspondentes à sua categoria – C1…, sendo certo que as funções que lhe foram atribuídas são adequadas ao seu estado de saúde. - A Recorrente cumpriu e deu forma ao disposto no n.º 3 do art. do 194.º do C.Trab. e Cláusula 38.ª do AE, já que demonstrada a necessidade de meios humanos, a melhor decisão de deslocar um trabalhador há-se ser aquela que prejudique o mínimo possível o trabalhador a ser deslocado. - Há um interesse legítimo do empregador e a decisão da Recorrente está assente em critérios de gestão racionais. - No caso de transferência temporária, a análise do prejuízo sério deve levar em consideração a transitoriedade da alteração e, consequentemente, o menor impacto que esta provoca na vida pessoal do trabalhador. - As concretas tarefas que o Requerente iria desempenhar estão de acordo com os seus condicionalismos de saúde tendo esta todo o cuidado e respeito pelo estado de saúde do trabalhador, e no estrito cumprimento das instruções médicas, pelo que não se compreende a conclusão a que chega o Tribunal a quo de que não é exigível ao Requerente suportar esta alteração temporária de local trabalho. II.3.1 Prosseguindo, afigura-se-nos adequado começar por deixar umas breves notas sobre os procedimentos cautelares. Conforme dispõe o n.º 1 do art.º 32.º do CPT, “Aos procedimentos cautelares aplica-se o regime estabelecido no Código de Processo Civil para o procedimento cautelar comum”, com as especialidades de seguida enunciadas na mesma disposição. A função jurisdicional da providência cautelar é antecipar e preparar uma providência ulterior, que há-de definir, em termos definitivos, a relação jurídica litigiosa. Por isso estatui o art.º 364.º n.º1, do CPC que “Excepto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente da acção declarativa ou executiva”. O que justifica o procedimento cautelar é o chamado periculum in mora. Como elucida o Professor José Alberto dos Reis, “Há casos em que a formação lenta e demorada da decisão definitiva expõe o presumido titular do direito a riscos sérios de dano jurídico; para afastar estes riscos, para eliminar o dano, admite-se a emanação duma providência provisória ou interina, destinada a durar somente enquanto não se elabora e profere o julgamento definitivo” [Código de Processo Civil anotado, Vol. I, 3.ª Edição – Reimpressão, Coimbra Editora, 1982, pp. 623/624]. Dai usar dizer-se que o procedimento cautelar tem por fim obviar ao perigo na demora da declaração e execução do direito, afastando o receio de dano jurídico. O n.º1 do art.º 362.º do CPC, com a epígrafe “Âmbito das providências cautelares não especificadas”, determina que “[S]empre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência, conservatória ou antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”. Resulta dessa norma que o decretamento de uma providência cautelar depende sempre da verificação de dois requisitos cumulativos: i) a verificação da aparência de um direito; ii) a demonstração do perigo de insatisfação desse direito aparente. A apreciação do primeiro requisito assenta num juízo de mera probabilidade ou verosimilhança. Já quanto ao segundo, a lei é mais exigente, “(..) pede-se-lhe mais alguma coisa: um juízo senão de certeza e segurança absoluta, ao menos de probabilidade mais forte e convincente” [Prof. J. Alberto dos Reis, op.cit., pp.621]. O decretamento da providência apenas alcança uma composição provisória do conflito de interesses, assente no fumus iuris e no periculum in mora que tenham sido sumariamente demonstrados. A solução definitiva há-de resultar da causa de que é dependente o procedimento, isto é, que tem por fundamento o direito que se pretende acautelar através da providência. O direito que se pretende acautelar deve ser um direito do requerente, ao qual corresponda o correspectivo dever da parte contrária. II.3.2 O Tribunal a quo começou por enunciar estes mesmos princípios, para depois entrar na apreciação do caso concreto, nessa parte constando da fundamentação da decisão recorrida o seguinte: - […] No caso em apreço, desde logo, e entrando na análise do primeiro dos supra referidos requisitos, diremos que o direito do requerente em não ser transferido do seu local de trabalho, situado na zona da Maia (circunstância que não é questionada pela requerida), se confronta com o regime legal que regula tal elemento típico do contrato de trabalho (o local de trabalho) e a possibilidade da sua alteração por decisão unilateral da requerida. Com efeito, e como é sabido, na economia do contrato de trabalho, o lugar da execução da prestação laboral constitui um aspeto de suma importância, tanto para o empregador como para o trabalhador. Na realidade, ao contratar um determinado trabalhador, a entidade empregadora visa obter a disponibilidade da respetiva mão-de-obra num certo local, em ordem a combinar essa mão-de-obra com a dos demais trabalhadores e com os restantes fatores produtivos, só assim se podendo atingir os objetivos prosseguidos pelo empregador. Por outro lado, o trabalhador, ao celebrar o contrato de trabalho, obriga-se a laborar sob a autoridade e direção do empregador em certo tempo e em certo lugar [neste sentido, João Leal Amado, Contrato de Trabalho, à luz do novo Código do Trabalho, 2009, pág. 241-242]. Podemos, pois, dizer que o local de trabalho constitui um elemento nuclear do contrato de trabalho. O local de trabalho é determinado pelas partes (artigo 193.º/1 do Código do Trabalho), sendo que quando não haja uma determinação expressa do mesmo, ele retirasse implicitamente das declarações negociais ou por integração do contrato de trabalho, tendo em conta a prestação laboral a executar. É de notar, ainda, que a determinação do local de trabalho vincula o trabalhador e simultaneamente faz surgir na sua esfera jurídica o direito a manter esse lugar ao longo da execução do contrato: é o princípio da inamovibilidade que o Código do Trabalho estabelece como uma das garantias do trabalhador no artigo 129.º/1, al. f). Consagrando embora a referida garantia de inamovibilidade, o certo é que o nosso ordenamento jurídico nunca foi insensível às exigências empresariais no sentido da mobilidade dos trabalhadores – como nota Maria do Rosário Palma Ramalho [Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, pág. 480], «apesar da importância da estabilidade do local de trabalho, em especial para o trabalhador, o carácter duradouro e a componente organizacional do contrato de trabalho determinam a necessidade de se preverem alterações ao local inicialmente acordado entre as partes para desenvolvimento da atividade laboral …». Assim, no nosso sistema jurídico, a transferência do trabalhador é prevista em dois tipos de situações: i) a edificação do local de trabalho de um trabalhador determinado, i.é., uma mudança individual, que pode ocorrer a título transitório ou a título definitivo e pode ter origem no acordo das partes, em determinação unilateral do empregador ou em pedido do trabalhador (artigo 194.º/1, al. b) e 2 do Código do Trabalho); ii) a mudança do estabelecimento, que acarreta a modificação do local de trabalho de todos os trabalhadores que aí desenvolvam a sua atividade, ou seja, uma mudança coletiva, que pode ser transitória ou definitiva (artigo 194.º/1, al. a) e 2 do Código do Trabalho). Nos termos do disposto no artigo 129.º/1, al. f) do Código do Trabalho, e como vimos, é proibido ao empregador transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, ou ainda quanto haja acordo. Preceitua, por seu turno, a cláusula 38ª/2 do AE aplicável que «a Empresa pode, por necessidade transitória de serviço, devidamente fundamentada, deslocar temporariamente qualquer trabalhador para que este exerça as suas funções fora do local habitual de trabalho, nos termos da presente secção», acrescentando o n.º5 que «a existência de prejuízos sérios diretamente decorrentes da deslocação, que fundamentadamente sejam alegados pelo trabalhador, deverão ser ponderados pela Empresa na decisão de deslocação temporária de serviço». Na situação dos autos, e atendendo ao teor de ambas as cartas remetidas pela requerida ao requerente, estamos perante uma transferência individual e temporária, que cai no âmbito de previsão do número 1, alínea b) do artigo 194.º do Código do Trabalho e cláusula 38.ª/2 do AE. Assim, face ao disposto no artigo 193.º/1 do Código do Trabalho - «o trabalhador deve, em princípio, exercer a atividade no local contratualmente definido, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte» - tal transferência, para ser considerada como lícita, tem de ser justificada por «motivo do interesse da empresa que a exija» e não pode implicar «prejuízo sério para o trabalhador». Também o AE exige a «necessidade transitória de serviço, devidamente fundamentada». Quanto ao interesse da empresa, sustenta Júlio Gomes [Direito do Trabalho – Relações Individuais de Trabalho, Vol. I, 2007, pág. 641 e seguintes], ainda que no âmbito do anterior Código do Trabalho (2003): «o conceito de “interesse da empresa” (…) há de tratar-se, pois, de uma decisão que possa explicar-se em termos de uma racionalidade de gestão - o que aliás, está de acordo com a necessidade de fundamentação prevista no artigo 317.º (hoje artigo 196.º) para qualquer transferência - e não de uma decisão tomada de ânimo leve e sem a necessária reflexão (repara-se que a letra do n.º 1 do artigo 315.º (hoje artigo 194.º/1, al. b)) refere mesmo que o interesse da empresa deve “exigir” a transferência)». Assim, em situações de transferência de trabalhadores, terá de ser feita uma adequada e concreta ponderação dos interesses em confronto, de maneira a encontrar a solução mais eficiente e eficaz para as necessidades empresariais que reclamem a transferência, mas igualmente equilibrada por referência à posição dos trabalhadores, de maneira a que a sua deslocação, em face das circunstâncias concretas e conhecidas pela entidade patronal, não se revele prejudicial para aquele, para além dos limites do que é razoável e exigível. Daí que logo a fundamentação referida no número 2 do artigo 196.º tenha de especificar e concretizar, com um mínimo de detalhe e objetividade, os motivos (reais e verdadeiros) que impõem ao empregador a aludida transferência (ainda que temporária) [cfr. AC TRP de 09/12/2007, www.dgsi.pt]. Como nota Diogo Vaz Marecos [Código do Trabalho Anotado, 2ª edição, pág. 478], «o disposto no artigo 196.º visa essencialmente não só possibilitar que o trabalhador disponha de um período de tempo mínimo para organizar a sua vida, como permitir a apreciação judicial dos motivos ou fundamentos invocados para a transferência do local de trabalho. Na hipótese de um tribunal vir a sindicar a fundamentação aduzida, este encontra-se circunscrito aos motivos constantes do texto que determina a transferência, não sendo considerados os motivos que o empregador venha a apresentar em sede judicial que extrapolem a comunicação realizada». No caso em apreço, a fundamentação que a requerida fez constar da segunda carta que endereçou ao requerente a comunicar-lhe a transferência foi a seguinte: “considerando que a Empresa identificou no E1… uma necessidade temporária de serviço relacionada com absentismo de trabalhadores deste E1… o que obriga à deslocação em serviço de um trabalhador, uma vez que o E… não dispõe de trabalhadores em número suficiente para preencher a referida necessidade e face aos seus condicionalismos …». Ora, e desde logo, parece-nos que esta fundamentação não é propriamente a mais prolixa, não obstante se haver provado tal absentismo em sede de audiência de julgamento. Com efeito, temos para nós que a requerida mais alguma coisa deveria ter fundamentado, designadamente o número de trabalhadores de que necessita para que o serviço flua normalmente e o número de trabalhadores que se mostram ausentes, por forma a que o trabalhador afetado por tal decisão pudesse ponderar e aquilatar do motivo invocado. Acresce que temos para nós que já não ficou demonstrado o nexo de causalidade entre o interesse da requerida e a ordem de transferência do requerente, designadamente tendo em conta as funções que o mesmo iria desempenhar, a circunstância de nunca as ter desempenhado antes (como referiu uma testemunha “o E1… estava a precisar de pessoas que já tivessem experiência na função, para ter a produtividade que se pretende …”) e de apresentar condicionalismos para esse mesmo desempenho. Não podemos esquecer, face ao teor da primeira parte da alínea a) do n.º1 do artigo 194.º - o motivo de interesse da empresa tem que exigir a transferência do trabalhador, daquele particular trabalhador – que tal nexo de causalidade teria de ficar demonstrado para que pudéssemos concluir pelo preenchimento daquele pressuposto. Ou seja, temos para nós, com salvaguarda de melhor entendimento, que no caso de que nos ocupamos a decisão que determinou a transferência não surge explicitada em termos de racionalidade. De todo o modo, e mesmo que consideremos que, in casu, se mostra preenchido o primeiro requisito enunciado no artigo 194.º/1, al. b) do Código do Trabalho – a existência de um interesse legítimo da empresa – para aferir da licitude da ordem de transferência, sempre teremos de averiguar se o segundo requisito – a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador – também ele se mostra preenchido. Se em relação ao primeiro dos mencionados requisitos é pacífico que a sua prova cabe ao empregador, pois trata-se se um facto constitutivo do direito do empregador ordenar unilateralmente a transferência (artigo 342.º/1 do Código Civil), já quanto ao prejuízo sério, a doutrina e a jurisprudência dividem-se. Todavia, temos para nós que também aqui cabe à entidade empregadora a alegação e prova dos facos demonstrativos da inexistência de prejuízo sério para o trabalhador, sufragando-se a opinião de Catarina Carvalho [A mobilidade geográfica dos trabalhadores no Código do Trabalho, publicado a páginas 43 a 80 do VII Congresso Nacional de Direito do Trabalho - Memórias - Coordenação do Professor Doutor António Moreira», Almedina, Novembro de 2004] quando afirma: «a admissibilidade de a entidade patronal proceder a uma transferência individual de local de trabalho está dependente da verificação de um interesse da empresa e da inexistência de “prejuízo sério” para o trabalhador envolvido. Trata-se, portanto, de um direito do empregador cuja constituição depende também do preenchimento do seu pressuposto negativo – a ausência de prejuízo sério. Assim, por força das regras gerais de repartição do ónus da prova (artigo 342.º do Código Civil), cabe ao empregador provar que a transferência não causa prejuízo sério ao trabalhador afetado, assim como a existência de um interesse da empresa». No caso presente, contudo, e porque estamos perante um procedimento cautelar, verifica-se existir de algum modo uma sobreposição do ónus da prova, mais precisamente sobre aquele que incide sobre o requerente de convencer o tribunal do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito com o que incide sobre a requerida de convencer que a transferência não causa lesão séria ao trabalhador. Como se refere no AC TRL de 18.10.2006 [www.dgsi.pt], «os conceitos de lesão grave e dificilmente reparável e de lesão séria, ambos conceitos indeterminados, aplicados a um caso de transferência de local de trabalho, não podem ser muito diferentes, decorrendo do mesmo tipo de factos e circunstâncias. Ambos hão de referir-se a consequências que hão de representar, no caso concreto, mais do que um mero transtorno, implicando uma alteração significativa na vida do trabalhador de tal forma que não lhe seja exigível que a suporte. Perante tal sobreposição entendemos que, por se tratar de providência cautelar, o ónus que incide sobre o requerente de convencer o tribunal da existência de risco de lesão grave e dificilmente reparável do seu direito prevalece sobre o ónus que incide sobre o requerido de convencer da inexistência de lesão séria do direito do trabalhador, sob pena de a providência poder ser decretada sem a verificação de todos os pressupostos, o que seria contra lege». Ora, tendo presente que é alvo de amplo consenso na doutrina e na jurisprudência a ideia de seriedade do prejuízo, que este não tenha pequena importância, mas que introduza uma modificação substancial no “plano de vida” pessoal e profissional do trabalhador, temos para nós que aquele ónus, no caso dos autos, foi alcançado pelo requerente. Na verdade, resultou da matéria indiciariamente apurada que o requerente padece de lombalgias e crises de ciatalgia, sendo-lhe contraindicadas situações de carga, deslocações e transporte de pesos; que sofre de uma “depressão major” altamente incapacitante; que face à sua situação clínica deverá manter os seus hábitos laborais regulares, nomeadamente os horários laborais habituais. Ademais, e tendo o autor sido observado em consulta de medicina do trabalho, resultou dessa observação que o trabalhador se encontra apto para o trabalho, mas com os seguintes condicionalismos: não pode fazer turnos noturnos, compreendidos esses como sendo os entre as 24 horas e as 09 horas; não pode fazer movimentos de carga superior a 5 Kg; não pode manter posições ergonómicas de flexão forçada, nem estar de pé durante um longo período se tempo; não pode fazer giros motorizados de duas rodas. Ora, logo a primeira limitação fixada pela medicina do trabalho não está a ser respeitada pela requerida, uma vez que o turno que atribuiu ao requerente inicia-se às 07h00m, logo, duas horas antes do estabelecido, tendo ficado provado que este horário pode trazer um agravamento da saúde física e mental do autor, uma vez que o mesmo encontra-se a tomar medicação que não se coaduna com tal horário de entrada. Depois, e ainda, ficou provado que o autor, durante o seu horário de trabalho, vai ter de puxar os sacos do correio num carrinho de mão e quando tiver de subir a andares que se situem em prédios sem elevador (a maioria), terá se levar o carrinho consigo, carregando-o. Ora, dentro do circunstancialismo indiciariamente apurado, afigura-se-nos que não estamos aqui perante um mero transtorno ou prejuízo de pequena importância, mas antes perante uma modificação substancial do “plano de vida” do requerente que poderá mesmo colocar em risco a sua saúde. Note-se que, nos termos do disposto no artigo 127.º/1, al. c) do Código do Trabalho «o empregador deve, nomeadamente, proporcionar boas condições de trabalho, do ponto de vista físico e moral». Estamos, pois, perante um prejuízo que se traduz numa perturbação intensa dos interesses do requerente e, logo, perante um prejuízo que não lhe é exigível suportar. Assim, e porque não preenchidos os dois requisitos fixados na al. b) do n.º1 do artigo 194.º do Código do Trabalho, podemos afirmar que, em nome da boa fé no cumprimento do contrato de trabalho por parte da requerida (artigo 126.º/1) e das garantias que o Código do Trabalho e o AE conferem ao trabalhador, quer no que respeita à não sujeição a transferência ilícitas, como ao cumprimento de ordens ilegítimas, encontra-se suficientemente demonstrado nos autos o direito do requerente a não ser transferido ou deslocado para o E1…. Quanto ao receio de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável, aparenta-se-nos que o mesmo também se verifica no caso em apreço [António Santos Geraldes, in Suspensão de Despedimento e outros Procedimentos Cautelares no Processo do Trabalho, pág. 112, indica mesmo como exemplo de providências cautelares não especificadas em sede laboral a «transferência ilegítima do local de trabalho, com efeitos negativos no estado de saúde do trabalhador ou geradora de graves dificuldades na prestação de assistência a familiares incapazes ou doentes»]. Com efeito, se é certo que tal receio deve ser fundamentado, ou seja, apoiado em factos que permitam afirmar, com objetividade e distanciamento, a seriedade e a atualidade da ameaça e a necessidade de serem adotadas medidas tendentes a evitar o prejuízo, na situação em análise, e face aos factos apurados, torna-se manifesto que nos deparamos aqui com uma situação de perigo de ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável se acaso a providência não for decretada. Na verdade, e pese embora estejamos perante uma transferência temporária que, nos termos do disposto no artigo 194.º/3 do Código do Trabalho e cláusula 38.ª do AE, não pode ultrapassar os seis meses, o certo é que se exigíssemos ao requerente que propusesse ação com vista à declaração de ilicitude da ordem de transferência em causa, quando o trânsito em julgado de tal ação ocorresse certamente já se mostraria ultrapassada a situação. Ademais, importa notar que face ao disposto no n.º 5 do artigo 194.º, e precisamente porque estamos aqui perante uma transferência temporária ou transitória, ao requerente está mesmo vedada a possibilidade de resolver o contrato de trabalho com a invocação de justa causa. Perguntamo-nos, assim, que outra alternativa restaria ao requerente para reagir quanto à ordem de transferência ou deslocação que não o presente procedimento? Deste modo, e por tudo quanto se expôs, considera o tribunal que se mostram verificados os requisitos para a procedência do presente procedimento cautelar no que à ilicitude da ordem de transferência ou deslocação diz respeito. […]». II.3.2 Em suma, com argumentação segura, apoiada na doutrina e na jurisprudência dos tribunais superiores, o Tribunal a quo concluiu que a recorrente não demonstrou qualquer um dos pressupostos que lhe possibilitavam impor ao trabalhador a transferência temporária de local de trabalho, nomeadamente: i) não fundamentou, como devia, com suficiência a ordem de transferência de modo a evidenciar o alegado motivo do interesse da empresa, que justifica a imposição ao trabalhador da transferência temporária; ii) não demonstrou o nexo de causalidade, isto é, que o motivo o seu interesse implicasse ou tornasse necessária a transferência deste trabalhador em concreto; iii) nem demonstrou a inexistência de prejuízo sério para o trabalhador, antes tendo ficado demonstrado por este que a transferência implicaria para si uma “modificação substancial do “plano de vida” do requerente que poderá mesmo colocar em risco a sua saúde, (..). .. prejuízo que se traduz numa perturbação intensa dos interesses do requerente e, logo, perante um prejuízo que não lhe é exigível suportar”. Concordamos, no essencial, com a aprofundada e criteriosa fundamentação da decisão recorrida. Em contraponto, embora não o deixe claro nas suas alegações, a recorrente acaba por utilizar argumentos que, como de seguida evidenciaremos, desde logo, só teriam validade caso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto procedesse. Mas vejamos ponto por ponto. É certo, que no âmbito dos poderes de direcção do empregador cabe-lhe estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, mas não pode esquecer-se que a lei logo esclarece que esse poder deve ser exercido “dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem” (art.º 97.º CT/09). Um desses limites consiste no princípio da inamovibilidade do trabalhador, consagrado no art.º 129.º n.º1, al. f), do CT – correspondente à al. f), do art.º 122.º do pretérito CT/03 - embora comportando importantes excepções, como também logo decorre da norma, ao estabelecer a proibição do empregador “Transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, ou ainda quando haja acordo”. Uma dessas excepções é a prevista na al. b), do n.º1, do art.º 194.º do CT, admitindo a possibilidade de transferência de local de trabalho do trabalhador por determinação do empregador, temporária ou definitivamente, sem que aquele possa opor-se-lhe eficazmente, quando exista” motivo do interesse da empresa (que) o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador”. Em caso de transferência do local de trabalho por iniciativa do empregador, este deve observar os procedimentos indicados no art.º 196.º do CT, entre eles constando, no que aqui interessa, o dever de fundamentar a decisão (n.º2). Esse dever de fundamentação visa garantir, caso haja divergência e esta venha a ser submetida à apreciação judicial, que a montante o trabalhador e os tribunais possam aferir da conformidade da decisão do empregador com os limites imposto por lei, nomeadamente, devendo permitir que dela se extraia a existência real e a razoabilidade do motivo do interesse do empregador que justifica a transferência, bem assim as razões que exigem que seja aquele trabalhador e não outro (quando existirem outros trabalhadores) a ser transferido. Ora, como bem se refere na fundamentação da decisão recorrida, a comunicação que foi dirigida ao trabalhador não cumpre nem um nem outro desses desideratos, sendo vaga, imprecisa e, sobretudo, conclusiva, ao limitar-se a dizer que “Considerando que a Empresa identificou, no E…, uma necessidade temporária de serviço, relacionada com absentismo de trabalhadores deste CDP, o que obriga à deslocação em serviço de um trabalhador, uma vez que o CDP não dispõe de recursos em número suficiente para preencher a referida necessidade”. Não resulta desta comunicação a indicação de razões concretas para se poder concluir por uma real situação de absentismo e muito menos qual a razão que justifica, ou melhor dito, nos termos da lei, que exigiu a transferência deste trabalhador e não de qualquer outro. A recorrente vem dizer no recurso que “Ponderadas as circunstâncias da necessidade de recursos humanos no E1… e o universo de trabalhadores que podiam ser deslocados para aquele E… para colmatar essas necessidades, a escolha do Requerente, que residia em Vila Nova de Gaia foi acertada e teve em conta os seus condicionalismos”, o que mais não é do que persistir na invocação de argumentos conclusivos. Com efeito, a comunicação não indicava as circunstâncias concretas que se traduziam em absentismo e na necessidade de colocação de um trabalhador, nem qual era o universo de trabalhadores susceptíveis de serem deslocados para esse efeito, nem sequer que uma das razões da decisão de transferência ter incidido sobre o autor se prendia com o facto de residir em Vila Nova de Gaia. Mas ainda que não falhasse esse pressuposto, sempre restaria um outro, ou seja, a exigência de que a transferência não cause prejuízo sério para o trabalhador. O Tribunal a quo, pese embora tenha manifestado a sua adesão à posição defendida pela Professora Catarina Carvalho a propósito de saber a quem cabe o ónus de prova do prejuízo sério, conclui que no caso a questão nem releva, para além do mais, em razão do requerente ter demonstrado a existência desse prejuízo. Como bem assinalado, não é pacífico o entendimento sobre a questão de repartição do ónus de prova a propósito do “prejuízo sério”, enquanto limitação ao poder do empregador transferir o trabalhador. Em suma, para quem entende que a existência de prejuízo sério é um facto impeditivo do direito do empregador alterar o local de trabalho do trabalhador no interesse da empresa – uma transferência que cause prejuízo sério não é permitida e, como tal, pode ser desobedecida - o ónus de alegação e prova dessa factualidade recai sobre o trabalhador, em conformidade com a regra do art.º 342.º 2 do CC [nesse sentido, Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 452]. Divergindo, quem coloque a questão assumindo que, em primeira linha, está em causa o exercício de um direito do empregador “cuja constituição depende também do preenchimento do seu pressuposto negativo – a ausência de prejuízo sério”, o ónus de prova recairá sobre este, nos termos do art.º 342.º n.º1, do CC [Catarina Carvalho, na obra e local citados na sentença]. No caso, porém, concordamos com o Tribunal a quo, essa divergência não assume relevância por se ter entendido que o requerente fez a prova de existência de prejuízo sério. Assim sendo, também não se coloca a necessidade de enfrentarmos essa questão para lhe procurar dar resposta. Procurando pôr em causa esse juízo sobre a existência de prejuízo sério, vem a Recorrente dizer que incumbiu o Requerente de exercer tarefas correspondentes à sua categoria – C1… – e que as mesmas “são adequadas ao seu estado de saúde”, bem assim que a análise do prejuízo sério deve levar em consideração a transitoriedade da alteração e, consequentemente, o menor impacto que esta provoca na vida pessoal do trabalhador. Conclui, defendendo que as concretas tarefas que o Requerente iria desempenhar estão de acordo com os seus condicionalismos de saúde e enquadram-se “no estrito cumprimento das instruções médicas”. Pois bem, como se disse inicialmente, esta alegação assenta no pressuposto da matéria de facto ser alterada e, mais do que isso, também de que a pretendida alteração fosse suficiente para afastar o juízo sobre a existência de prejuízo sério. Mas para além disso, com o devido respeito, a recorrente parece esquecer que entre as limitações do requerente para o trabalho, motivadas por razões de saúde e indicadas pelos seus serviços de medicina no trabalho após consulta, encontra-se desde logo a de apenas efectuar “Turnos noturnos, compreendidos esses como sendo os entre as 24 horas e as 9 horas” (facto 18). Vejamos as razões desta afirmação. Como decorre do facto 19, depois da consulta nos serviços de medicina no trabalho a que o requente foi sujeito por indicação da recorrente, o que vale por dizer, após esta ter conhecimento do relatório com indicação das limitações a que aquele estava sujeito, “ Em 05.04.2019, o autor recebe nova orientação da ré, com vista, agora, à sua deslocação temporária para o E1…, com efeitos a 15.04.2019, pelo mesmo tempo, com a mesma justificação e com mesmo horário da anterior”. O horário anterior é o que lhe foi indicado na primeira ordem de transferência, em concreto, das 07h00 às 12h00 e das 13h00 às 15h48 (facto 9). Ora, nenhum destes factos foi impugnado pela recorrente. Por conseguinte, mal se percebe como pode a Recorrente vir afirmar que as tarefas que o Requerente iria desempenhar estão de acordo com os seus condicionalismos de saúde e enquadram-se “no estrito cumprimento das instruções médicas”, bem sabendo que esses factos estão provados, não foram impugnados e são suficientes para deitar por terra esse argumento. Por outro lado, deve também ter-se presente que o autor sofre de “depressão major”, definida como altamente incapacitante no relatório médico emitido em 25.03.2019, pelo Médico Psiquiatra, Dr. J… (facto 12), referindo ainda que a recuperação clínica do Autor “passa pela manutenção da homeostasia sendo que, face à sua situação clínica, o doente deverá manter os seus hábitos laborais regulares nomeadamente os horários laborais habituais.” (facto 13). Opinião médica que é partilhada por outro Médico Psiquiatra, “referindo que atenta a medicação efetuada pelo Autor, concretamente de antidepressivos e ansiolíticos, deverá o seu horário de trabalho estar limitado a certos horários”. Acresce que a prestação de trabalho pelo autor estava também condicionada a não envolver “ Movimentos de carga superior a 5 Kg” (facto 18). Ora, está também provado que no E1… o trabalhador irá efetuar tarefas de distribuição do correio, em giro apeado, puxando os sacos do correio num carrinho de mão, durante as horas do seu horário de +trabalho (facto 28), envolvendo, também, em caso de encomendas e objetos registados, subir escadas em vários andares nos edifícios que não disponham de elevadores, dado que na área do giro há edifícios antigos, em altura e sem elevadores, tendo sempre de levar o carrinho com todo o correio consigo (facto 29). Não se sabe qual o peso médio do carrinho de mão quando carregado. Não obstante, de acordo com as regras da experiência, pode assumir-se como seguro que certamente o conjunto supera ou pelo menos atinge os 5kg. Mas mesmo que se duvide, sempre será um peso significativo, cujo deslocamento se traduz numa situação de carga, bem agravada quando for o caso de subir escadas transportando o carrinho, actividade contraproducente para quem sofre de “lombalgias e crises de ciatalgia”, como é caso do requerente, razão que levou o Médico Especialista em Ortopedia, referido no facto 11, a emitir relatório médico pronunciando-se no sentido de “que situações de carga, deslocações e transporte de pesos são totalmente contraindicadas ao autor”. Por conseguinte, neste quadro, pese embora se tenham eliminado os factos 26 e 27 por conclusivos, o acerto da decisão recorrida não suscita dúvida. Na verdade, o que ali se seu por provado não é mais do que se extai com segurança dos factos provados, mais precisamente, como referido na sentença, que o horário para o autor cumprir pode trazer um agravamento da saúde física e mental do autor, uma vez que o mesmo encontra-se a tomar medicação que não se coadugna com tal horário de entrada. Acresce para esse mesmo agravamento, que vai ter de puxar os sacos do correio num carrinho de mão e quando tiver de subir a andares que se situem em prédios sem elevador, terá se levar o carrinho consigo, carregando-o, actividade a desenvolver ao longo duma jornada de trabalho e dia após dia. Refere-se na decisão existir amplo “na doutrina e na jurisprudência a ideia de seriedade do prejuízo, que este não tenha pequena importância, mas que introduza uma modificação substancial no “plano de vida” pessoal e profissional do trabalhador”. Na verdade assim acontece. Ainda no domínio da LCT, mas mantendo tal posição actualidade, Bernardo da Gama Lobo Xavier, escrevia que “Embora o conceito de prejuízo sério não esteja determinado na lei, tendo de ser fixado caso a caso pelos tribunais, parece certo que se deve tratar não de um qualquer prejuízo, mas de um dano relevante que não tenha pequena importância, enfim, que determine uma alteração substancial do plano de vida do trabalhador” [Iniciação ao Direito do Trabalho, Verbo, 2.ª Edição, Lisboa, 1999, p. 198]. Mais recentemente, Monteiro Fernandes [Op. cit, pp. 449/450], na mesma linha de pensamento a propósito da determinação do sentido e alcance do requisito “prejuízo sério“, escreve o seguinte: - «Trata-se de um juízo antecipado de probabilidade ou de adequação causal, que, no entanto, implica a consideração de elementos de facto actuais – como as condições de habitação do trabalhador, os recursos existentes em matéria de transportes, o número, idade e situação escolar dos filhos, a situação profissional do cônjuge e de outros elementos do agregado familiar, a medida das compensações financeiras que o empregador oferece. (..) De resto, o carácter virtual do «prejuízo sério» implica uma ponderação de condições concretas que podem, como se viu, pertencer ao foro privado do trabalhador. Os fundamentos do direito à conservação do local de trabalho relacionam-se muito estreitamente, com a tutela de interesses pessoais (e não tanto profissionais) do trabalhador. A consideração de uma transferência como «causa adequada» de prejuízos importantes – e, portanto, a determinação da possibilidade de recusa da alteração unilateral do lugar de trabalho – só pode resultar de uma análise das condições concretas da organização de vida do trabalhador, que são justamente o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade. Por outro lado, é necessário que o prejuízo expectável seja sério, assuma um peso significativo em face do interesse do trabalhador, e não se possa reduzir à pequena dimensão de um «incómodo» ou de um «transtorno» suportáveis”. Como de seguida veremos, numa breve resenha sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça - publicada em www.dgsi.pt - a propósito do que se deve entender por “prejuízo sério”, o entendimento deste tribunal superior tem sido consonante com a doutrina. Assim: - “Esse prejuízo sério deve consubstanciar um dano relevante, que não se reconduza a simples transtornos ou incómodos: torna-se mister que a alteração ordenada afecte, substancialmente e de forma gravosa, a vida pessoal e familiar do trabalhador visado. [Acórdão do STJ de 25-11-2010, Proc.º 411/07.0TTSNT.L1.S1, Conselheiro SOUSA GRANDÃO] - “O prejuízo sério a que se refere a lei deve ser apreciado segundo as circunstâncias concretas de cada caso, devendo a transferência assumir um peso significativo na vida do trabalhador, abalando, de forma grave, a estabilidade da sua vida, violando, assim, a garantia da inamovibilidade que o legislador tutela.(..)A medida dos prejuízos causados ao trabalhador com a transferência tem que ser encontrada a partir dos factos que por ele sejam alegados e que possibilitem determinar aquilo que é essencial na sua vida e, consequentemente, apurar em que medida esta foi afectada.(..) A noção de prejuízo sério assume particular relevo e terá, necessariamente, de entender-se, por definição contextual aberta, como sendo um juízo antecipado de probabilidade ou de adequação causal, que implica, contudo, a consideração de elementos de facto actuais [Acórdão do STJ de 03-03-2010, proc.º 933/07.3TTCBR.C1.S1, Conselheiro BRAVO SERRA]. - “O prejuízo sério há-de consistir num dano substancialmente gravoso, susceptível de afectar, num juízo antecipado de adequação causal, a vida pessoal, familiar, social e económica do trabalhador visado. [13-04-2011. Proc.º 125/08.4TTMAI.P1.S1, Conselheiro FERNANDES DA SILVA]. Em jeito de síntese, pode dizer-se ser entendimento unânime que a existência de prejuízo sério afere-se na consideração de elementos factuais concretos da organização da vida pessoal e familiar do trabalhador - o objecto de tutela da garantia de inamovibilidade-, sendo necessário para que se verifique que a transferência afecte substancialmente a estabilidade daquela organização, indo para além dos simples transtorno ou incómodos. Partilhando-se também deste entendimento, concordamos com o Tribunal a quo, crendo ser de concluir que face ao “circunstancialismo indiciariamente apurado, afigura-se-nos que não estamos aqui perante um mero transtorno ou prejuízo de pequena importância, mas antes perante uma modificação substancial do “plano de vida” do requerente que poderá mesmo colocar em risco a sua saúde”, como tal consubstanciando “um prejuízo que se traduz numa perturbação intensa dos interesses do requerente e, logo, perante um prejuízo que não lhe é exigível suportar”, obstando à prevalência do direito da Ré a alterar o seu local de trabalho.III. DECISÃOEm face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida. Custas do recurso pela recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º do CPC). Porto, 18 de Novembro de 2019 Jerónimo Freitas Nelson Fernandes Rita Romeira